UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS CAMPUS DE BOTUCATU Variações regionais nas células epiteliais do intestino médio de Diatraea saccharalis, Fabricius 1794 (Lepidoptera: Crambidae), em larvas não- parasitadas e na vigência do parasitismo por Cotesia flavipes (Hymenoptera: Braconidae) DANIELA DE OLIVEIRA PINHEIRO Orientadora: Profa. Dra. Elisa Aparecida Gregório - 2006 - Tese apresentada ao Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista, Campus de Botucatu, como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutor em Ciências Biológicas, Área de Concentração em Zoologia. Doutorado - Daniela de Oliveira Pinheiro - 1 - FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA SEÇÃO TÉC. AQUIS. TRATAMENTO DA INFORM. DIVISÃO DE BIBLIOTECA E DOCUMENTAÇÃO - CAMPUS DE BOTUCATU - UNESP BIBLIOTECÁRIA RESPONSÁVEL: ROSEMEIRE APARECIDA VICENTE Pinheiro, Daniela de Oliveira. Variações regionais nas células epiteliais do intestino médio de Diatraea saccharalis, Fabricius 1794 (Lepidoptera: Crambidae), em larvas não-parasitadas e na vigência do parasitismo por Cotesia flavipes (Hymenoptera: Braconidae) / Daniela de Oliveira Pinheiro. Botucatu: [s.n.], 2006 Tese (doutorado) Universidade Estadual Paulista, Instituto de Biociências, 2006 Orientadora: Profª. Drª. Elisa Aparecida Gregório Assunto CAPES: 20400004 1. Inseto. 2. Parasitismo. 3. Morfologia. 4. Zoologia. CDD 592 Palavras-chave: Broca da cana; Endoparasitismo; Morfologia; Morfometria; Morte celular; Ultra-estrutura. Doutorado - Daniela de Oliveira Pinheiro - 3 - Dedico esse trabalho, com muito orgulho para: * Profa. Elisa, minha querida e inesquecível professora, amiga, confidente, orientadora e mãezona de coração que em todos os momentos pode me acompanhar, ensinar e orientar sempre com muito carinho e disponibilidade. Sei que não há nada no mundo que possa retribuir o que fez e continua fazendo por mim em todos esses anos. Você é muito importante para mim. Muito obrigada por tudo! * Melhor família do mundo: Minha Mãe, Madrinha, Vovó Anita e Mônica, além da minha querida Vovó Tina (em memória) e meu Pai Paulo (em memória) por estarem presente em todos os momentos, compreender e apoiar meu trabalho durante todas as etapas. Amo todos vocês e sei que é o pouco de mim que pude dedicar, vocês merecem muito mais... ¨Mãe e Pai, consegui realizar o nosso maior sonho...¨ Doutorado - Daniela de Oliveira Pinheiro - 5 - A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo FAPESP Obrigada pelo apoio financeiro (Processos: 01/10868-0 e 03/05690-3). Espero ter cumprido meu dever, e realizado plenamente o proposto. Doutorado - Daniela de Oliveira Pinheiro - 6 - * Ao Centro de Microscopia Eletrônica IBB - Unesp em especial: À Profa Dra. Elisa A. Gregório, minha orientadora e mãe de coração, mestra que me ensinou muito, muito além do que está escrito nesta tese. Meu eterno agradecimento, reconhecimento e admiração. Obrigada também por sempre estar me apoiando, incentivando e orientando em todos os momentos. Não tenho palavras pra agradecer. QUE DEUS TE RECOMPENSE porque eu jamais conseguirei terminar de te agradecer por tudo que fez. Muitíssimo obrigada! Aos técnicos: Claudete dos Santos Tardivo, Maria Euleda Lino Peres, Maria Helena Moreno e Nivalde Antônio Basso, pelo apoio técnico e incentivo além da grande e sincera amizade conquistada nesse período, meu profundo agradecimento por tudo. * A todos os docentes, técnicos, funcionários e alunos do Depto. de Morfologia IBB - Unesp, em especial a (o): Profa. Dra. Daniela Carvalho dos Santos pela atenção, incansável ajuda e orientação, principalmente com os experimentos de morte celular, mas acima de tudo pela amizade sincera e companheirismo. É com muito orgulho que a considero como uma das minhas melhores amigas. Muito Obrigada! Profa. Dra. Edy de Lello Montenegro, que tenho muito orgulho por ter sido sua aluna. Reconheço e admiro sua capacidade, competência e dedicação a todos os seus alunos. Obrigada por todas as dicas e por nossos rápidos comentários nos corredores (sempre serão válidos e importantes para mim). Não posso deixar de agradecer por me ensinar a dissecar a primeira larva de inseto, que foi o ponto primordial para chegar aonde cheguei, além da excelente contribuição para o trabalho de esferitos. Profa. Dra. Irani Quagio-Grassiotto, agradeço muito pelos conselhos, incentivos e aprendizado durante todo o processamento e análise em Microscopia de Luz; além disso, obrigada pelas dicas na disciplina de Biologia Celular nos períodos dos vários Estágios Docência, aprendi muito. Obrigada também pelas muitas caronas, não sei nem como te agradecer. Doutorado - Daniela de Oliveira Pinheiro - 7 - Profa. Dra. Maeli Dal-Pai Silva, agradeço pela disponibilidade e boa vontade em me ajudar no processamento e análise de atividade de metabolismo oxidativo, e também pelas dicas nas técnicas, resumos, relatórios e na disciplina de Histologia, que contribuiu muito para meu aprendizado. Aos técnicos do Laboratório de Biologia Celular, Ricardo André Santos e Antônio Vicente Salvador, pela dedicação e paciência, sempre me ensinando e ajudando etapa por etapa nos processamentos e inclusão em historesina, além da sincera amizade. Aos amigos de laboratório Rinaldo José Ortiz, por me ajudar em vários experimentos, principalmente com os cortes no micrótomo e com as colorações de microscopia de luz, e Rafael Henrique Nóbrega, por colaborar com a complexa técnica do Túnel, além das nossas trocas de experiências. Torço muito por vocês e quero que saibam que sou muito grata por tudo que fizeram e que sempre poderão contar comigo. Aos técnicos do Laboratório de Histologia, Sueli Cruz Michelin e Jarbas do Amaral pelo auxilio técnico nos procedimentos dos cortes no criostato, além das horas de descontração e carinho. Sou grata e honrada pela amizade de vocês. * A todos os docentes, técnicos, funcionários e alunos do Depto. de Parasitologia IBB - Unesp, em especial a (o): Prof. Dr. Reinaldo José Silva, obrigada por tudo que me ensinou de morfometria, análise estatística, relatórios, resumos, e principalmente sobre nossos papers . A convivência com você me fez subir não só um, mas vários degraus nessa caminhada. Agradeço pela paciência e pelos inúmeros conselhos, que jamais esquecerei e que me ajudaram a crescer tanto como profissional quanto como pessoa. Tenho orgulho dos nossos trabalhos publicados, que foram os frutos também da sua dedicação, competência, companheirismo e boa vontade, até mesmo nos fins de semana. Doutorado - Daniela de Oliveira Pinheiro - 8 - Profa. Dra. Semírames Guimarães Viana, muitíssimo obrigada pela ajuda, colaboração, boa vontade e tempo que teve de dedicação comigo nos vários experimentos, principalmente ensinando a interpretar os resultados bioquímicos, além dos conselhos, dicas e pelas nossas ricas conversas, tenho muito que te agradecer. Prof. Dr. Paulo Eduardo Martins Ribolla, obrigada pela ajuda nas complicadas contas dos resultados de atividade específica de amilase. A técnica Márcia Maria Fattori Bueno, pelo auxílio quando realizei o estágio com morfometria e, acima de tudo, pela amizade e boa vontade em sempre me ajudar. *Aos docentes e alunos do Depto. de Bioquímica IBB - Unesp, em especial: A Profa. Dra. Ethel Lourenzi Barbosa Novelli pela amizade, apoio e incentivo, além dos importantes auxílios no processamento para determinação de atividade enzimática. Meu profundo agradecimento, admiração e respeito. Aos amigos de laboratório Luciane Aparecida Faine e Christiano Machado Galhardi, que me ajudaram a realizar e interpretar os experimentos bioquímicos. Não tenho palavras para agradecer, pois sempre tiveram boa vontade, disponibilidade, carinho e competência. *Ao Depto. de Patologia da Faculdade de Medicina de Botucatu - Unesp, em especial aos: Técnicos Paulo Roberto Cardoso e Maria Luisa Falaguera Ardanaz, pelo processamento de inclusão em parafina. Muito obrigada! * Aos docentes, técnicos, funcionários e alunos do Centro de Microscopia Eletrônica e Microscopia Confocal do Instituto de Biociências USP SP, em especial a (o): Prof. Dr. Alberto A. Freitas Ribeiro, agradeço pela oportunidade de conviver e aprender muito, principalmente sobre microscopia confocal. Obrigada pela disponibilidade em me ajudar nos momentos que precisava, além da amizade e conselhos. Um dos conselhos que jamais esquecerei é que a vida tem bifurcações e que em cada caminho escolhido haverá pontos positivos e negativos. Obrigada! Tenho Doutorado - Daniela de Oliveira Pinheiro - 9 - orgulho de ter convivido com você... Aos técnicos Márcio Valentim Cruz e Waldir Caldeira, pelo auxilio técnico no processamento para Microscopia Confocal e pelas inúmeras dicas e experiências trocadas, além dos divertimentos nos congressos. Muitíssimo obrigada por tudo, além da importante ajuda, inclusive nas caronas, quando estava em São Paulo. * Profa. Dra. Ana Carolina Faraldo da Universidade Federal Rural de Pernambuco UFRPE- Unidade Acadêmica de Garanhuns, obrigada à minha eterna amiga de relatórios, resumos, congressos e, principalmente, de experimentos como os do ácido bicinconínico, amilase, proteínas totais e óxido nítrico, além de todas as nossas trocas de experiências e divertimentos. Você foi muito importante nesse período. Obrigada! * Prof. Dr. Mauro Masson Lerco da Faculdade de Medicina de Botucatu-UNESP. Não tenho palavras para agradecer, muitíssima obrigada por me ajudar na hora que eu mais precisei e quero que saiba que se não fosse por você, não estaria finalizando com saúde este trabalho. Deixo aqui registrado meu eterno e profundo agradecimento e gratidão. Obrigada também por confiar no meu trabalho. Que Deus continue te iluminando! * Ao Prof Dr. Hélio Conte da Universidade Estadual de Maringá -UEM que me incentivou desde a minha iniciação científica e que colaborou principalmente com os meus resultados de esferitos. Obrigada pelas dicas, pelos conselhos e pela boa vontade em me ajudar sempre que precisei. * A todos os funcionários da Seção de Pós-Graduação IBB-UNESP, obrigada pelas facilidades e pelos imprevistos resolvidos, sempre com muita boa vontade e alegria. * Aos funcionários do Laboratório Entomológico da Usina Barra Grande-Lençóis Paulista-SP especialmente ao Antônio Marino Comedian e Maria José Pinto e também aos funcionários do Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) - Piracicaba- SP especialmente ao Luiz Carlos de Almeida e Sueli Aparecida Piacentini, pelo fornecimento dos insetos e também pela amizade adquirida nesse período. Doutorado - Daniela de Oliveira Pinheiro - 10 - * Aos eternos amigos do Laboratório de Microscopia Eletrônica, em especial a Christiane, Daniela, Eliane, Rosi e Sheila, que conviveram comigo ao longo desses anos; sei que posso contar com vocês e que nem o tempo ou a distância poderão nos afastar. Obrigada pelos conselhos, cumplicidade, pelas trocas de experiência, divertimentos e especialmente pela amizade de vocês! * A todos os funcionários da Biblioteca, em especial a Marluce, Meirinha e Bráz pela incansável ajuda em vários momentos, desde o início até a hora da redação final dessa tese. Muito obrigada! * A minha MÃE LUCIMAR, que me ajudou em todas as fases dessa tese, desde a etapa de dissecar até a de redigir esse trabalho, além de ter catalogado todas as minhas referências bibliográficas. Jamais conseguirei agradecer pela incansável e interminável ajuda. Deixo aqui registrado meu eterno agradecimento, admiração e respeito. Você é meu maior exemplo de vida e também a melhor mãe do mundo! EU TE AMO! * A todos da minha família, em especial a Madrinha e Mônica, todos os meus amigos e a família Sales pelas orações, palavras de conforto, momentos de descontração, cumplicidade, companheirismo, almoços, passeios, viagens, encontros, conselhos sinceros e, acima de tudo, obrigada por estarem sempre presentes quando eu precisava. Vocês são imprescindíveis e importantíssimos para mim... * À Deus, pela oportunidade de aprender, convivendo nesse privilegiado meio e conseguir concluir a minha tese, realizando meu maior sonho. Obrigado por sempre estar presente em minha vida! MUITO OBRIGADA! Doutorado - Daniela de Oliveira Pinheiro - 11 - Canção Da América Milton Nascimento Amigo é coisa para se guardar Debaixo de sete chaves, Dentro do coração, assim falava a canção que na América ouvi, mas quem cantava chorou ao ver o seu amigo partir, mas quem ficou, no pensamento voou, o seu canto que o outro lembrou E quem voou no pensamento ficou, uma lembrança que o outro cantou. Amigo é coisa para se guardar No lado esquerdo do peito, mesmo que o tempo e a distância digam não, mesmo esquecendo a canção. O que importa é ouvir a voz que vem do coração. Seja o que vier, venha o que vier Qualquer dia amigo eu volto pra te encontrar Qualquer dia amigo, a gente vai se encontrar SUMÁRIO CAPÍTULO 1 - Variações regionais na morfologia das células epiteliais do intestino médio de larvas de Diatraea saccharalis (Lepidoptera) 1.1 - Introdução Geral................................................................................................. 03 1.2 - Objetivos Gerais.................................................................................................. 10 1.3 - Artigo 01- Ultra-estrutura das células colunares ao longo do intestino médio de larvas de Diatraea saccharalis (Lepidoptera: Pyralidae).......................................... 12 1.4 - Artigo 02- Estudo morfométrico do epitélio do intestino médio de larvas de Diatraea saccharalis Fabricius (Lepidoptera: Pyralidae).............................................. 21 1.5 - Artigo 03- Diferenças morfológicas regionais das células epiteliais ao longo do intestino médio de larvas de Diatraea saccharalis (Lepidoptera)................... 35 1.6 - Conclusões Gerais................................................................................................ 52 1.7 - Referências Bibliográficas.................................................................................. 54 CAPÍTULO 2 - Variações regionais nas células epiteliais do intestino médio de larvas de Diatraea saccharalis na vigência do parasitismo por Cotesia flavipes 2.1 - Introdução Geral................................................................................................. 65 2.2 - Objetivos Gerais.................................................................................................. 72 2.3 -Artigo 04 - Morfometria do epitélio do intestino médio de larvas de Diatraea saccharalis Fabricius, 1794 (Lepidoptera) parasitadas pela Cotesia flavipes Cameron, 1891 (Hymenoptera)............................................................................ 74 2.4 -Artigo 05 - Esferitos nas células epiteliais do intestino médio da broca da cana parasitada pela Cotesia flavipes............................................................................. 86 2.5 -Artigo 06 - Morte celular de células epiteliais do intestino médio de larvas de Diatraea saccharalis (Lepidoptera) parasitadas pela Cotesia flavipes (Hymenoptera)....... 100 2.6 -Artigo 07 - Mitocôndrias das células epiteliais do intestino médio de Diatraea saccharalis (Lepidoptera) parasitadas pela Cotesia flavipes (Hymenoptera)..... 116 2.7 -Artigo 08 - Células colunares do intestino médio de larvas de Diatraea saccharalis (Lepidoptera) parasitadas pela Cotesia flavipes (Hymenoptera).......................... 134 2.8 -Artigo 09- Óxido nítrico no intestino médio de larvas de Diatraea saccharalis Fabricius, 1794 (Lepidoptera) parasitadas pela Cotesia flavipes Cameron, 1891 (Hymenoptera)....................................................................................................... 155 2.9 - Conclusões Gerais................................................................................................ 166 2. 10- Referências Bibliográficas................................................................................ 168 RESUMO......................................................................................................................... 174 ABSTRACT..................................................................................................................... 176 Doutorado - Daniela de Oliveira Pinheiro - 1 - CAPÍTULO 1 Variações regionais na morfologia das células epiteliais do intestino médio de larvas de Diatraea saccharalis (Lepidoptera) Artigo 1: Ultra-estrutura das células colunares ao longo do intestino médio de larvas de Diatraea saccharalis (Lepidoptera: Pyralidae) ; Artigo 2: Estudo morfométrico do epitélio do intestino médio de larvas de Diatraea saccharalis Fabricius (Lepidoptera: Pyralidae) ; Artigo 3: Diferenças morfológicas regionais das células epiteliais ao longo do intestino médio de larvas de Diatraea saccharalis (Lepidoptera) . Doutorado - Daniela de Oliveira Pinheiro - 2 - INTRODUÇÃO GERAL Doutorado - Daniela de Oliveira Pinheiro - 3 - Os insetos são animais bem sucedidos na natureza, sendo responsáveis pela destruição de percentual importante de plantações, de alimentos armazenados, além de serem vetores de grande número de doenças que afetam o homem e os animais de criação (Gillott, 1995). Dentre os inúmeros Lepidoptera de interesse econômico, a broca da cana, Diatraea saccharalis Fabricius 1794 (Crambidae, Crambinae) merece destaque especial, pois afeta direta e indiretamente o cultivo e o aproveitamento industrial da cana-de-açúcar, além de atacar outras gramíneas como arroz, sorgo, milho e trigo (Charpentier et al., 1967; Long & Hensley, 1972; Botelho & Macedo, 2002; Rossi & Fowler, 2003). As espécies do gênero Diatraea foram por muitos anos enquadrados como pertencentes à família Pyralidae, sendo separadas sistematicamente, por identificação morfológica. Recentemente, com os avanços dos estudos filogenéticos baseados em técnicas moleculares, houve uma mudança e reorganização da árvore filogenética, incluindo o gênero Diatraea na família Crambidae e sub-família Crambinae (Lange et al., 2004). Durante alguns anos, numa fase de transição, alguns trabalhos foram publicados considerando ainda a antiga classificação da D. saccharalis. A broca da cana é um inseto que apresenta desenvolvimento holometabólico, ou seja, passa pelas fases de ovo, larva, pupa e adulto. Seus ovos são depositados frequentemente nas folhas ainda verdes, tanto na face superior como inferior da folha; a duração dessa fase é bastante variável, dependendo principalmente da temperatura, sendo, nas condições brasileiras de 1 a 2 semanas. Após a eclosão do ovo, a lagarta migra para a região do cartucho da planta à procura de abrigo, permanecendo ali por um período que varia de 1 a 2 semanas, alimentando-se pela raspagem da folha da cana ou da casca. Durante essa fase, a larva passa por 1 ou 2 ecdises, quando então inicia a perfuração da casca do colmo. Geralmente essa perfuração ocorre próxima a base do entrenó, porção mais mole, abrindo galeria no sentido ascendente. Em certas situações, por razões ainda desconhecidas, a lagarta alimenta-se abrindo uma galeria de forma circular, enfraquecendo com isso o entrenó, que pode se quebrar principalmente pela ação do vento (para revisão, ver Botelho & Macedo, 2002). Muitos são os danos diretos causados pela broca da cana nas plantas hospedeiras. Quando o ataque se dá próximo a região de crescimento da planta, ocorre a morte da gema apical, sendo denominado de coração morto ou olho morto , ocasionam também perda de peso (pela abertura de galerias no entrenó), encurtamento Doutorado - Daniela de Oliveira Pinheiro - 4 - do entrenó, brotamento lateral, enraizamento aéreo, canas quebradas e entrenós atrofiados; esses danos podem ocorrer isoladamente ou associados, agravando os prejuízos (Gallo et al., 1978; Botelho & Macedo, 2002). A lagarta, uma vez tendo penetrado no colmo da cana passa toda a fase larval ali protegida. Durante este período o inseto sofre um número variável de ecdises, frequentemente 6. A duração dessa fase é a mais longa, sendo em média de 70 dias nas condições do estado de São Paulo. A lagarta de D. saccharalis apresenta coloração branco-leitosa, com cápsulas cefálicas marrom-escuro e pequenas manchas de cor marrom-claro, distribuídas ao longo do corpo. Quando completamente desenvolvida, a larva mede cerca de 25 mm. Próximo à pupação a lagarta abre um orifício na casca e o fecha parcialmente com fios de seda e restos de sua alimentação, e assim protegida passa a fase de pupa, que tem duração média de 10 dias, quando emerge o adulto. O período de vida do adulto é de 5 dias, em média. A fêmea atrai o macho para a cópula, pela liberação de feromônio e, após o acasalamento, deposita cerca de 300 ovos (Parra et al., 2002). A cana-de-açúcar sofre o ataque dessa praga durante todo o seu desenvolvimento. Sua incidência é menor quando a cana é jovem e não apresenta entrenós formados, aumentando os danos com o crescimento da planta. Esse comportamento, entretanto, pode variar, principalmente em função da época do ano e da variedade da planta. Os danos indiretos dessa praga nas plantas hospedeiras são causados por microorganismos que invadem o entrenó, através do orifício aberto na casca pela lagarta. Esses microorganismos, predominantemente fungos (Fusarium moniliforme e/ou Colletotricum falcatum), invertem a sacarose ocasionando a "podridão vermelha", determinando queda no seu rendimento industrial na produção de açúcar e de álcool (Graça, 1976; Gallo et al., 1978; Téran, 1988). Embora existam grandes laboratórios direcionados à criação da D. saccharalis, poucos são os estudos visando o conhecimento preciso e detalhado da morfologia interna desse inseto, nas diferentes fases do desenvolvimento (Barduco et al., 1988; Bombonato & Gregório, 1995; Falleiros & Gregório, 1995; Bombonato & Gregório, 1996; Santos & Gregório, 2002, 2006; Falleiros et al., 2003; Rigoni et al., 2004; Victoriano & Gregório, 2002; Victoriano et al., 2003). Poucos são os estudos sobre o seu trato digestivo (Conte, 1985; Ferreira et al., 1997; Azevedo et al., 2003; Mota et al., 2003; Carneiro et al., 2004; Rang et al., 2004), que é considerado uma das principais vias de acesso a inseticidas químicos e biológicos. Doutorado - Daniela de Oliveira Pinheiro - 5 - O canal alimentar dos insetos é um tubo contínuo entre a boca e o ânus e compreende três regiões: o intestino anterior ou estomodeo onde o alimento pode ser armazenado, filtrado e parcialmente digerido; o intestino médio (IM), ventrículo ou mesêntero onde se realiza a digestão e absorção do alimento e o intestino posterior ou proctodeo onde pode ocorrer alguma absorção e a formação de fezes (Wigglesworth, 1972; Maranhão, 1978; Chapman, 1985, 1998; Eaton, 1988; Terra, 1990). O intestino anterior, na maioria dos insetos, apresenta-se como um tubo longo, tendo sua parte mediana dilatada como uma câmara armazenadora de alimentos. Segundo Chapman (l998), o intestino anterior pode ser dividido em cavidade bucal, faringe, esôfago, inglúvio ou papo (reservatório de alimentos), pró-ventrículo ou moela (porção terminal que pode funcionar como esfíncter) e válvula cardíaca ou válvula estomodeal. O IM tem início na base do pró-ventrículo e termina um pouco antes das inserções dos tubos de Malpighi. Já o intestino posterior, em sua estrutura mais simples, é um tubo que forma um conduto direto para o ânus. Para Judy & Gilbert (l969), o intestino posterior é dividido em quatro regiões: piloro, íleo, cólon e reto. Na passagem do IM para o intestino posterior encontra-se uma dobra do epitélio deste último formando a válvula pilórica. O IM de Lepidoptera é constituído por um epitélio colunar, esse epitélio é revestido por uma camada mais interna de fibras musculares estriadas circulares e outra mais externa de fibras longitudinais, sendo permeado por traquéias e células adiposas (Barth, 1972; Chapman, 1985, 1998; Conte, 1985). O IM é onde ocorrem os principais eventos da digestão, assimilação de nutrientes, manutenção da homeostase e liberação de neurohormônios, que regulam a atividade de vários outros processos fisiológicos; também funciona como barreira física contra a invasão de microorganismos patogênicos (para revisão ver Lehane & Billingsley, 1996). Vários são os estudos, em diferentes Ordens de insetos, mostrando a importância do IM na absorção de alimentos, troca de íons e entrada de inseticidas, vírus e toxinas (Santos et al., 1984; Lehane & Billingsley, 1996; Marana, 1997; Jordão et al., 1999; Cristofoletti et al., 2001). A digestão nos insetos é um processo complexo e compartimentalizado, tendo sido amplamente estudado (Terra et al., 1988; Terra, 1988, 1990, 1996, 2001; Terra & Ferreira, 1994; Lehane & Billingsley, 1996). Na maioria dos insetos, o IM apresenta uma membrana acelular (membrana ou matriz peritrófica), que separa o conteúdo luminal em dois compartimentos, o espaço endoperitrófico (no interior da membrana) e o espaço ectoperitrófico (entre a membrana Doutorado - Daniela de Oliveira Pinheiro - 6 - e o epitélio) (Wigglesworth, 1972; Chapman, 1985; Dow, 1986; Lehane & Billingsley, 1996; Terra, 2001). A membrana peritrófica é uma camada basófila, composta principalmente por quitina, um polímero linear N-acetyl-D-glucosamina (Terra, 1996; Tellam et al., 1999; Tellam & Eisemann, 2000) e glicoproteínas, entre elas destacando- se as peritrofinas (Tellam et al., 1999; Bolognesi et al., 2001; Terra, 2001); esta estrutura está ausente nos insetos que se alimentam de fluidos, como em Hemiptera e adultos de Lepidoptera (Wigglesworth, 1972; Colwell, 2006). Sabe-se que em larvas de Lepidoptera a membrana peritrófica é secretada ao longo do IM pelas células colunares (De Priester, 1971; Santos et al., 1984; Terra, 1996; Harper & Hopkins, 1997; Harper et al., 1998; Harper & Granados, 1999; Hopkins & Harper, 2001), sendo, por isso caracterizada como membrana peritrófica do tipo I (Richards & Richards, 1977; Peters, 1992). Embora impeça o contato direto do alimento com a bordadura estriada das células colunares, esta membrana permite a passagem das enzimas digestivas em direção à luz intestinal e a absorção dos produtos resultantes da digestão, sendo posteriormente eliminada com as fezes (Tellam, 1996). Sabe-se que também previne injúrias mecânicas às células do IM e parece dificultar ou impedir a entrada de microrganismos na hemocele (Barth, 1972; Chi et al., 1975; Terra, 1988; Terra, 1996; Terra, 2001). Esta estrutura apresenta um espessamento ao longo do IM de larvas de Lepidoptera, e essa variação regional tem sido descrita para muitas espécies (Harper & Hopkins, 1997; Harper et al., 1998; Harper & Granados, 1999; Hopkins & Harper, 2001; Levy, 2005). Além dessa variação ao longo do IM, alguns insetos possuem, somente na região anterior do IM, um gel viscoso, denominado de gel peritrófico, ao invés de uma membrana peritrófica propriamente dita; este gel apresenta as mesmas funções da membrana peritrófica, não possuindo quitina em sua composição (Terra, 2001). A grande maioria dos trabalhos caracteriza morfologicamente as células epiteliais do IM de insetos, correlacionando-as com suas possíveis funções (Akai, 1970; Nopanitaya & Misch, 1974; Burgos & Gutiérrez, 1976; Cioffi, 1979; Baker et al., 1984; Santos et al., 1984; Del-Bene et al., 1991; Serrão & Cruz-Landim, 1996; Hung et al., 2000; Levy, 2000, 2005; Caetano & Rodrigues, 2001; Caetano & Zara, 2001; Lello & Vieira, 2001; Levy et al., 2004, entre muitos outros). O epitélio do IM em Lepidoptera é constituído, principalmente, por células colunares, caliciformes, regenerativas e endócrinas (Lehane & Billingsley, 1996). As células colunares ou enterócitos, as mais abundantes, são consideradas Doutorado - Daniela de Oliveira Pinheiro - 7 - responsáveis pela secreção de enzimas digestivas e da membrana peritrófica, além de atuarem na absorção dos produtos da digestão (Santos et al., 1984; Richards & Davies, 1994; Lehane & Billingsley, 1996; Jordão et al., 1999). As células caliciformes ou acidófilas auxiliam as colunares na homeostasia iônica e na absorção de metabólitos (Anderson & Harvey, 1966; Akai, 1970; Chi et al., 1975; Klein et al., 1991; Moffett et al., 1995; Chapman, 1998). As células regenerativas estão relacionadas com o processo de renovação epitelial (Maranhão, 1978; Chapman, 1985, 1998; Dow, 1986; Lehane & Billingsley, 1996; Cavalcante & Cruz-Landim, 1999). Já as células endócrinas estão principalmente relacionadas com o controle hormonal: dos movimentos peristálticos (Scoofs et al., 1993; Nässel et al., 1995), da digestão (Brown et al., 1985), diurese (Coast & Kay, 1994; Patel et al., 1995), do desenvolvimento e reprodução (Pratt et al., 1989; Woodhead et al., 1989), entre outras funções (para revisão ver Sehnal & Zitnan, 1996; Edwards & Weaver, 2001). Iwanaga et al. (1981) sugerem que estas células são funcionalmente semelhantes às células endócrinas dos vertebrados. As células colunares do epitélio do IM exibem núcleo alongado, superfície apical com longas, inúmeras microvilosidades e projeções citoplasmáticas volumosas (Richards & Davies, 1994; Lehane & Billingsley, 1996). No citoplasma apical predomina retículo endoplasmático liso; já a membrana plasmática basal apresenta algumas invaginações profundas formando o chamado labirinto basal, associado às muitas mitocôndrias densas (Martoja & Ballan-Dufrançais, 1984; Dow, 1986; Lehane & Billingsley, 1996). Estas células colunares podem apresentar variações ultra-estruturais ao longo do IM, caracterizando regiões morfo-funcionais distintas, denominadas de anterior, mediana e posterior, como observado em outros Lepidoptera como: Manduca sexta (Cioffi, 1979), Erynnis ello (Santos et al., 1984), Spodoptera frugiperda (Jordão et al., 1999) e Anticarsia gemmatalis (Levy, 2000; Levy et al., 2004), entre muitas outras espécies (para revisão, ver Lehane & Billingsley, 1996). Várias são as alterações regionais descritas para as células colunares em larvas de Lepidoptera: aquelas da região anterior podem apresentar dilatação na extremidade das microvilosidades e exibir também grandes vesículas secretoras no citoplasma apical (Cioffi, 1979; Jordão et al., 1999); também tem sido descrito predomínio de invaginações da membrana basal nas células da região posterior (Santos et al., 1984; Lehane & Billingsley, 1996). As células caliciformes recebem esta denominação por possuírem invaginação da membrana plasmática apical formando uma cavidade semelhante a um cálice; o interior desta cavidade é margeado por projeções citoplasmáticas semelhantes a Doutorado - Daniela de Oliveira Pinheiro - 8 - microvilosidades, contendo mitocôndrias (Anderson & Harvey, 1966; Akai, 1970; Chi et al., 1975; Cioffi, 1979; Chapman, 1985; Dow, 1986; Binder & Bowers, 1994; Chapman, 1998; Levy et al., 2004). Embora menos freqüente, tem sido descrito que as células caliciformes também podem apresentar variação morfológica ao longo do IM; em M. sexta estas células na região anterior do IM apresentam a cavidade caliciforme localizada basalmente, enquanto na região posterior esta cavidade localiza-se na porção apical da célula (Cioffi, l979). Essa mudança no formato da câmara pode estar relacionada à sua função e já foi observado em várias outras espécies de insetos (Lello et al., 1984; Lehane & Billingsley, 1996; Jordão et al., 1999; Levy, 2000, 2005). Outros tipos de células epiteliais funcionalmente similares às células caliciformes de Lepidoptera foram descritos no epitélio do IM de alguns insetos, como as células pseudo-caliciforme descritas em Pachycondyla striata (Hymenoptera) e as células caliciformes atípicas descritas em larvas de Trichoptera (Cavalcante & Cruz- Landim, 1999); as células oxínticas ou cuprófilas, observadas em Diptera como Drosophila melanogaster possuem também a função de acumular cobre (Filshie et al., 1971 apud Martoja & Ballan-Dufrançais, 1984; Terra, 1988; Lehane & Billingsley, 1996). As células regenerativas são observadas isoladas, em pares ou formando grupos (nidi) de regeneração, localizados na base do epitélio (Barth, 1972; Maranhão, 1978; Chapman, 1985; Dow, 1986; Cavalcante & Cruz-Landim, 1999). Esta célula apresenta citoplasma escasso, com poucas organelas (Smith et al., 1969; De Priester, 1971; Turbeck, 1974; Conte, 1985; Billingsley & Lehane, 1996; Levy et al., 2004). O número e morfologia de células regenerativas dependem da proximidade das ecdises e da duração do ciclo de vida dos insetos (Terra, 1988; Lehane & Billingsley, 1996). Existem vários trabalhos na literatura que mostram diferenciação da célula regenerativa em célula colunar, ao nível de microscopia eletrônica de transmissão (Turbeck, 1974; Endo et al., 1983; Terra, 1988). Na renovação do epitélio intestinal, as células velhas separar-se-iam da membrana basal, que continuaria intacta, sendo empurradas em direção ao lúmen pelas células regenerativas em divisão, que teriam assim papel de reposição celular (Snodgrass, 1935; Endo et al., 1983; Chapman, 1985). O propósito da renovação celular do epitélio intestinal está relacionado com o crescimento do canal alimentar a cada ecdise (Snodgrass, 1935) e com a substituição de células envelhecidas ou que sofreram qualquer tipo de agressão ou mesmo envelhecimento celular (Endo et al., 1983; Lehane & Billingsley, 1996; Illa-Bochaca & Montuenga, 2006). Doutorado - Daniela de Oliveira Pinheiro - 9 - As células endócrinas estão localizadas na base do epitélio, sendo caracterizadas pela presença de grande quantidade de grânulos citoplasmáticos (Brown et al., 1985; Andries & Beauvillain, 1988; Sehnal & Zitnan, 1996; Edwards & Weaver, 2001). Células com funções endócrinas têm sido descritas no IM de muitos insetos, como em alguns Lepidoptera (Gül et al., 2001; Levy, 2005), Orthoptera (Endo et al., 1982; Montuenga et al., 1989), Hymenoptera (Cruz-Landim et al., 1996; Neves et al., 2003 a, b), Odonata (Andries, 1976) e Heteroptera (Andries & Beauvillain, 1988), entre outros. Segundo Billingsley & Downe (1986), os produtos de secreção hormonal das células endócrinas (peptídeos) atuam na diferenciação das células regenerativas. As células endócrinas podem estar associadas com ninhos de células regenerativas, como observado no IM de algumas espécies, devido à origem das células endócrinas a partir da extremidade dos ninhos das células regenerativas (Endo & Nishiitsutsuji-Uwo, 1982; Andries, 1976; Montuenga et al., 1989; Illa-Bochaca & Montuenga, 2006). Sabe-se que a proporção de células endócrinas em muitos insetos aumenta progressivamente da região anterior para a região posterior do IM (Cassier & Fain-Maurel, 1977; Andries & Tramu, 1985; Edwards & Weaver, 2001). Assim, tendo em vista o interesse econômico de Diatraea saccharalis e a inexistência de estudos mais aprofundados sobre o epitélio do seu IM, seria interessante definirmos a morfologia de seus diferentes tipos de células epiteliais, com enfoque em eventuais diferenças regionais, que possibilitassem entender o papel destas células, no inseto em questão e em Lepidoptera em geral. A inexistência, na literatura, de estudos sobre a morfometria destas células ao longo do IM, é uma lacuna a ser preenchida, pois contribuiria para uma definição numérica e precisa da existência ou não de diferenças regionais ao longo do IM de D. saccharalis. Doutorado - Daniela de Oliveira Pinheiro - 10 - OBJETIVOS GERAIS Doutorado - Daniela de Oliveira Pinheiro - 11 - Tendo em vista as lacunas existentes na literatura quanto a morfo-fisiologia do intestino médio de Lepidoptera, em geral, e o de larvas de Diatraea saccharalis, em especial, este primeiro capítulo tem como objetivos principais: 1. Descrição detalhada da morfologia histológica, ultra-estrutural e morfométrica do intestino médio de D. saccharalis, comparando-a com a de outros Lepidoptera. 2. Identificação de diferenças regionais que possam ocorrer ao longo do intestino médio, visando caracterizar regiões morfo-funcionais diferenciadas. Doutorado - Daniela de Oliveira Pinheiro - 12 - ARTIGO 1 Ultra-estrutura das células colunares ao longo do intestino médio de larvas de Diatraea saccharalis (Lepidoptera: Pyralidae) Publicado como: Pinheiro, D.O.; Gregório, E.A. Ultrastructure of the columnar epithelial cell along the midgut of the Diatraea saccharalis (Lepidoptera: Pyralidae) larvae. Acta Microscópica, 12(1): 27-30, 2003. Doutorado - Daniela de Oliveira Pinheiro - 13 - Resumo As características morfológicas das células colunares do intestino médio de Diatraea saccharalis foram estudadas em microscopia eletrônica de transmissão. Existem diferenças ultra-estruturais na morfologia das células colunares dependendo da sua localização ao longo do intestino médio. A superfície apical das células colunares exibe projeções citoplasmáticas, além dos proeminentes microvilos associados a vesículas de secreção microapócrina; estas projeções citoplasmáticas contêm organelas, e aumentam em número e conteúdo da região anterior para a região posterior do intestino médio. A distribuição das mitocôndrias no citosol destas células também é variável. Na superfície apical da célula são poucas as mitocôndrias na região anterior e são numerosas na região posterior; o oposto é observado no citoplasma basal, onde as mitocôndrias são mais abundantes na região anterior. Nossos resultados mostram que a variação morfológica observada nas células colunares ao longo do intestino médio de Diatraea saccharalis é similar ao descrito para outras espécies de Lepidoptera. A secreção executada pelas células colunares do intestino médio devem ser relacionadas aos processos de secreção microapócrina e liberação de projeções citoplasmáticas. Palavras-chave: intestino médio, célula colunar, ultra-estrutura, Lepidoptera, larva. Doutorado - Daniela de Oliveira Pinheiro - 14 - Abstract The morphological features of the columnar epithelial cell in the midgut of Diatraea saccharalis larvae were studied by transmission electron microscopy. There are ultrastructural differences in the columnar cell morphology depending on their localization along the midgut. The apical columnar cell surface exhibit protrusions besides the conspicuous microvilli related with microapocrine vesicles; these cytoplasmic protrusions contain many organelles and they increase in number and size from the anterior to the posterior midgut regions. The mitochondria distribution is also variable. They are few in the apical surface of the anterior region and numerous in the posterior one; the opposite is observed in the basal cytoplasm, where the mitochondria are more abundant in the anterior region. Our results show that the morphological variations in the columnar cell morphology along midgut of the sugarcane borer are similar to the ones described for other Lepidoptera species. The secretion carried out by the midgut columnar cell may be related with both the microapocrine process and cytoplasmic protrusion release. Keywords: midgut, columnar cell, ultrastructure, Lepidoptera, larvae. Doutorado - Daniela de Oliveira Pinheiro - 15 - Introdução O intestino médio é estruturalmente e funcionalmente diferenciado ao longo do seu comprimento, na maioria das larvas de Lepidoptera (2, 6). O epitélio do intestino médio é composto principalmente por 4 tipos celulares: células colunares, caliciformes, regenerativas e endócrinas (6). As células colunares são predominantes, sendo responsáveis pelo processamento dos alimentos, absorção dos produtos da digestão e secreção de enzimas digestivas (6). As células epiteliais colunares em Manduca sexta apresentam modificações ultra-estruturais graduais da região anterior para a região posterior do intestino médio (1). Em Spodoptera frugiperda as células colunares da região anterior do intestino médio apresentam dilatação na extremidade das microvilosidades e exibem também grandes vesículas secretoras no citoplasma apical (5). As células colunares da região posterior do intestino médio de Erinnyis ello apresentam invaginações da membrana basal bem evidente, enquanto que na região anterior essas invaginações são escassas (7). É comum, na porção apical das células colunares, a presença de projeções citoplasmáticas que se desprendem em direção ao lúmen intestinal, e que podem ser responsáveis pela liberação de material secretor, embora estas projeções, frequentemente não contenham grânulos secretores em seu interior (6). Muito frequentemente os microvilos apresentam liberação de vesículas ou bolhas para o lúmen intestinal, condizente com o processo de secreção microapócrina (2, 5, 6). As células colunares de E. ello liberam porções de microvilosidades contendo vesículas em direção ao lúmen, e também corpos esféricos recobertos por membrana (7). A broca da cana, Diatraea saccharalis, é considerada a praga mais importante para a cultura da cana-de-açúcar, afetando também muitas outras plantas (3). Não existem estudos descrevendo aspectos ultra-estruturais das diferentes células epiteliais ao longo do seu intestino médio. Este trabalho tem como objetivo descrever a ultra-estrutura das células colunares nas diferentes regiões do intestino médio de D. saccharalis, em larvas de último instar. Material e Métodos Larvas de D. saccharalis foram mantidas em dieta artificial (4) com temperatura (25-27ºC) e umidade (70%) controladas. Fragmentos do intestino médio (regiões anterior, mediana e posterior) foram coletados de larvas do último instar e processados convencionalmente para microscopia eletrônica de transmissão. Os fragmentos de intestino médio foram fixados em solução de glutaraldeído 2% - paraformaldeído 4% Doutorado - Daniela de Oliveira Pinheiro - 16 - em tampão fosfato 0,1M (pH 7.3) por 24h, pós-fixado em tetróxido de ósmio 1% no mesmo tampão por 2h, desidratados com seqüência crescente de soluções de acetona e incluído em resina Araldite. Os cortes ultrafinos foram contrastados com acetato de uranila e citrato de chumbo, e examinados em microscópio eletrônico de transmissão CM100 da Philips. Resultados A superfície apical das células colunares ao longo de todo intestino médio de Diatraea saccharalis exibe microvilosidades (Figs. 1-3; 5-7). Existem projeções citoplasmáticas por entre os microvilos; estas projeções aumentam em número, volume e conteúdo da região anterior (Figs. 1, 2) para a região posterior (Figs. 5-6) do intestino médio. As mitocôndrias são escassas no citoplasma apical da região anterior (Fig. 4), enquanto que numerosas e bastante elétron-densas na região posterior (Figs. 5-7). A membrana plasmática basal das células colunares apresenta invaginações paralelas associadas às mitocôndrias que se estendem até a metade da altura da célula (Figs. 4, 8). Esta célula é também diferenciada ao longo do intestino médio: na região anterior, existem poucas aberturas das invaginações de membrana plasmática basal no espaço extracelular subjacente (Fig. 4), comparado com aquelas observadas na região posterior (Fig. 8). Além disso, as mitocôndrias associadas às invaginações são mais numerosas na região anterior (Fig. 4) enquanto que são poucas na região posterior do intestino médio (Fig. 8). Discussão A morfologia ultra-estrutural geral do intestino médio de D. saccharalis é similar a descrita para outros Lepidoptera como M. sexta (1), E. ello (7) e S. frugiperda (5). Existem modificações ao longo do intestino médio com relação ao número e morfologia das projeções citoplasmáticas que se desprendem das células colunares em direção ao lúmen intestinal. As projeções citoplasmáticas aumentam em número e tamanho da região anterior para a posterior do intestino médio, onde exibem um grande número de organelas citoplasmáticas, sugerindo que estas células estão envolvidas com o processo de secreção apócrina. Ao mesmo tempo, as células colunares podem liberar materiais, por processo de secreção microapócrina como descrito para E. ello (7), como também mostrado em nossas observações de microvesículas com conteúdo elétron- Doutorado - Daniela de Oliveira Pinheiro - 17 - lucente por entre os microvilos, principalmente na região anterior do intestino médio. A secreção microapócrina consiste na eliminação de pequenas vesículas delgadas revestidas por membrana simples ou dupla, que se desprendem dos microvilos celulares (2). A ausência de grânulos secretores nas células colunares nos leva a acreditar que essas células devem estar secretando enzimas digestivas de uma maneira diferente, estando relacionada tanto com o processo de secreção apócrina como microapócrina, como observado em E. ello (7), Tenebrio molitor (2) e S. frugiperda (5). Acredita-se que a secreção apócrina seja uma adaptação celular para aumentar a dispersão do conteúdo das vesículas secretoras liberados a partir de um epitélio que absorve água, enquanto que a exocitose é um mecanismo de secreção eficiente em um epitélio secretor de água (2). As invaginações de membrana plasmática basal na região posterior do intestino médio de D. saccharalis, ao contrário da região anterior, revelam abertura regular subjacente ao espaço extracelular, semelhante aos achados de E. ello (7). É possível que tal organização facilite a secreção de água, em associação com a extrusão de potássio, principalmente na região posterior do intestino médio. A existência de uma borda estriada desenvolvida, um grande número de mitocôndrias presente no citoplasma apical e das invaginações basais associadas a mitocôndrias, devem capacitar às células colunares no transporte de íons e água (7). O fato das invaginações de membrana plasmática basal constituir um compartimento extracelular com acesso restrito para a hemolinfa (devido às aberturas restritas para o espaço extracelular subjacente), deve permitir que as células colunares da região anterior do intestino médio concentrem solutos nesse compartimento e no lúmen, que deve auxiliar a absorção de água (7). Existem modificações ao longo do intestino médio de larvas de D. saccharalis relacionadas com o processo de secreção e com o número e morfologia das projeções citoplasmáticas que se desprendem das células colunares em direção ao lúmen. A região anterior do intestino médio está principalmente envolvida no processo de secreção microapócrina enquanto que a região posterior do intestino médio predomina a liberação de projeções citoplasmáticas. Outra diferença é relacionada com a quantidade de mitocôndrias no citoplasma apical e basal: na região anterior do intestino médio são numerosas na base da célula colunar enquanto que na região posterior existem muitas mitocôndrias concentradas no citoplasma apical. Doutorado - Daniela de Oliveira Pinheiro - 18 - Agradecimentos Agradecemos ao Laboratório Entomológico da Usina Barra Grande, Lençóis Paulista, S.P., Brasil, pelo fornecimento dos insetos. Este trabalho foi parcialmente financiado pela FAPESP (Proc. 00/01223-3). Referências 1. Cioffi, M. - Tissue Cell, 11, p.467 (1979). 2. Cristofoletti, P.T.; Ribeiro, A.F. & Terra, W.T. - J. Insect Physiol., 47, p.143 (2001). 3. Hensley, S.D. - Proc. I.S.S.C.T., 14, p.454 (1971). 4. Hensley, S.D. & Hammond, A.M. - J. Econ. Entomol., 61, p.1742 (1968). 5. Jordão, B.P.; Capella, A.N.; Terra, W.R.; Ribeiro, A.F. & Ferreira, C. - J. Insect Physiol., 45, p.29 (1999). 6. Lehane, M.J. & Billingsley, P.F., in "Biology of the insect midgut". Chapman & Hall, London (1996). 7. Santos, C.D.; Ribeiro, A.F.; Ferreira, C. & Terra, W.R. - Cell Tissue Res., 237, p.565 (1984). Doutorado - Daniela de Oliveira Pinheiro - 19 - Figuras 1- 4. Região anterior do intestino médio da broca da cana. Fig. 1: Projeção citoplasmática (P) e vesículas (seta) de secreção microapócrina entre as microvilosidades das células colunares (co); mitocôndria (M); célula caliciforme (go). X 4.600. Fig. 2: Uma bordadura estriada de microvilosidades (m) reveste o lumen; mitocôndrias (M) e projeção citoplasmática (P) com retículo endoplasmático. X 5.800. Fig. 3: Superfície apical com microvilos; citoplasma com mitocôndrias (M), gotas lipídicas (L) e retículo endoplasmático rugoso (RER). X 16.800. Fig. 4: Citoplasma basal com invaginações da membrana plasmática (In) com mitocôndrias (M) associadas; gotas lipídicas (L); lâmina basal (B). X 16.800. Doutorado - Daniela de Oliveira Pinheiro - 20 - Figuras 5-8. Região posterior do intestino médio da broca da cana. Fig. 5: Projeções citoplasmáticas (P) entre as microvilosidades; mitocôndrias densas (M); células caliciformes (go). X 2.800. Fig. 6: Detalhe da superfície apical com projeções citoplasmáticas (P) entre os microvilos e contendo retículo endoplasmático rugoso (RER), mitocôndrias (M) e grandes vacúolos (V) com conteúdo heterogêneo. X 6.400. Fig. 7: Citoplasma apical com muitas mitocôndrias densas (M) e retículo endoplasmático rugoso (RER). X 13.200. Fig. 8: Citoplasma basal com invaginações da membrana plasmática (In) associadas com mitocôndrias (M); gotas lipídicas (L); lâmina basal (B); núcleo (N) de célula muscular. X 16.800. Doutorado - Daniela de Oliveira Pinheiro - 21 - ARTIGO 2 Estudo morfométrico do epitélio do intestino médio de larvas de Diatraea saccharalis Fabricius (Lepidoptera: Pyralidae) Publicado como: Pinheiro, D.O.; Silva, R.J.; Quagio-Grassiotto, I.; Gregório, E.A. Morphometric study of the midgut epithelium in larvar of Diatraea saccharalis (Lepidoptera: Pyralidae). Neotropical Entomology, 32(3): 453-459, 2003. Doutorado - Daniela de Oliveira Pinheiro - 22 - Resumo A larva de Diatraea saccharalis Fabricius 1794 (broca da cana) tem grande interesse econômico, pois afeta o cultivo e aproveitamento industrial da cana-de-açúcar. Entretanto, poucos são os estudos sobre a morfologia interna deste inseto. O objetivo deste trabalho foi estudar morfometricamente, o seu epitélio intestinal, ao longo de seu comprimento, visando caracterizar regiões estruturalmente diferentes. O intestino médio de larvas no último instar foi subdividido em três regiões: anterior, mediana e posterior e os fragmentos foram processados para observação em microscopia de luz. Os cortes histológicos foram analisados em sistema computadorizado de análise de imagens para medir comprimento, largura e área do epitélio, das diferentes células epiteliais, dos seus respectivos núcleos e do lúmen intestinal. Os dados obtidos foram submetidos ao teste estatístico de Kruskal-Wallis e à análise multivariada. Nossos resultados mostraram que o intestino médio apresentou-se constituído, morfometricamente, por duas diferentes regiões, anterior e posterior; a região mediana apresentou valores coincidentes tanto com a região anterior quanto com a posterior, sugerindo ser região intermediária. As células epiteliais (colunares, caliciformes e regenerativas), quando avaliadas pela análise estatística multivariada, não apresentaram diferença morfométrica nas diferentes regiões do intestino médio. Entretanto, a análise de variância, realizada para variáveis isoladas, mostrou que as células regenerativas apresentaram maior variabilidade morfométrica. Palavras-Chave: Morfometria, célula epitelial, inseto, broca da cana, mesêntero Doutorado - Daniela de Oliveira Pinheiro - 23 - Abstract The sugarcane borer, Diatraea saccharalis Fabricius has great economical interest as it affects the culture and industrial use of the sugarcane. However, there are few studies concerning the internal morphology of this insect. This work aims to study morphometrically the midgut and the epithelium along their lenght, trying to characterize different regions. Midgut of last instar larvae was divided in three regions: anterior, middle and posterior, and the fragments were processed for light microscopic observation. Histological sections were analyzed in a computerized system concerning the length, width and area of the epithelium, their cells, and the midgut lumen. The obtained data were statistically analyzed by the Kruskal-Wallis test and by multivariate analysis. Our results showed that the midgut has two different regions, the anterior and the posterior; the middle region presents values that are coincident with the ones of either the anterior and the posterior portions, suggesting that there is an intermediate region between the other two ones. The epithelial cells (columnar, goblet and regenerative cells), when evaluated by multivariate analysis, do not present significant morphometric differences in the different midgut regions. However, the analysis of variance for separate variables show that the regenerative cells present wide morphometric variability along the midgut. Keywords: Morphometry, epithelial cell, insect, sugarcane borer, mesenteron Doutorado - Daniela de Oliveira Pinheiro - 24 - Introdução O epitélio do intestino médio em Lepidoptera é constituído, principalmente, por 4 tipos de células: colunares, caliciformes, regenerativas e endócrinas (Lehane & Billingsley 1996). As células colunares, as mais abundantes, são responsáveis pelo processamento da dieta, pela secreção de enzimas digestivas e pela absorção dos produtos finais da digestão (Lehane & Billingsley 1996). As células caliciformes auxiliam as colunares na homeostasia iônica e na absorção de metabólitos (Lello et al. 1984, Chiang et al. 1986). Existem células regenerativas relativamente indiferenciadas espalhadas por todo o epitélio, observadas isoladas, em pares ou formando grupos (Turbeck 1974, Cavalcante & Cruz-Landim 1999). As escassas células endócrinas possuem forma variada, sendo piramidais, ovais e fusiformes (Andries & Beauvillain 1996, Cavalcante & Cruz-Landim 1999). Embora todos os tipos celulares possam ser encontrados ao longo do intestino médio, muitos trabalhos sugerem que a distribuição e a morfologia destas células são variáveis ao longo do intestino médio de Lepidoptera (Cioffi 1979, Lello et al. 1984, Santos et al. 1984, Chiang et al., 1986; Lehane & Billingsley 1996, Cristofoletti et al. 2001). Estas diferenças morfológicas são principalmente detectadas ao nível ultra- estrutural em todos os tipos celulares (Cioffi 1979, Lello et al. 1984, Santos et al. 1984, Lehane & Billingsley 1996). A broca da cana, Diatraea saccharalis Fabricius, é uma importante praga que ataca a cana-de-açúcar e muitas outras plantações incluindo milho, sorgo, trigo e arroz (Long & Hensley 1972). Estudo preliminar mostrou que suas células colunares epiteliais apresentam diferenças na organização ultra-estrutural que podem ser relacionadas com a sua localização no intestino médio (Pinheiro & Gregório 2001). Este achado foi previamente descrito para outros Lepidoptera, como Manduca sexta L. (Cioffi 1979), Spodoptera frugiperda Smith (Jordão et al. 1999) e Erinnyis ello L. (Santos et al. 1984). Entretanto, existem poucos trabalhos de estudos morfométricos das células epiteliais no intestino médio de insetos, a maioria deles em Diptera (Nopanitaya & Misch 1974, Wood & Lehane 1991, Andrade-Coeho et al. 2001), poucos em Heteroptera (Ranjini & Mohamed 2000) e Hemiptera (Billingsley 1988), mas até o momento nenhum em Lepidoptera. Doutorado - Daniela de Oliveira Pinheiro - 25 - Este trabalho tem por objetivo estudar morfometricamente o lúmen e epitélio do intestino médio de larvas de D. saccharalis. Medidas do seu intestino médio, bem como das células colunares, caliciformes e regenerativas foram obtidas ao longo do seu comprimento na tentativa de distinguir regiões diferentes nesse órgão. Material e Métodos Larvas de D. saccharalis foram mantidas em dieta artificial (Hensley & Hammond 1968) com temperatura (25-27ºC) e umidade (70%) controladas. Cinqüenta insetos no começo do último instar larval (12-17 dias de desenvolvimento) foram dissecados em microscópio estereoscópio, e o intestino médio imediatamente fixado em solução de glutaraldeído 2% - paraformaldeído 4% em tampão fosfato 0,1M (pH 7.3) por 24 horas. O intestino médio foi igualmente sub-dividido em 3 fragmentos, nomeados de região anterior, mediana e posterior. Estes fragmentos foram processados e incluídos em Historesina (JB4 Polysciences); os cortes obtidos foram corados com azul de Toulidina (Pearse 1972) ou com reagente de Schiff - azul de Bromofenol hematoxilina de Ehrlich (Coello 1989). Os cortes histológicos foram analisados morfometricamente em sistema computadorizado para análise de imagens (QWin Lite 2.5 - Leica), adaptado em fotomicroscópio DMLB (Leica). As medidas obtidas foram: 1- Eixo maior (LAx) e menor (SAx), e a área (A) do a) lúmen; b) cada tipo celular epitelial e seu núcleo; c) intestino médio (epitélio + lúmen); 2) a altura (H) do epitélio, expresso como a média de 20 medidas obtidas ao longo do perímetro do intestino médio de cada corte examinado, bem como os valores máximo (HMax) e mínimo (HMin) destas medidas. Todas as medidas foram realizadas na região central das células e do lúmen do intestino médio. Os dados obtidos foram analisados estatisticamente pelo teste de Kruskal-Wallis, e a diferença entre grupos foi determinada pelo método de Dunn, usando o software Sigma- Stat 2.0. O nível de significância adotado foi de 5%. Empregamos também o teste de análise multivariada, realizada pelo software MVSP 3.2, para compararmos os valores do lúmen e dos diferentes tipos celulares epiteliais nas diferentes regiões do intestino médio. Doutorado - Daniela de Oliveira Pinheiro - 26 - Resultados O intestino médio de larvas de D. saccharalis é um tubo simples composto por uma camada simples de células epiteliais delimitando um lúmen (Fig. 1A); diferentes tipos celulares, principalmente células colunares, caliciformes e regenerativas constituem o epitélio do intestino médio (Fig. 1B). A altura do epitélio é muito variada em cada uma das três regiões estudadas (Tabela 1); existem diferenças, até o dobro, entre HMax, e HMin obtidas na mesma região. Entretanto, não existe diferença significativa entre as diferentes regiões, considerando-se os valores de H e HMax, mas a HMin das regiões anterior e mediana são significativamente diferentes. Para o lúmen intestinal, o LAx e SAx das regiões mediana e posterior são similares entre si, mas estas medidas, em ambas as regiões, são significativamente diferentes das medidas obtidas na região anterior; a mesma diferença entre as três regiões foi observadas para o intestino médio como um todo (epitélio + lúmen). A análise multivariada dos dados obtidos das medidas do lúmen epitelial (Fig. 2) mostra que o intestino médio tem duas regiões distintas, a anterior e a posterior; a região mediana apresenta valores que são coincidentes tanto com aqueles da anterior, como com os da posterior, bem como valores diferentes destas duas regiões. A análise morfométrica de variância (Tabela 2) mostra que algumas das medidas separadas obtidas das diferentes células epiteliais são variáveis ao longo do intestino médio. Nas células colunares, a maioria das variáveis não apresenta diferença significativa entre as regiões anterior e mediana, entretanto o LAx da célula e o Sax e a A do seu núcleo, das duas regiões, anterior e posterior, eram diferentes dos valores para a região posterior. A célula caliciforme mostra pouca variabilidade entre as regiões do intestino médio; o LAx da célula e do seu núcleo na região anterior é significativamente diferente daqueles das regiões mediana e posterior. As células regenerativas são morfometricamente variáveis ao longo do intestino médio; o SAx e a A da célula e do núcleo nas regiões anterior e posterior são significativamente diferente, e estes valores para a região mediana não diferem daqueles das regiões anterior ou posterior. A análise multivariada dos valores relacionados com todas as medidas das células epiteliais no intestino médio (Figs. 3-5) mostra que as células colunares, caliciformes e regenerativas não constituem populações celulares morfometricamente distintas, nas três regiões analisadas do intestino médio. Doutorado - Daniela de Oliveira Pinheiro - 27 - Discussão A avaliação morfométrica do intestino médio de D. saccharalis (epitélio e lúmen) mostrou que as regiões anterior e posterior são distintas; a região mediana apresenta valores intermediários entre as regiões anterior e posterior, sugerindo que esta porção pode ser considerada uma transição. Não existem, na literatura, estudos morfométricos do intestino médio de insetos ao nível de microscopia de luz. Nossos resultados confirmam a idéia geral que o intestino médio, em larvas de insetos, é estruturalmente diferenciado ao longo do seu comprimento, como sugerido por observações ultra- estruturais (Cioffi 1979, Lello et al. 1984, Santos et al. 1984). Entretanto, quando cada tipo celular foi individualmente analisado morfometricamente, não foi possível caracterizar diferenças nas células ao longo do intestino médio. A análise multivariada compara dois ou mais parâmetros, usando o maior conjunto numérico possível para estas entidades. Moço et al. (2002) usaram este tipo de análise para caracterização e identificação de Hepatozoon, um protozoário que parasita eritrócitos de serpentes; medindo variáveis das células e núcleos (comprimento, largura e área), estes autores foram capazes de identificar diferentes populações deste parasita sanguíneo. Relato preliminar sobre a ultra-estrutura das células colunares no intestino médio da broca da cana (Pinheiro & Gregório 2001) mostrou diferenças na sua organização subcelular que puderam ser relacionadas com sua localização ao longo do comprimento do intestino médio; estas diferenças foram principalmente relacionadas com as projeções citoplasmáticas apicais, a quantidade de mitocôndrias e as invaginações de membrana plasmática basal. Entretanto, nossos resultados sugerem que estas características ultra-estruturais não interferem nos parâmetros morfométricos analisados tanto para esta célula como para seu núcleo (LAx, SAx e A) nas mesmas regiões. Dados morfométricos referentes à organização da ultra-estrutura das células epiteliais do intestino médio foram descritos em muitas ordens de insetos, como em Diptera (Nopanitaya & Misch 1974, Wood & Lehane 1991, Andrade-Coeho et al. 2001), Orthoptera (Srivastava 1997), Heteroptera (Ranjini & Mohamed 2000), e Hemiptera (Billingsley 1988). Entretanto, esses trabalhos não comparam as células ao longo da extensão do intestino médio; eles estão, principalmente, relacionados com aspectos experimentais durante o processo de digestão (Billingsley 1988, Wood & Lehane 1991, Ranjini & Mohamed 2000, Andrade-Coeho et al. 2001), diferenças sexuais (Rudin & Hecker 1976) e desenvolvimento dos insetos (Nopanitaya & Misch Doutorado - Daniela de Oliveira Pinheiro - 28 - 1974). A aplicação da análise multivariada, apresentada neste trabalho, pode ser um instrumento importante para uma melhor interpretação das diferenças fisiológicas, sexuais e ontogênicas, como mostrados pelos autores acima. As células endócrinas não foram consideradas em nossos estudos, por ser escassa e de difícil observação ao nível de microscopia de luz, principalmente usando técnicas de colorações convencionais (Endo et al. 1983, Montuenga et al. 1989). O pequeno número de células endócrinas no epitélio do intestino médio também foi descrito em muitas outras espécies de insetos (Andries & Beauvillain 1988, Montuenga et al. 1989). As células regenerativas apresentaram uma ampla variabilidade morfométrica nas diferentes regiões do intestino médio. Nossos resultados mostram que existem diferenças nesta célula quando localizadas na região anterior ou posterior. A região mediana apresenta características intermediárias para os parâmetros das células regenerativas, apoiando a idéia de que existe uma porção de transição no intestino médio entre as regiões anterior e posterior. Agradecimentos Agradecemos ao Laboratório Entomológico da Usina Barra Grande, Lençóis Paulista, SP, pelo fornecimento dos insetos e os Ricardo André Santos Teixeira e Antônio Vicente Salvador pela assistência técnica. Este trabalho foi parcialmente financiado pela FAPESP (proc. 01/10868-0). Referências Bibliográficas Andrade-Coeho, C.A., J. Santos-Mallet, N.A. 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Corte histológico do intestino médio de D. saccharalis: A) lúmen (L) e células epiteliais (E) da região mediana, corados com o reativo de Schiff- azul de Bromofenol- hematoxilina de Ehrlich (Bar = 100 µm); B) célula colunar (C), caliciforme (G) e regenerativa (R) no epitélio da região anterior, corado com azul de Toluidina (Bar = 10 µm). Tabela 1. Dados morfométricos do lúmen e do epitélio das regiões anterior, mediana e posterior do intestino médio de larvas de D. saccharalis. Epitélio Lúmen Epitélio + Lúmen Regiões H ( m) HMax ( m) HMin ( m) Lax (mm) Sax (mm) A (mm2) Lax (mm) SAx (mm) A (mm2) Anterior (n = 32) 93.1 (4.7)a 124.3 (12.6)a 70.9 (5.6)a 1.5 (0.2)a 0.4 (0.1)a 471.2 (173.7)a 1.6 (0.2)a 0.6 (0.1)a 826.9 (231.3)a Mediana (n = 42) 89.2 (12.0)a 123.8 (18.9)a 62.9 (5.7)b 1.0 (0.2)b 0.5 (0.1)b 374.2 (197.8)a 1.2 (0.2)b 0.7 (0.1)b 671.6 (222.4)a Posterior (n = 47) 97.1 (23.1)a 130.7 (31.3)a 61.7 (13.6)ab 1.0 (0.5)b 0.7 (0.3)b 607.8 (472.9)a 1.2 (0.5)b 0.9 (0.3)b 843.3 (572.4)a Nota: Todos os valores representam a mediana e a amplitude semi-interquartílica. Mesmas letras nas colunas representam p > 0.05 e diferentes letras representam p < 0.05. H altura; HMax altura máxima do epitélio; HMin altura mínima do epitélio; LAx eixo maior; SAx eixo menor; A área. Doutorado - Daniela de Oliveira Pinheiro - 32 - Tabela 2. Dados morfométricos das células colunares, caliciformes e regenerativas das regiões anterior, mediana e posterior do intestino médio de larvas D. saccharalis. Tipos Célula Núcleo Celulares Lax ( m) SAx ( m) A ( m2) LAx ( m) SAx ( m) A ( m2) Colunar Anterior (n = 51) 68.4 (5.3)a 8.0 (2.0)a 577.3 (127.7)a 11.3 (0.9)a 4.9 (0.9)a 44.6 (8.9)a Mediana (n = 55) 64.2 (6.0)ab 9.9 (2.3)a 615.1 (124.6)a 11.3 (1.1)a 4.7 (1.0)a 44.8 (11.0)a Posterior (n = 57) 60.4 (3.1)b 9.1 (1.9)a 565.5 (105.7)a 10.8 (0.9)a 4.0 (0.6)b 38.5 (7.6)b Caliciformes Anterior (n = 54) 58.4 (4.2)a 7.2 (0.9)a 408.3 (42.7)a 5.4 (0.7)a 3.4 (0.5)a 17.1 (3.0)a Mediana (n = 44) 56.2 (6.8)b 7.7 (1.2)a 421.1 (61.8)a 6.8 (1.2)b 2.9 (0.8)a 17.5 (2.9)a Posterior (n = 50) 63.2 (4.4)b 7.6 (1.6)a 418.5 (83.7)a 7.2 (1.2)b 3.0 (0.6)a 17.8 (2.9)a Regenerativa Anterior (n = 51) 14.1 (5.0)a 5.9 (1.3)a 69.2 (18.3)a 6.0 (1.6)a 4.1 (1.2)a 20.3 (4.9)a Mediana (n = 61) 14.4 (2.4)a 5.4 (0.9)ab 60.5 (16.1)ab 6.3 (0.8)a 3.7 (0.6)ab 19.9 (3.8)ab Posterior (n = 54) 13.9 (3.6)a 5.4 (0.9)b 58.5 (19.7)b 6.0 (2.5)a 3.4 (0.5)b 17.3 (5.4)b Nota: Todos os valores representam a mediana e a amplitude semi-interquartílica. Mesmas letras nas colunas representam p > 0.05 e diferentes letras representam p < 0.05. LAx eixo maior; SAx eixo menor; A área. Doutorado - Daniela de Oliveira Pinheiro - 33 - Proximal Mediana Distal A xi s 2 Axis 1 -0.01 -0.02 -0.03 -0.05 -0.06 0.00 0.01 0.02 0.03 0.05 0.06 -0.01-0.02-0.03-0.05-0.06 0.00 0.01 0.02 0.03 0.05 0.06 Figura 2. Análise multivariada dos principais componentes para comparar dados morfométricos na região anterior, mediana e posterior do intestino médio de D. saccharalis. Os valores apresentados nos eixos da ordenada e abscissa representam a maior variação dos dados. Proximal Mediana Distal A xi s 2 Axis 1 -0.009 -0.019 -0.028 -0.038 -0.047 0.000 0.009 0.019 0.028 0.038 0.047 -0.009-0.019-0.028-0.038-0.047 0.000 0.009 0.019 0.028 0.038 0.047 Figura 3. Análise multivariada dos dados morfométricos das células colunares na região anterior, mediana e posterior do intestino médio de D. saccharalis. Os valores apresentados nos eixos da ordenada e abscissa representam a maior variação dos dados. Doutorado - Daniela de Oliveira Pinheiro - 34 - Proximal Mediana Distal A xi s 2 Axis 1 -0.009 -0.019 -0.028 -0.038 -0.047 0.000 0.009 0.019 0.028 0.038 0.047 -0.009-0.019-0.028-0.038-0.047 0.000 0.009 0.019 0.028 0.038 0.047 Figura 4. Análise multivariada dos dados morfométricos das células caliciformes na região anterior, mediana e posterior do intestino médio de D. saccharalis. Os valores apresentados nos eixos da ordenada e abscissa representam a maior variação dos dados. Proximal Mediana Distal A xi s 2 Axis 1 -0.01 -0.02 -0.03 -0.04 -0.05 0.00 0.01 0.02 0.03 0.04 0.05 -0.01-0.02-0.03-0.04-0.05 0.00 0.01 0.02 0.03 0.04 0.05 Figura 5. Análise multivariada dos dados morfométricos das células regenerativas na região anterior, mediana e posterior do intestino médio de D. saccharalis. Os valores apresentados nos eixos da ordenada e abscissa representam a maior variação dos dados. Doutorado - Daniela de Oliveira Pinheiro - 35 - ARTIGO 3 Diferenças morfológicas regionais das células epiteliais ao longo do intestino médio de larvas de Diatraea saccharalis (Lepidoptera) A ser enviado para a revista Neotropical Entomology como: Pinheiro, D.O.; Quagio-Grassiotto, I.; Gregório, E.A. Morphological regional differences of epithelial cells along of the midgut in Diatraea saccharalis (Lepidoptera) larvae. Doutorado - Daniela de Oliveira Pinheiro - 36 - Resumo A Diatraea saccharalis (broca da cana) Fabricius (Lepidoptera: Crambidae) é uma praga da cana-de-açúcar e outras plantações. O objetivo deste trabalho foi caracterizar possíveis variações morfológicas nas células epiteliais (colunares, caliciformes, regenerativas) ao longo do intestino médio (IM) de larvas de D. saccharalis. Fragmentos do IM (anterior, mediana e posterior) foram fixados e processados para microscopia de luz e eletrônica de varredura. Existem diferenças morfológicas citoquímicas e ultra-estruturais nas células epiteliais, dependendo da sua localização no IM. A superfície apical de algumas células colunares exibe projeções citoplasmáticas que aumentam em número e volume da região anterior para a posterior do IM. Existe aumento dos grânulos PAS-positivos no citoplasma apical das células colunares e regenerativas, da região anterior para a posterior. A câmara das células caliciforme na região anterior do IM mostra seu ápice estreito, enquanto que na posterior esta porção da câmara é alargada; os microvilos da câmara são pequenos e finos no ápice, sendo numerosos, longos e mais espessos na porção basal. Nossos resultados sugerem que o IM da broca da cana apresenta duas regiões morfologicamente distintas, a anterior e posterior; a região mediana é uma região de transição. Palavras-Chave: células epiteliais, intestino médio, Lepidoptera, morfologia, Diatraea saccharalis Doutorado - Daniela de Oliveira Pinheiro - 37 - Abstract The sugarcane borer Diatraea saccharalis Fabricius (Lepidoptera: Crambidae) is a pest for the sugarcane and many other crops. This work aims to characterized morphological variability in the epithelial cells (columnar, goblet and regenerative) along the midgut of D. saccharalis larvae. Fragments of the midgut (anterior, middle and posterior regions) were fixed and processed by light and scanning electron microscopy. There are both cytochemical and ultrastructural differences in the morphology of the epithelial cells, depending on their localization along the midgut. The apical surface of columnar cell shows an increase in both number and size of the apical protrusions from the anterior to the posterior midgut regions. There is an increase in the amount of PAS-positive granules are detected in the cytoplasm of both the columnar and regenerative cells, from the anterior to the posterior region. The apical surface of goblet cell is narrow in the anterior region, and enlarged in the posterior midgut; the microvilli of the cavity are small and thin at the apical cavity surface, being thicker, longer and numerous at the basal portion of the cavity. Our results suggested that the sugarcane borer midgut has two morphological different regions, the anterior and the posterior; the middle region is a transitional region. Keywords: Epithelial cell; midgut; Lepidoptera; Morphology; Diatraea saccharalis Doutorado - Daniela de Oliveira Pinheiro - 38 - Introdução Estudos, em diversas Ordens de insetos, mostram a importância do intestino médio (IM) na absorção de alimentos, troca de íons, entrada de inseticidas, vírus e toxinas, e liberação de neurohormônios que regulam a atividade de vários outros processos fisiológicos (Santos et al. 1984; Chapman 1985, 1998; Dow 1986; Lehane & Billingsley 1996; Jordão et al. 1999; Edwards & Weaver 2001, entre outros). O IM de insetos é constituído por um epitélio colunar, revestido por uma camada mais interna de fibras musculares estriadas circulares e outra mais externa de fibras longitudinais (Chapman 1985). O epitélio apresenta, na maioria dos insetos, quatro tipos celulares: colunares, caliciformes, regenerativas e endócrinas (Lehane & Billingsley 1996). Muitos dos trabalhos referentes as células epiteliais correlacionam sua morfologia com possíveis funções (Cioffi 1979; Santos et al. 1984; Hung et al. 2000; Caetano & Zara 2001; Pinheiro & Gregório 2003; Levy et al. 2004). O epitélio do IM é revestido internamente por uma membrana acelular (membrana ou matriz peritrófica), na maioria dos insetos (Chapman 1985; Dow 1986; Lehane & Billingsley 1996; Terra 2001). Em larvas de Lepidoptera, essa membrana é secretada ao longo do IM pelas células colunares (De Priester 1971; Terra 1988, 1996; Harper & Hopkins 1997; Hopkins & Harper 2001). Embora impeça o contato direto do alimento com a bordadura estriada das células colunares, esta membrana permite a passagem das enzimas digestivas em direção à luz intestinal e a absorção dos produtos resultantes da digestão, sendo posteriormente eliminada com as fezes (Tellam 1996), prevenindo injúrias mecânicas e dificultando ou impedindo a entrada de patógenos (Terra 1988, 2001). As células colunares, mais abundantes, são responsáveis pela produção de enzimas e absorção dos produtos da digestão (Lehane & Billingsley 1996). Sua superfície apical exibe microvilosidades regulares e exuberantes, enquanto que no citoplasma basal observa-se labirinto basal associado às mitocôndrias (Nopanitaya & Misch 1974; Lehane & Billingsley 1996; Hung et al. 2000; Pinheiro & Gregório 2003). Projeções citoplasmáticas têm sido detectadas em diversas espécies de insetos (Lello et al. 1984; Ryerse et al. 1992; Caetano & Zara 2001; Cristofoletti et al. 2001; Lello & Vieira 2001; Levy et al. 2004). As células caliciformes recebem esta denominação por possuírem invaginação da membrana plasmática apical formando uma cavidade, semelhante a um cálice; a morfologia desta cavidade é variável em larvas de Lepidoptera, dependendo de sua Doutorado - Daniela de Oliveira Pinheiro - 39 - localização no IM. A cavidade ocupa a maior parte da célula na região anterior do IM ou somente a parte apical naquelas da região posterior (Anderson & Harvey 1966; Cioffi 1979; Santos et al. 1984; Lehane & Billingsley 1996). O interior desta cavidade é margeado por projeções citoplasmáticas semelhantes a microvilosidades, contendo mitocôndrias (Anderson & Harvey 1966; Cioffi 1979; Santos et al. 1984; Chapman 1985, 1998; Lehane & Billingsley 1996; Cavalcante & Cruz-Landim 1999; Levy et al. 2004). Estas células estão envolvidas no processo de homeostasia iônica e absorção de metabólitos, função esta desempenhada em cooperação com as células colunares (Anderson & Harvey 1966; Chapman 1985, 1998; Dow 1986; Lehane & Billingsley 1996; Terra et al., 2006). As células regenerativas são observadas isoladas, em pares ou formando grupos (nidi) de regeneração, localizados na base do epitélio (Chapman 1985; Dow 1986; Cavalcante & Cruz-Landim 1999); apresentam citoplasma escasso, com poucas organelas (Turbeck 1974; Lehane & Billingsley 1996; Levy et al. 2004). O número e morfologia de células regenerativas dependem da proximidade das ecdises e da duração do ciclo de vida dos insetos (Turbeck 1974; Terra 1988). É consenso que as células regenerativas teriam papel de reposição de células epiteliais (Endo et al. 1983; Chapman 1985; Lehane & Billingsley 1996). As células endócrinas estão localizadas na base do epitélio, sendo caracterizadas pela presença de grande quantidade de grânulos citoplasmáticos (Sehnal & Zitnan 1996; Edwards & Weaver 2001). Vários são os papéis atribuídos a esta célula: controle hormonal dos movimentos peristálticos, da digestão, diurese, do desenvolvimento e reprodução, entre outras funções (para revisão ver Sehnal & Zitnan 1996; Edwards & Weaver 2001). A broca da cana, Diatraea saccharalis Fabricius (Lepidoptera: Crambidae) é uma praga que afeta de maneira significativa a produtividade agrícola e industrial da cultura da cana-de-açúcar, sendo encontrada nas Antilhas, América Central e do Sul. As lagartas também atacam outras gramíneas, sendo consideradas prejudiciais ao milho, arroz, sorgo, trigo e algumas espécies de capim (Rossi & Fowler 2003). Apesar da importância desse inseto, poucos são os trabalhos sobre a sua morfologia interna, especialmente no que se refere ao IM. As descrições existentes referem-se as diferenças ultra-estruturais das células colunares (Pinheiro & Gregório 2003), e morfométricas nos diferentes tipos celulares (Pinheiro et al. 2003, 2006), além de diferenças bioquímicas de atividade enzimática (Ferreira et al. 1997; Azevedo et al. 2003). Entretanto, nenhum Doutorado - Daniela de Oliveira Pinheiro - 40 - deles caracteriza variações morfológicas nos diferentes tipos celulares, ao longo do IM da broca da cana, que é o objetivo desse trabalho. Material e Métodos Larvas de D. saccharalis foram mantidas em dieta artificial, com temperatura (25-27ºC) e umidade (70%) controladas. Os insetos, no último instar larval, foram dissecados em microscópio estereoscópio e o IM imediatamente fixado de acordo com a técnica utilizada. Microscopia de luz (ML): os IM coletados foram sub-divididos em 3 regiões: anterior, mediana e posterior; os materiais foram fixados em solução de glutaraldeído 2,5% - paraformaldeído 4% em tampão fosfato 0,1M pH 7.3 por 6h, sendo desidratados em seqüência crescente de soluções de álcool etílico. A inclusão foi realizada em resina JB4 da Polysciences, sendo polimerizado em estufa à 37oC por 24h. Os cortes de 3-7 µm foram submetidos às técnicas de colorações por hematoxilina- eosina e PAS (Pearse, 1972). Microscopia eletrônica de varredura (MEV): o IM não foi retirado do inseto, sendo apenas realizada incisão longitudinal para expor a superfície luminal, bem como a superfície lateral do epitélio. Os materiais foram fixados em glutaraldeído 2,5% em tampão fosfato 0,1M pH 7.3 por 24h e pós-fixados em tetróxido de ósmio 1% por 2h no mesmo tampão. A desidratação foi realizada com seqüência crescente de soluções de álcool etílico, sendo a secagem realizada por meio do ponto crítico em CPD 020 (Balzer Union), com CO2 líquido. Os espécimes foram colados em suporte adequado e recobertos com camada de 20nm ouro em aparelho MED 010 (Balzer Union). A análise foi realizada em Microscópio Eletrônico de Varredura SEM 515 da Philips. Resultados O IM de D. saccharalis é revestido por epitélio colunar simples onde identificamos células colunares, caliciformes e regenerativas, distribuídas em toda sua extensão (Figs. 1-8). A superfície epitelial é recoberta internamente por fina membrana peritrófica (Figs. 9). Célula colunar: de forma prismática, são as mais numerosas em todo o IM; mostram citoplasma basófilo e núcleo basal alongado com cromatina descondensada (Figs. 1-8). Discretos grânulos PAS-positivos estão presentes no citoplasma apical e dentro das projeções citoplasmáticas na região anterior (Fig. 3), havendo aumento Doutorado - Daniela de Oliveira Pinheiro - 41 - desses grânulos para a região mediana (Fig. 5) e posterior (Figs. 7-8). Raras imagens sugestivas de morte celular são visualizadas (Fig. 2). Projeções citoplasmáticas são observadas na superfície apical entre a bordadura estriada; poucas são as projeções na região anterior do IM (Figs. 1-3), aumentando em número da região mediana (Figs. 4-5) para a região posterior, onde podem ser volumosas (Figs. 6-8). Este achado é confirmado em MEV (Figs. 9-14). Muitas dessas projeções, na região mediana (Figs. 11-12), são arredondadas e com superfície lisa. Poucos e pequenos microvilos são eventualmente observados na membrana dessas projeções (Fig. 15). Na região posterior as projeções citoplasmáticas formam um tapete recobrindo toda a superfície do epitélio, dificultando a observação das microvilosidades. Estas, quando visualizadas, são curtas e ficam restritas à superfície das projeções citoplasmáticas (Fig. 16). Existem imagens que mostram as projeções ligadas à superfície celular por fino pedúnculo citoplasmático (Fig. 21). Células Caliciformes. Apresentam citoplasma acidófilo, com raros grânulos PAS-positivos, e núcleo basal em forma de U, acompanhando a base da câmara (Figs. 3, 4, 6-8). Apresentam grande cavidade, em forma de cálice, cuja superfície interna possui projeções semelhantes a microvilos; na região anterior e mediana, esta cavidade é localizada predominantemente no ápice da célula (Figs. 3-4), enquanto que na região posterior observa-se com freqüência alargamento da base da célula (Fig. 7). Em MEV as células caliciformes são identificadas apenas quando observada a superfície lateral do epitélio (Figs. 15-18), pois sua superfície apical é estreita e recoberta pelas microvilosidades das células colunares. A câmara caliciforme, nas células da região anterior do IM, mostra ápice estreito (Figs. 3), enquanto que, na região posterior do IM, esta porção da câmara é alargada (Figs. 6-8). Na região mediana do IM estão presentes células com dois formatos de câmara (Figs. 4). Ao longo do IM, os microvilos da câmara são pequenos e finos no ápice da câmara, sendo numerosos, longos e mais espessos na porção basal da mesma (Figs. 15-18) e apresentam uma discreta dilação na extremidade (Figs. 18). A quantidade dos microvilos da câmara parece aumentar da região anterior do IM para a posterior (Figs. 15-18). Células Regenerativas. São células pequenas com formato arredondado ou alongado, sendo encontradas isoladas, em pares ou em grupos na base do epitélio; apresentam núcleo central e citoplasma escasso e basófilo (Figs. 1, 3-6, 8). Observamos poucos grânulos PAS-positivos no citoplasma supra-nuclear das células situadas na Doutorado - Daniela de Oliveira Pinheiro - 42 - região anterior do IM (Fig. 3), grânulos estes que aumentam em número da região mediana (Fig. 5) para a região posterior (Fig. 8). Discussão A morfologia geral do epitélio do IM de larvas de D. saccharalis é similar àquela descrita para muitos Lepidoptera, como Manduca sexta Linnaeus (Lepidoptera: Sphingidae) (Cioffi 1979), Erynnis ello Linnaeus (Lepidoptera: Sphingidae) (Santos et al. 1984), Spodoptera frugiperda Smith (Lepidoptera: Noctuidae) (Jordão et al. 1999), Anticarsia gemmatalis Hübner (Lepidoptera: Noctuidae) (Levy et al. 2004) entre muitas outras espécies (para revisão, ver Lehane & Billingsley 1996). Nossas observações indicam que as células epiteliais (colunares, caliciformes e regenerativas) apresentam diferenças regionais na morfologia, ao longo do IM de D. saccharalis. As células endócrinas não foram detectadas nas nossas preparações por serem escassas e de difícil observação usando técnicas de coloração histológicas convencionais, como também apontados em outros trabalhos (Endo & Nishiitsutsuji- Uwo 1982; Endo et al. 1983). As células colunares mostram um aumento no número de projeções citoplasmáticas (desprendendo-se do ápice celular em direção ao lúmen intestinal) e na quantidade de grânulos citoplasmáticos PAS-positivos, da região anterior para a região posterior do IM. Essa grande quantidade de material PAS-positivo no citoplasma de células colunares também foi observada no IM de Dermatobia hominis Linnaeus (Díptera: Cuterebridae) (Lello & Vieira 2001) e em Triatoma infestans Klug (Heteroptera: Reduviidae) (Burgos & Gutiérrez 1976). O significado fisiológico da liberação de projeções citoplasmáticas para o lúmen intestinal não está totalmente esclarecido. Alguns autores relacionam este processo com mecanismo de degeneração celular, decorrente da renovação epitelial (Anderson & Harvey 1966; De Priester 1971; Terra & Ferreira 1994) ou mesmo artefato técnico (Ryerse et al. 1992), enquanto outros apontam relação com processo de secreção apócrina, para liberação de enzimas digestivas (Santos et al. 1984; Wood & Lehane 1991; Cristofoletti et al. 2001). Uma vez que os insetos utilizados em nosso trabalho não estavam próximos de muda, e que realizamos controle das condições técnicas de processamento dos IM, nossos resultados em D. saccharalis concordam com a idéia de que estas projeções devem estar relacionadas com o processo de secreção apócrina. Doutorado - Daniela de Oliveira Pinheiro - 43 - Poucos trabalhos descrevem a morfologia destas projeções em microscopia de luz (Caetano & Zara 2001; Lello & Vieira 2001; Levy et al. 2004); e embora os autores não enfatizem a variabilidade do número de projeções dependente da localização das células colunares no IM, os aspectos morfológicos descritos são semelhantes aos observados em D. saccharalis. Nossas observações ultra-estruturais mostram que as escassas projeções da região anterior exibem microvilosidades em parte de sua superfície e que estão ausentes naquelas da região posterior, onde sua superfície fica lisa. Uma vez que o número de projeções é exuberante na região posterior do IM, onde ocupam extensa área do ápice das células colunar em detrimento das microvilosidades, é de se supor que em D. saccharalis a liberação de parte do citoplasma apical pode não estar relacionado com a liberação de enzimas digestivas; em outros insetos, sabe-se que a liberação de enzimas digestivas está relacionada com o processo de secreção microapócrina, que ocorre a partir das microvilosidades como sugerido para E. ello (Santos et al. 1984), Stomoxys calcitrans Linnaeus (Diptera: Muscidae) (Wood & Lehane 1991) e para Tenebrio molitor Linnaeus (Coleoptera: Tenebrionidae) (Cristofoletti et al. 2001). Observações prévias da organização sub-celular das células colunares, em D. saccharalis (Pinheiro & Gregório 2003) mostraram que o conteúdo destas projeções na região anterior é pobre em organelas, enquanto que aquelas volumosas da região posterior contêm inúmeras organelas, incluindo retículo endoplasmático, mitocôndrias e vacúolos digestivos, reforçando a idéia de que exista diferença funcional destas projeções, e conseqüentemente das células colunares, dependente da localização espacial no IM. A quantidade de grânulos PAS-positivos, observados no citoplasma apical das células colunares, aumenta da região anterior para a região posterior do IM. O material PAS-positivo pode representar depósitos de glicogênio e/ou grânulos de secreção contendo polissacarídeos. Depósitos de glicogênio têm sido raramente descritos no citoplasma de células colunares em Lepidoptera. Sabe-se, entretanto, que a membrana peritrófica é composta principalmente por quitina, um polímero linear N-acetyl-D- glucosamina (Terra 1996; Tellam et al. 1999) e glicoproteínas (Tellam et al. 1999; Terra 2001). Como quitina é passível de ser corada por PAS, nossos achados apontam para a existência de precursores de quitina, que podem estar concentrados no citoplasma apical para secreção (Harper & Hopkins 1997; Hopkins & Harper 2001; Terra 2001). O fato de aumentar a quantidade de material citoplasmático PAS-positivo da região anterior para a posterior, sugere que as células colunares da região posterior podem estar Doutorado - Daniela de Oliveira Pinheiro - 44 - secretando mais intensamente os precursores de quitina para a membrana peritrófica do que as células da região anterior. O formato da câmara da célula caliciforme tem sido estudado em outros Lepidoptera, sendo apontado que a porção apical desta cavidade é mais alargada nas células da região posterior do IM (Cioffi 1979; Lello et al. 1984; Santos et al. 1984; Jordão et al. 1999). Em larvas de D. saccharalis, diferenças na morfologia desta cavidade não foram consistentes em ML; entretanto, as análises ao MEV mostram que além deste alargamento da câmara da região anterior para a posterior, ocorre ainda um aparente aumento no número dos microvilos da câmara em toda sua extensão. Em nossas preparações fica claro que a câmara, nas células da região posterior, alcança a base da célula, diferentemente do apontado em outros Lepidoptera (Cioffi 1979; Terra 1988). O maior diâmetro dos microvilos da base da câmara pode ser explicado pela presença de mitocôndrias dentro destas projeções citoplasmáticas, como descrito em inúmeros insetos (Anderson & Harvey 1966; Lehane & Billingsley 1996; Cavalcante & Cruz- Landim 1999; Levy et al. 2004). As células regenerativas apresentam citoplasma escasso com poucas organelas e possuem a função de renovação celular (De Priester 1971; Turbeck 1974; Lehane & Billingsley 1996). Os dados da literatura mostram diferenciação da célula regenerativa em célula colunar à microscopia eletrônica de transmissão (Endo et al. 1983; Lehane & Billingsley 1996). A detecção de material PAS-positivo no citoplasma apical das células regenerativas, concomitante com o aumento destes grânulos na região posterior, semelhante ao observado para as células colunares, reforça o papel precursor destas células, especialmente na reposição das células colunares. Na renovação do epitélio intestinal, as células senescentes separar-se-iam da membrana basal, que continuaria intacta, sendo deslocadas em direção ao lúmen pelas células regenerativas em divisão, que teriam assim papel de reposição celular (Endo et al. 1983; Chapman 1985, 1998). O propósito da renovação celular do epitélio intestinal está relacionado com o crescimento do canal alimentar a cada ecdise e com a substituição de células senescentes ou que sofreram qualquer tipo de agressão (Lehane & Billingsley 1996). Assim, nossos resultados mostram que existem diferenças morfológicas regionais nas células epiteliais nas regiões anterior e posterior do IM de D. saccharalis. A região mediana apresenta características morfológicas intermediárias entre as outras duas regiões, tanto para as células colunares com relação à quantidade de projeções citoplasmáticas e marcação PAS-positiva, quanto para a morfologia da câmara da célula Doutorado - Daniela de Oliveira Pinheiro - 45 - caliciforme. Estes achados reforçam os dados morfométricos indicativos de que existe área de transição entre a região anterior e posterior do IM (Pinheiro et al. 2003). Referências Anderson, E. & W.R Harvey. 1966. Active transport by the Cecropia midgut: ii. fine structure of the midgut epithelium. J. Cell. Biol. 31: 107-134. Azevedo, T.R., W.R. Terra & C. Ferreira. 2003. Purification and characterization of three -glycosidases from midgut of the sugar cane borer, Diatraea saccharalis. Insect Biochem. Molec. Biol. 33: 81-92. Burgos, M.H. & L.S. Gutiérrez. 1976. The intestine of Triatoma infestans. J. Ultrastruct. Res. 57: 1-9. Caetano, F.H. & F.J. Zara. 2001. Ultramorphology and histology of the foregut and midgut of Pachycondyla (=Neoponera) villosa (Fabricius) larvae (Formicidae: Ponerinae). J. Hymenopt. Res. 10: 251-260. Cavalcante, V.M. & C. Cruz-Landim. 1999. Types of cells present in the midgut of the insects: a review. Naturalia (Rio Claro) 24: 19-40. Chapman, R.F. 1985. 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