UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS E VETERINÁRIAS CÂMPUS DE JABOTICABAL AVALIAÇÃO DA EFICÁCIA DO “TETRA-TEST” COMO FERRAMENTA DE GESTÃO DA QUALIDADE DO LEITE CRU REFRIGERADO. Camilo Ferreira de Oliveira Médico Veterinário JABOTICABAL - SÃO PAULO - BRASIL 2009 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS E VETERINÁRIAS CÂMPUS DE JABOTICABAL AVALIAÇÃO DA EFICÁCIA DO “TETRA-TEST” COMO FERRAMENTA DE GESTÃO DA QUALIDADE DO LEITE CRU REFRIGERADO. Camilo Ferreira de Oliveira Orientador: Prof. Dr. Luiz Francisco Prata Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias – UNESP, Câmpus de Jaboticabal, como parte das exigências para a obtenção do título de Mestre em Medicina Veterinária (Medicina Veterinária Preventiva). JABOTICABAL - SÃO PAULO - BRASIL Julho de 2009 DADOS CURRICULARES DO AUTOR CAMILO FERREIRA DE OLIVEIRA – nascido em 06 de fevereiro de 1979, na cidade de São Paulo – SP. Graduou-se em Medicina Veterinária pela Faculdade de Ciências Agrárias da Universidade de Marília – Unimar, em dezembro de 2004. Possui curso de pós-graduação lato sensu em “Higiene e Inspeção de Produtos de Origem Animal e Vigilância Sanitária dos Alimentos”, concluído em julho de 2007, pela Universidade Castelo Branco. Em março de 2007 iniciou o curso de Pós-Graduação em Medicina Veterinária (Medicina Veterinária Preventiva) - nível de Mestrado, na Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias – UNESP – Câmpus de Jaboticabal. “Descubra, crie, insista, acerte... Nunca desista! Se for preciso, mude” Autor desconhecido DEDICO... À minha esposa EvellynEvellynEvellynEvellyn, por todo carinho, incentivo, confiança e dedicação em todos os momentos que vivemos juntos... Sem você nenhum sonho seria possível ou valeria a pena. Te amo! OFEREÇO... A DeusDeusDeusDeus, que nem sempre me deu tudo que pedi, mas certamente me deu tudo que precisava. Aos meus pais, NorivaldoNorivaldoNorivaldoNorivaldo e ElizetiElizetiElizetiElizeti, por sempre me apoiarem e me incentivarem em todas as minhas decisões, pelo amor incondicional e por saber que posso contar com vocês sempre... Ao meu mestre, amigo e orientador, Prof. Prof. Prof. Prof. Luiz Francisco PrataLuiz Francisco PrataLuiz Francisco PrataLuiz Francisco Prata, pela forma como me acolheu, pela paciência e atenção, pelos valiosos ensinamentos e principalmente pela oportunidade,... ...minha eterna gratidão. AGRADEÇO... À Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias – UNESP – Campus de Jaboticabal, pela acolhida durante o curso de mestrado... Ao curso de Pós-graduação em Medicina Veterinária, pela oportunidade de concretizar mais uma etapa de minha vida... À CAPES, pela bolsa concedida, auxiliando na execução desta pesquisa... Aos professores e funcionários do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva e Reprodução Animal, pelos ensinamentos e amizade durante estes anos... À Maria Aparecida Dias Tostes Figueira (Cidinha), pelos ensinamentos, auxílio durante o experimento e, principalmente, pela amizade e o convívio durante todos esses anos... Aos membros da banca examinadora da qualificação, Profa Dra. Maria da Gloria Buzinaro e Profa Dra. Ângela Cleusa de Fátima Banzatto de Carvalho, pelas valiosas sugestões ao presente trabalho... Aos membros da banca examinadora da defesa, Profa Dra. Ana Maria Centola Vidal Martins e Profa Dra. Ângela Cleusa de Fátima Banzatto de Carvalho, pelas preciosas correções e sugestões ao presente trabalho... Ao amigo Thiago Braga Izidoro, pela forma como me acolheu quando cheguei ao laboratório, por seus ensinamentos e por sua amizade... Aos amigos do Laboratório de Inspeção Sanitária de Alimentos, Fernanda Malva, Adriana Almeida, Klaus Saldanha e Kelly Caselani... obrigado pela amizade e pelo convívio... Aos amigos do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva, vocês foram essenciais... Às indústrias de laticínios que gentilmente forneceram as amostras necessárias para a realização do presente trabalho... Aos amigos Naur e Ana Tereza, pela confiança e oportunidade que me foi dada... Ao amigo Sérgio Felipelli, por acreditar em mim neste momento importante da minha vida... Ao meu sobrinho Lucas, por ter transformado alguns momentos de ansiedade em momentos de alegria... Aos familiares e amigos, pela compreensão nas minhas ausências e por participarem direta ou indiretamente de mais esta etapa da minha vida... Muito obrigado!Muito obrigado!Muito obrigado!Muito obrigado! i SUMÁRIO Página LISTA DE TABELAS.............................................................................................. iii LISTA DE FIGURAS.............................................................................................. RESUMO............................................................................................................... ABSTRACT............................................................................................................ iv v vii 1. INTRODUÇÃO................................................................................................... 01 2. REVISÃO DA LITERATURA.............................................................................. 03 2.1 Características da matéria-prima (leite)...................................................... 03 2.2 Produção de leite........................................................................................ 04 2.3 Armazenamento e transporte do leite......................................................... 2.4 Qualidade do leite cru e a Instrução Normativa 51..................................... 2.5 Microrganismos psicrotróficos.................................................................... 2.6 Avaliação da qualidade do leite e a utilização do “Tetra-test”.................... 05 07 11 14 3. OBJETIVOS....................................................................................................... 23 4. MATERIAL E MÉTODOS................................................................................... 24 4.1 Colheita de amostras.................................................................................. 4.2 Análises microbiológicas............................................................................. 24 25 4.2.1 Tetra-test - Prova rápida para psicrotróficos e a carga microbiana total............................................................................................................ 25 4.2.2 Contagem padrão em placas de microrganismos mesófilos aeróbios..................................................................................................... 26 4.3 Análises físico-químicas.............................................................................. 27 4.3.1 Acidez titulável em Graus Dornic (oD).............................................. 27 4.3.2 Índice de refração............................................................................. 28 4.3.3 Enzimas............................................................................................ 4.3.4 Determinação do teor de cloretos.................................................... 4.3.5 Pesquisa de fraude por adição de substâncias alcalinas................ 28 29 29 ii 4.3.6 Pesquisa de fraude por adição de água oxigenada......................... 4.3.7 Dosagem dos teores de glicomacropeptídeo (GMP)....................... 29 30 5. RESULTADOS E DISCUSSÃO......................................................................... 31 5.1 Amostras individuais de produtores............................................................ 31 5.1.1 Avaliação físico-química................................................................... 5.1.2 Avaliação microbiológica.................................................................. 32 34 5.2 Amostras de leite de conjunto (tanques de caminhões)............................. 38 5.2.1 Contagem padrão em placas de microrganismos mesófilos aeróbios..................................................................................................... 5.2.2 Índice de refração............................................................................. 5.2.3 Proteólise da κ-caseína – dosagem de glicomacropeptídeo (GMP)........................................................................................................ 38 41 41 5.3 Amostras de linha de processamento de leite UAT.................................... 42 5.3.1 Variação da composição do leite de processo................................. 51 6. CONCLUSÕES.................................................................................................. 7. REFERÊNCIAS.................................................................................................. 53 55 iii LISTA DE TABELAS Tabelas Página 1 – Resultado das provas de redução do TTC (tetra-test), com números e respectivas porcentagens das amostras que apresentaram redução em cada tempo de leitura. Amostras de produtores, Jaboticabal, SP.................................................................................... 35 2 – Número e respectiva porcentagem de amostras de conjunto (bocas de tanque de veículo transportador) de acordo com a estimativa de microrganismos mesófilos aeróbios e facultativos viáveis (CPP), em seus respectivos intervalos de contagem............................................ 39 3 – Relação entre os intervalos de contagem padrão em placas das amostras de conjunto (bocas dos veículos transportadores) e o respectivo número de amostras de produtores que reduziram o TTC, em cada faixa de tempo avaliada........................................................ 41 4 – Relação entre a contagem padrão em placas (CPP) e o respectivo tempo de redução do TTC (Tetra-test) das amostras de leite de linha de processo UAT, imediatamente antes e depois da centrifugação (resultados de ambas indústrias avaliadas)......................................... 44 5 – Relação entre a contagem padrão em placas e os níveis de proteólise observados nas amostras de leite de linha de processo UAT, imediatamente antes e depois da centrifugação (resultados da indústria “A”)......................................................................................... 48 6 – Relação entre a contagem padrão em placas e os níveis de proteólise observados nas amostras de leite de linha de processo UAT, imediatamente antes e depois da centrifugação (resultados da indústria “B”)......................................................................................... 49 7 – Variação dos valores (mínimo e máximo) da composição das amostras de leite de linha de processo UAT, imediatamente antes e depois do processo de centrifugação................................................... 52 iv LISTA DE FIGURAS Figuras Página 1 – Distribuições numéricas e percentuais dos resultados da contagem padrão em placas (CPP) para as 28 amostras de processo, respectivamente antes (a) e após (b) a centrifugação........................ 45 2 – Distribuições numéricas e percentuais dos resultados da prova de redução do TTC (Tetra-test) para as 28 amostras de processo, respectivamente antes (a) e após (b) a centrifugação........................ 45 3 – Caracterização do predomínio marcante de microrganismos aeróbios imediatamente antes e de microrganismos anaeróbios imediatamente depois do processo de centrifugação......................... 46 4 – Detalhe do predomínio de microrganismos aeróbios imediatamente antes (presença de anel escuro na parte superior) e do predomínio de microrganismos anaeróbios imediatamente depois do processo de centrifugação (presença de botão escuro no fundo do tubo)..................................................................................................... 47 v AVALIAÇÃO DA EFICÁCIA DO “TETRA-TEST” COMO FERRAMENTA DE GESTÃO DA QUALIDADE DO LEITE CRU REFRIGERADO. RESUMO – Este trabalho teve o objetivo de avaliar a eficácia de uma nova ferramenta de gestão da qualidade do leite cru refrigerado, comparativamente à utilização dos testes tradicionais de controle, nas condições da Instrução Normativa 51 (IN 51). Foram utilizadas 374 amostras individuais de leite cru refrigerado (produtor) e 125 amostras de leite cru de conjunto (bocas de tanques de caminhões transportadores, referindo-se a leites desses mesmos produtores). As amostras foram submetidas a duas análises microbiológicas, sendo as individuais submetidas à prova rápida de redução em tubos – o “Tetra-Test”, com o objetivo de estimar a carga microbiana do leite e a microbiota predominante, enquanto as amostras de conjunto foram submetidas à contagem padrão em placas (CPP) como método de referência. Paralelamente, buscou-se verificar os efeitos do processo de centrifugação nas características e/ou propriedades da matéria- prima industrial durante a execução do processo por Ultra Alta Temperatura (UAT). Foram utilizadas 56 amostras de leite provenientes da linha de processamento, tomadas imediatamente antes e depois da etapa de centrifugação interposta no início do processo, as quais foram submetidas a ambos os testes microbiológicos (“Tetra- Test” e CPP), além da determinação da variabilidade da composição do leite e determinação do índice proteolítico da κ-caseína. O “Tetra-test” se mostrou eficaz na avaliação da qualidade microbiológica do leite cru podendo ser utilizado como uma ferramenta de gestão, uma vez que seus resultados se correlacionaram proporcionalmente aos obtidos pela CPP e possibilitaram informações complementares sobre as características da microbiota dominante, oferecendo vantagens sobre os tradicionais testes de redução. Os resultados mostraram que grande parte do leite cru não atende os requisitos exigidos pela IN 51 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), com 211 amostras (56,4%) que apresentaram redução em até duas horas, denotando elevada carga microbiana e matéria-prima de péssima qualidade. Pode-se constatar, também, que os microrganismos psicrotróficos ainda não se constituem nos deteriorantes principais do leite cru refrigerado, mas estão presentes vi em 76,8% das amostras. A etapa de centrifugação mostrou-se seletiva com relação ao tipo de microrganismos presente, mas parece não influenciar a estimativa numérica da qualidade microbiológica da matéria-prima. Palavras-chave: leite cru, qualidade, gestão, microrganismos psicrotróficos. vii EFFECTIVENESS OF "TETRA-TEST" AS A NEW MANAGEMENT TOOL APPLIED TO QUALITY EVALUATION OF REFRIGERATED RAW MILK. ABSTRACT – This study aimed to evaluate the efficacy of a new tool for quality management of refrigerated raw milk, compared to traditional control tests in accordance to the Brazilian Ministry of Agriculture, Livestock and Food Supply (MAPA) Normative Instruction No. 51. A total of 374 individual samples of refrigerated raw milk (from producers) and 125 samples of bulk raw milk (from milk transport tankers from these same producers) were studied. Samples were submitted to microbiological analyses, being individual samples submitted to rapid reduction in test tubes - the "Tetra-Test", in order to estimate the microbial load of milk and predominant microbiota, while the bulk samples were analyzed by standard plate count as a reference method. At the same time, it was investigated the effects of the centrifugation on the characteristics and/or properties of industrial raw material into the incoming of UHT process. Were analyzed 56 samples of milk from the processing line, obtained immediately before and after centrifugation performed early in the process. Both of them were subjected to microbiological tests ("Tetra-Test" and PCA). In addition it was determined the variability of milk composition and proteolytic rate of k-casein. The “Tetra-test" showed to be effective in assessing the microbiological quality of raw milk and can be used as a management tool, since its results correlated proportionally with those obtained by standard plate count and make possible to obtain more information about predominant flora present in the milk. The results showed a large amount of raw milk that does not meet MAPA IN 51 requirements, as 211 samples (56.4%) showed turn of TTC within two hours, indicating high microbial load and thus poor microbiological quality of milk. In accordance with the test could be observed that psychrotrophic microorganisms are not the main deteriorating agents of refrigerated raw milk yet, but are present in 76.8% of the samples. Centrifugation was shown to be a selective process for different kinds of microorganisms found in raw milk, but seem does not to alter the microbiological quality of raw material. Keywords: raw milk, quality, management, psychrotrophic microorganisms. 1 1. INTRODUÇÃO O leite é considerado um alimento completo e, devido seu alto valor nutritivo, é uma das mais importantes fontes de proteínas, lipídeos, carboidratos e vitaminas. Entretanto, são essas mesmas características que o tornam um meio de cultura, possibilitando a multiplicação de microrganismos patogênicos e/ou deteriorantes, cujos resíduos metabólicos produzem alterações físico-químicas no leite, o que limita sua durabilidade. Isto resulta em problemas sanitários e econômicos. O tema qualidade do leite é bastante complexo dada à diversidade dos sistemas de produção - propriedades e produtores de leite - tornando difícil a implementação de pagamento diferenciado pelas indústrias, que vêm atravessando um período de intensas transformações em sua estrutura, face principalmente às exigências quanto à segurança e inocuidade do produto. A correta adoção de medidas de higiene na produção, armazenamento e transporte do leite podem prevenir a contaminação por diversos microrganismos que representam graves problemas, sanitários e econômicos, tanto para a indústria quanto para os setores produtivo e de consumo. A globalização de mercados, em função da grande e variada oferta de produtos lácteos importados, induziu o consumidor brasileiro a tornar-se mais exigente em relação à qualidade dos produtos ofertados. A indústria laticinista, por sua vez, tem se modernizado e exigido do produtor uma matéria-prima de melhor qualidade, na tentativa de tornar-se mais competitiva. Dentro desse contexto, foram implementadas normas nacionais de padrões de qualidade de leite, determinadas pelo Programa Nacional de Melhoria da Qualidade de Leite, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), (RIBEIRO et al., 2000) e pela Instrução Normativa 51, já em 2 vigor (BRASIL, 2002), além de todas as demais que constituem os alicerces e pré- requisitos do sistema APPCC – Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle, um instrumento harmônico e universalmente aceito como ferramenta indispensável do processo de globalização. Algumas mudanças já se tornam significativas, como a refrigeração e estocagem do leite na fazenda e a coleta a granel, em dias alternados. Tais alterações mudaram também os problemas e as necessidades relativas à manutenção e comprovação da qualidade e estado de conservação dessa matéria-prima. Em linhas gerais, os métodos até então utilizados para a avaliação microbiológica com tal finalidade, deixaram de ser eficazes, tanto na qualidade da resposta esperada e sua necessária confiabilidade, quanto à sua possível contribuição às ferramentas de gestão que serão irreversivelmente implementadas. Do exposto, o intuito deste trabalho foi verificar, comparativamente a esses testes tradicionais, a eficácia do “Tetra-Test” nessas novas condições, visando a possibilidade de, simultaneamente, melhorar a especificidade e qualidade da resposta e constituir-se em ferramenta de gestão que possa ter utilidade na intervenção precoce quando da ocorrência de problemas. 3 2. REVISÃO DA LITERATURA 2.1 Características da matéria-prima (leite) O leite é um alimento altamente nutritivo e pode ser caracterizado como a secreção láctea, praticamente livre de colostro, obtida pela ordenha completa de uma ou mais vacas sadias, que contenha não menos que 8,25% de sólidos não gordurosos e não menos que 3,25% de gordura (PRATA, 2001). Sua alta atividade de água, seu pH próximo da neutralidade, associados à disponibilidade de nutrientes, torna-o meio favorável à multiplicação microbiana (ARCURI, 2006). Na fazenda, a fase de ordenha constitui um dos pontos críticos de maior relevância para os animais e uma séria ameaça para a qualidade do leite. A higiene, a adequação dos equipamentos e os próprios funcionários podem levar a lesões internas da glândula mamária e propiciar sua invasão por microrganismos patogênicos (GERMANO & GERMANO, 1995). O leite pode ser contaminado por microrganismos a partir de três principais fontes: do interior da glândula mamária, da superfície exterior do úbere e tetos, e da superfície do equipamento e utensílios de ordenha e tanque (SANTOS & FONSECA, 2001). Desta forma, a saúde da glândula mamária, a higiene de ordenha, o ambiente em que a vaca fica alojada e os procedimentos de limpeza do equipamento de ordenha são fatores que afetam diretamente a contaminação do leite cru. A indústria leiteira compreende diversos segmentos, desde a origem do leite, ainda nas propriedades rurais, até sua chegada ao comércio varejista como produto industrializado, na forma de leite pasteurizado ou produtos derivados. Embora todas as 4 fases sejam importantes para a preservação da qualidade do leite, a de maior relevância é a da produção. Nesta fase, todos os cuidados são direcionados para as fêmeas, considerando-se cada animal como uma pequena indústria (GERMANO & GERMANO, 1995). 2.2 Produção de leite Os rebanhos leiteiros são, geralmente, constituídos por animais selecionados geneticamente, de modo a apresentarem padrões anatômicos e fisiológicos que assegurem um nível de produção elevado e de boa qualidade. Por outro lado, um dos maiores problemas enfrentados pelo produtor de leite é a falta de reserva alimentar (volume e qualidade) nos meses de março, abril e novembro de cada ano, pois suas atividades são desenvolvidas em áreas predominantemente não superiores a 20 hectares (BITTENCOURT et al., 2000). No Brasil a produção de leite acompanhou o processo de urbanização e, em 2007, foi estimada em 26,7 bilhões de litros, gerando um valor bruto de produção de aproximadamente 15 bilhões de reais (CNA, 2008). Já, no âmbito internacional, segundo projeções da FAO (Food and Agriculture Organization), o consumo de produtos lácteos aumentará significativamente até 2030 e, para atender esta realidade, a cadeia leiteira deve se profissionalizar. Os produtores devem fazer uso de todas as ferramentas técnicas a sua disposição para aumentar a produtividade e desenvolver uma pecuária leiteira sustentável e responsável. O cadastramento dos animais, o registro, o monitoramento e a avaliação do desempenho produtivo devem ser incorporados nas regras de eficiência de toda empresa leiteira para o aumento da produção e da produtividade (MONARDES, 2008). No que tange à cadeia produtiva industrial, ressalta-se que cada uma de suas etapas (transporte, tratamento térmico, estocagem e embalagem) constitui importante fator de risco para a higiene das matérias-primas, podendo causar sérios prejuízos à indústria alimentícia (laticinista, no caso), a higiene dos alimentos de origem animal deve-se iniciar nas propriedades de exploração zootécnica, onde os rebanhos ou lotes de animais devem ser submetidos a condições de nutrição e manejo que possibilitem 5 um nível de saúde elevado, contribuindo para a produção de matéria-prima de boa qualidade (GERMANO & GERMANO, 1995). Além disso, a obtenção higiênica do leite e, posteriormente, eficiente manipulação, resfriamento e transporte são fatores essenciais na manutenção da boa qualidade microbiológica e nutricional do leite cru (SOUZA et al., 1995). 2.3 Armazenamento e transporte do leite Com a modernização do setor leiteiro em algumas regiões do Brasil, diversas mudanças têm sido observadas com relação ao armazenamento e transporte do leite. A adoção de tanques resfriadores nas fazendas e a posterior coleta em dias alternados por caminhões isotérmicos têm ocasionado uma diminuição da qualidade do leite por fomentar a proliferação de um grupo de microrganismos caracterizado pelo seu alto metabolismo lipo-proteolítico - os psicrotróficos (SANTOS & FONSECA, 2002). Esta informação, por si só, já é um importante indicativo de que as normas higiênicas para obtenção do leite, descritas na Instrução Normativa 51 (IN 51), não estariam sendo contempladas. O leite que chega às indústrias é de baixa qualidade, possivelmente, devido ao fato de que os tanques resfriadores utilizados pelos produtores não armazenam o leite na temperatura adequada (4ºC), seja pela má qualidade da energia elétrica disponível em algumas propriedades ou pela pior qualidade de algumas marcas de tanques utilizadas. Na maioria das propriedades leiteiras, a temperatura de refrigeração oscila entre 5 e 10ºC, o que configura, um “resfriamento marginal do leite”, contribuindo para a multiplicação de microrganismos, principalmente os psicrotróficos (FONSECA & SANTOS, 2000). IZIDORO (2008) salientou o quão deletérios podem ser os efeitos de um resfriamento marginal, ao permitir a multiplicação de uma microbiota de características mistas mesófilas/psicrotróficas. Além disso, em alguns casos, observa-se um tempo de estocagem do leite nos tanques acima do permitido pela legislação (48h) e o uso de caminhões inadequados para o transporte do produto. 6 DIAS et al., (2007), avaliando a influência da temperatura de refrigeração sobre a qualidade microbiológica de leite cru na região de Araçatuba (SP), verificaram que, em 55% dos tanques de expansão amostrados, a temperatura estava acima do limite permitido. A elevada variação da temperatura associada às diferentes condições higiênico-sanitárias verificadas nas propriedades proporcionou resultados bastante variáveis para as análises microbiológicas, sendo que apenas 45% das amostras analisadas apresentaram contagem bacteriana total dentro dos limites permitidos pela IN 51. Os meios de transporte também participam ativamente nas diferentes fases de destinação dos produtos de origem animal, podendo constituir-se em fatores predisponentes ou determinantes de deterioração e contaminação dos alimentos. A primeira etapa do transporte inicia-se com o deslocamento da matéria-prima para as usinas ou entrepostos. No transporte do leite, a partir das propriedades leiteiras, há sempre a possibilidade de deterioração e contaminação do produto devido às más condições de conservação e higiene dos veículos. Uma segunda etapa do transporte pode ser caracterizada pela transferência do produto bruto para o consumo direto e a terceira etapa refere-se à transferência dos alimentos industrializados para os armazéns de estocagem ou para os locais de venda. Nessa etapa, a contaminação é mais difícil, a não ser que haja violação das embalagens por manipulação imprópria ou por sobrecarga das caixas, entretanto, ainda existe o risco de deterioração, devido às más condições técnicas dos veículos de transporte, tais como, refrigeração inadequada, calor e umidade excessivos (GERMANO & GERMANO, 1995). No Brasil, em anos recentes, tem-se adotado a coleta de leite a granel. Nesse sistema, o leite cru, armazenado em tanques de expansão a 4ºC por até 48 horas, é transportado para a indústria em caminhão com tanque isotérmico. Recentemente, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) publicou a Instrução Normativa nº 51, que estabelece o Regulamento Técnico de Produção, Identidade e Qualidade do Leite Tipo A, do Leite Tipo B, do Leite Pasteurizado e do Leite Cru Refrigerado (BRASIL, 2002). 7 2.4 Qualidade do leite cru e a IN 51 Baseado na extensão geográfica, níveis de desenvolvimento e uso da tecnologia disponível, pode-se dizer que, com raras exceções, a qualidade do leite produzido no Brasil ainda é altamente insatisfatória (PRATA, 2001). Segundo SILVEIRA et al. (1998), esse é um problema crônico de difícil solução, em que fatores de ordem social, econômica, cultural e até mesmo climática estão envolvidos, sem merecer a devida atenção no campo político, apesar do importante papel representado pelo leite na alimentação da população. A qualidade microbiológica do leite está diretamente relacionada com a contaminação inicial e com a taxa de multiplicação dos microrganismos. A carga microbiana inicial depende de fatores como saúde da glândula mamária, exterior do úbere, equipamento de ordenha, tanque de resfriamento e qualidade da água. A taxa de multiplicação, por sua vez, depende do binômio tempo-temperatura, ponto crítico do sistema de transporte e armazenamento (NASCIMENTO & SOUZA, 2002). Muitos são os métodos pelos quais a qualidade microbiológica do leite poderia ser analisada. Entretanto, a sua aceitação como alimento saudável e nutritivo faz ressaltar a importância de dois aspectos a ela relacionados: o de saúde pública e o tecnológico. Quando se utilizam procedimentos de produção que procuram manter a população total de microrganismos a níveis mínimos, não se assegura definitivamente a ausência de organismos patogênicos, mas assegura-se a possibilidade de contar com características sensoriais mais próximas às originais (PRATA, 2001). As evidências de que o leite produzido e consumido no Brasil nem sempre apresenta a qualidade desejada têm gerado a discussão e desenvolvimento de novas políticas de incentivo à produção leiteira, resultando no desenvolvimento do Programa Nacional de Melhoria da Qualidade do Leite (PNMQL). Em complementação, em 2002 o MAPA publicou a Instrução Normativa 51 (IN 51), com importantes inovações em relação à conservação e transporte do leite cru refrigerado, além de estabelecimento de um padrão de qualidade para esse tipo de leite (máximo de 1,0x106 UFC/mL). Dentre as modificações preconizadas pela IN 51, pode ser citada a permissão de comercialização de leites pasteurizados tipos A e B com diferentes percentagens de 8 gordura (integral, padronizado, semidesnatado e desnatado), visando atender um crescente e diferenciado mercado consumidor. Entretanto, uma das principais alterações diz respeito ao leite padronizado; até então, o leite cru destinado ao beneficiamento desse tipo de leite pasteurizado não possuía parâmetros microbiológicos específicos. De acordo com as novas normas, esse leite deve ser refrigerado já na propriedade e possuir uma contagem de aeróbios mesófilos máxima de 1x106 UFC/mL, objetivo a ser atingido em diferentes prazos de acordo com a localização geográfica da região produtora. Outra importante norma descrita na IN 51 é a regulamentação de conservação, coleta e transporte de leite cru refrigerado, independente do tipo, que deve ser feito a granel. Nas propriedades, o leite deverá ser refrigerado e atingir a temperatura de 4°C (tanques de expansão) ou 7°C (tanques de imersão), num período não superior a 3 horas após o término da ordenha. Também é prevista a permissão de tanques resfriadores comunitários, que visa atender pequenos produtores. Caminhões-tanque coletam o leite refrigerado e o encaminham a laticínios para processamento. Na recepção dos laticínios, o leite desses tanques não deverá apresentar temperatura superior a 7°C (para leite B) ou 4°C (para leite C). A redução da contagem de células somáticas (CCS) também é uma meta a ser atingida, em prazos similares aos estabelecidos para contagem de aeróbios mesófilos, sendo que todas essas normas representam um importante passo do PNMQL, que buscam a melhoria da qualidade do leite cru produzido no Brasil, resultando num produto final beneficiado de melhor qualidade (NERO et al., 2005). Em um estudo realizado por NERO et al. (2005), objetivando verificar se o leite cru produzido em áreas de quatro estados produtores de leite no Brasil estaria em condições de cumprir o estabelecido na IN 51, especialmente quanto ao atendimento dos padrões microbiológicos previstos, observaram que 48,57% das amostras analisadas apresentaram-se em desacordo com a presente instrução normativa. Foram analisadas amostras de 210 diferentes propriedades das regiões de Viçosa, MG (47), Pelotas, RS (50), Londrina, PR (63) e Botucatu, SP (50) quanto aos níveis de contaminação por aeróbios mesófilos, utilizando o PetrifilmTM. Como descrito 9 anteriormente, parcela significativa das amostras (48,6%) apresentaram contagens acima do determinado pela IN 51, sendo 21,3% na região de Viçosa (MG), 56,0% na região de Pelotas (RS), 47,6% na região de Londrina (PR) e 68,0% na região de Botucatu (SP). De acordo com esse estudo, concluíram que algumas áreas poderiam enfrentar dificuldades de adequação às normas estabelecidas pela IN 51, já que resultados obtidos em pesquisas mostraram uma alta freqüência de amostras com elevados níveis de contaminação por aeróbios mesófilos. Evidenciaram também que a adoção de resfriamento da produção nas propriedades e a granelização da coleta são importantes medidas para garantir a qualidade microbiológica do leite, como pretendido pelo PNMQL. Entretanto, a adoção isolada dessas medidas não é suficiente para a produção de leite de boa qualidade microbiológica, sendo de grande importância o desenvolvimento de programas regionais de assistência a produtores leiteiros. Portanto, a integração entre produtores, indústria, centros de pesquisa e órgãos fiscalizadores é fundamental para a produção de um leite de qualidade, capaz de concorrer no mercado internacional. Em outro estudo realizado por ARAÚJO et al. (2007), com o objetivo de avaliar as características microbiológicas do leite cru comercializado informalmente no município de Ipatinga (MG), observaram que as doze amostras analisadas apresentaram contagens acima do padrão estabelecido pela IN 51 (1x106 UFC/mL), caracterizando produto impróprio para o consumo humano. Atualmente, com a substituição do leite cru tipo C pelo leite cru refrigerado, que tem um padrão quantitativo apenas para a população de microrganismos mesófilos de, no máximo, 1x106 UFC/mL, a preocupação passa a ser o grupo dos psicrotróficos que encontram condições adequadas para multiplicação durante o período de armazenamento na propriedade rural (ROSSI JÚNIOR et al., 2006). Segundo KASTANAS et al. (1995), a eficiência do processamento térmico na produção do leite UAT (Ultra Alta Temperatura) pode se tornar limitada quando o leite cru contém esporos de microrganismos psicrotróficos, mesófilos, termófilos e termodúricos. 10 ROSSI JÚNIOR et al. (2006) concluíram que o processamento térmico aplicado ao leite UAT foi capaz de reduzir, mas não de eliminar a carga microbiana encontrada no leite cru (matéria-prima). No leite cru encontra-se uma diversidade de bactérias, incluindo as psicrotróficas, que podem se multiplicar a 7ºC ou menos, independentemente de sua temperatura ótima de crescimento, as termodúricas, que podem sobreviver ao tratamento térmico da pasteurização, as láticas, que acidificam rapidamente o leite cru não-refrigerado, os coliformes e as bactérias patogênicas, principalmente as que causam mastite (HAYES & BOOR, 2001). A ação das bactérias ou de suas enzimas sobre os componentes lácteos causa várias alterações no leite e seus derivados. Esses defeitos incluem sabores e aromas indesejáveis, diminuição da vida de prateleira, interferência nos processos tecnológicos e redução do rendimento, especialmente de queijos (HICKS et al., 1982; CHAMPAGNE et al., 1994). Do ponto de vista tecnológico, os microrganismos de maior importância são os que contaminam o leite durante e após a ordenha. Essa contaminação é variável, tanto qualitativa quanto quantitativamente, em função das condições de higiene existentes (FROEDER et al., 1985). A temperatura e o período de armazenamento do leite antes da pasteurização determinam, de maneira seletiva e pronunciada, a intensidade de desenvolvimento das diversas espécies microbianas contaminantes. Neste ponto ressalta-se o uso das baixas temperaturas como instrumento para conservação do leite, pois se empregadas de forma correta e associadas a boas práticas higiênicas inibem ou reduzem a multiplicação da maioria das bactérias e diminuem a atividade de enzimas degradativas. As mudanças ocorridas nos sistemas de armazenamento e transporte do leite vêm causando alguns problemas relacionados à qualidade do produto. O resfriamento do leite em tanques de expansão ou imersão logo após a ordenha e a adoção do sistema de coleta a granel em dias alternados, eliminaram os problemas causados pelos microrganismos mesofílicos, ou acidificantes, e de muitos patógenos, porém atuam de forma seletiva, favorecendo a proliferação de organismos psicrotróficos (SOARES, 2004). 11 2.5 Microrganismos psicrotróficos De acordo com SUHREN (1989), citado por SANTOS & FONSECA (2002) existe uma grande dificuldade de definição dos termos psicrófilo e psicrotrófico, em função destes termos terem sido usados como sinônimos no passado. No entanto, uma caracterização precisa destes grupos de microrganismos é de fundamental importância. O termo psicrófilo tem origem nas palavras gregas "psicro" - que significa frio e "filo" - que indica afinidade. Assim, o termo psicrófilo indica microrganismos que se multiplicam melhor em baixas temperaturas, por terem afinidade com frio. No entanto, pesquisadores têm rejeitado o uso desse termo, visto que ele implica uma preferência pela multiplicação em baixas temperaturas, embora esse grupo geralmente se desenvolva melhor em temperaturas iguais ou maiores que 20ºC (COUSIN, 1982). Em 1960, EDDY citado por PRATA (2001) sugeriu o termo psicrotróficos para designar o grupo de microrganismos com capacidade de se desenvolver em agar padrão e formar colônias visíveis em 10 dias a 7°C, independentemente de sua temperatura ótima de multiplicação. Estes microrganismos constituem o grupo de maior potencial deteriorativo para o leite e alguns produtos derivados que normalmente são estocados sob temperatura de refrigeração (FAIRBAIRN & LAW, 1986). Dados obtidos por DIAS et al. (2007), avaliando a influência da temperatura de refrigeração sobre a qualidade microbiológica do leite cru, demonstram que as contagens de psicrotróficos variaram de 1,0x102 a 7,2x107 UFC/mL, sendo que as maiores foram verificadas nos tanques onde a temperatura do leite estava exatamente no limite superior permitido legalmente (4oC) ou mais alta (8oC), confirmando dados de literatura que citam a faixa entre 7 e 10oC como favorável a este grupo de microrganismos. A ocorrência de microrganismos psicrotróficos no leite cru é muito variável e depende do tipo e do número de microrganismos presentes, das condições sob as quais o leite foi obtido e do seu tempo em temperatura de estocagem após o processamento (COUSIN, 1982). Normalmente, esse grupo representa cerca de um décimo da microbiota inicial do leite cru (FAIRBAIRN & LAW, 1986). 12 Dentro da fazenda produtora, a refrigeração imediata do leite é universalmente recomendada para prolongar a sua vida de prateleira e inibir sua deterioração por bactérias mesófilas. Por outro lado, deve-se lembrar que a refrigeração não corrige falhas de higiene durante a ordenha, visto que essa mesma prática favorece o desenvolvimento de microrganismos psicrotróficos, os quais produzem proteases e lipases extracelulares. Tais enzimas são geralmente resistentes ao tratamento térmico e limitam a vida de prateleira do leite pasteurizado e de outros derivados, pois favorecem a lipólise e proteólise, com consequente desenvolvimento de sabor amargo e de ranço no produto (SANTOS, 2008). Tem-se observado que um grande número de espécies consideradas estritamente mesófilas, já estão sendo incluídas também entre os psicrotróficos (SILVEIRA et al., 1998). ANTUNES et al. (2002) relataram a presença de microrganismos psicrotróficos representando 23% da microbiota do leite in natura os quais em condições de refrigeração multiplicam-se mais rapidamente do que a microbiota mesofílica, tornando-se predominante. SANTANA (2001) citou que temperaturas em torno de 4ºC controlam o crescimento de microrganismos mesófilos, que em geral provocam acidificação e causam perdas econômicas para produtores e indústrias. A carga microbiológica do leite cru é de extrema importância na qualidade final de produtos lácteos. Um leite de baixa qualidade microbiológica não se conserva por longos períodos, mesmo sob refrigeração, devido a sua contaminação principalmente por bactérias psicrotróficas esporulantes (como algumas espécies do gênero Bacillus) ou não formadoras de esporos (como Pseudomonas), que apesar de sua multiplicação lenta, produzem grandes quantidades de enzimas (lipases e proteases), que rapidamente alteram o produto (BISHOP & WHITE, 1988; CRAVEN & MACAULEY, 1993). Segundo PRATA (2001), as proteases produzidas pelos microrganismos psicrotróficos atuam primariamente durante a estocagem refrigerada do leite, antes do tratamento térmico. Essas enzimas degradam preferencialmente as frações β e κ das micelas de caseína do leite, nessa última de uma forma análoga à ação da quimosina. 13 A qualidade do produto final está diretamente relacionada à carga microbiológica do leite ao chegar à indústria beneficiadora. A aceitação do leite fluido por parte do consumidor depende em grande parte das suas características sensoriais, tais como sabor e aroma, assim como do seu valor nutricional, atributos esses que podem ser alterados pela ação proteolítica e lipolítica de bactérias psicrotróficas, com prejuízos ao tempo de vida de prateleira e à qualidade do leite pasteurizado (MA et al., 2000). Devido ao amplo uso da refrigeração do leite na fazenda, a atividade lipolítica de origem microbiana ocorre, principalmente, devido a essas bactérias psicrotróficas, as quais são as predominantes no leite refrigerado. As lipases secretadas por estes microrganismos Gram-negativos são hidrolases que atuam principalmente na posição α dos triglicerídeos (CASTBERG, 1992). Normalmente, se as condições higiênicas de produção e armazenamento do leite forem satisfatórias, as lipases bacterianas não apresentarão impacto importante sobre a lipólise do leite antes da pasteurização. No entanto, devido à característica destas enzimas de sobreviverem à pasteurização, a sua atividade lipolítica passa a ser importante, principalmente quando a contagem de psicrotróficos ultrapassa 106/107 UFC/mL (DOWNEY, 1980). O predomínio de bactérias psicrotróficas também foi observado em amostras de leite cru, presente em tanques refrigeradores, coletadas em dias alternados, com predomínio do gênero Pseudomonas nas tubulações dos equipamentos de ordenha. Além disso, quando a coleta do leite cru nos tanques das fazendas é realizada em dias alternados, costuma-se observar contagens mais expressivas de microrganismos psicrotróficos no leite, comparada com a coleta realizada diariamente (COUSIN, 1982). A pesquisa de microrganismos psicrotróficos no leite serve como parâmetro para indicar a qualidade do mesmo, sendo que ao encontrá-los em grande quantidade, indicam baixa qualidade do leite, insatisfatórias condições higiênicas no processamento, ou até uso impróprio da tecnologia do resfriamento (ROQUE et al., 2003). 14 2.6 Avaliação da qualidade do leite e a utilização do “Tetra-Test” Mundialmente, a avaliação da qualidade microbiológica do leite é realizada por meio de métodos padronizados, capazes de promover estimativas muito confiáveis, com boa repetibilidade e reprodutibilidade (BIZARI, 2002). Além de avaliar o perigo que o leite pode representar para a saúde do consumidor, na presença de microrganismos patogênicos ou toxinas, alguns métodos permitem avaliar seu tempo de conservação (BRITO & BRITO, 2002). Os principais métodos usados para exame e classificação do leite são a contagem padrão em placas de microrganismos mesófilos, aeróbios e facultativos viáveis, os métodos de redução do azul de metileno e da resazurina e a contagem microscópica, além das técnicas de NMP (número mais provável), determinando a presença de grupos específicos de microrganismos, pela impossibilidade em se pesquisar todos os microrganismos possíveis presentes (PRATA, 2001). Segundo BLANKENAGEL (1976), o teste ideal para detectar a presença de contaminantes no leite deve fornecer resultados no menor tempo possível, mesmo que, para isso, seja preciso sacrificar um pouco sua precisão, além de ser um teste simples e econômico. A contagem padrão em placas ou contagem de aeróbios mesófilos em um produto alimentício reflete a qualidade da matéria-prima, bem como as condições de processamento, manuseio e estocagem, permitindo estimar o tempo de prateleira do alimento em questão. Em termos laboratoriais, a execução desta técnica é bem simples, consistindo no plaqueamento de alíquotas da amostra, homogeneizada e diluída, em meio de cultura padrão como o “Plate Count Agar” (PCA). As placas são então, incubadas em condições de tempo e temperatura adequados, para que haja o desenvolvimento das colônias que serão posteriormente enumeradas (SANT’ANA et al., 2002). No entanto, esta metodologia apresenta certas limitações que podem ser observadas em função da padronização do método. Mesmo com a contínua realização de algumas modificações, a demora na obtenção dos resultados, conhecidos depois do produto já ter sido consumido, a grande quantidade necessária de equipamentos e 15 meio, que encarece o teste e dificulta a sua aplicação rotineira, o considerável erro experimental inerente e o fato de ser uma estimativa e não uma medida precisa, caracterizam ainda importantes limitações (COUSIN, 1982; BIZARI, 2002). Outras limitações do método referentes à composição do meio de cultivo utilizado podem ser determinadas, visto que nenhum meio pode ser considerado plenamente satisfatório para o desenvolvimento de todas as espécies de microrganismos presentes no leite. Além disso, as colônias podem ser formadas tanto por células únicas quanto por grupamentos de até centenas, e, em ambas as situações são contadas como um único elemento (JOHNS, 1959; PRATA, 2001). Quanto aos métodos de redução, por sua vez, são baseados no consumo de oxigênio que ocorre com a proliferação de microrganismos no leite. A redução é revelada por corantes indicadores, que, na presença de íons de hidrogênio, mudam a cor do meio, permitindo a quantificação indireta dos microrganismos presentes no leite (PRATA, 2001). Tais métodos têm sido utilizados para avaliar a qualidade do leite, porém, muitas vezes, seus resultados não podem ser interpretados em termos numéricos, servindo como um parâmetro para avaliar a carga bacteriana no leite, o que pode variar com a atividade metabólica dos microrganismos predominantes. Testes de redução como o do azul de metileno e da resazurina, embora bem correlacionados com a contagem padrão em placas, não se correlacionam bem com a presença de psicrotróficos no leite, pela baixa habilidade desses microrganismos em reduzir seus componentes (COUSIN, 1982). O azul de metileno, por redução, torna-se incolor de forma reversível. Suas maiores vantagens são a simplicidade, economia, reprodutibilidade e a rápida detecção de leites de qualidade ruim (PRATA, 2001). Entretanto, a prova da redutase utilizada até então como parâmetro da avaliação do estado higiênico-sanitário do leite cru, através do estabelecimento de uma relação entre o tempo de redução do azul de metileno e o número de bactérias presentes, possui limitações quanto à variação da capacidade redutora de diferentes microrganismos (NASCIMENTO & SOUZA, 2002). 16 LORENZETTI (2006), avaliando a influência do tempo e da temperatura no desenvolvimento de microrganismos psicrotróficos no leite cru de dois estados da região sul encontrou diferenças importantes entre os resultados da prova da redutase para as duas regiões, demonstrando grande contraste na qualidade do leite. O teste da resazurina, também usado como indicador de óxido-redução é muito semelhante ao da redução do azul de metileno. Sua realização oferece, como principal vantagem, a obtenção de resultados em uma ou três horas, dependendo da forma como é realizado. Nas indústrias de laticínios, este método é utilizado para discriminar leites de péssima qualidade higiênica. Suas limitações são semelhantes às do azul de metileno, igualmente afetada pelo crescente uso da refrigeração do leite (PRATA, 2001). De uso comum, a técnica de NMP, geralmente aplicadas a coliformes totais e fecais, é outra técnica usada para avaliar a qualidade do leite. Considerado um valioso meio de determinar os padrões de higiene da produção, o teste de coliformes, baseado em técnica simples e rápida, foi elaborado para revelar a possível presença de patógenos de origem fecal (EYLES & WYE, 1993). Na prática, porém, esse teste é utilizado para avaliar a eficácia do tratamento térmico ao qual o leite foi submetido e a possível contaminação pós-pasteurização do leite. No entanto, estudos demonstram que é pouco sensível para detectar contaminações pós-pasteurização (BLANKENAGEL, 1976; EYLES & WYE, 1993). Visando suprir a demanda por maior praticidade e rapidez, outros testes alternativos foram desenvolvidos. Pode-se dividi-los basicamente em três tipos: novos métodos de estimativa do número das unidades formadoras de colônias (UFC), métodos de contagem microscópica e métodos indiretos (mensuração de substratos ou componentes metabólicos e mensuração de constituintes celulares bacterianos) (REYBROECK, 1996; REICHMUTH et al., 1996). Segundo REYBROECK (1996), o método do filme re-hidratável seco (Petrifilm) é uma técnica viável que pode substituir a contagem padrão em placas em pequenos laboratórios. Uma boa correlação foi obtida ao se comparar o Petrifilm com os métodos 17 oficiais de estimativa da contagem bacteriana total e da contagem de coliformes (PITON & GRAPPIN, 1989). SUHREN et al. (1992), ao avaliarem os métodos de rotina usados para estimar a qualidade bacteriológica do leite cru, observaram que aqueles baseados na contagem de colônias ofereceram os resultados mais confiáveis quando comparados com os métodos baseados em outros princípios, como a mensuração de atividade dos microrganismos. Com relação às bactérias psicrotróficas, há uma grande dificuldade em se definir os procedimentos de enumeração para esses microrganismos, uma vez que não existe uma definição precisa para as mesmas. Em função disso, inúmeras vezes, os tempos e temperaturas de incubação utilizados para essa finalidade já foram modificados nas diversas edições do Standard Methods for the Examination of Dairy Products, com a desvantagem de requerer muito tempo de espera para a obtenção dos resultados (COUSIN, 1982). Baseado no fato de que muitos microrganismos psicrotróficos crescem bem a 21oC e a maioria dos mesófilos crescem lentamente nessa temperatura, OLIVEIRA & PARMELEE (1976) desenvolveram uma contagem rápida de psicrotróficos (CRP), realizada pelo plaqueamento das amostras de acordo com o Standard methods incubadas a 21oC por 25h. Ao comparar os resultados com aqueles obtidos pelo método padrão de contagem de psicrotróficos, os coeficientes de correlação foram iguais a 0,992 para 132 amostras de leite cru analisadas e 0,996 para 190 amostras de leite pasteurizado analisadas. Mais de 95% dos microrganismos enumerados por esse método foram confirmados como sendo psicrotróficos. POFFÉ & MERTENS (1988), ao avaliarem amostras de leite cru refrigerado de conjunto quanto à contagem bacteriana total após 3 dias a 30oC e quanto às contagens de psicrotróficos e proteolíticos após 10 dias a 7oC, obtiveram uma correlação positiva entre a contagem bacteriana total e o número de psicrotróficos (r=0,88) e entre os psicrotróficos semeados em ágar padrão para contagem e aqueles semeados em ágar leite (r=0,89). O número de bactérias proteolíticas, no entanto, foi pouco correlacionado (r=0,65) com o número de psicrotróficos. 18 Diante do exposto, outros métodos de análise têm sido propostos para a obtenção da contagem de microrganismos psicrotróficos e microrganismos mesófilos, na tentativa de solucionar esses problemas, entre eles o “Tetra-Test”, que foi o principal motivo para a realização deste trabalho, pois as ferramentas disponíveis, ou seja, os métodos analíticos de seleção ou estão obsoletos e sem a precisão necessária para oferecer as respostas adequadas ou são caros e dispendiosos, exigindo mais investimentos e qualificação (PRATA, 2007). Uma prova rápida de redução em tubos, para estimar a presença de microrganismos psicrotróficos em leite pasteurizado, foi inicialmente desenvolvida e padronizada por CRAVEN et al. (1994), na Austrália, e denominada “Psicro-Fast-Test”. O método revelou-se útil para estimar a vida de prateleira (“shelf-life”) de leites e cremes pasteurizados e aromatizados, manteigas e queijos. Partindo da metodologia desenvolvida por Craven, SOARES (2004) realizou um estudo modificando algumas de suas etapas, adaptando-as a amostras de leite cru refrigerado, para permitir a seleção, por qualidade, do leite cru que chega às usinas de beneficiamento, antes de ser processado. O estudo teve como objetivo fazer uma estimativa rápida da carga de microrganismos psicrotróficos em leite cru refrigerado. Para isso, o teste desenvolvido e padronizado foi comparado aos métodos tradicionais de contagem padrão em placas (CPP), contagem de microrganismos psicrotróficos e duas contagens de microrganismos proteolíticos. Concluiu-se que, das amostras com contagens de psicrotróficos acima de 107 UFC/mL, 81,8% e 94,5% foram identificadas pelo teste rápido em tubos após 4 e 6 horas de incubação, respectivamente, possibilitando adequado conhecimento da matéria-prima e seu possível controle. A correlação obtida entre o tempo para a obtenção de traços de redução na prova rápida em tubos e as contagens em placas de psicrotróficos foi significativa (r= -0,80). A correlação de r= 0,98 foi obtida entre a contagem padrão em placas e a contagem de psicrotróficos em placas, comprovando o fato de que a maioria dos psicrotróficos enumerados é, na verdade, constituída de mesófilos que se adaptaram as condições de refrigeração. 19 Soares (2004) demonstrou, ainda, que a maioria (95%) de mesófilos adaptados apresentou características proteolíticas precoces ou tardias. Com relação às contagens em placas e as dosagens de GMP livre, notou-se uma correlação insignificante, mostrando que a ação causada no leite pela ação dos microrganismos psicrotróficos não influenciou nos teores de GMP livre mensurados. A incubação a 30oC dos tubos utilizados na prova rápida para estimar a presença de psicrotróficos mostrou-se mais favorável para o uso na prática, por revelar resultados em menos tempo e apresentar melhor correlação com as contagens de psicrotróficos. Tomando por base esse conjunto de informações, ALMEIDA (2006) desenvolveu outro trabalho com o objetivo de definir e padronizar uma metodologia simples e rápida para ser utilizada na indicação da segurança de consumo de leite pasteurizado. O autor analisou 261 amostras de leite recém-pasteurizado de diferentes marcas comerciais, as quais foram submetidas à prova rápida de redução em tubos, aos métodos microbiológicos oficiais de controle. Os resultados obtidos na prova rápida de redução em tubos foram comparados com os resultados da contagem padrão em placas de mesófilos e com o NMP de coliformes (total e fecal), o que demonstrou uma elevada correlação linear (r= -0,85). Do total, 134 amostras foram consideradas dentro dos padrões regulamentares para ambos os métodos microbiológicos oficiais, embora oito dessas tenham reduzido o TTC (cloreto de trifeniltetrazolium) em até 8 horas. Das 127 amostras que se encontraram fora dos padrões regulamentares, 93 reduziram o TTC em até 8 horas de leitura. A prova rápida de redução em tubos apresentou uma sensibilidade de 72,2%, especificidade de 94,0% e acurácia de 83,9%. Portanto, a autora concluiu que a prova rápida de redução em tubos pode ser empregada, dentro do plano APPCC, para controle do processo de pasteurização do leite, por ser uma prova bastante simples que pode ser realizada por qualquer técnico da indústria, não exige alto custo para a sua realização por não fazer uso excessivo de vidrarias e nem mesmo de equipamentos caros e fornece resultados seguros em menor tempo, proporcionando respostas rápidas sobre a qualidade do leite em processamento, definindo o grau de controle do processo. 20 Do exposto, PRATA (2007) propôs a possibilidade de se realizar a padronização da metodologia para o uso do teste rápido de redução em tubos “Tetra-Test” como uma solução alternativa para avaliar a qualidade do leite cru refrigerado, ou seja, da matéria- prima que é utilizada para o processamento nas indústrias, pois se sabe que a qualidade do produto final está diretamente ligada à qualidade desta matéria-prima. Segundo o autor, dois fatos principais foram determinantes na busca de soluções alternativas como a do teste em questão: o rápido crescimento e a popularização do processamento industrial por UAT o mercado interno e a introdução das alterações propostas pela IN 51, do MAPA. O primeiro, em cerca de uma década, promoveu a inversão do mercado do leite: do antes pasteurizado (barriga mole ou saquinho), para o atual, ultrapasteurizado ou longa vida, que domina o mercado com mais de 70% e enorme aceitação dos consumidores. O segundo introduziu mudanças muito significativas, intencionalmente progressivas, representadas principalmente pela refrigeração, estocagem em tanques do leite refrigerado na propriedade e a coleta a granel em dias alternados, para as quais produtores e indústrias não estavam suficientemente informados e preparados. Assim, para atender o primeiro caso, toda a logística do setor foi rapidamente modificada, desde a captação até a distribuição do produto pronto, com vantagens oferecidas pelo processo de tratamento por UAT. Todavia, esse sucesso é diretamente dependente da qualidade da matéria-prima a se processar, caso contrário inúmeros e variados problemas podem ocorrer. Partindo desta premissa, uma alternativa de solução para o problema foi elaborada por meio da configuração, desenvolvimento e padronização de um novo teste (método), de comprovados resultados denominado “Tetra-Test”, capaz de, em tempo recorde, oferecer respostas e subsídios importantes para a seleção e monitoramento da qualidade da matéria-prima (leite cru) a ser processada industrialmente. As vantagens do teste são inúmeras, tais como a simplicidade de realização sem custos elevados, a rapidez (entre 0 e 4 horas, dependendo das condições de execução e incubação, oferece estimativas comparáveis aos resultados dos métodos tradicionais), a possibilidade de gestão do processo em função da rapidez e da simplicidade, seja 21 redirecionando os controles de campo com a adoção de medidas corretivas ou direcionando o aproveitamento e processamento da matéria-prima recebida, dando-lhe a destinação mais adequada e segura. O teste rápido de redução em tubos permite a verificação de uma série de possibilidades, dentre elas: - a estimativa da carga de psicrotróficos adaptados ao leite: monitorar a adaptação e persistência de psicrotróficos Gram-negativos (proteolíticos e lipolíticos) adaptados ao leite e residentes nos tanques de refrigeração; - a estimativa da carga microbiana total: controlar a qualidade e a higiene de todas as etapas envolvidas na obtenção (ordenha) e estocagem do leite na propriedade (tanques refrigerados) – animais, pessoal, equipamentos e instalações; - Caracterizar o verdadeiro (ou mais importante) problema de qualidade do leite: definir se o problema de qualidade se relaciona à higiene da obtenção ou à possível seleção de psicrotróficos, priorizando, desta forma, as ações corretivas; e, - suspeitar da presença de resíduos de antibióticos ou de substâncias inibidoras: controlar a presença de resíduos de antibióticos, da adição de substâncias inibidoras do desenvolvimento microbiano ou mesmo da realização de tratamento térmico do leite. Embora a execução prática do teste assemelhe-se muito com os testes de redução, sendo ainda mais simples que esses, e a visualização dos resultados também seja por variação da cor em função do tempo – também como nos testes de redução, o princípio envolvido é completamente distinto, utilizando-se da característica de que a maioria das bactérias presentes no leite, quando ativas e em multiplicação, utilizam o Cloreto de Trifeniltetrazolium mudando a cor desse sal de incolor para róseo ou vermelho. Quanto mais ativa ou intensa a multiplicação, mais rápida a mudança de cor, sendo particularmente intensa e rápida durante o desenvolvimento exponencial. Esses fatos são bem conhecidos, documentados e reconhecidos na área de bacteriologia, sendo esse mesmo princípio universalmente utilizado em metodologia reconhecida internacionalmente em métodos de contagem de bactérias em filmes reidratáveis. Todavia, diferentemente dessas técnicas que trabalham com diluições amostrais, buscou-se, no “Tetra-Test”, a rapidez da resposta mesmo que com algum sacrifício da 22 precisão, padronizando-se o teste com 10mL de amostra e, portanto, como no caso do leite cru, com um número inicial de microrganismos bastante elevado. Outra característica agregada foi a utilização de potente inibidor de Gram-positivos (Cloreto de Belzalcônio) em uma das séries das duplicatas. Assim, a realização conjunta e a diversidade de resultados possibilitam variada, rápida e condizente interpretação, permitindo não só ter-se uma idéia da estimativa da microbiota como também a sua qualificação, possibilitando a rápida adoção de medidas corretivas, como se requer na adoção de ferramentas de gestão. Diante das possibilidades oferecidas e da crescente preocupação com a qualidade do leite enquanto matéria-prima optou-se pela realização deste trabalho com o intuito de avaliar a eficácia desse teste como nova ferramenta de gestão para o controle da qualidade do leite cru refrigerado recebido pelas indústrias. 23 3. OBJETIVOS 1. Verificar, comparativamente à utilização dos testes tradicionais de controle de qualidade da matéria-prima, a eficácia do “Tetra-Test” em avaliar a qualidade do leite cru refrigerado, i. Na recepção da matéria-prima; ii. Em função das novas condições da IN 51 (leite refrigerado, estocado na propriedade e submetido a processo de colheita a granel em tempo variável – em regra, dias alternados); iii. Visando a possibilidade de, simultaneamente, melhorar a especificidade e qualidade da resposta do teste; e, iv. Estabelecer uma nova ferramenta de gestão que possa ser útil na intervenção precoce quando da ocorrência de problemas. 2. Verificar os efeitos do processo de centrifugação nas características e/ou propriedades da matéria-prima industrial, em etapa realizada imediatamente à entrada do leite no processo por ultra alta temperatura (UAT ou UHT). 24 4. MATERIAL E MÉTODOS 4.1 Colheita de amostras O experimento foi conduzido no Laboratório de Inspeção Sanitária de Alimentos do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva e Reprodução Animal da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da UNESP, Campus de Jaboticabal, após a aquiescência e colaboração de duas indústrias de laticínios da região, uma delas processando cerca de 300.000L/dia e a outra cerca de 800.000L/dia, sendo que, em ambas, o principal intento era a industrialização de leite UAT. As duas indústrias são fiscalizadas pelo Serviço de Inspeção Federal (SIF) do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Foram colhidas e utilizadas 374 amostras individuais (de produtor) de leite cru refrigerado, 125 amostras de leite cru de conjunto (bocas de tanques de caminhões transportadores) e 56 amostras de leite provenientes da linha de processamento de leite UAT, especificamente antes e depois do processo de centrifugação interposto logo no início do processo. Após a chegada aos laticínios as amostras de leite de conjunto (tanques de caminhões) eram submetidas às provas de densidade, acidez, alizarol, gordura, crioscopia e presença de antibióticos. Em seguida, o funcionário responsável pelas análises fornecia os resultados e liberava as amostras de produtores correspondentes a cada boca de tanque, as quais eram transferidas para frascos plásticos e, juntamente 25 com as amostras tomadas das bocas, eram acondicionadas em caixas isotérmicas contendo gelo e transportadas para o laboratório onde foi conduzido o experimento. No laboratório, em uma primeira etapa, as amostras foram submetidas a duas análises microbiológicas. Com as amostras individuais foi realizada uma prova rápida de redução em tubos – o “Tetra-Test”, com o objetivo de estimar a carga microbiana do leite e o tipo de microrganismo predominante em cada uma delas. Com as amostras de leite de conjunto foi realizada a prova de contagem padrão em placas, índice de refração e dosagem de teores de glicomacropeptídeo (GMP), este último com o intuito de verificar o estado proteolítico da κ-caseína. Em seguida, foram realizadas as seguintes provas físico-químicas nas amostras individuais: acidez, fosfatase, teor de cloretos, presença de substâncias alcalinas e presença de água oxigenada, com o objetivo de avaliar as características do leite que chega aos laticínios. As amostras obtidas durante o processamento por UAT, 56 no total – 28 antes e 28 imediatamente após a centrifugação, foram colhidas nos mesmos moldes, identificadas, acondicionadas e transportadas para as análises no laboratório, contemplando o segundo objetivo deste trabalho. Essas amostras foram submetidas a ambos os testes microbiológicos (“Tetra-Test” e Contagem padrão em placas para mesófilos), à determinação da composição do leite e determinação do índice proteolítico da κ-caseína, todas essas realizadas para ambas as amostras, além da pesquisa de água oxigenada, resíduos alcalinos, teor de cloretos e fosfatase alcalina. 4.2 Análises microbiológicas 4.2.1 Tetra-test - Prova rápida para psicrotróficos e a carga microbiana total O teste foi realizado distribuindo-se 10mL das amostras de leite, em duplicata (duas séries), em tubos de vidro com rosca, que foram colocados em “banho-maria” a 37oC para que a temperatura dos mesmos fosse igualada. Em seguida, foi adicionado 1 mL de solução de cloreto de benzalcônio a 5% na primeira série (estimativa de 26 psicrotróficos) para permitir uma maior seleção da microbiota presente nas amostras de leite. Os tubos foram homogeneizados, com posterior repouso a temperatura ambiente por 10 minutos, visando a inibição das bactérias Gram-positivas presentes nas amostras. Posteriormente foi adicionado 1 mL de solução de cloreto de trifeniltetrazolium (TTC) a 5% em cada tubo, em ambas as séries, com homogeneização e início da contagem do tempo. O teste foi conduzido com os tubos contendo as amostras permanecendo em cima do balcão, com iluminação natural e artificial e ambiente climatizado (ar condicionado, com temperatura ambiente variando de 20 a 25oC). A leitura dos tubos se iniciou aos 5 minutos após a adição do TTC e as leituras posteriores foram realizadas aos 15, 30 e 60 minutos. Em seguida, as leituras foram feitas de hora em hora (2, 3, 4 e 5 horas). Uma última leitura foi realizada 24 horas após o início do teste para verificar a existência de possíveis amostras que não reduziram o TTC. Para a leitura da prova rápida em tubos foi desenvolvido um protocolo de interpretação, baseado na coloração observada durante a realização do teste. Dessa forma, os resultados são diferenciados desde a presença de traços de cor até resultados positivos P(+), P(++) e P(+++). Foi atribuído o valor de traço aos tubos com ligeira mudança da coloração branca para a rósea. Os tubos com coloração rósea foram classificados como resultado P(+). O resultado P(++) foi atribuído àqueles com coloração intermediária entre rosa e rosa intenso e aqueles como coloração rosa intenso foram classificados como P(+++) (PRATA, 2007). 4.2.2 Contagem padrão em placas de microrganismos mesófilos aeróbios A contagem em placas foi realizada seguindo-se a metodologia da contagem padrão proposta pela APHA (2001). Foram feitas contagens em duplicata, para cada diluição, realizando-se três diluições sucessivas (10-4, 10-5, 10-6). Dessa forma, 1mL de cada diluição da amostra foi transferido para placas de Petri esterilizadas, devidamente identificadas. A seguir, foram adicionados, a cada placa, 20 mL de Agar padrão para contagem, previamente fundido e mantido a temperatura de 45°C. Em seguida, as 27 placas foram suavemente homogeneizadas, em superfície plana, com movimentos circulares suaves, em forma de “8”. Após a solidificação à temperatura ambiente, as placas foram invertidas e incubadas em estufa, a 35°C, por 48 horas. As colônias que cresceram na placa foram contadas com o auxílio de uma lupa no contador de colônias (modelo 608, Phoenix – Araraquara, Brasil). A contagem se restringiu àquelas diluições que apresentaram crescimento no intervalo de no mínimo 25 e no máximo 250 unidades formadoras de colônias (UFC) por placa. 4.3 Análises físico-químicas 4.3.1 Acidez titulável em Graus Dornic (oD) A acidez ainda é uma das primeiras análises a que o leite de produtores é submetido, tanto pelo valor intrínseco do resultado, daquilo que representa em termos do desenvolvimento microbiológico e também do valor quanto à resistência ou estabilidade térmica do leite ao processamento sendo, ainda, de grande importância prática. Essa prova determina a medida indireta do pH através de titulação estequiométrica subjetiva, isto é, com o emprego de um indicador e um ponto colorido de viragem desse. O leite, quando sai do úbere é ligeiramente ácido e apresenta um pH médio de 6,65, que não quantifica o ácido lático, e sim os seus demais componentes, como fosfatos, citratos e dióxido de carbono, correspondendo normalmente a uma variação entre 14,0 e 18,0°D. A solução Dornic é um álcali que, adicionado a uma amostra de leite, provoca a neutralização de sua porção ácida, composta pelo ácido láctico, além de fosfatos, caseínas, citratos e dióxido de carbono. O volume de solução Dornic necessária para neutralizar a acidez do leite indica indiretamente a quantidade de ácido lático ou a acidez própria por litro. Cada 0,1 mL de solução Dornic corresponde a 1oDornic, que corresponde a 0,01% de ácido lático, ou 0,1g de ácido lático por litro. Para visualizar esta “viragem da acidez”, utiliza-se um indicador ácido- básico, a solução alcoólica de fenolftaleína a 1%. 28 Alíquotas de 10mL de leite foram colocadas em béquer de 100mL. Em seguida, foram adicionadas 5 gotas de solução de fenolftaleína (indicador) e realizada a titulação com Solução Dornic, agitando até a viragem da cor para róseo discreto, que deve permanecer por 20-30 segundos, anotando-se, em seguida, o volume de soda gasto em cada titulação (BRASIL, 1981). 4.3.2 Índice de refração Entende-se por índice de refração o número que representa a relação constante entre os senos de dois ângulos de incidência e refração de um raio de luz monocromática que atravessa o leite, que corresponde igualmente à relação entre a velocidade da luz ao atravessar o leite em um meio translúcido. O objetivo da determinação do índice de refração é verificar se houve fraude por aguagem do leite. Procedimento: Foram transferidos 20 mL da amostra de leite para um béquer de 80 mL, adicionou-se 5 mL de sulfato de cobre a 7,25% e deixou-se em repouso por 5 minutos para retirar a proteína e gordura do leite, que precipitam, e prosseguindo-se com um leite transparente, apenas com sólidos solúveis. Depois, a mistura foi filtrada em papel de filtro e, após desprezar as primeiras gotas do filtrado, que deve ser límpido, este foi transferido para um tubo de ensaio seco. Finalmente gotejou-se o filtrado sobre o prisma do refratômetro, procedendo-se à leitura. Interpretação: Leite normal – 1,3416 a 1,3420 ou 38,0° Zeiss (BRASIL, 1981). 4.3.3 Enzimas A pesquisa de fosfatase alcalina e da peroxidase tem o objetivo de avaliar a eficiência do tratamento térmico. No presente trabalho foi realizada apenas a prova da fosfatase, com o objetivo de verificar se as amostras eram realmente de leite cru. Trata-se de uma enzima nativa do leite que catalisa a hidrólise de fosfatos orgânicos em álcool ou fenol e ácido fosfórico. É sensível à pasteurização a 72°C por 15 segundos, sendo, portanto, utilizada como referência para a verificação da eficiência da pasteurização. O teste foi realizado com o Kit comercial “Labtest”. Os resultados são 29 classificados de acordo com a coloração, sendo azul escuro para leite cru e amarelo para leite pasteurizado. 4.3.4 Determinação do teor de cloretos As amostras individuais foram submetidas à prova de determinação do teor de cloretos, que tem um importante papel na caracterização de algumas situações. Os cloretos no leite podem estar relacionados com a presença de colostro ou problemas com mastite no rebanho, e também variam em razão inversa à produção de leite, aumentando muito ao final da lactação. Caracteriza-se por uma medida indireta do teor de cloretos através de titulação estequiométrica subjetiva. Foram adicionados 10 mL da amostra para um béquer de 100 mL e, em seguida, foi adicionado 1 mL do indicador (solução de dicromato de potássio a 10%). Titulou-se com nitrato de prata 0,1N até correr a formação de uma coloração amarronzado-vermelho pálida persistente por 30 segundos e, depois, foi anotado o volume de nitrato de prata gasto na titulação (BRASIL, 1981). 4.3.5 Pesquisa de fraude por adição de substâncias alcalinas Foram adicionados, em um tubo de ensaio, 10 mL de leite e 10 mL de álcool, com posterior homogeneização por inversão. Em seguida, esse material foi filtrado, transferindo-se para um novo tubo de ensaio. Neste filtrado foram adicionadas 5 gotas de solução de ácido rosólico pela parede do tubo. Considera-se resultado positivo quando ocorre a formação de um anel avermelhado na superfície do filtrado. 4.3.6 Pesquisa de fraude por adição de água oxigenada Foram adicionados 5 mL da amostra em um tubo de ensaio e, em seguida, colocadas três gotas do reagente Arnold Mentzel, escorrendo pela parede do tubo. Considera-se resultado positivo quando ocorre a formação de coloração rosada no ponto de contato do reagente com o leite (BRASIL, 1981). 30 4.3.7 Dosagem dos teores de Glicomacropeptídeo – Técnica da Ninidrina Ácida A dosagem dos teores de GMP livre foi feita segundo a técnica de ninidrina ácida – ANSM – Acidic Ninhydrin Spectrophotometric Method (FUKUDA et al., 1994), padronizada no laboratório onde foi desenvolvido o presente trabalho. Inicialmente, foram adicionados, sob agitação, 20 mL de cada amostra de leite e 20 mL de solução de ácido tricloroacético a 24% em um béquer de 100 mL, seguidos de 30 minutos de repouso e filtragem em filtro de papel para um tubo de ensaio de 20 X 250 mm. Em seguida, foram adicionados a tubos de ensaio de 12 X 125 mm numerados, de mesmo peso, em duplicata, 10 mL do filtrado e 1 mL de solução de ácido fosfotungstico a 20%. Centrifugaram-se os tubos a 3500 rpm por 10 minutos e, então, desprezou-se cuidadosamente o sobrenadante. Na etapa seguinte, foram adicionados 6 mL de álcool etílico absoluto aos tubos de ensaio, novamente centrifugados a 3500 rpm por 10 minutos, desprezando-se o sobrenadante. Foram adicionados, posteriormente, 2 mL de ácido acético glacial e 1mL de solução de ninidrina ácida aos mesmos tubos, que são homogeneizados em agitador, visando a dissolução do precipitado formado. Separou-se, ainda, um novo tubo “branco” no qual foi adicionado a mesma quantidade de ácido acético e ninidrina ácida. Os tubos de ensaio foram postos em banho-maria de água já fervente por 10 minutos, para que se desenvolva cor amarelo clara a marrom amarelado, resfriados em bandeja com água e gelo e, novamente, homogeneizados em agitador. Posteriormente, o tubo “branco” foi utilizado para “zerar” o espectrofotômetro e a leitura dos resultados foi feita a 470 nm, utilizando-se curva padrão previamente elaborada com ácido siálico. 31 5. RESULTADOS E DISCUSSÃO Os resultados obtidos durante a realização do experimento podem ser observados nos tópicos seguintes. Para sua adequada caracterização, os resultados foram subdivididos em dois grupos de amostras: amostras individuais de produtores e amostras de leite de conjunto (“bocas” de tanques de caminhões), com posterior análise comparativa entre os grupos citados. 5.1 Amostras individuais de produtores Durante a realização do trabalho foram analisadas 374 amostras individuais (produtores) e foram avaliadas suas características físico-químicas e microbiológicas. Antes da colheita nos laticínios, as amostras de leite de conjunto (tanques de caminhões) foram analisadas pelos laboratórios de cada indústria e os dados obtidos foram fornecidos para complementar o trabalho. As análises feitas pela indústria foram: densidade, acidez, alizarol, gordura, crioscopia e presença de antibióticos. Todas as 32 amostras analisadas na indústria apresentaram valores dentro dos padrões normais para leite cru refrigerado, embora se deva ressaltar que essas amostras de tanque, geralmente de grande volume, representem a mistura do leite de diferentes números de produtores. 5.1.1 Avaliação físico-química Acidez titulável em Graus Dornic (oD) No total de amostras de produtores analisadas, a acidez variou de 12,0 a 23,0°D, isto é, desde leite anormal e alcalino a até leites ácidos, denotando desenvolvimento bacteriano e fermentação da lactose. Do total, 346 (92,5%) se apresentaram dentro dos padrões normais de acidez, ou seja, no intervalo entre 14 e 18oDornic, o que significa, comparando-se a resultados de um passado não muito longínquo, que a refrigeração já presta importante colaboração na preservação das características de grande parte das amostras de produtor. Essa idéia é corroborada pelo trabalho de IZIDORO (2008), que em condições similares (incubação a 4oC por 48h), obteve a totalidade de suas amostras dentro dos padrões estabelecidos pela legislação. LORENZETTI (2006), também encontrou médias de 14,35oD e 14,61oD respectivamente, em amostras de leite cru colhidas em duas regiões diferentes, caracterizando valores dentro dos padrões da legislação vigente. Das 28 (7,5%) amostras restantes, 11 apresentaram valores de acidez abaixo de 14oDornic, ou seja, com reação alcalina, representando 3,0% e denotando possíveis problemas sanitários de glândula mamária na origem, seja de mastites ou fase final de período de lactação. Outras 17 amostras (4,5%) apresentaram valores acima de 18°Dornic, ou seja, com acidez elevada, significando possivelmente a inadequação da estocagem refrigerada, permitindo o desenvolvimento de mesófilos fermentadores de lactose, em possível associação com deficiências higiênicas de obtenção. O mesmo pode ser verificado no estudo de IZIDORO (2008), em que valores elevados de acidez foram verificados, quando leites com altas taxas microbianas eram incubados em temperaturas de resfriamento marginal. 33 Fosfatase alcalina As amostras foram submetidas à prova da fosfatase com o intuito de caracterizá- las como sendo realmente amostras de leite cru, ou amostras de leite que foram previamente aquecidos, como é comum verificar-se no leite “spot”, ou seja, normalmente um excedente de matéria-prima comercializado entre os laticínios das mais variadas e distantes localidades. A fosfatase é uma enzima nativa do leite que catalisa a hidrólise de fosfatos orgânicos em álcool ou fenol e ácido fosfórico. É sensível à pasteurização a 72oC por 15 segundos, sendo, portanto, utilizada como referência para a verificação da eficiência do tratamento térmico. Neste trabalho, do total de amostras ditas de produtor, seis ou 1,6% apresentaram resultado negativo, possivelmente tratando-se de leite “spot”, e o restante, 98,4% sendo efetivamente representadas por leite cru. Essas seis amostras com fosfatase negativa, invariavelmente, apresentaram elevados índices de proteólise da κ-caseína, sendo que quatro delas não apresentaram redução do TTC em 24h. Teor de cloretos Esta prova foi realizada em 348 das 374 amostras de leite, pois algumas amostras não tinham quantidade suficiente para a realização de todas as provas. Do total analisado, 230 (66,1%) foram negativas para teor excessivo de cloretos (até 0,130g%), 116 (33,33%) foram caracterizadas como suspeitas ou com teor de cloretos ligeiramente elevado e acima do normal (de 0,131 a 0,160g%) e 02 (0,6%) foram positivas, isto é, com teor de cloretos acima de 0,161g%. RABELO (2003), avaliando a qualidade microbiológica do leite cru utilizado como matéria-prima em leites UAT, encontrou uma variação para o teor de cloretos entre 34 0,112 a 0,127g%, com média geral de 0,119 +/- 0,0047, classificando todas as amostras dentro do padrão normal do leite, ou seja, até 0,130g%. Os resultados para o teor de cloretos encontrados no presente trabalho denotam possivelmente problemas de ordem sanitária do rebanho, ou seja, uma considerável prevalência de mastite nos animais. Essa situação permite afirmar que as instalações e o manejo de ordenha de grande parte das propriedades ainda não se encontram dentro dos padrões de higiene ideais. Presença de substâncias alcalinas e água oxigenada A realização do presente experimento coincidiu com o período em que houve o “escândalo” da adulteração do leite, noticiado nos principais jornais e meios de comunicação. Devido à ocorrência deste fato, decidiu-se realizar essas duas provas, com o objetivo de detectar a possível presença de substâncias alcalinas ou água oxigenada, porém, estas substâncias não foram detectadas em nenhuma das amostras. 5.1.2 Avaliação microbiológica “Tetra-test” - Prova rápida para estimativa de psicrotróficos e da carga microbiana total Um dos objetivos do presente trabalho foi fazer uma estimativa da qualidade microbiológica do leite dos produtores das diferentes linhas de coleta a granel, seja da carga microbiana total e da possível microbiota com características psicrotróficas, possibilitando a inferência da importância de cada um deles em situações particularizadas e, depois, comparando-se com a contagem em placas das amostras de bocas, verificar o comportamento ou influência no leite do conjunto. Para isso, as amostras individuais foram submetidas ao “Tetra-Test”, que pode ser utilizado na rotina de qualquer laboratório sem a necessidade de equipamentos 35 caros. O teste, dependendo das condições de execução e incubação, oferece estimativas comparáveis aos resultados dos métodos tradicionais para a separação de leites de qualidade péssima e ruim quanto à estimativa total de mesófilos (contagem total); estimativa de microrganismos psicrotróficos (adaptados ao desenvolvimento sob temperatura de refrigeração); fornece uma estimativa aproximada da composição da microbiota dominante (se o problema é mais de ordem higiênica ou de seleção de microrganismos psicrotróficos), e estimativa total de microrganismos do grupo dos Coliformes (esta não avaliada no presente trabalho). A tabela 1, a seguir, mostra o número de amostras que apresentaram redução (+) em cada uma das séries em que o teste foi realizado, denominadas de Gram (+) ou “contaminantes” e de Gram (-) ou “microbiota predominantemente psicrotrófica”. Tabela 1. Resultado das provas de redução do TTC (tetra-test), com números e respectivas porcentagens das amostras que apresentaram redução em cada tempo de leitura. Amostras de produtores, Jaboticabal, SP. Amostras de Produtores Microbiota Gram + “Contaminantes” Microbiota Gram – “Psicrotrófica” Tempo de Redução (h:min) Número % Número % 0:15 34 9,1 0 0,0 0:30 46 12,3 3 0,8 1:00 74 19,8 13 3,5 2:00 57 15,2 40 10,7 3:00 38 10,2 67 17,9 4:00 29 7,7 61 16,3 5:00 46 12,3 65 17,4 24:00 46 12,3 113 30,2 Sem Redução (24h) 4 1,1 12 3,2 TOTAL 374 100,0 374 100,0 36 Das 370 amostras que mostraram redução para microbiota Gram (+), 208 (56,2%) constituíram-se de microbiota mista, isto é, sem o predomínio de grupos fisiológicos específicos, entretanto, 159 outras (43,0%) evidenciaram claro predomínio de aeróbios estritos e apenas 3 (0,8%) o predomínio de anaeróbios. Das 362 amostras que mostraram redução para microbiota Gram (–) “psicrotrófica”, 321 (88,7%) foram inespecíficas quanto ao metabolismo, compondo-se de microbiota mista. Outras 23 (6,3%) amostras evidenciaram claro predomínio de aeróbios e outras 18 (5,0%) predomínio de metabolismo anaeróbio. Nota-se que, enquanto o predomínio de anaeróbios é praticamente insignificante na microbiota Gram +, apenas 0,8% das amostras, esse grupo cresce em importância na microbiota Gram -, passando a representar 5,0% das amostras. O raciocínio inverso também foi verdadeiro, isto é, houve claro predomínio de aeróbios entre os Gram + (43,0%), declinando de importância entre os Gram - apenas 6,3%. SOARES (2004) demonstrou uma correlação de r = 0,98 entre a contagem padrão em placas e a contagem de psicrotróficos em placas, comprovando o fato de que a maioria dos psicrotróficos enumerados é, na verdade, constituída de mesófilos que se adaptaram as condições de refrigeração. Apesar das amostras coletivas (bocas do tanque do veículo transportador) apresentarem resultado negativo para a pesquisa de antibióticos pelo Charm-test, 4 amostras não apresentaram redução em 24 horas em ambas as provas (Gram + e Gram -) e outras 8 não reduziram para Gram -, possivelmente denotando a presença de inibidores. As quatro amostras que não reduziram em ambos os testes evidenciaram ausência de fosfatase alcalina, denotando prévio tratamento térmico do leite. Todas elas evidenciaram proteólise elevada, qualificando-as como suspeitas e positivas para fraude por adição de soro de queijo. Com relação ao tempo de redução para a microbiota Gram (+) observou-se que, das 370 amostras que apresentaram redução, 80 (21,4%) reduziram em até 30 minutos, 154 (41,2%) reduziram em até 1 hora, 211 (56,4%) reduziram em até 2 horas e com 3 horas após o início do teste, 249 ou (67,3%) da amostras já apresentavam redução. Das 80 amostras que reduziram em até 30 minutos, apenas 3 (3,7%) evidenciaram 37 seleção de psicrotróficos. Das 154 amostras que reduziram em até 1 hora, apenas 16 (10,4%) evidenciaram seleção de psicrotróficos. Das 211 amostras que reduziram em até 2 horas, 56 (26,5%) evidenciaram seleção de psicrotróficos. Das 324 amostras que reduziram em até 5 horas, 249 (76,8%) também apresentaram a presença de psicrotróficos. Com relação ao tempo de redução para a microbiota Gram (-) observou-se que das 362 amostras que apresentaram redução, 3 (0,8%) reduziram em até 30 minutos, 16 (4,3%) reduziram em até 1 hora, 56 (15%) reduziram em até 2 horas e com 3 horas após o início do teste, 123 ou (34%) das amostras já apresentavam redução. Do exposto, pode-se afirmar que os microrganismos psicrotróficos: 1. ainda não se constituem nos deteriorantes principais do leite cru refrigerado; 2. podem ser deteriorantes principais em até 26,5% das amostras; e 3. mas estão presentes em 76,8% das amostras. Os dados discordam dos obtidos por IZIDORO (2008), que indicam rápida multiplicação, de 1,7 casas logarítmicas, e intenso metabolismo lipoproteolítico da microbiota psicrotrófica em leites crus estocados em temperaturas de resfriamento clássico. Entretanto, é importante ressaltar que este trabalho citado, foca um momento anterior da produção. No trabalho realizado por SOARES (2004), das amostras com contagem em placas de psicrotróficos acima de 107 UFC/mL, 81,8% e 94,5% foram identificadas pelo teste rápido em tubos após 4 horas e 6 horas de incubação, respectivamente. DIAS et al. (2007), avaliando a influência da temperatura de estocagem do leite cru observaram que 55% das amostras apresentavam contagem bacteriana total acima dos limites permitidos pela IN 51 e que dessas amostras, 65% eram provenientes de tanques de expansão coletivos. LORENZETTI (2006) realizando o teste da redutase em amostras de leite cru de duas regiões observou diferenças nos resultados, sendo que uma região apresentou tempo de redutase de 274,8 minutos e a outra região 137,2 minutos, caracterizando as duas regiões dentro dos padrões normais para esta prova. Sabe-se, entretanto, que os testes de redução, seja do azul de metileno ou da rezasurina, realizados da mesma 38 forma que o eram no passado, não possuem a mesma eficácia para apontar problemas microbiológicos em leite refrigerado, situação esta bem documentada na literatura internacional. No entanto, utilizando-se o Tetra-test para avaliar a qualidade do leite cru, existe também a possibilidade de se caracterizar o tipo de microrganismos predominante em cada amostra (mesófilos / psicrotróficos), permitindo a tomada de decisões para corrigir problemas sanitários e de manejo. Os baixos tempos de redução do TTC observados no presente trabalho, denotando elevada carga microbiana das amostras, podem estar associados tanto à refrigeração marginal, choque térmico por adição de leite não refrigerado de uma nova ordenha e à utilização dos tanques comunitários. De acordo com os dados obtidos por DIAS et al. (2007), tanques que armazenam leite de apenas um produtor a qualidade microbiológica do produto geralmente é melhor, devido ao fato de o leite ser acondicionado de uma só vez, evitando as elevações temporárias de temperatura que favorecem a multiplicação microbiana, como ocorrem em tanques coletivos. Além disso, as condições de higiene na obtenção também podem ser melhor controladas. 5.2 Amostras de leite de conjunto (tanques de caminhões) Foram analisadas 125 amostras de leite de conjunto, colhidas das “bocas” dos tanques dos caminhões que chegavam às indústrias, correspondentes às amostras individuais de produtores. Essas amostras foram submetidas às provas de contagem padrão em placas, com o objetivo de se fazer uma comparação com os resultados obtidos na prova rápida de redução em tubos, além das provas de índice de refração e dosagem de teores de glicomacropeptídeo (GMP). 5.2.1 Contagem padrão em placas de microrganismos mesófilos aeróbios As 374 amostras individuais (de produtores) deram origem a 125 amostras de boca de tanque de veículo transportador, representando média de 2,99 produtores por boca, embora na realidade esse número tenha variado entre 1 e 8 produtores. Essas 39 amostras foram plaqueadas em profundidade para estimativa da contagem total de microrganismos aeróbios e facultativos viáveis, cujos intervalos de resultados são apresentados na Tabela 2. Tabela 2. Número e respectiva porcentagem de amostras de conjunto (bocas de tanque de veículo transportador) de acordo com a estimativa de microrganismos mesófilos aeróbios e facultativos viáveis (CPP), em seus respectivos intervalos de contagem. CPP Número de amostras Porcentagem (%) <1,0x103 0 0,0 1,0x103 a <1,0x104 1 0,8 1,0x104 a <1,0x105 2 1,6 1,0x105 a <1,0x106 6 4,8 1,0x106 a <1,0x107 27 21,6 1,0x107 a <1,0x108 49 39,2 1,0x108 a <1,0x109 38 30,4 >1,0x109 2 1,6 Total 125 100,0 Apenas 9 ou 7,2% das amostras situaram-se com contagens inferiores a 1,0x106UFC/mL, mesmo assim incluindo uma amostra que não apresentou redução em 24h, com fosfatase alcalina negativa e elevado índice de proteólise. Assim, 92,8% evidenciaram contagens superiores a esse limite, com 71,2% configurando leites de péssima qualidade microbiológica ou acima do estabelecido pela IN 51. NERO et al. (2005), analisando a qualidade microbiológica do leite cru produzido em 210 diferentes propriedades nas regiões de Viçosa, MG (47), Pelotas, RS (50), Londrina, PR (63) e Botucatu, SP (50), também observaram uma elevada porcentagem de amostras (48,6%) com contagens acima do determinado pela IN 51, ou seja, 1,0x106UFC/mL, sendo 21,3% na região de Viçosa (MG), 56,0% na região de Pelotas (RS), 47,6% na região de Londrina (PR) e 68,0% na região de Botucatu (SP). Tais resultados demonstram a dificuldade de adequação à IN 51 para as diferentes regiões, devido às diferentes práticas de ordenha, armazenamento e transporte do leite. 40 Índices elevados de amostras com contagens acima do padrão estabelecido pela IN 51 também foram encontrados em estudo realizado por ARAÚJO et al. (2007), com o objetivo de avaliar as características microbiológicas do leite cru comercializado informalmente no município de Ipatinga (MG). Foram analisadas doze amostras de leite cru obtidas de comerciantes de leite cru informal, sendo realizadas as análises de microrganismos mesófilos aeróbios, coliformes totais e termotolerantes. Os resultados demonstraram matéria-prima altamente contaminada, com elevadas contagens de bactérias aeróbias mesófilas variando entre 2,0x106 a 2,3x109 UFC/mL. No experimento realizado por DIAS et al. (2007) também foram observados resultados semelhantes de contagem bacteriana total, com variação entre 6,0x103 a 1,1x108 UFC/mL. Todos estes resultados nos permitem dizer que ainda existem dificuldades de adaptação às novas condições impostas pela IN 51, com grande quantidade de leite de péssima qualidade nas mais variadas regiões do Brasil. A Tabela 3 demonstra a relação entre os intervalos de contagem padrão em placas das 125 amostras de conjunto (bocas de tanques de veículos transportadores) e a quantidade de grupos de amostras individuais (produtores), que reduziram o TTC. De acordo com os dados da tabela pode-se observar que quanto mais elevada a contagem padrão em placas, maior o número de amostras que reduziram o TTC e menor o tempo de redução dessas amostras, o que reforça a caracterização de uma grande quantidade de leites de péssima qualidade, uma boa correlação entre essas provas e a eficácia do “Tetra-test” na predição rápida da qualidade microbiológica da matéria-prima. De acordo com os resultados apresentados nas Tabelas 2 e 3 pode-se observar que uma pequena porcentagem das amostras de leite de conjunto (9 amostras ou 7,2%) satisfaz os padrões microbiológicos estabelecidos pela IN 51, com o restante, 92,8% das amostras, representando leite de péssima qualidade microbiológica. Estes valores representam leite de conjunto, o que demonstra que os resultados obtidos com o “Tetra-test” para amostras individuais de produtores são perfeitamente aceitáveis, não havendo discrepância entre os resultados dos dois tipos de amostras. 41 Tabela 3. Relação entre os intervalos de contagem padrão em placas das amostras de conjunto (bocas dos veículos transportadores) e o respectivo número de amostras de produtores que reduziram o TTC, em cada faixa de tempo avaliada. Tempo de Redução do TTC Intervalo CPP 15min 30min 1h 2h 3h 4h 5h 24h NR 1,0x103 a <1,0x104 --- --- --- --- --- --- --- 1 --- 1,0x104 a <1,0x105 --- --- --- --- --- --- --- 1 1 1,0x105 a <1,0x106 --- --- ---- --- 1 1 3 1 --- 1,0x106 a <1,0x107 2 4 8 2 7 3 1 --- --- 1,0x107 a <1,0x108 6 24 12 5 1 1 --- --- --- 1,0x108 a <1,0x109 10 12 12 4 --- --- --- --- --- >1,0x109 --- --- 2 --- --- --- --- --- --- Total 18 40 34 11 9 5 4 3 1 NR = não reagente após 24h. 5.2.2 Índice de refração As 125 amostras foram submetidas a essa prova com o objetivo de verificar uma possível fraude por adição de água no leite. Apesar de não serem acusadas na prova de crioscopia realizadas logo