Eduardo Raposo Monteiro Estudo da anestesia com remifentanil e isoflurano em cães: efeito redutor sobre a concentração alveolar mínima (CAM) e avaliação hemodinâmica Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Anestesiologia da Faculdade de Medicina da Unesp, Campus de Botucatu, para obtenção do título de Doutor em Anestesiologia Orientador: Prof. Ass. Dr. Francisco José Teixeira Neto Botucatu 2007 2 DEDICATÓRIA A meus pais Mario Moreira Monteiro e Maria Carmen Raposo Monteiro, e ao meu irmão Rafael Raposo Monteiro pelo amor, carinho e apoio incondicional. À minha esposa Daniela Campagnol, pelo amor, carinho, por compartilhar a alegria dos momentos felizes, pela enorme paciência para permanecer ao meu lado durante os momentos difíceis e pela ajuda profissional durante a execução e elaboração desse estudo. 3 AGRADECIMENTOS Ao Prof. Ass. Dr. Francisco José Teixeira Neto, por me aceitar mais uma vez como orientado, por todo o conhecimento transmitido, pelos conselhos dados, por me tranqüilizar nos momentos mais difíceis, por confiar em mim e por me ouvir, sempre que solicitado, durante esses três anos de caminhada; Às residentes Renata Kerche e Natache Arouca Garofalo, pela indispensável ajuda durante a realização da fase experimental desse trabalho; À Prof. Margaret de Castro, Coordenadora do Laboratório de Endocrinologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP) e às Biomédicas Adriana Rossi e Lucimara Bueno, por viabilizarem a dosagem da concentração plasmática de arginina vasopressina no presente estudo e pelos esclarecimentos quanto ao método utilizado; Ao Prof. Titular Ciro Moraes Barros e ao Pós-Graduando Rafael Augusto Satrapa, pela atenção dispensada e por permitirem a utilização do freezer e da centrífuga refrigerada do Departamento de Farmacologia nos finais de semana e nos feriados; À Prof. Ass. Dra. Regina Kiomi Takahira por gentilmente permitir a realização dos hemogramas e bioquímicos no Laboratório Clínico da FMVZ e ao residente Eduardo Sotelo Salcedo, por realizar as mensurações dos hematócritos e das concentrações plasmáticas de hemoglobina e proteínas totais; A Profa. Dra. Denise Saretta Schwartz e às pós-graduandas Maria do Carmo Fernandez Vailati e Karina Preising Aptekmann pela interpretação dos traçados de ECG registrados durante a realização desse estudo; Ao Centro Universitário de Maringá (CESUMAR) e principalmente ao Coordenador do Curso de Medicina Veterinária da Instituição, Prof. Raimundo Alberto Tostes, por permitirem que eu me ausentasse, quando necessário, para realizar as atividades relacionadas ao Curso de Pós-Graduação; 4 À Profa. Titular Eunice Oba, por gentilmente ceder um espaço no freezer do Departamento de Reprodução Animal para o acondicionamento das amostras destinadas à dosagem de vasopressina; Ao Prof. Adjunto Stelio Pacca Loureiro Luna e à Prof. Ass. Dra. Mariângela Louzano Cruz, pelos valiosos conselhos, pelos conhecimentos transmitidos e pelo apoio dado desde o meu ingresso na Residência em Anestesiologia Veterinária da FMVZ; Ao Prof. Ass. Dr. Antônio José de Araújo Aguiar, pelo apoio, pelas conversas e pelos conselhos dados; À Equipe da Seção de Pós-Graduação e aos funcionários Neli Aparecida Pavan e Danilo Godoy, do Departamento de Anestesiologia da Faculdade de Medicina de Botucatu, por toda a atenção e ajuda no cumprimento dos prazos e preenchimento dos infinitos formulários durante os quase três anos de curso; Ao Departamento de Pós-Graduação em Anestesiologia, pelo apoio financeiro sem o qual seria mais difícil a execução do presente estudo; Aos Profs. Titulares José Reinaldo Cerqueira Braz, Yara Marcondes Machado Castiglia e Flavio Massone, por todo o empenho em nos ajudar na resolução dos problemas encontrados durante a execução do Projeto de Pesquisa; Ao Prof. Titular Pedro Thadeu Galvão Vianna, por gentilmente permitir a utilização da centrífuga refrigerada do Laboratório de Anestesiologia Experimental da Faculdade de Medicina de Botucatu; Aos amigos Juliany, Max, Lu, Carlão, Tati, Leandro, Pankeka, Patrícia, Vanessa e Mariana, por todo o apoio e companheirismo demonstrados durante os períodos de alegria e tristeza ao longo desses quase três anos; Aos Cães (Creuza, Zé, Mussum, Agustinho, Tucaninho e Petrúquio) que involuntariamente foram utilizados nesse estudo, mas nem por isso modificaram seu comportamento dócil e carinhoso. Foi muito fácil e ao mesmo tempo muito difícil de trabalhar com vocês! 5 Monteiro, ER. Estudo da anestesia com remifentanil e isoflurano em cães: efeito redutor sobre a concentração alveolar mínima (CAM) e avaliação hemodinâmica. [tese de doutorado]. Botucatu: Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Paulista; 2007. RESUMO O efeito do remifentanil sobre a concentração alveolar mínima do isoflurano (CAMISO) foi estudado em seis cães com peso médio de 27,7±4,3 kg. Os animais foram anestesiados com isoflurano sob ventilação mecânica, mantendo-se normocapnia (PaCO2 média: 38,5 mm Hg) e normotermia (temperatura corpórea média: 38,1oC). A CAMISO, determinada por meio da estimulação nociceptiva (50V/50Hz/10ms) do membro torácico, foi mensurada antes (basal), durante a infusão contínua de diferentes doses de remifentanil (0,15; 0,30; 0,60 e 0,90 μg/kg/min) e aproximadamente 80 minutos após o término da infusão do opióide. Após um intervalo de 7 dias, a CAMISO foi determinada às 2, 4 e 6 horas após o início da infusão de 0,15 μg/kg/min de remifentanil. As variáveis foram analisadas por meio de ANOVA seguida pelo teste de Tukey ou Dunnett (P<0,05). A CAMISO redeterminada ao término da infusão (1,22±0,20%) não diferiu da CAMISO basal (1,38±0,20%). Os valores da CAMISO foram significativamente mais baixos nas três maiores taxas de infusão em relação à menor (0,15 μg/kg/min). Observou-se redução significativa da CAMISO com todas as taxas de infusão de remifentanil (reduções percentuais em relação ao valor basal de 43±10%, 59±10%, 66±9% e 71±9% para as taxas de 0,15; 0,30; 0,60 e 0,90 μg/kg/min, respectivamente). Embora o valor da CAMISO não tenha diferido entre as taxas de infusão de 0,30; 0,60 e 0,90 μg/kg/min, a percentagem de redução na CAMISO foi maior com a dose de 0,90 em relação à dose de 0,30 μg/kg/min. A CAMISO não se modificou ao longo do tempo com a taxa de 0,15 μg/kg/min. Em uma segunda etapa de experimentos, os efeitos hemodinâmicos da anestesia com remifentanil e isoflurano foram estudados nos mesmos cães. Adicionalmente, amostras de sangue foram colhidas para mensurar a concentração plasmática de arginina vasopressina. Em um delineamento aleatório cruzado, os animais receberam 2 tratamentos com intervalo de 7 dias. No tratamento remifentanil, este opióide foi administrado nas taxas de infusão crescentes de 0,15; 0,30; 0,60 e 0,90 μg/kg/min. No tratamento controle, igual volume de NaCl 0,9% foi infundido. Cada infusão foi mantida por 60 minutos com concentrações equipotentes de isoflurano (1,3 CAM), após o qual as variáveis cardiorrespiratórias foram mensuradas. A variáveis foram submetidas à ANOVA bifatorial, seguida pela correção de Bonferroni 6 (P<0,05). Com relação ao tratamento controle, o remifentanil elevou o índice de resistência vascular sistêmica (todas as taxas de infusão: +36% a +76%), pressão arterial média (0,90 µg/kg/min: +14%), índice sistólico (0,90 µg/kg/min: +51%) e concentração de hemoglobina (0,30 a 0,90 µg/kg/min: +22% a +30%). Estes resultados foram acompanhados por reduções significativas na freqüência cardíaca (-44% a -56%) e índice cardíaco (-25% a- 42%) em todas as taxas de infusão. A concentração plasmática de vasopressina foi significativamente mais elevada nas três maiores taxas de infusão de remifentanil em relação ao tratamento controle. Conclui-se que o remifentanil reduz a CAMISO em até 60-70%. Incrementos na dose acima de 0,30 μg/kg/min oferecem pouco benefício na redução do requerimento de isoflurano em cães. A redução da CAMISO independe do tempo para uma mesma taxa de infusão. Durante a anestesia com isoflurano e remifentanil, a oferta tecidual de oxigênio pode diminuir devido à bradicardia com conseqüente redução no índice cardíaco. O aumento do tônus vascular, aparentemente mediado pela liberação de arginina vasopressina durante a infusão de remifentanil, deve ser visto com cautela em pacientes com reserva cardíaca reduzida. Palavras-Chave: remifentanil; isoflurano; cão; concentração alveolar mínima; efeitos hemodinâmicos. 7 An investigation on the anesthesia with remifentanil and isoflurane in dogs: isoflurane-sparing effect of remifentanil on the minimum alveolar concentration (MAC) and hemodynamic changes [tese de doutorado]. Botucatu: Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Paulista; 2007. ABSTRACT The isoflurane-sparing effect of remifentanil on the minimum alveolar concentration (MACISO) was evaluated in six dogs weighing 27.7±4.3 kg. The dogs were anesthetized with isoflurane and mechanically ventilated to maintain eucapnia (mean PaCO2: 38.5 mm Hg). Mean core temperature was kept at 38.1oC. Noxious stimulation (50V/50Hz/10ms) was applied to the thoracic limb for determination of MACISO before (baseline), during different infusion rates of remifentanil (0.15, 0.30, 0.60 and 0.90 μg/kg/min) and approximately 80 minutes after stopping remifentanil infusion. After a 7-day washout period, MACISO was determined within 2, 4 and 6 hours of a constant rate infusion of remifentanil (0.15 μg/kg/min). Data were analyzed by ANOVA followed by a Tukey or Dunnett test whenever appropriate (P<0.05). After stopping remifentanil infusion, MACISO (1.22±0.20%) did not differ from baseline MACISO (1.38%±0.20). Mean values of MACISO were significantly lower during the infusion rates of 0.30, 0.60 and 0.90 μg/kg/min compared to the lowest infusion rate (0.15 μg/kg/min). All infusion rates of remifentanil decreased MACISO significantly (percentage reductions compared to baseline MACISO were 43±10%, 59±10%, 66±9% and 71±9% for the infusion rates of 0.15, 0.30, 0.60 and 0.90 μg/kg/min, respectively). Although MACISO did not differ among the three highest infusion rates of remifentanil, the percentage reduction in MACISO was significantly greater during 0.90 μg/kg/min compared to 0.30 μg/kg/min. The effect of remifentanil on MACISO was stable during a prolonged constant rate infusion (0.15 μg/kg/min). In a second set of experiments, the hemodynamic changes during remifentanil-isoflurane anesthesia were evaluated in the same six dogs. Additionally, blood samples were collected to determine plasma concentrations of arginine vasopressin. In a randomized cross-over design, the dogs received two treatments with 1-week intervals. The remifentanil treatment received progressively increasing infusion rates of remifentanil (0.15, 0.30, 0.60 and 0.90 μg/kg/min) whereas the control treatment received infusions of an equal volume of NaCL 0.9%. Each infusion rate was maintained for 60 minutes in equipotent end- tidal concentrations of isoflurane (1.3 MAC), and cardiorespiratory data were obtained at the 8 end of each infusion. A Two-Way ANOVA followed by the Bonferroni correction was performed to compare differences between treatments ( P<0.05). Compared to values in the control treatment, remifentanil increased systemic vascular resistance index (all infusion rates: +36% to +76%), mean arterial pressure (highest infusion rate: +14%), stroke index (highest infusion rate: +51%) and hemoglobin concentration (0.30 to 0.90 μg/kg/min: +22% to +30%). These results were followed by significant reductions in heart rate (-44% to -56%) and cardiac index (-25% to -42%) during all infusion rates of remifentanil. Vasopressin plasma concentration was higher during 0.30, 0.60 and 0.90 μg/kg/min compared to plasma concentrations in the control treatment. In conclusion, remifentanil reduces MACISO by 60- 70%. Increments in the remifentanil infusion rate above 0.30 μg/kg/min offer minimal advantages on the isoflurane-sparing effect in dogs. The reduction in MACISO by a constant rate infusion of remifentanil is not time related. During remifentanil-isoflurane anesthesia, the tissue availability of oxygen may be decreased because of slowing of the heart and consequently, a decreased cardiac index. The increase in vascular tonus, apparently mediated by arginine vasopressin release during remifentanil infusion, should be watched cautiously in patients with decreased cardiac reserve. Key words: remifentanil; isoflurane; dog; minimum alveolar concentration; hemodynamic changes. 9 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1A: Efeito da elevação progressiva na temperatura corpórea sobre a concentração alveolar mínima do halotano em cães ................................... 30 Figura 1B: Efeito da diminuição progressiva na temperatura corpórea sobre a concentração alveolar mínima do halotano e isoflurano em ratos .............. 30 Figura 2: Efeito da idade sobre a concentração alveolar mínima do halotano e isoflurano em pacientes humanos ................................................................ 32 Figura 3: Meia-vida contexto sensível em função do tempo para o fentanil, alfentanil, sufentanil e remifentanil em pacientes humanos ........................ 39 Figura 4: Valores médios e desvios-padrão do IRVS em cães submetidos à anestesia total intravenosa com propofol ou propofol associado ao remifentanil .................................................................................................. 45 Figura 5: Efeito da administração de diferentes doses de metadona sobre a concentração plasmática de AVP em cães .................................................. 47 Figura 6: Efeitos de taxas de infusão crescentes de remifentanil (0,15; 0,30; 0,60 e 0,90 μg/kg/min) sobre a concentração alveolar mínima do isofluorano (CAMISO) em seis cães e linha de regressão não linear ajustada aos percentuais médios de redução da CAMISO para cada taxa de infusão de remifentanil................................................................................................... 61 Figura 7: Valores médios e desvios-padrão de FC, PAS, PAM e PAD em seis cães anestesiados com concentrações equipotentes de isoflurano (1,0 CAMISO) antes (CAMBASAL), durante a infusão de remifentanil nas doses de 0,15; 0,30; 0,60 e 0,90 μg/kg/min e aproximadamente 80 minutos após a interrupção na administração do remifentanil (CAMFINAL) ........................ 62 10 Figura 8: Valores médios com os respectivos desvios-padrão e valores individuais da concentração alveolar mínima (CAMISO) em seis cães anestesiados com isoflurano e uma infusão constante de remifentanil (0,15 μg/kg/min) por um período de 6 horas............................................................................ 68 Figura 9: Valores médios e desvios-padrão de FC, IC e IS observados antes (Basal), durante a administração de NaCl 0,9% (controle) ou remifentanil (REM) em taxas de infusão crescentes (T1 a T4) e após a interrupção na infusão de salina ou remifentanil (Final) em seis cães anestesiados com concentrações equipotentes de isofluorano (1,3 CAM) .............................. 87 Figura 10: Valores médios e desvios-padrão da PAS, PAM, IRVS, PVC observados antes (Basal), durante a administração de NaCl 0,9% (controle) ou remifentanil (REM) em taxas de infusão crescentes (T1 a T4) e após a interrupção na infusão de salina ou remifentanil (Final) em seis cães anestesiados com concentrações equipotentes de isofluorano (1,3 CAM)... 89 Figura 11: Valores médios e desvios-padrão da PAP, POAP e IRVP observados antes (Basal), durante a administração de NaCl 0,9% (controle) ou remifentanil (REM) em taxas de infusão crescentes (T1 a T4) e após a interrupção na infusão de salina ou remifentanil (Final) em seis cães anestesiados com concentrações equipotentes de isofluorano (1,3 CAM)... 91 Figura 12: Valores médios e desvios-padrão de Hb, CaO2, DC e IDO2 observados antes (Basal), durante a administração de NaCl 0,9% (controle) ou remifentanil (REM) em taxas de infusão crescentes (T1 a T4) e após a interrupção na infusão de salina ou remifentanil (Final) em seis cães anestesiados com concentrações equipotentes de isofluorano (1,3 CAM)... 95 11 Figura 13: Média e desvio padrão da concentração plasmática de arginina vasopressina (AVP) observados antes (Basal), durante a administração de NaCl 0,9% (controle) ou remifentanil (REM) em taxas de infusão crescentes (T1 a T4) e após a interrupção na infusão de salina ou remifentanil (Final) em seis cães anestesiados com concentrações equipotentes de isofluorano (1,3 CAM)....................................................... 98 Figura 14: Diagrama de dispersão entre o logarítmo da concentração plasmática de AVP e a resistência vascular sistêmica e diagrama de dispersão entre a ETISO e a resistência vascular sistêmica com as respectivas equações das retas de regressão e coeficientes de determinação (R2) ............................... 99 12 LISTA DE TABELAS Tabela 1: Valores médios e desvios-padrão da concentração alveolar mínima (CAMISO), porcentagem de redução na CAMISO, tempos de determinação da CAMISO, e variáveis cardiovasculares (FC, PAS, PAM e PAD) em seis cães anestesiados com concentrações equipotentes de isoflurano (1,0 CAMISO) antes (CAMBASAL), durante a infusão de remifentanil nas doses de 0,15; 0,30; 0,60 e 0,90 μg/kg/min e aproximadamente 80 minutos após a interrupção na administração do remifentanil (CAMFINAL) ...................... 60 Tabela 2: Incidência (número de animais) de distúrbios de ritmo observada durante a anestesia com isoflurano isoladamente ou associado ao remifentanil nas doses de 0,15; 0,30; 0,60 e 0,90 μg/kg/min................................................. 64 Tabela 3: Valores médios e desvios-padrão de f, pH arterial, ETCO2, PaCO2, PaO2, HCO3 - e temperatura esofágica em seis cães anestesiados com concentrações equipotentes de isoflurano (1,0 CAMISO) antes (CAMBASAL), durante a infusão de remifentanil nas doses de 0,15; 0,30; 0,60 e 0,90 μg/kg/min e aproximadamente 80 minutos após a interrupção na administração do remifentanil (CAMFINAL) ............................................ 65 Tabela 4: Valores médios e desvios-padrão da CAMISO, tempos reais de determinação da CAMISO, FC, PAS, PAM, f, pH arterial, ETCO2, PaCO2, PaO2, HCO3 - e temperatura esofágica em seis cães anestesiados com isoflurano e uma infusão constante de remifentanil (0,15 μg/kg/min) mantida por um período de 6 horas.............................................................. 67 Tabela 5: Período de duração da anestesia, dose cumulativa de remifentanil e tempos decorridos até a extubação, posição esternal e posição quadrupedal em seis cães anestesiados com remifentanil e isoflurano durante as Fases 1 e 2................................................................................... 69 13 Tabela 6: Concentrações expiradas de isoflurano equivalentes a 1,0 CAM, determinadas em seis cães (Capítulo 1) e concentrações expiradas de isoflurano equivalentes a 1,3 CAM utilizadas durante o estudo hemodinâmico (Capítulo 2) ......................................................................... 84 Tabela 7: Tempos reais de avaliação (minutos de anestesia) observados antes (Basal), durante administração de salina (controle) ou remifentanil (REM) nas doses de 0,15; 0,30; 0,60 e 0,90 μg/kg/min, e após a interrupção na infusão de salina ou remifentanil (Final), em seis cães anestesiados com concentrações equipotentes de isofluorano (1,3 CAM).. 85 Tabela 8: Duração da anestesia, volume total de fluidos, dose cumulativa de remifentanil e tempos decorridos até a extubação, posição esternal e posição quadrupedal em seis cães anestesiados com salina e isoflurano (controle) ou com remifentanil e isoflurano (REM).................................... 85 Tabela 9: Valores médios e desvios-padrão da FC, DC, IC, VS e IS observados antes (Basal), durante a administração de NaCl 0,9% (controle) ou remifentanil (REM) em taxas de infusão crescentes (T1 a T4) e após a interrupção na infusão de salina ou remifentanil (Final) em seis cães anestesiados com concentrações equipotentes de isofluorano (1,3 CAM).. 86 Tabela 10: Valores médios e desvios-padrão da PAS, PAM, PAD, PVC, RVS e IRVS observados antes (Basal), durante a administração de NaCl 0,9% (controle) ou remifentanil (REM) em taxas de infusão crescentes (T1 a T4) e após a interrupção na infusão de salina ou remifentanil (Final) em seis cães anestesiados com concentrações equipotentes de isofluorano (1,3 CAM) ................................................................................................... 88 14 Tabela 11: Valores médios e desvios-padrão da PAP, POAP, RVP e IRVP observados antes (Basal), durante a administração de NaCl 0,9% (controle) ou remifentanil (REM) em taxas de infusão crescentes (T1 a T4), e após a interrupção na infusão de salina ou remifentanil (Final) em seis cães anestesiados com concentrações equipotentes de isofluorano (1,3 CAM) ................................................................................................... 90 Tabela 12: Valores médios e desvios-padrão de Hb, CaO2, DO2, IDO2, hematócrito e PT observados antes (Basal), durante a administração de NaCl 0,9% (controle) ou remifentanil (REM) em taxas de infusão crescentes (T1 a T4), e após a interrupção na infusão de salina ou remifentanil (Final) em seis cães anestesiados com concentrações equipotentes de isofluorano (1,3 CAM) ................................................................................................... 94 Tabela 13: Valores médios e desvios-padrão de f, pH arterial, PaCO2, PaO2, HCO3 - e temperatura do sangue na artéria pulmonar observados antes (Basal), durante a administração de NaCl 0,9% (controle) ou remifentanil (REM) em taxas de infusão crescentes (T1 a T4), e após a interrupção na infusão de salina ou remifentanil (Final) em seis cães anestesiados com concentrações equipotentes de isofluorano (1,3 CAM) .............................. 96 Tabela 14: Valores médios e desvios-padrão da concentração plasmática de AVP observados antes (Basal), durante a administração de NaCl 0,9% (controle) ou remifentanil (REM) em taxas de infusão crescentes (T1 a T4), e após a interrupção na infusão de salina ou remifentanil (Final) em seis cães anestesiados com concentrações equipotentes de isofluorano (1,3 CAM) ................................................................................................... 97 15 LISTA DE ABREVIATURAS ALT = alanina amino transferase ANOVA = análise de variância AVP = arginina vasopressina bpm = batimentos cardíacos por minuto BIS = índice bispectral CAM = concentração alveolar mínima CAMBAR = concentração alveolar mínima baseada na resposta adrenérgica CAMBASAL = concentração alveolar mínima no momento basal CAMBIS = concentração alveolar mínima baseada no índice bispectral CAMFINAL = concentração alveolar mínima no momento final CAMISO = concentração alveolar mínima do isoflurano CaO2 = conteúdo arterial de oxigênio CO2 = dióxido de carbono DC = débito cardíaco DE50 = dose efetiva em 50% dos indivíduos de uma população DE95 = dose efetiva em 95% dos indivíduos de uma população DP = desvio padrão dinas x seg/cm5 = dinas vezes segundo por centímetro elevado à quinta potência dinas x seg/cm5/m2 = dinas vezes segundo por centímetro elevado à quinta potência por metro quadrado dL = decilitro dL/min/m2 = decilitro por minuto por metro quadrado DO2 = transporte de oxigênio EC50 = concentração capaz de desencadear 50% do efeito máximo ECG = eletrocardiograma EDTA = ácido etilenodiamínico tetracético EEG = eletroencefalograma ETCO2 = concentração expirada de dióxido de carbono ETISO = concentração expirada de isoflurano F = french FA = fosfatase alcalina FC = freqüência cardíaca 16 ƒ = freqüência respiratória GA = gauge g/dL = grama por decilitro GGT = gama-glutamil transferase GI87084B = denominação inicialmente atribuída ao remifentanil GR90291 = principal metabólito resultante da biotransformação do remifentanil Hb = concentração plasmática de hemoglobina HCO3 - = íon bicarbonato Hz = hertz IC = índice cardíaco IDO2 = índice de transporte de oxigênio IRVP = índice de resistência vascular pulmonar IRVS = índice de resistência vascular sistêmica IS = índice sistólico IV = intravenosa L/min = litro por minuto L/min/m2 = litro por minuto por metro quadrado Log = logarítmo μg = micrograma μg/mL = micrograma por mililitro μg/kg/min = micrograma por quilograma por minuto mEq/kg = miliequivalente por quilograma mEq/L = miliequivalente por litro mg = miligrama mg/kg = miligrama por quilograma min = minuto mL = mililitro mL/bat/m2 = mililitro por batimento por metro quadrado mL/dL = mililitro por decilitro mL/kg = mililitro por quilograma mL/kg/h = mililitro por quilograma por hora mL/min = mililitro por minuto mL/min/kg = mililitro por minuto por quilograma mm Hg = milímetros de mercúrio 17 mpm = movimentos respiratórios por minuto ms = milisegundos m2 = metro quadrado no = número NaCl = cloreto de sódio O2 = oxigênio P = nível de significância PaCO2 = pressão parcial de dióxido de carbono no sangue arterial PaO2 = pressão parcial de oxigênio no sangue arterial PAD = pressão arterial diastólica PAM = pressão arterial média PAP = pressão média da artéria pulmonar pg/mL = picograma por mililitro POAP = pressão de oclusão da artéria pulmonar PAS = pressão arterial sistólica pH = potencial hidrogêniônico PVC = pressão venosa central PT = concentração plasmática de proteínas totais r = coeficiente de correlação R2 = coeficiente de determinação REM = remifentanil rpm = rotações por minuto RVP = resistência vascular pulmonar RVS = resistência vascular sistêmica SaO2 = saturação de oxigênio na hemoglobina do sangue arterial SC = subcutânea SNC = sistema nervoso central t1/2β = meia-vida de distribuição beta t1/2ke0 = meia-vida de equilíbrio entre o plasma e o compartimento de efeito V = volts V1 = vasopressina um V2 = vasopressina dois +dP/dt = taxa máxima de elevação na pressão ventricular esquerda 18 LISTA DE SÍMBOLOS α1 = alfa-um β = beta = delta μ = receptor opióide mi κ = receptor opióide kappa δ = receptor opióide delta % = porcentagem oC = graus Celsius ± = mais ou menos 19 SUMÁRIO RESUMO ABSTRACT LISTA DE ILUSTRAÇÕES LISTA DE TABELAS LISTA DE ABREVIATURAS LISTA DE SÍMBOLOS INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 21 REVISÃO DA LITERATURA ............................................................................ 23 Anestesia Inalatória .............................................................................................. 23 Concentração Alveolar Mínima (CAM) ............................................................. 24 Isoflurano ............................................................................................................... 34 Opióides .................................................................................................................. 36 Remifentanil .......................................................................................................... 37 Efeitos dos Opióides Sobre a Liberação de Arginina Vasopressina (AVP) ..... 46 JUSTIFICATIVA E HIPÓTESES ...................................................................... 48 OBJETIVOS .......................................................................................................... 50 CAPÍTULO 1: EFEITO DO REMIFENTANIL SOBRE A CONCENTRAÇÃO ALVEOLAR MÍNIMA (CAM) DO ISOFLURANO EM CÃES ............................................................................................................... 51 MATERIAIS E MÉTODOS ................................................................................ 51 RESULTADOS ...................................................................................................... 58 DISCUSSÃO .......................................................................................................... 70 CAPÍTULO 2: EFEITOS HEMODINÂMICOS DA ANESTESIA COM REMIFENTANIL E ISOFLURANO EM CÃES ............................................... 76 MATERIAIS E MÉTODOS ................................................................................ 76 RESULTADOS ...................................................................................................... 82 20 DISCUSSÃO .......................................................................................................... 100 CONCLUSÃO ....................................................................................................... 111 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................ 112 APÊNDICE I: Valores individuais das variáveis relatadas no Capítulo 1 (Fase 1) ............................................................................................................................. 127 APÊNDICE II: Valores individuais das variáveis relatadas no Capítulo 1 (Fase 2) ............................................................................................................................. 131 APÊNDICE III: Valores individuais das variáveis relatadas no Capítulo 2 ......... 135 21 INTRODUÇÃO Desde a realização da primeira anestesia geral bem sucedida com o éter em 1846 por William Thomas Green Morton, menos de 20 anestésicos inalatórios foram introduzidos na prática anestesiológica, dos quais apenas 5 encontram-se atualmente em uso: halotano, isoflurano, sevoflurano, desflurano e óxido nitroso (Steffey, 1996; Toski et al., 2004). Apesar de todos os esforços para o desenvolvimento de agentes inalatórios com perfil farmacológico favorável, até o presente momento não existe um único anestésico volátil capaz de produzir anestesia geral de boa qualidade e ao mesmo tempo ser isento de efeitos adversos. A anestesia ideal envolve a produção de um estado reversível de inconsciência, relaxamento muscular, amnésia e analgesia, associado à proteção neurovegetativa (manutenção das funções autonômicas e estabilidade cardiorrespiratória). Dentro desse perfil descrito para o anestésico ideal, os anestésicos gerais inalatórios proporcionam principalmente o componente hipnótico (inconsciência com conseqüente amnésia) e em menor grau, o miorrelaxamento. O perfil farmacocinético de anestésicos inalatórios como o isoflurano possibilita a manutenção da anestesia por períodos prolongados sem o acúmulo do agente halogenado no organismo, o que na prática se traduz em rápida reversibilidade de seus efeitos ao término da anestesia (Steffey, 1996). No entanto, o emprego isolado de anestésicos voláteis como agentes de manutenção anestésica não é indicado, uma vez que esses fármacos não proporcionam ação analgésica específica (Hall et al., 2001; Ebert & Schmid, 2004). A não utilização de fármacos com efeito analgésico preemptivo em pacientes submetidos a estímulo cirúrgico pode resultar em sensibilização periférica e central, os quais podem ser manifestados sob a forma de hiperalgesia durante o período pós-operatório (Ilkiw, 1999; Lamont, 2004). Outra desvantagem do uso isolado de agentes voláteis para manutenção da anestesia é a necessidade de doses elevadas desses fármacos para se abolirem as respostas cardiovasculares e motoras ao estímulo cirúrgico (Roizen et al., 1981; Ilkiw, 1999). Visto que todos os agentes halogenados produzem depressão cardiorrespiratória dose-dependente, o uso de concentrações elevadas desses fármacos pode resultar em depressão cardiopulmonar expressiva (Steffey, 1996). Como os efeitos adversos são dose-dependentes, a possibilidade de inalação de concentrações reduzidas desses agentes é benéfica, uma vez que resulta em menor depressão respiratória e cardiovascular, aumentando a segurança durante o ato anestésico. Diante disso, os anestésicos inalatórios passaram a ser administrados conjuntamente aos injetáveis, tais como tranqüilizantes, opióides e anestésicos locais, em uma técnica denominada anestesia balanceada (Ilkiw, 1999; Ebert & Schmid, 2004). Na anestesia 22 balanceada, devido ao sinergismo obtido com as associações dos fármacos e técnicas anestésicas, são utilizadas doses reduzidas de cada fármaco de forma que os efeitos benéficos individuais de cada agente são otimizados. Além dessa característica, os efeitos adversos dos fármacos, os quais são mais severos com o uso de doses elevadas destes, são reduzidos em sua intensidade uma vez que o seu emprego na forma de associações possibilita a redução de suas doses individuais (Ilkiw, 1999). Devido à falta de ação analgésica específica dos agentes inalatórios, os opióides são freqüentemente associados com o objetivo de proporcionar este importante componente das técnicas de anestesia balanceada. Os opióides também potencializam os efeitos depressores centrais dos agentes voláteis, característica essa em parte atribuída à ação analgésica (Valverde et al., 2003). A redução do requerimento de anestésico volátil pelos opióides pode ainda resultar em uma melhora global da função hemodinâmica (Ilkiw et al, 1993; Valverde et al., 1991). O remifentanil foi introduzido para uso clínico na década de 90. Esse opióide apresenta características únicas que o diferenciam dos demais opióides, tais como curto período de latência e ausência de efeito cumulativo, mesmo após a administração de infusões prolongadas (Glass et al., 1999). Seu emprego como parte de uma técnica anestésica balanceada é particularmente interessante uma vez que, diferentemente dos demais opióides diponíveis, seus efeitos podem ser fácil e rapidamente titulados através de mudanças na taxa de infusão intravenosa (Westmoreland et al., 1993). No entanto, embora haja um grande volume de estudos empregando o remifentanil em associação aos anestésicos inalatórios na anestesiologia humana, poucas pesquisas foram desenvolvidas para evidenciar se os resultados demonstrados na área humana serão reproduzidos na anestesiologia veterinária. Dada a importância do isoflurano na anestesiologia veterinária e a escassez de estudos sobre a utilização do remifentanil como parte de protocolos de anestesia balanceada no cão, desenvolveu-se um estudo para avaliar os efeitos do remifentanil sobre a concentração alveolar mínima do isoflurano bem como os efeitos hemodinâmicos dessa associação. 23 REVISÃO DA LITERATURA Anestesia Inalatória Os anestésicos inalatórios são amplamente utilizados na anestesia de pacientes médicos e veterinários. A administração de concentrações extremamente baixas de anestésicos na mistura gasosa inspirada pelo paciente resulta em inconsciência e amnésia, dois componentes essenciais à anestesia geral. Essa classe de anestésicos se diferencia das demais por ser administrada exclusivamente pela via respiratória, sendo sua eliminação quase exclusivamente realizada pela mesma via (Steffey, 1996; Ebert & Schmid, 2004). Os anestésicos voláteis ganharam grande popularidade na anestesiologia por várias razões: 1) permitem ajuste rápido e previsível na profunidade anestésica; 2) facilidade de administração; 3) ao contrário do que ocorre com os anestésicos injetáveis, a concentração dos anestésicos inalatórios no compartimento de efeito pode ser estimada pela concentração expirada, a qual pode ser mensurada instantaneamente; 4) a necessidade de utilização de circuitos anestésicos e do fornecimento de oxigênio diminui a morbidade e a mortalidade, uma vez que permite a ventilação artificial, melhora a oxigenação arterial e facilita a eliminação do dióxido de carbono; e 5) o custo dos anestésicos voláteis é baixo. Como características indesejáveis dos anestésicos voláteis destacam-se o pequeno índice terapêutico (relação entre a dose letal e a dose efetiva) e a depressão respiratória e cardiovascular dose- dependentes (Steffey, 1996; Ebert & Schmid, 2004). Entre as diversas propriedades dos anestésicos inalatórios, duas características possuem maior impacto na prática clínica: a solubilidade e a potência. Essas duas propriedades variam consideravelmente entre os anestésicos inalatórios. As diferenças expressivas no coeficiente de solubilidade sangue/gás dos diferentes agentes resultam em diferenças de mesma magnitude na velocidade de indução e recuperação da anestesia. A potência refere-se à concentração do anestésico que deve ser administrada para produzir anestesia geral (Steffey, 1996). 24 Concentração Alveolar Mínima (CAM) O conceito de Concentração Alveolar Mínima (CAM) foi introduzido por Merkel e Eger (1963). Objetivando comparar os efeitos de dois anestésicos voláteis (halotano e halopropano) sobre os parâmetros respiratórios, cardiovasculares e hemogasométricos de cães, esses autores utilizaram a concentração alveolar mínima como um índice de comparação entre os agentes. Naquela ocasião, a CAM foi definida como a concentração alveolar mínima de um anestésico capaz de prevenir movimentos grosseiros em cães submetidos a um estímulo nociceptivo. Essa concentração foi definida como 1,0 CAM e a partir de então, os diferentes níveis de profundidade anestésica passaram a ser expressos como múltiplos da CAM (1,5 CAM; 2,0 CAM e assim por diante). Embora não tenham descrito em detalhes a técnica utilizada para sua determinação, os autores relataram que a CAM foi constante e reproduzível e a consideraram um índice confiável de profundidade anestésica. Um ano após, Saidman e Eger (1964) definiram a CAM em pacientes médicos como sendo a concentração expirada de um anestésico na qual 50% dos pacientes se movem em resposta à incisão cirúrgica da pele. No entanto, o conceito de CAM seria consagrado somente em 1965, a partir de um estudo que determinou a influência de um grande número de fatores sobre esse índice (Eger et al., 1965). Baseado nos resultados de diversos estudos que vieram a aprimorar sua técnica de determinação, a CAM passou a ser definida como “a concentração alveolar mínima de um anestésico a uma atmosfera capaz de produzir imobilidade em 50% dos pacientes submetidos a um estímulo nociceptivo supramáximo” (Steffey, 1996). Tendo em vista que a CAM corresponde à DE50 (dose efetiva em 50% dos indivíduos de uma população), considera-se que concentrações anestésicas equivalentes a 1,0 CAM resultem em plano superficial de anestesia, o qual será inadequado em metade dos pacientes. Diante disso, considera-se mais adequado a utilização de concentrações variando de 1,2-1,4 CAM, as quais correspondem à DE95 de um agente volátil (dose efetiva em 95% dos indivíduos de uma população). Concentrações de 2,0 CAM representam plano profundo de anestesia (Steffey, 1996). Desde sua definição, a CAM passou a ser utilizada como o principal índice para comparar a potência dos anestésicos inalatórios (Quasha et al., 1980; Valverde et al., 2003). Adicionalmente, a CAM passou a ser utilizada para determinar a influência de diversas situações clínicas (como por exemplo hipotermia, hipercapnia e hipoxemia) e de fármacos adjuvantes da anestesia sobre o requerimento de anestésicos inalatórios (Quasha et al., 1980). 25 Metodologia de Determinação da CAM Para a determinação da CAM de forma precisa, três requisitos fundamentais devem ser atingidos: 1) utilização de um estímulo nociceptivo supramáximo; 2) determinação de critérios claros para definir as resposta motoras positiva e negativa desencadeadas pela estimulação nociceptiva; e 3) equilíbrio entre as concentrações anestésicas no ar alveolar, no sangue arterial e no sistema nervoso central (SNC) (Quasha et al., 1980). Para que uma determinada intensidade de estimulação nociceptiva seja considerada supramáxima, alterações adicionais na sua intensidade não devem resultar em alterações na resposta observada (exemplo: incrementos adicionais na voltagem ou amperagem de um estímulo elétrico além de determinado valor não resultam em elevação na CAM de uma população). A caracterização da estimulação nociceptiva supramáxima ocorreu primeiramente nos estudos conduzidos por Eger et al. (1965). Nesse trabalho inicial, os autores verificaram que os estímulos nociceptivos mecânico (pinçamento da cauda até a primeira cremalheira) e elétrico (corrente cutânea de 30-50V, 50Hz, 10ms) foram os que resultaram em maior intensidade de nocicepção, requerendo uma maior concentração anestésica para abolir a resposta motora. Quando os estímulos mecânico e elétrico foram administrados conjuntamente, a CAM foi idêntica àquela determinada com cada estímulo aplicado separadamente. Por essa razão, o pinçamento da cauda e o estimulo elétrico (30-50V, 50Hz, 10ms) foram considerados estímulos nociceptivos supramáximos, ou seja, aumentos na intensidade desses estímulos não resultam em elevação da CAM. Nesse mesmo estudo, outros estímulos testados não foram considerados estímulos supramáximos no cão: estímulo elétrico de baixa voltagem (10V, 50Hz, 10ms), incisão cirúrgica da pele, pinçamento da prega interdigital e movimentação da sonda endotraqueal. Os dois últimos foram considerados os de mais baixa intensidade e sendo assim, resultaram nos valores mais baixos de CAM. Mais recentemente, um estudo comparou os valores da CAM do halotano e do isoflurano obtidos a partir da aplicação de diferentes estímulos nociceptivos em cães e coelhos (Valverde et al., 2003). Três estímulos nociceptivos foram utilizados, sendo alguns desses realizados em diferentes regiões anatômicas: 1) incisão cirúrgica da pele na região do flanco; 2) pinçamento da cauda ou pinçamento do terceiro e quarto dígitos do membro torácico ou pélvico; e 3) estimulação elétrica (50V, 50Hz, 10ms), a qual consistiu de uma sequência de 2 estímulos simples seguidos de 2 estímulos contínuos com duração de 2 a 3 segundos, respeitando-se um intervalo de 5 segundos entre os 4 estímulos. O estímulo elétrico foi aplicado sobre a mucosa oral, membros torácicos e pélvicos. Os resultados demonstraram, 26 assim como um estudo anterior (Eger et al., 1965), que a incisão cirúrgica da pele não pode ser considerada um estímulo supramáximo em cães e coelhos uma vez que subestima os valores de CAM. Não houve diferença significativa nos valores de CAM obtidos a partir da aplicação de uma mesma modalidade de estímulo em diferentes regiões anatômicas nem entre os valores obtidos a partir do pinçamento da cauda, dos membros ou da estimulação elétrica. Contraditoriamente à resposta observada em cães e coelhos, a incisão cirúrgica da pele no homem pareceu ser um estímulo mais intenso do que a estimulação elétrica (30-45V, 50Hz, 1,2ms) (Saidman & Eger, 1964) sendo esse o estímulo de eleição na determinação da CAM em pacientes médicos (Ebert & Schmid, 2004). O conceito de CAM envolve a mensuração de uma resposta do SNC ao estímulo nociceptivo supramáximo, o qual é considerado o estímulo mais potente para causar despertar da anestesia (March & Muir, 2005). Dessa forma, a presença de movimentação grosseira induzida por estimulação nociceptiva pode ser definida como resposta de despertar do estado de inconsciência induzido pela anestesia (Eger et al., 1965; Quasha et al., 1980). O padrão de respostas motoras consideradas positivas e negativas foi relatado inicialmente por Eger et al. (1965) e descrito em detalhes por Quasha et al. (1980). A resposta motora positiva ao estímulo nociceptivo consiste em movimentos musculares grosseiros, caracterizados por movimentação súbita ou rotação sustentadas da cabeça, ou movimentos de pedalagem dos membros. Alterações no padrão respiratório, contrações do membro submetido à estimulação nociceptiva, movimentos de deglutição, mastigação e tosse, bem como alterações na expressão facial, não são considerados respostas positivas (Eger et al, 1965; Quasha et al, 1980). Para a obtenção de valores precisos de CAM, é necessário que as concentrações anestésicas no ar alveolar, no sangue arterial e no SNC estejam em equilíbrio no momento da aplicação do estímulo (Quasha et al., 1980). Um período de 15 minutos foi considerado suficiente para se atingir 95% de equilíbrio entre as concentrações anestésicas de halotano no sangue arterial e no SNC. Para anestésicos menos solúveis, como o isoflurano, sevoflurano e desflurano, estima-se uma proximidade ainda mais perto de 100% de equilíbrio após esse período (Eger et al., 1965). Embora possa existir diferenças entre a concentração expirada e a concentração anestésica no sangue arterial, aceita-se que essa diferença seja mínima em animais saudáveis, sob anestesia com anestésicos de baixo coeficiente de partição sangue/gás e cuja ventilação e débito cardíaco encontrem-se dentro de limites normais (Quasha et al., 1980). 27 A técnica descrita inicialmente por Eger et al. (1965) consistia na aplicação do estímulo nociceptivo após 15 minutos de equilíbrio em uma concentração inicial pré- determinada. Em caso de resposta motora negativa, a concentração do agente anestésico era gradualmente reduzida em decrementos de 0,2% e o estímulo era repetido após um novo período de equilíbrio (15 minutos). Esse procedimento era repetido até que houvesse uma resposta motora positiva. O inverso ocorria em caso de resposta motora inicial positiva, ou seja, elevação gradual em incrementos de 0,2% até a obtenção de resposta negativa. A CAM foi considerada a média aritmética entre a concentração mais elevada que permite a resposta motora e a concentração mais baixa que inibe essa resposta. Posteriormente, essa técnica foi ligeiramente modificada, diminuindo-se a janela entre as duas concentrações que dão origem à CAM para 0,1%, com o intuito de se obter maior precisão (Quasha et al., 1980). Através da descrição acima, é possível entender que a CAM corresponde à média aritmética entre a a maior concentração de anestésico que permite a resposta motora à um estímulo nociceptivo e a menor concentração de anestésico que previne o desencadeamento de tal resposta. Utilizando-se essa técnica e respeitando-se os 3 pré-requisitos fundamentais, a CAM demonstrou ser altamente reproduzível, com variações de até 20% dentro de uma mesma espécie e de até 10% em um mesmo indivíduo (Eger et al., 1965; Quasha et al., 1980; Valverde et al., 2003). Apesar da determinação da CAM baseada na resposta motora ser o índice mais freqüentemente utilizado para comparar a potência dos anestésicos voláteis, esse método apresenta limitações: 1) alguns movimentos voluntários considerados respostas positivas durante a determinação da CAM podem ser de origem reflexa, sem a participação do controle corticocerebral (consciência) (Rampil & Laster, 1992; Rampil et al., 1993); 2) algumas respostas ignoradas durante a determinação da CAM baseada na resposta motora (movimentos de deglutição, mastigação e tosse) podem ser um indicativo de aumento na atividade do sistema nervoso central (Eger et al., 1965); e 3) anestésicos inalatórios como o isoflurano são capazes causar imobilidade por inibir respostas de neurônios motores, localizados na medula espinhal, em concentrações incapazes de suprimir a ativação cortical frente a um estímulo nociceptivo (March & Muir, 2003a, 2005), ou seja, apesar da concentração expirada de um anestésico inalatório ser capaz de inibir respostas motoras, essa concentração pode ser insuficiente para impedir a ativação cortical e o despertar do estado de inconsciência. 28 Influência da Homeostase e de Fatores Externos Sobre a CAM Além da influência do tipo de estímulo, da avaliação da resposta motora e do equilíbrio entre a concentração anestésica no alvéolo e a concentração no SNC, diversos estudos demonstraram que outros fatores podem afetar os valores da CAM (Quasha et al., 1980). Hipercapnia e Hipocapnia A hipercapnia pode resultar em diminuição na CAM quando acompanhada de diminuição no pH do fluido cerebroespinhal (Eisele et al., 1967). No entanto, o efeito redutor sobre a CAM ocorre apenas quando a PaCO2 é elevada para valores acima de 95 mm Hg. Nessas condições, o pH do fluido cerebroespinhal diminui para valores abaixo de 7,10 e resulta em narcose progressiva. A diminuição na PaCO2 para valores próximos a 15 mm Hg, acompanhadas de alterações paralelas no pH arterial, não é acompanhada de modificação nos valores da CAM durante a anestesia com halotano em oxigênio (Eger et al., 1965). Porém, quando cães anestesiados com halotano respiraram ar ambiente, a hipocapnia severa (PaCO2 = 10 mm Hg) resultou em diminuição na CAM. Foi sugerido que esse efeito ocorre devido à vasoconstrição desencadeada pela hipocapnia que, somando-se ao baixo conteúdo arterial de oxigênio, resultaria em hipóxia do SNC (Quasha et al., 1980). Acidose Metabólica e Alcalose Metabólica A administração de cloreto de amônio para induzir acidose metabólica (pH = 7,20) causou redução na CAM do halotano em cães (Eger et al., 1965). No entanto, esse efeito pareceu estar relacionado à presença de altas concentrações plasmáticas de amônia e não à diminuição no pH em si. Essa hipótese é sustentada por outro estudo realizado em cães, no qual os animais receberam a administração intra-gástrica de ácido clorídrico em quantidade suficiente para ocasionar diminuição do pH arterial para 6,90. A redução no pH não alterou significativamente a CAM, provavelmente porque o pH do fluido cerebroespinhal foi mantido acima de 7,10 (Eisele et al., 1967). O efeito da administração de 30 mEq/kg de bicarbonato de sódio sobre a redução da CAM pela hipercapnia severa foi avaliado em cães (Eisele et al., 1967). Foi demonstrado 29 que a administração de bicarbonato atenuou a diminuição no pH arterial (pH > 7,1), mas não no fluido cerebroespinhal (pH = 6,87), durante a elevação progressiva da PaCO2. No entanto, esses dados devem ser interpretados com cautela. Os resultados do estudo realizado por Eisele et al. (1967) demonstram que a administração de bicarbonato não interfere na curva de redução da CAM do halotano pelo dióxido de carbono. No entanto, não é possível afirmar, a partir desse estudo, que a alcalose metabólica não interfere com a CAM uma vez que o pH arterial e o pH do fluido cerebroespinhal permaneceram abaixo dos valores normais para o cão (7,35-7,45). Não se sabe, até o presente momento, se a elevação no bicarbonato sanguíneo, acompanhada de mudanças na mesma direção no pH arterial e no pH do fluido cerebroespinhal, resultam em modificação na CAM. Hipoxemia A variação na PaO2 de 40 a 500 mm Hg não interfere na CAM do halotano em cães. Porém, quando a PaO2 foi reduzida a 38 mm Hg, a CAM do halotano foi reduzida em 20%. Reduções maiores na PaO2 resultaram em diminuições de maior magnitude na CAM (Cullen & Eger, 1970). Hipotensão e Hipertensão A diminuição da pressão arterial média decorrente de hemorragia ou da administração de vasodilatadores resultou em diminuição na CAM do halotano em cães (Eger et al., 1965; Tanifugi & Eger, 1976; Rao et al., 1981). Esse efeito ocorreu quando a pressão arterial média foi reduzida abaixo de 50 mm Hg. Por outro lado, a elevação da pressão arterial a valores até 100% acima dos valores basais não interferiu na CAM do halotano em cães (Steffey & Eger, 1975). Temperatura Corpórea A diminuição na temperatura corpórea é acompanhada de diminuição gradual na CAM. Em cães, a diminuição em 10oC na temperatura (de 38oC para 28oC) resultou em diminuição de 50% na CAM do halotano (Eger et al., 1965). Em ratos anestesiados com halotano ou isoflurano, a variação na temperatura de 37oC para 27oC causou redução linear na 30 CAM de ambos os agentes (figura 1A), havendo diminuição relativa de aproximadamente 5% na CAM para cada grau de temperatura reduzido (Vitez et al., 1974). Em temperaturas acima de 37,3oC, ocorre aumento de aproximadamente 8% na CAM do halotano para cada grau elevado na temperatura corpórea de cães (Steffey & Eger, 1974). Essa correlação ocorre até uma temperatura de aproximadamente 41oC. Entre 41 e 42oC a CAM se mantém estável, e acima de 42oC, a CAM diminui acentuadamente (figura 1B). Figura 1: (A) Efeito da diminuição na temperatura corpórea sobre a CAM do halotano (triângulos) e do isoflurano (círculos) em ratos. Modificado de Vitez et al. (1974); (B) Efeito da elevação na temperatura corpórea sobre a CAM do halotano em cães. Modificado de Steffey & Eger (1974). Administração Concomitante de Adjuvantes da Anestesia A administração de fenotiazinas, benzodiazepinas, analgésicos opióides, agonistas alfa-2, anestésicos locais e outros anestésicos com propriedade hipnótica resulta em diminuição na CAM (Quasha et al., 1980; Heard et al., 1986; Michelsen et al., 1996; Hellyer et al., 2001; Valverde et al., 2004; Machado et al., 2006; Pascoe et al., 2006). O efeito redutor sobre a CAM foi considerado dose-dependente para alguns adjuvantes como a lidocaína, os opióides e os agonistas alfa-2 (Murphy & Hug Jr, 1982a, b; Hall et al., 1987a, b; Michelsen et al., 1996; Valverde et al., 2004, Campagnol et al., 2007a). No entanto, não pareceu existir uma relação entre a dose administrada de fenotiazinas e benzodiazepinas e a redução na CAM (A) (B) 31 (Quasha et al., 1980; Heard et al., 1986). Por essa razão, os estudos que objetivam determinar a CAM de um anestésico volátil específico devem utilizar somente o anestésico testado para a indução e a manutenção da anestesia. A utilização de outros agentes resultará em valores mais baixos de CAM. Outros adjuvantes freqüentemente utilizados durante a anestesia são os fármacos vasopressores. Steffey & Eger (1975) verificaram o efeito de 7 vasopressores sobre a CAM do halotano em cães e concluíram que os vasopressores que interferem com a liberação de noradrenalina no SNC (efedrina e mefentermina) possuem potencial para elevar a CAM. Outros Fatores e Condições Clínicas Embora não haja estudos na literatura consultada demonstrando um efeito da idade sobre a CAM de cães e gatos, diversos estudos relataram a existência de uma relação inversamente proporcional entre a idade de pacientes médicos e a CAM. Gregory et al. (1969) verificaram que a CAM do halotano é reduzida de um valor de 1,08% em pacientes com até 6 meses de vida para 0,64% em pacientes geriatras (70-96 anos). Resultados similares foram obtidos por Nicodemus et al. (1969), os quais estudaram a CAM do halotano em pacientes cuja idade foi estratificada em 4 grupos. Esses autores obtiveram valores de CAM de 1,20%, 1,16%, 1,07% e 0,94%, para as faixas etárias de 0-6 meses, 6-24 meses, 24-48 meses e adultos com idade média de 35 anos, respectivamente. A CAM do isoflurano também foi influenciada pela idade (Stevens et al., 1975), sugerindo que o efeito da idade sobre a CAM independe do agente halogenado utilizado (figura 2). De fato, em uma meta-análise realizada por Mapleson (1996), foi relatado que a CAM é reduzida em uma mesma proporção para todos os anestésicos inalatórios. Em pacientes com idade acima de 1 ano, ocorre redução média no logaritmo da CAM na proporção de 6% por década de vida (Mapleson, 1996). Para facilitar a utilização dessas informações na rotina clínica de anestesiologia, Lerou (2004) desenvolveu um normograma para estimar a CAM em função da idade dos pacientes para cada um dos diferentes halogenados (halotano, isoflurano, desflurano, sevoflurano e enflurano) na presença ou ausência do óxido nitroso. O normograma é um método simples de usar que permite a identificação imediata do efeito da idade sobre a CAM. O efeito da idade sobre a CAM também foi demonstrado em ratos. Orliaguet et al. (2001) observaram que a CAM do halotano, isoflurano e sevoflurano aumenta gradativamente, apresentado o valor máximo aos 9 dias de vida, após o qual o valor da CAM diminui progressivamente até a idade adulta (10-12 semanas). 32 Figura 2: Efeito da idade sobre a CAM do halotano (círculos) e do isoflurano (quadrados) em pacientes médicos. Modificado de Stevens et al. (1975). A duração da anestesia e o sexo não pareceram interferir com a CAM. Por outro lado, desequilíbrios eletrolíticos, o ritmo circadiano, disfunções da glândula tireóide e o estado gestacional demonstraram ser capazes de alterar a CAM dos anestésicos voláteis (Quasha et al., 1980). Determinação da CAM com Base em Outras Formas de Resposta à Estimulação Nociceptiva Apesar da CAM determinada com base na resposta motora ser amplamente empregada em estudos experimentais, o critério de resposta de despertar da anestesia empregado nesses estudos (movimentação grosseira) não apresenta utilidade clínica. Reconhecidamente, alterações autonômicas (aumentos da pressão arterial e freqüência cardíaca) em reposta a um estímulo nociceptivo possuem valor preditivo de movimentação no período intraoperatório, uma vez que estas tendem a ocorrer em concentrações de anestésicos mais elevadas que as concentrações associadas à movimentação (Roizen et al., 1981). Roizen et al. (1981) descreveram um outro método de comparação da potência dos diferentes anestésicos voláteis utilizando o critério de resposta autonômica à estimulação nociceptiva ao invés da resposta motora. Esse método consiste em determinar a concentração expirada de anestésicos voláteis capaz de abolir a resposta adrenérgica em 50% dos pacientes após a incisão cirúrgica da pele (CAMBAR). De acordo com esse método, uma resposta ao estímulo 33 cirúrgico é considerada positiva quando há elevação em 10% ou mais na freqüência cardíaca, pressão arterial, diâmetro da pupila ou concentração plasmática de noradrenalina em relação aos valores anteriores ao estímulo. Os resultados demonstraram que o valor da CAMBAR foi aproximadamente 50% maior do que a CAM utilizando o método tradicional. Tendo em vista as maiores concentrações anestésicas, é de se esperar maior depressão respiratória e cardiovascular durante a anestesia em concentração de 1,0 CAMBAR em relação à 1,0 CAM obtida pelo método que utiliza a resposta motora. Ide et al. (1998) descreveram a determinação da CAM baseado na oclusão temporária (por até 6 minutos) das vias aéreas em gatos. Esse método se diferencia dos demais pelo fato do estímulo de oclusão das vias aéreas ser um estímulo visceral e não um estímulo somático. A CAM obtida por esse novo estímulo foi semelhante à CAM obtida pelo pinçamento de um dígito durante a anestesia com halotano, isoflurano e sevoflurano, porém seu valor foi inferior à CAM obtida utilizando-se o estímulo elétrico. O método foi considerado pelos autores como sendo altamente reproduzível tendo em vista a sua repetibilidade em um mesmo animal anestesiado em 3 ocasiões distintas e também ao longo de 6 horas de anestesia. O índice bispectral (BIS) consiste na transformação dos dados oriundos do eletroencefalograma (EEG), a partir da Análise de Fourier e de um algoritmo, em uma forma mais compreensível de análise, a qual é expressa em uma escala variando de 0 a 100 (March & Muir, 2005). O BIS demonstrou apresentar uma correlação inversa com a profundidade anestésica, ou seja, seu valor diminui à medida que o plano anestésico é aprofundado. Esse índice vem sendo utilizado para monitor o grau de hipnose durante procedimentos anestésicos em pacientes humanos. Nesses pacientes, valores do BIS de 40-60, 70-90 e 100 foram condizentes com plano moderado de anestesia, sedação profunda à moderada e estado de alerta, respectivamente (March & Muir, 2005). Embora tenha sido estabelecida uma relação inversa entre a concentração expirada de anestésicos voláteis e os valores do BIS em cães e gatos (Greene et al., 2002; Lamont et al., 2004, 2005), não foi possível, até o presente momento, estratificar os valores do BIS de acordo com o grau de hipnose em animais. Além disso, foi relatado que o valor do BIS em um paciente não submetido a estímulo nociceptivo possui limitado valor preditivo de despertar da anestesia (March & Muir, 2003a, 2005). Os valores de BIS não apresentam boa correlação com o aprofundamento do nível de hipnose induzido por elevação progressiva na concentração de isoflurano em cães não submetidos à estimulação nociceptiva (Campagnol et al., 2007b). Por outro lado, os valores do BIS obtidos após a estimulação nociceptiva, bem como a diferença nos valores antes e 34 após o estímulo, aparentam possuir um valor preditivo mais confiável de despertar da anestesia (March & Muir, 2003a). Diante disso, alguns autores sugeriram a utilização do BIS como uma forma de determinar a concentração anestésica expirada dos anestésicos inalatórios capaz de inibir o aumento do BIS, acima de um valor pré-determinado, após a estimulação nociceptiva supramáxima (CAMBIS) (March & Muir, 2003b). Em um estudo realizado em gatos, a CAMBIS foi determinada como sendo a média aritmética da menor concentração expirada de isoflurano capaz de impedir a elevação do BIS acima de 60 após a estimulação nociceptiva e maior concentração de isoflurano capaz de permitir o desencadeamento de tal resposta (March & Muir, 2003b). Esses autores verificaram que o valor da CAMBIS (2,05%) foi semelhante ao valor da CAMBAR (2,07%), porém ambos os valores foram significativamente mais elevados do que o valor da CAM determinada pelo método tradicional (1,87%). Em outro estudo, realizado em cães, um valor do BIS acima de 75 foi considerado uma resposta positiva durante a determinação da CAMBIS (Campagnol et al., 2006). Nesse estudo, os valores da CAMBIS e da CAM utilizando a resposta motora foram 2,10% e 1,37%, respectivamente. A CAMBIS demonstrou ser um método sensível de determinação do despertar precoce do estado de inconsciência, antes da ocorrência de resposta motora. Isoflurano O isoflurano e seu isômero enflurano surgiram no início da década de 60 a partir de pesquisas direcionadas ao desenvolvimento de um anestésico menos susceptível à biotransformação. Essa preocupação era baseada nos relatos de hepatotoxicidade e nefrotoxicidade de metabólitos resultantes da degradação do halotano e do metoxiflurano, respectivamente (Toski et al., 2004). De fato, menos de 1% do isoflurano é biotansformado no homem (Steffey, 1996). De acordo com estudos prévios, a CAM do isoflurano em cães variou de 1,27 a 1,39% (Steffey & Howland, 1977; Steffey, 1996; Mutoh et al., 1997; Valverde et al., 2003). O isoflurano apresenta um coeficiente de partição sangue/gás de 1,46. Essa característica proporciona indução e recuperação mais rápida em relação ao halotano (coeficiente de partição sangue/gás: 2,54) porém mais lenta em relação ao sevoflurano (coeficiente de partição sangue/gás: 0,68) e desflurano (coeficiente de partição sangue/gás: 0,42) (Steffey, 1996). Assim como ocorre com outros anestésicos halogenados, o isoflurano causa depressão cardiovascular dose-dependente caracterizada por diminuição na pressão arterial e 35 no volume sistólico. A diminuição na pressão arterial ocorre principalmente devido à diminuição na resistência vascular sistêmica (Steffey & Howland, 1977, Bernard et al., 1990; Pagel et al., 1991; Mutoh et al., 1997). Essas alterações ocorrem em plano superficial de anestesia (1,0 CAM) e se acentuam conforme a concentração anestésica expirada é aumentada. Por outro lado, o débito cardíaco é preservado em concentrações de até 2,0 CAM em função da elevação na freqüência cardíaca (Steffey & Howland, 1977; Mutoh et al., 1997). Em concentrações equipotentes, a depressão respiratória causada por esse halogenado é maior em relação ao halotano na ausência de estímulo nociceptivo, porém semelhente na presença deste (Hall et al., 2001). Quando comparado ao halotano durante a anestesia com concentrações equipotentes no cão (1,5 CAM), o isoflurano causa menor depressão cardiovascular caracterizada por menor interferência sobre o débito cardíaco, embora a pressão arterial não apresente diferença significativa entre esses agentes (Teixeira Neto et al., 2007). A anestesia com isoflurano resulta em freqüência cardíaca mais elevada e valores menores de resistência vascular sistêmica que o halotano, sendo a maior redução da resistência vascular induzida pelo isoflurano a principal explicação para o fato da pressão arterial não diferir com o uso de concentrações equipotentes desses halogenados (Pagel et al., 1991; Teixeira Neto et al., 2007). Em plano superficial de anestesia (1,0 CAM), o isoflurano preserva a capacidade de auto-regulação do fluxo sanguíneo cerebral na presença de oscilações na pressão arterial (McPherson et al., 1988), ao contrário do que ocorre durante a anestesia com halotano em concentração equipotente (Miletich et al., 1976) sendo, por essa razão, o agente de escolha na anestesia de pacientes com trauma craniano. Quando comparado ao halotano, o isoflurano também causa menor interferência sobre o controle reflexo da freqüência cardíaca que ocorre via barorreceptores (Kotrly et al., 1984), fato esse que explica a elevação na freqüência cardíaca durante a anestesia com esse agente, (Steffey & Howland, 1977, Bernard et al., 1990; Pagel et al., 1991; Mutoh et al., 1997). A dose arritmogênica da epinefrina em cães foi mais elevada durante a anestesia com o isoflurano (Hayashi et al., 1988) em comparação à anestesia com o halotano (Sumikawa et al., 1983), demonstrando um menor potencial arritmogênico para o isoflurano. Quando comparado ao sevoflurano, o isoflurano causa alterações cardiopulmonares de mesma magnitude (Mutoh et al., 1997). Embora o sevoflurano tenha proporcionado indução anestésica mais rápida e de melhor qualidade, a recuperação anestésica foi similar para ambos os agentes (Johnson et al., 1998). 36 Opióides O termo “opióide” é genericamente utilizado para se referir às substâncias relacionadas ao ópio. Apesar do isolamento da morfina a partir do ópio por Sertürner, em 1806, a presença de opióides endógenos foi evidenciada somente a partir de 1973. Já a denominação dos três receptores clássicos (μ, κ e δ) ocorreu no início da década de 80 (Gutstein & Akil, 2001). Embora se tenha evidenciado a existência de subtipos de cada um desses receptores, sua importância clínica não foi definida pela inexistência de agonistas específicos para cada subtipo. A ativação de receptores μ resulta em analgesia, sedação, depressão respiratória, diminuição no trânsito intestinal, retenção urinária, miose e excitação/euforia (Gutstein & Akil, 2001; Hall et al., 2001; Coda, 2004). Embora a administração de alguns agonistas μ venha sendo relacionada à ocorrência de náuseas e vômito, demonstrou-se que doses elevadas desses fármacos apresentam atividade antiemética por ação inibitória direta sobre o centro do vômito (Blancquaert et al., 1986). Devido a sua grande eficácia analgésica, os opióides agonistas μ totais como a morphina e fentanil são fármacos de primeira linha no tratamento da dor moderada a severa no período peri-operatório (Pascoe, 2000). Por outro lado, a ação agonista parcial sobre receptores μ (como é o caso da buprenorfina) está relacionada a uma limitação na ação analgésica (Pascoe, 2000). A administração de fármacos agonistas de receptores κ resulta em efeito analgésico, sedação, diminuição de menor importância do trânsito intestinal, diminuição na liberação de arginina vasopressina, aumento na diurese, miose e disforia (Gutstein & Akil, 2001; Hall et al., 2001; Coda, 2004). Classicamente, fármacos agonistas κ e antagonistas μ como o butorfanol produzem menor interferência na motilidade intestinal que os opióides agonistas μ como a morfina. Adicionalmente, foi relatado que outros efeitos colaterais, como depressão respiratória e excitação, parecem ser menos intensos após a administração de agonistas κ (Roebel et al., 1979; Pascoe, 2000). No entanto, opióides com ação agonista somente em receptores κ possuem menor eficácia analgésica, apresentando um “efeito teto” caracterizado por um platô na sua curva de dose-resposta no que se refere à analgesia (Pascoe, 2000). Finalmente, o principal efeito mediado pela ativação de receptores δ é a analgesia (Gutstein & Akil, 2001; Hall et al., 2001; Coda, 2004). Os efeitos de agonistas de receptores δ sobre a função respiratória, a motilidade intestinal e a diurese não estão completamente 37 esclarecidos (Coda, 2004). Um estudo realizado em cães sugeriu que o vômito resultante da administração de diversos opióides resulta da ativação de receptores δ presentes na zona quimiorreceptora de disparo (Blancquaert et al., 1986). Os opióides vem sendo extensivamente utilizados na anestesiologia humana e veterinária. Esses fármacos são utilizados isoladamente como analgésicos, porém mais freqüentemente associados a tranqüilizantes/sedativos, sendo essa associação denominada neuroleptoanalgesia. Os opióides também são utilizados em associação aos anestésicos injetáveis e inalatórios como parte de uma técnica anestésica balanceada para produzir analgesia trans-operatória e diminuir o requerimento desses anestésicos (Hall et al., 2001; Coda, 2004). Remifentanil Estrutura Química e Farmacocinética O remifentanil, inicialmente descrito como GI87084B, pertence ao grupo das fenilpiperidinas. Nesse grupo também encontram-se o fentanil e seus análogos sufentanil e alfentanil. O remifentanil é o opióide introduzido mais recentemente para uso em anestesiologia, sendo sintetizado em 1990 e tendo seu uso aprovado na medicina humana em 1996 (Coda, 2004). Um estudo realizado em banhos de órgãos isolados de cobaios, ratos e camundongos demonstrou que o remifentanil apresenta alta afinidade por receptores opióides do tipo μ e mínima ou nenhuma afinidade pelos receptores δ e κ (James et al., 1991). Quimicamente, o remifentanil é o ácido propanóico 3-(4-metoxicarbonil-4-[(L- oxopropil)-fenilamino]-L-piperidina) metil éster. Esse opióide encontra-se disponível comercialmente sob a forma liofilizada de hidrocloreto que recebe a adição de glicina em sua formulação. Após sua reconstituição, a solução apresenta um pH de aproximadamente 3,0 mantendo-se estável por um período de até 24 horas. A existência de uma ligação éster em sua cadeia torna esse agente susceptível à degradação por esterases inespecíficas presentes no plasma e nos tecidos, dando origem a um metabólito bem menos ativo. Sendo assim, o término da ação do remifentanil ocorre em função de sua biotransformação e não de sua redistribuição, como no caso de outros opióides. Essa característica, única entre os opióides conhecidos até o momento, confere ao remifentanil uma duração de ação ultracurta, sem efeito cumulativo, mesmo após a administração de doses repetidas ou de infusão prolongada (Glass et al., 1999; Coda, 2004). 38 Diversos estudos foram realizados no homem para determinar as características farmacocinéticas do remifentanil. O perfil farmacocinético desse fármaco foi descrito inicialmente por um modelo bicompartimental (Glass et al., 1993), sendo posteriormente melhor classificado como um modelo tricompartimental (Westmoreland et al., 1993). O clearance do remifentanil (aproximadamente 40-60 mL/min/kg) superou em três vezes o fluxo sanguíneo hepático médio (20 ml/min/kg) sendo independente da dose administrada. Esses resultados são compatíveis com biotransformação extra-hepática por esterases plasmáticas e teciduais. Durante infusão constante, foi estimado que os tempos para se atingir respectivamente 50% (t1/2ke0) e 90% da concentração em equilíbrio foram de 1,3 e 17 minutos, demonstrando um rápido início de efeito (Westmoreland et al., 1993). Tradicionalmente, a meia-vida de eliminação terminal (t1/2β) vem sendo utilizada como um índice do término do efeito de um fármaco. No homem, a meia-vida de eliminação do remifentanil variou de 10 a 20 minutos dependendo da dose administrada (Westmoreland et al., 1993). No entanto, para fármacos cujo perfil farmacocinético é descrito por modelos multicompartimentais, como é o caso do remifentanil, esse índice não pode ser considerado como um indicador confiável de término da atividade farmacológica (Shafer & Varvel, 1991). A meia-vida contexto sensível foi definida como o tempo necessário para que ocorra diminuição em 50% na concentração plasmática de determinado fármaco após o término de uma infusão cuja velocidade foi ajustada de forma a manter uma concentração plasmática constante (Kapila et al., 1995). Esse índice é considerado uma medida mais confiável do término do efeito de anestésicos injetáveis, permitindo melhor correlação com a clínica e maior precisão ao se prever a recuperação após infusões intravenosas de anestésicos. A meia-vida contexto sensível do remifentanil no homem, após infusão de 4 horas, foi de aproximadamente 3,5 minutos (Westmoreland et al., 1993; Kapila et al., 1995). Esse valor foi consideravelmente mais baixo quando comparado ao sufentanil (33,9 minutos), alfentanil (58,5 minutos) e fentanil (262 minutos) (Westmoreland et al., 1993). Durante infusões ainda mais prolongadas (figura 3), o tempo de meia-vida contexto sensível aumenta progressivamente, sobretudo com o fentanil e o sufentanil, mas permanece constante no caso do remifentanil (Egan et al., 1993). O principal metabólito resultante da biotransformação do remifentanil é o GR90291 (um ácido carboxílico desesterificado) o qual é eliminado pelos rins (Glass et al., 1993). Esse metabólito é um agonista fraco de receptores µ e no homem sua potência relativa foi relatada como sendo de aproximadamente 1/800 a 1/2000 vezes a do remifentanil (Glass et al., 1995). Em cães, uma potência ainda menor (1/4600) em relação ao remifentanil foi 39 atribuída a esse metabólito (Hoke et al., 1997a). Dada a baixa potência desse metabólito e à concentração atingida durante a administração de infusões em doses clínicas, foi considerado que o GR90291 não parece contribuir efetivamente para o efeito do remifentanil em cães (Michelsen et al., 1996) e no homem (Westmoreland et al., 1993). Figura 3: Meia-vida contexto sensível dos opióides derivados da fenilpiperidina em função do tempo. Modificado de Egan et al. (1993). O perfil farmacocinético de infusões constantes de remifentanil e do seu principal metabólito (GR90291) foram descritos no cão, sendo comparados ao alfentanil, um outro agonista de receptores opióides do tipo μ (Hoke et al., 1997a). Nessa espécie, o perfil farmacocinético do remifentanil, do GR90291 e do alfentanil foram melhor descritos através de um modelo bicompartimental. O tempo necessário para se atingir o equilíbrio entre a concentração plasmática e a concentração no compartimento de efeito foi de 25 minutos durante infusões de 0,36 e 36 μg/kg/min (Chism & Rickert, 1996). Esse período foi semelhante ao relatado durante a administração do remifentanil no homem (17 minutos) (Westmoreland et al., 1993). O clearance do remifentanil variou de 40,6 a 63,1 mL/min/kg (Chism & Rickert, 1996; Hoke et al., 1997a). A contribuição hepática no clearance do remifentanil foi insignificante, havendo maiores taxas de extração do fármaco no intestino, musculatura e cérebro (Chism & Rickert, 1996). Quando comparado ao alfentanil e ao seu principal metabólito, o clearance do remifentanil foi aproximadamente 2 vezes maior em relação ao alfentanil (29,8 mL/kg/min) e 6 vezes maior do que o clearance do GR90291 (10,6 mL/kg/min). Não encontram-se disponíveis na literatura dados referentes à meia-vida contexto sensível do remifentanil após sua administração no cão. Nessa espécie, o tempo de 40 meia-vida de eliminação (t1/2β) foi mais baixo para o remifentanil (5,59 minutos) do que para o GR90291 (19,2 min) e o alfentanil (19,9 min) (Hoke et al., 1997a). Essas propriedades conferem ao remifentanil uma característica favorável à administração por infusão. O fato de possuir início e término de efeito rápidos facilita a titulação da dose administrada. Adicionalmente, seu perfil farmacocinético permite a administração por curtos períodos ou por infusões prolongadas, mesmo em pacientes neonatos, geriatras, obesos e portadores de nefropatia ou hepatopatias, sem o risco de acúmulo no plasma e efeitos residuais prolongados (Glass, 1995). Potência Relativa e Efeitos do Remifentanil Sobre a CAM Tradicionalmente, a potência analgésica dos opióides é determinada com base em estudos verificando a relação entre doses crescentes dos fármacos (geralmente administrados na forma de bolus) e seus efeitos analgésicos correspondentes (Glass et al., 1999). Apesar de haver alguma confusão, “potência” e “eficácia” são termos farmacologicamente distintos: a “eficácia” implica na magnitude de efeito produzida por um fármaco (ex: um opióide) em relação ao efeito máximo possível (ex: intensidade da analgesia) independente da dose administrada; o termo “potência” está relacionado à dose necessária para se atingir uma determinada intensidade de efeito (ex: analgesia) (Muir & Sams, 2002; Coda, 2004). Com base em estudos de dose-resposta, a potência relativa dos opióides é determinada de forma comparativa à morfina, opióide utilizado como padrão de comparação ao qual se atribui a potência relativa de 1 (Wagner, 2002). No entanto, o fato de um opióide ser um analgésico mais potente do que a morfina, não implica que o mesmo seja um analgésico mais eficaz (Coda, 2004). Um exemplo típico que ilustra esta situação é o butorfanol, que é considerado um opióide 3 a 5 vezes mais potente que a morfina (Wagner, 2002). No entanto, a eficácia analgésica do butorfanol é inferior à da morfina, sendo caracterizada por um efeito teto característico (Muir & Sams, 2002; Wagner 2002). Embora a potência relativa dos opióides agonistas μ totais possa variar de forma substancial, considera-se que todos os opióides desta categoria apresentam eficácia analgésica elevada e superior à dos opióídes agonistas κ e antagonistas μ (butorfanol) ou a dos agonistas μ parciais (buprenorfina) (Muir & Sams, 2002; Wagner 2002). No caso dos opióides de curta duração como o fentanil, alfentanil, sufentanil e remifetanil, a administração se faz predominantemente por infusão contínua ao invés de 41 bolus. Comparativamente à potência verificada após administração por meio de bolus intravenoso, a potência de um opióide administrado por infusão contínua pode ser substancialmente diferente devido a diferenças na concentração do fármaco no compartimento de efeito (Glass et al., 1999). Além da potência analgésica, outras formas de avaliação da potência foram sugeridas como: 1) a capacidade de inibir o limiar espectral do eletroencefalograma (EEG) (Scott et al., 1985, 1991; Hoke et al., 1997a); 2) a dose necessária à indução de inconsciência (Jhaveri et al., 1997); 3) a habilidade de inibir movimentos grosseiros, após a incisão da pele ou estimulação elétrica, quando associado a um anestésico injetável como o propofol (Kazama et al., 1998; Beier, 2007); 4) a capacidade de diminuir a CAM de anestésicos inalatórios (Murphy & Hug Jr, 1982a, b; Hall et al., 1987a, b; Michelsen et al., 1996); e 5) desencadeamento de um grau determinado de depressão respiratória (Glass et al., 1999; Bouillon et al., 2003). Apesar de haver variabilidade na dose necessária de um determinado opióide para produzir cada um dos efeitos citados, sua potência em relação a outros opióides parece consistente (Glass et al., 1999). Em cães, a potência dos opióides vem sendo tradicionalmente avaliada pela habilidade desses fármacos em reduzir a CAM do enflurano (Murphy & Hug Jr, 1982a, b; Hall et al., 1987a, b; Michelsen et al., 1996). Os agonistas μ totais, além de serem os opióides de maior eficácia analgésica, também apresentam maior eficácia na redução da CAM dos halogenados quando comparados aos agonistas κ / antagonistas μ (butorfanol e nalbufina). De forma geral, a redução máxima da CAM dos halogenados em cães é de até 70% com o uso de agonistas μ totais, enquanto para o butorfanol e a nalbufina, o efeito redutor máximo foi de 11% e 8%, respectivamente (Murphy & Hug Jr, 1982b). Embora a eficácia na redução da CAM seja semelhante entre os opióides agonistas μ totais derivados da fenilpiperidina (aproximadamente 70%), a dose necessária para produzir esse efeito difere significativamente e, por conseqüência, as potências dos opióides no que se refere à sua ação redutora da CAM também varia consideravelmente (Murphy & Hug Jr, 1982a, b; Hall et al., 1987a, b; Michelsen et al., 1996). De acordo com os resultados desses estudos, realizados em cães, o remifentanil pareceu apresentar potência de 1/15 em relação ao sufentanil, 1/2 em relação ao fentanil e 3 a 5 vezes a potência do alfentanil (Michelsen et al., 1996). As ondas do EEG podem ser processadas para se obter a atividade de ondas delta e bandas de limiar espectral, as quais podem ser utilizadas para comparar a potência relativa de diferentes opióides, através da análise da relação entre a concentração sanguínea do 42 fármaco e o efeito sobre o EEG (Scott et al., 1985, 1991; Hoke et al., 1997a). Baseado nesses resultados, as potências relativas do remifentanil e do seu metabólito principal (GR90291) foram estimadas em cães através da monitoração do EEG (Hoke et al., 1997a). As alterações temporais observadas no EEG apresentaram boa correlação com as alterações na concentração sanguínea dos fármacos. As concentrações necessárias para se obter uma modificação em 50% na atividade do EEG (CE50), durante a anestesia com isoflurano e óxido nitroso, variaram de 0,64 a 0,97 ng/mL para o remifentanil; 2930 a 4515 ng/mL para o GR90291; e 4,0 a 7,7 ng/mL para o alfentanil. Baseado nesses dados, o remifentanil demonstrou ser aproximadamnete 8 vezes mais potente que o alfentanil e 4600 vezes mais potente que o seu metabolólito (GR90291). Baseado nesses resultados e em um estudo anterior (Westmoreland et al., 1993) considera-se que o principal metabólito do remifentanil possua atividade biológica insignificante nas doses administradas em situações clínicas (Hoke et al., 1997a). Estudos tem demonstrado que o efeito redutor sobre a CAM pelos opióides pode se alterar ao longo do tempo (Hall et al., 1987b; Steffey et al., 1993; Machado et al., 2006). Essas diferenças entre os valores de CAM de determinado halogenado na presença de um mesmo opióide podem ser explicadas por variações na dose do opióide e pelo tempo decorrido desde a administração até a determinação da CAM. Para um opióide administrado por meio de bolus único, existe uma relação inversamente proporcional entre o tempo decorrido entre o bolus inicial e a porcentagem de redução da CAM (Steffey et al., 1993). A redução da ação potencializadora do opióide com a progressão do tempo se deve à diminuição das concentrações plasmáticas do fármaco com conseqüente redução da sua concentração no compartimento de efeito (Steffey et al., 1993). Ao contrário do que ocorre após a administração de bolus único, poderia se sugerir que, durante infusões prolongadas de opióides cuja meia-vida contexto sensível aumenta em função do tempo de infusão, como é o caso do fentanil (Egan et al., 1993), pode haver redução adicional da CAM devido ao seu rápido acúmulo no plasma com a progressão da infusão. No entanto, não foram encontrados na literatura estudos sobre o efeito de infusões prolongadas de fentanil sobre a CAM de anestésicos voláteis. Ao contrário do fentanil, opióides como o alfentanil e o sufentanil possuem perfil farmacocinético mais adequado para infusões prolongadas que o fentanil devido a menor influência do tempo de infusão sobre a sua meia-vida contexto-sensível (Egan et al., 1993). Um outro fator que pode interferir na redução da CAM pelos opióides durante infusões prolongadas é o surgimento de tolerância aguda. A administração do sufentanil em cães resultou em tolerância aguda, caracterizada pela diminuição em seu efeito redutor sobre a 43 CAM do enflurano durante infusões de 4 a 8 horas de duração (Hall et al., 1987b). Tolerância também foi sugerida durante a anestesia com fentanil e enflurano (Schwieger et al., 1989). No entanto, a evidência de tolerância nesse estudo foi baseada na inexistência de efeito aditivo entre uma dose elevada de fentanil e uma infusão constante de midazolam. Portanto, outros estudos são necessários para determinar se infusões de fentanil resultam em redução adicional na CAM, devido ao seu acúmulo, ou se a administração prolongada de fentanil pode resultar em tolerância. Dentro desse cenário, o remifentanil se destaca pelo fato de não se acumular no plasma mesmo durante infusões constantes prolongadas, característica essa que confere a esse opióide a capacidade de prorporcionar reduções estáveis na CAM dos halogenados (Michelsen et al., 1996). Em cães, a CAM do enflurano não se alterou ao longo de uma infusão constante de remifentanil mantida por um período de 9 horas (Michelsen et al., 1996). No mesmo estudo, os autores verificaram que 30 minutos após a interrupção na infusão de remifentanil, o valor da CAM do enflurano não diferiu em relação à CAM obtida antes da administração do opióide. Esses resultados sugerem que não ocorre tolerância ao longo do tempo durante a administração do remifentanil e que os processos de hidrólise enzimática por esterases, os quais são os principais responsáveis pelo rápido clearance deste opióide, não são saturáveis mesmo durante a administração de altas taxas de infusão ou infusões prolongadas (Michelsen et al., 1996). Efeitos Hemodinâmicos Genericamente, os efeitos hemodinâmicos do remifentanil em pacientes médicos não diferem daqueles causados por outros agonistas de receptores opióides do tipo μ. Durante a anestesia com isoflurano e óxido nitroso, a administração de remifentanil em doses variando de 2 a 30 μg/kg resultou em diminuição de 25 a 40% na pressão arterial sistólica e em redução de até 30% na freqüência cardíaca (Sebel et al., 1995). O mesmo estudo demonstrou que a redução na pressão arterial causada pelo remifentanil não pôde ser atribuída à liberação de histamina, uma vez que a concentração plasmática dessa amina não aumentou após a administração do opióide. Resultados similares foram observados por Glass et al. (1993). Em todos os casos, o tratamento da depressão cardiovascular foi relizado com sucesso pela adminitração de efedrina. No entanto, a partir dos resultados desses estudos, não é possível afirmar se o efeito do remifentanil sobre a pressão arterial foi causado pela diminuição no débito cardíaco, na resistência vascular sistêmica, ou em ambos. Já o efeito cronotrópico 44 negativo mediado pelos opióides vem sendo relacionado à estimulação de núcleos vagais na medula e ao bloqueio da atividade cronotrópica simpática (Reitan et al., 1978). No entanto, no caso do remifentanil, um efeito cronotrópico negativo direto foi sugerido (Tirel et al., 2005). Em outro estudo, realizado em pacientes pediátricos, uma avaliação hemodinâmica mais detalhada foi realizada através da ecocardiografia transtorácica e Doppler contínuo (Chanavaz et al., 2005). Nesse estudo, duas doses de remifentanil foram comparadas (0,25 versus 0,50 μg/kg/min) com e sem o pré-tratamento com atropina. Houve diminuição na freqüência cardíaca, pressão arterial média, no índice e contratilidade cardíacos. O pré-tratamento com atropina foi capaz de prevenir o efeito do remifentanil sobre a freqüência cardíaca mas apenas amenizou a redução no índice cardíaco. No mesmo estudo, os autores relataram ter havido elevação na resitência vascular sistêmica especialmente nos pacientes que não receberam a administração da atropina. Porém, a origem desse efeito não foi esclarecida pelos autores (Chanavaz et al., 2005). Em cães, os efeitos hemodinâmicos da administração do remifentanil em dose de 0,11 a 7,52 μg/kg/min foram estudados durante a anestesia com pentobarbital (James et al., 1992). No mesmo estudo, o alfentanil foi introduzido como controle positivo. Ambos os opióides resultaram em diminuição dose dependente na freqüência cardíaca (até 40%), pressão arterial média (20 a 25%), na razão +dP/dt (aproximadamente 30%) e no débito cardíaco (até 35%). Em outro estudo realizado em cães anestesiados com enflurano, o efeito do remifentanil sobre a freqüência cardíaca de cães pareceu apresentar um “teto” em doses a partir de 0,6 μg/kg/min, ou seja, doses mais elevadas não resultaram em maior intensidade de bradicardia (Michelsen et al., 1996). Quando comparado ao alfentanil, a magnitude das alterações hemodinâmicas causadas pelo remifentanil foi maior, especialmente durante a administração das doses mais baixas, sendo esse efeito atribuído pelos autores a maior potência do remifentanil em receptores μ (James et al., 1992). Adicionalmente, Tirel et al. (2005) sugeriram que o remifentanil parece ter maior capacidade em ativar o sistema nervoso autônomo parassimpático em relação a outros opióides, resultando em maior intensidade de bradicardia. Por outro lado, em animais tratados com remifentanil, as variáveis cardiovasculares retornaram aos valores basais decorridos 20 a 40 minutos do término da infusão, enquanto nos animais tratados com alfentanil, algumas alterações persistiram por até 60 minutos após a interrupção na infusão (James et al., 1992). 45 Basal 15 30 60 90 120 0 500 1000 1500 2000 2500 3000 3500 Propofol Propofol + Remifentanil Tempo (min) IR VS (d in as .s eg .c m -5 .m -2 ) Os efeitos do remifentanil sobre a resistência vascular sistêmica (RVS) de cães podem variar em função do anestésico ao qual o opióide é associado. Não houve alteração significativa nesse parâmetro durante a anestesia com pentobarbital (James et al., 1992). Porém, a RVS aumentou em 100% quando o remifentanil, na dose de 0,3 μg/kg/min, foi associado durante a anestesia com propofol em infusão alvo controlada (Beier, 2007). A origem do efeito sobre a RVS durante a anestesia com propofol não foi esclarecida (figura 4). Figura 4: Valores médios e desvios-padrão do índice de resistência vascular sistêmica (IRVS) em cães anestesiados com propofol ou propofol associado ao remifentanil (0,30 μg/kg/min). Modificado de Beier (2007). Efeitos Respiratórios Assim como ocorre com outros opióides agonistas de receptores μ, o remifentanil causa depressão respiratória dose-dependente, caracterizada por elevação na PaCO2 e diminuição na PaO2 e na saturação de oxigênio (Glass et al., 1993; Coda, 2004). Esse efeito ocorre em doses baixas (0,025 μg/kg/min), atingindo 90% de pacientes médicos na dose de 0,075 μg/kg/min durante a anestesia com propofol ou isoflurano (Coda, 2004). A principal vantagem do remifentanil em relação aos demais opióides agonistas de receptores μ, no que diz respeito aos efeitos respiratórios, é a possibilidade da utilização de altas doses (objetivando máxima analgesia) quando a ventilação artificial é empregada. A interupção na infusão de remifentanil resultará em ventilação espontânea adequada em até 10 minutos (Glass et al., 1999). 46 Efeitos dos Opióides Sobre a Liberação de Arginina Vasopressina (AVP) A vasopressina, também denominada hormônio anti-diurético, é o hormônio mais importante na regulação da osmolalidade plasmática e na conservação de água (Jackson, 2001). Esse peptídeo endógeno é sintetizada por células neurosecretoras magnocelulares localizados principalmente nos núcleos supra-óptico e paraventricular do hipotálamo. Essas células emitem axônios até a neurohipófise onde a vasopressina é secretada (Brown et al., 2000). Na maior parte das espécies, a vasopressina é sintetizada sob a forma de arginina vasopressina (AVP). Porém, nos suínos e nas aves, outras formas são encontradas: lisina vasopressina e arginina vasotocina, respectivamente (Cunningham, 2002a). A liberação de AVP pela neurohipófise ocorre em resposta ao aumento na osmolalidade plasmática, na hipovolemia e na hipotensão, podendo ocorrer, também, durante a hipóxia, náuseas e dor (Jackson, 2001). O efeito regulador da AVP sobre o equilíbrio hidríco é mediado pela ativação de receptores de membrana do tipo V2, localizados nas células dos túbulos distais e tubos coletores renais, resultando em aumento na reabsorção de água (Cunningham, 2002a). Além do efeito regulador sobre o equilíbrio hídrico, a AVP é dotada de grande capacidade vasoconstritora sendo esse efeito mediado pela ativação de receptores do tipo V1 presentes na musculatura lisa vascular (Jackson, 2001). Os efeitos dos opióides sobre a liberação de AVP são contraditórios. Demonstrou- se um aumento de aproximadamente 5 vezes na concentração plasmática de AVP em cães após a administração de morfina (Rockhold et al., 1983) e de 40 vezes após a administração da metadona (figura 5) (Hellebrekers et al., 1989). No homem, foi relatado aumento na concentração plasmática de AVP após a administração do fentanil (Lehtinen et al., 1984). Embora a administração de morfina tenha resultado em aumento na concentração plasmática de AVP, os autores sugeriram que esse efeito tenha sido causado pela diminuição na pressão arterial e não pela morfina em si (Rockhold et al., 1983). Porém, essa hipótese foi descartada no caso da elevação na vasopressina plasmática pela metadona, uma vez que a administração desse opióide não resultou em hipotensão e, adicionalmente, a administração de naloxone preveniu completamente a elevação na concentração plasmática de AVP (Hellebrekers et al., 1989). Resultados semelhantes foram observados após a administração do fentanil precedido ou não pelo naloxone em pacientes médicos (Lehtinen et al., 1984). Um papel estimulatório na liberação de AVP por opióides endógenos também foi sugerido em ratos (Ishikawa & Schrier, 1982). Esses autores relataram que a administração de dois antagonistas de receptores opióides (naloxone e oxilorfan) inibiu a liberação de AVP em resposta à hiperosmolaridade e 47 em resposta à hipovolemia. Outro resultado intrigante foi relatado por Beier (2007). Nesse estudo, foi observada uma elevação de aproximadamente 100% no índice de resistência vascular sistêmica em cães anestesiados com propofol e remifentanil. A magnitude de elevação nesse parâmetro foi menor (75%) durante a anestesia exclusivamente com propofol (Beier, 2007). Sendo a vasopressina um peptídeo com ação vasopressora, é possível que a elevação na resistência vascular sistêmica tenha decorrido da liberação de vasopressina pelo remifentanil. Figura 5: Efeito da administração de diferentes doses de metadona sobre a concentração plasmática de arginina vasopressina (AVP) em cães. Modificado de Hellebrekers et al. (1989). Por outro lado, há uma tendência na literatura em atribuir um efeito inibidor aos opióides no que se refere à liberação de AVP. Foi relatado que os opióides agonistas de receptores κ são os responsáveis pela inibição na liberação de vasopressina tendo em vista a sua grande concentração na neurohipófise (Bicknell, 1988; Brown et al., 2000). Porém, outros estudos sugeriram também um efeito inibidor pelos agonistas μ (Brown et al., 2000; Ortiz- Miranda et al., 2003). Essa inibição pode ocorrer tanto por mecanismos pré quanto pós- sinápticos (Brown et al., 2000). 48 JUSTIFICATIVA E HIPÓTESES Além de propocionarem um certo grau de miorrelaxamento, os anestésicos inalatórios são agentes hipnóticos por excelência, sendo ambas as características componentes essenciais em uma técnica anestésica balanceada (Haskins, 1996). Nesse contexto, o isoflurano se destaca pelo seu perfil farmacocinético, o qual possibilita o rápido controle do plano anestésico através do ajuste da dose administrada (Hall et al., 2001). Além dessa característica desejável, a anestesia com o isoflurano resulta em recuperação rápida da anestesia, com mínimo efeito residual, por ser um fármaco eliminado praticamente em sua totalidade pela via pulmonar (Steffey, 1996). No entanto, seu isso isolado como agente de manutenção anestésica é desvantajoso uma vez que esse fármaco, como os demais agentes inalatórios, não possui ação analgésica específica (Hall et al., 2001; Ebert & Schmid, 2004). Somando-se a esse fato, o emprego isolado de anestésicos voláteis pode resultar em depressão cardiopulmonar excessiva, uma vez que doses elevadas são necessárias para se prevenir a movimentação do paciente e para abolir a resposta cardiovascular induzida pelo estímulo cirúrgico (Roizen et al., 1981; Ilkiw, 1999). Os opióides da familia das fenilpiperidinas, como o fentanil, o alfentanil e o sufentanil são indicados para uso intraoperátorio em associação aos anestésicos inalatórios por proporcionarem analgesia, por inibirem a resposta simpática ao estímulo cirúrgico, e por potencializarem os agentes halogenados (Murphy & Hug Jr, 1982a; Hall et al., 1987a, b; Michelsen et al., 1996). No entanto, opióides como o fentanil podem se acumular no plasma durante infusões mantidas numa taxa constante por períodos de tempo prolongados, fênomeno esse que dificulta o controle do plano anestésico e pode, ainda, resultar em recuperação prolongada associada à depressão respiratória (Egan et al., 1993). Embora o alfentanil e o sufentanil representem avanços em relação ao fentanil, por serem opióides com menor tendência a se acumular no plasma durante infusões prolongadas (Egan et al., 1993), o primeiro opióide desenvolvido com perfil farmacocinético próximo do ideal para administração sob a forma de infusão contínua foi o remifentanil, uma vez que seus processos de inativaçã