UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Instituto de Geociências e Ciências Exatas Campus de Rio Claro ASPECTOS DA MORFOLOGIA CÁRSTICA DA SERRA DO CALCÁRIO - COCALINHO – MT Rubens Hardt Orientador: Profa. Dra. Iandara Alves Mendes. Co-orientador: Prof. Dr. Augusto Sarreiro Auler. Dissertação de Mestrado elaborada junto ao Programa de Pós-Graduação em Geografia – Área de Concentração em Organização do Espaço, para obtenção do Título de Mestre em Geografia. Rio Claro (SP) 2004 551.4a81 Hardt, Rubens H266a Aspectos da morfologia cárstica da Serra do Calcário – Cocalinho – MT / Rubens Hardt. – Rio Claro : [s.n.], 2004 98 f. : il., tabs., fots., mapas Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual Paulista, Instituto de Geociências e Ciências Exatas Orientador: Iandara Alves Mendes Co-orientador: Augusto Sarreiro Auler 1. Geomorfologia – Brasil. 2. Carste. 3. Relevo cárstico. 4. Espeleologia. 5. Cavernas. I. Título Ficha Catalográfica elaborada pela STATI – Biblioteca da UNESP Campus de Rio Claro/SP Aspectos da morfologia cárstica da Serra do Calcário – Cocalinho – MT Hardt, R. (2004). i Comissão Examinadora _________________________________ Profa. Dra. Iandara Alves Mendes _________________________________ Profa. Dra. Chisato Oka Fiori _________________________________ Profa. Dra. Nádia Regina do Nascimento _________________________________ Rubens Hardt Rio Claro, Oito de Dezembro de 2004. Resultado: Aprovado Aspectos da morfologia cárstica da Serra do Calcário – Cocalinho – MT Hardt, R. (2004). ii DEDICATÓRIA Aos meus pais, Ruth Albertoni Hardt e José Benedicto de Mattos Hardt (em memória) Aspectos da morfologia cárstica da Serra do Calcário – Cocalinho – MT Hardt, R. (2004). iii AGRADECIMENTOS As pessoas e entidades abaixo relacionadas (em ordem alfabética) foram importantes para a realização deste trabalho, ficando aqui meus sinceros agradecimentos. Arnaldo Rosalém, por apoio no uso de softwares. Augusto Sarreiro Auler, pelo apoio de campo e em gabinete, auxiliando na orientação geral deste trabalho. Equipe de Produção do Spring (INPE), por produzir um software de geoprocessamento eficiente e útil, sem custo para o usuário. Francisco Sérgio Bernardes Ladeira, por sugestões e recomendações diversas. Gilberto Menezes de Oliveira, pelo apoio em campo, em especial nas atividades de mergulho, cuja atuação foi fundamental para a realização deste trabalho. Iandara Alves Mendes, por me orientar, por ser professora e amiga, acreditando em meu potencial e ajudando-me a desenvolvê-lo. João Carlos Santini, pelo apoio nas atividades de campo. José Antônio Basso Scaleante, pelo fornecimento de material bibliográfico. José Ayrton Labegalini, pelo fornecimento de material bibliográfico. Linda Gentry El-Dash, pela tradução e correção do "abstract". Maria do Carmo Ribeiro Dejuste e Família, por me acolher em Rio Claro no início de minha caminhada, e por estar presente em minha vida. Rogério Dell’ Antônio, pela amizade, apoio em campo e fornecimento de material fundamental para a realização deste trabalho. Sâmia de Moura Passarela, por auxílio em laboratório. Sérgio Heitor Marques, por apoio em campo, em especial nas atividades de mergulho. Sociedade Brasileira de Espeleologia, pelo uso da biblioteca. O presente trabalho foi realizado com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq – Brasil. Aspectos da morfologia cárstica da Serra do Calcário – Cocalinho – MT Hardt, R. (2004). iv S U M Á R I O Índice Índice de Figuras Índice de Tabelas e Quadros Resumo Abstract I – Introdução II – Fundamentação Teórica III – Fisiografia e Geologia da Serra do Calcário IV – Apresentação e Discussão dos Dados V – Resultados VI – Considerações finais VII – Bibliografia Anexos Aspectos da morfologia cárstica da Serra do Calcário – Cocalinho – MT Hardt, R. (2004). v Í N D I C E Índice de Figuras __________________________________________________________ vii Índice de Tabelas e Quadros __________________________________________________ x RESUMO ________________________________________________________________ xi ABSTRACT ______________________________________________________________xii I – Introdução______________________________________________________________ 1 1.1 – Objeto de estudo___________________________________________________________ 1 1.2 – O carste no território brasileiro ______________________________________________ 2 1.3 – A área de estudo ___________________________________________________________ 3 1.4 – Objetivo__________________________________________________________________ 6 1.5 – Método, materiais e técnicas _________________________________________________ 7 1.5.1 – Método_______________________________________________________________________ 7 1.5.2 – Materiais _____________________________________________________________________ 7 1.5.3 – Técnicas______________________________________________________________________ 8 II – Fundamentação Teórica__________________________________________________ 9 2.1 – Perspectiva histórica _______________________________________________________ 9 2.2 – O conceito de carste _______________________________________________________ 11 2.3 – Química do carste_________________________________________________________ 14 2.4 – Hidrologia cárstica________________________________________________________ 15 2.5 – Influência da estrutura ____________________________________________________ 21 2.6 – Influência do clima________________________________________________________ 22 2.7 – Solos sobre o carste _______________________________________________________ 25 2.8 – Formas cársticas__________________________________________________________ 27 2.8.1 - Macroformas _________________________________________________________________ 27 2.8.2 - Microformas__________________________________________________________________ 36 2.9 – O conceito de sistema em geomorfologia e sua aplicabilidade em ambientes cársticos_ 37 III – Fisiografia e Geologia da Serra do Calcário ________________________________ 42 3.1 – Considerações gerais ______________________________________________________ 42 3.2 – Geologia ________________________________________________________________ 42 3.3 – Relevo, solos e uso do solo __________________________________________________ 46 3.4 – Clima ___________________________________________________________________ 48 3.5 – Hidrografia ______________________________________________________________ 50 IV – Apresentação e Discussão dos Dados ______________________________________ 51 4.1 - Zona das Terras Baixas ____________________________________________________ 54 4.1.1 Unidade das Terras Alagadas ______________________________________________________ 54 4.1.2 Unidade das Terras Alagáveis _____________________________________________________ 59 4.1.3 Unidade das Terras Secas _________________________________________________________ 62 4.2 - Zona das Terras Altas _____________________________________________________ 63 Aspectos da morfologia cárstica da Serra do Calcário – Cocalinho – MT Hardt, R. (2004). vi 4.2.1 Unidade Rio das Mortes __________________________________________________________ 64 4.2.2 Unidade Água Preta _____________________________________________________________ 67 V – Resultados ____________________________________________________________ 72 5.1 - O Sistema Cárstico da Serra do Calcário______________________________________ 72 5.1.1 - O Princípio do Antagonismo _____________________________________________________ 72 5.1.2 - O Princípio da Instabilidade______________________________________________________ 73 5.1.3 - O princípio de Catena___________________________________________________________ 74 5.1.4 - O Princípio da Seleção __________________________________________________________ 75 5.1.5 - O Princípio do Controle Estrutural_________________________________________________ 75 5.2 - Proposta de um Modelo Evolutivo para a Serra do Calcário______________________ 76 VI - Considerações Finais ___________________________________________________ 81 6.1 - Considerações teóricas _____________________________________________________ 81 6.2 - Limitações do trabalho e perspectivas futuras__________________________________ 82 VII – Bibliografia __________________________________________________________ 85 ANEXOS_________________________________________________________________ 90 Aspectos da morfologia cárstica da Serra do Calcário – Cocalinho – MT Hardt, R. (2004). vii Índice de Figuras Figura 1: Cobertura de rochas carbonáticas sobre a superfície da Terra, segundo Ford & Williams (1989), modificado. ______________________________________________ 2 Figura 2: Áreas Cársticas Brasileiras segundo Auler et al. (2001). Modificado. ___________ 4 Figura 3: Localização da Área de estudo no contexto do país, do estado e do município. Coordenadas em UTM, Meridiano 22. Elaborado por R. Hardt. ___________________ 5 Figura 4: Relação esquemática entre fatores hidrológicos, propriedades físicas do aqüífero e características geológicas do carste (FORD; WILLIAMS, 1989). Modificado._______ 20 Figura 5: Perfil típico de alteração e de solos (autóctones) elaborados sobre calcário em meio muito lixiviado: 1 - rocha calcária maciça com mais de 90% de CaCO3; 2 - alteração química do tipo pelicular através da dissolução do CaCO3 e sua lixiviação da pedosfera, levando ao imediato desaparecimento das estruturas originais e das pseudomorfoses, ou seja, não ocorre um nível de alteração do tipo isalterita; 3 - solos com lenta intensidade de formação, constituídos pelo produto residual insolúvel, particularmente por minerais de argila (ilita e caolinita), geralmente rasos, antigos e, quase sempre, policíclicos. (PILÓ, 1998). _________________________________________________________ 26 Figura 6: Carste em torre (Filipinas) segundo Ford & Williams (1989), foto de R. Wasson. 28 Figura 7: Diversos tipos de dolinas, segundo Jennings (1985). a) Dolina de abatimento; b) Dolina de dissolução; c) Dolina de subsidência; d) Dolina de abatimento devido a carste subjacente; e) Dolina em sumidouro aluvial. Modificado. _______________________ 28 Figura 8: Uma visão “idealizada” para distinguir entre carste em torre e cone, do carste em cockpit, baseado na curvatura das vertentes. Lf é o espaço entre fraturas (WHITE, 1988. Modificado). __________________________________________________________ 29 Figura 9: Desfiladeiro em forma de cânion nas proximidades da ressurgência de Brejões - BA. Foto Rubens Hardt. _____________________________________________________ 30 Figura 10: Caverna meândrica em Boree Creek, Borenore, NSW, segundo JENNINGS (1985 - pag. 93). ____________________________________________________________ 30 Figura 11: Gruta conhecida como “Arco do André”, na realidade uma ponte natural sobre o rio Peruaçu, que passa em meio aos blocos abatidos na base da gruta. Em seu maior desnível, do teto ao chão, ultrapassa 110m. Repare na pessoa, (pequena mancha amarela) logo abaixo da seta. Foto: Rubens Hardt. ____________________________________ 31 Figura 12: Vale semicego, em Bonito - MS. Em condições normais, a água desaparece em um sumidouro pouco antes da ponte. Em épocas de chuva, a vazão fluvial é aumentada e as águas percorrem todo o vale. Foto: Clayton F. Lino. ___________________________ 32 Figura 13: Vale seco nas proximidades da gruta de Brejões - BA. Possivelmente formado pelo rio Jacaré, que hoje percorre a referida gruta. Foto: Rubens Hardt. ________________ 32 Figura 14: Final Oeste do polje Popovo, Iugoslávia. A foto mostra apenas um segmento do total de 60 km de comprimento do polje. (WHITE, 1988, p. 40). _________________ 33 Figura 15: Sumidouro do ribeirão das Ostras. Gruta da Tapagem - SP. Foto: Rubens Hardt. 34 Figura 16: Nascente cárstica próximo a Serra do Calcário – Cocalinho/MT. Foto: Rubens Hardt.________________________________________________________________ 34 Figura 17: O topo de paredões em carste costuma apresentar formas ruiniformes, como as observadas nesta foto (Vale do Peruaçu - MG). Foto: Rubens Hardt. ______________ 35 Figura 18: Conduto no interior da gruta de Brejões. Foto: R. Hardt. ___________________ 35 Figura 19: Karrens diversos sobre calcário nas proximidades da gruta de Brejões. Observe o detalhe, no canto superior direito da foto. Foto: Rubens Hardt. ___________________ 36 Figura 20: Coluna estratigráfica da Província Tocantins, conforme Almeida (1984). ______ 43 Aspectos da morfologia cárstica da Serra do Calcário – Cocalinho – MT Hardt, R. (2004). viii Figura 21: Esquema das relações estratigráficas do proterozóico superior na borda sudeste do cráton amazônico, com base no trabalho de Alvarenga & Saes, (1992), elaborado por R. Hardt (sem escala). _____________________________________________________ 44 Figura 22: Fragmento do mapa geológico de Schobbenhaus et al. (1984), mostrando a área no centro, definida como PSar – calcário, marga, dolomito folhelho, argilito, siltito, arenito, arcóseo e sílex restritos, de idade Proterozóica superior, circundado por QPa – Aluviões com nível de cascalho, de idade Quaternária. Aparecem ainda: QH – aluviões fluviais; QP – Sedimentos detríticos com níveis de cascalho, laterita; SDf – Arenito; PMcb – quartzito, filito, xisto, cloritaxisto, metarcóseo, metagrauvaca, metaconglomerado, calcixisto, mármore, filito grafitoso e hematítico, metavulcânicas ácidas, intermediárias e básicas; rochas metamáficas e metaultramáficas; PSd – arcóseo, siltito, arenito, argilito, folhelho; conglomerado restrito; A(B) – complexo granito-gnáissico-migmatito;_____ 45 Figura 23: fragmento de imagem de satélite mostrando a área de estudo. Fonte: CD “Brasil visto do Espaço”, estado de Mato Grosso, produzido pela Embrapa._______________ 46 Figura 24: Visão parcial da área de pesquisa. Proximidade da Gruta Lagoa Azul. Foto: Rubens Hardt. _________________________________________________________ 48 Figura 25: Dados climáticos das estações de Cuiabá e Goiânia, conforme disponibilizadas pelo Instituto Nacional de Meteorologia, referentes ao período 1961-1990. _________ 49 Figura 26: Carta de drenagem da área de estudo. Os rios correm em direção ao Norte. ____ 50 Figura 27: Zoneamento geomorfológico e respectivas unidades identificadas na área de estudo. Elaborado por Rubens Hardt________________________________________ 52 Figura 28: Mapa de declividade. Elaborado por Rubens Hardt _______________________ 53 Figura 29: Perfil esquemático da Lagoa do Vânico, demonstrando a variação sazonal do lençol freático. Exagero vertical 10 vezes. Elaborado por Rubens Hardt. ___________ 55 Figura 30: Interior da Gruta Lagoa Azul. Observe-se na Parede da guta, as marcas indicando a variação sazonal do lençol freático. A marca escura, com uma amplitude de 2,1m, indica a variação normal, enquanto a mais clara, com cerca de 40 cm, variações em anos excepcionais. (Foto: Rubens Hardt) ________________________________________ 56 Figura 31: Lagoa Grande. Vista aérea mostrando a dolina da Lagoa Grande. Torres cársticas em primeiro plano e, em segundo plano, após a Lagoa Grande à esquerda, o morro onde se encontra a Gruta da Lagoa Azul. (Foto: Rubens Hardt) _______________________ 56 Figura 32: Lagoa do Vânico. Uma uvala formada por três dolinas de dissolução alinhadas. Na estação chuvosa formam um grande lago. (Foto: Rubens Hardt) __________________ 57 Figura 33: "Fervedor", nascente cárstica com diversos pontos de fluxo aquático. (Foto: R. Hardt) _______________________________________________________________ 58 Figura 34: Depressões suaves alongadas, na unidade das áreas alagáveis, ressaltadas por elípses. Período de seca. (Foto: R. Hardt)____________________________________ 60 Figura 35: Lagoa Brava. Águas translúcidas em proximidade mas escuras à distância. O solo da margem, turfoso, composto basicamente de raízes de buritis. (Foto: Rubens Hardt) 61 Figura 36: Unidade das Terras Secas, e seus limites, com a Zona das Terras Altas, onde se observa um nítido ponto de ruptura, e a Unidade das Terras Alagáveis, com uma clara mudança de vegetação e declividade. (Foto: Rubens Hardt) _____________________ 62 Figura 37: Perfil altimétrico típico da Unidade Água Preta. Neste Morro, foram feitos dois perfis, cobrindo ambas as ramificações (anexo1). _____________________________ 63 Figura 38: Perfil altimétrico típico da Unidade Rio das Mortes. Os topos aparecem achatados em função de não haver medições de pontos culminantes na base cartográfica disponível, para estes morros. ______________________________________________________ 64 Figura 39: Proximidades da Gruta Portal do Roncador, onde se destacam duas de suas entradas. Encostas íngremes recobertas de vegetação mais espessa com topos convexizados e vegetação rala. (Foto: R. Hardt). ______________________________ 65 Aspectos da morfologia cárstica da Serra do Calcário – Cocalinho – MT Hardt, R. (2004). ix Figura 40: Aspecto da vegetação, torres cársticas e formas em ruínas na proximidade da Gruta Portal do Roncador. (Foto: Rubens Hardt).___________________________________ 65 Figura 41 (a e b): Evidências de paleocanais associados a paleoterraços fluviais. A segmentação se explica pela atividade antrópica e pela drenagem atual. A figura 4.14 a ressalta as manchas em vermelho interpretadas como paleocanais. ________________ 66 Figura 42: Anfiteatro suspenso. A ausência de drenagem a jusante se explica por fluxos subterrâneos na base do mesmo. (Foto: Rubens Hardt) _________________________ 68 Figura 43: Pórtico de entrada da Gruta Lagoa Azul. Uma grande dolina de abatimento dá acesso à gruta e ao lago de seu interior. (Foto: Rubens Hardt)____________________ 68 Figura 44: Espeleotema de origem aérea, em conduto alagado. Foto feita no período das secas. Foto: Gilberto Menezes. _________________________________________________ 70 Figura 45 Esqueleto humano, em profundidade de 4,5m. Foto: Gilberto Menezes.________ 70 Figura 46: Karrens observados na porção média da Serra do Calcário. À direita, rillenkarren, canais de dissolução devido ao fluxo gravitacional da água sobre a superfície da rocha. (Foto: Rubens Hardt)____________________________________________________ 71 Figura 47: Espeleotemas suspensos, evidenciando eventos deposicionais e de remoção de sedimentos. ___________________________________________________________ 77 Figura 48: Inicialmente, a área era plana, com a drenagem seguindo antigos planos de falha.78 Figura 49 Forças compressivas, atuando, geram dois grandes planos de falha. ___________ 78 Figura 50: Ocorre um soerguimento formando uma cadeia de morros, com a drenagem se superimpondo._________________________________________________________ 78 Figura 51: Devido à compressão, uma terceira linha de falha se estabelece. A erosão diferencial provoca o aparecimento de um vale em meio aos morros. As vertentes recuam e o Rio das Mortes sofre uma primeira migração em função do soerguimento _ 79 Figura 52: Dolinas de dissolução, acompanhando os planos de falha, se alargam formando grandes lagos. O Rio das mortes sofre nova migração. Rampas pedimentares se estabelecem, após o que a área apresentou mudança climática, acarretando oscilação do freático. Depósitos quaternários se alojam na parte plana do relevo, carreado pelos rios e cursos intermitentes, devido aos sucessivos alagamentos anuais. _________________ 79 Aspectos da morfologia cárstica da Serra do Calcário – Cocalinho – MT Hardt, R. (2004). x Índice de Tabelas e Quadros Tabela 1: Reações de dissociação e solubilidade de alguns minerais representativos que dissolvem congruentemente em água, aos 25o C e 1 bar (105 Pa) de pressão. (Modificado de FORD; WILLIAMS, 1989). _________________________________ 15 Tabela 2: Características dos solos gerados nos dois principais grupos de calcários estudados por Ciric (apud Piló, 1998), modificado. ____________________________________ 25 Quadro 1: Zonas hidrológicas no carste, de acordo com Ford & Williams (1989), modificado. _____________________________________________________________________ 16 Quadro 2: Efeitos dos glaciares sobre sistemas cársticos, segundo Ford & Williams (1989), modificado. ___________________________________________________________ 24 Aspectos da morfologia cárstica da Serra do Calcário – Cocalinho – MT Hardt, R. (2004). xi RESUMO O trabalho aqui apresentado tem como cenário de estudo a “Serra do Calcário”, posicionada no município de Cocalinho (MT), e teve por objetivo caracterizar geomorfologicamente o relevo cárstico ali observado, propor um modelo explicativo da sua evolução e, conseqüentemente, fornecer subsídios para a compreensão do relevo cárstico desenvolvido na região Centro-Oeste do Brasil. A fundamentação teórica que norteou esta pesquisa foi a abordagem sistêmica, mais precisamente a ótica do sistema aberto do tipo processo-resposta. Neste contexto seguiu-se a orientação de Scheidegger, segundo a qual a paisagem pode ser entendida como um sistema dinâmico composto pela inter-relação de cinco princípios: Antagonismo, Instabilidade, Catena, Seleção e Controle Estrutural. Com base nesta fundamentação teórica e em trabalhos de campo e de gabinete, onde se destacam a interpretação de imagens de Satélite e Radar, foi possível a identificação de duas zonas e de cinco unidades geomorfológicas, bem como a proposição de uma seqüência evolutiva para o relevo da área em apreço. Aspectos da morfologia cárstica da Serra do Calcário – Cocalinho – MT Hardt, R. (2004). xii ABSTRACT This thesis is based on a study conducted in the “Serra do Calcário”(Limestone Mountain Range), located in the county of Cocalinho in the state of Mato Grosso; it was designed to provide a description of the geomorphology of the karst features observed and propose a model to explain its development, in an attempt to promote the understanding of the karst features found in the central-western part of Brazil. The theoretical background orienting the research was a systemic approach, specifically that of an open system of a process-response type. In the process-response open system approach adopted, the work of Scheidegger suggests that such features can be understood as part of a dynamic system based on the interrelationship of 5 principles: Antagonism, Instability, Catena, Selection and Structural Control. Based on this theoretical foundation, as well as work in the field and laboratory interpretation of satellite and radar images, it was possible to identify two zones and 5 geomorphologic features, as well as proposing a developmental sequence for the surface features of the area in question. Aspectos da morfologia cárstica da Serra do Calcário – Cocalinho – MT Hardt, R. (2004). 1 I – Introdução 1.1 – Objeto de estudo Os estudos sobre o carste têm seu berço no mediterrâneo (FORD; WILLIAMS, 1989), já com os antigos filósofos gregos e romanos que elaboraram as primeiras contribuições para o desenvolvimento das idéias sobre o carste. Ao longo dos séculos, algumas contribuições foram anexadas, mas o conceito de carste como parte da ciência geomorfológica surge a partir do século XIX, com estudos sistemáticos e a publicação de diversos trabalhos na Europa Central e Inglaterra, e com o surgimento da primeira “Sociedade de Cavernas”, em Viena, no ano de 1879 (SWEETING, 1973). A região de Kras, na Eslovênia, a primeira a ser sistematicamente estudada, determinou o surgimento do termo alemão Karst e o italiano Carso, dando origem ao nome carste. Provavelmente a palavra tem origem na língua pré-Indo-Européia, significando solo nu, pedregoso (SWEETING, 1973; BÖGLI, 1980). As formas naturais da mencionada região ficaram conhecidas como “fenômenos cársticos” e, por extensão, formas similares pelo mundo. Assim, o termo carste define as formas de relevo e os processos que dão origem a elas, onde quer que ocorram no mundo. Os terrenos cársticos são áreas com formas distintas, hidrologia tipicamente subterrânea, que se desenvolvem em rochas quimicamente solúveis e com porosidade secundária bem desenvolvida (JENNINGS, 1885; FORD; WILLIAMS, 1989). Os processos hidrológicos e químicos associados ao carste são mais bem compreendidos sob o ponto de vista sistêmico. Ford & Williams (1989) defendem que o carste pode ser visto como um sistema aberto, composto de dois subsistemas claramente integrados, o hidrológico e o geoquímico que atuam sobre as rochas cársticas. As formas cársticas são, portanto, conseqüência da inter-relação desses dois subsistemas. Estima-se que 12 % da superfície terrestre seja recoberta por rochas carbonáticas, que é a principal litologia onde ocorre o carste. Deste total, 7 a 10 % desenvolvem características cársticas significantes (Figura 1). Cerca de 25% da população mundial faz uso das águas provenientes de ambientes cársticos (FORD; WILLIAMS, 1989). Aspectos da morfologia cárstica da Serra do Calcário – Cocalinho – MT Hardt, R. (2004). 2 A análise da figura 1 permite constatar uma concentração de ambientes potencialmente cársticos na América do Norte e Central, e na Eurásia, todas posicionadas no hemisfério Norte. Figura 1: Cobertura de rochas carbonáticas sobre a superfície da Terra, segundo Ford & Williams (1989), modificado. 1.2 – O carste no território brasileiro O território brasileiro também apresenta relevos cársticos que foram objeto de estudo por naturalistas estrangeiros como Peter Wilhelm Lund (século XIX) e Richard Krone (início do século XX), o primeiro trabalhando em Minas Gerais e o segundo no Vale do Ribeira, no sul do estado de São Paulo. Em 1937, estimulados por publicações francesas, alunos da Escola de Minas de Ouro Preto (MG) fundaram o primeiro grupo dedicado à exploração de cavernas, dando início a Espeleologia de forma organizada. O grupo recebeu o nome de Sociedade Excursionista e Espeleológica (SEE), talvez o primeiro grupo deste tipo nas Américas. Nas décadas de 1970 e 1980 surgem os primeiros pesquisadores brasileiros que desenvolvem mestrado e doutorado sobre o carste, conseqüência da participação e formação Aspectos da morfologia cárstica da Serra do Calcário – Cocalinho – MT Hardt, R. (2004). 3 de grupos de exploração espeleológica dentro de universidades, como a Universidade de São Paulo e a Universidade Federal de Minas Gerais. Uma segunda geração de pesquisadores aparece nos anos 90, mas os estudos científicos sistemáticos sobre o carste, no Brasil, ainda são em pequeno número, se comparados aos de outros países que não possuem um carste tão desenvolvido quanto o nosso. O trabalho pioneiro de Karmann & Sanchez (1979) apresenta a distribuição das rochas carbonáticas no Brasil, delimitando províncias espeleológicas, que poderiam ser definidas em termos de províncias cársticas, e locais de maior incidência de cavernas nas áreas identificadas por eles. O trabalho deles de base, por muitos anos, para as pesquisas referentes a carste e cavernas no Brasil. Auler et al. (2001) elaboraram, com base no trabalho de Schobbenhaus et al. (1984), um mapa onde apresentam as áreas de ocorrência de rochas carbonáticas do Brasil, como também as identificam geologicamente (figura 2). Convém ressaltar que a quase ausência de áreas potencialmente cársticas no Norte e no Centro Norte do país pode estar associada apenas à ausência de pesquisas geológicas mais detalhadas. 1.3 – A área de estudo O Município de Cocalinho situa-se no leste de Mato Grosso, limitado a leste pelas margens do Rio Araguaia e, a Oeste, pelo Rio das Mortes. Conta com 5504 habitantes (IBGE – Censo de 2000). Tem uma área de 19.55l, 53 km2, estando limitado pelos municípios de São Félix do Araguaia, Ribeirão Cascalheira, Canarana, Água Boa, Nova Xavantina e Araguaiana, pelo Estado do Mato Grosso e Formoso do Araguaia, São Miguel do Araguaia, Nova Crixás, Aruanã, Britânia e Jussara, por Goiás. A área de estudo se localiza cerca de 65 km de distância da sede do município, pela estrada MT 326, sentido Água Boa, às margens do Rio das Mortes, localidade conhecida como “Serra do Calcário”. A área de estudo compreende uma serra calcária com aproximadamente 18 km de comprimento por 5 km de largura, alinhada no sentido E-NE, às margens do Rio das Mortes. A figura 3 vincula-se à localização do município e da área de estudo. Aspectos da morfologia cárstica da Serra do Calcário – Cocalinho – MT Hardt, R. (2004). 4 Figura 2: Áreas Cársticas Brasileiras segundo Auler et al. (2001). Modificado. Aspectos da morfologia cárstica da Serra do Calcário – Cocalinho – MT Hardt, R. (2004). 5 Figura 3: Localização da Área de estudo no contexto do país, do estado e do município. Coordenadas em UTM, Meridiano 22. Elaborado por R. Hardt. Área de Estudo N Aspectos da morfologia cárstica da Serra do Calcário – Cocalinho – MT Hardt, R. (2004). 6 1.4 – Objetivo De modo geral o presente trabalho teve-se por objetivo: � Elaborar um levantamento teórico sobre o conhecimento atual do carste; � Caracterizar geomorfologicamente o relevo cárstico observado em Cocalinho - MT, propor um modelo explicativo da sua evolução e, conseqüentemente, fornecer subsídios para a compreensão do relevo cárstico desenvolvido na região Centro- Oeste do Brasil; � Propor um modelo evolutivo que explique a atual configuração geomorfológica da área; � Fornecer subsídios para a compreensão do carste desenvolvido em território brasileiro a partir de estudo de caso da área denominada “Serra do Calcário”, no município de Cocalinho (MT). Para que o objetivo fosse atingido, optou-se por: � Levantamento e análise da documentação bibliográfica e cartográfica relativa ao tema e à área; � Elaboração da base cartográfica da área; � Elaboração de um mapa geomorfológico da área, identificando as principais unidades, a partir de interpretação de imagem de satélite Landsat TM7 pancromática, resolução de 15m e de mapas topográficos do IBGE, na escala de 1:100.000; � Desenvolvimento de trabalhos de campo; � Registro fotográfico dos tipos de feições geomorfológicas, com ênfase feições cársticas existentes em superfície e subsuperfície, na área especificada; � Aquisição de parâmetros morfométricos a partir da análise de mapas topográficos, de imagem de satélite e imagem de radar. Aspectos da morfologia cárstica da Serra do Calcário – Cocalinho – MT Hardt, R. (2004). 7 1.5 – Método, materiais e técnicas 1.5.1 – Método Este trabalho foi desenvolvido sob a ótica da abordagem sistêmica, mais precisamente a dos sistemas processo-resposta, sendo considerada a proposta de Scheidegger (1987), que preconiza a possibilidade de descrever qualquer sistema tomando-se por base a inter-relação de cinco princípios, o princípio do antagonismo, princípio da instabilidade, princípio de catena (cadeia), o princípio da seleção e o princípio do controle estrutural. Esses princípios e sua aplicação são discutidos no capítulo II, item 2.9. A abordagem de Scheidegger (1987) parte do princípio que os sistemas geomorfológicos não são cíclicos, mas trata-se de um aspecto momentâneo de forças externas e internas agindo concomitantemente, em que o relevo é instável, mas seleciona formas que tendem a ser estáveis (ou seja, a forma tende a ser a mesma, embora esteja em constante evolução, aumentando ou diminuindo de tamanho, ou suavizando linhas) Estas formas também acompanham, de maneira geral, a estrutura tectônica local. Permite-se, assim, tratar o relevo como um sistema em que as diversas formas encontradas na natureza são um "momentum" de uma evolução inter-relacionada dos processos exógenos e endógenos, que atuam de acordo com os princípios relacionados anteriormente. 1.5.2 – Materiais Os materiais utilizados para a elaboração deste trabalho constituíram-se de equipamentos diversos para campo, como GPS marca Garmin, modelo 45, mapas topográficos do IBGE – folhas SD-22-Y-B-II e SD-22-Y-B-III (ambas na escala 1:100000), bússola de Brunton, trena em fibra de vidro de 30m, martelo de geólogo, caderneta de campo, computador portátil Dell Latitude Cpi Pentium II 360MHz, Máquina fotográfica Laicom Press DV 3m (digital), máquina fotográfica Pentax MZM (tradicional), altímetro mecânico, equipamento para mergulho autônomo, lanternas, capacetes, iluminação a carbureto. Aspectos da morfologia cárstica da Serra do Calcário – Cocalinho – MT Hardt, R. (2004). 8 Em laboratório, utilizou-se computador Atlon 2.2, com monitor de 17 polegadas, imagem Landsat 7 com resolução de 15 m (pancromática) e 30m (bandas), softwares Autocad R14, Spring 4.0, Corel Draw 9.0 e processador de textos MS Word. 1.5.3 – Técnicas Para a elaboração do mapa geomorfológico utilizou-se imagem Landsat 7, mapas topográficos do IBGE, folhas SD-22-Y-B-II e SD-22-Y-B-III (1:100.000), imagem Mosaico de Radar dos projetos RADAM e RADAMBRASIL em formato digital e fotos feitas em campo. Inicialmente pensou-se na utilização da Legenda proposta por Nunes et al. (1995). Entretanto, diante das limitações impostas pela escala das bases cartográficas e produtos de sensores disponíveis, só foi possível a individualização de Zonas e Unidades. Diversas viagens a campo permitiram construir um acervo de dados sobre a área, com medições de distâncias e altitudes, fotografias, notas e croquis, bem como verificação de formas cujas dimensões impossibilitaram sua visualização na documentação cartográfica utilizada. Aspectos da morfologia cárstica da Serra do Calcário – Cocalinho – MT Hardt, R. (2004). 9 II – Fundamentação Teórica 2.1 – Perspectiva histórica Segundo Sweeting (1973), Jovan Cvijic foi o primeiro a escrever um tratado compreensível sobre o relevo cárstico, usando os termos Wannenlandschaft (paisagem de depressões) e blättersteppige (relevo interrompido) para descrevê-lo. Ainda segundo a autora, Penck freqüentemente referia-se ao relevo como unruhigen (desordenado). O nome carste somente é atribuído a esse tipo de relevo após ter sido relacionado com a região de Kras, na Eslovênia, primeiro local ele foi sistematicamente estudado, e que hoje é referido como o carste clássico (SWEETING, 1973; JENNINGS, 1985; FORD; WILLIAMS, 1989). Shaw (2000), Lowe (2000) e White (2000), em trabalhos publicados na mesma obra (KLIMCHOUK et al., 2000), sistematizam a evolução do estudo sobre a espeleogênese em quatro etapas: Shaw (2000), em levantamento sobre a história do conhecimento a respeito de formação de cavernas anterior a 1900, relata que quase todas as explicações sobre formação de cavernas em calcário usadas hoje foram sugeridas antes desta data, algumas bem detalhadas. Ele elabora uma cronologia de autores e fatos mais importantes, resumidos a seguir: 1756 - Alexander Catcott reconheceu que as cavernas eram resultado da ação da água, embora tenha atribuído tal água ao dilúvio bíblico; 1830 - Charles Lyell e Charles Edouard Thirria, atuando independentemente, perceberam a importância do dióxido de carbono para permitir que a água dissolvesse cavernas no calcário; 1870 - Franklin Evans entendeu que algumas cavernas eram formadas pela dissolução em águas subterrâneas; 1890 - Edouard Martel enfatizou a atividade de dissolução das águas vadosas e tornou esse conceito bem conhecido entre os espeleólogos; 1893 - Ferencz Pospný descreveu o movimento das águas subterrâneas e seus efeitos espeleogenéticos. Tais idéias foram desenvolvidas a partir desse ano por Edouard Dupont. Aspectos da morfologia cárstica da Serra do Calcário – Cocalinho – MT Hardt, R. (2004). 10 Na primeira metade do século XX, o grande avanço não foi no campo das idéias, mas sim na aplicação do método científico no estudo da espeleogênese (LOWE, 2000). Dois modelos de evolução do carste, com contribuições de diversos autores começaram a evoluir. Segundo Lowe (2000), o primeiro, defendido por Grund em 1903, mostrava que os aqüíferos cársticos podiam ser divididos em duas zonas, acima e abaixo do nível freático. Na zona inferior, a água estaria estagnada, enquanto na zona superior, estaria em movimento pelos condutos de cavernas. A idéia equivocada de que a água abaixo do nível freático estaria estagnada persistiu na mente de vários pesquisadores subseqüentes, que defendiam o mesmo ponto de vista. A outra idéia, defendida por Katzer em 1909, era que não havia nível freático e toda a água existente no carste corria por condutos e fissuras até ressurgir em um vale abaixo. Em 1918 Cvijic publicou um trabalho em que defendia a existência de três zonas hídricas em terrenos cársticos, a zona seca, a zona de transição e a zona saturada, sendo que a de transição seria aquela onde a maior parte do movimento da água subterrânea ocorreria, e que, portanto, deveria ser o foco das atenções no estudo do desenvolvimento das cavernas (LOWE, 2000). Em 1930 Davis ressaltava que as investigações sobre a origem das cavernas não deveriam conter deduções sobre características esperadas, mas observação mais detalhadas obre as características atuais. Lowe (2000) afirma que Davis foi provavelmente o primeiro a enfatizar as vastas escalas de tempo envolvidas na formação das cavernas. Swinnerton (1932 apud LOWE, 2000), apesar de admitir que a dissolução pudesse ocorrer em zonas freáticas profundas, acreditava ser esse fato de menor importância, defendendo que a dissolução ocorreria principalmente na oscilação do nível freático. Em 1932, Lehmann retoma as idéias de Katzer e Martel sobre a inexistência, ou, caso existisse, da pouca importância do nível freático, propondo que o desenvolvimento de cavernas só poderia ocorrer se houvesse cavidades iniciais com pelo menos 2mm. Também propunha que cavidades cársticas são independentes e desligadas umas das outras. Embora não fosse correta, a teoria serviu para gerar debates, incentivando novas pesquisas. Em 1935 Gardner elaborou hipóteses sobre a formação de cavernas acima do nível freático, enquanto em 1939, Laptev descrevia a natureza do efeito de corrosão de mistura. Em 1941 Rhoades & Sinacori publicaram um trabalho teórico sobre a modificação do fluxo de água subterrânea em função do crescimento regressivo de uma caverna no nível freático (LOWE, 2000). Em 1942 Bretz foi o primeiro pesquisador a descrever a formação de cavernas acima ou abaixo do nível freático, e, tomando emprestado termos de outros geomorfólogos, referiu- se àquelas situações como zonas freáticas e vadosas (LOWE 2000). Aspectos da morfologia cárstica da Serra do Calcário – Cocalinho – MT Hardt, R. (2004). 11 Após esse período, White (2000) propõe o início do período moderno, em que o controle saísse do nível freático, partindo para investigações sobre os processos e mecanismos do desenvolvimento de cavernas. Segundo o autor, os avanços conceituais mais importantes foram: • Ênfase renovada nos controles pela estrutura geológica; • Reconhecimento de que as cavernas fazem parte da hidrogeologia dos aqüíferos carbonáticos; • Compreensão ampliada do equilíbrio químico e cinético da dissolução de rochas carbonáticas. Ainda, segundo White (2000), desenvolvimentos conceituais mais recentes estão relacionados ao reconhecimento de que existem cavernas halóclinas (devido à mistura de águas saturadas doce e salgada, próximo aos oceanos), cavernas hidrotermais (formadas por nascentes térmicas) e cavernas geradas por dissolução do ácido sulfúrico, todas resultantes de mecanismos distintos do desenvolvimento relacionado à água subterrânea associada ao ácido carbônico. White (2000) descreve as idéias atuais como provenientes de três aproximações diferentes a partir da perspectiva da geologia; da perspectiva da hidrologia cárstica e da perspectiva da química e da mecânica de fluidos. Destaca, ainda, que as três perspectivas são necessárias para compreensão da espeleogênese. Tais conceitos poderiam ser vinculados a um período contemporâneo. 2.2 – O conceito de carste O conceito de carste, assim como o de conhecimento científico em geral, vem evoluindo com o tempo. Assim, os primeiros estudos aconteceram na Eslovênia, e estavam diretamente relacionados à rocha calcária. Em conseqüência, a litologia esteve intimamente ligada à definição de carste durante boa parte do tempo em que se pesquisa, cientificamente, o carste. Derruau (1965) define carste como um tipo de relevo calcário onde preponderam os processos de erosão por dissolução. Não seria carste se as formas de dissolução estivessem ausentes ou subordinadas a outros processos erosivos. No entanto, o autor considera a existência de carste em outras litologias, como a gipsita, passível de sofrer os mesmos processos. Aspectos da morfologia cárstica da Serra do Calcário – Cocalinho – MT Hardt, R. (2004). 12 Sweeting (1973) determina que a característica essencial das áreas cársticas é a presença de drenagens verticais e subterrâneas. Na introdução de seu trabalho, afirma, categoricamente, que “All karst regions are areas of massive limestones.” (SWEETING, 1973, pag. 1). No mesmo trabalho elabora um glossário em que define carste como uma forma de relevo controlada por dissolução, caracterizada por uma morfologia de superfície exclusiva, drenagem subterrânea e feições de colapso, e que se desenvolve especificamente em calcário. Bögli (1980) atribui a formação das paisagens cársticas à ocorrência de rochas específicas, que devem ser solúveis e praticamente não deixar resíduos, de forma que os interstícios alargados pela dissolução permaneçam abertos, o que é um pré-requisito para o estabelecimento de uma drenagem subterrânea característica. Considera rochas carstificáveis apenas os evaporitos, as rochas carbonáticas e o quartzito, esta última apenas sob condições tropicais de extrema umidade. Jennings (1985) define carste como um terreno com formas de relevo e drenagens distintas, surgidas devido à grande solubilidade de rochas em água natural. Interessante notar que o autor defende que a solubilidade não é necessariamente o processo prevalente ou dominante, mas desempenha, neste tipo de paisagem, um papel mais importante do que em qualquer outra. Para White (1988), as paisagens cársticas são criadas pela dissolução química da rocha encaixante. As formas de relevo características dos relevos cársticos são as depressões fechadas, de variados tamanhos e arranjos, drenagens de superfície interrompidas e cavernas e drenagens subterrâneas. Também afirma que o carste ocorre em rochas carbonáticas, gipsita e, em extensão menor, em algumas outras rochas, sem, no entanto, especificá-las. Ford & Williams (1989) definem carste como um terreno com formas de relevo e hidrologia distintas, decorrentes de uma combinação entre rochas com alta solubilidade e porosidade secundária bem desenvolvida. Também afirmam que as formas distintas, acima e abaixo do solo, que são características do carste, resultam da dissolução ao longo dos caminhos providos pela estrutura. Também ressaltam que o carste deve ser compreendido como um sistema. A definição mais recente caracteriza o carste como um sistema integrado para a transferência de massa em rochas solúveis, com permeabilidade estrutural dominada por canalículos oriundos da dissolução da rocha, e cuja organização facilita a circulação de fluidos. (KLIMCHOUK; FORD, 2000a). É importante notar, nessa definição, a não ligação com uma litologia específica. Aspectos da morfologia cárstica da Serra do Calcário – Cocalinho – MT Hardt, R. (2004). 13 Christofoletti (1980), define carste como áreas calcárias ou dolomíticas com uma topografia característica, oriunda da dissolução de tais rochas. Considera como aspecto principal de uma área cárstica as drenagens predominantemente verticais (ou seja, a água penetra mais facilmente no subsolo do que corre em superfície) e subterrâneas. Kohler (1998) assume que feições cársticas são todas as formas de relevos elaborados, sobretudo pelos processos de corrosão (química) e de abatimentos (físicos), exemplificando-os com dolinas e uvalas. Karmann (2000) caracteriza o sistema cárstico através de três componentes principais: os sistemas de cavernas, aqüíferos de condutos e o relevo cárstico (formas superficiais). Da série de definições apresentadas acima, pode-se concluir que o carste deve ser tratado em termos de sistema composto por formas de relevo superficiais e subterrâneas específicas, que possui características hidrológicas distintas, dependente de características litológicas que permitam dissolução química, subordinadas a características estruturais que determinem porosidade, principalmente porosidade secundária. Para ser entendido, um sistema cárstico deve ser estudado sob o ponto de vista geológico, tanto da rocha em si quanto da estrutura que ela apresenta. Também é necessário entender a química do carste, pois é um componente essencial para o desenvolvimento do sistema. Como a água se comporta no sistema também é um fator relevante. Os processos geomorfológicos agindo sobre esses fatores vão determinar as formas de relevo características, que determinam esse tipo de relevo. Portanto, o relevo cárstico é conseqüência desse conjunto de fatores e processos. Em síntese, para este trabalho será considerado relevo cárstico aquele composto de formas de relevo e hidrologia características, conseqüência de processos geomorfológicos com influência decisiva, mas não necessariamente preponderante, da atividade química e estrutural da rocha encaixante, integrados em um sistema que facilita a transferência de massa através da circulação de fluidos. Termos como pseudocarste, outrora utilizado para qualquer litologia que não o calcário, somente será considerado para aqueles ambientes em que as formas similares ao carste, existentes em qualquer tipo de rocha, não sofreram ação química, ou quando esta tenha sido irrisória na origem de tais formas. Também serão adotados os termos exocarste para referência às formas cársticas de superfície, endocarste, para as formas cársticas subterrâneas, e epicarste, para as formas cársticas que se originadas do contato rocha-solo. Aspectos da morfologia cárstica da Serra do Calcário – Cocalinho – MT Hardt, R. (2004). 14 2.3 – Química do carste Quando uma rocha dissolve seus diferentes minerais ou parte deles, desintegra-se em íons individuais ou moléculas que se difundem pela solução. O estudo da dissolução enfoca minerais específicos e não a rocha constituída por estes (FORD; WILLIAMS, 1989). A química do carste aqui considerada será tratada em relação aos minerais que constituem as rochas, não a das rochas em si. A química da dissolução no ambiente cárstico depende de alguns fatores, como os tipos de ácido disponíveis e a litologia que sofrerá a ação desses ácidos. No carste clássico, que ocorre em calcários, a água da chuva absorve o gás carbônico contido na atmosfera e se torna levemente acidulada, pela reação da água com o gás carbônico. A reação pode ser expressa pela fórmula abaixo: H2O + CO2 � H2CO3 Água + gás carbônico � Ácido carbônico O ácido carbônico também se apresenta dissociado em seus íons constituintes. Quando em contato com o carbonato de cálcio que constitui o calcário, o ácido carbônico reage de acordo com a fórmula: H2CO3 + CaCO3 � Ca(HCO3)2 Ácido Carbônico + Carbonato de cálcio � Bicarbonato de cálcio O bicarbonato de sódio é solúvel na água e pode ser facilmente carreado para fora do sistema. Ambas as reações são reversíveis e, eventualmente, o sistema entra em equilíbrio (JENNINGS, 1985). Considera-se congruente uma dissolução, quando todos os componentes de um mineral se dissolvem. A tabela 1 apresenta as reações de dissolução congruente para uma gama de minerais. A dissolução é incongruente quando apenas parte dos minerais componentes se dissolvem. Os minerais associados ao carste são congruentes em condições normais. Soluções incongruentes do dolomito e precipitação de calcita podem ocorrer em algumas condições excepcionais (FORD; WILLIAMS, 1989). O carste pode evoluir sobre rochas com minerais que possam ser dissolvidos. Se a dissolução é congruente, o carste evolui com mais rapidez, e as formas ficam mais nítidas e evidentes. Se a dissolução é incongruente, os resíduos decorrentes da dissolução da rocha irão formar solos e depósitos diversos, que poderão ocultar ou modificar a aparência do relevo, tornando menos evidente a existência do carste sobre determinada área. Aspectos da morfologia cárstica da Serra do Calcário – Cocalinho – MT Hardt, R. (2004). 15 Mineral Reação de dissociação Solubilidade em pH 7 (mg l-1) Faixa de abundância em águas meteóricas (mg l -1) Gibbsita Al2O3 . 2H2O + H2O = 2Al3+ 6 OH- 0.001 Traços Quartzo SiO2 + 2H2O = Si(OH)4 12 1-12 Sílica amorfa SiO2 + 2H2O = Si(OH)4 120 1-65 Calcita CaCO3 = Ca2+ + CO3 2- 100*, 500# 10-300 Dolomita CaMg(CO3)2 = Ca2+ + Mg2+ + 2CO3 2- 90*, 480# 10-300 (como CaCO3) Gipsita CaSO4 .2H2O = Ca2+ + SO4 2- + 2H2O 2400 0-1500 Silvita KCl = K+ Cl- 264000 0-10000 Mirabilita Na2SO4.10H2O = 2Na+ SO4 2- + 10 H2O 280000 5-10000 Halita NaCl = Na+ + Cl- 360000 5-10000 *Pco2 = 10-3 bar #Pco2 = 10-1 bar Tabela 1: Reações de dissociação e solubilidade de alguns minerais representativos que dissolvem congruentemente em água, aos 25o C e 1 bar (105 Pa) de pressão. (Modificado de FORD; WILLIAMS, 1989). 2.4 – Hidrologia cárstica Formações rochosas que, economicamente, armazenam, transmitem e produzem quantidades significantes de água são conhecidas como aqüíferos. Os aqüíferos cársticos, assim como outros, podem ser confinados, não confinados e suspensos (FORD; WILLIAMS, 1989). Entende-se por aqüífero confinado aquele que tem, em seu limite superior, uma camada de rocha impermeável. Os suspensos são aqüíferos com a base em uma camada de rocha impermeável, que o mantém acima do nível de base local. Já os não confinados não possuem acima, rochas impermeáveis para confiná-los, e o embasamento impermeável permite que este esteja no nível de base local. Os aqüíferos têm, ainda, três zonas distintas: a zona vadosa ou não saturada, a de oscilação (epifreática ou de inundação) e zona saturada ou freática. Essas zonas podem ser subdivididas, de acordo com Ford & Williams (1989), conforme apresentado no quadro 1. Os autores ressaltam, no entanto, que nem todas as zonas estão presentes em todo aqüífero cárstico. Uma das características mais marcantes do carste é a alteração de permeabilidade com o tempo. Quando da formação da rocha o sedimento carbonático se deposita, e adquire uma porosidade primária, que é praticamente eliminada durante a compactação ou a cimentação diagenética. A preservação da porosidade primária, nesses casos, é uma exceção, e não a regra. No entanto, processos químicos diagenéticos posteriores, como a dolomitização e Aspectos da morfologia cárstica da Serra do Calcário – Cocalinho – MT Hardt, R. (2004). 16 subseqüente fraturamento pela tectônica, resulta no aparecimento de porosidade secundária, que é ampliada consideravelmente pela dissolução cárstica ao longo das fissuras penetráveis pela circulação da água subterrânea. Os vazios podem continuar a se alargar enquanto persistir a circulação da água subterrânea (FORD; WILLIAMS, 1989). 1 Zona não saturada (vadosa) 1a Solo 1b Subcutânea (zona epicárstica) 1c percolação por drenagem livre 2 Zona de oscilação (epifreática ou de inundação) 3 Zona saturada (freática) 3a Zona freática rasa 3b Zona freática profunda 3c Zona freática estagnada Cada uma delas pode ser atravessada por cavernas, permanentemente alagadas na zona 3 Quadro 1: Zonas hidrológicas no carste, de acordo com Ford & Williams (1989), modificado. Klimchouk & Ford (2000a) definem uma escala hierárquica de estruturas direcionadoras de fluxo aquático, que podem ser reconhecidas em rochas cársticas. Em uma primeira escala são: • Poros na rocha matriz – pequenos vazios intergranulares ou entre cristais. • Fissuras – descontinuidades como planos de acamamento, juntas e falhas nas quais as aberturas (largura) são insignificantes em relação ao comprimento. • Condutos – aberturas alongadas planares ou tubulares onde as larguras são proporcionalmente significantes em relação ao comprimento. • Cavernas, que são vazios aparentemente isolados, de forma irregular e diâmetro de conduto em diversas ordens de magnitude. Em um segundo grau de grandeza, os diversos vazios se combinam em proporções diversas para formar corpos subterrâneos de águas, chamados de aqüíferos, que são separados em categorias, de acordo com o tipo predominante de vazio, sendo chamados de aqüífero poroso, aqüífero fissural, aqüífero em matriz de fissuras e aqüíferos canalículo-fissural. Ainda segundo Klimchouk & Ford (2000a), a terceira escala de importância hidrogeológica refere-se ao modo como os aqüíferos elementares estão arranjados em relação ao acamamento sedimentar, ou seja, podem ser estratiformes, intraestratal ou interestratal. Estão distribuídos através de seqüências de rochas, sem qualquer alinhamento com planos de acamamento ou qualquer outro tipo de camada. Estão no interior de rochas não estratificadas. Os estudos sobre fluxo de água em meio subterrâneo costumam se basear na lei de Darcy. Henri Darcy formulou as bases para descrever o fluxo subterrâneo em meio poroso Aspectos da morfologia cárstica da Serra do Calcário – Cocalinho – MT Hardt, R. (2004). 17 (num primeiro momento, referindo-se ao fluxo subterrâneo nos interstícios granulares de um aqüífero arenoso), originalmente definido como: Q=kS[(H+e)/e], onde: Q é o volume de água que flui por unidade de tempo, S é a área do acamamento, e é a espessura do acamamento, H é a altura da água no topo do acamamento e k é um coeficiente que depende da natureza da areia. A lei foi estendida e a fórmula modificada para incluir o fluxo de fluidos, baseado na assertiva de que o fluxo é laminar e a inércia pode ser ignorada. É atualmente expressa como: V=p(h/l), onde: V é a velocidade, h é a altura piezométrica, l é o comprimento do fluxo entre dois pontos dados e p é o coeficiente de permeabilidade do aqüífero. Portanto, a lei, atualmente, descreve a taxa de fluxo de fluido homogêneo através de meio poroso isotrópico, como sendo proporcional e em sentido da força diretiva (WHITTOW, 2000). É fácil observar que, pela própria definição, essa lei não é plenamente aplicável ao carste, pois a porosidade secundária, ou ainda, a porosidade de condutos (terciária) torna a porosidade do meio não isotrópica. Assim, o estudo da hidrologia cárstica é regido por características próprias, diferenciando-se dos aqüíferos em outros meios. Essas características, são, basicamente, uma mescla, em maior ou menor grau, de fluxo difuso; sujeito portanto às leis de Darcy, com o fluxo em conduto, não sujeito a essas leis. Isso provoca uma grande dificuldade quando se tenta elaborar uma lei única. As tentativas para se estabelecer tal lei resultam numa aplicabilidade localizada. Assim, para elaboração de um modelo que será aplicado a um dado sistema (que não necessariamente se aplicará a outros), é preciso medir o comportamento do fluxo subterrâneo no sistema, avaliar as dimensões dos condutos e suas interconexões, como se dá a recarga do sistema, a porosidade da rocha encaixante, entre outros fatores para se conseguir elaborar um modelo. O fluxo de água em pequenos tubos foi estudado por Hagen em 1839 e, posteriormente, por Poseuille, em 1846. Eles descobriram que o fluxo de água ou descarga específica era proporcional à perda da coluna d’água por fricção, ao longo do túnel (GILLIESON, 1996). Aspectos da morfologia cárstica da Serra do Calcário – Cocalinho – MT Hardt, R. (2004). 18 Sob condição de fluxo laminar em pequenos tubos, a descarga por unidade de comprimento pode ser calculada usando a equação de Hagen-Poseuille (VENNARD; STREET apud GILLIESON, 1996): Q=(πd4ρg/128µ).(dh/dl) Onde: Q é o volume de água que flui por unidade de tempo, dh/dl é a perda da coluna d’água em uma unidade de comprimento, d é o diâmetro do tubo, µ é a viscosidade cinemática da água, l é o comprimento do tubo e ρ é a densidade da água fresca. Disso pode-se deduzir que grandes tubos são muito mais condutivos que pequenos. Um tubo com 1 mm de diâmetro conduzirá o mesmo fluxo que 10000 capilares de 0.1mm de diâmetro. Isso significa que um tubo isolado, que atinja determinada dimensão, vai rapidamente capturar o fluxo dos condutos de diâmetro menor, fato de grande importância para o desenvolvimento de uma rede de cavernas. Quando um tubo atinge uma determinada dimensão, então o fluxo se torna turbulento, e um limiar é ultrapassado para além dos limites da equação de Hagen-Poseuille, tornando-a inválida; e a descarga é melhor estimada pela equação de Darcy-Weisbach (GILLIESON, 1996). Gillieson (1996) relata ainda, que aparentemente a fricção mostra uma queda rápida e exponencial com o aumento da descarga, até que um valor constante seja atingido. A fricção é afetada pela dimensão do tubo, rugosidade das paredes e a complexidade da geometria dos condutos, incluindo a presença de rupturas. Segundo White (1988), há três componentes nos sistemas hidrológicos cársticos: 1. O aqüífero. 2. Os caminhos da bacia de superfície. 3. Os caminhos da bacia subterrânea. O mesmo autor afirma que as bacias subterrâneas são definidas pela relação entre os sumidouros e os pontos de descarga. A bacia subterrânea está relacionada com a bacia de superfície, porque os caminhos apresentados pelo sistema de condutos são rotas alternativas ao fluxo do sistema de canais de superfície. Em alguns casos, os limites das bacias de superfície e de subsuperfície são idênticos, com os condutos subterrâneos servindo meramente Aspectos da morfologia cárstica da Serra do Calcário – Cocalinho – MT Hardt, R. (2004). 19 como rota alternativa. Em geral, no entanto, bacias subterrâneas não são precisamente congruentes com as bacias de superfície (WHITE, 1988). O desenvolvimento de aqüíferos cársticos depende, principalmente, de controles geológicos, geomorfológicos, climáticos e biológicos. A relação desses fatores de controle com as características físicas de um aqüífero, como a porosidade, a condutividade hidráulica e capacidade de armazenamento, é ilustrada esquematicamente na figura 4. Fatores geomorfológicos, climáticos e biológicos também determinam as condições-limites do aqüífero através do controle dos locais e quantidade de carga e descarga (FORD; WILLIAMS, 1989). A análise da figura 4 nos mostra que os fatores geomorfológicos estão em estreita ligação com os fatores geológicos e com os fatores climáticos e biológicos. Interessante notar que os autores não associam os fatores geomorfológicos estreitamente com os processos químicos, sendo essa ligação muito mais forte com a geologia e com os fatores climáticos e biológicos. Vê-se ai uma tendência atual de considerar o fator químico importante, mas não o único ou principal, na evolução de um modelado cárstico. Os fatores geomorfológicos recebem influência direta e influenciam os fatores geológicos e os fatores climáticos e biológicos, sendo a participação dos processos químicos menos importante. As condições limitantes do aqüífero e a distribuição dos vazios recebem influência direta dos fatores geomorfológicos. Partindo-se destas constatações, pode-se descrever um relevo cárstico observando-se os componentes geológicos e os fatores climáticos e biológicos, com algum condicionamento por parte dos processos químicos. Como estes fatores dependem de outros, não se pode desconsiderá-los, mas sua importância é reduzida. A ênfase desta figura está na descrição da hidrologia de um sistema cárstico, se for feita uma reorganização visando a geomorfologia, a única ligação direta entre a hidrologia e a geomorfologia se dá através dos processos químicos, e essa ligação é precária. Depreende-se, portanto, que a geomorfologia é muito mais importante para a compreensão do sistema hídrico do que o sistema hídrico para a compreensão da geomorfologia, restringindo-se, esta última, a favorecer a ocorrência de processos químicos, responsáveis por condicionar o aparecimento de formas cársticas. Essa aparente falta de importância ganha interesse se considerarmos que o sistema hídrico promove uma realimentação dos processos químicos, que estão mais diretamente ligados a geomorfologia. Aspectos da morfologia cárstica da Serra do Calcário – Cocalinho – MT Hardt, R. (2004). 20 Figura 4: Relação esquemática entre fatores hidrológicos, propriedades físicas do aqüífero e características geológicas do carste (FORD; WILLIAMS, 1989). Modificado. Descrição Regional Balanço aquático; Hidrografia das nascentes; reservas, recursos, estatísticas, tendências. Descrição local Direção do fluxo d’água gravitacional, volume, temperatura, química, espessura do aqüífero, permeabilidade, porosidade. Sistemas Subterrâneos de Fluxo Velocidade de filtragem e potencial hidráulico. Equações Hidrodinâmicas de Fluxo (Modelos de simulação) Condições Limitantes Recarga, descarga, posição das nascentes. Características físicas Distribuição dos vazios Orientação, freqüência, abertura, extensão. Processos Químicos Dissolução, deposição. Fatores Geológicos Geoquímica, paleogeografia. Fatores Geomorfológicos Relevo (altitude, vertentes, fenômenos cársticos), organização da drenagem em superfície e no subterrâneo. Fatores Climáticos e Biológicos Temperatura, precipitação, solos, vegetação, sazonalidade, evapotranspiração. Realimentação Aspectos da morfologia cárstica da Serra do Calcário – Cocalinho – MT Hardt, R. (2004). 21 2.5 – Influência da estrutura Sendo a água um dos principais agentes modificadores da paisagem e o carste um tipo de relevo que permite a água escoar-se rapidamente para o meio subterrâneo, formas tectonicamente definidas tendem a permanecer aparentes no relevo devido à erosão diferencial. Sem fluxos de superfície e com a minimização dos processos associados ao recuo das vertentes, os topos dos interflúvios são minimamente erodidos, e o alargamento dos vales se processa muito lentamente (JENNINGS, 1985). É evidente que a estruturação da rocha é fundamental, pois a existência de porosidade secundária, diretamente ligada ao tectonismo, faz com que a ação da água se dê no subterrâneo, dando origem, por exemplo, às cavernas, componentes subterrâneos do relevo. Entre os diversos fatores que vão determinar as características do relevo, pode-se relacionar a estrutura da rocha (dependendo da granulometria), porosidade, presença de maior ou menor conjunto de fissuras e fraturas, presença de impurezas na formação da rocha, mergulho das camadas e ocorrência de dobras. Bögli (1980), associa o desenvolvimento dos condutos de cavernas ao plano de acamamento associado ao conjunto de dobras, falhas e fraturas, elaborando um esquema do desenvolvimento de condutos. Alguns elementos do carste da região de Prudente de Morais estão associados à evolução dos maciços, distribuídos segundo condicionante estrutural, formando uma malha de diáclases alargadas, decorrentes da dissolução de diáclases cruzadas, individualizando formas quadrangulares sub-horizontalizadas (MOURA 1992). Estudando o carste das montanhas Matumbi, na África, Ruggieri (1997) demonstra que ele está relacionado a um soerguimento tectônico, associado a um sistema de falhas NNE- SSW e NW-SE, condicionando algumas formas de relevo. Durão (1998) relaciona a inclinação das cavidades existentes nas bacias hidrográficas dos córregos Piraputanga e Cachoeirinha, localizadas no município de Cáceres (MT), com o mergulho das camadas litológicas. Como se trata de um vale anticlinal, as cavidades de um lado do vale se apresentam em mergulho oposto às cavidades existentes no outro lado. Vários dos abismos mais profundos do mundo estão localizados em áreas de falhas, onde o processo de erosão química é auxiliado pelo colapso periódico devido à fraqueza produzida por grupos de falhas e o aumento da permeabilidade associada (GILLIESON 1996). O mesmo autor relaciona passagens principais de cavernas que drenam ao longo de uma direção, com anticlinais, afirmando que a extensão de juntas nessas localidades Aspectos da morfologia cárstica da Serra do Calcário – Cocalinho – MT Hardt, R. (2004). 22 promovem grande dissolução, citando diversos exemplos. Sinclinais também são abordados pelo mesmo autor, influenciando a direção da drenagem cárstica. Gillieson (1996) relaciona, ainda, a existência do maior salão subterrâneo conhecido, (salão Sarawak, em Lubang Nasib Bagus, na Indonésia, com um volume aproximado de 12 milhões de metros cúbicos, e dimensões do solo de 600m por 415m) á uma estrutura de dobramentos e falhas. Para Klimchouk & Ford (2000b), os controles litológicos e estruturais relacionados a espeleogênese são complexos, especialmente em rochas carbonáticas. Esses evoluem por todo o processo, desde a sedimentação, eogênese, mesogênese e telogênese e podem mudar drasticamente entre esses estágios. A estrutura da litologia onde se encontra um relevo cárstico está então, diretamente relacionada à ocorrência de formas cársticas, desde um nível microscópico, devido à cristalização da rocha, até um nível macro, relacionado a grandes movimentos tectônicos. Estudos litológicos e tectônicos são, portanto, necessários para a compreensão de um sistema cárstico. 2.6 – Influência do clima A influência do clima no modelado do relevo é reconhecida já há vários anos. No entanto, uma grande discussão persiste sobre a relevância dos elementos climáticos na determinação das formas. No carste, tal discussão é ainda mais acirrada, pois sua evolução requer um mínimo de condicionantes estruturais, que muitas vezes determinam as principais formas de relevo. Chorley et al. (1984) declaram que a característica morfométrica, que parece ser diagnóstica de influências climáticas, é a densidade de drenagens. As influências podem agir diretamente (por exemplo, pela intensidade da precipitação), ou indiretamente (por exemplo, pela vegetação). É evidente que tal característica é fundamental no carste. Já foi vista a importância da disponibilidade de água para a evolução da paisagem cárstica, e sabe-se que sua hidrologia tem características próprias. Portanto, em havendo maior disponibilidade de água líquida, sem a consideração de outros fatores, é de se esperar um carste mais desenvolvido. Outro fator climático importante é a temperatura. Ford & Williams (1989) relatam a importância da temperatura para a capacidade da solução química de dissolver mais, ou menos, carbonato de cálcio. A 25o C, a solubilidade da calcita na água equilibrada em Aspectos da morfologia cárstica da Serra do Calcário – Cocalinho – MT Hardt, R. (2004). 23 atmosfera padrão (Pressão CO2 = 0.03%) é de 55 mg l-1. Esse valor aumenta para 75 mg l-1 a 0o C. No entanto, o interessante estudo de Junshu et al. (1997) mostra, que nos ambientes cársticos da China, a temperatura de 15º C é um marco onde, tanto temperaturas maiores, quanto temperaturas menores, aumentam a dissolução do calcário. Os autores oferecem como possível explicação a cinética de dissolução, que aumentaria com o aumento da temperatura, compensando a diminuição de solubilidade em função da temperatura. Tanto Jennings (1985) quanto Ford & Williams (1989) concordam que a principal influência do clima no carste é a presença ou ausência de água líquida no sistema. Havendo disponibilidade de água líquida, o carste tem condições de se desenvolver bem. Caso não ocorra, haverá um menor desenvolvimento do carste. No ambiente terrestre, são duas as circunstâncias em que falta água líquida no sistema: em regiões desérticas e em regiões extremamente frias. Para Jennings (1985), o relevo cárstico existente em áreas extremamente quentes e secas quase sempre se apresenta pobremente desenvolvido, com poucas formas aqui e ali para quebrar a monotonia. Teoricamente ele atribui a expectativa à ausência de água, de vegetação, e de dióxido de carbono no solo. Ford & Williams (1989) complementam a idéia ao relacionar a ocorrência de solo pouco espesso e fragmentado ao clima seco, sendo, então, menos influente na infiltração e no armazenamento de mistura que, em regiões úmidas, tem também reduzida a sua significância como fonte de CO2. Estudando o carste de Bom Jesus da Lapa (BA), Tricart & Cardoso da Silva (1960) relacionam a evolução do carste a uma combinação de clima e pureza das rochas, que leva a inexistência do solo sobre as rochas e, apesar da pouca umidade, faz com que a pouca chuva que cai aja diretamente sobre o carbonato de cálcio, alargando as fendas e produzindo uma variedade de lapiás. As conseqüências morfológicas desses fatores, segundo Ford & Williams (1989), variam de acordo com a litologia. Em rochas mais solúveis, como gesso ou halita, a influência de condições sub-úmidas é menos crítica que nos carbonatos. De fato, ressaltam os autores, as melhores expressões de carste em evaporitos são encontradas em ambientes relativamente secos. Passando para o frio extremo, têm-se grandes áreas cobertas de gelo, onde, a ausência de água líquida praticamente impede o desenvolvimento do carste, prevalecendo formas de relevo associadas ao gelo. O carste, no entanto, pode se desenvolver, e bem, em áreas Aspectos da morfologia cárstica da Serra do Calcário – Cocalinho – MT Hardt, R. (2004). 24 periglaciais, onde, em parte do ano, existe água líquida. Nesse caso, a baixa temperatura da água é até uma vantagem, pois em baixas temperaturas, a água é mais eficiente na dissolução do calcário. Ford & Williams (1989) elaboraram um quadro em que os efeitos da ação glacial sobre o carste são representados (quadro 2). Destrutivos, perturbadores: (1) Apagar – karren e resíduos. (2) Dissecação – de sistemas integrados e canalículos. (3) Preenchimento – de karren, dolinas e formas de entrada; aluvionamento de nascentes. (4) Injeção – de sedimentos clásticos em sistemas de cavernas. Inibitivos: (5) Escudo – depósitos ricos em carbonatos ou sulfatos protegem a superfície da dissolução pós-glacial. Preservativos: (6) Selagem – depósitos ricos em argila selam e confinam aqüíferos epicársticos. Estimulativos: (7) Direcionando entradas, aumentando a coluna d’água – com a superimposição dos fluxos glaciais ou aqüíferos. (8) Rebaixando a elevação das nascentes – por entrincheiramento glacial. (9) Possível injeção profunda – de águas glaciais mescladas/subterrâneas quando as camadas rochosas estavam sendo flexionadas durante rebatimento ou depressão crustal? Quadro 2: Efeitos dos glaciares sobre sistemas cársticos, segundo Ford & Williams (1989), modificado. Observa-se que existem, ainda, lacunas no conhecimento da ação do clima sobre o carste. Na maioria dos trabalhos consultados pouco se fala sobre a ação climática, e muitas vezes sequer é citada. Interessante notar, também, que poucos autores levam em consideração a variabilidade de temperatura para estudos do carste. Com raras exceções, os estudos se atêm mais à disponibilidade de água que à capacidade de dissolução em função da temperatura. Existe, no entanto, uma variedade de estudos sobre o clima em cavernas. O interesse parece se concentrar na variabilidade climática no interior de uma caverna, ou em um sistema de cavernas, pouco importando, para os pesquisadores atuais, o clima no ambiente cárstico como um todo e sua influência no desenvolvimento do carste. A pesquisa sobre clima e carste parece ter estancado com a constatação que certas tipologias de carste ocorrem, principalmente, sobre determinados climas. Assim, Sweeting, em 1973, já traçava as bases de uma classificação dos tipos de carste, atribuindo certas características a determinados climas. Trabalhos mais recentes, como o de White (1988), apenas complementaram essa classificação. A contrapartida, isto é, o estudo do clima através do carste já é mais freqüente. Lauritzen (1993) demonstra como esse tipo de estudo pode auxiliar na compreensão das Aspectos da morfologia cárstica da Serra do Calcário – Cocalinho – MT Hardt, R. (2004). 25 mudanças climáticas sofridas por um determinado ambiente no passado, usando, para isso, a análise de isótopos em espeleotemas. 2.7 – Solos sobre o carste Gillieson (1996) chama a atenção para o fato de que muitos livros sobre o processo de dissolução do calcário tendem a se concentrar na química e na hidrologia, especialmente na parte do processo que ocorre no interior dos condutos. A camada de solo sobre muitas áreas de calcário tem um papel central nos processos cársticos, porque controla a infiltração e armazenagem da água, atuando como um gerador de CO2, ou porque pode prolongar a dissolução. O Carste se apresenta, em geral, com um solo pobre porque a formação de solo sobre o ambiente cárstico deve-se, principalmente, à litologia e aos processos de intemperismo associados. Uma vez que os minerais da rocha são diluídos em solução aquosa, eles são transportados, em geral, para fora do sistema, implicando uma perda de massa e não formação de solo. A existência de solo sobre o carste se explica, então, pelas impurezas em meio aos minerais formadores da rocha. Assim, quanto mais puro for o calcário, menos espesso será o solo. Se, por outro lado, houver grande quantidade de impurezas na rocha, então o solo poderá ser mais espesso. Ciric (apud Piló 1998), com base em estudos feitos na Suíça, Alemanha, Bulgária, Paquistão e Iugoslávia, demonstra a dependência entre o tipo de solo e o modo de alteração da rocha calcária. Os calcários dolomitizados ou margosos (30 a 40 % de resíduos) teriam uma maior intensidade de formação e seriam mais profundos, se comparados com solos desenvolvidos em calcário puro, com lenta intensidade de formação e perfil raso (tabela 2). Elementos Comparativos: Características do intemperismo Manto de alteração Fase primária do desenvolvimento Intensidade de formação Espessura nos primeiros estágios Desenvolvimento de processos cársticos Calcário margoso e dolomitizado intensa desintegração mecânica precede a decomposição química carbonato margoso produzido pela desintegração mecânica bem expressiva com minerais carbonáticos rápido e intenso moderadamente profundo a profundo restrito Calcário puro decomposição química resíduo insolúvel bem expressiva com solos orgânicos sem carbonato muito lento raso bem desenvolvido Tabela 2: Características dos solos gerados nos dois principais grupos de calcários estudados por Ciric (apud Piló, 1998), modificado. Aspectos da morfologia cárstica da Serra do Calcário – Cocalinho – MT Hardt, R. (2004). 26 Piló (1998) elabora um perfil hipotético, sintetizando as características básicas de um solo desenvolvendo-se sobre calcários puros e maciços, apresentado na figura 5. 1 3 2 Figura 5: Perfil típico de alteração e de solos (autóctones) elaborados sobre calcário em meio muito lixiviado: 1 - rocha calcária maciça com mais de 90% de CaCO3; 2 - alteração química do tipo pelicular através da dissolução do CaCO3 e sua lixiviação da pedosfera, levando ao imediato desaparecimento das estruturas originais e das pseudomorfoses, ou seja, não ocorre um nível de alteração do tipo isalterita; 3 - solos com lenta intensidade de formação, constituídos pelo produto residual insolúvel, particularmente por minerais de argila (ilita e caolinita), geralmente rasos, antigos e, quase sempre, policíclicos. (PILÓ, 1998). Segundo Courtney & Trudgill (1984), o solo sobre calcário não se desenvolve quando a rocha não se quebra facilmente e onde o clima é chuvoso, pois o cálcio é rapidamente lavado da superfície e não reposto com velocidade suficiente pelo intemperismo da rocha. Outro fator determinante de um solo às vezes bastante espesso sobre o ambiente cárstico deve-se a uma outra litologia anterior àquela atualmente exposta. Assim, o solo que existe sobre a atual litologia não se encontra geneticamente a ela vinculada, mas é resultado da evolução sobre um outro tipo de litologia, já ausente no momento atual. Esse é o caso apresentado por Piló (1998), em estudo realizado sobre área cárstica em Lagoa Santa. O autor demonstra, através da análise do solo e do estudo geológico da área, que o solo que recobre os calcários, hoje, é conseqüência, principalmente, da alteração quase completa e pedogenização de materiais pelíticos da Formação Serra de Santa Helena, que cobriam, com diferentes espessuras, os calcários. Daoxian (1988) calcula que, para a formação de 1 metro de solo em substrato calcário são necessários de 250 a 750 mil anos. Como conseqüência, Labegalini (1996) considera que Aspectos da morfologia cárstica da Serra do Calcário – Cocalinho – MT Hardt, R. (2004). 27 os solos decorrentes da alteração do calcário, além de morosos na constituição, são pobres em materiais orgânicos. Entende-se, desta forma, porque o solo sobre calcário ocorre, principalmente, nas depressões fechadas, pois ele seria acumulado na depressão pelo carreamento de várias áreas adjacentes, com terreno mais inclinado. 2.8 – Formas cársticas O estudo do carste compreende certas formas de relevo que são características, pois sua ocorrência está associada ao próprio conceito. Nos ambientes cársticos, as formas consideradas componentes do relevo são importantes para a compreensão do chamado relevo cárstico. Dentre as diversas formas consideradas cársticas algumas são muito características desse tipo de relevo. Assim, depressões fechadas de diversas dimensões e formas de corrosão são consideradas típicas do carste. Para a maioria dos autores consultados, diversas são as formas que podem estar presentes e auxiliar na identificação de um relevo cárstico. A descrição mais completa parece ser a de Jennings (1985), tomada como referência para a descrição das formas a seguir, complementadas com material de autores como White (1988) e Sweeting (1973) e visitas a áreas cársticas brasileiras. 2.8.1 - Macroformas • Cones e Torres (Cone and Tower) Uma característica típica de alguns carstes tropicais são as colinas residuais com lados verticais ou quase verticais, conhecidas por cones. As formas dos cones e torres variam consideravelmente. A elevação delas pode variar de algumas dezenas a várias centenas de metros. As torres são mais verticais, enquanto os cones têm variações no diâmetro da base até o topo, dando a eles sua forma característica. Na figura 6 é apresentado um exemplo e, na figura 8, apresenta-se um modelo de relevo de carste em cone e torre, diferenciado do carste em cockpit. Aspectos da morfologia cárstica da Serra do Calcário – Cocalinho – MT Hardt, R. (2004). 28 No Brasil não se conhece relevo em Cone e Torre, embora encontrem-se formas de cone e torre isoladas em meio a paisagens cársticas, como, por exemplo, no Vale do Ribeira (SP), onde Karmann (2000), identifica alguns cones. • Dolinas e Cockpits (Dolines and Cockpits) As formas mais simples de depressão fechada no carste, conhecidas como dolinas, são geralmente circulares ou ovais em planta, com a profundidade variando muito. Podem, no entanto, assumir diversas formas: de pires, semi-esférica, ovais, cônicas e cilíndricas. Vão de poucos metros a várias centenas em diâmetro, podendo ter mais de uma centena de metros em profundidade. Conforme aumentam em tamanho, as formas se tornam mais complexas podendo transformar-se em outras categorias de formas, como vales e uvalas. São subdivididas em tipos diferentes, de acordo com a origem: dolinas de dissolução, de colapso, colapso devido a carste subjacente, de subsidência e afundamento aluvial, (figura 7), segundo Jennings (1985). Figura 7: Diversos tipos de dolinas, segundo Jennings (1985). a) Dolina de abatimento; b) Dolina de dissolução; c) Dolina de subsidência; d) Dolina de abatimento devido a carste subjacente; e) Dolina em sumidouro aluvial. Modificado. Figura 6: Carste em torre (Filipinas) segundo Ford & Williams (1989), foto de R. Wasson. Aspectos da morfologia cárstica da Serra do Calcário – Cocalinho – MT Hardt, R. (2004). 29 As dolinas de colapso podem se desenvolver no centro de topos de interflúvios ou em suas bordas. Quando se dá na borda, sua evolução permite o estabelecimento, no local, de anfiteatros. No carste tropical existem, ainda, algumas formas que diferem das dolinas convencionais. Têm forma de estrela, com vertentes concavas entre as quais correm fluxos após chuvas fortes. Não são depressões sobre uma superfície plana, mas sim um conjunto delas em meio a colinas residuais Jennings (1985). O nome de origem jamaicana “cockpit” tem sido associado a esse tipo de forma. A diferenciação se faz, principalmente, pela forma das vertentes. Figura 8: Uma visão “idealizada” para distinguir entre carste em torre e cone, do carste em cockpit, baseado na curvatura das vertentes. Lf é o espaço entre fraturas (WHITE, 1988. Modificado). • Desfiladeiros (Gorges) Os desfiladeiros, sob as mesmas condições de relevo e clima, desenvolvem-se mais freqüentemente em rochas carbonáticas do que em outras rochas (JENNINGS, 1985). Tal fato se deve ao equilíbrio entre os processos de vertentes e a incisão provocada pelos rios, esta última muito mais marcante. Jennings (1985) considera que o fator mais importante é a incapacidade de os processos de evolução de vertentes atuarem no calcário e dolomito erodindo as vertentes e gerando vales em forma de V. Isso se deveria ao predomínio da infiltração e reduzido fluxo aéreo, diminuindo a erosão das vertentes. No Brasil, canyons de origem cárstica são comuns, como os encontrados no Vale do Ribeira (SP), Vale do Peruaçu (MG), assim como em áreas de estudos da Bahia e de Goiás (figura 9). Esse tipo de canyon está associado, muitas vezes, à evolução de um cavernamento, que ao se aproximar da superfície, torna instável o teto, que acaba por ruir em função do Aspectos da morfologia cárstica da Serra do Calcário – Cocalinho – MT Hardt, R. (2004). 30 próprio peso. Tal parece ser o caso do canyon do rio Peruaçu, afluente do São Francisco, já que boa parte de seu curso se dá em meio a cavernas de grandes dimensões e entre elas, se pode observar grandes blocos abatidos. Figura 9: Desfiladeiro em forma de cânion nas proximidades da ressurgência de Brejões - BA. Foto Rubens Hardt. • Cavernas Meândricas (Meander Caves) Cavernas meândricas são aquelas formadas na lateral de um desfiladeiro, devido à corrosão lateral de um rio, decorrente da formação de um meandro. São normalmente um grande salão, mais largo que profundo, que acompanha a curvatura do meandro (Figura 10). No vale do Peruaçu, norte de MG, município de Januária, existe uma cavidade formada no interior de uma grande dolina de abatimento, nas proximidades da gruta do Janelão, com características típicas de grutas meândricas. Hoje o rio Peruaçu se encontra em um nível mais baixo, não mais passando pelo local. Figura 10: Caverna meândrica em Boree Creek, Borenore, NSW, segundo JENNINGS (1985 - pag. 93). Aspectos da morfologia cárstica da Serra do Calcário – Cocalinho – MT Hardt, R. (2004). 31 • Pontes Naturais (Natural Bridges) São mais comuns em vales cársticos do que em qualquer outro tipo de litologia, mas variam muito em forma e gênese. Deve-se diferenciar entre ponte natural e arco natural. Sob uma ponte, passa ou passou um rio, enquanto em um arco, a cobertura não atravessa um vale, mas perfura a lateral de uma parede de rocha devido ao intemperismo. Também é difícil distinguir-se uma caverna de uma ponte. O critério mais comum é a iluminação diurna através do vão da ponte (figura 11). Três tipos são mais comuns no carste: pontes devido a uma estreita faixa de calcário acamada sobre um curso d’água, que origina a ponte; pontes devido ao desabamento do teto de uma caverna, cujos restos passam a ser a ponte e “autocaptura”, onde um meandro cresce através de um cavernamento, e acaba capturando seu próprio curso. Figura 11: Gruta conhecida como “Arco do André”, na realidade uma ponte natural sobre o rio Peruaçu, que passa em meio aos blocos abatidos na base da gruta. Em seu maior desnível, do teto ao chão, ultrapassa 110m. Repare na pessoa, (pequena mancha amarela) logo abaixo da seta. Foto: Rubens Hardt. • Vales Semicegos (Semiblind Valleys) Os vales semicegos são assim chamados, pois, em condições normais, o fluxo de água mergulha em um sumidouro e fica subterrâneo. No entanto, em épocas de chuva intensa ou derretimento de neve, o conduto subterrâneo não provê vazão suficiente e parte da água Aspectos da morfologia cárstica da Serra do Calcário – Cocalinho – MT Hardt, R. (2004). 32 percorre a superfície. Lino (2001) descreve uma ocorrência na região de Bonito, MS, conforme se pode observar na figura 12. Figura 12: Vale semicego, em Bonito - MS. Em condições normais, a água desaparece em um sumidouro pouco antes da ponte. Em épocas de chuva, a vazão fluvial é aumentada e as águas percorrem todo o vale. Foto: Clayton F. Lino. • Vales Cegos (Blind Valleys) Semelhantes aos vales semicegos, com a diferença que, mesmo em épocas de intensa pluviosidade ou derretimento de neve, o sumidouro absorve totalmente a vazão do rio. A forma do vale pode ou não existir a jusante do sumidouro. Quando existe, é um testemunho de uma época em que o sumidouro não existia ou estava em um estado incipiente de desenvolvimento. • Vale Seco (Dry Valleys) Os vales secos são similares, em muitos aspectos, aos vales de rio, mas não há água correndo neles. Vales secos podem ser longos e formar sistemas ramificados. Podem estar associados a uma drenagem subterrânea que “capturou” o rio que lhes deu origem. Este é o caso do vale apresentado na figura 13, onde o rio Jacaré, provável formador, corre hoje sob o maciço rochoso à esquerda, na gruta de Brejões. Figura 13: Vale seco nas proximidades da gruta de Brejões - BA. Possivelmente formado pelo rio Jacaré, que hoje percorre a referida gruta. Foto: Rubens Hardt. Aspectos da morfologia cárstica da Serra do Calcário – Cocalinho – MT Hardt, R. (2004). 33 • Uvalas É um complexo de formas de depressões fechadas com mais de um ponto de captação de água em seu conjunto. O tamanho não é um critério, mas, por natureza, são maiores que as pequenas dolinas porque são formadas pela associação de diversas depressões fechadas, como uma cadeia de dolinas interconectadas. • Poljes Grandes depressões fechadas com solo espesso através das quais há um fluxo de água. São normalmente alongadas nas direções dos eixos tectônicos, mas também podem ser compactas e de forma irregular. É necessário que a depressão tenha diversos quilômetros quadrados antes de ser considerada um polje (figura 14). As drenagens ressurgem e desaparecem no âmbito da própria depressão. Podem ser alongadas, quando sob a influência de eixos tectônicos, ou não, assumindo uma forma irregular. Figura 14: Final Oeste do polje Popovo, Iugoslávia. A foto mostra apenas um segmento do total de 60 km de comprimento do polje. (WHITE, 1988, p. 40). • Sumidouros (sinkholes; swallow holes; ponor) Áreas de aporte de um fluxo d’água que se torna subterrâneo a partir daquele ponto. Podem ser de diversos tamanhos ou formas, como a de um abismo, a de uma passagem obstruída por sedimentos e entulho, ou de uma boca de caverna (figura 15). Quando o sumidouro eventualmente atua como surgência fluvial, é identificado como ponor. Aspectos da morfologia cárstica da Serra do Calcário – Cocalinho – MT Hardt, R. (2004). 34 Figura 15: Sumidouro do ribeirão das Ostras. Gruta da Tapagem - SP. Foto: Rubens Hardt. • Nascentes e Ressurgências Cársticas (Karst Springs) Áreas ou pontos de onde a água continuamente emerge do subterrâneo. São consideradas nascentes se a origem da água é desconhecida, surgindo, pela primeira vez, na superfície. Caso seja um rio ou fluxo que já esteve na superfície, sumiu e reapareceu, são chamados de ressurgências. As nascentes são, por vezes, chamadas de Vauclusianas, quando são de origem artesiana, ou provenientes das profundezas (águas profundas). Figura 16. Figura 16: Nascente cárstica próximo a Serra do Calcário – Cocalinho/MT. Foto: Rubens Hardt. Aspectos da morfologia cárstica da Serra do Calcário – Cocalinho – MT Hardt, R. (2004). 35 • Formas de Ruínas (Ruiniformes) São formas resultantes do alargamento de fissuras e planos de clivagem pela dissolução da rocha pela água. Muitas vezes são originadas em subsuperfície ou zona epicárstica, vindo posteriormente a ser expostas (carste exumado). A figura 17 apresenta a sua forma típica. Figura 17: O topo de paredões em carste costuma apresentar formas ruiniformes, como as observadas nesta foto (Vale do Peruaçu - MG). Foto: Rubens Hardt. • Cavernas (Caves) Talvez as cavernas sejam as formas de relevo mais conhecidas do carste, constituindo- se aberturas naturais na terra, caracterizadas pela forma e tamanho. A definição é essencialmente antropológica: cavernas são cavidades naturais subterrâneas, penetráveis pelo homem (figura 18). A origem de tais formas está associada à existência de uma porosidade que, no calcário, é secundária, permitindo a atividade de dissolução em profundidade, dando origem aos tubos (pipes), os quais, quando alargados, levam à abertura de espaços suficientemente amplos para serem considerados cavernas. Figura 18: Conduto no interior da gruta de Brejões. Foto: R. Hardt. Aspectos da morfologia cárstica da Serra do Calcário – Cocalinho – MT Hardt, R. (2004). 36 2.8.2 - Microformas • Karren ou Lapiás (Karren) A chuva direta, lavando a superfície da rocha, promove fluxos canalizados e percolação em diversos tipos de materiais, produzindo uma miríade de pequenas formas na camada superficial de rochas. São considerados uma classe e chamados genericamente de Karren ou lapiás. As propriedades litológicas, a presença de xistosidade, espessura do acamamento e a porosidade primária contribuem para o tipo de karren desenvolvido. Rochas com acamamento fino, com poucas impurezas, desenvolvem karren mais facilmente (figura 19). Figura 19: Karrens diversos sobre calcário nas proximidades da gruta de Brejões. Observe o detalhe, no canto superior direito da foto. Foto: Rubens Hardt. Os principais tipos de karren, segundo Bögli (1980), seriam: � Karren livre, onde a água flui sobre a superfície do calcário; � Karren semi-exposto, onde, sobre a cobertura lisa do calcário, acumulam-se pequenas áreas de solo, permitindo o aparecimento de CO2 de origem biógena; � Karren coberto, onde o solo recobre toda a superfície do calcário, e a corrosão é intensa; � Grikes, que são juntas abertas pela corrosão; � Karren tables, quando uma área toda é rebaixada por corrosão, e blocos de rocha mantêm um testemunho, cujo topo é o antigo plano do maciço carbonático; Aspectos da morfologia cárstica da Serra do Calcário – Cocalinho – MT Hardt, R. (2004). 37 � Surf karren, formado por respingos provocado pelo bater das ondas em uma costa carbonática, acima da linha d'água. • Tufas e Travertinos (Tufa and Travertine) Tufa ou travertino é o termo usado para depósitos de carbonatos primários, sólidos e cristalinos decorrentes da água em movimento. Jennings (1985) diferencia a tufa do travertino definindo o primeiro como um depósito mais poroso e o segundo, mais denso e cristalino. Parece, no entanto, tratar-se de estágios diferentes da mesma formação. • Tubos (Pipes) Especialmente importantes no carste, os tubos são os responsáveis pela passagem de fluxo de laminar para turbulento, quando atingem dimensões entre 0,5 e 1 cm. Com o fluxo turbulento, o desenvolvimento das cavidades é acelerado, levando à formação de cavernas e inviabilizando a aplicação da lei de Darci1. 2.9 – O conceito de sistema em geomorfologia e sua aplicabilidade em ambientes cársticos A abordagem sistêmica não é nova, e vem sendo estudada desde a década de 60 do século XX pelo menos. Em 1971, Chorley & Kennedy (1971) lançaram um livro que pode significar a primeira síntese sobre a aplicação da teoria dos sistemas em geografia física. Nesse trabalho, os autores consideram o mundo real como contínuo. Estruturas isoladas seriam subjetivas e porções artificiais da realidade. Assim, o primeiro e fundamental problema é a identificação e a separação de seções do mundo real que possuam significados (meaningful sections - grifo nosso). Por um lado, cada seção ou estrutura deve ser suficiente complexa possuindo um alto grau de coerência interna, possibilitando, de um lado, produzir resultados úteis e significantes; por outro, cada seção deve ser simples o suficiente para ser compreendida e estudada (CHORLEY; KENNEDY 1971). Prosseguindo em suas colocações, Chorley & Kennedy (1971) consideram que estes estudos devem ter, como tema central, a análise da maneira como cada componente do mundo �������� � � ������ ��� ������ ����� Aspectos da morfologia cárstica da Serra do Calcário – Cocalinho – MT Hardt, R. (2004). 38 real está internamente estruturada, ou seja, organizada, unida, relacionada; e, posteriormente, como cada seção se liga com outras estruturas, que são comumente chamadas de sistemas. Para Gregory (1992, pag. 217), temas como métodos quantitativos, cronologia, processos e atividade humana, têm defensores que poderiam proclamar que um destes quatro seria o paradigma dominante para o geógrafo físico. O autor prossegue: “Todavia, cada um destes temas exige uma metodologia unificadora, e a abordagem sistêmica oferece, potencialmente, essa metodologia”. Scheidegger (1987) considera a paisagem um sistema dinâmico, composto por uma inter-relação de cinco princípios, o princípio do antagonismo, princípio da instabilidade, princípio de catena (cadeia), o princípio da seleção e o princípio do controle estrutural. O Princípio do Antagonismo, conforme apresentado por Scheidegger (1987), pode ser entendido, para uma determinada paisagem, como representante do equilíbrio instantâneo da interação de dois processos antagônicos: os exógenos e os endógenos. Este equilíbrio, se tomado ao longo do tempo, é dinâmico. Para o autor, processos exógenos são aleatórios, enquanto os processos endógenos não apresentam essa característica, pois ocorrem, preferencialmente, em zona de contato de placas. Scheidegger (1987) também define o Princípio da Instabilidade, tomando por base o equilíbrio dinâmico da paisagem como sendo instável, baseado nas seguintes considerações: primeiro, feições individuais da paisagem tendem a não ser permanente, apesar de sua aparência permanecer constante; segundo, a direção da mudança é tal que as feições se afastam do aspecto de uniformidade. O próximo princípio apresentado por Scheidegger (1987) é o Princípio de Catena. Este princípio foi inicialmente apresentado por pedólogos, que repararam em certas seqüências definidas de solo, com recorrência em vertentes. Esses tipos estão relacionados com a posição topográfica na vertente. Na geomorfologia as seqüências não se referem unicamente aos tipos de solo, mas também aos elementos morfológicos. Este princípio significa, portanto, que em determinadas áreas-chave, certas seqüências definidas (catenas) de elementos morfológicos ocorrem repetidamente. O Princípio da Seleção propõe que os processos de degradação e erosão ocorrem de tal maneira que formas estatisticamente estáveis são preferivelmente selecionadas. O principal agente, que explica esse princípio, é o peso das formas. Assim, as formas e configurações naturais em uma paisagem são, primariamente, as mais estáveis em função de seu próprio peso. Aspectos da morfologia cárstica da Serra do Calcário – Cocalinho – MT Hardt, R. (2004). 39 Por fim, o Princípio do Controle Estrutural propõe que muitas das feições de uma paisagem são desenhadas em função dos processos tectônicos que determinam “linhas” preferenciais onde os processos exógenos vão atuar mais intensamente. No estudo combinado desses fatores, Scheidegger (1987) acredita que é possível descrever qualquer sistema geomorfológico. O processo da descrição pode ser interpretado como modelagem, uma vez que descrever um sistema, que é um ente dinâmico, implica descrever não o momento em si, mas o comportamento do sistema, permitindo antever sua evolução e reconstruir seu passado. Então, a modelagem de sistemas é a base de um estudo sistêmico. Somente se pode estudar um sistema se for possível elaborar um modelo tão próxi