UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA – UNESP FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA CAMPUS DE PRESIDENTE PRUDENTE O TRABALHO NO LIXO MARCELINO ANDRADE GONÇALVES Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista – UNESP, com vistas à obtenção do título de Doutor. PRESIDENTE PRUDENTE 2006 Ficha catalográfica elaborada pelo Serviço Técnico de Biblioteca e Documentação – UNESP – FCT – Campus de Presidente Prudente G627t Gonçalves, Marcelino Andrade. O Trabalho no lixo / Marcelino Andrade Gonçalves. - Presidente Prudente : [s.n], 2001 303 f. : il. ; graf. Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Tecnologia Orientador: Antônio Thomaz Júnior Co-Orientador: Antônio Cezar Leal 1. Geografia. 2. Reciclagem - Indústria.. 3. Coleta seletiva. 4. Resíduos recicláveis. I. Gonçalves, Marcelino Andrade. II. Thomaz Júnior, Antônio. III. Leal, Antônio Cezar. CDD (18.ed.)910 TERMO DE APROVAÇÃO MARCELINO ANDRADE GONÇALVES O TRABALHO NO LIXO Tese Com Vistas à Obtenção do Título de Doutor em Geografia Banca Examinadora Orientador: Prof. Dr. Antônio Thomaz Junior Co-orientador: Prof. Dr. Antônio Cezar Leal Examinador Prof. Dr......................................................................................................... Examinador Prof. Dr......................................................................................................... Examinador Prof. Dr......................................................................................................... Examinador Prof. Dr......................................................................................................... Presidente Prudente,_________ de________ de 2006. Aos meus amigos AGRADECIMENTOS Aos Orientadores e Amigos, Antônio Thomaz Junior e Antônio Cezar Leal. A Orientadora Prof.Drª. Margarida Queirós, do Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa. Aos Professores Paulo Morgado, Jorge, Nuno, Eduarda, Diogo Abreu, Alexandra e Mário Vale, pelo apoio durante o estágio no Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa. Aos trabalhadores das cooperativas e associações de catadores de Presidente Prudente, Álvares Machado, Pres.Epitácio, Rancharia, Assis e Ourinhos, com a certeza de construir um mundo melhor. A minha mãe Etelvina e ao meu pai Afonso pela simplicidade. Aos meus irmãos Tadeu, Renato Geruza e André e aos meus sobrinhos Otávio, Renan, Renato, Isabela e Marina que são lindos, mesmo sendo meus parentes! A Flávia Ikuta pela amizade, pelo amor e pelo companheirismo que construímos. Aos irmãos de fé Ricardo Bozza, Julho César Ribeiro, Alexandre Ribas, Divino, Sônia, Sílvia, Jorge e Fernanda, Rodolfo, Timóteo, Janete e Santiago, Fabrício Bauab, Jones, José Augusto da Silva, Claudemir Lima, Cida e Mitsuo, Marcelo e Terezinha, Virginia Reyes, Maria Franco e Lima, Atamis, Bruna, Nécio, Marquiana, Márcia, Ana e João, Márcio, Gilnei e Cristina, Fabrícia, Franciane, Fernando, Patrick, Silvinha, Márcio Celeri, Eduardo e Regiane. Aos meus tios Darci Pereira de Andrade, Manoel Andrade e Enaile pelo apoio. Aos Professores Carlos Ladeia e Ana Maria da Unesp de Assis, com os quais tenho aprendido muito. Aos professores do grupo 3R da UFSCar, Amadeu Logarezzi e Maria Zanim, que sempre nos deram apoio no desenvolvimento dos Projetos. Aos Professores Eliseu Savério Spósito, Encarnação Beltrão Spósito, Raul Borges, Nivaldo Hespanhol, Jayro Gonçalves Mello, Marília Coelho.. Aos amigos do Centro de Estudos de Geografia do Trabalho (CEGeT). Aos amigos do Grupo Gestão Ambiental e Dinâmica Sócio-Espacial (GADIS). Aos Amigos de Assis, Ednei (Go), Roberto e Jéferson. Á Lúcia, Nair, Neide, D. Gilda e Ademar estendendo os agradecimentos a todos os funcionários da Universidade. Não sei o que é a vida de um patife, pois sou um homem honrado e a vida de um homem honrado é abominável. Xavier de Maistre, por Fausto Wolff. Pasquim XXI, Número 74, 2003 GONÇALVES, M.A. O TRABALHO NO LIXO. Presidente Prudente: FCT, UNESP, 2005. 307 f. Tese (Doutorado) – Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, 2006. Resumo: Entender as formas de utilização/exploração do trabalho na coleta e recuperação dos resíduos sólidos recicláveis foi o principal objetivo deste trabalho. O trabalho dos catadores nos lixões, a inserção destes trabalhadores no circuito econômico dos resíduos recicláveis, marcado pela informalidade, pela exploração de pequenos e grandes negociantes e pela dominação dos que controlam o processo de industrialização, são alguns temas discutidos. A presença do poder público municipal na triagem e comercialização dos resíduos, através da instalação das Centrais de Triagem, é mais um elemento discutido. A pesquisa teve como recorte territorial os Municípios que compõem a Unidade de Gerenciamento de Recursos Hídricos do Pontal do Paranapanema, UGRHI-22. Partindo do pressuposto de que os índices de recuperação dos resíduos e de reciclagem de materiais no Brasil, são alcançados a partir da exploração e da precarização do trabalho dos catadores, procuramos abordar também as formas de organização coletiva que atualmente estão aparecendo: cooperativas e associações. Neste sentido, apresentamos o processo que vivenciamos de organização da Cooperativa de Catadores de Presidente Prudente. Com relação às questões organizativas dos trabalhadores catadores, discutimos o Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCMR) e o seu recente processo de criação e formação, destacando as formas regionais de organização através da formação dos Comitês Regionais, processo que pudemos acompanhar de perto como apoiador no Oeste Paulista. As formas e as dificuldades encontradas pelos trabalhadores catadores para organização, a relação com os poderes públicos locais e a situação das cooperativas no mercado dos resíduos de reciclagem são pontos sobre os quais aprofundamos o debate. Ainda dentro da lógica de recuperação dos resíduo recicláveis, apresentamos a metodologia utilizada em Portugal para a coleta e valorização dos materiais contidos nos resíduos sólidos e, especialmente nas ebalagens. De maneira geral, procuramos discutir algumas contradições da sociedade do capital regida por um sistema destrutivo, que muitas vezes apresenta a reciclagem de resíduos sólidos como solução para os problemas decorrentes do consumismo, pela crescente geração de resíduo, ao mesmo tempo em que estimula o desperdício de imensas quantidades de energia, para o deleite de poucos, relegando a maior parte da humanidade à miséria. Palavras –Chave: trabalho; trabalhador catador; resíduos recicláveis; lixo; reciclagem; mercadoria; cooperativa; coleta seletiva; movimento de organização, informalidade GONÇALVES, M. A. EL TRABAJO EN LA BASURA. Presidente Prudente: FCT, UNESP, 2005. 307 p. Tesis (Doctorado) – Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, 2006. Resumen: Entender las formas de utilización/explotación del trabajo en la recogida y recuperación de los residuos sólidos reciclables fue el principal objetivo de este trabajo. El trabajo de las personas que buscan entre la basura de los basureros, la inserción de estos trabajadores en el circuito económico de los residuos reciclables, marcado por la informalidad, por la explotación realizada por pequeños y grandes intermediarios y por la dominación de los que controlan el proceso de industrialización, son algunos temas discutidos. La presencia del poder público municipal en la selección y comercialización de los residuos, a través de la instalación de las Centrales de Selección, es otro elemento debatido. La investigación tuvo como recorte territorial los municipios que componen la Unidad de Administración de Recursos Hídricos del Pontal do Paranapanema, UGRHI-22. Partiendo del presupuesto de que los índices de recuperación de los residuos y de reciclaje de materiales en Brasil, son alcanzados a partir de la explotación y de la precarización del trabajo de las personas que recogen y seleccionan la basura por su cuenta en los basureros y por las calles (catadores), procuramos abordar también las formas de organización colectiva que actualmente están apareciendo: cooperativas y asociaciones. En este sentido, presentamos el proceso que vivimos de organización de la Cooperativa de Catadores de Presidente Prudente. En relación a las cuestiones organizativas de los trabajadores catadores, discutimos el Movimiento Nacional de los Catadores de Materiales Reciclables (MCMR) y su reciente proceso de creación y formación, destacando las formas regionales de organización a través de la formación de los Comités Regionales, proceso que pudimos acompañar de cerca en el Oeste Paulista como incentivador. Las formas y las dificultades encontradas por los trabajadores catadores para su organización, la relación con los poderes públicos locales y la situación de las cooperativas en el mercado de los residuos de reciclaje son puntos sobre los cuales profundizamos el debate. Todavía dentro de la lógica de recuperación de los residuos reciclables, presentamos la metodología utilizada en Portugal para la recogida y valorización de los materiales contenidos en los residuos sólidos de embalajes. De forma general, buscamos presentar algunas contradicciones de una sociedad regida por un sistema destructivo, que muchas veces plantea el reciclaje de residuos sólidos como solución para los problemas generados por la creciente producción de residuos, al mismo tiempo en que estimula el desperdicio de inmensas cantidades de energía, para el deleite de pocos, relegando gran parte de la humanidad a la miseria. Palabras clave: trabajo; trabajador catador; residuos reciclábles; basura; reciclage; mercaduría; cooperativa; colecta selectiva; movimiento de organización; informalidad LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Localização dos Municípios que compõem a UGRHI – Pontal do Paranapanema................................................................................................................. 32 Figura 2 - Número de Trabalhadores Catadores por Unidade de Gerenciamento de Recursos Hídricos do Estado de São Paulo – 2002........................................................ 38 Figura 3 - Municípios onde há Trabalhadores Catadores nos Lixões da UGRHI- Pontal do Paranapanema - SP 2003.............................................................................. 41 Figura 4 - Localização dos Compradores de Resíduos Recicláveis Coletados nos Lixões dos Municípios que Compõem a UGHRI - Pontal do Paranapanema – 2003. 92 Figura 5- Descrição Esquemática de uma Usina de Compostagem.............................. 126 Figura 6 - Municípios com Usinas de Triagem e Compostagem de Resíduos Sólidos na UGRHI - Pontal do Paranapanema- 2003.................................................................. 132 Figura 7 - Sistemas de Gestão de Resíduos Sólidos no Continente - Portugal, 2005... 156 Figura 8 - Sistemas de Gestão de Resíduos Sólidos Multimunicipais regulados pela EGF - Portugal, 2005...................................................................................................... 158 Figura 9 - Municípios que compõem o Sistema VALORSUL: Recolha de Resíduos Sólidos Urbanos (em Toneladas) 2001.......................................................................... 170 Figura 10 – Esquema Ilustrativo das Estapas do Processo de Incubação......................241 LISTA DE FOTOGRAFIAS Foto 1 - Trabalhadores catadores no lixão de Presidente Prudente (SP), 2004............. 43 Foto 2 - Trabalhadores realizando a catação ao mesmo tempo em que a máquina realiza a compactação do lixo em Presidente Prudente (SP), 2004................................ 45 Foto 3 - Trabalhadores no lixão de Pirapozinho (SP), 2003.......................................... 47 Foto 4 - Identificação dos catadores no lixão de Pirapozinho (SP), 2003..................... 49 Foto 5 - Inflamação nos dedos das mãos de uma catadora do lixão de Presidente Prudente (SP), 2004........................................................................................................ 51 Foto 6 - Material acumulado ao lado de um barraco construído no lixão de Teodoro Sampaio (SP) 2003......................................................................................................... 52 Foto 7 - Veículo utilizado na compra dos resíduos recicláveis no lixão de Presidente Prudente (SP) 2004......................................................................................................... 80 Foto 8 - Catador trabalhando em sua prensa improvisada, Iepe (SP) 2003................... 85 Foto 9 - Fardo de papelão produzido artesanalmente – 2003........................................ 86 Foto 10 - Foto 10 – Material amontoado para venda conjunta em Sandovalina no Pontal do Paranapanema (SP), 2003............................................................................... 87 Foto 11 - Local de aterro de resíduos em sólidos domiciliares em Anhumas ( SP), 2003................................................................................................................................ 96 Foto 12 - Usina de triagem e compostagem de Presidente Bernardes (SP), 2003......... 133 Foto 13 - Lixo domiciliar urbano enviado a usina de triagem e compostagem de Presidente Bernardes (SP), 2003.................................................................................... 135 Foto 14 - Foto 14 - Fardos de PEBD acumulados na usina de triagem e compostagem de Presidente Bernardes (SP), 2003. ...................................................... 137 Foto 15 - Pilhas acumuladas no depósito da usina de triagem e compostagem de Presidente Bernardes (SP), 2003.................................................................................... 138 Foto 16 - Trabalho de triagem do lixo em Martinópolis (SP), 2003.............................. 140 Foto 17 Ecoponto instalado na cidade de Lisboa, 2005................................................. 178 Foto 18 – Ecoponto com problemas de superlotação, 2005........................................... 179 Foto 19 - Caminhão utilizado para coleta dos resíduos volumosos, Lisboa (PT), 2005 184 Foto 20 – Móveis e eletrodomésticos dispostos no ecocentro, Lisboa (PT), 2005........ 184 Foto 21 – Aplicação do questionário no lixão de Presidente Prudente, 2001................ 192 Foto 22 – Primeira reunião fora do lixão com os trabalhadores catadores para a apresentação do projeto, 2002........................................................................................ 193 Foto 23 – Cooperados na divulgação no bairro Ana Jacinta em Presidente Prudente, 2002................................................................................................................................ 204 Foto 24 - Entrega das chaves do caminhão para os Cooperados, 2004......................... 206 Foto 25 – Esteira instalada na Cooperlix para realização da triagem dos resíduos sólidos recicláveis, 2004................................................................................................. 207 Foto 26 - Trabalhadores prensando resíduos recicláveis na Cooperlix, 2004................207 Foto 27 - Caminhada dos Participantes do “II Festival Lixo e Cidadania” até a Assembléia Legislativa de Minas Gerais, 2004.............................................................. 259 Foto 28 – Audiência Pública realizada na Assembléia Legislativa Estadual de Minas Gerais, 2004.................................................................................................................... 259 Foto 29 - Mesa de abertura do I Encontro Regional dos Trabalhadores Catadores de Materiais Recicláveis. Assis-SP, 2004........................................................................... 262 Foto 30 – Participantes da Reunião do Comitê Regional, Sudoeste Paulista, do Movimento Nacional dos Catadores, em Rancharia (SP), 2004.................................... 267 Foto 31 – Abertura da Reunião do Comitê Regional dos catadores em Ourinhos(SP), 2004................................................................................................................................ 270 Foto 32 – Mesa formada pelos representantes dos catadores na quinta Reunião do Comitê Regional, 2004.................................................................................................. 272 Foto 33 - Reunião dos grupos para debate da Carta de Princípios do Movimento Nacional dos Catadores, 2004........................................................................................ 275 Foto 34 - Marcha de abertura do “V Fórum Social Mundial em Porto Alegre”............ 279 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 - Número de Trabalhadores Catadores no Lixão de Presidente Prudente em Relação ao Total da UGRHI – 22.................................................................................... 57 Gráfico 2 - Número de Trabalhadores Catadores nos Lixões do Pontal do Paranapanema (2002-2003)............................................................................................. 60 Gráfico 3 - Tempo de Trabalho nos Lixões da UGRHI Pontal do Paranapanema........ 64 Gráfico 4 - Faixa Etária dos Trabalhadores Catadores Entrevistados nos Lixões dos Municípios da UGRHI Pontal do Paranapanema............................................................ 68 Gráfico 5 - Divisão por Gênero dos Trabalhadores Catadores Entrevistados nos Lixões dos Municípios da UGRHI-22............................................................................. 69 Gráfico 6 - Atuação Profissional dos Catadores Anterior ao Lixão por Setores da Economia......................................................................................................................... 73 Gráfico 7 - Renda Mensal dos Trabalhadores Catadores nos Lixões do Pontal do Paranapanema.................................................................................................................. 76 Gráfico 8 – Número de Municípios do Estado de São Paulo que Assinaram o TAC.... 95 Gráfico 9 - Tratamentos e Destino dos RSU – 1995...................................................... 151 Gráfico 10: Resíduos de Embalagens produzidos na UE 15.......................................... 168 Gráfico 11 : Quantidades de resíduos de embalagens reciclados na União Européia em 2001 (%).................................................................................................................... 168 Gráfico 12 - População e Geração de Resíduos Sólidos Urbanos por Região, Portugal 2001................................................................................................................................. 171 Gráfico 13 - Número de Trabalhadores Cooperados que já Tiveram Registro em Carteira............................................................................................................................ 198 Gráfico 14 – Faixa etária dos Cooperados...................................................................... 201 Gráfico 15 - Papelão Comercializado no Período de Abril de 2003 a Março de 2004.. 214 Gráfico 16 - Quantidade de Embalagens de Cimento Comercializada no Período de Abril de 2003 à março de 2004....................................................................................... 215 Gráfico 17 - Quantidade Comercializada de Garrafas PET no Período de Abril 2003 a Março 2004.................................................................................................................. 216 Gráfico 18 - Comercialização de Sucata Durante o Período de Abril de 2003 a Março de 2004............................................................................................................................ 216 Gráfico 19 - Comercialização de Alumínio Durante o Período de Abril de 2003 a Março de 2004................................................................................................................. 218 Gráfico 20 - Material Coletado em Programas de Coleta Seletiva* (peso).................... 220 Gráfico 21 - Vasilhames Comercializados pela Cooperlix, Abril de 2003 a março de 2004. (em unidades)........................................................................................................ 221 Gráfico 22 - Evolução da Instalação de Programas de Coleta Seletiva no Brasil – 1994 – 2004..................................................................................................................... 229 LISTA DE TABELAS TABELA 1 - Número de Trabalhadores catadores por UGRHI do Estado de São Paulo – 2002...................................................................................................................... 39 TABELA 2 - Número de Catadores em Aterro nos anos de 2002 e 2003 nos municípios da UGRHI - Pontal do Paranapanema- SP................................................... 56 TABELA 3 - Municípios da UGRHI Pontal do Paranapanema que Apresentaram Acréscimo no Número de Catadores nos Lixões entre 2002 e 2003................................ 59 TABELA 4 - Tempo de Trabalho dos Catadores Entrevistados nos Lixões dos Municípios da UGRHI Pontal do Paranapanema – 2003................................................. 63 TABELA 5 - Trabalhadores Catadores nos Lixões, Segundo Faixa Etária e Sexo nos Municípios da UGRHI Pontal do Paranapanema............................................................. 67 TABELA 6 – Experiência Profissional dos Trabalhadores Catadores dos Lixões dos Municípios do Pontal do Paranapanema-SP..................................................................... 71 TABELA 7 – Renda dos Trabalhadores(as) Catadores(as) nos Lixões da UGRHI - Pontal do Paranapanema (SP)......................................................................................... 77 TABELA 8 - Preços Pagos pelos Resíduos Recicláveis ................................................ 89 TABELA 9 - Número de trabalhadores Catadores nos locais de disposição final - 2002 e 2003...................................................................................................................... 96 TABELA 10 - Material Reciclável Separado na Usina de Triagem e Compostagem de Presidente Bernardes (SP) – 2003.................................................................................... 136 TABELA 11 - Preços Pagos pelos Resíduos Recicláveis na Usina de Triagem e Compostagem de Presidente Bernardes........................................................................... 137 TABELA 12 - Tipos de Resíduo Recicláveis Separados na Usina de Triagem e Compostagem de Martinópolis (SP)................................................................................ 141 TABELA 13: Dimensão de Diferentes Sistemas Multimunicipais de Gestão de RSU, Portugal - 2005................................................................................................................. 157 TABELA 14: População e Resíduos Recolhidos na Região da Grande Lisboa - 2001 172 TABELA 15: Resíduos Recolhidos na Cidade de Lisboa................................................ 183 TABELA 16 – Campo de Atuação Profissional dos Trabalhadores da Cooperativa ..... 198 TABELA 17 - Quantidade Mensal de Materiais Recicláveis Comercializados pelas Cooperativas e Associações Mensalmente, 2004............................................................ 273 SUMÁRIO LISTA DE FIGURAS LISTA DE FOTOGRAFIAS LISTA DE GRÁFICOS LISTA DE TABELAS APRESENTAÇÃO........................................................................................................ 15 INTRODUÇÃO............................................................................................................. 21 1. A Territorialidade do trabalho de catação de resíduos recicláveis em lixões da UGRHI -Pontal do Paranapanema............................................................................... 31 1.1 Trabalho nos lixões dos municípios da UGRHI - Pontal do Paranapanema............... 40 1.1.1 Os catadores............................................................................................................ 53 1.2 O comércio dos resíduos recicláveis.......................................................................... 78 1.3 Aterros fechados para os catadores............................................................................. 93 2. A Reciclagem de materiais e a diminuição da vida útil das mercadorias...................................................................................................................... 101 2.1 Trabalho vivo na catação do trabalho morto............................................................... 114 3. O Processo de recuperação dos resíduos recicláveis: o trabalho nas usinas de triagem e compostagem no Brasil e o sistema multimunicipal em Lisboa - PT.................................................................................................................................... 124 3.1 O trabalho na separação dos recicláveis nas usinas de triagem e compostagem....... 124 3.1.1 As usinas de triagem e compostagem de Martinópolis e Presidente Bernardes..... 131 3.1.2 As diferentes formas de relação e de exploração do trabalho na triagem dos recicláveis........................................................................................................................ 142 3.2 Resíduos sólidos e reciclagem em Portugal: o caso de Lisboa-PT............................. 148 3.2.1 O sistema multimunicipal VALORSUL.................................................................. 169 3.2.2 A coleta seletiva de resíduos recicláveis em Lisboa................................................ 177 3.2.3 Algumas considerações sobre este sistema.............................................................. 186 4. O processo de organização da Cooperativa dos Trabalhadores em Resíduos Recicláveis de Presidente Prudente............................................................................... 190 4.1 A organização dos trabalhadores catadores ............................................................... 193 4.2 Quem são os trabalhadores da Cooperativa de Trabalhadores em Produtos Recicláveis de Presidente Prudente (Cooperlix) ?............................................................ 197 4.3 A coleta seletiva em Presidente Prudente................................................................... 203 4.3.1 Dos resíduos coletados às mercadorias comercializadas........................................ 212 4.4 A inserção da cooperativa dos Trabalhadores em Produtos Recicláveis de Presidente Prudente no circuito econômico da reciclagem............................................. 222 4.4.1 A cooperativa enquanto lugar da possível construção de resistência econômica à lógica destrutiva do capital.............................................................................................. 234 4.5 A organização das cooperativas de catadores na perspectiva da economia solidária........................................................................................................................... 237 5. O Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis no Brasil e a formação do Comitê Regional Sudoeste Paulista......................................................... 245 5.1 A organização do Comitê Regional dos Catadores de Materiais Recicláveis do “Sudoeste Paulista”........................................................................................................... 261 5.1.1 As Reuniões do Comitê Regional dos Catadores Sudoeste Paulista........................ 264 5.2 O II Congresso Latino-Americano de Catadores ....................................................... 276 5.3 Reterritorialização do Trabalho: do Lixo aos Resíduos Recicláveis......................... 279 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................... 284 7. REFERÊNCIAS.......................................................................................................... 293 APÊNDICE ANEXOS 15 Apresentação Desde que passamos a freqüentar a Universidade sempre ouvimos dizer que o resultado das pesquisas de mestrado e doutorado eram frutos de um trabalho solitário. Com certeza essa afirmação não se aplica aos resultados que aqui apresentamos e que sem dúvida resultam de um esforço e de uma participação coletiva. Um processo que coube a nós, sistematizar, aprofundar em alguns pontos e buscar transformar em um texto acadêmico e científico. A pesquisa sobre os catadores inicia-se ainda no mestrado, momento no qual estudamos a informalidade do trabalho a partir da territorialidade assumida pelos camelôs e catadores de papel/papelão em Presidente Prudente. Essa experiência nos deixou muitas inquietações, que felizmente conseguimos sistematizar em um conjunto de questões que tomou corpo em um pré-projeto apresentado no processo de seleção para o doutorado. Fizemos a opção por aprofundar a pesquisa sobre as transformações atuais do mundo do trabalho, de maneira a entender melhor os processos que levam ao crescimento do desemprego, da precarização e da informalidade do trabalho. Tínhamos como ponto de partida o trabalho dos camelôs e sua territorialidade no Oeste do estado de São Paulo. Porém, como a vida é movimento e tudo acontece ao mesmo tempo e agora, eis que surgiu nesse período uma oportunidade interessante de aprofundarmos a pesquisa com outro grupo de trabalhadores, que desenvolvem suas atividades em condições ainda mais perniciosas, os catadores de resíduos recicláveis. Entender o trabalho na catação, por dentro da lógica do sistema produtor de mercadorias, nos apresentava uma diversidade de questões e um grande desafio. Esse despertar, essa mudança, resulta da nossa participação em um projeto de políticas públicas voltado para esse segmento em Presidente Prudente. O referido projeto começou a ser executado no final do ano de 2001, com a aprovação do mesmo junto à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), na alínea Políticas Públicas, sob responsabilidade dos Professores doutores Antônio Cezar Leal, Antonio Thomaz Junior e Neri Alves. Intitulado: “Educação Ambiental e Gerenciamento Integrado dos Resíduos Sólidos em Presidente Prudente-SP: Desenvolvimento de Metodologias para Coleta Seletiva, Beneficiamento do Lixo e Organização do Trabalho”, tinha como um dos objetivos propor aos trabalhadores catadores que atuavam no lixão da cidade, uma nova forma de organização do trabalho nessa atividade. O resultado dessa experiência, além de várias pesquisas em diferentes 16 níveis, possibilitou intervenção direta na realidade vivida pelos trabalhadores catadores que atuavam no lixão naquele período. Com a decisão de aprofundar os estudos sobre o trabalho na catação, o nosso projeto de pesquisa de doutorado passou a se confundir em alguns momentos com o desenvolvimento do Projeto de Políticas Públicas. Ao mesmo tempo em que nos propúnhamos investigar o trabalho no lixo, trabalhávamos diretamente com os catadores no sentido de promover a organização e a transformação de uma realidade radicalmente dura e que com o passar do tempo passou a ter nome. O nome dessa realidade é o de todas as pessoas que conhecemos nesse processo, com as quais pudemos vivenciar momentos de descontração, de frustração, ilusão/desilusão, mas que nos possibilitou um rico e inigualável aprendizado pessoal e que tentamos dividir com os demais companheiros. Um dos maiores desafios que se colocou diante de nós nesta pesquisa foi justamente o de entender o trabalho dos catadores dentro do circuito econômico da reciclagem, a estrutura de poder, de dominação e de subordinação dos catadores pelos demais agentes envolvidos nesta trama, posto que esta relação de exploração do trabalho na catação é também fruto de determinações mais amplas, as quais envolvem a sociedade como um todo, orientada por uma lógica de otimização das condições sociais e econômicas que visa à reprodução ampliada do capital, que nesse processo reinventa e cria novas formas de exploração do trabalho. À medida que enfrentávamos os desafios, nos deparávamos com contradições inerentes a todo esse processo, que explicitavam questões que se tornaram importantes para o desenvolvimento da pesquisa. Desta forma, o que leva a sociedade atual a empenhar esforços para produzir mercadorias e descartá-las em seguida; o que leva a aceleração do desperdício se ainda há várias pessoas que não têm acesso ao consumo; o que move a indústria da reciclagem de materiais se a tendência é a aceleração do consumo e do descarte das mercadorias; por que as formas atuais de organização do trabalho na catação e na triagem dos recicláveis são importantes para os trabalhadores, mas não representam ainda uma força contrária ao sistema do capital? Foram questões sob as quais nos debatemos e que ainda nos movem para além desta pesquisa. Estas questões e a nossa busca pelas respostas puderam se intensificar a partir do nosso trabalho em outro projeto de pesquisa, coordenado pelo Professor Dr. Antônio Cezar Leal, em que realizamos o diagnóstico da situação dos resíduos sólidos na Bacia Hidrográfica do Pontal do Paranapanema, no qual levantamos informações sobre o 17 trabalho dos catadores nos locais de disposição de resíduos sólidos domiciliares urbanos nos municípios localizados na área de estudo. Essa pesquisa nos ajudou a obtermos informações e entendermos melhor as várias faces do trabalho de catação dos recicláveis nos lixões em âmbito regional, que em cada um dos locais visitados apresentava especificidades com relação não só à composição da força de trabalho envolvida, mas também da relação dos catadores com o poder público local e com os compradores intermediários, apresentando-nos mais pistas sobre a diversidade de elementos que povoam o universo do trabalho na catação, de forma que pudemos caracterizar melhor os trabalhadores catadores, que apesar da diversidade de histórias de vida pessoal, apresentaram um traço comum, que é a situação do desemprego e da opção pela catação como sendo a única forma de conseguir meios para sua sobrevivência. Os diferentes grupos de catadores nos deram pistas para pensarmos também sobre como o processo geral de reprodução do capital, que exclui um grande número de trabalhadores colocando-os na condição de desemprego, ganha toda sua grandeza de força destrutiva da vida humana quando se territorializa nos lixões, uma condição que ameaça e assusta a todos os trabalhadores brasileiros, mas que aí não se limita, afinal os princípios orientadores do sistema do capital atingem mesmo aqueles trabalhadores que estão empregados, diminuindo ou extinguindo direitos trabalhistas, precarizando as condições de trabalho e desarticulando a capacidade organizativa e de resistência da classe trabalhadora. No período em que todas essas questões compareciam, já trabalhávamos então em três frentes diferentes, o Projeto de Políticas Públicas, o Diagnóstico dos Resíduos no Pontal e a Tese. Além é claro, das ações e discussões internas aos grupos de pesquisa, que são o Centro de Estudos de Geografia do Trabalho (CEGeT), que se ocupa em suas pesquisas das questões atinentes às transformações do mundo do trabalho e o Grupo de Pesquisa Gestão Ambiental e Dinâmica Social (GADIS). Nessa aproximação de grupo de pesquisadores, criou-se um espaço no qual encontramos até hoje o apoio para construirmos o nosso referencial teórico e político para o desvendamento das questões postas. Na construção desses referenciais, pudemos contar também com a contribuição de pessoas pertencentes a outras instituições, das quais pudemos nos aproximar durante a realização destes projetos. Foi assim com os Professores Amadeu Logarezzi e Maria Zanin, membros do Grupo Pesquisa 3R “ Núcleo de Reciclagem de Resíduos” da Universidade Federal de São Carlos/UFSCar, que nos levaram a conhecer mais sobre os resíduos sólidos, 18 os processos de organização dos trabalhadores em cooperativas e a constituição da Incubadora Regional de Cooperativa Populares da UFSCar (INCOOP). Certo de que temos que aproveitar as oportunidades que construímos, embarcamos em mais uma empreitada durante o curso de doutoramento, realizando um estágio de seis meses junto ao Centro de Estudos Geográficos (CEG) da Universidade de Lisboa, em Portugal, sob orientação da Prof.ª Drª. Margarida Vilar de Queirós, uma profissional atuante e que nos acompanhou em todos os trabalhos de campo que fizemos. Com certeza nesse doutoramento não nos faltaram orientadores com bons referenciais. Neste estágio, no qual pudemos analisar a partir da territorialidade assumida pelo sistema de gestão de resíduos sólidos em Lisboa, as formas de organização do trabalho no sistema de coleta, transporte, tratamento e destinação dos resíduos sólidos domicíliares, procuramos entender também um pouco mais sobre o papel desempenhado pelo Estado e pelas indústrias da reciclagem nesse circuito econômico, que tem uma configuração diferente da que conhecemos no Brasil. A recuperação e a reciclagem dos resíduos no modelo que conhecemos em Portugal têm como principal característica a “parceria” do Estado com empresas privadas, estruturadas e desempenhando diferentes papéis no processo de coleta, triagem e tratamento destes, sendo que elas atuam nos setores de tratamento, reciclagem e recuperção da energia contida nos resíduos, o que garante a reprodução do capital aplicado no setor, já que os custos da coleta e recuperação, por exemplo, ficam com as administrações municipais. A eficiência exigida pelo mercado e as regras para fazer parte desse modelo extinguiu a participação de agentes informais no setor, acabando com a catação dos resíduos recicláveis nas ruas e nos locais de disposição final. O serviço nesse setor passou a ser realizado com emprego de novas tecnologias e com melhoria na gestão, implicando em novas formas de exploração/utilização de trabalho. Esse modelo, baseado na “parceria” das empresas com o Estado para atuação no setor da valorização e da reciclagem de resíduos, tende a ser exportado para o restante do mundo e, claro, pode chegar ao Brasil, o que terá rebatimentos sobre todo o circuito, mas atingirá com toda sua força o trabalho dos catadores de recicláveis de forma geral. Claro está, que sem a organização política dos trabalhadores não haverá como fazer frente a esse processo, colocando ainda a eles mais uma questão nessa disputa, que é a de brigar pelo trabalho com os recicláveis, mas não pelo trabalho no lixo. O que significa que a possibilidade de uma transformação social radical que possibilite aos trabalhadores catadores deixarem de viver da catação, mas continuarem a viver dignamente como 19 qualquer outro ser humano, pode ser capturada dentro desse novo sistema, no Brasil, sem mudar as condições precárias em que sobrevivem. Além do aprendizado da pesquisa, foi muito interessante conhecermos um pouco mais sobre a Geografia portuguesa, o vinho, as pessoas e sobre a história de um país territorialmente pequeno, mas de uma diversidade cultural, política e paisagística fantástica. Ali, com certeza deixamos bons amigos, plantamos idéias e comungamos preocupações. Enfim, todo esse foi um período de muito trabalho e de um aprendizado incrível, que não se deu somente pela experiência da participação nas pesquisas, mas também por meio da convivência com pessoas do mais alto nível intelectual, dentro e fora da Universidade, das quais a maior lição que nos deram foi de que ainda é possível construir conjuntamente um mundo diferente, com solidariedade e amizade. Por tudo isso, dizemos que esta não foi uma pesquisa solitária! É certo também que no caminhar deste trabalho o pesquisador e o militante confundiram-se muitas vezes, gerando situações conflitantes, em que não sabíamos se estávamos a estudar a situação ou a construí-la, a contestá-la, ou a negá-la. Porém, essa confusão não nos tirou a certeza de que o aprendizado só faria sentido se servisse ao propósito político de organização e transformação positiva da realidade vivida por todos nós. Claro, como o trabalho teve que ser escrito individualmente, temos que assumir as imperfeições, as incongruências e até as incertezas que ele apresenta como fruto do nosso processo de aprendizado, e fazemos isso com a certeza de que continuaremos aprendendo com aqueles que nos cercam, estejam eles distantes ou próximos, nas Universidades ou nos lixões ou em qualquer outro lugar onde estejam. 21 INTRODUÇÃO As formas de exploração e de organização do trabalho na catação dos resíduos sólidos recicláveis nos lixões e a inserção desses trabalhadores no circuito econômico que envolve a reciclagem dos materiais dos quais estes resíduos são compostos, são o ponto de partida de nosso trabalho de pesquisa. Abarcamos também outros elementos como a organização desses trabalhadores, os programas de coleta seletiva e o comércio dos recicláveis, que também fazem parte do circuito econômico e de estruturas de poder e do controle social em questão. O trabalho na catação de resíduos recicláveis é na atualidade o elemento fundamental deste circuito econômico, sendo a base, como demonstraremos no decorrer do trabalho, de sustentação dos índices de reciclagem de resíduos e dos ganhos que a indústria brasileira envolvida neste setor vem alcançando nos últimos anos. Porém, seja qual for o modo sob o qual o trabalho se (des)organiza para a catação dos resíduos recicláveis, nas ruas, nos lixões, nas usinas de triagem e compostagem, por meio das cooperativas de catadores, etc., os trabalhadores estão sempre expostos aos riscos de lidar diretamente com os mais diferenciados tipos de resíduos, submentendo-se a uma situação de contato com agentes contaminantes nocivos à saúde, sem que isso se reverta em melhores rendimentos para os mesmos. A verdadeira legião de trabalhadores, que no Brasil sobrevive a partir da comercialização dos resíduos recicláveis que interessam à indústria e aos agentes que compõem os circuitos que daí se estruturam, desenvolve suas atividades, na maioria dos casos, à margem do mercado de trabalho formal, sem nenhum tipo de vínculo empregatício com os comerciantes ou as indústrias recicladoras. Na maior parte dos casos encontrados, o desemprego de longa duração e a necessidade de obter meios de sobrevivência levaram estes trabalhadores (homens, mulheres, idosos, crianças) a buscar este tipo de trabalho. A miséria que se aprofunda com o desemprego e obriga estes trabalhadores a viverem do/no lixo é um dos aspectos mais cruéis da sociedade capitalista, que se fundamenta na lógica da produção/consumo de mercadorias, na efetivação do valor de troca em detrimento do valor de uso, objetivando a reprodução ampliada do capital e não a satisfação das necessidades dos homens e das mulheres que produzem estas mesmas mercadorias. Lógica que coloca toda a potencialidade produtiva do ser que trabalha a serviço da criação para o desperdício, fazendo crescer em quantidade e em diversidade os tipos de 22 resíduo sólido gerados, descartados por aqueles que nesta sociedade extremamente desigual ainda podem consumir, antecipando dessa forma o fim da vida útil das mercadorias, para nesse processo acelerar o movimento da própria reprodução capitalista, sem que isso signifique a ampliação do círculo dos consumidores. O mundo hoje tem problemas com a geração dos resíduos descartados pelos que consomem e um outro maior: a fome dos que não têm acesso aos bens produzidos, contradição que encontra explicação na própria forma destrutiva de organização para produção sob o comando do capital. Com o aumento do fluxo de resíduo gerado pelo desperdício, a quantidade de materiais em condições de serem reciclados que é enviada aos locais de disposição é exorbitante. De olho nessa potencialidade econômica, que é a recuperação das qualidades dos materiais que compõem os resíduos através da reciclagem, o capital tem se voltado para a recuperação de diferentes tipos de materiais que passam então a ser utilizados como matéria-prima na indústria da reciclagem. No Brasil, a expansão das indústrias de reciclagem dinamizou esse circuito econômico, que encontrou terreno fértil para garantir a sua lucratividade através do trabalho de milhares de trabalhadores desempregados, com baixa ou nenhuma qualificação profissional (serviços gerais, domésticas, servente de pedreiro, etc.) que como forma de obter algum rendimento são obrigados a desenvolver a catação dos resíduos recicláveis. Diante do contexto do crescente desperdício do qual o lixo é símbolo, o processo de reciclagem comparece como uma ação detentora de uma capacidade de redimir toda a sociedade do capital do processo destrutivo gerado pelo consumismo e pelo descarte dos resíduos. Apesar dos benefícios que pode proporcionar, a reciclagem não dá conta de resolver o crescente problema da geração de resíduos e de lixo. Isso porque, dentro da sociedade do capital, não há como esse circuito econômico, que transforma, beneficia os resíduos recicláveis para revitalizar os materiais para outros usos, contrapor a própria lógica destrutiva, ou seja, a reciclagem industrial e em grande escala só se aplicará nos casos em que a reprodução do capital estiver garantida, não podendo esse processo ser aplicado indistintamente a todo e qualquer tipo de resíduo, mesmo que esse seja potencialmente reciclável. Além disso, como em qualquer outro setor, o capital investido na reciclagem busca diminuir os custos de produção. Neste sentido, as empresas estão sempre objetivando a diminuição dos preços pagos pelas matérias-primas, buscando obter facilidades e privilégios junto às diferentes instâncias de poder político, mas, sobretudo, procurando 23 verticalizar as condições de exploração do trabalho, para que desta maneira se possa extrair a maior quantidade de mais-valia e o máximo de lucro possível. Orientada por essa lógica, a reciclagem dos materiais que compõem os resíduos tem como base, como dissemos, a super-exploração do trabalhador, conhecido como catador, carrinheiro, etc. A precariedade do trabalho da catação revela-se para nós como fundamental para os ganhos dos demais agentes do circuito, já que o cumprimento das leis trabalhistas e os contratos formais de trabalho dos catadores, tornariam a reciclagem dos resíduos menos rentável e economicamente inviável para as indústrias. Neste caso, seria preferível ao capital produzir mercadorias a partir de matérias-primas virgens, o que é sempre uma opção, à medida que haja contratempos que encareçam o processo de reciclagem nos moldes existentes atualmente. É a lucratividade e não propriamente a tomada de consciência dos capitalistas, no que diz respeito a problemas ambientais relativos ao lixo, que estimula a atividade industrial da reciclagem. Desta forma, toda a sociedade tem sido envolvida no movimento de seu fortalecimento, que ressalta, é claro, sempre a positividade da ação, como por exemplo, a diminuição do consumo de energia nos processos produtivos de alguns materiais reciclados e a descontaminação progressiva do “meio ambiente”. As indústrias que reciclam os materiais mais lucrativos estimulam a comunidade a encaminhá-los para os locais corretos, de onde possam ser redirecionados para alimentar seus processos produtivos. Não faltam campanhas nas escolas e em outros lugares onde a comunidade se junta para o descarte “adequado” das latinhas de alumínio, enquanto as embalagens do tipo longa-vida são em grande parte enterradas sem a menor cerimônia. Isso permanecerá até que se encontre uma forma lucrativa de utilização desse resíduo após a reciclagem. Ao mesmo tempo em que muitos ressaltam os altos índices de reciclagem de alguns resíduos, como as embalagens feitas de alumínio (ex: latinhas de cerveja e refrigerante) ou de papel/papelão no Brasil, não se publica normalmente qual a lucratividade obtida pelas indústrias da reciclagem, esquecendo-se com facilidade dos trabalhadores catadores, das condições em que realizam o trabalho e os seus baixos rendimentos. Os legisladores já falam em diminuição dos impostos para indústrias de reciclagem, mas não discutem com firmeza o cumprimento da legislação trabalhista, das condições de vida e de trabalho. Pelo contrário, nesses tempos neoliberais, os direitos dos trabalhadores se flexibilizam sempre a favor do mercado e da tão prometida idéia da geração de emprego, de preferência à base de intensa e crescente precarização. 24 Os trabalhadores catadores, por sua vez, têm procurado se mobilizar e se organizar através de cooperativas e associações para realizar o trabalho de recolha e triagem dos resíduos, às vezes aliado a programas de coleta seletiva, como presenciamos no caso estudado. No entanto, estas organizações têm enfrentando sérios problemas para se firmar dentro deste circuito de relações fundadas no mercado, já que seus membros são pobres e desempregados e quase sempre não têm condições de instrumentalizar ou gerenciar adequadamente esses empreendimentos, de maneira a garantir minimamente um rendimento mensal satisfatório. Não obstante a essas dificuldades, esses espaços têm se tornado de grande valia para a sociabilização e trocas de informação que possibilitem um melhor entendimento da realidade a qual esses trabalhadores enfrentam, da estrutura de poder e de possíveis alternativas de organização e transformação da realidade em que se encontram. Acreditando que poderíamos fazer um texto que possibilitaria ao leitor conhecer melhor as questões aqui destacadas, organizamo-no em cinco capítulos, buscando enfocar a questão do trabalho na catação dos resíduos recicláveis e suas diferentes formas e processos de organização, dentro da lógica de mercado que estimula e dá sentido atualmente à reciclagem desses resíduos em materiais. No primeiro capítulo, abordamos aspectos do trabalho de catação dos resíduos recicláveis em lixões pertencentes aos municípios localizados na Unidade de Gerenciamento de Recursos Hídricos Pontal do Paranapanema, nosso recorte territorial. Aqui abordamos as condições em que os catadores realizam o trabalho nas diferentes localidades, o número de pessoas atuando dentro dos lixões e os dados que nos ajudam a compreender melhor quem são esses trabalhadores. A maioria das informações foi levantada em trabalho de campo no qual percorremos todos os locais citados, falando com os trabalhadores, com funcionários das prefeituras, quantificando e qualificando os dados obtidos. As entrevistas com os catadores tornaram-se um instrumento bastante importante para a compreensão do universo vivido por estes trabalhadores, não se resumindo a um levantamento meramente quantitativo como: quanto cata por dia; quantas horas trabalham etc. Desta forma, à medida que qualificávamos as informações para melhor entender a territorialidade, as mediações e as amarras que envolvem o trabalho da catação e os catadores, dentro e fora do circuito econômico da reciclagem avançávamos também, de forma mais ampla, para a compreensão do sentido do trabalho na sociedade capitalista. 25 É claro que para o aprofundamento das questões teóricas atinentes ao tema, tivemos que recorrer à produção intelectual de vários estudiosos, geógrafos e não geógrafos, que se debruçam sobre o tema do trabalho e da reciclagem dos resíduos. Neste aspecto, estivemos bem servidos e cercados por referências bibliográficas geradas no âmbito do próprio grupo de pesquisa do qual participamos, ou seja, o Centro de Estudos de Geografia do Trabalho (CEGeT). Esse diálogo vai além das citações que nos textos aparecem e tomam forma, creio, no corpo e no conteúdo do mesmo. Neste primeiro capítulo, discorremos também sobre a comercialização dos resíduos recicláveis entre os catadores e os intermediários que atuam na região, procurando entender melhor quais são os mecanismos utilizados pelos compradores para obter as mercadorias e manter suas margens de lucro, já que não são eles que realizam a reciclagem propriamente dita. Outra questão abordada está relacionada ao fechamento de alguns locais de aterro de lixo da região para evitar a entrada e o trabalho dos catadores, sendo esta a única maneira encontrada pelo poder público, em alguns municípios, para resolver o problema da presença de pessoas não autorizadas nessas áreas e adequar-se às normas ambientais estabelecidas, evitando as sanções por parte dos órgãos fiscalizadores. Todas as situações apresentadas foram fotografadas e as imagens por nós selecionadas ilustrarão o texto, de maneira a melhor expressar os assuntos. Como elemento fundante da lógica que leva ao desperdício, abordamos no segundo capítulo a questão relativa à taxa de utilização decrescente das mercadorias, aspecto fundamental do processo de reprodução ampliada do capital na atualidade, demarcando aqui a sua característica destrutiva, que ao estabelecer a supremacia do valor de troca das mercadorias em detrimento do seu valor de uso, leva ao desperdício de uma quantidade imensa de energia na forma física das mercadorias pois, estas não têm mais como objetivo principal a satisfação das necessidades humanas, mas a própria reprodução ampliada do capital. Um desperdício que atinge a todas as mercadorias indistintamente, dentre elas a própria força de trabalho, fato que pode ser observado pelo crescente número de desempregados e de trabalhadores precarizados. Desta forma, nesta seção do texto, analisamos o crescimento da geração de resíduo a partir da diminuição da vida útil das mercadorias, procurando traçar algumas considerações sobre quais são as motivações do capital que atuam nessa cadeia produtiva, discutindo a reciclagem dos materiais e o trabalho na catação dos resíduos sólidos recicláveis, como elementos pertencentes a essa mesma tendência impetrada pelo capital e geradora da aceleração do consumo e do desperdício. 26 A atuação do poder público também é debatida no terceiro capítulo, no qual abordamos o processo de trabalho na separação dos resíduos recicláveis nas usinas de triagem instaladas por prefeituras da região. Os exemplos apreciados dão conta de como este poder público imaginava lucrar com a instalação desses empreendimentos, as formas de organização do trabalho na triagem e os problemas econômicos e ambientais decorrentes desta forma de recuperação dos resíduos recicláveis. As usinas de triagem e compostagem são resultados de uma idéia que objetivava tornar o lixo fonte de renda para as prefeituras, mas que na verdade tornaram-se um grande negócio para os seus fabricantes que venderam várias destas estruturas para um grande número de municípios brasileiros. O trabalho dos catadores, atividade a ser eliminada com a instalação das usinas de triagem e compostagem, toma novas feições com a mediação feita pelas máquinas, mas continua a ser realizado de maneira precária e insegura. A exploração do trabalho dos catadores torna-se, em alguns casos, o meio pelo qual algumas administrações tentam salvar esses empreendimentos e o dinheiro neles investido, ou seja, mais uma vez a exploração do trabalho do catador em condições adversas e precárias, aparece como elemento de sustentação do circuito que envolve a catação e a triagem dos resíduos recicláveis. Nesse capítulo também analisamos a recuperação dos resíduos recicláveis, sobretudo de embalagens fora do Brasil. Uma análise feita a partir do caso português, destacando as transformações que ocorreram nos últimos dez anos naquele país no que tange à gestão dos resíduos sólidos. Esse exercício nos permite demonstrar quais os resultados alcançados com a reestruturação desse sistema, numa perspectiva mais abrangente do que as que temos visto no Brasil e quais os impactos na atividade informal da catação dos recicláveis, que levaram à eliminação da atividade assim caracterizada. A infra-estrutura utilizada e as metodologias para recuperação e valorização dos resíduos recicláveis são apreciadas mais de perto a partir do que pôde ser visto em funcionamento na área metropolitana Norte de Lisboa. A atuação das empresas privadas credenciadas, as formas de intervenção e o apoio do Estado são elementos discutidos e que dão uma dinâmica diferente da brasileira para o circuito econômico que se ocupa da reciclagem e da valorização dos resíduos. No quarto capítulo expusemos o processo de organização da cooperativa de catadores de Presidente Prudente, abordando aspectos históricos de sua constituição que se confunde, em alguns momentos, com a urdidura desse trabalho. A temática da organização das cooperativas, o que elas têm significado para os trabalhadores catadores e quais os seus 27 efeitos no circuito econômico da reciclagem são pensados a partir desse exemplo concreto e da nossa atuação junto a um grupo de pessoas que desenvolveram ações que levaram a sua constituição. Neste aspecto, a nossa atuação junto aos trabalhadores nos permitiu ir além da pesquisa propriamente dita e passar a colaborar diretamente nesse processo de formação, posto que as informações obtidas e sistematizadas foram motivo de debates e instrumentos também de norteamento de algumas ações. Sobre a perspectiva política e ideológica que tem orientado esses empreendimentos, realizamos uma discussão a respeito da economia solidária e sua abordagem em relação à organização da cooperativa de catadores. Assuntos como as dificuldades no processo organizativo dos catadores e os problemas encontrados pela cooperativa para comercializar os resíduos são algumas das questões que também comparecem nesta parte do texto. Esta análise é feita concomitantemente à discussão sobre a implantação do programa de coleta seletiva de resíduos sólidos recicláveis também na cidade de Presidente Prudente, procurando destacar quais os meios infra-estruturais utilizados para a sua implantação, quais as dificuldades que compareceram para a sua otimização e como isso se reflete na organização interna do trabalho. Enfim, procuramos estabelecer uma correlação entre a cooperativa e coleta seletiva, com o propósito de demonstrarmos a importância da organização desses trabalhadores junto a programas dessa natureza, que se bem estruturados permitem a garantia de uma renda mensal e um trabalho em melhores condições do que aquele realizado nos locais de disposição de resíduos. Ainda com relação às formas de organização dos trabalhadores catadores, apresentamos no capítulo cinco o Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR). Um movimento que nasce a partir do estímulo de pessoas ligadas à Igreja católica, que sensibilizadas com a precariedade de vida/trabalho dos catadores estimularam a mobilização dos mesmos, como maneira de melhorar as condições de inserção desse grupo no mercado da reciclagem. Assim, a formação do MNCR tem origem no trabalho desenvolvido com moradores de rua de algumas das capitais de estado brasileiras, a maior parte, catadores carrinheiros. Ao discutirmos a organização do MNCR, que ainda está em movimento, apontamos para a importância da mobilização política dos trabalhadores como forma de colocar as suas reivindicações em pauta para toda a sociedade. No caso estudado, os trabalhadores buscam, além de melhores condições de trabalho/vida, o reconhecimento da sociedade que os marginaliza e discrimina a atividade que desenvolvem (a catação de resíduos 28 recicláveis). Sem essa mobilização os trabalhadores permaneceriam isolados e invisíveis, sem possibilidade de se apresentarem como sujeitos de um processo amplo de mudança, que transforme, não só as condições em que se realiza o trabalho da catação, mas o próprio processo social e histórico que tem levado milhões de trabalhadores a sobreviver miseravelmente. A análise sobre o MNCR também se confunde com a nossa participação junto aos trabalhadores catadores nesse processo organizativo. Uma militância que ganha sentido e força a partir da constituição da cooperativa dos catadores em Presidente Prudente e segue esse conjunto rumo à constituição de uma rede de catadores regional, dentro da perspectiva do Movimento Nacional dos Trabalhadores Catadores. Mais uma vez, fica claro para nós que as informações que sistematizamos ou o conhecimento que construímos durante a pesquisa ganham sentido nesse diálogo. Nesse mesmo capítulo apresentamos então o processo de formação do Comitê Regional do Sudoeste Paulista de Catadores, que nasce com o objetivo de levar informações e organizar os trabalhadores catadores em atividade nos municípios da região, procurando criar espaços para informar e debater, além da situação nacional do trabalhador como catador de resíduos recicláveis, as especificidades locais e temas nacionais como o desemprego e a legislação federal relativa aos resíduos sólidos. Atualmente fazem parte deste Comitê as Cooperativas de Assis, Presidente Prudente, Rancharia, Presidente Epitácio e as Associações de Catadores de Álvares Machado e Ourinhos. No entanto, as condições estruturais que estão sendo criadas e as ações a serem realizadas buscam envolver outros grupos organizados e não organizados, nesse processo. Toda a imensa trama social e econômica que envolve o trabalho na reciclagem que apresentaremos no texto procura demonstrar o sentido que o trabalho de maneira geral assume sob o domínio do capital, que se resume em servir de meio para a própria reprodução capitalista. Nesse sentido, a produção desse mesmo trabalho não objetiva a satisfação das necessidades dos que produzem, nem da sociedade de maneira mais ampla, tem como finalidade a produção de mercadorias que serão comercializadas e que, independentemente da forma como serão utilizadas ou desperdiçadas, já terão realizado no ato da sua compra o seu objetivo principal, que é estimular e acelerar as formas de consumo, e torna-se pedra fundamental para o capital. O produto do trabalho transformado em mercadoria não pertence ao trabalhador e esse não se reconhece no resultado de seu trabalho. Portanto, o que dele será feito não lhe 29 interessa de imediato porque a força de trabalho empregada na produção dessas mercadorias também já não lhe pertencia mais. A venda dessa mercadoria, que é a sua própria energia viva, objetivava a obtenção de um rendimento para trocar por outras mercadorias para garantir a reprodução de sua própria vida. O trabalho sob o capital é então meio, e não manifestação, para garantir a vida. Trabalhar e viver são situações diferentes nessa lógica. Como o resultado do trabalho não visa à satisfação primeira das necessidades dos homens e mulheres, mas a reprodução do capital, depois de garantido esse último objetivo, termina para o capital o sentido da mercadoria. Desta forma se ela será consumida ou desperdiçada não fará diferença. Sob essa mesma lógica, o trabalho é duplamente desperdiçado: como trabalho morto, incorporado no que é desperdiçado, e como trabalho vivo, que mesmo cheio de potencialidades é dispensado pelo capital, não encontrando sentido para a sua aplicação fora desse sistema. 31 CAPÍTULO 1. A TERRITORIALIDADE DO TRABALHO DE CATAÇÃO DE RESÍDUOS RECICLÁVEIS EM LIXÕES1 DA UGRHI PONTAL DO PARANAPANEMA2 O trabalho de recuperação e separação dos resíduos sólidos recicláveis3, realizado pelos catadores visando à comercialização para a industrialização, se dá das mais diferentes formas nos municípios localizados na Bacia Hidrográfica do Pontal do Paranapanema4, Oeste do estado de São Paulo5 (Figura 1), compondo uma estrutura econômica complexa e que estende a sua territorialidade para além destas localidades. Tal estrutura é composta em sua base pelos trabalhadores catadores, pelos compradores (intermediários, atravessadores que vão até os lixões, ou fazem aquisição do material junto aos catadores que atuam nas ruas das cidades), que por sua vez podem comercializar com outros intermediários de maior porte, com capacidade de estocagem e triagem, ou diretamente com as indústrias da reciclagem. Estas, por sua vez, compram os resíduos recicláveis de acordo com o tipo de material que lhes interessa processar. 1 De acordo com o Instituto de Pesquisa Tecnológica (1995), o lixão é uma forma inadequada de disposição de resíduos sólidos, geralmente com a simples descarga sobre o solo, ou em locais sem manejo adequado, como por exemplo, sem a cobertura diária dos resíduos. Os lixões estão associados à presença de animais e de catadores no local. Assim, utilizaremos o termo lixão para os locais de aterro onde há catadores. 2 A pesquisa de campo para o levantamento dos dados relativos aos trabalhadores catadores apresentados nesta, contou com o apoio de outros pesquisadores. Isso se tornou possível através de nossa participação no Projeto de Pesquisa realizado pelo Grupo de Pesquisa Gestão Ambiental e Dinâmica Sócioespacial (GADIS) intitulado “Educação Ambiental e Gerenciamento Integrado de Resíduos Sólidos na UGRHI – 22 – Pontal do Paranapanema”, realizado de agosto a Novembro de 2003. A mesma teve apoio do Comitê de Bacia Hidrográfica do Pontal do Paranapanema e Financiamento do Fundo Estadual de Recursos Hídricos e foi coordenada pelo Prof. Dr. Antônio Cézar Leal. O estudo apresentou como resultado final o diagnóstico sobre a situação geral dos resíduos sólidos urbanos gerados nos municípios da UGRHI – 22, coleta, transporte, tratamento e disposição. Os resultados do trabalho foram publicados em 2004. Durante esta pesquisa de campo percorremos todos os locais de aterro de lixo dos municípios, aplicando um questionário (anexo 1) junto aos catadores, visando ao levantamento de informações sobre a situação social e econômica desses trabalhadores e comércio dos recicláveis. Contamos ainda com o apoio do CEGeT, via o projeto financiado pela alínea Universal do CNPq, coordenado pelo Prof. Dr. Antonio Thomaz Júnior. 3 São os resíduos compostos por materiais passíveis de serem recuperados para nova utilização. Esse tipo de resíduo é, em grande parte, formado pelas embalagens que envolvem produtos duráveis e não duráveis. 4 Esse recorte territorial, que foi a base do estudo anteriormente citado, também é utilizado pela CETESB na realização do Inventário Estadual de Resíduos Sólidos do Estado de São Paulo. Este estudo apresenta a situação dos serviços de limpeza urbana e dos locais de destinação final de resíduos sólidos urbanos nos municípios do estado de São Paulo. Os dados apresentados estão agrupados por Unidade de Gerenciamento de Recursos Hídricos (UGRHI), que perfazem um total de 22 unidades. 5 A UGRHI - Pontal do Paranapanema (UGRHI-22), com 11.838 Km2, está localizada no oeste do Estado de São Paulo e é formada por 26 municípios. De acordo com o Censo do IBGE (2000), a população aproximada é de 534.351 habitantes. 7490000 7490000 50 0 00 0 7480000 49 0 00 0 49 0 00 0 75000007510000 7510000752000075300007540000 754000075500007560000757000075800007590000 48 0 00 0 47 0 00 0 46 0 00 0 45 0 00 0 44 0 00 0 43 0 00 0 42 0 00 0 41 0 00 0 40 0 00 0 39 0 00 0 38 0 00 0 38 0 00 0 37 0 00 0 36 0 00 0 35 0 00 0 34 0 00 0 33 0 00 0 32 0 00 0 32 0 00 0 31 0 00 0 30 0 00 0 29 0 00 0 29 0 00 0 28 0 00 0 m E 50 00 00 50 00 00 49 0 00 0 49 0 00 0 48 0 00 0 47 0 00 0 46 0 00 0 45 0 00 0 44 0 00 0 43 0 00 0 42 0 00 0 41 0 00 0 40 0 00 0 39 0 00 0 38 0 00 0 38 0 00 0 37 0 00 0 36 0 00 0 35 0 00 0 34 0 00 0 33 0 00 0 32 0 00 0 32 0 00 0 31 0 00 0 30 0 00 0 29 0 00 0 29 0 00 0 28 0 00 0 7490000 7480000mN 7480000mN7500000 750000075100007520000 7520000753000075400007550000 75500007560000757000075800007590000 51 0 00 0 51 0 00 0 52 0 00 0 52 0 00 0 53 0 00 0 53 0 00 0 51 0 00 0 51 0 00 0 52 0 00 0 52 0 00 0 53 0 00 0 53 0 00 0 760000076100007620000 760000076100007620000 7620000 P R E S ID E N T E V E N C E S L A U V E N C E S L A U P R S ID E N T E E P IT Á I E C O P R S ID E N T E E P IT Á I E C O F E IJ Ó F E IJ Ó T P R E S ID E N E T P R E S ID E N E P R U D E N T E P R U D E N T E P R E S ID E N T E E A R S B R N D E E A R S B R N D E S A N T O A N A S T Á C IO A N A S T Á C IO A U Á C I A U Á C I Á L V A R E S Á L V A R E S C O M A H A D C O M A H A D P IQ U E R O B I P IQ U E R O B I M A R T IN Ó P O L IS M A R T IN Ó P O L IS R E G E N T E IN D IA N A IN D IA N A E U C L ID E S T E O D O R O T E O D O R O M IR A N T E S A M P A IO S A M P A IO D O P A R N A P A N E M A A P A R N A P A N E M A A R O S A N A S A N D O V A L IN A T A C IB A T A C IB A M A R A B Á P A U L IS T A C D A U N H A C D A U N H A E S T R E L A D O N O R T E E S T R E L A D O N O R T E P IR A P O Z IN H O T A R A B A Í A N H U M A S A N H U M A S N A R A N D IB A N A R A N D IB A IE P Ê R A N C H A R IA R A N C H A R IA N A N T E S M A T O G R O S S O D O S U L P A R A N Á F IG U R A 11 : L oc al iz aç ão d os M un ic íp io s qu e co m põ em a U G R H - P on ta ld o Pa ra na pa ne m a 25 00 0 25 00 50 00 75 00 10 00 0 12 50 0 m E SC A L A 1: 25 0. 00 0 PR O JE Ç Ã O U N IV E R SA L T R A N SV E R SA D E M E R C A T O R D at um ve rt ic al :M ar ég ra fo Im bi tu ba - SC D at um ho ri zo nt al :C ór re go A le gr e - M G C ar ta s do IB G E 1: 25 0. 00 0, ed iç õe s de 19 79 /8 0, at ua liz ad as co m ba se na s im ag en s de sa té lit e (L A N D SA T T M 5, 19 97 ). In st itu to de Te rr as do E st ad o de Sã o Pa ul o (I T E SP ), 19 98 . F O N T E U G R H I - PO N TA L D O PA R A N A PA N E M A M ap a B as e - E sc al a: 1: 25 00 00 - O sw al do Y .I w as a, 19 99 . O R G A N IZ A Ç Ã O M ar ce lin o A nd ra de G on ça lv es O R IE N T A Ç Ã O A nt ôn io T ho m az Ju ni or M ar ce lin o A nd ra de G on ça lv es E D IÇ Ã O G R Á F IC A L im ite m un ic ip al L E G E N D A L im ite da U G R H I - 22 E st ad o de Sã o Pa ul o - D iv is ão po r U G R H I 1 2 3 6 7 4 5 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 24 ° 22 ° 20 ° 51 ° 48 ° 45 ° 24 ° 20 ° 22 ° 32 33 Ao exercer o poder de compra final, as indústrias da reciclagem controlam toda essa estrutura e, portanto, acabam por definir os procedimentos adotados pelos agentes locais envolvidos com essa atividade, abarcando tanto os trabalhadores catadores como os atravessadores envolvidos. Os empresários do setor industrial exercem esse controle pelo poder de compra, encontrando respaldo ideológico e legal na própria lógica social sob a qual toda sociedade está envolta e que fundamenta todo o sistema produtor de mercadorias. Esse controle varia de acordo com a escala de ação da empresa e o ramo em que atua. Em determinados setores como o da reciclagem de plásticos há uma maior fragmentação, onde várias empresas atuam. Já na siderurgia existe uma centralização, ou seja, poucas empresas operando nacionalmente. Essa complexa trama social e econômica que envolve o resíduo reciclável assume uma territorialidade bastante diversificada no que diz respeito à organização e à exploração do trabalho dos catadores nos municípios localizados na Unidade de Gerenciamento de Recursos Hídricos do Pontal do Paranapanema-SP. No entanto, essa diversificação não representa um processo caótico e sem direção; ao contrário, revela, nessas diferentes feições assumidas e que ganham territorialidade no Pontal do Paranapanema, as estratégias de reprodução do capital em um determinado circuito econômico, mais propriamente a reciclagem. O trabalho na catação dos resíduos recicláveis nos lixões apresenta uma das faces mais perversas da organização da sociedade nessa viragem do século XXI. Ao garantir sob qualquer aspecto da vida humana a reprodução ampliada do capital, subjuga e eleva à máxima potência a exploração do trabalho, ou a super-exploração do trabalho, não conferindo outra razão para a vida aos que estejam a seu serviço, mesmo que em condições precárias. A atividade na catação e na separação de resíduos recicláveis nos municípios da UGHRI Pontal do Paranapanema pode ser dividida em três formas, obedecendo à lógica de organização do trabalho. A mais conhecida é a dos trabalhadores catadores carrinheiros, que percorrem as ruas das cidades empurrando seus carrinhos de mão, e catando os resíduos de embalagens recicláveis para vendê-los aos comerciantes que fazem a intermediação e que têm seus depósitos no perímetro urbano. Esses catadores caminham pela cidade à procura de resíduos recicláveis, objetivando, ao encherem os seus carrinhos mais do que o volume, um peso que lhes garanta algum rendimento. Por isso, a 34 “preferência” na recolha do papel/papelão e dos metais, dispensando quase sempre as embalagens plásticas volumosas e com pequeno peso. Os carrinheiros estão geralmente ligados aos donos dos depósitos pelo empréstimo da principal ferramenta de trabalho, o carrinho. Pela necessidade de ter o dinheiro e por não ter onde armazenar o que foi recolhido realizam a venda do que recolhem diariamente. (LEGASPE, 1996; GONÇALVES 2000) Uma outra forma de trabalho na catação e separação dos resíduos recicláveis que ocupa um grande número de pessoas é aquela realizada diretamente nos lixões, que assume várias formas de organização e de execução na área de pesquisa. Essa organização depende da quantidade de trabalhadores envolvidos, da quantidade de resíduos gerados nos municípios, das ações ou do papel do poder público no processo de coleta, transporte e disposição6 dos resíduos sólidos nos locais de aterro. Incluem-se também outros agentes locais envolvidos, como por exemplo, os compradores/atravessadores que vão até o lixão, ou mesmo agentes dos órgãos de fiscalização municipais, regionais e/ou estaduais que fiscalizam os serviços ligados aos resíduos sólidos urbanos7. Diferenciando-se dessas duas formas anteriores pela ordenação das ações de descarte e de coleta dos resíduos, está aquela realizada pelas Cooperativas e Associações de catadores, quando funcionam concomitantemente a um programa de descarte e coleta seletivos dos resíduos recicláveis. A principal diferença está no planejamento das ações de realização deste serviço de catação dentro das cidades. É importante destacar que as três diferentes formas de coleta dos resíduos recicláveis não se excluem, coexistem em alguns municípios. Em todas elas os trabalhadores buscam no lixo o que pode tornar-se uma mercadoria, ou seja, os resíduos recicláveis. A nossa pesquisa está voltada para a análise 6 Não utilizaremos nesse trabalho a expressão disposição final, pois, como afirma Logarrezzi (2004), não devemos considerar como etapa final do processo a disposição dos resíduos em forma de lixo em aterros e lixões. Mesmo após esse procedimento, os resíduos continuam a representar um importante potencial de problema. 7 O órgão delegado do Governo do estado de São Paulo para controle da poluição ambiental, que fiscaliza a situação de disposição de resíduos sólidos nos municípios é a Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (CETESB). Este órgão pode autuar os municípios que não estejam enquadrados na lei, aplicando sanções e multas, na busca da adequação técnica e ambiental das instalações, seguidas de seu correspondente licenciamento ambiental. Para obter este licenciamento, as administrações municipais vêm tomando uma série de medidas para melhorar o seu índice de Qualidade de Aterros de Resíduos (IQR). O IQR segue, de acordo com as normas da CETESB, a seguinte variação de acordo com a pontuação: 0 a < 5 classifica o aterro como Inadequado; 6 a < 8 classifica o aterro como Controlado; 8 a < 10 classifica o aterro como Adequado. A presença dos catadores nos aterros é um item importante na definição dessa pontuação, puxando para baixo a nota a ser conferida ao município. 35 mais pormenorizada das duas últimas formas de trabalho na catação aqui citadas, ou seja, o trabalho nos lixões e aquele realizado pelas cooperativas e associações. Para que possamos compreender o trabalho dos catadores é interessante que tenhamos claro uma diferenciação entre lixo e resíduos sólidos recicláveis, posto que, normalmente, utiliza-se da palavra lixo para definir todo tipo de resíduo gerado. Os catadores, mesmo quando realizam o trabalho no local de disposição dos resíduos em estado sólido em geral, atuando diretamente sobre a massa total do lixo, procuram ali objetos compostos por materiais8 que, sendo a princípio descartados como inservíveis, podem ter suas qualidades físicas e químicas e, conseqüentemente, seu valor econômico recuperados. Não buscam o lixo. Logarezzi (2004, p. 224) define lixo como: Aquilo que sobrou de uma atividade qualquer e que é descartado sem que seus valores (sociais, econômicos e ambientais) potenciais sejam preservados, incluindo não somente resíduos inservíveis, mas também, incorretamente do ponto de vista ambiental, resíduos reutilizáveis e recicláveis. Assim, todo resíduo reciclável pode tornar-se lixo. No entanto, nem tudo o que compõe o lixo pode vir a ser reciclado na prática comercial. Desta maneira, além das potencialidades físicas e químicas daquilo que é rejeitado, o contexto social em que se insere e a ação desempenhada pelo gerador no momento do descarte podem torná-lo lixo ou um resíduo. O resíduo gerado pode, ao invés de ser desperdiçado como lixo, ser reciclado. Para Logarezzi (2004, p. 222): ...ao ser descartado um resíduo pode ter seu “status” de resíduo (que contém valores sociais, econômicos e ambientais) preservado, ao longo do que pode ser chamada de rota dos resíduos, a qual geralmente envolve descarte e coleta seletivos – terceiro R - reciclagem; caso contrário, um resíduo pode, por meio do descarte comum, virar lixo – nenhum dos 3R. A categoria dos resíduos é ampla e inclui os resíduos particulados dispersíveis, os gasosos, os líquidos, os esgotos etc, gerados nos mais diversos contextos, como domicílio, escola, comércio, indústria, hospital, serviços, construção civil, espaço público, meios de transporte, agricultura, pesca etc. Assim, a atividade de catar e separar do lixo os resíduos recicláveis para a comercialização, executada por centenas de trabalhadores nos lixões do conjunto de 8 Para Logarezzi (2004), temos que atentar para o fato de que o resíduo, um objeto qualquer, pode ter o seu corpo formado por diferentes materiais. Uma garrafa plástica pode ter suas partes compostas por vários tipos de polietilenos, por exemplo, o corpo pode ser de Poli (tereftalato de etileno) ou PET, o rótulo de Polietileno de Baixa Densidade (PBD) e a tampa de Polietileno de Alta Densidade (PAD). Essa separação não é feita pelos catadores, que conhecem os diferentes materiais, não por seus nomes técnicos, mas geralmente pela consistência do material ou formato do objeto, daí as expressões como: plástico duro, plástico mole, papel fino, papel colorido, PET óleo. 36 municípios pesquisados, apesar de poder ser resumida genericamente como “catação de resíduos recicláveis”, guarda um amplo leque de determinações que ao se territorializarem manifestam, desde a paisagem, as diferenças existentes na combinação dos fatores de interesse dos agentes envolvidos no processo. Por meio do Quadro 1 podemos notar as formas de organização do trabalho na catação e separação de resíduos recicláveis nos municípios pesquisados na UGRHI Pontal do Paranapanema. QUADRO 1 - Formas de Organização do Trabalho dos Catadores nos Municípios do Pontal do Paranapanema – 2003 Municípios Organização do Trabalho 1 Álvares Machado Trabalhadores no lixão/ Carrinheiros 2 Anhumas Proibida a entrada no aterro/ Carrinheiros 3 Caiuá Trabalhador no lixão 4 Estrela do Norte Não há Trabalhadores catadores 5 Euclides da Cunha Paulista Trabalhadores no lixão 6 Iepê Trabalhadores no lixão/ Carrinheiros 7 Indiana Proibida a entrada/ Carrinheiros 8 Marabá Paulista Não há Trabalhadores/ Carrinheiros 9 Martinópolis Usina de Triagem/ Carrinheiros 10 Mirante do Paranapanema Trabalhadores no lixão 11 Nantes Não há Trabalhadores 12 Narandiba Proibida a entrada no aterro/ Carrinheiros 13 Piquerobi Trabalhadores no lixão 14 Pirapozinho Trabalhadores no lixão/ Carrinheiros 15 Presidente Bernardes Usina de Triagem/ Carrinheiros 16 Presidente Epitácio Associação de Catadores/ Carrinheiros Cooperativa/ Carrinheiros 17 Presidente Prudente Trabalhadores no lixão 18 Presidente Venceslau Trabalhadores no lixão/ Carrinheiros 19 Rancharia Trabalhadores no lixão/ Carrinheiros 20 Regente Feijó Trabalhadores no lixão/ Carrinheiros 21 Rosana Proibida a entrada no aterro/ Carrinheiros 22 Sandovalina Trabalhadores no lixão 23 Santo Anastácio Proibida a entrada/ Carrinheiros 24 Taciba Trabalhadores no lixão 25 Tarabai Proibida a entrada no aterro/ Carrinheiros 26 Teodoro Sampaio Trabalhadores no lixão/ Carrinheiros Fonte: Trabalho de Campo. Março – Novembro de 2003 Org: Marcelino Andrade Gonçalves Como podemos observar no Quadro 1, há municípios do Pontal do Paranapanema em que a separação dos resíduos é realizada por funcionários das Prefeituras, como acontece nas Usinas de Triagem e Compostagem de Resíduos Sólidos (Presidente Bernardes e Martinópolis), sendo que estas estruturas estão instaladas nas áreas de aterro. 37 Há ainda, municípios em que a entrada dos catadores nos locais de aterro dos resíduos sólidos domésticos foi proibida. Houve o cercamento dos locais de disposição destes a colocação de vigias, a fim de impedir a entrada nesses lugares dos catadores que ali atuavam (Quadro 1). No período da realização do trabalho de campo, em dois municípios a atividade de triagem dos resíduos era realizada por trabalhadores organizados em Cooperativa ou em Associação. Essas organizações existentes no Pontal do Paranapanema, mais precisamente em Presidente Prudente e Presidente Epitácio9, contam com algum tipo de apoio das administrações públicas municipais e de vários outros segmentos da sociedade civil. Nos exemplos aqui citados elas estão associadas à instalação de um programa de coleta seletiva de resíduos sólidos nas áreas urbanas. No entanto, na maioria dos municípios visitados foram encontrados trabalhadores catadores realizando suas atividades dentro dos lixões, sempre com o conhecimento das administrações municipais e em número bastante variável, guardando uma proporção direta com a quantidade de resíduos sólidos, sobretudo os de origem doméstica, gerados nos municípios e encaminhados aos locais reservados para a disposição: lixões e aterros. Há também onze municípios em que não foram encontrados catadores nos aterros. Essa ausência em seis deles é resultado de uma situação de impedimento, em que a Prefeitura Municipal cerca o local e proíbe a entrada de pessoas não autorizadas. Em três não foram encontrados catadores, mesmo não havendo uma proibição explícita por parte das Prefeituras, nos dois restantes esse fato se deve a instalação de Usinas de Triagem e compostagem (ver Quadro I). Os elementos aqui apresentados, que compõem a dinâmica que determina o trabalho da catação de resíduos recicláveis nos lixões da UGRHI Pontal do Paranapanema, acabam por comparecer com maior ou menor influência em outros municípios localizados nas demais Unidades de Gerenciamento de Recursos Hídricos do Estado de São Paulo, indicando a dimensão social e territorial do trabalho na catação (Figura 2). De acordo com os dados apresentados pela CESTESB (2003), o trabalho da catação nos lixões ocorre na quase totalidade das Unidades de Gerenciamento de Recursos Hídricos, com exceção da Mantiqueira (UGRHI-1), atingindo um total de 3.674 catadores10 trabalhando nos lixões do estado, como podemos observar na Tabela 1. 9 Em 2004, foi formada a Associação dos catadores Lutando pela Vida, na cidade de Álvares Machado. 10 De acordo com a CETESB (2003), os dados apresentados são resultados das informações coletadas nas inspeções, por meio de um questionário padronizado. F IG U R A 22 - N úm er o de T ra ba lh ad or es C at ad or es p or U ni da de d e G er en ci am en to d e R ec ur so s H íd ri co s do E st ad o de S ão P au lo - 2 00 2 C E T E SB ,S ão Pa ul o (E st ad o) .I nv en tá ri o de R es íd uo s Só lid os D om ic ili ar es :R el at ór io 20 02 .S ão Pa ul o: C E T E SB ,2 00 3 F O N T E O R G A N IZ A Ç Ã O M ar ce lin o A nd ra de G on ça lv es O R IE N T A Ç Ã O A nt ôn io T ho m az Ju ni or M ar ce lin o A nd ra de G on ça lv es D ez em br o de 20 03 E D IÇ Ã O G R Á F IC A 1. M an tiq ue ir a 2. P ar aí ba d o Su l 3. L ito ra l N or te 4. P ar do 5. P ir ac ic ab a/ C ap iv ar i/ Ju nd ia í 6. A lto T ie tê 7. B ai xa da S an tis ta 8. S ap uc ai - G ra nd e 9. M og i/ G ua çu 10 .T ie tê / S or oc ab a 11 . R ib ei ra d e Ig ua pe /L ito ra l S ul 12 .B ai xo P ar do G ra nd e 13 .T ie tê / J ac ar é 14 .A lto P ar an ap an em a 15 .T ur vo / G ra nd e 17 . M éd io P ar an ap an em a 18 . S . J . D os D ou ra do s 19 . B ai xo T ie tê 20 .A gu ap eí 21 .P ei xe 22 . P on ta l d o Pa ra na pa ne m a D e 1 a 50 T ra ba lh ad or es ca ta do re s L E G E N D A D e 51 a 15 0 T ra ba lh ad or es ca ta do re s D e 15 1 a 25 0 T ra ba lh ad or es ca ta do re s D e 25 1 a 35 0 T ra ba lh ad or es ca ta do re s A ci m a de 35 1 T ra ba lh ad or es ca ta do re s N en hu m tr ab al ha do r em at er ro 38 16 .T ie tê / B at al ha 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 0 10 0 20 0 30 0 K m 39 TABELA 1 - Número de Trabalhadores Catadores por UGRHI’s do Estado de São Paulo – 2002 Unidades de Gerenciamento de Recursos Hídricos Número de Catadores nos Lixões % Em relação ao total Mantiqueira (UGRHI –1) 0 0 Paraíba do Sul (UGRHI –2) 110 2,99 Litoral Norte (UGRHI –3) 2 0,05 Pardo (UGRHI –4) 185 5,05 Piracicaba/ Capivari/ Jundiaí (UGRHI –5) 350 9,53 Alto Tietê (UGRHI –6) 598 16,28 Baixada Santista (UGRHI –7) 310 8,44 Sapucaí – Grande (UGRHI –8) 51 1,37 Mogi - Guaçu (UGRHI –9) 99 2,69 Tietê – Sorocaba (UGRHI –10) 154 4,19 Litoral Sul (UGRHI –11) 89 2,42 Baixo Pardo - Grande (UGRHI –12) 180 4,9 Tietê/ Jacaré (UGRHI –13) 124 3,37 Alto Paranapanema (UGRHI –14) 198 5,39 Turvo - Grande (UGRHI –15) 50 1,36 Tietê – Batalha (UGRHI –16) 69 1,87 Médio Paranapanema (UGRHI –17) 336 9,15 S.J. Dos Dourados (UGRHI –18) 22 0,6 Baixo Tietê (UGRHI –19) 173 4,71 Aguapei (UGRHI –20) 248 6,77 Peixe (UGRHI –21) 101 2,75 Pontal do Paranapanema (UGRHI –22) 225 6,12 TOTAL 3.674 100 Fonte: Inventário de Resíduos Domiciliares São Paulo: Cetesb, 2003 Org: Marcelino Andrade Gonçalves Os dados apresentados apontam ainda para uma maior concentração de catadores na Unidade de Gerenciamento do Alto Tietê (UGRHI - 6), onde estão localizados cerca de 40 municípios, dentre eles a cidade de São Paulo, capital do estado. Somente na capital são geradas cerca de 13.000 toneladas de resíduos domiciliares por dia (CETESB, 2005). As UGRHI’s Piracicaba/Capivari/Jundiaí, Baixada Santista e do Médio Paranapanema, também apresentam um número relativamente maior de catadores nos lixões localizados nos municípios que as compõem, se comparadas às demais (Figura 2). 40 A Unidade de Gerenciamento da Mantiqueira (UGRHI 1, a menor de todo o estado), onde está localizada a cidade de Campos do Jordão é a única do estado em que não foram encontrados catadores nos locais de disposição de lixo (CETESB, 2003). Já a UGRHI Pontal do Paranapanema, ocupava, do período do levantamento realizado pela CETESB, o sexto lugar em números de catadores no estado, ou seja, 225 catadores, perfazendo 6,12% do total encontrado. Aproximando-se, neste aspecto, a uma realidade que se avizinha àquela encontrada nas áreas em que se localizam cidades mais populosas, como por exemplo, na UGRHI 7, onde está Santos. Ainda em número de catadores, o conjunto de municípios que forma a UGRHI Pontal do Paranapanema, está à frente de vários outros localizados também no interior do estado. 1.1 Trabalho nos lixões11 dos municípios da UGRHI Pontal do Paranapanema O trabalho na catação dos resíduos recicláveis nos lixões dos municípios localizados na Unidade de Gerenciamento de Recursos Hídricos Pontal do Paranapanema (UGRHI – 22) reflete a complexidade e à heterogeneidade de suas múltiplas determinações, de maneira que apresenta, nos diferentes locais, características diversas. Algumas mais comuns às distintas localidades, como por exemplo, poderíamos destacar a forma de (des)organização do trabalho, e outras situações mais específicas, como a maneira de comercializar as mercadorias, numa combinação que gera no movimento um fenômeno bastante diverso. Essa combinação entre as diversas escalas de observação do fenômeno nos permite e nos obriga ao mesmo tempo a homogeneizar o conjunto das informações obtidas na pesquisa, a fim de evidenciarmos as especificidades que se expressam, para que não desapareçam ou sejam secundarizadas na análise de conjunto. Em suma, o trabalho nos lixões, apesar de se apresentar à primeira vista como igual atividade nos diferentes lugares que conhecemos, guarda por de trás das aparências um amplo leque de combinações de situações sociais e históricas, que a nós se apresentam quando nos aproximamos e interagimos com o propósito de entender os arranjos territoriais assumidos. Em nossa pesquisa de campo encontramos trabalhadores catadores nos lixões de quinze municípios dos vinte e seis que compõem a área de estudos (Figura 3). 11 De acordo com o IPT (1995, p.76), o lixão é uma forma inadequada de disposição final de resíduos sólidos, que se caracteriza pela simples descarga sobre o solo. Associa-se aos lixões fatos altamente indesejáveis, como criação de porcos e existência dos catadores. 7490000 50 0 00 0 7480000 49 0 00 0 7500000751000075200007530000754000075500007560000757000075800007590000 48 0 00 0 47 0 00 0 46 0 00 0 45 0 00 0 44 0 00 0 43 0 00 0 42 0 00 0 41 0 00 0 40 0 00 0 39 0 00 0 38 0 00 0 37 0 00 0 36 0 00 0 35 0 00 0 34 0 00 0 33 0 00 0 32 0 00 0 31 0 00 0 30 0 00 0 29 0 00 0 28 0 00 0 m E 50 00 00 49 0 00 0 48 0 00 0 47 0 00 0 46 0 00 0 45 0 00 0 44 0 00 0 43 0 00 0 42 0 00 0 41 0 00 0 40 0 00 0 39 0 00 0 38 0 00 0 37 0 00 0 36 0 00 0 35 0 00 0 34 0 00 0 33 0 00 0 32 0 00 0 31 0 00 0 30 0 00 0 29 0 00 0 28 0 00 0 7490000 7480000mN7500000751000075200007530000754000075500007560000757000075800007590000 51 0 00 0 52 0 00 0 53 0 00 0 51 0 00 0 52 0 00 0 53 0 00 0 760000076100007620000 760000076100007620000 P R E S ID E N T E P R E S ID E N T E V E N C E S L A U P R E S ID E N T E E P IT Á C IO P R E S ID E N T E E P IT Á C IO F E IJ Ó P R E S ID E N T E P R E S ID E N T E P R U D E N T E P R U D E N T E P R E S ID E N T E P R E S ID E N T E B E R N A R D E S S A N T O A N A S T Á C IO A N A S T Á C IO I C A U Á I C A U Á Á L V A R E S A C H M A D O A C H M A D O P IQ U E R O B I M A R T IN Ó P O L IS M A R T IN Ó P O L IS R E G E N T E R E G E N T E IN D IA N A IN D IA N A E U C D E S L I E U C D E S L I T E O D O R O M IR A N T E S A M P A IO S A M P A IO D O P A R A N A P A N E M A P A R A N A P A N E M A R O S A N A R O S A N A S A N D O V A L IN A S A N D O V A L IN A T A C IB A T A C IB A M A R A B Á P A U L IS T A P A U L IS T A D A C U N H A E S T R E L A D O N O R T E E S T R E L A D O N O R T E P IR A P O Z IN H O P IR A P O Z IN H O T A R A B A Í A N H U M A S A N H U M A S N A R D IB A A N N A R D IB A A N IE P Ê IE P Ê A N C H R I R A A A N C H R I R A A A E S N N T A E S N N T R IB E IR Ã O D O S IN D ÍO S E M IL IA N Ó P O L IS E M IL IA N Ó P O L IS O S A N T X S E P E D IT OO S A N T X S E P E D IT O A L F R E D O M A R C O N D E S A L F R E D O M A R C O N D E S C A IA B U M A T O G R O S S O D O S U L P A R A N Á F IG U R A 33 - M un ic íp io s on de h á T ra ba lh ad or es C at ad or es e m L ix õe s d a U G R H I - P on ta l d o Pa ra na pa ne m a - SP - 2 00 3 25 00 0 25 00 50 00 75 00 10 00 01 25 00 m E SC A L A 1: 25 0. 00 0 P R O JE Ç Ã O U N IV E R SA L T R A N SV E R SA D E M E R C A T O R D at um ve rt ic al : M ar ég ra fo Im bi tu ba - SC D at um ho ri zo nt al : C ór re go A le gr e - M G C ar ta s do IB G E 1: 25 0. 00 0, ed iç õe s de 19 79 /8 0, at ua liz ad as co m ba se na s im ag en s de sa té lit e (L A N D SA T T M 5, 19 97 ). In st itu to de Te rr as do E st ad o de Sã o Pa ul o (I T E SP ), 19 98 . FO N T E U G R H I - PO N TA L D O P A R A N A PA N E M A M ap a B as e - E sc al a: 1 :2 50 00 0 - O sw al do Y . I w as a, 1 99 9. O R G A N IZ A Ç Ã O M ar ce lin o A nd ra de G on ça lv es O R IE N TA Ç Ã O A nt ôn io T ho m az J un io r M ar ce lin o A nd ra de G on ça lv es E D IÇ Ã O G R Á FI C A LE G EN D A L im ite m un ic ip al T ra ba lh ad or es C at ad or es em L ix õe s Es ta do de Sã o Pa ul o 24 ° 22 ° 20 ° 51 ° 48 ° 45 ° 24 ° 20 ° 22 ° 14 L im ite da U G R H I - 22 42 O trabalho dos catadores nestes lixões é executado quase sempre da mesma maneira. A atividade consiste em recuperar, dentre os detritos produzidos nos centros urbanos e levados pelos caminhões para os locais de aterro, os resíduos recicláveis que podem ser comercializados. Nos casos estudados o que é recolhido pelos catadores é separado e encaminhado, vendido para os compradores/atravessadores (os sucateiros donos de depósitos na região), que posteriormente revendem para as indústrias da reciclagem. Os trabalhadores catadores dos lixões, apesar de inclusos informalmente no circuito econômico dos resíduos recicláveis e da reciclagem de forma mais ampla, estão longe dos olhos daqueles que geram o lixo nos centros urbanos, ou seja, a maioria dos citadinos desconhece esses lugares e nunca viu de perto como se realiza o trabalho de catação/garimpagem12 em um lixão. Distantes também do contato com empresários e das portas das indústrias recicladoras, que estão interessadas nas mercadorias e não na maneira como se dá o trabalho daqueles que as fazem chegar até as suas engrenagens. Mesmo sem a proximidade, controlam a escolha dos resíduos que devem ser retirados do lixo pelos catadores através da compra de materiais determinados. Os resíduos recicláveis alvos da catação são compostos quase sempre dos mesmos materiais nos diferentes lixões, com especificidades em alguns locais, dependendo do mercado comprador. Dentre os principais resíduos que alimentam este circuito estão as embalagens, seja de papel branco ou colorido, ou de plásticos13 dos mais variados tipos, poli(tereftalato de etileno), PET), polietileno de baixa densidade (PEBD), polietileno de alta densidade (PEAD), poli (cloreto de vinila), (PVC), etc). Os metais são também bastante procurados compondo o que se chama comumente de sucata, mas não são expressivos na composição do lixo que vai para os aterros, formado quase que majoritariamente por resíduos sólidos domésticos orgânicos. Como no caso do alumínio, material que atualmente compõe vários tipos de embalagens. 12 Os próprios catadores que atuam nos lixões denominam a sua atividade como garimpagem. Uma alusão ao trabalho artesanal dos garimpeiros de jazidas de pedras preciosas. A semelhança está em ter como principal objetivo encontrar no meio do lixo materiais que tenham valor e possam ser comercializados. 13 Os objetos de plásticos são artefatos fabricados a partir de resinas (polímeros) sintéticas, derivadas do petróleo. O desafio atual enfrentando pelas prefeituras relacionado à disposição e confinamento do lixo, são as embalagens e objetos plásticos, que pela sua natureza física