UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE ARQUITETURA, ARTES E COMUNICAÇÃO CAMPUS DE BAURU GRADUAÇÃO EM ARTES VISUAIS HANA IZUMI WATANABE O QUE ENCANTA NA ILUSTRAÇÃO INFANTIL: UMA ANÁLISE VISUAL DE PRODUÇÕES DE CLAÚDIO MARTINS, EVA FURNARI E ODILON MORAES Bauru 2017 HANA IZUMI WATANABE O QUE ENCANTA NA ILUSTRAÇÃO INFANTIL: UMA ANÁLISE VISUAL DE PRODUÇÕES DE CLAÚDIO MARTINS, EVA FURNARI E ODILON MORAES Trabalho de conclusão apresentado ao curso de Artes Visuais, habilitação em Bacharelado, como requisito parcial para a conclusão da graduação, sob orientação da Profª Drª Luana Maribele Wedekin. Bauru 2017 HANA IZUMI WATANABE O QUE ENCANTA NA ILUSTRAÇÃO INFANTIL: UMA ANÁLISE VISUAL DE PRODUÇÕES DE CLAÚDIO MARTINS, EVA FURNARI E ODILON MORAES Trabalho de conclusão apresentado ao curso de Artes Visuais, da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação – FAAC UNESP/Campus de Bauru, como requisito parcial para a conclusão da graduação, sob orientação da Profª Drª Luana Maribele Wedekin. BANCA EXAMINADORA: ________________________________________ Prof.ª Dr.ª Luana Maribele Wedekin DARG – FAAC/UNESP ________________________________________ Prof.ª Dr.ª Regilene Aparecida Sarzi Ribeiro DARG – FAAC/UNESP ________________________________________ Prof. Dr. José Marcos Romão da Silva DCHU – FAAC/UNESP Bauru, março de 2017. AGRADECIMENTOS Agradeço a minha família, por serem uma fonte de apoio tão confiável e me fazerem me sentir querida e importante, quando eu precisava só de mais um pouco de paciência. Agradeço aos meus amigos, por me ajudarem a relaxar e a diminuir o peso dos ombros. Agradeço a Juliana B. Tozzi, pelas ótimas e produtivas conversas acerca da literatura infantil e pela indicação de boas leituras relacionadas ao tema. Agradeço a minha orientadora Luana Maribele Wedekin, pela dedicação, esforço e excelentes observações, e, acima de tudo, pela compreensão e gentileza. Agradeço a experiência da graduação como um todo, por me fazer chegar mais próximo da pessoa que eu gostaria de ser. Agradeço aos ilustradores infantis, por produzirem uma arte tão bela, encantadora e poética. Ás vezes em um mundo com tanta falta de empatia e generosidade, é um alívio descansar com um trabalho que envolve tanta sensibilidade. Adorava as ilustrações dos livros infantis quando criança, e continuo adorando como adulta. RESUMO Esta pesquisa propõe uma investigação sobre qual(is) a(s) característica(s) do estilo pessoal de três ilustradores de livro infantil – Claúdio Martins, Eva Furnari e Odilon Moraes – torna(m) suas ilustrações mais atrativas para crianças de 6 a 8 anos. Foram selecionados 1 exemplar de cada um – “Eu e minha luneta” (Martins, 1992), “Cacoete” (Furnari, 2005) e “O presente” (Moraes, 2010) –, a fim de terem seus aspectos formais analisados e comparados, tendo como base teórica os livros “Gestalt do Objeto” (2000), de João Gomes Filho e “Universos da Arte” (1983), de Fayga Ostrower. A pesquisa encontrou dois aspectos em comum dos ilustradores analisados: o alto grau de pregnância e a presença das categorias conceituais de ritmo e sequência. PALAVRAS CHAVES: Ilustração; literatura infantil; Claúdio Martins; Eva Furnari; Odilon Moraes; análise formal. ABSTRACT This research proposes an investigation about which the characteristic (s) of the personal style of three children's book illustrators - Claudio Martins, Eva Furnari and Odilon Moraes - makes their illustrations more attractive for children from 6 to 8 years. One copy of each one were selected – “Eu e minha luneta” (Martins, 1992), "Cacoete" (Furnari, 2005) and "O presente" (Moraes, 2010) –, in order to have their formal aspects analyzed and compared, with the theoretical basis of the books "Gestalt do Objeto" (2000), by João Gomes Filho and "Universos da Arte" (1983), by Fayga Ostrower. The research found two common aspects of the illustrators analyzed: the high degree of pregnancy and the presence of the conceptual categories of rhythm and sequence. KEY WORDS: Illustration; childlike illustration; Claúdio Martins; Eva Furnari; Odilon Moraes; formal analysis. Lista de ilustrações Figura 1. Páginas 06 e 07. FONTE: MARTINS, Claúdio. Eu e minha luneta. Belo Horizonte: Formato Editorial LTDA, 1992....................................................................16 Figura 2. Esquema elaborado pela autora a partir das páginas 06 e 07. FONTE: MARTINS, Claúdio. Eu e minha luneta. Belo Horizonte: Formato Editorial LTDA, 1992............................................................................................................................17 Figura 3. Esquema elaborado pela autora a partir das páginas 06 e 07. FONTE: MARTINS, Claúdio. Eu e minha luneta. Belo Horizonte: Formato Editorial LTDA, 1992............................................................................................................................18 Figura 4. Páginas 18 e 19. FONTE: MARTINS, Claúdio. Eu e minha luneta. Belo Horizonte: Formato Editorial LTDA, 1992....................................................................20 Figura 5. Esquema (figuras ressaltadas em vermelho) elaborado pela autora a partir das páginas 18 e 19. FONTE: MARTINS, Claúdio. Eu e minha luneta. Belo Horizonte: Formato Editorial LTDA, 1992.....................................................................................21 Figura 6. Páginas 20 e 21. FONTE: MARTINS, Claúdio. Eu e minha luneta. Belo Horizonte: Formato Editorial LTDA, 1992....................................................................22 Figura 7. Esquema (figura à esquerda ressaltada em vermelho) elaborado pela autora a partir das páginas 20 e 21. FONTE: MARTINS, Claúdio. Eu e minha luneta. Belo Horizonte: Formato Editorial LTDA, 1992....................................................................23 Figura 8. Esquema (figuras ressaltadas em vermelho) elaborado pela autora a partir das páginas 06 e 07. FONTE: MARTINS, Claúdio. Eu e minha luneta. Belo Horizonte: Formato Editorial, 1992...............................................................................................24 Figura 9. Esquema (figuras ressaltadas em vermelho) elaborado pela autora a partir das páginas 06 e 07. FONTE: MARTINS, Claúdio. Eu e minha luneta. Belo Horizonte: Formato Editorial LTDA, 1992.....................................................................................25 Figura 10. Página 10. FONTE: MARTINS, Claúdio. Eu e minha luneta. Belo Horizonte: Formato Editorial LTDA, 1992.....................................................................................26 Figura 11. Esquema (figura à esquerda ressaltada em vermelho) elaborado pela autora a partir das página 10. FONTE: MARTINS, Claúdio. Eu e minha luneta. Belo Horizonte: Formato Editorial LTDA, 1992....................................................................27 Figura 12. Página 03. FONTE: FURNARI, Eva. Cacoete. São Paulo: Editora Ática, 2005............................................................................................................................29 Figura 13. Esquema (figuras ressaltadas em vermelho) elaborado pela autora a partir da página 03. FONTE: FURNARI, Eva. Cacoete. São Paulo: Editora Ática, 2005.......30 Figura 14. Página 04. FONTE: FURNARI, Eva. Cacoete. São Paulo: Editora Ática, 2005............................................................................................................................31 Figura 15. Esquema (figuras ressaltadas em vermelho) elaborado pela autora a partir da página 04. FONTE: FURNARI, Eva. Cacoete. São Paulo: Editora Ática, 2005.......32 Figura 16. Página 05. FONTE: FURNARI, Eva. Cacoete. São Paulo: Editora Ática, 2005............................................................................................................................33 Figura 17. Esquema (figuras ressaltadas em vermelho) elaborado pela autora a partir da página 05. FONTE: FURNARI, Eva. Cacoete. São Paulo: Editora Ática, 2005.......35 Figura 18. Esquema (figuras ressaltadas em vermelho) elaborado pela autora a partir da página 03. FONTE: FURNARI, Eva. Cacoete. São Paulo: Editora Ática, 2005.......35 Figura 19. Esquema (figuras ressaltadas em vermelho) elaborado pela autora a partir das página 04. FONTE: FURNARI, Eva. Cacoete. São Paulo: Editora Ática, 2005.....36 Figura 20. Esquema (figuras ressaltadas em vermelho e preto) elaborado pela autora a partir da página 05. FONTE: FURNARI, Eva. Cacoete. São Paulo: Editora Ática, 2005............................................................................................................................37 Figura 21. Esquema (figuras ressaltadas em vermelho) elaborado pela autora a partir da página 03. FONTE: FURNARI, Eva. Cacoete. São Paulo: Editora Ática, 2005.......39 Figura 22. Página 20. FONTE: MORAES, Odilon. O presente. São Paulo: Cosac Naify, 2010..................................................................................................................45 Figura 23. Esquema (linhas em vermelho) elaborado pela autora a partir da página 20. FONTE: MORAES, Odilon. O presente. São Paulo: Cosac Naify, 2010................46 Figura 24. Páginas 04 e 05. FONTE: MORAES, Odilon. O presente. São Paulo: Cosac Naify, 2010..................................................................................................................47 Figura 25. Esquema (figuras ressaltadas em vermelho) elaborado pela autora a partir das páginas 04 e 05. FONTE: MORAES, Odilon. O presente. São Paulo: Cosac Naify, 2010............................................................................................................................48 SUMÁRIO 1. Introdução .................................................................................................... 10 2. Análises dos aspectos formais ..................................................................... 16 2.1 “Eu e minha luneta” (Claúdio Martins, 1992) .............................................. 16 2.2 “Cacoete” (Eva Furnari, 2005) .................................................................... 26 2.3 “O presente” (Odilon Moraes, 2010) ........................................................... 42 3. Considerações finais .................................................................................... 48 4. Referências .................................................................................................. 51 10 1. INTRODUÇÃO Esta pesquisa busca investigar se há característica (s) em comum do estilo pessoal de três ilustradores de livro infantil – Claúdio Martins, Eva Furnari e Odilon Moraes –, com o intuito de gerar uma reflexão, sobre quais aspectos caracterizam uma ilustração infantil atrativa e de qualidade. Foram selecionadas três obras, uma de cada autor, a fim de realizar-se a análise formal de suas ilustrações – são estas: “Eu e minha luneta” (Claúdio Martins, 1992), “Cacoete” (Eva Furnari, 2005) e “O presente” (Odilon Moraes, 2010). Seguindo para o tema da pesquisa, a ilustração, pode-se caracterizar o seu conceito, resumidamente, como “informar, persuadir ou narrar através de imagens”, segundo Rui de Oliveira, em “Pelos Jardins Boboli: reflexões sobre a arte de ilustrar livros para crianças e jovens” (2008). Falando mais especificamente da ilustração de livro infantil, Oliveira (2008) a descreve na categoria de “ilustração narrativa”: (...) o que fundamentalmente caracteriza esse gênero são o narrar e o descrever histórias através de imagens, o que não significa em hipótese alguma uma tradução visual do texto. A ilustração começa no ponto em que o alcance literário do texto termina, e vice-versa. (OLIVEIRA, 2008, p. 44). A ilustração de livro infantil possui uma longa história. De acordo com Graça Ramos, em “A imagem nos livros infantis: caminhos para ler o texto visual” (2011), um dos primeiros casos de ilustrações em livros voltados a crianças foi um livro de aprendizagem de latim, chamado “Orbis sensualim pictus”, de autoria do checo Jan Amos Comenius (1592-1670) e publicado na Alemanha, em 1658. Porém, por não se tratar de uma obra de ficção, não é uma unanimidade como um dos primeiros livros com ilustrações para crianças, e outras obras são consideradas: “Isopete historiado” (versão das fábulas de Ésopo), de autoria de Juan Hurus, publicado na Espanha, em 1498 ou “Cinderella”, ilustrado por Johannes Geiler von Kaysersberg, em 1511, em Estraburgo (RAMOS, 2011). Outras obras literárias infantis foram ilustradas, a partir daí, como as fábulas de La Fontaine (1621-1691) e as histórias dos irmãos Grimm, Jacob (1785-1863) e Wilhelm (1786-1859). Com o início do século 19, as técnicas de reprodução de imagem em livros desenvolveram-se bastante na Inglaterra, impulsionando a presença de ilustrações em obras literárias (RAMOS, 2011). 11 “O período a partir de meados do século 19 é conhecido como a idade de ouro da ilustração e se tornou fonte de influências que se espalham até os dias atuais”. (RAMOS, 2011, p. 56). Ramos menciona ilustradores como Edward Lear (1812-1888) e Kate Greenaway (1846-1901), e uma das mais famosas obras clássicas, “Alice no País das Maravilhas”, publicada em 1865, de autoria de Lewis Carroll e ilustrada por John Tenniel. Mais mudanças na forma de produzir o livro de ilustração infantil vão surgindo, em decorrência dos acontecimentos de cada época, assim como no século XX pela influência das novas propostas da vanguarda artística moderna. Depois da Segunda Guerra Mundial há uma marcante influência do cinema, – destaque para Walt Disney –, e também da televisão, apesar do efeito desta última ter sido sentido somente um tempo depois de sua comercialização, datada do final da década de 1930. Os quadrinhos e os desenhos animados acabaram se tornando influenciadores de peso na ilustração de livro infantil, principalmente no caso dos quadrinhos, que são feitos a partir de dois tipos de regências: a que diz respeito à arte e a que diz respeito à literatura. A união destas duas regências é o que se torna a definição do livro ilustrado contemporâneo. (RAMOS, 2011). Todas essas manifestações culturais também se refletiram no modo como a ilustração do livro infantil era feita no Brasil. O livro “Ir e Vir”, publicado em 1976, de autoria de Juarez Machado (1941-), trouxe uma inovação no campo das imagens em livros. Sem textos, apenas desenhos, que podem ser lidos tanto de trás para frente, quanto de frente para trás. Nos anos 80, uma geração de autoras de livros infantis surge – que inclui nomes como Ana Maria Machado (1942-) e Ruth Rocha (1931-) –, e a edição das obras infantis sofre mudanças no tratamento do texto e na ilustração. Não se pode deixar de mencionar que a ilustração do livro infantil tem um forte papel, em relação ao contato da criança com a literatura infantil. Segundo Nelly Novaes Coelho, em “Literatura Infantil” (2000): Como sabemos, os estudos de psicologia aplicada à pedagogia mostram que o conhecimento infantil se processa basicamente pelo contato direto da criança com o objeto, por ela percebido não só no sentido de promover o encontro da criança com o imaginário literário (que tanto a seduz), mas também no de seu desenvolvimento psicológico. Daí a importância do livro de gravuras ou das histórias em quadrinhos durante a infância – fase em que 12 o cérebro ainda é pobre de experiências e não dispõe do repertório indispensável à decodificação da linguagem escrita (COELHO, 2000, p. 196). Por fim, faz-se necessário apresentar os ilustradores escolhidos. Começando com Claúdio Martins, nascido em 15 de setembro de 1948. Além de ilustrador, é também capista, designer e escritor. Mineiro, nascido em Juiz de Fora, Martins se apaixonou perdidamente pelas capas do austríaco Eugenio Hirsch, o que o levou a trabalhar fazendo capas de livros de temas variados (MUSEU DA PESSOA, 2009). Seu campo de atuação mudou a partir de um comentário de Carlos Drummond de Andrade; Martins tinha sido capista da coleção Reconquista do Brasil, e Drummond de Andrade disse para o editor da coleção que as capas deveriam ser mais sérias, pois elas tinham muitos elementos infantis. Ao saber dessa opinião, Martins resolveu fazer ilustrações infantis e desde então não parou mais (TV BRASIL, 2013). Sua produção na área é impressionante: são aproximadamente 300 livros ilustrados e 1000 capas de livros, além de ser autor de 40 livros infantis. Fez a arte de livros de autores renomados, como Ruth Rocha, Ana Maria Machado, Fanny Abramovich, entre outros. Ganhou importantes prêmios, como o Prêmio APCA - Associação Paulista de Críticos de Arte1 e o Prêmio Jabuti de Melhor Ilustração pela CBL (Câmara Brasileira do Livro)2 (FARLEY, 2016). A próxima ilustradora pesquisada é Eva Furnari. Nascida em 15 de novembro de 1948, em Roma, Itália, mudou-se para o Brasil aos dois anos de idade e atualmente mora em São Paulo. É escritora, ilustradora, professora e arquiteta. Após formar-se em Arquitetura e Urbanismo na USP, ajudou na montagem do ateliê de artes do Museu Lasar Segall e lecionou na instituição de 1974 a 1979 (MODERNA LITERATURA, 2016). Essa experiência inspirou-a a trabalhar com ilustrações infantis. Depois de tentar diversas editoras, Furnari conseguiu publicar um livro infantil sem texto, narrado somente com ilustrações, pela editora Ática, em 1980. Uma crítica favorável a esse trabalho no jornal Mulherio, em 1981, levou a Folha de São Paulo convidar Furnari para fazer tirinhas semanais, as quais originaram a personagem Bruxinha. A visibilidade que o jornal lhe deu gerou convites de editores, impulsionando sua carreira na ilustração e literatura infantil. Furnari publicou livros tanto no Brasil 1 Prêmio de entidade de críticos, engloba as categorias Artes Visuais, Cinema, Literatura, Música Popular, Televisão, Teatro Infantil e Rádio 2 O mais tradicional prêmio do livro no Brasil desde 1958, premia anualmente 27 categorias 13 quanto no México, Equador, Guatemala, Bolívia e Itália, tendo 60 livros em sua estrada como ilustradora e autora. Recebeu inúmeros prêmios, como o Prêmio Jabuti de Melhor Ilustração pela CBL (Câmara Brasileira do Livro) por 5 de seus livros, além de ter sido premiada dez vezes pela FNLIJ (Fundação do Livro Infantil e Juvenil) 3 (FIOROTTO, 2016). O terceiro e último ilustrador é Odilon Moraes. Nasceu na capital de São Paulo, em 1 de agosto de 1966. Residiu em várias cidades do interior do estado e também viveu e estudou por um tempo, durante a adolescência, na Inglaterra. Na infância, comunicava-se com o calado pai através de desenhos e pinturas – paixão compartilhada por ambos –, fato que pode ter originado o “silêncio” de suas ilustrações. É de opinião que as ilustrações podem falar, mesmo sem palavras, e aprecia literatura que utiliza texto e imagem ao mesmo tempo (FILHO, 2016). Moraes é formado em arquitetura na USP, mas nunca exerceu a profissão, pois o amor pela ilustração falou mais alto. Após formar-se, abriu um ateliê no qual trabalhava como ilustrador e pintor. Além disso, foi professor auxiliar de História da Arte no Colégio Santa Cruz e na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de Mogi das Cruzes. Ilustrou livros de temas variados, desde clássicos brasileiros – como Lima Barreto e Mário de Andrade – até histórias infantis – como Maurício de Sousa e Ana Maria Machado. Escreveu e ilustrou seu primeiro livro infantil em 2002, “A princesinha medrosa”. Posteriormente saíram outros livros infantis de sua autoria, como “Pedro e Lua” (2004) e “O presente” (2010). Atualmente ilustra, escreve, traduz e realiza oficinas sobre ilustração de livro. Ganhou prêmios como o Prêmio Jabuti de Melhor Ilustração e o Prêmio FNLIJ de melhor livro do ano (DALCIN, 2013). Quanto a natureza, esta é uma pesquisa qualitativa. Quanto aos objetivos, trata-se de uma pesquisa exploratória. E quanto a abordagem, é uma pesquisa bibliográfica e documental, pois além de dispor de referenciais sobre ilustração infantil, tratar-se-á como documentos os exemplos a serem analisados. A pesquisa em bases de dados empregues para esse estudo de escritores acadêmicos com o nome dos autores escolhidos resultou em poucos resultados. Foi somente encontrado um estudo especifico sobre o ilustrador Odilon Moraes (DALCIN, 3 Premiação anual dos melhores livros infantis e juvenis, realizada pela Fundação do Livro Infantil e Juvenil 14 2013) e um sobre a ilustradora Eva Furnari (SASS, 2015), ambos com tema diferente desta pesquisa. Além disso, não foi encontrado nenhum estudo acadêmico-científico com enfoque nos aspectos formais desses ilustradores específicos. Portanto essa pesquisa pretende preencher uma lacuna nesse campo de pesquisas acadêmicas. A seleção dos três ilustradores teve motivação pessoal, devido a um gosto particular pelo estilo de arte dos ilustradores. Além disso, há a motivação científica- acadêmica: os ilustradores selecionados são nomes de peso no campo da ilustração de livro infantil, tendo suas obras premiadas por importantes prêmios da área – tornando-se, portanto, bons objetos de estudo a respeito da qualidade e da atratividade da ilustração de livro infantil. Três aspectos foram utilizados como critério de seleção de obras a serem analisadas. Livros que fossem tanto ilustrados, como escritos, pelos ilustradores aqui pesquisados; vencedores de prêmios de ilustração infantil; e classificação de faixa etária para crianças de 6 a 8 anos, de modo que as três obras analisadas fossem direcionadas ao mesmo público. A análise formal dos livros teve fundamentação apoiada em dois autores, Fayga Ostrower e João Gomes Filho. O livro “Universos da Arte” (Fayga Ostrower, 1983), foi utilizado para analisar o movimento visual das obras. Segundo Ostrower, “ O conteúdo expressivo de uma obra de arte se baseia no caráter dinâmico ou estático do movimento visual articulado. ” (OSTROWER, 1983, p.41). A autora realiza a análise do movimento visual a partir dos cinco elementos visuais: a linha, a superfície, o volume, a luz e a cor. A obra “Gestalt do Objeto” (João Gomes Filho, 2000), segue os princípios da Escola de Gestalt, uma Escola de Psicologia Experimental. Seus principais nomes são Max Wertheimer, Wolfgang Kohler e Kurt Koffka. Um de seus temas de estudo é o fenômeno da percepção da forma. Segundo a Gestalt, ao observar uma forma, não percebemos as partes isoladamente, mas sim, o todo. As leis da Gestalt são a segregação, a unificação, o fechamento, a boa continuação, a proximidade, a semelhança e a pregnância de forma. Essas leis e seus rebatimentos, esmiuçados no livro, foram utilizados para a análise formal das obras. 15 Além da análise formal escrita, foram realizados esquemas visuais a partir das ilustrações das obras, a fim de melhor esclarecer os aspectos formais analisados. Assim no caso da seleção dos três ilustradores analisados, a escolha do tema ilustração do livro infantil teve motivação pessoal, devido a questões de afinidade e interesse nesta área das Artes Visuais. A outra motivação é a social, pois a pesquisa pode ter utilidade e contribuição para a literatura infantil, para editoras de livros e para o ilustrador de livro infantil. 16 2. ANÁLISES DOS ASPECTOS FORMAIS 2.1 “EU E MINHA LUNETA” (Claúdio Martins, 1992) “Eu e minha luneta” foi publicado em 1992, contém 24 páginas e seu projeto gráfico foi executado pelo próprio autor, Claúdio Martins. Venceu dois importantes prêmios para livros de ilustração infantil, o Prêmio Ofélia Fontes – “O Melhor para a Criança – 1992” – FNLIJ e o Prêmio Revelação – Categoria Autor – FNLIJ – 1992. Nesta obra de Cláudio Martins, o movimento visual se mantém mais estático do que dinâmico praticamente durante todo o livro (com mudanças sutis, iniciadas a partir da página 13 e que serão comentadas mais adiante), pois a estrutura geral da composição não se altera: a imagem central de um prédio, retangular, ocupando as duas páginas abertas, possuindo janelas igualmente retangulares que delimitam as cenas da narrativa. Essas unidades delimitadoras são o principal fator da baixa velocidade visual, pois geram várias e demoradas pausas na leitura, como evidenciado no esquema (figura 2), abaixo das páginas originais 06 e 07 (figura 1). Figura 1. Páginas 06 e 07. FONTE: MARTINS, Claúdio. Eu e minha luneta. Belo Horizonte: FORMATO EDITORIAL LTDA, 1992. 17 Figura 2. Esquema elaborado pela autora a partir das páginas 06 e 07. FONTE: MARTINS, Claúdio. Eu e minha luneta. Belo Horizonte: FORMATO EDITORIAL LTDA, 1992. As unidades das janelas podem ser enquadradas na definição de sequência e ritmo de João Gomes Filho, em “Gestalt do Objeto” (2000). O ritmo é um movimento que pode ser caracterizado como um conjunto de sensações de movimentos encadeados ou de conexões visuais ininterruptas, na maior parte das vezes, uniformemente contínuas ou sequenciais ou semelhantes, ou, ainda, alternadas (GOMES FILHO, 2000, p. 69). Quanto à sequência, o autor descreve-a da seguinte maneira: “Esta técnica se refere à ordenação de unidades ou de elementos organizados de modo contínuo e lógico, em qualquer tipo de disposição visual” (GOMES FILHO, 2000, p. 99). Tal ritmo e sequência permanecem constantes por toda a obra, limitando o movimento visual. Outros três aspectos reforçam o menor dinamismo visual. O primeiro é a bidimensionalidade – superfícies são fechadas, e a ênfase fica na linha e na superfície, ao invés do jogo de luz e sombra, e do volume (a sobreposições de planos e diagonais é ausente, ocorrendo somente uma leve sobreposição de elementos). O segundo 18 aspecto refere-se ao tamanho reduzido dos elementos da composição, o que diminui a velocidade do movimento visual. Por último, o fato dos retângulos que formam o prédio e as janelas não possuírem o comprimento da largura muito diferente do da altura, quase compensando-se proporcionalmente – sendo estes a estrutura principal da composição, tornando-se um fator de grande peso. Tal fator pode ser observado no esquema abaixo (figura 3). Figura 3. Esquema elaborado pela autora a partir das páginas 06 e 07. FONTE: MARTINS, Claúdio. Eu e minha luneta. Belo Horizonte: FORMATO EDITORIAL LTDA, 1992. Apesar da característica estática ser dominante, alguns fatores conferem mais dinamismo, equilibrando mais o movimento visual. A começar com os elementos no interior das janelas delimitadoras, constituídos de linhas curvas, diagonais e fluídas. Os elementos visuais são formados por linhas contínuas, conferindo velocidade. A ausência de contraste de claro/escuro – a luz presente nos elementos é de intensidade semelhante – é outro fator de maior aceleramento no movimento visual. Outro fator que se observa é que não há contraste pronunciado de cor de diferentes tons dos 19 pólos terminais da escala – aparece de forma muito sutil e muitas vezes em degradê, conferindo transição ao invés de choque – o que torna o movimento mais rápido. Além desses fatores que dinamizam o movimento visual no interior das janelas, há o fato de que os elementos não ficam totalmente delimitados por estas. Tal característica aumenta o dinamismo, pois reduz o efeito de pausa, conectando as janelas antes muito intercaladas. Retorna-se então a questão mencionada sobre a mudança de movimento visual no interior das janelas delimitadoras, a partir da página 13. Até então, os elementos visuais encontravam-se confinados aos limites dos quadros. Porém, observa-se na página 13, na décima primeira janela (contando da esquerda para a direita), um pedaço da roupa sendo tricotada ultrapassando a delimitação do quadro. É uma variação sutil, mas que vai se manifestando cada vez mais acentuadamente ao longo das páginas. A roupa tricotada da décima primeira janela; as notas musicais, os riscos de efeitos sonoros e o braço do personagem brandindo a guitarra contra a janela abaixo da décima segunda janela; o inseto que voa para a janela esquerda e o vômito do personagem caindo para o andar abaixo da sexta janela; o avião de papel lançado para a janela esquerda da oitava janela; o cubo arremessado pela personagem da nona janela e espatifado contra o vidro da décima terceira janela; a grande fumaça vermelha de explosão da primeira janela. As cores presentes são saturadas, ou seja, o ponto alto da cor, apresentando sua plena cromaticidade, característica que se faz sentir o caráter sensual da cor. Há a presença de cores complementares, ocasionando o efeito de tensão/fusão. Considerando como primeira janela, a janela que inicia a fileira do terceiro andar e realizando a numeração da esquerda para a direita, pode-se identificar as áreas onde há o efeito de tensão/fusão. O verde e o vermelho nas garrafas da primeira janela, nas roupas, sapato e lâmpada da segunda janela, nas roupas e jogo de chá da quarta janela, no cachorro, vaso e inseto da quinta janela, nas roupas, mesa, lâmpada e lata da sexta janela, na geladeira, flor, maiô e coroa da sétima janela, na própria oitava janela e na placa pendurada nesta, na roupa e livro da décima terceira janela. O azul e o laranja na mala e batente da terceira janela, na mesa, pote e batente da sexta janela, na bateria na décima segunda janela, na roupa da décima oitava janela. O amarelo e o roxo no batente da sétima janela, e na roupa e batente da décima janela 20 Por fim, deve-se descrever um outro tipo de movimento visual que ocorre durante o livro, ao redor da estrutura geral retangular. Ao contrário da imobilidade encontrada na figura central do prédio, os elementos nas laterais – apesar do tamanho reduzido, como todas as unidades visuais da composição do livro – deste apresentam mais características dinâmicas. As colinas, as nuvens, e a lua são constituídos por linhas curvas e diagonais (figura 5), e o suave contraste do verde escuro e claro das colinas citadas não é forte o bastante para tornar o movimento estático – o restante dos elementos visuais apresenta transição da cor em degradê. As estrelas, o avião e o sol de papel entram como figuras de velocidade visual reduzida (figura 7), os dois primeiros devido ao fato de serem formadas por linhas horizontais e verticais, o terceiro por ser uma forma que se compensa proporcionalmente, ou seja, um círculo (figura 9). Figura 4. Páginas 18 e 19. FONTE: MARTINS, Claúdio. Eu e minha luneta. Belo Horizonte: FORMATO EDITORIAL LTDA, 1992. 21 Figura 5. Esquema (figuras ressaltadas em vermelho) elaborado pela autora a partir das páginas 18 e 19. FONTE: MARTINS, Claúdio. Eu e minha luneta. Belo Horizonte: FORMATO EDITORIAL LTDA, 1992. Figura 6. Páginas 20 e 21. FONTE: MARTINS, Claúdio. Eu e minha luneta. Belo Horizonte: FORMATO EDITORIAL LTDA, 1992. 22 Figura 7. Esquema (figura à esquerda ressaltada em vermelho) elaborado pela autora a partir das páginas 20 e 21. FONTE: MARTINS, Claúdio. Eu e minha luneta. Belo Horizonte: FORMATO EDITORIAL LTDA, 1992. Já os elementos no topo do prédio se dividem entre estáticos e dinâmicos – as figuras que se mantêm fixas a cada página são estáticas, constituídas por linhas verticais e horizontais, e as figuras que aparecem esporadicamente, dinâmicas, compostas por linhas curvas e diagonais. As fixas são a antena, o girassol, a cerca ao redor deste, o reservatório de água, o relógio e o galo do vento (figura 8) – o girassol e o galo entram como únicas exceções dinâmicas, porém este último ainda tem sua velocidade levemente limitada por uma seta vertical que o divide ao meio. As esporádicas são o carteiro no canto esquerdo da página 10 (figura 11), o faxineiro da página 13, a criança soltando pipa e o rapaz tirando uma mochila da caixa das páginas 14 e 15, o mesmo rapaz da mochila se preparando para pular do prédio da página 17, saltando de fato na página 19 e 21, e abrindo um paraquedas enquanto outro rapaz no chão aponta para ele na página 23. 23 Figura 8. Esquema (figuras ressaltadas em vermelho) elaborado pela autora a partir das páginas 06 e 07. FONTE: MARTINS, Claúdio. Eu e minha luneta. Belo Horizonte: FORMATO EDITORIAL LTDA, 1992. Figura 9. Esquema (figuras ressaltadas em vermelho) elaborado pela autora a partir das páginas 06 e 07. FONTE: MARTINS, Claúdio. Eu e minha luneta. Belo Horizonte: FORMATO EDITORIAL LTDA, 1992. 24 Figura 10. Página 10. FONTE: MARTINS, Claúdio. Eu e minha luneta. Belo Horizonte: FORMATO EDITORIAL LTDA, 1992. 25 Figura 11. Esquema (figura à esquerda ressaltada em vermelho) elaborado pela autora a partir das página 10. FONTE: MARTINS, Claúdio. Eu e minha luneta. Belo Horizonte: FORMATO EDITORIAL LTDA, 1992. A segregação pode ser feita nas seguintes unidades principais: prédio, janelas, elementos no céu e elementos nas laterais do primeiro mencionado. Indo mais além, pode-se segregar a unidade janela entre as pequenas unidades que compõem seu interior. Observando-se primeiro as unidades principais, a semelhança das janelas e a proximidade entre elas facilita a agrupá-las e unifica-las na leitura. O prédio possui uma estrutura quase que totalmente simétrica, harmônica, assim como a composição da página. Há um ligeiro peso visual maior na primeira página, devido ao elemento do sol. Porém esta unidade diminui tanto de tamanho ao longo do livro que não chega a ser um peso visual significativo. Além disso, outros elementos vão sendo distribuídos 26 em cada lateral do edifício, mantendo o equilíbrio da imagem. No interior das janelas há um outro tipo de organização, com os fatores de semelhança menos evidenciados como são no prédio como um todo. Tais unidades diferem mais entre si em forma, tamanho e cor. No geral, apresenta boa continuidade na maior parte da composição, (com exceção de várias estruturas retas e angulosas do prédio que tem mais quebras e interrupções na leitura) – o olhar percorre as formas facilmente, sem encontrar obstáculos, graças aos traços arredondados. Conclui-se que o livro possui alta pregnância de forma, devido a sua fácil unificação, clareza e equilíbrio, sendo a pregnância reduzida na última página devido a grande quantidade de ruído (os rabiscos e tracejados das explosões, objetos lançados, vômito da sexta janela, e voo dos insetos). Um fato curioso é que há mais de uma maneira de ler a história deste livro. Pode- se ora acompanhar as imagens de todas as janelas ao mesmo tempo, ora olhar as imagens de cada janela individualmente. Em cada janela se desdobra uma pequena narrativa, e apesar de começarem como anedotas sem vínculos umas com as outras, vão se entrelaçando ao longo das páginas, chegando a extrapolar os limites das janelas. Estas compõem o todo da grande história – o edifício. 2.2 “CACOETE” (Eva Furnari, 2005) “Cacoete” foi publicado em 2005, possui um total de 32 páginas e o projeto gráfico foi feito pela própria autora, Eva Furnari, com parceria de Claudia Furnari, sua filha. O livro venceu o Prêmio Jabuti de Melhor Ilustração do Livro Infantil, CBL – 2006, Prêmio Jabuti de Melhor Livro Infantil, CBL – 2006, e O Melhor para a Criança (Hors- Concours), FNLIJ – 2006. Iniciar-se-á a leitura pelas páginas 03 a 05, nas quais se notam fatores que tornam o movimento visual estático. Começando pela predominância de formas quadradas e circulares – e mesmo a forma retangular de algumas destas ainda compensam a si mesmas – das unidades representadas nas páginas: a estrutura de certas casas (figura 13), algumas partes do corpo das pessoas e dos cachorros, as malas e as bolsas empunhadas por estas, e alguns dos utensílios dispostos na mesa 27 (figura 15) e os objetos presentes na primeira e segunda prateleiras da estante (figura17). Figura 12. Página 03. FONTE: FURNARI, Eva. Cacoete. São Paulo: Editora Ática, 2005. 28 Figura 13. Esquema (figuras ressaltadas em vermelho) elaborado pela autora a partir da página 03. FONTE: FURNARI, Eva. Cacoete. São Paulo: Editora Ática, 2005. 29 Figura 14. Página 04. FONTE: FURNARI, Eva. Cacoete. São Paulo: Editora Ática, 2005. 30 Figura 15. Esquema (figuras ressaltadas em vermelho) elaborado pela autora a partir da página 04. FONTE: FURNARI, Eva. Cacoete. São Paulo: Editora Ática, 2005. 31 Figura 16. Página 05. FONTE: FURNARI, Eva. Cacoete. São Paulo: Editora Ática, 2005. 32 Figura 17. Esquema (figuras ressaltadas em vermelho) elaborado pela autora a partir da página 05. FONTE: FURNARI, Eva. Cacoete. São Paulo: Editora Ática, 2005. Em seguida observa-se o tamanho pequeno de todas unidades dessas páginas, outro fator que limita o movimento visual. O caráter de todas as composições é bidimensional – superfície fechada, com sobreposição de elementos pouco pronunciada, ocorrendo somente com algumas das árvores (página 03), das malas, das bolsas, dos guarda-chuvas e das mãos que seguram utensílios (página 04) e das mãos dos anões de jardim em relação aos objetos que agarram. Notável ênfase na linha e na superfície, e pouco no volume (ausência de sobreposições de planos e diagonais) e luz, conferindo menor dinamismo à composição. Há a interrupção da leitura na direção horizontal por elementos verticais intercalados, formando uma 33 sequência e um ritmo. Sobre essa última qualidade, será melhor comentado mais adiante. Antes, é preciso discorrer-se sobre as características que equilibram o movimento visual, evitando que ele se torne demasiadamente lento. As construções e algumas das árvores (figura 18), o corpo das pessoas da primeira e segunda fileira, e da cadeira na qual o homem está sentado e a maior parte dos utensílios na mesa na terceira fileira (figura 19) e os elementos da terceira e da quarta prateleiras (figura 20) elevam-se acima da linha do horizonte, além de possuírem um comprimento maior na vertical do que na horizontal, passando a impressão de leveza. Vale notar que os objetos mais verticais da página 05 estão na parte inferior, a região de maior peso visual – e, consequentemente, menor velocidade de movimento –, como se a compensar, diminuindo este peso. Figura 18. Esquema (figuras ressaltadas em vermelho) elaborado pela autora a partir da página 03. FONTE: FURNARI, Eva. Cacoete. São Paulo: Editora Ática, 2005. 34 Figura 19. Esquema (figuras ressaltadas em vermelho) elaborado pela autora a partir das página 04. FONTE: FURNARI, Eva. Cacoete. São Paulo: Editora Ática, 2005. 35 Figura 20. Esquema (figuras ressaltadas em vermelho e preto) elaborado pela autora a partir da página 05. FONTE: FURNARI, Eva. Cacoete. São Paulo: Editora Ática, 2005. As linhas que delimitam as formas são contínuas, conferindo velocidade. Não existe um grande contraste de claro/escuro, sendo a luz presente nos elementos de intensidade parecida, conferindo maior aceleração no movimento visual. Também se observa a ausência de contraste de cor de diferentes tons dos pólos terminais da escala, o que torna o movimento mais rápido. As cores são baixas, ou seja, pálidas e escuras – como a cor possuí caráter sensual, essa baixa tonalidade cromática passa a sensação oposta de excitamento. É possível notar uma grande quantidade de cores secundárias e terciárias, 36 observando-se que há o componente de cor fria (azul) em várias delas. Não há junção de cores complementares, o que causa a ausência de tensão espacial. Voltando agora sobre a sequência e o ritmo observados nas composições. Segundo João Gomes Filho, em “Gestalt do Objeto” (2000): O ritmo é um movimento que pode ser caracterizado como um conjunto de sensações de movimentos encadeados ou de conexões visuais ininterruptas, na maior parte das vezes, uniformemente contínuas ou sequenciais ou semelhantes, ou, ainda, alternadas (GOMES FILHO, 2000, p. 69). Quanto à sequência, o autor descreve-a da seguinte maneira: “Esta técnica se refere à ordenação de unidades ou de elementos organizados de modo contínuo e lógico, em qualquer tipo de disposição visual” (GOMES FILHO, 2000, p. 99). Orientando-se por tais definições, observa-se o movimento encadeado e repetitivo dos elementos, que seguem uma ordem contínua e lógica, das páginas 03 a 05, reforçados pelo fator de semelhança destes (figura 21). Figura 21. Esquema (figuras ressaltadas em vermelho) elaborado pela autora a partir da página 03. FONTE: FURNARI, Eva. Cacoete. São Paulo: Editora Ática, 2005. 37 Apesar de notar-se que esta sequência e ritmo estão presentes na página 06, é necessário atentar-se a quebra nessa ordem, devido às figuras das personagens Frido e Sr. Rabanete e os balões de fala. Inclusive outro aspecto que entra nesta página é a sobreposição de elementos, conferindo tridimensionalidade a cena, e, portanto, maior dinamismo. Vale notar também a presença da cor vermelha saturada em algumas das frutas, tão diferente das cores baixas das páginas anteriores. A sensação que passa é de uma transição da organização do movimento visual da composição, pois na página 07, o leitor se depara com um novo tipo de movimento. Aqui as linhas já são horizontais e contínuas, curvas e fluídas, fatores que conferem grande dinamismo. Apesar de alguns elementos que funcionam como pausas na leitura, eles não chegam nem de longe a disporem-se em uma sequência ritmada como nas páginas anteriores – além do fato de todos possuírem, com exceção do cachorro e da ponte, maior ênfase na vertical do que na horizontal e elevarem-se acima da linha do horizonte, outro fator que concede maior velocidade ao movimento visual. Não há contraste de luz claro/escuro. Existe um ligeiro contraste de tons da cor verde que colore as colinas e as árvores, havendo uma variação de claro e escuro. Porém, é tão sutil que não chega a influenciar fortemente na velocidade do movimento visual. O mesmo não se pode dizer da figura da torre que vem a seguir na mesma página, em relação ao ritmo. A organização de suas janelas é evidentemente ritmada e sequenciada. Porém, um diferencial que esta cena possuí das quatro primeiras páginas, é o seu comprimento exageradamente maior do que a largura, o que compensa a pausa na leitura gerada pelas janelas e lhe confere imenso dinamismo. Apesar do visível aumento do dinamismo da imagem, em comparação às páginas anteriores, a velocidade do movimento é limitada pelos seguintes fatores: superfície bidimensional, com sobreposição de planos apenas levemente sugerida, elementos de tamanho pequeno – e não se pode esquecer da caixa retangular, de altura e largura quase idênticas, delimitando o caminho percorrido por Frido. O que estabelece uma conexão com a sensação de movimento mais estático do que dinâmico das páginas anteriores, não causando um choque brusco com as mudanças citadas acima. 38 As páginas 08 e 09 surgem com um tipo de composição que remete a torre da página 07: a ênfase na vertical dos elementos. A prateleira da Quitanda do Caqui e a configuração da coluna de texto da página 08, e as duas construções da página 09, possuem a altura imensamente maior que a largura e erguem-se bem acima da linha do horizonte. Tudo isso contribuí para uma maior velocidade do movimento visual. O ritmo e a sequência voltam a se mostrarem presentes em ambas as páginas, porém menos reforçados devido a diminuição da semelhança dos elementos envolvidos – as frutas e legumes da página 08 possuem maior variação de cores e as janelas da página 09 ora não seguem um padrão de distância entre elas, no caso da primeira construção, ora não são totalmente iguais na mesma fileira, como na segunda casa. Novamente observa-se a intensidade da cor vermelha da fruta na página 08; neste exemplo, uma maçã. Como os tons altos e intensos fazem sentir mais o caráter sensual da cor (em relação aos claros e aos escuros), a fruta destaca-se aos olhos do leitor. Surge então uma nova configuração do movimento visual a partir das páginas 10 e 11. A principal característica que une as duas páginas são as delimitações das unidades, através de quadros – superfícies fechadas, quadradas e retangulares. Durante a leitura, os olhos param em cada um desses quadros delimitadores, ocasionando grandes pausas, diminuindo consideravelmente a velocidade do movimento visual. É verdade também que a composição dentro das delimitações é bastante dinâmica, devido ao fato dos elementos serem configurados por linhas curvas, fluídas e diagonais, com ressalto maior na vertical do que na horizontal. Apesar dessa fluidez, não se pode ignorar os ângulos retos nas articulações dos membros (braços, pernas) das personagens, reforçando a característica delimitadora dos quadros. Outro fator de semelhança são as cores em sua maioria baixas, salva por exceções (novamente, os elementos de cor vermelha). Em relação às diferenças, os elementos visuais e os quadros da página 10 são muito maiores em tamanho do que os da página 11, tendo, portanto, menor peso visual, o que contribui para uma velocidade visual bem mais dinâmica. Além da 39 diferença de tamanho, há também o fato de que as delimitações da página 11 são na sua grande maioria quadradas – com ressalvas para o retângulo de horizontal extremamente maior que a vertical no topo da página –, formas que se compensam mais do que os ocasionais retângulos da página 10. Apesar da velocidade superior do movimento visual da página 10 em comparação à 11, ambas têm o dinamismo limitado pela bidimensionalidade, e aumentado pela ausência de jogos de luz claro /escuro ou contraste de tons de pólos terminais opostos na escala cromática ou tonal. A questão do ritmo e da sequência aparecem novamente, através das unidades sequenciadas nos quadros da página 11. Se houve uma mudança na lógica do movimento visual a partir da página 07, da página 12 em diante o leitor encontra uma organização de composição nunca vista antes na obra. A transformação é quase radical, conferindo um outro clima a leitura. Uma das primeiras coisas que se nota é a mudança da relação das cores. Elas passam a preencher todo o espaço da página, tornam-se mais escuras e intensas, e entra um fator até então não observado: cores complementares que dão a sensação de tensão /fusão, através do violeta e verde, e vermelho e verde (apesar do vermelho ser a cor complementar do verde, o violeta é uma cor secundária que possuí o pigmento vermelho em sua composição). Este efeito é sentido principalmente das páginas 12 a 17, suavizando-se até desaparecer nas páginas 18 a 23. Adicionalmente ao fator da tensão, há o jogo de cores frias e quentes, conferindo maior profundidade e tridimensionalidade, característica que confere muito mais dinamismo. Além dessa relação, há também a cor preta no telhado da casa (página 12) e na roupa da bruxa Núrcia (páginas 18 a 23), e a cor verde na tonalidade escura – tais valores escuros recuam no espaço, em relação aos claros, constituindo mais uma contribuição a noção de profundidade das cenas. Este não é o único detalhe influenciador no movimento visual muito mais veloz aqui presente: as linhas são predominantemente curvas, diagonais e fluídas, planos relacionados em diagonal, superposições, profundidade e cheio/vazio (constituindo em volumes), espaço com perspectiva, e superfícies grandes e de vertical mais enfatizada do que a horizontal. 40 Poucos fatores limitam a velocidade: formas que se compensam proporcionalmente (quadrado e círculo), superfícies pequenas e número expressivo de facetas e subdivisões dos volumes (dando a impressão de ser mais denso e compacto). Observamos esses quadrados e círculos nos objetos do interior da casa da bruxa (páginas 15 e 17) e nas frutas que acompanham o texto (página 16), as superfícies pequenas também nestes mesmos objetos e frutas, na figura da personagem Frido (páginas 12 e 13), e da personagem bruxa Núrcia (página 13), e a subvidisões dos volumes na estrutura da casa de Núrcia (página 12), e nos móveis do interior da casa (páginas 15 e 17). Como última ponderação sobre essa série de páginas, nos atentamos a um fator que se mostrava ausente desde a página 12: o ritmo e a sequência, notados na fileira de frutas vermelhas das páginas 16 e 17. Tal característica, como citada antes, diminui a velocidade do movimento visual. A página 24 surge então, lançando a última reviravolta no movimento visual. As formas observadas que rodeiam a personagem bruxa Núrcia são pequenas, ora retorcidas em ângulos retos e pontiagudos, com extremidades que se curvam para dentro de si próprias. São coloridas nas cores vermelho e verde, promovendo uma grande tensão /fusão presente na mesma forma. Tal qual as páginas 18 a 23, as páginas 24 a 32 possuem um movimento visual muito veloz, devido ao jogo de cores frias e quentes, as linhas em sua maioria curvas e fluídas, as superfícies grandes e de vertical maior do que a horizontal, sobreposições de planos relacionados em diagonal e espaço com perspectiva – apesar destes dois últimos fatores apresentarem-se de forma bem menos enfatizada, em comparação às páginas 18 a 23. A composição não chega a ter o caráter bidimensional das primeiras páginas do livro, Em relação as cores, notamos outra mudança. Aqui elas apresentam-se mais saturadas e intensas do que em todo o livro, e as cores frias deixam de ser predominantes, embora não totalmente ausentes. Não há jogo de cores complementares, ou seja, sem presença de tensão/fusão. 41 O ritmo e a sequência voltam a se mostrar na série de expressões faciais de Frido na página 26, na fileira de crianças na página 28, na fila de pessoas, animais, objetos e plantas na página 29, e na carreira de casas, pessoas, plantas, árvores e navios nas páginas 30 e 31. Porém, além dos elementos possuírem muito menos semelhança entre si do que nas cadeias sequenciadas observadas anteriormente, eles também não estão dispostos em uma linha estritamente reta e nivelada (com exceção da série de expressões faciais de Frido). A segregação das unidades é bastante evidente e fácil de ser assimilada, na maior parte da obra – com exceção das páginas 15, 24 e 25, cuja composição apresenta desarmonia por irregularidade, possuindo ausência de ordem na disposição dos elementos. É possível observar os fatores de semelhança e proximidade das unidades visuais. Tais características, aliadas ao ritmo e sequência (mencionados fortemente durante a análise), facilitam a unificação do todo, resultando em uma rápida leitura. As ilustrações do livro, no geral, apresentam boa continuidade da forma, contendo uma grande quantidade de elementos compostos por linhas arredondadas, balanceando-se com outros de formas angulosas e retas. Nota-se qualidades de harmonia e equilíbrio, graças a presença de relações ordenadas e a boa distribuição do peso visual. Constata-se, através de todos esses fatores, que o livro possui uma alta pregnância da forma. É interessante observar como o movimento visual se desdobra conforme os acontecimentos da história. A princípio ele tem mais características estáticas, expressando a falta de vivacidade e liberdade da cidade Cacoete, que se estruturava em torno de regras bastante rígidas e específicas. A questão do ritmo reforça ainda mais a sensação de organização da cidade. Há uma mudança no movimento visual conforme Frido vai saindo de Cacoete, e se vê na floresta e na casa da bruxa Núrcia. Nesses dois ambientes, a tensão do ambiente é expressada através de diversos fatores, responsáveis pelo aumento da velocidade do movimento visual. Por fim, no momento em que ocorre a reviravolta da história, a composição ganha muito mais dinamismo visual, fortalecendo o sentimento de espontaneidade que a cidade ganha ao ser “bagunçada”, deixando de seguir normas tão estritas. As cores também têm seu papel na história, mostrando-se pálidas (menor excitamento) no início da história; jogo de cores complementares, 42 conferindo efeito de tensão /fusão, e jogo de cores frias e quentes, agregando profundidade e dinamismo, ao clima da floresta e da casa da bruxa Núrcia; saturadas (maior excitamento) e na maior parte, quentes, na cidade já “desorganizada”. 2.3 “O PRESENTE” “O presente” foi publicado em 2010, e contêm 48 páginas. O livro venceu o prêmio FNLIJ – Melhor Livro na categoria criança. Nesta obra de Odilon Moraes, observa-se um movimento visual veloz na sua composição geral, tendo poucas páginas nas quais o dinamismo diminui. Os fatores que favorecem a maior velocidade visual são as linhas curvas, diagonais e fluídas que formam as figuras e cenário; volumetria indicada através dos planos relacionados em diagonal, superposições, profundidade e cheio/vazio; a ausência de contraste claro/escuro e de cor de diferentes tons dos pólos terminais da escala, e o tamanho grande e a ênfase na vertical dos elementos, que na maior parte da obra se elevam acima da linha do horizonte, agregando menor peso visual. O esquema elaborado para esta pesquisa (figura 23) ilustra a linha do horizonte – que corresponde à altura do olhar do observador da cena –, e como as personagens estão posicionadas bem acima desta, além de explicar por meio da imagem como o comprimento da vertical das figuras humanas é acentuadamente maior que a sua horizontal. 43 Figura 22. Página 20. FONTE: MORAES, Odilon. O presente. São Paulo: Cosac Naify, 2010. 44 Figura 23. Esquema (linhas em vermelho) elaborado pela autora a partir da página 20. FONTE: MORAES, Odilon. O presente. São Paulo: Cosac Naify, 2010. Alguns fatores diminuem a velocidade do movimento visual: a predominância de figuras abertas e a ausência de luz e cor – a presença dessas características confere tridimensionalidade, e, portanto, maior dinamismo. Outro aspecto que contribui para um menor dinamismo é a coloração das camisetas do Brasil, que funciona como pausas na leitura. Suas cores estabelecem ritmo e sequência, lidas numa linha horizontal, nem sempre reta, formando ondas em determinadas páginas. Dessa forma, estabelece-se uma espécie de ritmo e sequência, seguindo a definição de João Gomes Filho, em “Gestalt do Objeto” (2000): O ritmo é um movimento que pode ser caracterizado como um conjunto de sensações de movimentos encadeados ou de conexões visuais ininterruptas, 45 na maior parte das vezes, uniformemente contínuas ou sequenciais ou semelhantes, ou, ainda, alternadas (GOMES FILHO, 2000, p. 69). Quanto à sequência, o autor descreve-a da seguinte maneira: “Esta técnica se refere à ordenação de unidades ou de elementos organizados de modo contínuo e lógico, em qualquer tipo de disposição visual” (GOMES FILHO, 2000, p. 99). Estas características persistem pelo livro inteiro (com exceção das páginas 01, 28 e 29, 32 e 33, 40 e 41, e 42), diminuindo a velocidade do movimento visual (figura 25). Figura 24. Páginas 04 e 05. FONTE: MORAES, Odilon. O presente. São Paulo: Cosac Naify, 2010. Figura 25. Esquema (figuras ressaltadas em vermelho) elaborado pela autora a partir das páginas 04 e 05. FONTE: MORAES, Odilon. O presente. São Paulo: Cosac Naify, 2010. 46 A cor se mostra pontual na obra, presente em um único elemento: a camiseta do Brasil. O amarelo, o verde e o azul se mostram no ponto mais alto da cor na maior parte da superfície, apresentando transparência e palidez em alguns pontos devido a materialidade da aquarela. Não bastasse a saturação das cores, a falta de cor no restante dos elementos que não sejam a camiseta do brasil confere ainda mais destaque a estas. Tudo isso atribui um forte caráter de sensualidade e excitação dos sentidos. Embora o volume esteja presente e os elementos possam ser descritos como bidimensionais e chapados, há uma grande ênfase na linha e na superfície, ou seja, no grafismo das ilustrações. A ausência de cor e de luz só colabora com esse fato. É possível segregar as unidades da composição do livro em personagens, objetos que elas manipulam, as camisetas do Brasil e cada elemento do cenário. Apesar da clareza ser comprometida devido ao fato dos elementos serem rabiscados de maneira indefinida e desorganizada, os traços de uma unidade por ora sobrepondo-se a de outra, tais características não chegam a estar em uma intensidade forte e a identificação dos elementos visuais ainda é feita com uma certa facilidade – com exceção de alguns dos objetos ao fundo, como por exemplo os produtos na vitrine da página 03. Outro fator que dificulta a leitura é a boa continuidade, que não se apresenta aqui em sua plena forma; observa-se vários intervalos de linhas que não se fecham e os ângulos em certos pontos das formas, agindo como quebras no caminho do olhar. Pode-se ver a harmonia e o equilíbrio presentes, com a coerência do traço em todas as personagens, objetos e cenário, e os pesos visuais bem distribuídos. A semelhança e a proximidade das camisetas coloridas do Brasil ajudam a unifica-las e agrupá-las, reforçadas pela distinção destas com o resto das unidades visuais, que não possuem cor. Os traços soltos e leves demonstram espontaneidade. “A espontaneidade se caracteriza por uma falta aparente de planejamento visual. É uma técnica voluntária” (GOMES FILHO, 2000, p. 91). O grau de pregnância é alto, na composição como um todo. Existe um balanceamento tanto de fatores que dificultam a leitura, quanto dos que facilitam. Porém, as características que prejudicam a decodificação do todo não se mostram acentuadas, e somente poucos elementos de fundo apresentam uma maior 47 dificuldade de identificação. 48 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os pontos em comum observados são o alto grau de pregnância e a presença das categorias conceituais de ritmo e sequência, como descritas em “Gestalt do Objeto” (2000). Em relação ao movimento visual, todas as três obras diferem entre si, tendo “Cacoete” (2005) uma grande variação da velocidade visual durante todo o livro, “Eu e minha Luneta” (1992) caracterizado por ser uma composição mais estática e “O presente” (2010), uma obra de maior dinamismo. Porém, apesar dessas diferenças, os três títulos apresentam um bom balanceamento de fatores estáticos e dinâmicos, de modo que o movimento visual da obra não seja demasiado lento em “Eu e minha luneta”, nem totalmente veloz como em “O presente” (“Cacoete” divide-se entre ser dinâmico e estático). O alto grau de pregnância, aspecto compartilhado pelas três obras, é compreensível no sentido que é favorável uma rápida leitura e assimilação do conteúdo, para um leitor que é uma criança – capturando sua atenção mais rápido, quando se trata de seres com tanta energia e que mudam constantemente o foco de concentração. Uma observação interessante sobre a coincidência da presença do ritmo nas três obras, é a forma como Rui de Oliveira discorre sobre esse aspecto, em “Pelos Jardins Boboli: reflexões sobre a arte de ilustrar livros para crianças e jovens” (2008). O autor fala de como o ritmo trabalha com o choque de ideias opostas, estabelecendo “...o fluir das páginas, a sequencialidade espacial das ilustrações e sua relação física com um texto ” (OLIVEIRA, 2008, p. 58). Desta forma, o ritmo se aproximaria de uma montagem cinematográfica. É fascinante notar como todos os ilustradores tiveram a preocupação de utilizar tal característica, tão importante para determinar o modo da leitura das ilustrações e da composição gráfica do livro. Outro ponto a se considerar é o elemento visual cor, considerado tanto por Fayga Ostrower, em “Universos da Arte” (1983), quanto por Rui de Oliveira, em “Pelos Jardins Boboli: reflexões sobre a arte de ilustrar para crianças e jovens” (2008), como um elemento visual de forte carga emotiva. Furnari e Martins fazem um vasto uso das relações da cor com outras cores – jogo de cores complementares, contraste de cores frias/quentes, de tonalidades e de cromaticidade –, para os diferentes propósitos de suas narrativas. Por exemplo, em Cacoete, no momento no qual sua protagonista 49 Frido encontra a casa da bruxa Núrcia, a tensão é expressada através do jogo de cores complementares. Outro exemplo são as cores saturadas presentes em toda a composição em “Eu e minha Luneta”, provocando a excitação dos sentidos em relação às pequenas e animadas narrativas de cada janela. Moraes não dispõe dessa variedade de utilidades da cor. Ele faz um uso bastante específico desse elemento visual em “O presente”, aproveitando o seu caráter de sensualidade, para dar destaque e emoção a uma unidade: a camiseta verde e amarela do Brasil. O restante de sua composição não possui cor, apoiando-se muito mais no grafismo. Uma citação interessante a se refletir: No entanto, o primeiro elo que desperta nosso olhar e transfere a ilustração para nossa memória é um sentimento vago, impreciso, que podemos chamar de encantamento, uma qualidade que tem a imagem de nos apaziguar, mesmo que nos inquiete. Ilustrações que estão além de suas explicações verbais, muito além das questões de semiologia, das questões estruturais e narrativas. O cativo desse olhar é muito diferente do chamado distanciamento estético, ou de um olhar desinteressado, tão caros a análise crítica de nossos dias. A ilustração possui um fim a ser servido. Ao se abster do prático, ou seja, do ato de envolver e de contar e descrever histórias, não estaremos mais no universo da ilustração. O fato de se situar em um terreno bastante flexível – como o encantamento – o primeiro nível da arte de ilustrar não predispõe o olhar como devedor unicamente do prazer, refugiando nossa atenção exclusivamente nos meandros da forma (CAMARGO, 2008, p. 36). O que encanta na ilustração infantil? É uma resposta bastante subjetiva, mesmo após a pesquisa realizada. Porém, podemos nos aproximar da resposta, notando como faz diferença saber balancear o movimento visual a seu favor, usando de forma eficiente os elementos visuais de linha, superfície, volume, cor e luz; a importância da presença de ritmo, de modo a conduzir um fluir da leitura; a utilização da relação da cor com as outras cores. Mas é claro, como afirma Rui de Oliveira (2008), não existe uma receita pronta, com uma lista de critérios que garantam uma ilustração de qualidade. Foram encontrados aspectos formais que diferem e convergem entre os três ilustradores analisados, porém, acima de tudo, observa-se o uso eficiente dos recursos visuais, possibilitando a expressividade desejada pelos ilustradores – mesmo que haja mais de uma maneira de interpretar uma imagem, o uso dos elementos visuais, em função 50 de um movimento visual estático ou dinâmico, limitam essa infinidade de possibilidades (OSTROWER, 1989), e os ilustradores em questão conseguiram determinar bem o que desejavam expressar. O resultado são as sensações do dinamismo do futebol em “O presente”, da estaticidade de um prédio como local de contar narrativas em “Eu e minha luneta”, e dos diferentes momentos de maior ou menor velocidade visual, expressando maior ou menos agitação/empolgamento em “Cacoete”. 51 4. REFERÊNCIAS COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil: teoria, análise, didática. São Paulo: Moderna, 2000. 287 p. COMPANHIA DAS LETRAS. Disponível em: http://www.companhiadasletras.com.br/autor.php?codigo=00762. Acesso em 15 de fevereiro de 2016. DALCIN, A. R. Andrea Rodrigues Dalcin. “UM ESCRITOR E ILUSTRADOR (ODILON MORAES), UMA EDITORA (COSAC NAIFY): CRIAÇÃO E FABRICAÇÃO DE LIVROS DE LITERATURA INFANTIL”. 2013. 224 f. Dissertação (Mestrado), Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2013. FARLEY, M. Milton Farley. Disponível em: http://www.claudiomartins.com.br/. Acesso em 14 de fevereiro de 2016. FILHO, João Gomes. Gestalt do objeto. São Paulo: Escrituras, 2000. 127 p. FILHO, R. Ricardo Filho. Ilustre Criatividade. Disponível em: http://brasileiros.com.br/2009/03/ilustre-criatividade/. Acesso em 15 de fevereiro de 2016. FIOROTTO, R. Ricardo Fiorotto. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Fwv3zaDhpNc. Acesso em 15 de fevereiro de 2016. MODERNA LITERATURA. Biblioteca Eva Furnari. Disponível em: http://bibliotecaevafurnari.com.br/biografia. Acesso em 15 de fevereiro de 2016. MUSEU DA PESSOA. Disponível em: http://www.museudapessoa.net/public/editor/memoriasliterarias_8dez2009-final.pdf. Acesso em 14 de fevereiro de 2016. OLIVEIRA, Rui de. Pelos Jardins Boboli: reflexões sobre a arte de ilustrar livros para crianças e jovens. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. 176 p. OSTROWER, Fayga. Universos da arte. Rio de Janeiro: Campus, 1983. 521 p. RAMOS, Graça. A imagem nos livros infantis: caminhos para ler o texto visual. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011. 176 p. 52 SASS, Mayara Talissa. Todo o conhecimento do munda na literatura: as disciplinas do currículo nacional dos anos iniciais do ensino fundamental em Cacoete, de Eva Furnari. -. 2015. 79 f. Trabalho de conclusão de curso (licenciatura - Pedagogia) - Universidade Estadual Paulista, Instituto de Biociências de Rio Claro, 2015. TV BRASIL. ABZ DO ZIRALDO. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=37LSbmNN5pg. Acesso em 14 de fevereiro de 2016.