MARCELA LUANA SUTTI METODOLOGIA DE ANÁLISE DA QUALIDADE DA HABITAÇÃO SOCIAL: Projetos de Intervenção em cortiços nos centros históricos de São Paulo (Brasil) e Buenos Aires (Argentina) BAURU 2022 MARCELA LUANA SUTTI METODOLOGIA DE ANÁLISE DA QUALIDADE DA HABITAÇÃO SOCIAL: Projetos de Intervenção em Cortiços nos centros históricos de São Paulo (Brasil) e Buenos Aires (Argentina) Dissertação apresentada ao Programa de Pós- graduação em Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", campus de Bauru, como requisito final para a obtenção do título de Mestre Orientadora: Profa. Associada Rosio Fernández Baca Salcedo BAURU 2022 Sutti, Marcela Luana. Metodologia de análise da qualidade da habitação social: projetos de intervenção em cortiços nos centros históricos de São Paulo (Brasil) e Buenos Aires (Argentina) / Marcela Luana Sutti, 2022 254 f. : il. Orientadora: Rosio Fernández Baca Salcedo Dissertação (Mestrado)–Universidade Estadual Paulista (Unesp). Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design, Bauru, 2022 1. Habitação Social. 2. Qualidade. 3. Centros históricos. 4. Cortiços. I. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design. II. Título. AGRADECIMENTOS A vida me surpreende com oportunidades maravilhosas que aceito com muita vontade e frio na barriga. Nada que é novo, incrível e me tira da zona de conforto vai ser enfrentado sem um pouquinho de medo. Esse medo vem da ânsia para fazer dar certo, mas nem sempre as coisas ocorrem como planejamos. As vezes nos deparamos com mudanças de percurso, combinados que não dão certo, compromissos que são cancelados, respostas diferentes do que esperávamos, ou até mesmo uma pandemia de um par de anos. Para comemorar as oportunidades e superar os desvios de rota, eu tive junto a mim pessoas inestimáveis que fizeram da minha jornada ainda mais valiosa e do meu trabalho possível, pessoas a quem tenho muito a agradecer. Agradeço à minha orientadora Profa. Associada Rosio Fernández Baca Salcedo, que me guiou de perto durante todo o percurso e me acompanhou além- fronteiras para garantir a máxima qualidade de meu trabalho. À Profa. Dra. Renata Magagnin e ao Prof. Dr. Victor Delgadillo por suas contribuições valiosas nas bancas de Qualificação e Defesa. Aos funcionários do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design da UNESP, que mantiverem o apoio aos alunos mesmo virtualmente e à CAPES pelo auxílio financeiro investido nesta pesquisa. Às novas amizades que o mestrado me proporcionou, que se mostraram sempre presentes quando eu precisava. Ao Maurício Bárcenas por me acolher tão bem e ser quase um segundo orientador, me ajudando desde o começo e de todas as formas possíveis. E à Rayane e Maria Carolina que mesmo com contato somente virtual, juntam uma força tarefa se preciso de ajuda. À irmã que Deus me deu, Maiara Oliveira, por ser sempre meu ombro pra chorar e companheira de conquistas, por trilhar esse percurso comigo mesmo estando longe e pelas muitas outras histórias que viveremos juntas. Ao Alex que me apoiou incondicionalmente nestes últimos dois anos, acreditando plenamente em minha capacidade e potencial de crescimento, até mesmo mais que eu mesma. Agradeço também às pessoas que colaboraram com minhas entrevistas. Ao representante do Movimento Morar no Centro, Gege e os moradores do Casarão do Carmo, ao Hernán e às delegadas da Manzana de San Francisco, que se dispuseram a contar a história de suas vidas para tornar possível esta pesquisa. Por fim, agradeço a Deus que fez tudo isso possível, e especialmente a minha família, minhas irmãs Amanda, Juliana e Janaína e aos meus pais Cidinha e Marcio, por me apoiarem e sempre desejarem e darem o melhor para minha vida, por me colocarem em primeiro lugar, acreditarem em mim e por todo o amor envolvido. RESUMO Devido a forma de desenvolvimento e expansão das cidades da América Latina, os seus centros históricos concentram edificações com valores históricos, artísticos, científicos e de identidade, porém também desigualdades sociais que refletem em habitações com condições precárias para população de baixa renda, como os cortiços. Assim, o objetivo é propor um método para analisar a qualidade da habitação social em cortiços localizados em centros históricos. Os estudos de caso foram realizados em duas cidades da América Latina, sendo: Casarão do Carmo em São Paulo (Brasil) e Manzana de San Francisco em Buenos Aires (Argentina). O método proposto para análise é exploratório-descritivo, com base na Arquitetura Dialógica, complementada com os parâmetros de moradia adequada estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (1991), os conceitos essenciais à moradia de Montaner (2011), e os padrões mínimos de qualidade definidos pela Secretaria de Habitação da Argentina (2019). O método analisa os parâmetros do Texto (edifício habitacional), com os parâmetros de seu Contexto (projeto de intervenção em cortiços e centros históricos da América Latina) e a síntese das relações entre parâmetros das dimensões do Texto e Contexto, possibilitando identificar a qualidade da habitação dos projetos estudados. Os resultados mostram que o método deve adaptar-se a cada estudo de caso, mantendo o diálogo entre as dimensões do Texto e Contexto e adequando os indicadores aos objetos de análise. No Casarão do Carmo, os parâmetros não dialógicos foram Promoção, Segurança de Posse, Conforto Ambiental, Adaptabilidade, Sustentabilidade, Habitabilidade, Acompanhamento; os parcialmente dialógicos foram Diretrizes de Projeto, Identidade do Projeto, Desenho do Conjunto, Sistemas Construtivos, Adequação Cultural; e os que atendem ao Contexto foram Financiamentos, Subsídios, Gestão Participativa, Beneficiários, Localização, Disponibilidade de Serviços, Reabilitação Patrimonial, Percepção do Usuário, Economicidade e Acessibilidade. Na Manzana de San Francisco os parâmetros não dialógicos foram Acessibilidade, Sustentabilidade e Habitabilidade; os parcialmente dialógicos foram Financiamentos e Acompanhamento; e os demais atendem às necessidades do Contexto. Além disto, foram propostas diretrizes para colaborar com a obtenção da moradia digna nas dimensões de gestão, projeto, construção e uso social. Palavras-chave: Habitação Social, Cortiços, Qualidade habitacional, Centros históricos, América Latina. RESUMEN Debido al desarrollo y expansión de las ciudades de América Latina, sus centros históricos concentran edificios con valores históricos, artísticos, científicos y de identidad; existiendo también grandes desigualdades sociales, entre ellas las condiciones de vivienda. Así, el objetivo es proponer un método para analizar la calidad de la vivienda social en conventillos situados en los centros históricos. Los estudios de caso se llevaron a cabo en dos ciudades latinoamericanas: Casarão do Carmo en San Pablo (Brasil) y La Manzana de San Francisco en Buenos Aires (Argentina). El método propuesto para el análisis es exploratorio y descriptivo, con base en la Arquitectura Dialógica, complementado con los parámetros de vivienda adecuada establecidos por la Organización de las Naciones Unidas (1991), los conceptos esenciales de la vivienda por Montaner (2011), y los estándares mínimos de calidad definidos por la Secretaría de Vivienda de Argentina (2019). El método analiza los parámetros del Texto (edificio de viviendas), con los parámetros de su Contexto (proyecto de intervención en conventillos y centros históricos de América Latina) y la síntesis de las relaciones entre los parámetros de las dimensiones del Texto con su Contexto, permitiendo identificar la calidad de la vivienda en los proyectos estudiados. Los resultados muestran que el método debe adaptarse a cada caso de estudio, manteniendo el diálogo entre las dimensiones Texto y Contexto y adaptando los indicadores a los objetos de análisis. En Casarão do Carmo, los parámetros no dialógicos fueron la Promoción, la Seguridad de la Tenencia, el Confort Ambiental, la Adaptabilidad, la Sostenibilidad, la Habitabilidad, el Acompañamiento; los parcialmente dialógicos fueron las Directrices del Proyecto, la Identidad del Proyecto, la Escenografía, los Sistemas Constructivos, la Adecuación Cultural; y los que responden al Contexto fueron la Financiación, las Subvenciones, la Gestión Participativa, los Beneficiarios, la Localización, la Disponibilidad de Servicios, la Rehabilitación del Patrimonio, la Percepción del Usuario, la Economicidad y la Accesibilidad. En la Manzana de San Francisco los parámetros no dialógicos fueron la Accesibilidad, la Sostenibilidad y la Habitabilidad; los parcialmente dialógicos fueron la Financiación y el Seguimiento; y los demás responden a las necesidades del Contexto. Además, se propusieron directrices para colaborar con la consecución de una vivienda digna en las dimensiones de gestión, diseño, construcción y uso social. Palabras clave: Vivienda social, conventillos, calidad de la vivienda, centros históricos, América Latina. ABSTRACT Due to the manner of development and expansion of Latin American cities, their historical centres concentrate buildings with historical, artistic, scientific and identity values, but also social inequalities that are reflected in precarious housing conditions for the low-income population, such as tenements. Therefore, the aim is to propose a method to analyse the quality of social housing in tenements located in historic centers, The case study was carried out in two Latin American cities, being: ‘Casarão do Carmo’ in São Paulo (Brazil) and ‘Manzana de San Francisco’ in Buenos Aires (Argentina). The method proposed for analysis is exploratory-descriptive, based on Dialogical Architecture, complemented with the parameters of adequate housing established by the United Nations Organization (1991), Montaner's (2011) essential concepts of housing, and the minimum standards of quality defined by the Secretariat of Housing of Argentina (2019). The method analyses the parameters of the Text (housing building), with the parameters of its Context (intervention project in tenements and historical centres in Latin America) and the synthesis of the relations between parameters of the Text and Context dimensions, making it possible to identify the housing quality of the studied projects. The results show that the method should be adapted to each case study, maintaining the dialog between Text and Context dimensions and adapting the analysis parameters. In ‘Casarão do Carmo’, the non- dialogical parameters were: Promotion, Security of Tenure, Habitability, Environmental Comfort, Adaptability, Sustainability, Maintenance; the partially dialogical ones were Project Guidelines, Project Identity, Design, Building Systems, Cultural Adequacy; and those that meet the Context were Financing, Subsidies, Participatory Management, Beneficiaries, Location, Availability of Services and Facilities, Heritage Building, Perception, Affordability, Accessibility. In the ‘Manzana de San Francisco’ the non- dialogical parameters were Accessibility, Sustainability, Habitability; the partially dialogical ones were Financing, Maintenance; and the others parameters meet the needs of the Context. Besides this, guidelines were proposed to collaborate with the attainment of adequate housing in the dimensions of management, project, construction and social use. Keywords: Social Housing, Tenement houses, Housing quality, Historic centres, Latin America LISTA DE FIGURAS Figura 1: Déficit habitacional quantitativo e qualitativo na América Latina ............................ 34 Figura 2: Relação habitante - mundo ................................................................................... 40 Figura 3: Ciclo hermenêutico ............................................................................................... 59 Figura 4: Tríplice natureza do cronotopo socio-físico ........................................................... 60 Figura 5: Diagrama da arquitetura dialógica, narratividade, cronotopo e topogênese. ......... 62 Figura 6: Diagrama de etapas da metodologia..................................................................... 64 Figura 7: Mapa de zonas bioclimáticas do Brasil ................................................................. 75 Figura 8: dimensões para acessibilidade universal .............................................................. 77 Figura 9: Relações entre dimensões da Arquitetura Dialógica ............................................. 86 Figura 10: Matriz modelo de relações dialógicas ................................................................. 87 Figura 11: Casarão do Carmo - pátio ................................................................................... 89 Figura 12: Manzana de San Francisco após intervenção ..................................................... 89 Figura 13: Localização do Casarão do Carmo ..................................................................... 91 Figura 14: Insolação e ventos no entorno do Casarão do Carmo......................................... 91 Figura 15: Equipamentos e serviços urbanos no contexto do Casarão do Carmo ............... 92 Figura 16: Levantamento de cortiços e empreendimentos habitacionais entregues no centro de São Paulo ....................................................................................................................... 93 Figura 17: População por sexo e idade do distrito da Sé – dados de 2015 .......................... 95 Figura 18: Demarcação das fachadas das quadras no entorno imediato do Casarão do Carmo. ................................................................................................................................. 96 Figura 19: Arquitetura das fachadas da Rua do Carmo ....................................................... 97 Figura 20: Arquitetura das fachadas da Rua Tabatinguera .................................................. 97 Figura 21: Arquitetura das fachadas da Rua Silveira Martins ............................................... 98 Figura 22: Arquitetura das fachadas da Rua das Flores ...................................................... 98 Figura 23: Planta Imperial da cidade de São Paulo levantada em 1810............................. 100 Figura 24: Rua do Carmo em 1910 .................................................................................... 101 Figura 25: Zoneamento da área onde se localiza o Casarão do Carmo ............................. 105 Figura 26: Projeto de intervenção habitacional no cortiço do Casarão do Carmo - Rua Tabatinguera, nº273 .......................................................................................................... 109 Figura 27: Casarão da Rua do Carmo, nº198. ................................................................... 110 Figura 28: Cortiço antes da intervenção............................................................................. 111 Figura 29: Equipamentos e serviços urbanos no contexto do Casarão do Carmo ............. 112 Figura 30: Equipamentos e serviços urbanos no contexto do Casarão do Carmo ............. 114 Figura 31: Testada do Casarão do Carmo em 2019 .......................................................... 115 Figura 32: Implantação original do Casarão do Carmo ...................................................... 116 Figura 33: Corte do Casarão do Carmo - tipologias de projeto. ......................................... 116 Figura 34: Análise das espacialidades do Casarão do Carmo ........................................... 118 file:///G:/Meu%20Drive/MESTRADO/UNESP/1.%20PESQUISA/PESQUISA_TEXTO/20220421%20Dissertação%20para%20correção%20final_02.docx%23_Toc101790489 file:///G:/Meu%20Drive/MESTRADO/UNESP/1.%20PESQUISA/PESQUISA_TEXTO/20220421%20Dissertação%20para%20correção%20final_02.docx%23_Toc101790491 file:///G:/Meu%20Drive/MESTRADO/UNESP/1.%20PESQUISA/PESQUISA_TEXTO/20220421%20Dissertação%20para%20correção%20final_02.docx%23_Toc101790506 file:///G:/Meu%20Drive/MESTRADO/UNESP/1.%20PESQUISA/PESQUISA_TEXTO/20220421%20Dissertação%20para%20correção%20final_02.docx%23_Toc101790507 file:///G:/Meu%20Drive/MESTRADO/UNESP/1.%20PESQUISA/PESQUISA_TEXTO/20220421%20Dissertação%20para%20correção%20final_02.docx%23_Toc101790508 file:///G:/Meu%20Drive/MESTRADO/UNESP/1.%20PESQUISA/PESQUISA_TEXTO/20220421%20Dissertação%20para%20correção%20final_02.docx%23_Toc101790509 Figura 35: Implantação 1º pavimento executados do Casarão do Carmo .......................... 119 Figura 36: Análise da área por cômodo dos tipos habitacionais do Casarão do Carmo ..... 122 Figura 37: Layout sugerido pelo escritório de arquitetura responsável pelo projeto arquitetônico. ..................................................................................................................... 123 Figura 38: Análise da ventilação cruzada na tipologia 1 ..................................................... 125 Figura 39: Apartamento adaptado para PcD - Tipo 4 ......................................................... 129 Figura 40: Manifestações patológicas visíveis no Casarão do Carmo ................................ 133 Figura 41: Projeto de reabilitação do casarão voltado à rua Do Carmo ............................. 135 Figura 42: Índices socioeconômicos das famílias dos entrevistados. ................................. 137 Figura 43: Sente que pertence a este lugar/ Como se sente em relação à segurança? ..... 138 Figura 44: Como avalia a aparência do edifício? ............................................................... 139 Figura 45: Como avalia o apartamento no verão/no inverno? ............................................ 140 Figura 46: Como avalia a iluminação e ventilação no apartamento? .................................. 141 Figura 47: Quais as vantagens/desvantagens de morar no centro da cidade? .................. 142 Figura 48: Como avalia o tamanho do apartamento e cômodos? ...................................... 145 Figura 49: Tem dificuldade em pagar parcelas mensais/serviços? .................................... 146 Figura 50: Trajetória para conquistar a moradia. ................................................................ 147 Figura 51: Como avalia a acessibilidade no edifício? ......................................................... 148 Figura 52: Onde realiza compras para alimentação? ......................................................... 148 Figura 53: Qual serviço de saúde utiliza? .......................................................................... 149 Figura 54: Que lugar frequenta para lazer? ....................................................................... 150 Figura 55: Que meio de transporte utiliza? ........................................................................ 150 Figura 56: O que mais gosta/menos gosta no condomínio? ............................................... 151 Figura 57: O que mais gosta/menos gosta no condomínio? ............................................... 152 Figura 58: O apartamento atende suas necessidades? Como se sente com a moradia? .. 153 Figura 59: Frequência de inclusão na tomada de decisões................................................ 154 Figura 60: Matriz de relações dialógicas do Casarão do Carmo. ....................................... 155 Figura 61: Localização do bairro Montserrat ...................................................................... 159 Figura 62: Insolação e ventilação nos edifícios reabilitados. .............................................. 160 Figura 63: Equipamentos e serviços urbanos no contexto da Manzana de San Francisco 161 Figura 64: Mapa das linhas de metrô de Buenos Aires ...................................................... 162 Figura 65: População da Comuna 1 de Buenos Aires por faixa etária e gênero. ................ 163 Figura 66: Habitantes por moradia da Comuna 1 de Buenos Aires. ................................... 163 Figura 67: População da Comuna 1 de Buenos Aires por faixa etária e gênero. ................ 164 Figura 68: População da Comuna 1 de Buenos Aires por faixa etária e gênero. ................ 164 Figura 69: Fachadas que compõe a Manzana de San Francisco. ...................................... 165 Figura 70: Fachadas da Rua Balcarce ............................................................................... 166 Figura 71: Fachadas da Rua Moreno ................................................................................. 166 Figura 72: Fachadas da Rua Defensa ............................................................................... 167 Figura 73: Fachadas da Rua Alsina ................................................................................... 167 Figura 74: Manzana Franciscana em 1860 – Plano Catastro de la Ciudad de Buenos Aires .......................................................................................................................................... 169 Figura 75: Área de Protección Historica ............................................................................. 174 Figura 76: Moradores em assembleia ................................................................................ 176 Figura 77: Graus de intervenção em edifícios com proteção estrutural .............................. 178 Figura 78: Axonometria das edificações reabilitadas na manzana de San Francisco ......... 179 Figura 79: Edificações reabilitadas na Manzana de San Francisco .................................... 179 Figura 80: Vista interior da casa de pátios da rua Moreno antes da reabilitação ................ 180 Figura 81: Vistas de pátios degradado antes da reabilitação. ............................................ 181 Figura 82: Esquina das ruas Balcarce com Alsina antes da reabilitação. ........................... 181 Figura 83: Acesso a Escuela de Danza, obra do arquiteto Ernesto Sakman. Antes da reabilitação. ....................................................................................................................... 181 Figura 84: Equipamentos e serviços urbanos no contexto da Manzana de San Francisco. 183 Figura 85: Corredor da Balcarce 275 reabilitado. ............................................................... 185 Figura 86: Pátio da Balcarce 217/29/35 atualmente. .......................................................... 186 Figura 87: Esquinas Alsina/Balcarce e Moreno/Balcarce atualmente. ................................ 186 Figura 88: Planta térreo de demolição e construção de paredes e áreas cobertas. ........... 188 Figura 89: Planta do térreo reabilitado. .............................................................................. 188 Figura 90: Planta do 1º pavimento reabilitado .................................................................... 188 Figura 91: Planta do 2º pavimento reabilitado. ................................................................... 189 Figura 92: Desenhos das fachadas Balcarce – Alsina – Moreno........................................ 189 Figura 93: Espacialidades nas edificações reabilitadas. .................................................... 191 Figura 94: Tipos de unidades habitacionais selecionados para análise. ............................ 192 Figura 95: Planta dos apartamentos selecionados. ............................................................ 192 Figura 96:Análise das áreas dos cômodos dos apartamentos. .......................................... 195 Figura 97: Tipologias selecionadas para análise ................................................................ 197 Figura 98: Fachada antes e após a reabilitação. ................................................................ 205 Figura 99: Índices socioeconômicos das famílias dos entrevistados. ................................. 207 Figura 100: Sente que pertence a este lugar/ Como se sente em relação à segurança? ... 208 Figura 101: Como avalia a aparência do edifício? ............................................................. 209 Figura 102: Como avalia o apartamento no verão/no inverno? .......................................... 210 Figura 103: Como avalia a iluminação e ventilação no apartamento? ................................ 211 Figura 104: Quais as vantagens/desvantagens de morar no centro da cidade? ................ 212 Figura 105: Avaliação do tamanho do apartamento e cômodos. ........................................ 214 Figura 106: Tem dificuldade de pagar parcelas mensais/serviços? ................................... 215 Figura 107: Como avalia a acessibilidade no edifício? ....................................................... 216 Figura 108: Onde realiza compras para alimentação? ....................................................... 217 Figura 109: Qual serviço de saúde utiliza? ........................................................................ 217 Figura 110: Que lugar frequenta para lazer? ..................................................................... 218 Figura 111: Que meio de transporte utiliza ........................................................................ 218 Figura 112: O que mais gosta/menos gosta no condomínio? ............................................. 219 Figura 113: O que mais gosta/menos gosta no apartamento? ........................................... 220 Figura 114: O apartamento atende suas necessidades? Como se sente com a moradia? 221 Figura 115: Frequência de inclusão na tomada de decisões. ............................................. 223 Figura 116: Matriz de relações dialógicas da Manzana de San Francisco. ........................ 224 LISTA DE TABELAS Tabela 1: Áreas mínimas por tipos de habitação ou dormitórios e quantidade de moradores ............................................................................................................................................ 47 Tabela 2: Áreas mínimas por cômodo ................................................................................. 48 Tabela 3: Raios de distância de equipamentos e serviços em relação à localização da habitação. ............................................................................................................................ 49 Tabela 4: Escala de qualidade para distância de equipamentos e serviços públicos à habitação ............................................................................................................................. 69 Tabela 5: Escala de avaliação da área de cômodos da habitação - Brasil ........................... 72 Tabela 6: Áreas mínimas de cômodos da habitação - Argentina ......................................... 73 Tabela 7: Escala de avaliação da área de cômodos da habitação - Argentina ..................... 73 Tabela 8: Diretrizes construtivas para Zona Bioclimática 3 .................................................. 74 Tabela 9: Orientações ótimas por zona bioclimática ............................................................ 75 Tabela 10: Orientação ideal das aberturas por cômodo da habitação - hemisfério Sul ........ 75 Tabela 11: Dimensão de aberturas para ventilação e iluminação em São Paulo ................. 76 Tabela 12: Dimensão de aberturas para ventilação e iluminação em Buenos Aires ............ 76 Tabela 13: Dimensionamento de espelhos e pisos para escadas ........................................ 77 Tabela 14: Número de moradores por dormitório da habitação ........................................... 84 Tabela 15: Escala de avaliação da área da unidade/por moradores .................................... 84 Tabela 16: População da subprefeitura Sé anos: 1980, 1991, 2000 e 2010. ....................... 94 Tabela 17: Renda da população do Distrito da Sé, por classe de rendimento nominal mensal, ano 2010. ............................................................................................................... 94 Tabela 18: Relação de domicílios e renda do distrito Sé ...................................................... 94 Tabela 19: Imóveis e distritos encortiçados na subprefeitura Sé. ......................................... 95 Tabela 20: Análise da localização do Casarão do Carmo .................................................. 112 Tabela 21: Relação de tipologias por pavimento da construção do Casarão do Carmo ..... 119 Tabela 22: Análise das áreas dos cômodos dos tipos de habitação do Casarão do Carmo. .......................................................................................................................................... 121 Tabela 23: Análise da orientação das aberturas por cômodo. ............................................ 125 Tabela 24: Análise da dimensão das aberturas por cômodo conforme o Código Sanitário de São Paulo. ......................................................................................................................... 126 Tabela 25: Análise da construção na zona bioclimática 3. ................................................. 128 Tabela 26: Dimensionamento de espelhos e pisos para escadas ...................................... 129 Tabela 27: Número de moradores por apartamento........................................................... 143 Tabela 28: Número de moradores por dormitório da habitação. ........................................ 143 Tabela 29: Escala de avaliação da área da unidade/por número de moradores. ............... 144 Tabela 30: População da Comuna 1 em Buenos Aires nos anos de 1991, 2001 e 2010. .. 162 Tabela 31: População no bairro Montserrat em Buenos Aires nos anos de 2001 e 2010. .. 162 Tabela 32: Análise da localização da Manzana de San Francisco. .................................... 183 Tabela 33: Relação de número de dormitórios na unidade habitacional por edifício e pavimento. ......................................................................................................................... 187 Tabela 34: Relação de tipologias por pavimento da construção da Manzana de San Francisco ........................................................................................................................... 193 Tabela 35: Área dos ambientes reabilitados. ..................................................................... 194 Tabela 36: Análise da orientação das aberturas por cômodo. ............................................ 197 Tabela 37: Dimensão de aberturas para ventilação e iluminação em Buenos Aires. ......... 198 Tabela 38: Número de moradores por dormitório da habitação ......................................... 213 LISTA DE QUADROS Quadro 1: Ingredientes para a concepção do lar ................................................................. 40 Quadro 2: Parâmetros para a moradia adequada ................................................................ 44 Quadro 3: Aspectos funcionais e construtivos da habitação ................................................ 50 Quadro 4: Categorias do centro histórico ............................................................................. 64 Quadro 5: Parâmetros de análise do Projeto de intervenção em cortiços ............................ 66 Quadro 6: Parâmetros de qualidade do Projeto ................................................................... 68 Quadro 7: Análise do desenho do conjunto ......................................................................... 70 Quadro 8: Parâmetros de qualidade da Construção ............................................................ 71 Quadro 9: Elementos para qualidade da habitabilidade ....................................................... 73 Quadro 10: Diretrizes para habitação com desenho universal ............................................. 77 Quadro 11: Elementos de infraestrutura e serviços na habitação ........................................ 78 Quadro 12: Análise da adaptabilidade da habitação ............................................................ 78 Quadro 13: análise dos sistemas construtivos da habitação ................................................ 79 Quadro 14: Indicadores de sustentabilidade ........................................................................ 80 Quadro 15: Diretrizes de reabilitação patrimonial ................................................................. 80 Quadro 16: Parâmetros de qualidade da Construção .......................................................... 81 Quadro 17: Análise do desenho do conjunto do Casarão do Carmo .................................. 117 Quadro 18: Análise de indicadores de habitabilidade do Casarão do Carmo. .................... 123 Quadro 19: Diretrizes para habitação com desenho universal ........................................... 129 Quadro 20: Análise da infraestrutura e serviços no Casarão do Carmo ............................. 130 Quadro 21: Análise da adaptabilidade do Casarão do Carmo. ........................................... 131 Quadro 22: Análise do sistema construtivo do Casarão do Carmo .................................... 132 Quadro 23: Análise dos indicadores de sustentabilidade do Casarão do Carmo ............... 134 Quadro 24: Análise da reabilitação e construção nova do Casarão do Carmo ................... 135 Quadro 25: Etapas de intervenção na Manzana de San Francisco .................................... 182 Quadro 26: Análise do desenho do conjunto da Manzana de San Francisco ..................... 189 Quadro 27: Análise de indicadores de habitabilidade do Casarão do Carmo. .................... 196 Quadro 28: Diretrizes para habitação com desenho universal ........................................... 199 Quadro 29: Análise da infraestrutura e serviços no Casarão do Carmo ............................. 200 Quadro 30: Análise da adaptabilidade do Casarão do Carmo. ........................................... 201 Quadro 31: Análise do sistema construtivo do Casarão do Carmo .................................... 202 Quadro 32: Análise dos indicadores de sustentabilidade do Casarão do Carmo ............... 203 Quadro 33: Análise da reabilitação e construção nova do Casarão do Carmo ................... 204 Quadro 34: Análises comparativas entre estudos de caso. ................................................ 228 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ................................................................................................... 19 1.1. Justificativa ................................................................................................ 19 1.2. Objetivo ....................................................................................................... 23 1.3. Objetivos específicos ................................................................................ 23 1.4. Estrutura da dissertação ........................................................................... 24 2. DIALOGIA EM PROJETOS DE INTERVENÇÃO EM CORTIÇOS EM CENTROS HISTÓRICOS DA AMÉRICA LATINA ...................................................................... 26 2.1. Centros históricos ........................................................................................ 26 2.1.1. Centros históricos da América Latina ....................................... 28 2.1.2. Os cortiços nos centros históricos ........................................... 31 2.2. Métodos de Intervenção no patrimônio edificado ................................... 36 2.3. Habitação .................................................................................................... 39 2.3.1. Qualidade de habitação .............................................................. 43 2.4. Projetos de intervenção em cortiços na América Latina ........................ 50 2.4.1. Projetos de intervenção: panorama geral ................................. 50 2.4.2. Intervenções em cortiços de São Paulo ................................... 52 2.4.3. Intervenções em cortiços de Buenos Aires .............................. 56 2.5. Dialogia na Arquitetura .............................................................................. 58 3. MÉTODO ............................................................................................................ 63 3.1 Análise do Contexto ................................................................................... 64 3.1.1. Centro Histórico ............................................................................. 64 3.1.2. Projeto de Intervenção em Cortiços ............................................ 66 3.2. Análise do Texto......................................................................................... 68 3.2.1. Projeto .......................................................................................... 68 3.2.2. Construção .................................................................................. 70 3.2.3. Uso social .................................................................................... 81 3.3. Relações Dialógicas ................................................................................... 85 3.4. Estudos de caso: Brasil e Argentina ........................................................ 88 4. ANÁLISE DA QUALIDADE DOS PROJETOS DE INTERVENÇÃO EM CORTIÇOS: CASARÃO DO CARMO NO CENTRO HISTÓRICO DE SÃO PAULO (BRASIL) ................................................................................................................90 4.1. Análise do Contexto ................................................................................... 90 4.1.1. Centro histórico de São Paulo ...................................................... 90 4.1.2. Projeto de Intervenção em Cortiços ........................................... 106 4.2. Análise do Texto....................................................................................... 109 4.2.1. Projeto ........................................................................................ 111 4.2.2. Construção ................................................................................ 118 4.2.3. Uso social .................................................................................. 136 4.3. Relações dialógicas ................................................................................. 154 5. ANÁLISE DA QUALIDADE DA HABITAÇÃO DE PROJETOS DE INTERVENÇÃO EM CORTIÇOS: MANZANA DE SAN FRANCISCO, CENTRO HISTÓRICO DE BUENOS AIRES, ARGENTINA ................................................... 159 5.1. Análise do Contexto ................................................................................. 159 5.1.1. Centro histórico de Buenos Aires .............................................. 159 5.1.2. Projeto de Intervenção em cortiços............................................ 174 5.2. Análise do Texto....................................................................................... 178 5.2.1. Projeto ........................................................................................ 182 5.2.2. Construção ................................................................................ 191 5.2.3. Uso Social .................................................................................. 205 5.3. Relações dialógicas ................................................................................. 224 6. ANÁLISES COMPARATIVAS DE PROJETOS DE INTERVENÇÃO EM CORTIÇOS EM CENTROS HISTÓRICOS: CASARÃO DO CARMO (SÃO PAULO, BRASIL) E MANZANA SAN FRANCISCO (BUENOS AIRES, ARGENTINA) E PROPOSTA DE DIRETRIZES ................................................................................ 228 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 237 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 244 APÊNDICE I ............................................................................................................ 252 APENDICE II ........................................................................................................... 259 19 1. Introdução Esta seção apresenta a justificativa da pesquisa, os objetivos gerais e específicos e a estruturação da Dissertação de Mestrado. 1.1. Justificativa Os centros históricos da América Latina são caracterizados pela infraestrutura consolidada, carga patrimonial, oferta de serviços, comércios, transportes coletivos e consequente concentração de emprego. A maioria dos trabalhadores e empregados possuem renda mensal de até três salários-mínimos e preferem morar no centro - muitas vezes em condições inadequadas de habitação - e próximos ao trabalho, para evitar longos deslocamentos (MARICATO, 2000). Porém, estes centros históricos apresentam um alto déficit de habitação para população de baixa renda e precariedade das moradias (cortiços), em função das insuficientes políticas e programas de habitação social. Diante da demanda por habitação para a população de baixa renda, os governos federal, estadual e municipal propuseram políticas e programas de habitação social na tentativa de atendê-la, assim como projetos de intervenção específicos em edifícios encortiçados. Por mais que as condições políticas, legislativas, físico-geográficas e culturais sejam diferentes, o problema do déficit de habitação para a população de baixa renda e as condições precárias de habitação nos centros históricos de países da América Latina são semelhantes. Diante do déficit habitacional e precariedade da moradia encontrada nos centros históricos da América Latina em forma de cortiços, cabe investigar como os países vem resolvendo essa problemática, quais são as políticas, programas ou projetos de habitação implementadas pelos governos federal, estadual ou municipal, e de que forma é possível avaliar se os projetos de intervenção em cortiços atendem critérios de qualidade habitacional que compõe uma moradia digna, atendendo plenamente às recomendações da Organização das Nações Unidas para o Habitat Mundial (1991) e também se atendem às necessidades e aos padrões culturais dos beneficiários. Os objetos de estudos selecionados nesta pesquisa são dois, localizados em diferentes países da América Latina. Primeiro analisa-se o Casarão do Carmo em São Paulo, Brasil, e posteriormente a Manzana de San Francisco em Buenos Aires, Argentina. Estes foram selecionados com base em critérios de projetos de intervenção em cortiços para utilização como habitação social que fossem localizados em centros históricos da América Latina e já estivessem implementados e 20 consolidados. Ambos os casos selecionados são intervenções em cortiços de importância para seus contextos. Na presente pesquisa, para analisar as relações do objeto de estudo (habitação social em projetos de intervenção em cortiços) com seu contexto (centros históricos da América Latina), nas dimensões do projeto, construção e uso social recorremos à dialogia na arquitetura. E para identificar quais parâmetros utilizar na análise destes projetos em centros históricos, abordar-se-á sobre centros históricos, métodos de intervenção no patrimônio arquitetônico, habitação, moradia adequada, qualidade habitacional e projetos de intervenção em cortiços. O método arquitetura e dialogia, há vinte anos, vem sendo estudado e aplicado nas pesquisas de Doutorado, junto ao Grupo de Pesquisa em Arquitetura: Projeto, Território e Sociedade (GIRAS), da Universita Politécnica de Catalunya (Espanha), principalmente sobre a orientação do Prof. Dr. Josep Muntañola. No Brasil, o método foi proposto em pesquisas para habitação social tanto em Livre-Docência (SALCEDO, 2019), e Mestrado junto ao Programa de Pós-graduação de Arquitetura e Urbanismo da UNESP (PPGARQ), como Programa de Arrendamento Residencial e PRIH (MARTINS, 2016), Programa Locação Social para Idosos (LUCREDI, 2019), Programa Parceria Público Privada (SILVA, 2020), Projeto Piloto Locação Social para População em Situação de Rua (SÁNCHEZ, 2020). Porém o método não foi ainda explorado na aplicação a estudos de projetos de intervenção em cortiços. Através de pesquisas sobre intervenções patrimoniais aplicadas em diversas cidades da América Latina, Delgadillo (2008) encontrou limitações nestes programas e projetos, como o foco em aspectos físicos, deixando de lado as políticas sociais e econômicas específicas de cada local e população. Ou seja, a falta de uma análise e aplicação prática de uma arquitetura dialógica entre as construções e as necessidades de uso social entre Textos e Contextos em questão. Bógus e Sousa (2016), através de um viés urbano e social, apontam em uma perspectiva de reabilitação urbana e patrimonio histórico as potencialidades sociais e tradições culturais. “Em raras circunstâncias, os grupos sociais estabelecidos são considerados, no âmbito das estratégias de planejamento urbano, como elementos indutores dos processos de reabilitação, ou revitalização das áreas centrais das ciudades” (BÓGUS, SOUSA, 2016, p.846). Diversos outros autores (MARICATO, 2000; DELGADILLO, 2008; PALLASMA, 2016; BÓGUS; SOUSA, 2016) abordam a necessidade de considerar a história e as tradições do lugar, assim como as características sociais e culturais ao tratar do tema 21 da habitação. Desta forma, a colaboração deste trabalho aos programas e projetos de intevenções em cortiços se apresenta na análise da qualidade habitacional, ao propor um método de investigação que considere o lugar, a gestão, o projeto, construção e uso social através de parâmetros de análise que se interliguem entra essas dimensões citadas. Justificación Los centros históricos en América Latina se caracterizan por tener una infraestructura consolidada, edificios con valor patrimonial, oferta de servicios, comercios, transporte público, así como una concentración de empleos. La mayoría de los obreros y empleados tienen ingresos mensuales de hasta tres salarios mínimos y prefieren vivir en el centro, muchas veces en condiciones precarias de vivienda y cerca del trabajo, para evitar largos desplazamientos (MARICATO, 2000). Sin embargo, estos centros históricos tienen un elevado déficit de viviendas para la población de bajos ingresos y viviendas precarias (conventillos), debido a la falta de políticas y programas de vivienda social. Ante la demanda de viviendas para la población de bajos ingresos, el gobierno federal, estatal y municipal propusieron políticas y programas de vivienda social para cumplir con la demanda, así como proyectos específicos de intervención en edificios de viviendas. A pesar de las condiciones políticas, legislativas, físico-geográficas y culturales son diferentes, el problema del déficit de la vivienda para la población de bajos ingresos y las precarias condiciones habitacionales en los centros históricos de los países latinoamericanos son similares. Ante el déficit habitacional y las precarias condiciones de vivienda que se encuentran en los centros históricos de América Latina en forma de conventillos, vale la pena investigar cómo los países han venido resolviendo este problema, cuáles son las políticas, programas o proyectos habitacionales implementados por los gobiernos federales, estatales o municipales, y cómo es posible evaluar si los proyectos de intervención en los conventillos cumplen con los criterios de calidad habitacional que conforman la vivienda digna, atendiendo plenamente las recomendaciones de la Organización de las Naciones Unidas para el Hábitat Mundial (1991) y más específicamente si cumplen con las necesidades y estándares culturales de los beneficiarios. Los objetos de estudio seleccionados en esta investigación son dos, ubicados en diferentes países de América Latina. Primero el Casarão do Carmo en São Paulo, Brasil, y luego la Manzana de San Francisco en Buenos Aires, Argentina. 22 Se seleccionaron en base a los criterios de proyectos de intervención en conventillos para uso habitacional social que estuvieran ubicados en centros históricos de América Latina y que ya estuvieran implementados y consolidados. Los dos casos seleccionados son intervenciones en viviendas de importancia para sus contextos. En la presente investigación, para analizar las relaciones del objeto de estudio (proyectos de intervención en conventillos para vivienda social) con su contexto (centros históricos de América Latina), en las dimensiones de diseño, construcción y uso social, se recurrió al diálogo en arquitectura. Y para identificar qué parámetros utilizar en el análisis de estos proyectos en el centro de la ciudad, hablaremos de los centros históricos, de los métodos de intervención en el patrimonio arquitectónico, de la vivienda, de la vivienda adecuada, de la calidad de la vivienda y de los proyectos de intervención en los conventillos. El método de arquitectura y dialogía ha sido estudiado y aplicado durante veinte años en investigaciones de doctorado en el Grupo de Investigación en Arquitectura: Proyecto, Territorio y Sociedad (GIRAS), de la Universita Politécnica de Catalunya (España), principalmente bajo la supervisión del Prof. Dr. Josep Muntañola. En Brasil, el método ha sido propuesto en investigaciones para la vivienda social tanto en Livre- Docência (SALCEDO, 2019), como en la Maestría en el Programa de Postgrado de Arquitectura y Urbanismo de la UNESP (PPGARQ), como el Programa de Arrendamiento Residencial y PRIH (MARTINS, 2016), el Programa de Arrendamiento Social para la Tercera Edad (LUCREDI, 2019), el Programa de Asociación Público Privada (SILVA, 2020), el Proyecto Piloto de Arrendamiento Social para la Población en Situación de Calle (SÁNCHEZ, 2020). Sin embargo, el método aún no se ha explorado en la aplicación a los estudios de proyectos de intervención en conventillos. Bógus y Sousa (2016), a través de una visión urbana y social, señalan en una perspectiva de rehabilitación urbana y patrimonio histórico las potencialidades sociales y tradiciones culturales. “En raras circunstancias, los grupos sociales existentes son considerados, en las estrategias de planeación urbana, como elementos inductores de los procesos de rehabilitación o revitalización de las áreas centrales de las ciudades” (BÓGUS, SOUSA, 2016, p.846). Diversos autores (MARICATO, 2000; DELGADILLO, 2008; PALLASMA, 2016; BÓGUS; SOUSA, 2016) plantean la necesidad de considerar la historia y las tradiciones del lugar, como también las características sociales y culturales al tratar el tema de la vivienda. De esta manera, el aporte de este trabajo a los programas y proyectos de intervenciones en conventillos se da a través del análisis de la calidad 23 de la vivienda, al proponer un método de investigación que considere el lugar, la gestión, el proyecto, la construcción y el uso social a través de parámetros de análisis que se entrelacen entre las dimensiones citadas anteriormente. 1.2. Objetivo Propor um método para analisar a qualidade de habitação social em projetos de intervenção em cortiços de centros históricos da América Latina, com base na teoria da arquitetura dialógica e complementado com parâmetros de moradia adequada estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (1991), os conceitos essenciais à moradia de Montaner (2011), e os padrões mínimos de qualidade definidos pela Secretaria de Habitação da Argentina (2019). 1.3. Objetivos específicos I) Definir parâmetros para avaliar o centro histórico e o projeto de intervenção em cortiços a partir da leitura do Contexto. II) Definir parâmetros para avaliar a habitação social nas dimensões de projeto, construção e uso social a partir da leitura do Texto. III) Aplicar o método proposto nos estudos de caso de São Paulo (Brasil) e Buenos Aires (Argentina). IV) Identificar as relações dialógicas entre o Texto e o Contexto estabelecidos. V) Contribuir com a proposição de um método de análise que possa ser utilizado por gestores municipais ou outros pesquisadores para avaliar a qualidade de Projetos de Intervenção em Cortiços. Objetivo Proponer un método para evaluar la calidad de la vivienda social en intervenciones en conventillos en los centros históricos de América Latina, con base en la teoría de la arquitectura dialógica y complementado con los parámetros de la vivienda adecuada establecidos por la Organización de las Naciones Unidas (1991), los conceptos esenciales de vivienda estudiados por Montaner (2011), y los padrones mínimos de calidad definidos por la Secretaría de Vivienda de Argentina (2019). 24 Objetivos específicos I) Definir parámetros para analizar el centro histórico y el proyecto de intervención en conventillos del Contexto. II) Definir parámetros para analizar la vivienda social en las dimensiones de proyecto, construcción y uso social del Texto. III) Aplicar el método propuesto en los casos de estudio de San Pablo (Brasil) y Buenos Aires (Argentina). IV) Identificar las relaciones dialógicas entre el Texto y el Contexto establecidas. V) Contribuir con la propuesta de un método de análisis que pueda ser usado por gestores municipales u otros investigadores para evaluar la calidad de Proyectos de Intervención en Conventillos. 1.4. Estrutura da dissertação Esta pesquisa foi estruturada em seis seções. A Seção 1 denominada “Dialogia em Projetos de Intervenção em Cortiços em centros históricos da América Latina” é o embasamento teórico que permite aprofundar os conhecimentos sobre os temas: centros históricos da América Latina, intervenções patrimoniais, habitação, qualidade habitacional, cortiços em centros históricos, projetos de intervenção em cortiços através de um panorama geral e também explorando os casos das cidades de São Paulo (Brasil) e Buenos Aires (Argentina), e Arquitetura Dialógica. A Seção 2 apresenta a proposta do método para avaliar a qualidade de habitação social dos casos estudados, baseado na Arquitetura Dialógica. O método se constrói com a complementação de outros autores e parâmetros de qualidade que permitem analisar a habitação social tanto dos projetos de intervenção em cortiços quanto dos contextos em que estão inseridos, assim como as relações dialógicas entre ambos. A Seção 3, apresenta os resultados e discussões da qualidade de habitação social do Projetos de intervenção em cortiços: Casarão do Carmo. Compreende a discussão sobre os dados coletados conforme as diretrizes metodológicas definidas do estudo de caso da cidade de São Paulo (Brasil), analisando o contexto de seu centro histórico e a intervenção realizada no Casarão do Carmo, tendo em consideração a dialogia entre ambos. A Seção 4, apresenta os resultados e discussões da qualidade de habitação social da intervenção realizada na “Rehabilitación de la Manzana de San Francisco” 25 em Buenos Aires na Argentina, e analisa as características do seu centro histórico considerando a dialogia entre ambos. Por fim, a Seção 5 compreende na análise comparativa entre ambos os estudos de caso, visando identificar suas semelhanças e diferenças, apresenta propostas de diretrizes para alcançar moradia de qualidade e conclui com as considerações finais do trabalho. 26 2. Dialogia em projetos de intervenção em cortiços em centros históricos da América Latina Este capítulo é o referencial teórico sobre os centros históricos e suas características, uma contextualização da situação dos centros históricos da América Latina e suas condições de moradia para a camada populacional de baixa renda. Aborda também os princípios sobre a restauração (BOITO, 2003; BRANDI, 2004) e as recomendações das Cartas Patrimoniais Internacionais. Define-se a habitação e seu papel na sociedade, assim como apresentam-se parâmetros de análise da qualidade habitacional. É apresentada uma contextualização de projetos de intervenção em cortiços na América Latina, com foco em casos da cidade de São Paulo, Brasil, e também de Buenos Aires, Argentina. Finaliza-se com a abordagem teórica sobre Arquitetura Dialógica. 2.1. Centros históricos Os centros históricos representam principalmente o traçado inicial da cidade; são estruturas urbanas e arquitetônicas que expressam as manifestações políticas, econômicas, sociais, culturais e tecnológicas das formações sociais dos diferentes períodos históricos (SALCEDO, 2007). São estas as características que diferem um centro histórico de um centro urbano, este último possui somente funcionalidade econômica. Ressalta-se ainda, que o centro histórico deve ter ainda alguma característica original ou que marque uma época distinta do presente, seja urbano ou arquitetônico, deve haver um conjunto ainda preservado com valor simbólico e social. A Carta de Restauro de 1972 define que os centros históricos como assentamentos humanos que se transformam com o tempo. Os centros históricos são todos os assentamentos humanos cujas estruturas unitárias ou fragmentarias, ainda que se tenham transformado ao longo do tempo, hajam se construído no passado ou, entre muitos, os que eventualmente tenham adquirido um valor especifico como testemunho histórico ou características arquitetônicas particulares (ITALIA, 1972, p.16). Delgadillo (2009) aponta que o centro desempenha funções, usos e práticas coletivas que implicam em uma série de interesses por parte de atores sociais, privados e públicos. O centro histórico já alojou, em seu primeiro momento, todas as funções da cidade e mesmo que com a expansão da malha urbana ele tenha se tornado pequeno em tamanho físico-geográfico, ainda é grande e representativo em simbologias e funções sociais. “Os centros históricos são as zonas mais complexas e contraditórias das cidades, onde os contrastes socioeconômicos são grandes e onde 27 se expressam as pressões sociais e econômicas geradas em âmbitos geográficos mais amplos” (DELGADILLO, 2009, p.245, tradução nossa). Os centros históricos possuem categorias (SALCEDO, 2007) que permitem analisá-los de forma aprofundada, sendo elas: administrativa, histórica, urbana, arquitetônica, social, econômica e ambiental. A categoria administrativa abrange legislações tanto urbanas quanto arquitetônicas, considerando a delimitação do perímetro do centro histórico. A histórica é o que “expressa relevância na vida social e cultural da comunidade” (SALCEDO, 2007, p.23) que se relacionam também com o cotidiano atual. A categoria arquitetônica compreende os diversos estilos e morfologias expressas nas construções através de diferentes períodos, e o mesmo se aplica para o traçado da cidade na categoria urbana. A categoria econômica compreende os monumentos patrimoniais como fonte de recursos e de atração de visitantes, desta forma, segundo as Normas de Quito de 1967 “as medidas que levam a sua preservação e adequada utilização, não só guardam relação com os planos de desenvolvimento, mas fazem ou devem fazer parte delas” (IPHAN, c2014). O Manifesto de Amsterdam de 1975 (IPHAN, c2014), aborda a temática dos centros degradados que se tornam local de alojamento barato, e que sua restauração deve ser justa e não expulsar todos sem moradias nas devidas adequações, assim como a conservação integrada deve ser pressuposta do planejamento urbano. A Carta de Washington de 1986 (ICOMOS, 1986), propõe instrumentos para a salvaguarda dos centros históricos, ressalta “a melhoria do habitat deve ser um dos objetivos fundamentais da salvaguarda”. Delgadillo (2008) aponta limitações em programas e projetos que atuaram em intervenções patrimoniais da América Latina como a falta de continuidade das políticas a cada troca de governo, a pressão de empreendimentos comerciais para ocupar áreas centrais no lugar dos prédios habitacionais, o deslocamento de grande parte dos moradores para legalizar as ocupações informais, e a exclusão de muitas famílias do processo que são levadas para fora do centro devido à tentativa de cumprir normas de adequação. Parâmetros de qualidade da moradia adequada devem relacionar-se diretamente com as características socioeconômicas e culturais dos moradores dos centros históricos aos quais pertencem a fim de possibilitar o sucesso nas intervenções habitacionais nestes espaços. A luta contra a especulação imobiliária já é um desafio de alta potência, assim deve-se evitar ao máximo batalhas internas às próprias políticas, programas e projetos de habitação social. 28 2.1.1. Centros históricos da América Latina Em geral, na América Latina, houveram dois tipos de colonização que ocorreram em torno de 1500, marcados em diferença pelo país colonizador, a Espanha ou Portugal. “Os centros históricos da América espanhola tiveram sua origem no período pré-colombiano e colonial, e os centros históricos da América portuguesa, no período colonial” (SALCEDO, 2007, p. 57). Vários foram os fatores que levaram a formação destes centros históricos como: a existência de cidades pré- colombianas, trechos fluviais e portos, proximidade de minas e ferrovias. O traçado urbano da cidade espanhola é construído por fachadas, e não por edifícios isolados. As fachadas e gabaritos de altura são uniformes, com vãos verticais, materiais, texturas e cores semelhantes. A formação das cidades coloniais espanholas corresponde ao desenvolvimento urbano espontâneo ou um traçado formal que seguiu um modelo uniforme da Lei Urbanística de 1573 que dava diretrizes sobre as condições da localização de fundação da cidade. Deveria traçar-se o plano de vias, praças e lotes no terreno começando da praça principal, seguindo, a partir dela, as vias, e deixando espaço para crescimento urbano no mesmo padrão. Dava- se também diretrizes sobre o tamanho e formato da praça principal, assim como em relação às vias. Outras instruções foram fornecidas em relação a igrejas, hospitais, edifícios reais, residências, comércios, dentre outros (SALCEDO, 2007). Na colonização portuguesa, os primeiros núcleos urbanos se localizavam próximos a trechos fluviais, tanto para acesso à água quanto para deslocamento pelos rios. A divisão político-administrativa inicialmente foi realizada a partir das capitanias hereditárias, que ficaram em vigor de 1532 a 1650. Predominantemente, havia dois tipos de traçado urbano: o de maior simplicidade formava as vilas nas capitanias, possuindo traçado irregular e se adaptando às condições topográficas do terreno; e outro com padrões técnicos, reservado às cidades com presença Real. A regularidade do traçado se efetiva somente após 1720. Reis Filho afirma que: Aproveitando antigas tradições de Portugal, nossas vilas e cidades apresentavam ruas de aspecto uniforme, com residências construídas sobre o alinhamento das vias públicas e paredes laterais sobre os limites dos terrenos (...) as casas eram construídas de modo uniforme e, em certos casos, tal padronização era fixada nas Cartas Régias ou em posturas municipais. Dimensões e número de aberturas, altura dos pavimentos e alinhamentos com as edificações vizinhas foram exigências correntes no século XVIII (REIS FILHO, 1995, p. 22-4). As normas de organização de políticas urbanas se estabeleceram somente em torno da metade do século XVIII. O desenvolvimento das cidades se articula com a 29 estrutura geral de produção de bens, que se faz através da posse de terra e escravos (MARICATO, 1997; SALCEDO, 2007). A expansão das cidades começa a ocorrer no final do século XIX, e este processo carrega características similares em diversos dos países, como grande influência da migração interna do campo à cidade. Ao mesmo tempo em que ocorre uma expansão da malha urbana e começam a aparecer elementos de urbanização e modernidade, há índices de alta densidade populacional e falta de infraestrutura e salubridade nos centros urbanos. Com a urbanização, novos bairros começam a surgir para fora do perímetro do centro histórico original, o número de imigrantes aumenta nas metrópoles, chegados do interior do país ou de além do Atlântico. A expansão traz novas construções e leva infraestruturas para áreas próximas do centro - onde todas as atividades da cidade ainda se faziam presentes -, mas permite também concentrar moradias de classes altas, que viram como oportunidade a saída do espaço central. Ao mesmo tempo em que a população do campo migrava para a cidade, os moradores que habitavam nos centros históricos migraram para áreas periféricas e mantiveram a propriedade de edifícios residenciais centrais, gerando um processo de arrendamento, locação e sublocação, multiplicando suas rendas e oferecendo condições precárias de moradia à população de menor renda que se viu obrigada a ocupar estes espaços, atraídos pelos aluguéis baixos e proximidade de fontes de trabalho (GUTIERREZ, 1989). O esvaziamento populacional pelo qual o centro histórico passa causa mudanças nas camadas socioeconômicas originais deste espaço. Permaneceram ou migraram para o local fragmentos de população de baixa renda, fator que foi associado por alguns ao processo de degradação dos espaços públicos e do acervo edificado. Também se verificou a proliferação dos cortiços, moradores de rua, atividades ligadas ao setor informal, que influenciaram a mudança do perfil da economia urbana e geraram ainda mais vazios no coração das cidades. D’Arc e Memoli (2012) intitulam o processo de urbanização ocorrido nos anos 1970-1990 na América Latina de “modelo urbano latino-americano” para caracterizar o modelo centro-periferia que gerou a “fragmentação urbana” ou “fenômeno de segregação”, denominação variante dependendo de diferentes visões de especialistas na temática. A degradação do centro histórico começa a ser discutida por volta de 1950, e no Brasil após 1980, quando a cidade se expande com maior força e dilui-se por 30 subcentros, levando ao abandono de atividades no centro histórico. “Intervir nos centros urbanos pressupõe não somente avaliar sua herança histórica e patrimonial, seu caráter funcional e sua posição relativa na estrutura urbana, mas, principalmente, precisar o porquê de se fazer necessária a intervenção” (VARGAS; CASTILHO, 2006, p.3). Gutierrez (1989) aborda três principais pontos na caracterização dos centros históricos latino-americanos: a favelização, a legislação e o enfoque geral. A favelização se trata da desvalorização dos centros históricos desta parte do continente devido ao acontecimento recorrente do deslocamento da camada populacional originária desta área em direção a regiões periféricas das cidades. Esses eventos ocorreram por diferentes motivos em cada cidade, como terremotos ou doenças, porém unidos pela mesma questão: especulação imobiliária. Em alguns casos a ocupação terciária causa deterioração do antigo traçado urbano e perda quase definitiva de algumas características do centro histórico, como aponta o autor no caso de Caracas, Venezuela. Outras vezes, esse tipo de uso significa que boa parte da população reside em bairros satélites e assim não participa da vida do centro histórico, causando perda de identificação entre habitante e cidade. Políticas públicas associadas ao desenvolvimento turístico podem ter efeito de expulsar os habitantes como o caso de Cuzco (GUTIERREZ, 1989). A degradação dos centros históricos levou a diversas intervenções públicas nestes espaços, muitas vezes negativas, como demolições de edificações tão deterioradas que não haviam como restaurar, ou até mesmo de edifícios que consideravam desatualizados e prejudiciais para o entorno, sem valor imobiliário. Desta forma, a cidade nova e modernizada cresceu ao redor do centro histórico abandonado por olhares públicos e investidores privados. Quando as demolições e grandes transformações ocorrem, o centro precisa se adaptar as condições de salubridade, transportes e comunicações necessárias à modernidade, passando por um processo de revalorização econômica que promove também gentrificação na área, expulsando a população lá antes presente para áreas de periferia. Delgadillo (2008) aponta que as áreas centrais da América Latina carregam um patrimônio arquitetônico de muitos séculos, e em sua maioria ainda acomodam as sedes de governos, grande concentração de funções administrativas, comerciais, culturais e de serviço, recebendo assim também, grande carga populacional que vai até elas. Com as reabilitações em centros históricos realizadas nas últimas décadas, 31 surgiram disputas por estes territórios, mas os usos dados focam-se em comerciais, de serviço e culturais, deixando de lado a habitação, o que difere a prática de reabilitação latino-americana da europeia. O centro histórico latino-americano passa por diversos momentos urbanos, sociais, econômicos e político: desde a forma exploratória em que foi colonizado, a tradição tipológica do casarão herdada de uma cultura diferente da que se estabelecia no local, a migração da população originária para outras regiões da cidade, a favelização e segregação, mudança das condições socioeconômicas da camada social residente, degradação do espaço urbano, especulação imobiliária, dentre outros. Todos esses fatores influenciam para que a população que habita o centro com escassos recursos econômicos e não tem acesso ao mercado imobiliário formal residencial tenha como opção de moradia no centro histórico o cortiço. 2.1.2. Os cortiços nos centros históricos O centro histórico e a habitação são o cerne das práticas cotidianas que consolidam a cidade e lhe atribuem caráter de espaço de permanência. Qualquer representação e imaginário sobre a cidade passa pelo seu centro, é mais que elemento físico ou geográfico para habitar, trata de significados coletivos e individuais, públicos e privados (BÓGUS; SOUSA, 2016). Delgadillo (2008) divide a problemática da habitação em centros históricos latino-americanos em duas vertentes, a histórica e a moderna. Na primeira, fala das condições precárias em que os edifícios habitacionais dos centros possuem devido a chegada tardia de políticas habitacionais para bairros centrais, trata do processo de esvaziamento habitacional dos centros pela camada burguesa, deixando seus casarões transformarem-se em cortiços para os trabalhadores, resultando em habitações sem qualidade e deterioradas, ocupadas pela camada necessitada e em condições muitas vezes informais e insalubres. Na vertente moderna, em cidades europeias, com a revalorização de arquiteturas antigas, agentes imobiliários enxergam potencial de mercado para habitação de classes médias, por outro lado, na América Latina, devido à má fama dos centros, por questões de insegurança e comércios informais, não há a mesma possibilidade, assim, programas de recuperação patrimonial se atentam também aos fatores apontados (DELGADILLO, 2008). Gutierrez (1989) relata como a movimentação populacional dos centros urbanos que ocorreram nas últimas décadas do século XIX causaram mudanças na relação 32 entre os homens que habitaram e construíram originalmente o centro históricos e os que agora o ocupam em precárias condições de habitabilidade. Assim como mostra Amaral, Cavalcanti e Teixeira, (2011) o processo de esvaziamento do centro continuava com a perda da população e atividades originais. Permaneceram ou migraram para o local a população de baixa renda, fator que foi associado por alguns ao processo de degradação dos espaços públicos e do acervo edificado. Também se verificou a proliferação dos cortiços, moradores de rua, atividades ligadas ao setor informal, que influenciaram a mudança do perfil da economia urbana e geraram ainda mais vazios no coração das cidades. A Carta de Atenas de 1933 define como cortiços edificações habitacionais de alta densidade populacional, com: a) insuficiência de superfície habitável por pessoa; b) mediocridade das aberturas par ao exterior; c) ausência de sol; d) vetustez e presença de germes mórbidos; e) ausência ou insuficiência de instalações sanitárias e; f) promiscuidade proveniente das disposições internas da moradia, da má orientação do imóvel e da presença de vizinhanças desagradáveis (CIAM, 1933 p.5). Os cortiços são edificações que abrigam moradia coletiva de aluguel, geralmente localizadas em centros históricos ou seu entorno. Caracterizam-se pela precariedade habitacional, falta de salubridade, iluminação, ventilação e área útil adequada por morador. Os banheiros são normalmente espaços de uso coletivo, alugam-se quartos ou somente camas. Os moradores são de baixa renda e não podem pagar por manutenção enquanto os próprios aluguéis são muitas vezes abusivos em relação ao estado dos empreendimentos, os proprietários, por sua vez, não se atentam às necessidades da edificação, chegando a situações prejudiciais até mesmo à saúde dos moradores. O IBGE define cortiços como: Habitação em casa de cômodos, cortiço ou cabeça de porco - quando localizado em habitação que se caracteriza pelo uso comum de instalações hidráulica e sanitária (banheiro, cozinha, tanque etc.) com outras moradias e utilização do mesmo ambiente para diversas funções (dormir, cozinhar, fazer refeições, trabalhar etc.). Faz parte de um grupo de várias habitações construídas em lote urbano ou em subdivisões de habitações de uma mesma edificação, sendo geralmente alugadas, subalugadas ou cedidas e sem contrato formal de locação (IBGE, 2014, p.25) Menezes (2015) aponta que o agravamento das condições habitacionais de camadas sociais mais pobres da população nos centros históricos ocorreu após as tentativas de reconstruir e requalificar os espaços centrais. 33 Tais ações levaram a valorização da terra e gentrificação, deixando os pobres ainda mais sem escolha sobre seus locais de moradia, tanto em localidade quanto em qualidade. Com os preços imobiliários nas alturas, a única opção para se permanecer no centro e perto da mais intensa oferta de empregos, era aceitar qualquer espaço em que se possa dormir, como os cortiços. Para que a cidade seja habitada para além do espaço físico da residência, mas em sua totalidade de funções e simbologias, é necessário que o direito à cidade seja pleno. Direito esse não exercido de forma facilitada pelas camadas socioeconômicas mais baixas da população quando obrigados a residir em periferias, cortiços ou outros assentamentos irregulares. A habitação não deverá ser tomada somente pela sua vertente de fixação de residentes, assumindo, nessas circunstâncias, o caráter de programa de moradia, mas deve alcançar o patamar de política urbana para que os sujeitos sociais e institucionais integrem um âmbito alargado de ações, das quais participam, não como protagonistas esporádicos, mas como cidadãos e agentes de cidadania em uma perspectiva universalista de direitos (BÓGUS; SOUSA, 2016, p.859). O espaço central e histórico de uma cidade é elemento em constante modificação. Este, porém, mesmo que em condições precárias, não deixa de conter em seu grupo de atividades a moradia. De população original às camadas residentes de baixa renda, de casarões à cortiços, o centro histórico abriga a moradia pois é local de confluência simbólica, concentração de funções, oferta de oportunidades. Bógus e Sousa (2016) afirmam que a habitação é relevante ao centro histórico devido a promoção de permanência de pessoas no local, formando representações coletivas, formando valores e ressignificando memórias. No contexto do centro histórico, a reutilização de imóveis para uso habitacional permite que o espaço se qualifique como mecanismo de pertencimento e sociabilidade, fortalecendo identidades e o processo histórico. Em meados de 1980 o setor o público atenta-se às necessidades da habitação nas áreas centrais da América Latina, e posteriormente, também o setor privado. São várias as intervenções para valorização patrimonial e reabilitação, cujos objetos sejam edifícios ou espaços de caráter público de grande escala, com intenção de recuperar símbolos de identidade nacional e gerar atividades econômicas, deixando de lado a população pobre que é vista como obstáculo na recuperação do patrimônio edificado, ao invés de utilizarem do problema da habitação social nas áreas centrais como objeto de melhora e resgate (DELGADILLO, 2008). 34 Na década de 1990, começa a se esboçar um novo tipo de atuação sobre os centros tradicionais, por meio da reutilização de edifícios e do espaço urbano, atrelados ao fortalecimento da capacidade competitiva das cidades em captar investimentos. Assim, os projetos urbanos em áreas centrais passam a fazer parte de uma estratégia, que tem no capital privado, especialmente os setores econômicos de ponta, o principal investidor a ser atraído, sob o chamariz da renovação e modernização das infraestruturas de uma região. Até os dias atuais a precariedade da moradia continua. Toda a América Latina sofre as consequências do déficit habitacional, como mostra a Figura 1, mas nos centros históricos ele se manifesta principalmente de forma qualitativa. De acordo com a Organização das Nações Unidas HABITAT (ONU, 2015), o déficit habitacional pode ser caracterizado com um conjunto de necessidades habitacional insatisfeitas de uma população incluindo: (1) a carência absoluta da habitação; (2) a carência de uma moradia de uso exclusivo e sob condições seguras de posse; (3) a incapacidade de acessar uma moradia adequada. Atualmente, uma em cada três famílias na América Latina e no Caribe, ou 59 milhões de pessoas, vive em uma moradia inadequada ou construída com materiais de baixa qualidade, além de e carecer de serviços de infraestrutura. Dos 3 milhões de domicílios que se formam anualmente nas cidades latino- americanas, cerca de 2 milhões são forçados a se instalar em moradias informais (BID, 2012, s/p). Figura 1: Déficit habitacional quantitativo e qualitativo na América Latina Fonte: BID (2021). Legenda 100% das famílias 0% das famílias 35 O déficit apontado na Figura 1 engloba tanto a falta de moradia como também as construídas em condições inadequadas, como habitações sem titulação, materiais inapropriados para construção como papelão, pisos de terra, falta de saneamento básico e acesso a água potável, ausência de conexão com a rede elétrica, e também excesso de moradores. Em porcentagem de população do país, Nicarágua, Peru e Bolívia mostram os índices mais altos, mas considerando o número de pessoas em situação de déficit habitacional, o Brasil e o México são os países com maiores índices (BID, 2012). O déficit habitacional qualitativo presente nos centros históricos possui características particulares, ele se apresenta, geralmente, através do encortiçamento. Devido a esta particularidade, faz-se necessário políticas públicas que se adaptem e consigam atender de forma específica tal demanda. Maricato (2000) afirma que a moradia social tem solução apenas em uma política habitacional no âmbito nacional que inclua regulamentação do mercado e programas destinados aos que não tem acesso ao mercado privado. É papel também do governo municipal agir na luta contra o déficit habitacional. Os problemas da moradia produzida fora do mercado formal são maiores que a questão qualitativa, implicam também em aspectos estruturais (econômicos e políticos) e qualitativos. “As experiências provam que a melhor alavanca para a recuperação de áreas centrais são os programas de moradia” (MARICATO, 2000, p.20). Mesmo com tanta degradação e características negativas, ainda há luta pela moradia nos cortiços em espaços centrais, pois eles representam a única alternativa de famílias sem acesso ao mercado imobiliário formal de habitar o centro. Gatti (2011) aborda os diversos motivos que permitem e incentivam à camada populacional de baixa renda a continuar lutando pelo direito ao espaço urbano central. Morar em cortiços no centro representa estar perto do emprego ou das opções de trabalho informal, economizar tempo e dinheiro em deslocamentos diários, ter acesso aos equipamentos públicos como escolas e hospitais e à infraestrutura de água, esgoto, luz e coleta de lixo, diferentemente de muitas áreas periféricas. Representa ainda o acesso à moradia por aqueles que não possuem acesso ao mercado formal, seja pela falta de documentação necessária para o contrato de aluguel, pela ausência de um fiador ou dinheiro para o seguro fiança ou ainda por terem seus nomes vinculados às agências de proteção ao crédito. São estes e outros motivos que justificam a histórica luta da população de baixa renda por moradia na área central, somada ainda ao desejo de manter as relações sociais estabelecidas ao longo da vida, já que grande parte da população encortiçada vive na área central há muitos anos (GATTI, 2011, p.4). Piccini (2004) define três processos diferentes que podem gerar encortiçamento. São os que surgem de uma desvalorização pontual de um imóvel, 36 por abandono de cuidados por parte do proprietário. Há cortiços que surgem em consequência da desvalorização de um bairro ou região urbana como um todo, fazendo com que não seja mais atrativo ou lucrativo para o proprietário manter os edifícios em condições adequada de aluguel. E há os cortiços que surgem junto das formações de bairros populares, já sendo gerados para abrigar população de baixa renda em baixas metragens quadradas e qualidade. Entre as políticas públicas habitacionais em centros históricos estão os programas e projetos que intervêm nos cortiços. Cardoso (2004) explica as formas de atuação de maneira bastante clara. As políticas apresentam uma continuidade no fluxo de oferta do serviço em questão, os programas são fluxos de oferta concentrados em um período de tempo ou setor, e para alcançar seus objetivos, os programas se desdobram em projetos, que são um fluxo de oferta concentrado geográfica e temporalmente. Desta forma os projetos de intervenções em cortiços apresentam um objeto de atuação muito bem delimitado, e sua concentração geográfica se faz nos centros históricos das cidades. Sendo os estudos de caso: o Casarão do Carmo, construção nova no centro histórico de São Paulo e Manzana San Francisco, edificações restauradas e reabilitadas no centro histórico de Buenos Aires, é importante abordar os métodos de intervenção no patrimônio edificado. 2.2. Métodos de Intervenção no patrimônio edificado Ao realizar intervenções habitacionais em centros históricos, sendo estas reabilitações em edifícios existentes ou novas construções, é necessário respeitar o próprio patrimônio seja edilício ou sítio urbano e sua ambiência. Para tal, é importante abordar os métodos de intervenção no patrimônio edificado e sua ambiência e as construções novas em centros históricos. A Salvaguarda do patrimônio arquitetônico surge com as primeiras intervenções na Itália e França (século XVIII) norteadas pelas Cartas Patrimoniais Internacionais e pelas Teorias de Restauro, anterior a isso as intervenções seguiam a maneira da localidade. Somente após destruições arquitetônicas na Revolução Francesa (transição do século XVIII ao XIX) foi criada a primeira legislação sobre preservação, assim como as teorias de restauro (SALCEDO, 2007). De acordo com a Carta de Restauro de 1972 (ITALIA, 1972), as intervenções de restauração nos centros históricos devem garantir a permanência no tempo dos 37 valores que caracterizam esses conjuntos. A restauração não se limita somente às operações destinadas a conservar os caracteres formais de arquitetura ou de ambientes isolados, mas se estende também à conservação substancial das características conjunturais do organismo urbanístico completo e de todos os elementos que concorrem para definir tais características. Sobre a restauração, a Carta de Veneza de 1964 (ICOMOS, 1964) afirma: Tem por objetivo conservar e revelar os valores estéticos e históricos do monumento e fundamenta-se no respeito ao material original e aos documentos autênticos. Termina onde começa a hipótese; no plano das reconstituições conjeturais, todo trabalho complementar reconhecido como indispensável por razões estéticas ou técnicas destacar-se-á da composição arquitetônica e deverá ostentar a marca do nosso tempo. A restauração será sempre precedida e acompanhada de um estudo arqueológico e histórico do monumento (ICOMOS, 1964, p.2). Como recomenda a Carta de Atenas de 1931 (CIAM, 1933), e Carta de Veneza de 1964 (ICOMOS, 1964), os edifícios históricos devem manter-se em uso, o que favorece sua conservação, para que isso ocorra, as vezes é necessária a realização de reabilitações, ação definida por Maricato (2001, p.126) por “intervenção necessária na infraestrutura existente para adapta-la a novas necessidades que procura não descaracterizar o ambiente construído herdado”. Nos edifícios, busca-se fazer ‘intervenções mínimas’ indispensáveis para garantir o conforto ambiental, a acessibilidade e a segurança estrutural. Com relação às novas construções, a UNESCO (1962 apud IPHAN, 2004) ressalta a importância de se atentar a elementos como altura dos edifícios, cores, materiais e formas, volumes construídos e espaços vazios, elementos de fachada e cobertura, proporções, dimensões e implantação dos edifícios no lote, pois qualquer modificação pode ser prejudicial à harmonia do entorno. Em construção de edifícios públicos e privados de qualquer natureza, seus projetos deveriam ser concebidos de modo a respeitar determinadas exigências estéticas relativas ao próprio edifício e, evitando cair na imitação gratuita de certas formas tradicionais e pitorescas, deveriam estar em harmonia com a ambiência que se deseja salvaguardar (UNESCO, 1962 apud IPHAN, 2004, p.84.) Há ainda diferentes vertentes de restauração provindas das teorias de restauro estudadas por grandes pesquisadores referencias na temática. John Ruskin visava a preservação máxima do edifício original sem intervenções de restauro’. Ele apontava o patrimônio como sacro, e cuja glória estava em sua idade. O valor da antiguidade seria o mais importante. No restauro histórico apresentado por Luca Beltrami, as restaurações poderiam ser realizadas com base em documentações da edificação. Já no restauro moderno 38 de Camilo Boito, deve-se haver diferenciação entre os aditamentos novos e os elementos originais e as intervenções devem ser demarcadas e claras para demonstrar para épocas futuras qual seu período de realização. Seguindo os princípios de Boito há Giovannoni: importante redator da Carta de Atenas de 1931 e responsável pela Carta de Restauro italiano. Giovannoni defendia a mínima intervenção e acréscimo, além de incluir o entorno ao restauro do monumento, apontando a importância do contexto e da trama urbana para a obra patrimonial (SALCEDO, 2013, p. 36). Cesare Brandi (1906-1988) afirma que se deve restabelecer a unidade potencial da obra sem cometer falso histórico, diferenciando antigo do novo e mantendo harmonia nos valores patrimoniais. Segundo ele, “a restauração deve visar ao restabelecimento da unidade potencial da obra de arte, desde que isso seja possível, sem cometer um falso artístico ou um falso histórico, sem cancelar nenhum traço da passagem da obra de arte no tempo” (BRANDI, 2004, p.33). O autor define três princípios do restauro: o primeiro afirma que a intervenção deve ser sempre reconhecível de imediato, sem alterar a unidade potencial da obra e de forma não discrepante; o segundo trata da matéria que é insubstituível, porém com possibilidade de intervenção em questão de estruturas portantes; já o terceiro é sobre como as intervenções deve permitir modificações futuras. Percebe-se, com estes exemplos de teorias, que nem sempre os teóricos de restauro e as Cartas Patrimoniais Internacionais definiam diretrizes iguais entre si ou totalmente claras e norteadoras, resultando em intervenções com diferentes valores em patrimônios culturais ao redor do mundo. Algumas inclusive negam outras, como a Carta de Atenas de 1933 que afirma que o emprego de estilo do passado sob pretextos estéticos em construções novas em ambientes históricos é nefasto, negando o Restauro Estilístico. É de grande importância a análise profunda de cada teoria de restauro e do conteúdo das Cartas Patrimoniais Internacionais em qualquer estudo patrimonial, inclusive os latino-americanos, mesmo que as ideias sejam originárias em maior parte da Europa pois tal fato reflete um maior tempo de cuidados patrimoniais. Ao tratar de habitação social nos centros históricos, principalmente envolvendo cortiços, prédios muitas vezes de possível valor patrimonial desgastado ou degradado pela falta de manutenção no tempo ou maus usos, inclui-se intervenções patrimoniais e uma área histórica circundante, ou seja, o direcionamento das Teorias e Cartas deve ser considerado a fim de garantir o respeito com a situação encontrada em cada caso. 39 Para além disso, intervenções realizadas em centros históricos e áreas de tamanho valor simbólico, arquitetônico, urbano e social, não pode atuar somente em questões morfológicas, mas deve-se considerar também processos econômicos, políticos e sociais. A reabilitação urbana entende as áreas centrais como potencial de atividades, com uma visão funcional de aproveitamento, enquanto a preservação do patrimônio histórico reconhece espaços com identidade social e cultural (BÓGUS; SOUSA, 2016, p. 846). 2.3. Habitação A habitação é mais que somente construção, está presente em toda cidade, e é essencial a ela e ao ser humano. A habitação traz consigo conceitos definidos em diversas esferas e por diversos autores, carregando sempre em sua essência a virtude de atender as necessidades e padrões culturais do morador. Pallasma (2016) aborda o conceito da habitação através do lar, da casa como símbolo de identificação, do habitar como um evento e uma qualidade mental e experiencial. A noção de lar se estende além de sua essência física e de questões práticas da moradia, o ato de habitar em si é um ato simbólico e imperceptivelmente organiza tudo para o habitante. Habitam no lar as necessidades físicas e corporais, mas também as mentes, memórias, sonhos e desejos. Mesmo sendo um símbolo de proteção e ordem, o lar pode se converter na materialização da desgraça humana: solidão, rejeição, exploração e violência, daí a necessidade da qualidade habitacional em todos os seus aspectos. Montaner (2011) descreve a “habitação básica” como local de possível adaptação para as mudanças que geralmente ocorrem na estrutura da família contemporânea, que possibilite atividades de trabalho produtivo e reprodutivo e atenda todas as necessidades dos moradores. Espacial e funcionalmente, a habitação é definida como um conjunto de áreas especializadas, não especializadas e complementares, cujos benefícios serão definidos com base no número e nas características dos habitantes que podem ocupar o espaço (MONTANER, J., p.127, tradução da autora). É através da casa que o ser humano se comunica com o mundo a sua volta (Figura 2), e através dela que ele se expressa e também recebe, mas é ele que abriga todas as substancias do lar pois este é a expressão de personalidade do habitante. A casa não pode ser produzida de uma só vez através de uma construção de pedras e cimento, ela é construída com o passar do tempo, com a vivencia de rituais, ritmos pessoas e rotinas, e possui dimensão temporal além de somente física (PALLASMA, 2016). 40 Fonte: organizado pela autora (2022). O ato de construir e o ato de habitar são discutidos tanto por Pallasma (2016) quanto por Heidegger (1951), para ambos toda forma de arquitetura é uma casa e que toda construção deveria conter intrínseca a si a identidade do ser, e ter papel de abrigo, essência, pertencimento, mantendo relação com a verdadeira existência. A arquitetura e a habitação caminham em paralelo, e inclusive de mãos atadas, uma se expressa na outra. Porém, na prática, ocorre que nem toda moradia é planejada da forma correta, ou de alguma forma sequer. Surgem então falhas desconexas da essência da habitação, que a partir deste momento deixa de atender as necessidades de seus moradores, deixa de se conectar com o mundo e abandona sua essência identitária original. De acordo com Pallasma (2016), o distanciamento da arquitetura projetada com a identidade do morador, tornando a casa uma peça arquitetônica e não um lar, ocorrência incompatível com as características de pertencimento que deveriam ser atribuídas a uma habitação. Diferente do prédio físico residencial, o lar é algo que não pode ser comercializado, ele é uma construção gradual de identidade que integra memórias, imagens, desejos e medos, passado e presente, ritmos e rotinas, possui dimensão temporal e continuidade. O autor aponta possíveis ingredientes para a concepção de lar, expressos no Quadro 1. Quadro 1: Componentes para a concepção do lar. INGREDIENTES DO LAR EXEMPLOS Elementos com fundações a nível biocultural profundo e inconsciente Entrada Telhado Chaminé Elementos relacionados com a vida pessoal e identidade do habitante Objetos de recordações Pertences Itens herdados de família Símbolos sociais sujo objetivo é oferecer imagem e mensagem ao desconhecido Signos de riqueza, educação, identidade social Fonte: PALLASMA (2016). Habitante Habitação Mundo Figura 2: Relação habitante - mundo 41 Rapoport (1969) explora a importância da habitação como símbolo cultural, sendo essencial a adequação da mesma a cada território e sociedade, demonstrando as crenças e os hábitos de uma população. Os elementos socioculturais da habitação têm grande importância ao relacionar o modo de vida do homem com o ambiente pois a casa é o mecanismo físico que reflete e ajuda a criar a visão do mundo de um povo ou grupo, é elemento espacial social. Montaner (2011) baseia a moradia em quatro conceitos básicos: sociedade, cidade, tecnologia e recursos. A sociedade se trata da adaptação aos diversos modelos familiares e suas evoluções, da construção de um espaço sem hierarquias e que potencializam o trabalho produtivo e reprodutivo. A cidade refere-se à influência favorável à estrutura urbana, com novos usos coexistindo ao residencial e soluções arquitetônicas para relacionamento da habitação com espaço público. A tecnologia trata da capacidade dos sistemas de construção para favorecer a flexibilidade residencial. E os recursos revisam as reflexões de habitação contemporânea na questão da eficiência energética e sustentável do edifício. “A habitação é o primeiro espaço de socialização e representação espacial de diversos grupos familiares. Por esse motivo, deve ser capaz de acomodar as diferentes maneiras de viver que são evidentes nas sociedades do século XXI” (MONTANER et al., 2011, p.21). A distribuição espacial e conceito de habitação mudaram junto das alterações sociais que ocorreram ao longo das décadas, e também se somaram fatores tecnológicos e sustentáveis. Os grupos vulneráveis necessitam de atendimento especifico quanto a habitação, pela legislação, serviços sociais e apoio econômico, pois tem histórias e condições diferentes dos grupos de famílias em condição normal. A habitação representa 80% das cidades, e sua eficiência é fundamental para formação de cidades compactas e sustentáveis (MONTANER, 2011). O problema da habitação só se resolve em estreita relação com uma política urbana conforme as infraestruturas necessárias para viver, trabalhar e deslocar-se com dignidade, com uma gestão de urbanização, usos e parcelas que permitem a variedade funcional e urbana. É imprescindível a exigência dos promotores e futuros usuários em aspectos como localização, reabilitação, transporte sustentável, relação com o bairro e proximidade de uma rede de equipamentos em várias escalas, de adequação aos aspectos bioclimáticos e atenção aos espaços construídos (MONTANER et al., 2011). 42 Uma pesquisa da ONU HABITAT (2015) coletou de diversos países latino- americanos o que seria as suas definições para uma moradia adequada. O Brasil afirmou serem os domicílios particulares permanentes que satisfazem as condições de abastecimento de água por rede geral, esgoto sanitário por rede coletiva ou fossa séptica, coleta de lixo e até três pessoas por dormitório, afirma que deve também ser salubre em termos de materiais construtivos, possuir unidade sanitária e separação funcional dos cômodos. Já a Argentina afirmou que a moradia é adequada quando permite privacidade e espaços adequados aos moradores, segurança de posse, segurança física, durabilidade, habitabilidade, infraestrutura básica adequada com abastecimento de água, saneamento e esgoto, possui fatores apropriados ao meio ambiente, e boa localização em relação a acessibilidade a serviços básicos. Esta mesma pesquisa afirmou que o déficit habitacional possui ligação com o subdesenvolvimento e a pobreza que surgiu pós segunda guerra mundial. A moradia digna como direito se espalhou muito lentamente, o que fez com que as cidades se expandissem de forma desregulada e em assentamentos precários. O conceito de déficit habitacional surge então como uma ferramenta que permite quantificar a deficiência do acesso a moradia, traduzido em cifras o desequilíbrio entre o número de habitações adequadas e o número de famílias sem acesso a nenhuma habitação regular. Surge também a necessidade de analisar qualitativamente este déficit. A institucionalização das políticas habitacionais surge vinculada a este processo, a maior parte dos governos latino-americanos dispuseram de instrumentos e instituições especializadas em soluções habi