Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” ISADORA PATRICIO SILVA AS TEORIAS VERDES DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL GLOBAL MARÍLIA 2022 2 ISADORA PATRICIO SILVA AS TEORIAS VERDES DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL GLOBAL Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Conselho de Curso de Relações Internacionais da Faculdade de Filosofia e Ciências, da Universidade Estadual Paulista – UNESP – Campus de Marília, para a obtenção do Bacharel em Relações Internacionais. Orientador (a): Prof. Dr. Jose Geraldo Alberto Bertoncini Poker MARÍLIA 2022 3 Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca da Faculdade de Filosofia e Ciências, Marília. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. S586t Silva, Isadora Patricio As teorias verdes de Relações Internacionais e o desenvolvimento sustentável global / Isadora Patricio Silva. -- Marília, 2022 54 p. Trabalho de conclusão de curso (Bacharelado - Relações Internacionais) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Filosofia e Ciências, Marília Orientador: José Geraldo Alberto Bertoncini Poker 1. Relações Internacionais. 2. Sustentabilidade. 3. Desenvolvimento Sustentável. 4. Economia Verde. 5. Crise Ambiental. I. Título. 4 ISADORA PATRICIO SILVA AS TEORIAS VERDES DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL GLOBAL Trabalho de Conclusão de Curso para obtenção do título de Bacharel em Relações Internacionais, da Faculdade de Filosofia e Ciências, da Universidade Estadual Paulista – UNESP – Campus de Marília BANCA EXAMINADORA Orientador: _ _________________ Prof. Dr. José Geraldo Alberto Bertoncini Poker Faculdade de Filosofia e Ciências – UNESP – Marília 2º Examinador: _ ________________________________________ Prof. Dr. Gabriel Cunha Salum Faculdade de Direito da Alta Paulista – FADAP 3º Examinador: ___________________________________________________ João Felipe de Almeida Ferraz Mestrando em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia e Ciências – UNESP - Marília Marília, 20 de abril de 2022. 5 AGRADECIMENTOS Gostaria de agradecer a minha mãe, Dra Karina Pavão, que sempre me incentivou a seguir meus sonhos e nunca deixar de me posicionar no mundo. A ajuda dela foi de extrema importância para a realização do presente trabalho, desde a escolha do tema até sua conclusão. Gostaria de agradecer também a todos os professores que fizeram parte da minha formação, pois todos agregaram algo e eu não poderia ter escrito nada sem o conhecimento que me foi passado através deles. 6 Não existem problemas ambientais, existem apenas sintomas ambientais de problemas humanos. (Robert Gilman) 7 RESUMO O estudo das Relações Internacionais engloba diversas áreas de estudos, sendo uma delas o campo do meio ambiente, mais especificamente a crise ambiental. Por se tratar de um tema muito amplo e complexo, com diferentes perspectivas, surgem diversas teorias, baseadas nas mais variadas perspectivas e focando principalmente em elementos econômicos, políticos e sociais. Os objetivos do presente trabalho foram realizar revisão integrativa da literatura sobre meio ambiente e Relações Internacionais e avaliar como o tema é tratado, buscando compreender aproximações e distanciamentos entre as ideias apresentadas e se elas colaboram para o desenvolvimento sustentável de fato. Foram utilizados os bancos de dados científicos OÁSIS, DOAJ, CAPES, EMERALD, SCIENCE DIRECT, SCIELO e BDTD IBICT e o córpus de análise foi composto por vinte textos, entre dissertações e artigos. Foram estudados então, os termos utilizados no discurso verde, as esferas de análise mais estudadas por estudiosos do tema, assim como as características regionais e globais da crise ambiental e concluiu-se que os discursos verdes são ricos de embasamento teórico, mas acabam não tendo real efetividade ao tentar solucionar os problemas ambientais. Palavras-chave: Relações Internacionais. Sustentabilidade. Desenvolvimento Sustentável. Economia Verde. Crise Ambiental. 8 ABSTRACT The study of International Relations encompasses several areas of study, one of which is the field of the environment, more specifically the environmental crisis. Because it is a very broad and complex topic, with different perspectives, several theories arise, based on the most varied perspectives and focusing mainly on economic, political and social elements. The objectives of the present work were to carry out an integrative review of the literature on the environment and International Relations and to evaluate how the topic is treated, seeking to understand similarities and differences between the ideas presented and whether they actually collaborate for sustainable development. Scientific databases OASIS, DOAJ, CAPES, EMERALD, SCIENCE DIRECT, SCIELO and BDTD IBICT were used and the analysis corpus consisted of twenty texts, including dissertations and articles. Then, the terms used in the green discourse, the spheres of analysis most studied by scholars on the subject, as well as the regional and global characteristics of the environmental crisis, were studied and it was concluded that green discourses are rich in theoretical basis, but end up not having real effectiveness when trying to solve environmental problems. Keywords: International Relations. Sustainability. Sustainable development. Green Economy. Environmental Crisis. 9 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 – Fluxograma referente aos resultados de busca ................................................... p.17 Figura 2 – Distribuição dos artigos selecionados segundo autores, título, ano, tipo/local de publicação ............................................................................................................................ p.18 Figura 3 – Triângulo da sustentabilidade ............................................................................ p.23 Figura 4 – A Curva de Kuznets Ambiental ......................................................................... p.32 Figura 5 – Relação entre as diferentes propostas e a sustentabilidade ................................ p.47 10 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS BGE A Blueprint for a Green Economy CNUMAD Conferência das nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento DS Desenvolvimento Sustentável EV Economia Verde GER Green Economy Report IPCC Intergovernmental Panel on Climate Change ODM Objetivos de Desenvolvimento do Milênio ODS Objetivos de Desenvolvimento Sustentável ONG Organização não Governamental ONU Organização das Nações Unidas PIB Produto Interno Bruto PNUMA Programa das nações Unidas para o Meio Ambiente RI Relações Internacionais 11 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................ p.11 1.1 Contextualização ........................................................................................................... p.11 1.2 Objetivos ........................................................................................................................ p.15 1.3 Metodologia ................................................................................................................... p.16 2 TEORIAS VERDES DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS .......................................... p.20 2.1 Desenvolvimento Sustentável........................................................................................ p.21 2.2 Economia Verde ............................................................................................................ p.23 2.3 Aproximação dos Termos .............................................................................................. p.26 3 ESFERAS DE ANÁLISE ................................................................................................. p.27 3.1 Ótica Econômica............................................................................................................ p.27 3.2 Ótica Política ................................................................................................................. p.33 3.3 Ótica Social ................................................................................................................... p.35 4 GLOBALIDADE ............................................................................................................. p.38 4.1 Questão Interna .............................................................................................................. p.38 4.2 Questão Externa ............................................................................................................. p.39 4.3 Norte e Sul Globais ....................................................................................................... p.41 5 DISCUSSÃO .................................................................................................................... p.42 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... p.49 REFERÊNCIAS ............................................................................................................... p.52 12 1. INTRODUÇÃO 1.1 Contextualização O desenvolvimento humano tem trazido consequências cada vez maiores para o meio ambiente, principalmente com a cultura de consumismo e com o aumento da produção, que ocorre para acompanhar o aumento populacional. Apesar da humanidade depender dos recursos disponíveis do planeta Terra, não parece haver o cuidado necessário com o meio ambiente para manter os padrões de bem-estar humano. A importância da preservação ambiental para o bem-estar humano, até mesmo sua proteção, tem se tornado mais evidente à medida que a degradação aumenta. Um exemplo claro é a degradação dos recifes de coral, que antes formavam uma barreira natural que diminuía os estragos causados por tsunamis e tempestades, mas, como mostram os desastres recentes, estão desgastados demais para oferecer proteção às costas e aos seres humanos (WHITMEE, Sarah; et al, 2015). Existem também diversos estudos cujo objetivo é estudar o papel dos ecossistemas nas mudanças climáticas e na proliferação de doenças. Apesar de ser um tema complexo, parece haver uma relação entre o surgimento de doenças e a degradação dos ambientes, o que evidencia o papel da biodiversidade na mediação da exposição às doenças (WHITMEE, Sarah; et al, 2015). Neste cenário de desequilíbrio ambiental, as mudanças climáticas vêm sendo apontadas como o principal problema de saúde pública da humanidade. Existem evidências suficientes hoje para dizer que as mudanças climáticas são causadas pela ação humana, principalmente pelo aumento da concentração de gases de efeito estufa, que está associada em especial com a queima de combustíveis fósseis, pecuária e industrialização. Apesar do debate ambiental ter início há muitas décadas atrás, a sociedade ainda é muito dependente de combustíveis fósseis, mesmo com a ameaça do derretimento do gelo nos polos, o aumento do nível do mar e o aumento da temperatura global (WHITMEE, Sarah; et al, 2015). Com o aumento da quantidade de dióxido de carbono na atmosfera, tem ocorrido a acidificação do oceano, o que prejudica muito a vida marinha. Alguns organismos não toleram a mudança de pH da água, outros se beneficiam disso, mas acabam desbalanceando todo o ecossistema e, consequentemente, a cadeia alimentar. Outra preocupação é com a água doce, que acaba sendo utilizada mais rápido do que seu tempo de reposição, e com o crescimento 13 populacional e industrial, a demanda tem crescido também e se nada mudar, há o risco de uma parcela considerável do mundo ficar sem água (WHITMEE, Sarah; et al, 2015). Com o derretimento do gelo e o aumento do nível do mar, muitos habitats podem ser perdidos, assim como através da agricultura, que ocupa pelo menos um quarto do espaço dos continentes e acaba se apropriando de terras ricas em fauna e flora. Além da perda de espécies nativas, a agricultura ocasiona a degradação do solo, através do plantio ou mesmo da queima da mata original para abrir espaço para a plantação. A queima da mata também traz malefícios à atmosfera, como o acúmulo de gases de efeito estufa, favorecendo e agravando as mudanças climáticas (WHITMEE, Sarah; et al, 2015). E, por conseguinte, com a degradação do solo há o risco de ocorrer erosão e a área afetada se torna imprópria para o plantio, e existem áreas até com risco de desertificação. Aproximadamente metade dos casos de desertificação ocorre por ação humana e há consequências como enchentes, perda da biodiversidade e ameaças à produção alimentar. O uso de fertilizantes e produtos químicos durante o plantio também tem afetado o solo, deixando-o impróprio e afetando a biodiversidade local (WHITMEE, Sarah; et al, 2015). A perda da biodiversidade local pode afetar muito a estrutura e funcionamento dos ecossistemas, e em uma escala global, a biodiversidade tem um papel importante, limitando os efeitos causados pela mudança ou perda de ecossistemas próximos. Alguns papéis da biodiversidade são regulares a variação climática e remover poluentes do ambiente. Se torna, então, cada vez mais importante o estudo e intervenção da crise ambiental (WHITMEE, Sarah; et al, 2015). O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas1 (IPCC) foi criado pela Organização Mundial Meteorológica e pelo Programa Ambiental das Nações Unidas e seu objetivo é providenciar informações científicas aos governos para que possam ser desenvolvidas políticas climáticas. Ele conta com 195 membros, dentre países que fazem parte das Nações Unidas ou da Organização Mundial Meteorológica, e conta também com a contribuição de centenas de pessoas ao redor do mundo. Os relatórios do IPCC são elaborados por voluntários que analisam as publicações sobre mudanças climáticas e fazem um resumo, que é utilizado nas reuniões internacionais (IPCC, 2022). A previsão do IPCC é que o aquecimento global se acentue, chegando a 1,5°C de aquecimento até 2030 (ClimaInfo, 2021). Ao longo dos anos os níveis de CO2 continuam aumentando e a temperatura global está quase chegando à marca de 1°C de aquecimento anual 1 No original: Intergovernmental Panel on Climate Change. 14 (UNEP, 2022). Muitas organizações estão preocupadas em mediar a situação, promovendo reuniões internacionais para discutir e encontrar soluções. Uma das organizações mais proeminentes é a ONU (Organização das Nações Unidas). Para combater a crise do meio ambiente, a ONU decidiu fomentar o debate e uma das primeiras reuniões internacionais sobre o tema de meio ambiente ocorreu em 1972 e foi sediada em Estocolmo, na Suécia. Chamada de Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, contou com a participação de 131 países e sua declaração final se tornou o Manifesto Ambiental que estabeleceu as bases para a agenda ambiental das Nações Unidas. Em dezembro do mesmo ano foi criado o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, o PNUMA (UNEP, 2022). O objetivo do PNUMA é incentivar a proteção ambiental através de parcerias, para que países e pessoas possam melhorar sua qualidade de vida sem que as gerações futuras sejam prejudicadas. Há uma relação próxima com os 193 países membros das Nações Unidas, juntamente com empresas, grupos independentes e representantes da sociedade civil que se interessam por enfrentar a crise ambiental. Muitos projetos internacionais ocorrem em conjunto com o PNUMA, que apoia os Estados-membros através do fornecimento de ferramentas e tecnologias para proteger o meio ambiente, assim como restaurá-lo (UNEP, 2022). Em 1972 foi criado o informe Limites do Crescimento, por Dennis Meadows, Donella Meadows e Jorgen Randers, conhecido como informe Meadows, que foi um dos primeiros estudos sobre a questão ambiental. O informe buscou avaliar se seria possível continuar crescendo desta forma ou se o crescimento industrial/populacional traria malefícios no futuro. Foi proposta a desaceleração do crescimento populacional (em países periféricos) e industrial pois de acordo com a avaliação feita pelo informe, caso os níveis de crescimento se mantivessem no mesmo ritmo, em um século o planeta não teria mais capacidade de sustentar a vida humana (FIGUEIREDO; CRUZ, 2013). A ONU criou, em 1983, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD) para propor cooperação entre países para atingir objetivos comuns. Em 1987 a CNUMAD criou o documento Nosso Futuro Comum, conhecido como relatório Brundtland, que propunha o desenvolvimento sustentável como alternativa ao desenvolvimento capitalista atuante. O objetivo do desenvolvimento sustentável, termo que evoluiu do usado em Estocolmo (ecodesenvolvimento), é manter um nível de desenvolvimento que atenda às necessidades das gerações presentes sem comprometer a possibilidade do desenvolvimento das gerações futuras (FIGUEIREDO; CRUZ, 2013). 15 O informe Brundtland foi ponto de partida para uma nova forma de estudar os problemas do meio ambiente, relacionando as esferas social, política e econômica (VARGAS-ALZATE; GUTIÉRREZ, 2014). Seguindo os trabalhos da Conferência de Estocolmo, em 1992 foi realizada a Cúpula da Terra no Rio de Janeiro. Conhecida como Rio 92, a conferência utilizou três critérios para relacionar a economia e o meio ambiente, sendo eles a equidade social, a prudência ecológica e a eficiência econômica (FIGUEIREDO; CRUZ, 2013). Nesta ocasião foi divulgada a Agenda 21, contendo um programa detalhado sobre como conciliar o desenvolvimento e o meio ambiente, deixando de lado modelos insustentáveis de crescimento (ONU Brasil, 2020). O documento final da Rio 92 foi a Carta da Terra e para alguns autores representou um avanço institucional, tendo como objetivo otimizar os processos produtivos para reduzir impactos ambientais. A partir desse documento, o discurso empresarial passa a ficar “verde”, usando conceitos da ecologia como justificativas da atividade econômica (FIGUEIREDO; CRUZ, 2013). A terceira conferência foi a Rio +10 e aconteceu em 2002 em Joanesburgo, África do Sul. O objetivo era verificar a aplicabilidade das propostas da Rio 92. Mas há autores que consideram a conferência um fracasso, pois as metas da Rio 92 tiveram baixa eficiência e as metas de Joanesburgo para o meio ambiente não foram determinadas nem assinadas pelos países. Entre a Rio +10 e a próxima conferência os países reformularam as instituições de manutenção do meio ambiente, implementando tarifas e impostos sobre atividades que gerassem impacto ambiental, além de outras medidas econômicas (FIGUEIREDO; CRUZ, 2013). Dez anos depois, em 2012, ocorreu a quarta Conferência das Nações Unidas, no Rio de Janeiro, conhecida como Rio +20. Na ocasião haviam dois grupos de países, um formado por países ricos que seguiam o informe Meadows e buscavam precaução e segurança ambiental, outro grupo formado pelos países periféricos que buscavam o desenvolvimento a qualquer custo. Ao longo das conferências foi possível notar que a economia não poderia ser dissociada do desenvolvimento sustentável e na Rio +20, as metas que foram melhor trabalhadas, apesar de não haver mudanças efetivas no sistema, foram as de atividades econômicas verdes (FIGUEIREDO; CRUZ, 2013). Um grande marco para a discussão ambiental foi a criação dos objetivos de desenvolvimento. Em 2000 foram criados oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) pelos países membros da ONU para estabelecer metas para os anos seguintes. A iniciativa teve sucesso, com redução da pobreza global e maior acesso à educação e água 16 potável. Com esse sucesso, foram criados os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) em 2012, durante a Rio+20, Rio de Janeiro. Durante essa conferência, os 193 Estados membros debateram maneiras de manter um desenvolvimento que não comprometesse as gerações futuras, sendo um desenvolvimento sustentável. São acordados então 17 objetivos globais a serem cumpridos até 2030 para que a agenda de sustentabilidade avance (ONU Brasil, 2022). Na área teórica dos estudos das Relações Internacionais, a partir da segunda metade do século XX, são levantadas questões sobre o meio ambiente e como o desenvolvimento humano poderia ter um papel nas mudanças climáticas percebidas. Começam a ser desenvolvidas, então, teorias denominadas “verdes”, que poderiam ser colocadas na categoria de teorias críticas das Relações Internacionais por se tratarem de teorias questionadoras do status quo (DYER, 2017). Os debates internacionais podem ser divididos pelo campo reformista, formado pela União Europeia, Japão, Coréia do Sul e México, e o campo conservador, dos Estados Unidos, Canadá, China, Índia, Rússia, Indonésia e Arábia Saudita. Brasil e África do Sul estariam no intermediário (FIGUEIREDO; CRUZ, 2013). Com a regulação da natureza nos moldes capitalistas, a luta pelo interesse socioambiental ficou como coadjuvante. Alguns autores dizem que a natureza passou a ser uma commodity que sofre as flutuações de mercado. A crise ambiental atual é uma crise de excessos, onde o nível de produção e consumo estão extremamente intensos (FIGUEIREDO; CRUZ, 2013). Levando em consideração as diversas reuniões internacionais e a dificuldade de encontrar consenso na problemática ambiental, a pergunta norteadora do presente trabalho é: As teorias verdes de Relações Internacionais impulsionam e/ou fomentam o desenvolvimento sustentável global? Essa pergunta é importante pois existem diversas teorias e estudos sobre o desenvolvimento sustentável global, mas a incógnita é se há mudanças mensuráveis no mundo causadas pelos esforços dos estudiosos, se o desenvolvimento se torna sustentável com a ajuda dos estudos teóricos das relações internacionais. 1.2 Objetivos Os objetivos do presente trabalho são realizar revisão integrativa da literatura sobre meio ambiente e Relações Internacionais e avaliar como o tema é tratado, buscando compreender aproximações e distanciamentos entre as ideias apresentadas e se elas colaboram para o desenvolvimento sustentável de fato. 17 1.3 Metodologia A pesquisa trata-se de uma revisão integrativa da literatura, cuja busca bibliográfica considerou o período desde início existente de cada base de dados pesquisada finalizando até a data de junho de 2021. Para a elaboração desta revisão integrativa, partiu-se da pergunta: as teorias verdes de Relações Internacionais impulsionam e/ou fomentam o desenvolvimento sustentável global? Dentro da revisão integrativa da literatura procura-se trabalhar de forma mais sistematizada a fim de obter, identificar, analisar e sintetizar as publicações referentes a um tema específico. Por meio dela pode-se construir uma análise mais ampla da literatura, abordando discussões sobre métodos e resultados. As suas etapas são as seguintes: identificar o problema, definindo o tema da revisão em forma de questão ou pergunta norteadora; selecionar a amostra de artigos, após o estabelecimento dos critérios de inclusão e exclusão dos textos a serem levantados; definir as características da pesquisa por meio da categorização dos estudos e da coleta de dados, criando categorias formadas a partir das ideias trazidas nos artigos pelos diferentes autores, juntando pelo sentido/temática semelhantes; avaliar/analisar os estudos incluídos na revisão, identificando similaridades e conflitos; discutir e interpretar os resultados dentro das categorias de significado a luz da literatura da área; e apresentar a revisão ou síntese do conhecimento final dos vários artigos revisados (GANONG, 1987; WHITTEMORE; KNAFL, 2005). Foram utilizados os seguintes bancos de dados científicos: OÁSIS, DOAJ, CAPES, EMERALD, SCIENCE DIRECT, SCIELO e BDTD IBICT e as seguintes palavras-chaves como estratégia de busca: Em todas as bases de dados: (sustentabilidade AND ecopolítica), (“relações internacionais” AND ecopolítica), (“relações internacionais” AND “política ambiental”), ((“Política Verde” OR “Green Politics” OR “Economias Verdes”) AND (Ecodesenvolvimento OR Ecodevelopment)), ((“Política Verde” OR “Green Politics” OR “Economias Verdes”) AND (Sustentabilidade OR Sustainability OR Environment)), ((“Política Verde” OR “Green Politics” OR “Economias Verdes”) AND (“Ecologia Política” OR “Political Ecology” OR Ecopolitics OR Ecopolítica)), ((“Política Verde” OR “Green Politics” OR “Economias Verdes”) AND (“Relações Internacionais” OR "International Relations" OR “Foreign Affairs” OR “Foreign Policy” OR “Foreign Relations” OR “Política Exterior”)) e ((“Política Verde” OR “Green Politics” OR “Economias Verdes”) AND (“Política Ambiental” OR “Justiça 18 Ambiental” OR “Licenças ambientais” OR “Environmental Politics” OR “Teoria Política Ambientalista”)). A busca de artigos foi realizada com a de seleção dos artigos que continham em seu título ou resumo elementos compatíveis com o tema da pesquisa, nos idiomas português, espanhol e inglês. A amostragem inicial constituiu-se de 4.347 artigos, sendo 4.243 excluídos logo no início pelas seguintes causas: títulos ou resumos não se adequaram à pergunta tema ou por não estarem disponíveis para leitura, restando 104 artigos. Foram descartados 28 artigos duplicata, sobrando 76. Os resumos dos artigos restantes foram lidos e 56 foram excluídos por não abordarem profundamente o tema de meio ambiente nas Relações Internacionais. Estabeleceu-se 20 artigos como corpus de análise e, nesta etapa, todos estavam disponíveis para leitura e foram lidos na íntegra (Figura 1). Figura 1: Fluxograma referente aos resultados de busca. Fonte: elaboração própria Etapa 1 Etapa 2 Etapa 3 Etapa 4 Busca nas bases de dados n=4.347 (100%) 4.243 artigos excluídos por títulos, resumos ou inacessibilidade (97,6%) Leitura de títulos e resumos n=104 (2,4%) 28 artigos excluídos por duplicação nas bases (0,64%) Artigos não duplicados lidos n=76 (1,75%) 56 artigos excluídos por não abordarem profundamente as Teorias Verdes de RI (1,29%) Leitura e inclusão na revisão n=20 (0,46%) 19 RESULTADOS E DISCUSSÕES Como resultado desta revisão integrativa que procurou responder se as teorias verdes de Relações Internacionais impulsionam e/ou fomentam o desenvolvimento sustentável global, foram selecionados vinte textos, entre artigos e dissertações a serem analisados e categorizados seguindo o referencial metodológico da revisão integrativa. Dentre os textos selecionados, 45% foram escritos em português, 35% em inglês e 20% em espanhol. A figura 2 apresenta uma descrição geral dos artigos selecionados mostrando autores, título, ano e tipo/local de publicação. Figura 2. Distribuição dos artigos selecionados segundo autores, título, ano, tipo/local de publicação. Autores Título Ano Tipo/local de Publicação Ademar Ribeiro Romeiro Desenvolvimento sustentável: uma perspectiva econômico-ecológica 2012 Revista Estudos Avançados Ana Flávia Barros- Platiau, Marcelo Dias Varella e Rafael T. Schleicher Meio ambiente e relações internacionais: perspectivas teóricas, respostas institucionais e novas dimensões de debate 2004 Revista Brasileira de Política Internacional Ángel Valencia Sáiz Teoría política verde: balance de una disciplina emergente 2000 Revista Española de Ciencia Política Brian Milani What Is Green Economics? 2005 Synthesis/Regenerati on Journal Carlos Alberto Steil e Rodrigo Toniol Além dos humanos: reflexões sobre o processo de incorporação dos direitos ambientais como direitos humanos nas conferências das nações unidas 2013 Revista Horizontes Antropológicos Darcy Víctor Tetreault En torno al medio ambiente: una revisión de cuatro debates 2008 Espiral Estudios sobre Estado y Sociedad Eliezer M. Diniz e Celio Bermann Economia verde e sustentabilidade 2012 Revista Estudos Avançados Fábio Fonseca Aproximações teóricas sobre a 2013 Ação Pública e 20 Figueiredo e Fernando Manuel Rocha da Cruz questão ambiental internacional na sociedade global: de Estocolmo 1972 ao Rio de Janeiro 2012 Problemas Sociais em Cidades Intermediárias Fernanda Mello Sant’Anna e Helena Margarido Moreira Ecologia política e relações internacionais: os desafios da Ecopolítica Crítica Internacional 2016 Revista Brasileira de Ciência Política Hayley Stevenson Contemporary Discourses of Green Political Economy: A Q Method Analysis 2015 Journal of Environmental Policy and Planning James K. Wong A Dilemma of Green Democracy 2016 Political Studies Luis Fernando Vargas-Alzate e José Manuel Velázquez Gutiérrez El surgimiento de la política global ambiental 2014 Revista Opera Márcio Lino de Almeida O que é a economia verde? Mapeando a disputa pelo conceito 2018 Dissertação de Mestrado Mick Smith Against ecological sovereignty: Agamben, politics and globalisation 2011 Environmental Politics Journal Molly Scott Cato Green economics: putting the planet back into economics 2012 Cambridge Journal of Economics Ricardo Goñi e Francisco Goin Marco Conceptual para la Definición del Desarrollo Sustentable 2006 Revista Salud Colectiva Roberto Donato Silva Junior e Leila da Costa Ferreira Sustentabilidade na era das conferências sobre meio ambiente e desenvolvimento - um olhar para a ecologia e economia 2013 Revista Ambiente e Sociedade Samuel Murgel Branco Conflitos conceituais nos estudos sobre meio ambiente 1995 Revista Estudos Avançados Susanne Jakobsen International Relations and Global Environmental Change Review of the Burgeoning Literature on the Environment 1999 Cooperation and Conflict Journal Timothy Doyle e Brian Doherty Green public spheres and the green governance state: the politics of emancipation and ecological conditionality 2006 Environmental Politics Journal 21 A partir dos resultados, evidenciou-se a importância de se discutir as diferentes variáveis que influenciam o debate da crise ambiental no âmbito internacional, mostrando a complexidade das questões que permeiam o tema do meio ambiente. Desta forma, foram destacadas temáticas que serviram como base de análise, possibilitando a relação entre os dados e o aprofundamento na literatura a fim de se responder à pergunta. 2. TEORIAS VERDES DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS Dentro do debate de meio ambiente foram utilizados muitos termos para nortear o discurso verde e foram seguidos três conceitos básicos, conforme dizem os autores Renato Donato Silva Junior e Leila da Costa Ferreira (2013, p.3): “uma concepção acerca dos padrões de (ir)regularidade entre humanidades e naturezas; a caracterização de riscos e situações de vulnerabilidade à dinâmica de interação previamente estabelecida; e, por fim, a busca de soluções para os dilemas socioambientais.” A sustentabilidade seria um conjunto de propostas que nortearam o discurso verde, mas as discussões de sociedade e natureza, de ciência, economia e política e mesmo de nacionalidade e internacionalidade acabam se misturando e se confundindo dentro da problemática ambiental (JUNIOR; FERREIRA, 2013). Apesar de significar coisas diferentes para pessoas diferentes pelo fato de ser um termo vago o suficiente para ser aberto a interpretações distintas, a sustentabilidade teoricamente tem como prioridade a capacidade do planeta de sustentar a vida humana e como diz Hayley Stevenson (2015) reconhecer os pontos em comum dentro dos debates sobre desenvolvimento sustentável é importante para uma governança ambiental global. O termo sustentabilidade tem servido de base para muitos discursos e pode ser categorizado de diversas formas, sendo uma delas a tipologia monoaxial fraco-forte, ou sustentabilidade fraco-forte. Em um de seus extremos, a sustentabilidade poderia ser muito- fraca, dando prioridade ao crescimento a qualquer custo, já a sustentabilidade fraca daria ênfase ao crescimento sustentável, havendo possibilidade da redistribuição de riquezas. A sustentabilidade poderia ser forte, se baseando na economia ecológica, com redistribuição de riquezas e uma economia de estado estacionária, ou muito-forte, se aproximando da ecologia profunda, com ideais extremos de proteção ambiental e redução das escalas de produção e consumo (ALMEIDA, 2018). 22 Por ser um termo muito amplo, a sustentabilidade acaba sendo substituída por outros termos dentro do discurso verde internacional. Dois dos termos mais recentes e estudados são o desenvolvimento sustentável e a economia verde, que serão discutidos a seguir. 2.1 Desenvolvimento Sustentável Depois das conferências de 1972 ficou claro que o problema ambiental girava em torno do crescimento econômico sem limites e o uso irrefreado dos recursos naturais. Se tornou necessário uma abordagem que conciliasse a garantia de bem-estar do ser humano e a conservação e utilização racional dos recursos naturais (BARROS-PLATIAU; VARELLA; SCHLEICHER, 2004). Nas décadas de 60 e 70, o campo da sustentabilidade foi desenvolvido e muitos autores concordavam que sustentabilidade e crescimento econômico não poderiam acontecer simultaneamente. Ao final da década de 80, os termos ecodesenvolvimento e modernização ecológica, que mais tarde ficaram sob o termo desenvolvimento sustentável (DS), buscaram unir os conceitos de sustentabilidade e crescimento econômico, buscando um modo de favorecer ambos. O DS foi alçado a uma posição hegemônica dentro do campo da sustentabilidade (ALMEIDA, 2018). O termo desenvolvimento sustentável ganhou popularidade principalmente depois do relatório Brundtland (1987) e tem como propósito um desenvolvimento que atende às necessidades das gerações atuais sem comprometer as gerações futuras (ALMEIDA, 2018) e sem comprometer a própria base do desenvolvimento, ou seja, os recursos naturais e os processos ecológicos (GOÑI; GOIN, 2006). O DS passa a ser um trunfo discursivo, uma expressão popular que é bem aceita e acaba sendo apropriada por outras propostas no meio da sustentabilidade e nos discursos de órgãos e organizações internacionais (ALMEIDA, 2018). Uma política de desenvolvimento sustentável deve, segundo os autores Goñi e Goin (2006), seguir diretrizes que enfatizem a mitigação, seguida da reversão, das causas e consequências da desigualdade social. O objetivo central das medidas de planejamento seriam a melhoria das condições de vida das populações em áreas marginalizadas e das faixas etárias mais vulneráveis da sociedade, que são os idosos e as crianças. A busca pela igualdade social não implica no abandono de critérios de sustentabilidade mais voltados para o meio ambiente especificamente, mas se configura como um dos eixos das prioridades do discurso sustentável, havendo espaço para outros aspectos ou metas do desenvolvimento sustentável que não articulem tão diretamente com a crise ambiental. O estudo 23 da sustentabilidade é amplo o suficiente para conter as mais diversas preocupações, e o sofrimento social por causa de doenças ou por conta da fome se caracteriza igualmente como fatores de insustentabilidade (GOÑI; GOIN, 2006). Entrando mais especificamente na sustentabilidade ambiental, haveriam três momentos que ajudam a definir um desenvolvimento nacional, sendo o primeiro a atual emergência social, onde o Estado deveria mover esforços para mitigar os problemas sociais que foram herdados de décadas passadas. O segundo momento seria uma etapa de consolidação de um desenvolvimento que foi planejado previamente, contando também com a participação estatal, e o terceiro momento seria uma etapa de sustentabilidade efetiva do desenvolvimento, onde os problemas iniciais de subsistência foram resolvidos e a produção nacional conseguiu atingir um funcionamento pleno. Seriam, então, movimentos graduais em direção a um desenvolvimento sustentável, priorizando questões sociais mais urgentes (GOÑI; GOIN, 2006). Como mencionado, uma das inovações do DS é a ideia de igualdade entre as gerações, que vai além da comparação de renda, é uma medida de bem-estar. Como dizem os autores Eliezer M. Diniz e Celio Bermann (2012, p.324): “Em termos do meio ambiente, não deve haver uma deterioração desse que impeça uma geração de alcançar o mesmo bem-estar que uma geração anterior. Logo, a preservação do meio ambiente surge como uma forma de evitar o aumento da desigualdade entre gerações.” Por serem termos utilizados dentro de um mesmo debate, a sustentabilidade e o desenvolvimento sustentável são discutidos na literatura principalmente de duas formas, como sinônimos ou como dois termos interligados, mas diferentes. Há várias formas de representar as relações entre os dois termos, como diagramas de Venn, e na maioria das vezes são utilizados os fatores de crescimento econômico, proteção ambiental e justiça social como norteadores da representação utilizada (ALMEIDA, 2018). Existem críticas às duas formas de definição do desenvolvimento sustentável por serem ambas imprecisas e vagas demais, o que acaba, por um lado, criando um reconhecimento amplo da importância e pertinência do tema para o futuro da humanidade, mas, por outro lado, o conceito de desenvolvimento sustentável recebe diversas interpretações que podem ser contraditórias entre si (ALMEIDA, 2018). Como explica Almeida: Some-se a isso a sua vasta abrangência teórica, a uma nebulosa complexidade política e a sua alta popularidade e o resultado é um verdadeiro incentivo à adoção do DS como um trunfo discursivo: uma expressão popular, bem aceita e que pode ser facilmente adaptada a qualquer visão de mundo ou objetivo. Logo, diferentes propostas de solução, que já competiam no campo da sustentabilidade, acabaram se apropriando do termo DS e o reinterpretaram a partir de suas próprias perspectivas. 24 Tal diversidade de interpretações traz consigo igual diversidade de sugestões sobre como colocar o DS em prática – fenômeno semelhante ao que acontece com a sustentabilidade [...]. Isso gera conflitos políticos e, consequentemente, uma disputa pelo real significado do conceito de DS (ALMEIDA, 2018, p.33). Em um modelo da sustentabilidade em forma de triângulo, onde cada uma das pontas representa, respectivamente, o Crescimento Econômico, a Proteção Ambiental e a Justiça Social, o DS ficaria no meio, abarcando características de cada uma das pontas. Mas o DS nesse modelo somente inclui de forma mediana as dimensões da sustentabilidade e não chega a nenhum dos extremos do triângulo, como é possível ver a seguir (Figura 3) (ALMEIDA, 2018). Figura 3: Triângulo da sustentabilidade. Fonte: ALMEIDA, 2018, p.41 2.2 Economia Verde O DS sofre com desgaste e falta de efetividade ao passar dos anos e surge, então, o termo “economia verde” (EV), que tem como objetivo reviver o tema da sustentabilidade na pauta econômica e conciliar progresso econômico, proteção do meio ambiente e redução das 25 desigualdades sociais por meio da valorização do capital natural, formulação de legislações ambientais e reformas fiscais e institucionais (ALMEIDA, 2018). A primeira utilização do termo economia verde foi no ano de 1989, em um relatório chamado A Blueprint for a Green Economy2 (BGE), que foi escrito por economistas para o governo do Reino Unido. Mais tarde, o relatório foi transformado em um livro e se tornou uma referência clássica dentro da literatura da economia verde (ALMEIDA, 2018). O objetivo principal do relatório BGE foi o esclarecimento da definição de desenvolvimento sustentável, assim como a explicação de suas possíveis aplicações nas políticas de desenvolvimento nacional. O livro foi atualizado em 2012, com a publicação de um novo livro chamado A New Blueprint for a Green Economy3. Algumas informações foram atualizadas na nova publicação, mas o objetivo central foi mantido (ALMEIDA, 2018). Almeida discorre brevemente sobre o conteúdo dos relatórios: Nas duas obras os autores argumentam que os problemas ambientais são frutos da incapacidade do mercado de assimilar espontaneamente os reais valores do capital natural, que, por nem sempre ser comercializado – por exemplo, serviços ecossistêmicos e a atmosfera –, é tratado como um bem gratuito. Essa ausência de valor resulta na super exploração do capital natural e na socialização de grande parte dos custos ambientais das empresas e dos cidadãos (ALMEIDA, 2018, p.47). São recomendadas duas medidas para que a degradação ambiental seja evitada, sendo a primeira a precificação correta do capital natural, ou seja, dar um valor aos ecossistemas e seus elementos e incluir estes valores na contabilidade nacional e no mercado. A segunda medida seria a adoção de políticas ambientais que tivessem efetividade, de preferência com base nos mecanismos de mercado, como taxas atividades consideradas poluidoras, a retirada de subsídios que possam ser nocivos, a criação de mercados de serviços mais ecossistêmicos ou a regulação de rótulos ecológicos (ALMEIDA, 2018). A transição da economia para uma versão sustentável ocorreria, então, pela internalização das externalidades ambientais e através das políticas ambientais baseadas em mecanismos de mercado. Um papel central nesse contexto é reservado para o governo, pois o sucesso das medidas de transição da economia depende de um ambiente político favorável (ALMEIDA, 2018). Em 2010, a EV foi selecionada como um dos temas da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), sendo o PNUMA responsável por promover e aprofundar o conceito de EV na preparação da conferência. Um dos resultados da conferência 2 Um plano para uma economia verde (tradução nossa). 3 Um novo plano para uma economia verde (tradução nossa). 26 foi a publicação, em 2011, do Green Economy Report4 (GER), um relatório exaustivo de mais de 600 páginas. O relatório reformula algumas das propostas de um Green New Deal5 global, abandonando a retórica sobre estímulo fiscal em um pacote pós-crise, e recomenda investir 2% do PIB global em uma economia verde (ALMEIDA, 2018). As estratégias centrais do esverdeamento da economia, no entanto, continuam iguais, com a internalização das externalidades ambientais, a inserção do capital natural na contabilidade nacional, a formulação de políticas ambientais baseadas em mecanismos de mercado, a correção de falhas institucionais e administrativas e o direcionamento dos investimentos públicos no fomento de criação e inovação tecnológica (ALMEIDA, 2018). A economia é entendida como a ciência que trata da escassez, e muitas vezes as questões de equidade são colocadas de lado. A EV, por outro lado, dá importância a estes dois aspectos e aponta, também, como ambos são interligados. Os recursos naturais da Terra são limitados e é importante ter esse reconhecimento para que também se entenda como o abuso do uso dos recursos afeta a vida do planeta, principalmente pelo fato de haver uma ligação entre a concentração de riqueza e a necessidade de crescimento da economia (CATO, 2012). A EV tem como objetivo diminuir as emissões de carbono, maior eficiência no uso de recursos naturais e inclusão social (FIGUEIREDO, CRUZ, 2013). Há quatro princípios centrais de uma aproximação verde da economia, que são: equilíbrio, equidade, escala e diversidade, mas o discurso dos defensores da economia verde é bem diversificado, como diz Molly Scott Cato, 2012: “Em vez de uma objetividade artificial, a economia verde acolhe uma diversidade de perspectivas e, portanto, é inerentemente pluralista6.” (CATO, 2012, p.1039, tradução nossa). A EV não busca o lucro, mas busca a qualidade, tanto de produtos, como de vida, como ressalta Brian Milani (2005, p.33, tradução nossa): A economia verde é a economia do mundo real – o mundo do trabalho, as necessidades humanas, os materiais da Terra e como eles se combinam de forma mais harmoniosa. Trata-se principalmente de “valor de uso”, não de “valor de troca” ou dinheiro. Trata- se de qualidade, não de quantidade, por causa disso. Trata-se de regeneração – de indivíduos, comunidades e ecossistemas – não de acumulação, de dinheiro ou material7. 4 Relatório de Economia Verde (tradução nossa). 5 Novo Acordo Verde (tradução nossa). 6 No original: Rather than an artificial objectivity, green economics welcomes a diversity of perspectives and is thus inherently pluralist. 7 No original: Green economics is the economics of the real world – the world of work, human needs, the Earth’s materials, and how they mesh together most harmoniously. It is primarily about “use value”, not “exchange value” or money. It is about quality, not quantity, for the sake of it. It is about regeneration – of individuals, communities and ecosystems – not about accumulation, of either money or material. 27 Alguns autores defendem que não haveria um dilema entre a sustentabilidade e o crescimento econômico, afirmando que uma transição para a EV pode ser conquistada tanto pelos países ricos quanto pobres (DINIZ, BERMANN, 2012). Mas não há consenso entre economistas verdes, que não costumam teorizar tanto seus processos de pensamento, mas é possível entender seu raciocínio através de seus debates. Uma das diferenças entre os economistas verdes e os neoclássicos seria a visão da natureza dentro da EV como um ambiente complexo e não como partes separadas a serem estudadas (CATO, 2012). A EV compartilha da visão ecológica de que não é possível satisfazer as necessidades humanas sem considerar as consequências do consumo ilimitado para o meio ambiente (CATO, 2012). O argumento é que o capitalismo ajudou a economia até certo ponto mas chegou a um patamar de má distribuição de recursos no qual seria necessária uma economia qualitativa, onde dinheiro e recursos seriam usados como meios para os fins, ao invés de serem eles mesmos os fins. A EV busca, então, satisfazer as necessidades humanas e do meio ambiente na mesma medida (MILANI, 2005). Há algumas categorizações dentro da literatura de EV, uma se chama crescimento verde, que enfatiza a necessidade da inovação tecnológica, visando o crescimento econômico (a degradação ambiental colocaria em risco esse crescimento). Outra é denominada transformação verde, que se parece com o conceito original de desenvolvimento sustentável e entende o crescimento econômico como meio das políticas de sustentabilidade, e não como fim. Existe ainda a revolução verde, que faz uma defesa da profunda transformação social, política e econômica, e a resiliência verde, que defende mudanças e transformações para manter o status quo (ALMEIDA, 2018). 2.3 Aproximações dos termos Ao comparar EV e DS, percebe-se que ambos são termos políticos complexos com dois níveis de significado, um superficial, que é mais baseado no conhecimento geral e genérico do tópico e acaba sendo utilizado nos discursos de Organizações, Estados ou entidades internacionais como forma de greenwashing8, e outro profundo, que se baseia em teorias de Relações Internacionais, Economia, Política e até mesmo Geografia. Estes dois significados 8 O greenwashing pode ser traduzido como “lavagem verde” e pode ser usado como estratégia de marketing para promoção de discursos, ações e propagandas verdes que acabam não se sustentando na prática. 28 acabam gerando divergência de conceitos e por sua pluralidade de concepções e influência política, há disputa pelo verdadeiro significado de cada termo (ALMEIDA, 2018). As concepções mais encontradas sobre EV se assemelham às concepções mais frequentes de DS, e ambas estão alinhadas ao conceito de sustentabilidade. Porém, dentro da sustentabilidade fraco-forte, o DS e a EV não abrangem os extremos muito-fraco e muito-forte, se limitando às categorias fraca e forte de sustentabilidade. Por essa aproximação percebe-se que apesar da EV trazer inovação no discurso econômico, as suas estratégias e objetivos não divergem da discussão do DS, ou mesmo das categorias de sustentabilidade. Há diversas pautas que são comuns aos dois termos, como o desenvolvimento tecnológico, a valoração dos elementos ambientais, a necessidade de redistribuição de renda e a redução da escala de produção e consumo (ALMEIDA, 2018). Um argumento que demonstra que a EV seria o reenquadramento, dentro do campo da sustentabilidade, da disputa conceitual do DS é o que diz Márcio Lino de Almeida, 2018: O que ocorre é, antes de tudo, um reenquadramento do centro das discussões: enquanto o foco da disputa pelo DS está na substituibilidade dos elementos naturais e na distinção entre posturas antropocêntricas e ecocêntricas, a literatura mais relevante sobre a EV parte de uma postura antropocêntrica e do pressuposto da substituibilidade limitada, e se divide, basicamente, entre a aceitação ou não do crescimento econômico como um dos fundamentos das suas estratégias (ALMEIDA, 2018, p.100). Para entender, então, como os diferentes termos permeiam o discurso ambiental, serão analisadas três diferentes esferas do debate, sendo elas a esfera econômica, política e social. 3. ESFERAS DE ANÁLISE Por muito tempo a Terra foi considerada um local com recursos naturais à disposição dos humanos, mas os recursos não são infinitos e a população continua crescendo e consumindo, chegando à inevitável situação de crise ambiental. A solução do problema, para muitos autores, seria chegar a um equilíbrio entre oferta e reais necessidades (BARROS- PLATIAU, VARELLA, SCHLEICHER, 2004). Há diversas óticas que podem ser utilizadas na busca e teorização de um equilíbrio econômico e ambiental. A seguir serão discutidas as óticas econômica, política e social. 3.1 Ótica econômica Dentre os diversos textos que tratam da questão ambiental, Almeida (2018) selecionou e analisou doze textos, cujo foco principal não era necessariamente a proteção ambiental ou 29 mesmo a economia verde, mas consideravam ambos como meios para se manter as condições planetárias adequadas para o bem-estar humano. A partir da análise dos textos, o autor entende que a crise ambiental é vista majoritariamente sob a ótica econômica, sendo utilizados termos como capital natural e ativos ambientais para discutir a questão, reduzindo a crise à uma escassez ecológica. A análise econômica do meio ambiente pode ser feita através da microeconomia, verificando se a adoção de tecnologias menos poluentes ou mais eficazes é possível, ou se as políticas energéticas de um país podem afetar outro. Pode ser feita também através da macroeconomia, pesquisando a relação entre o meio ambiente e o desenvolvimento econômico, ou seja, estudando a sustentabilidade (DINIZ; BERMANN, 2012). Através da ótica econômica, a proteção ambiental se torna instrumento para evitar o aprofundamento da crise ambiental e da pobreza e garantir que a distribuição de bens e serviços ambientais não seja prejudicada para dar continuidade à manutenção da economia e do bem- estar humano (ALMEIDA, 2018). Há muitas propostas de enfrentamento da crise ambiental centradas em aspectos e manutenção econômica. Por exemplo, para Romeiro, 2012, uma política ambiental eficiente seria a internalização dos custos da degradação, ou seja, os agentes econômicos levariam em consideração os custos dos recursos naturais utilizados: Garantir a “sustentabilidade” seria, em última instância, um problema de alocação intertemporal de recursos entre consumo e investimento por agentes econômicos racionais, cujas motivações são fundamentalmente maximizadoras de utilidade. A ação coletiva (por intermédio do Estado) se faz necessária apenas para corrigir as falhas de mercado que ocorrem pelo fato de boa parte dos serviços ambientais constituir-se de bens públicos (ar, água, capacidade de assimilação de dejetos etc.) não tendo, portanto, preços. Uma vez corrigidas essas falhas, de modo a garantir a correta sinalização econômica da escassez relativa desses serviços ambientais, a dinâmica de alocação intertemporal de recursos com base em avaliações custo- benefício tenderia a se processar de modo eficiente, não havendo problemas de incerteza e de risco de perdas irreversíveis (ROMEIRO, 2012, p.76). Outra solução, proposta pela economia ambiental, é a inovação tecnológica. Essa proposta se baseia na ideia de que se não há limites para a capacidade humana de inovação tecnológica no uso dos recursos naturais, tais recursos não representam limite para a expansão da economia. Nessa perspectiva, o capital, o trabalho e os recursos naturais são substituíveis entre si. No eventual caso de um determinado recurso estar próximo de se esgotar, seu preço subiria e se chegasse ao seu limite, ele seria substituído por outro recurso mais abundante através de tecnologias revolucionárias (ROMEIRO, 2012). A disponibilidade de recursos naturais não representaria uma restrição para a expansão econômica, como diz o autor: 30 Tudo se passa como se o sistema econômico fosse capaz de se mover suavemente de uma base de recursos para outra, à medida que cada uma e esgotada, sendo o progresso científico e tecnológico a variável-chave para garantir que processo de substituição não limite o crescimento econômico, garantindo sua sustentabilidade no longo prazo (ROMEIRO, 2012, p.74). Acredita-se, portanto, que a engenhosidade humana seria capaz de revolucionar a economia e manter um crescimento ilimitado com a invenção de novas tecnologias que iriam substituir os recursos que se esgotassem. Existiria uma relação entre qualidade ambiental e nível de desenvolvimento econômico (TETREAULT, 2008). Dentro da economia verde, a inovação tecnológica se daria em um curto período de tempo e contaria com os esforços do governo para a produção e difusão tecnológica, além da cooperação internacional, pois a crise ambiental é principalmente um problema global (ROMEIRO, 2012). Dentre os diversos debates ambientais, o capitalismo não costuma ser descartado como modelo econômico, mas uma economia capitalista que não prejudique o meio ambiente seria uma espécie irreconhecível de capitalismo para os padrões de hoje. As discussões são focadas nos erros e acertos do mercado em relação ao meio ambiente, mas não questionam se o próprio sistema de mercado seria problemático (CATO, 2012, 1035). Como ressaltam Sant’anna e Moreira (2016, p.234): “No capitalismo a natureza é transformada em recursos naturais, o mundo se torna objeto, e os objetos são tratados separadamente um do outro.” O capitalismo se baseia principalmente na mercantilização do trabalho e no crescimento ilimitado e quando há a falta de crescimento, se define que há uma crise. Esse sistema, porém, se torna falho ao se entender que os recursos do planeta são finitos e não têm a capacidade de renovação rápida o suficiente para manter o sistema capitalista de mercado atual (SANT’ANNA; MOREIRA, 2016). O autor Cato, 2012, deixa clara a profundidade do problema dizendo: “Para um economista verde [...] a própria ideologia de mercado é o fracasso, e por trás e por trás desse fracasso está um fracasso mais profundo de nossa sociedade em reconhecer e celebrar seu lugar dentro de um sistema planetário vivo e que respira9.” (CATO, 2012, p.1034, tradução nossa). Corroborando com a problematização da manutenção do sistema econômico como forma de combater a crise ambiental, a visão da economia ecológica entende que o meio ambiente é um limite absoluto para o crescimento e expansão da economia pois não tem como substituir recursos naturais essenciais por capital e/ou trabalho. O escopo do uso de recursos 9 No original: For a green economist [...] the market ideology itself is the failure, and beneath and behind that failure lays a deeper failing of our society to recognise and celebrate its place within a living, breathing planetary system. 31 está limitado ao território terrestre, assim como o crescimento sustentável. Como o crescimento econômico perpétuo não pode ser mantido, algo deve mudar para que não seja ultrapassado o limite do planeta e uma das dificuldades é o fato de não ser possível estimar com precisão quando chegaremos ao limite (ROMEIRO, 2012). Há um debate sobre a necessidade do crescimento econômico, ou a falta dele, e se não seria possível que o crescimento fosse estagnado a fim de melhorar a qualidade de vida da população através da redistribuição da renda. Essa ideia se chama crescimento zero, proposto por Nicholas Georgescu-Roegen, e é baseada na compreensão de que o crescimento não pode ser infinito. A proposta do crescimento zero é que o crescimento deixe de ser quantitativo e passe a ser qualitativo, ou seja, a economia teria espaço para crescer nas regiões mais carentes e deixaria de crescer em regiões já desenvolvidas (FIGUEIREDO, CRUZ, 2013). Essa ideia vem sendo muito discutida principalmente por evidenciar dois problemas: como parar o crescimento sem desencadear uma crise econômica, e como manejar as expectativas de consumo da sociedade (ROMEIRO, 2012). Georgescu-Roegen recorreu à segunda lei da termodinâmica, em 1971, para basear seu argumento sobre a existência de limites absolutos. Dois elementos que ele considera para seu argumento são o suprimento de energia de baixa entropia do planeta, consistindo principalmente de minerais e combustíveis fósseis encontrados na crosta terrestre; e o fluxo constante de energia solar. Ele também observa que o desenvolvimento econômico, através da história, é acompanhado de uma dependência cada vez maior do primeiro elemento, ou seja, dos processos industriais. Este elemento, porém, representa uma fonte limitada de energia, seguindo a segunda lei da termodinâmica, que afirma a irrevogabilidade de haver a conversão de energia de baixa para alta entropia, como ocorre nos processos industriais (TETREAULT, 2008). Georgescu-Roegen chega à conclusão de que o tempo determinado para a sobrevivência da humanidade não está ligado ao fornecimento de energia solar, mas sim aos recursos finitos da terra, que impõem limites ao crescimento e desenvolvimento humano. A partir desse entendimento, fica claro que a substituição entre as fontes energéticas de baixa entropia, unida pela descoberta de novas reservas pode ajudar a um médio prazo, mas não pode manter os padrões de bem-estar social esperados pela população. Em algum momento as fontes de energia se esgotarão e a questão deixará de ser a busca pelo bem-estar e passará a ser pela mediação das circunstâncias (TETREAULT, 2008). A solução para o primeiro problema, proposta por Romeiro (2012) seria uma macroeconomia ambiental, onde se enfrentaria o desemprego e a desigualdade, ao mesmo 32 tempo investindo em inovações tecnológicas. O segundo problema é ainda mais complicado de ser solucionado, por depender de certo altruísmo humano e da compreensão de que o nível de conforto material existente seria suficiente para a sociedade e o crescimento econômico não traria maior conforto. O autor conclui: Em síntese, do ponto de vista da economia ecológica desenvolvimento sustentável deveria ser entendido como um processo de melhoria do bem-estar humano com base numa produção material/energética que garanta o conforto que se considere adequado e esteja estabilizada num nível compatível com os limites termodinâmicos do planeta. Implica, portanto, um Estado Estacionário onde o crescimento do consumo como fator de emulação social cede lugar ao crescimento cultural, psicológico e espiritual. (ROMEIRO, 2012, p.84). A questão central da economia ecológica seria então fazer a economia funcionar e respeitar os limites impostos. Devem ser considerados dois ângulos, as políticas de proteção ambiental e o crescimento zero. Em relação ao primeiro, a economia teria limites de uso dos recursos naturais e deveria então distribuir de forma mais equânime os recursos limitados e alocar eficientemente os investimentos ligados às restrições ecológicas e sociais. Em relação ao segundo, há dois problemas, parar o crescimento econômico sem gerar crises e manejar as expectativas de consumo da sociedade. As possíveis soluções para o primeiro problema seriam a partir do enfrentamento da desigualdade e estímulo de inovações tecnológicas e o Estado seria estacionário, substituindo o crescimento econômico por crescimento cultural, psicológico e espiritual (ROMEIRO, 2012). Uma ferramenta que pode ser utilizada dentro do debate da crise ambiental é a curva ambiental de Kuznets, que se trata de um modelo que tenta sintetizar a relação entre o nível de desenvolvimento econômico e a qualidade ambiental. Essa ferramenta foi inspirada no trabalho de Simon Kuznets, que em 1950 afirmou que a desigualdade de renda teria um aumento durante os primeiros estágios da industrialização e depois haveria a sua queda (TETREAULT, 2008). A relação entre o PIB per capita e o nível de desigualdade, medido pelo coeficiente de Gini, pode ser estudada pela curva de Kuznets invertida, que consiste na letra “U” invertida dentro de um gráfico (imagem 2). Esse modelo foi adaptado para o estudo ambiental no início dos anos noventa, seguindo a hipótese de que os níveis de degradação ambiental são mais baixos quando a economia se baseia em uma agricultura de subsistência. Durante as etapas iniciais da industrialização, os níveis de degradação ambiental tendem a subir, e com o maior protagonismo dos setores de serviços e informações, os níveis voltam a cair, principalmente com a disponibilidade de recursos para o investimento na proteção ambiental (TETREAULT, 2008). 33 Foram feitos muitos estudos para se verificar a aplicabilidade da relação descrita anteriormente. Um exemplo é o estudo de Pantayotou (1995), que comparou os níveis de desmatamento em 41 países, assim como os níveis de emissões tóxicas para o ar, ou seja, o dióxido de enxofre, os óxidos de nitrogênio e material particulado sólido, em 55 países. A conclusão do estudo foi que a curva ambiental de Kuznets traz uma realidade que pode ser testada empiricamente. Há, porém, críticas a este modelo, pois alguns estudiosos afirmam que nem todas as situações podem ser encaixadas na curva de Kuznets (TETREAULT, 2008). Figura 4: A Curva de Kuznets Ambiental. Fonte: ROMEIRO, 2012, p.75. Outra ferramenta muito utilizada no debate ambiental é a pegada ecológica, desenvolvida por Mathis Wackernagel e William Rees (1996). O objetivo da pegada ecológica é avaliar a sustentabilidade dos padrões de consumo dentro de um determinado ambiente, mais especificamente uma determinada população. A avaliação é feita na área de terra produtiva que é necessária para fornecer os meios, materiais e energia necessários para uma determinada população, assim como para fazer a absorção dos resíduos descartados (TETREAULT, 2008). A ferramenta da pegada ecológica foi utilizada para demonstrar que os países mais ricos apresentam um impacto no meio ambiente muito mais significante do que os países mais pobres 34 e também foi demonstrado que a economia global foi além dos limites planetários em termos da sua produção de recursos e assimilação de resíduos (TETREAULT, 2008). O cálculo da pegada ecológica se dá da seguinte forma: primeiramente é calculado o consumo per capita de bens e serviços dentro de uma determinada população, então, é calculada a área de terra utilizada para a produção dos principais bens e serviços produzidos, baseando- se principalmente em dados da ONU sobre alimentação e agricultura e do Banco Mundial, e por fim, a pegada ecológica per capita é calculada através da soma de todas as áreas utilizadas para o consumo dos bens e serviços divididas pela população total. Uma forma de facilitar este cálculo é dividir o consumo em cinco categorias (alimentação, habitação, transporte, bens de consumo e serviços) e as áreas são divididas em seis categorias (energia, terras degradadas, jardins, plantações, pastagens e florestas) (TETREAULT, 2008). Há, no entanto, críticas aos métodos utilizados no cálculo da pegada ecológica por haver algumas decisões aparentemente arbitrárias dentro do procedimento. Outro motivo para críticas é o fato da pegada ecológica e a curva de Kuznets apontarem em direções opostas, pois a curva de Kuznets sugere que a degradação ambiental tem uma relação inversa com a riqueza, enquanto a pegada ecológica aponta uma relação direta entre os mesmos fatores. Pelo fato de ambos poderem ser estudados e apresentarem certa validade, a conclusão que chega Tetreault é que o debate não pode ser analisado de forma simplista (TETREAULT, 2008). 3.2 Ótica política Quando a discussão abrange tanto a economia quanto o meio ambiente, é muito difícil deixar os aspectos políticos de fora. Quando a natureza é submetida ao consumismo capitalista de forma descontrolada, há consequências severas, como aquecimento global ou extinções da fauna e mesmo da flora terrestre. Mesmo nesse contexto, o Estado tem historicamente minimizado seu envolvimento político pelo entendimento de que estas questões ambientais seriam de caráter técnico, financeiro, mas não político (SMITH, 2011). A economia verde, no entanto, está fortemente relacionada à política verde e à ecologia, que é uma política contemporânea que exerce influência sobre movimentos e partidos verdes, assim como sobre as políticas públicas de meio ambiente. Uma característica da teoria política verde é sua pluralidade de teorias, posições metodológicas, enfoques, correntes de pensamento e debates muito diversos dentro de uma literatura ampla (SÁIZ, 2000). Os pontos principais de uma política verde seriam a preocupação com o sistema ambiental e o uso irrefreado de recursos, tentando assim evitar conflitos por tais recursos, seja 35 por questões territoriais, ou de distribuição. Os quatro pilares fundamentais desta política são a responsabilidade ecológica, a justiça social, a não violência e a democracia (VARGAS- ALZATE, GUTIÉRREZ, 2014). Como diz Vargas: “Em suma, as políticas verdes são uma construção transversal que surge da necessidade de entender e explicar um problema que perturba as relações políticas, econômicas e sociais em nível global10.” (VARGAS-ALZATE, GUTIÉRREZ, 2014, p.123, tradução nossa). Um novo campo de estudos dedicado aos conflitos do uso de recursos naturais e serviços ambientais é a ecologia política. Ela leva em consideração tanto aspectos físicos da distribuição dos recursos naturais como aspectos sociais de acesso a esses recursos. Com o aumento da interferência humana no meio ambiente e sua consequente degradação, os conflitos sociais tendem a aumentar também. A ecologia política não considera a sociedade e o meio ambiente de formas separadas (SANT’ANNA; MOREIRA, 2016). Ainda dentro da visão ecológica, os estudiosos da Ecologia Crítica Internacional se inspiram em conceitos centrais das Relações Internacionais, como a soberania, a segurança, o desenvolvimento e a justiça internacional. Eles enfatizam que seria preciso mudanças drásticas, tanto sociais quanto políticas, para enfrentar a crise ambiental e não seria suficiente apenas a adaptação das instituições já existentes (SANT’ANNA; MOREIRA, 2016). Uma das críticas feita pela Ecologia Crítica Internacional é voltada ao sistema capitalista, como dizem Sant’Anna e Moreira (2016, p.233): Além de o capitalismo ser baseado na mercantilização do trabalho, o que permite a extração da mais-valia e permite a reprodução extraordinária do capital, ele está baseado num movimento que requer um crescimento ilimitado. Nas economias modernas capitalistas a falta de crescimento é a definição de crise (recessão). No entanto, vivemos em um planeta com recursos finitos e cuja capacidade de renovação dos ecossistemas está muito aquém da velocidade da produção capitalista baseada na extração de recursos. O crescimento na escala da economia como um todo e numa situação de competição entre as empresas faz com que estas tenham a necessidade de maximizar os lucros. Assim, os lucros permitem renovar o processo a partir de mais investimentos e consumo, enquanto os investimentos levam a um aumento da produção e do consumo. Se o sistema não crescer, as firmas individuais poderiam eventualmente não ter mais investimentos. Por causa da necessidade do crescimento, aqueles encarregados da administração do crescimento têm muito poder em relação à tomada de decisões. O Estado teria um papel importante ao assegurar que haja condições para o crescimento econômico, seja através do estabelecimento de leis ou da mediação nos conflitos sociais que são gerados pela luta de classes. Outro efeito do capitalismo para o meio ambiente seria a 10 No original: En suma, las políticas verdes son un constructo transversal surgido a raíz de la necesidad de entender y explicar un problema que trastoca las relaciones políticas, económicas y sociales a nivel global. 36 mercantilização, que ocorre pelo modo como os recursos naturais se tornam objetos, sem levar em consideração a composição variada de um ecossistema (SANT’ANNA; MOREIRA, 2016). Quando se trata de aspectos políticos na discussão ambiental, o conceito de democracia é um aspecto importante. A ideia de uma democracia verde surge nos anos de 1970, com os problemas ambientais começando a serem discutidos seriamente. A democracia verde pretende ser a união da democracia e do ambientalismo e busca, através de decisões democráticas, proteger o meio ambiente e pautar os problemas mundiais pela ótica democrática (WONG, 2016). Wong diz que: “Tomando a sustentabilidade ambiental como ponto de partida, a democracia verde pode ser considerada como uma ideia predominantemente normativa que busca estabelecer um vínculo entre preocupações verdes e democracia11” (WONG, 2016, p.137, tradução nossa). Porém haveria, para alguns autores, uma certa contradição entre democracia e meio ambiente, pois democracia remete a procedimentos e busca pelo bem da maioria, enquanto os problemas do meio ambiente devem ser resolvidos independente de uma vontade da maioria. Outros autores discordam, dizendo que democracia e meio ambiente são igualmente necessários, pois a falta de democracia seria contra direitos fundamentais dos seres humanos (WONG, 2016). A democracia e o meio ambiente deveriam, então, encontrar meios de coexistir. 3.3 Ótica Social O ser humano possui necessidades biológicas, assim como as outras espécies do planeta, mas também desenvolveu outras necessidades, como conforto e desenvolvimento. Essas necessidades extras exercem uma pressão adicional sobre a natureza ao serem atendidas através do consumo de recursos ambientais. Como explica Branco (1995, p.223): Tais reivindicações cresceram e se diversificaram em um período de tempo extremamente curto e incompatível com a velocidade dos processos adaptativos normais, históricos, ocorridos desde a formação da Terra, assumindo feições de cataclismo ambiental: elas não correspondem a verdadeiras alterações espontâneas da composição e da estrutura física dinâmicas da biosfera. Por conseguinte, não podem ser atendidas sem que se produzam fortes desbalanceamentos das relações materiais e energéticas dos ecossistemas. 11 No original: Taking environmental sustainability as a starting point, green democracy can be regarded as a predominantly normative idea that seeks to establish a link between green concerns and democracy. 37 Com o passar do tempo e o crescimento exponencial da população da Terra, a busca por suprir as necessidades humanas se transformou em superprodução, e apesar disso, uma grande parte da população não tem acesso aos produtos e bens necessários e passa fome. Há uma discrepância evidente entre a qualidade de vida dos cidadãos dos países periféricos e dos países centrais e essa situação faz com que os primeiros busquem formas de alcançar o patamar dos países centrais de desenvolvimento e possuir um governo pequeno e uma economia forte. Ao mesmo tempo que o modelo de desenvolvimento dos países centrais pode erradicar a fome, pode também trazer impactos profundos ao meio ambiente (FIGUEIREDO; CRUZ, 2013). Após a conferência de Estocolmo, a ONU, com o apoio dos ecodesenvolvimentistas, defendeu o crescimento econômico dos países pobres e considerou a pobreza como uma das causas dos problemas ambientais. Um dos argumentos é que após a colonização, o solo fértil ficou com os ricos e os pobres tiveram que se desenvolver no solo infértil (ROMEIRO, 2012). A posição dos que defendem o desenvolvimento sustentável é que o crescimento econômico pode ser socialmente excludente e a solução seria redistribuição de renda e enfrentamento dos problemas ambientais (ROMEIRO, 2012). Se tornar sustentável está, infelizmente, ligado a recursos, pois é possível comprar um modo de vida verde quando se tem segurança alimentar, por exemplo. A redistribuição de riqueza seria importante para atingir a sustentabilidade em um mundo de recursos, financeiros inclusive, finitos (CATO, 2012). O adjetivo sustentável traz para o debate características ambientais, econômicas e sociais e esta última característica implica na necessidade de erradicação da pobreza, principalmente dentre os grupos mais vulneráveis. Surge, então, o conceito de justiça ambiental que busca unir as causas naturais e sociais, chegando à conclusão que os problemas ambientais afetam de maneira desigual a população (STEIL; TONIOL, 2013). Há uma relação recíproca entre a pobreza e a deterioração ambiental dentro do discurso dominante do desenvolvimento sustentável, mas existem autores que questionam se essa relação deveria ser generalizada. Um dos argumentos é que no nível local, a experiência é muito heterogênea e surge um problema de escalas e contextos, pois ao generalizar a relação entre pobreza e meio ambiente, surgem lacunas que não são estudadas dentro do discurso dominante do desenvolvimento sustentável (TETREAULT, 2008). Os movimentos sociais têm um papel importante nos cenários das conferências ambientais para que seu discurso seja incluído na pauta da sustentabilidade. Apesar de não terem o meio ambiente como tema principal, muitos grupos de defesa dos direitos humanos têm incorporado às suas agendas a questão ambiental como prerrogativa para a garantia da vida humana e da natureza (STEIL; TONIOL, 2013). 38 Outro fator importante para a questão social é o deslocamento de refugiados por questões ambientais, como degradação ou acidentes ambientais de larga escala (SANT’ANNA; MOREIRA, 2016). Como sintetiza muito bem Tetreault: “a questão crucial não é se é ou não possível que seis ou mais bilhões de pessoas consumam da mesma forma que os habitantes do primeiro mundo, mas sim, por quanto tempo12” (TETREAULT, 2008, p.46, tradução nossa). Nos doze textos analisados por Almeida sobre a economia verde, sete deles apresentam a redução da desigualdade social como um de seus principais objetivos. Os textos divergem quanto à forma de reduzir a pobreza e a desigualdade, se deveria ser através da redistribuição de riquezas ou por meio de crescimento econômico (ALMEIDA, 2018). Como dizem Goñi e Goin (2006, p.192, tradução nossa): Nessa perspectiva, não há verdadeiro desenvolvimento sustentável se o corpo social não for identificado como seu beneficiário final. Isso tem consequências imprevistas na maioria dos ensaios atuais sobre o assunto, pois propõe uma nova série de prioridades na implementação dos planos de desenvolvimento: a sustentabilidade aqui concebida implica, antes de tudo, a resolução imediata da miséria mundial e atenção prioritária ao desenvolvimento de condições de vida dignas para toda a população13. Deve-se levar em conta os países pobres, que não estão em um patamar que possibilite a produção verde, sendo que ainda existe fome e miséria. Em casos onde a prioridade é a vida humana e onde não é possível alcançar um desenvolvimento sustentável de imediato, a saída seria adoção de medidas que à primeira vista pareçam menos sustentáveis, mas que a longo prazo trazem progresso para contornar a fome e combater a crise ambiental (GOÑI; GOIN, 2006). Medidas paliativas são importantes principalmente porque alguns autores acreditam que é provável que à medida que os problemas ambientais aumentem, cresçam também os conflitos sociais, provocados por má distribuição de recursos, e é também provável que os conflitos limitem qualquer tipo de crescimento antes mesmo de chegar ao limite da natureza (TETREAULT, 2008). É preciso lembrar que a sociedade humana não habita o planeta sozinha, a fauna e flora terrestres sofrem muito com as ações humanas e não deveriam ser desconsideradas no debate 12 No original: la cuestión crucial no es si es posible o no que seis o más mil millones de personas consuman de la misma manera que los habitantes del primer mundo, sino más bien, por cuánto tempo. 13 No original: Desde esta perspectiva, no existe desarrollo sustentable real si no se identifica al cuerpo social como beneficiario final del mismo. Esto tiene consecuencias no previstas en la mayor parte de los ensayos actuales sobre el tema, ya que propone una nueva serie de prioridades en la implementación de los planes de desarrollo: la sustentabilidad aquí concebida implica, en primer lugar, la resolución inmediata de la miseria a nivel mundial y la atención prioritaria al desarrollo de condiciones de vida dignas para la totalidad de la población. 39 da crise ambiental. Cato diz que as preocupações da economia verde vão além das necessidades humanas, incluindo as gerações futuras e as outras espécies que vivem na Terra (CATO, 2012), mas a perspectiva mais encontrada na literatura sobre economia verde é predominantemente antropocêntrica, instrumentalista e reducionista ao analisar a relação do ser humano com a natureza. O direito da natureza e das outras espécies que habitam a Terra são pouco estudados e a proteção ambiental é debatida mais como um meio para manter o bem-estar humano e o crescimento econômico do que como um fim em si mesmo (ALMEIDA, 2018). 4. GLOBALIDADE A crise ambiental é estudada por diversas linhas de pensamento e um fator que afeta como será desenvolvido o discurso, ou mesmo as ações ambientais é o fato da natureza não "respeitar" as fronteiras dos Estados. Os problemas ambientais deveriam então ser enfrentados por cada país individualmente ou através da cooperação internacional? 4.1 Questão interna Nas discussões internacionais são apontadas diversas propostas de solução das questões ambientais e uma delas é a abordagem regional ou em blocos, pois assim seriam evitadas as dificuldades encontradas na cooperação internacional (BARROS-PLATIAU; VARELLA; SCHLEICHER, 2004). Seguindo esse raciocínio, Romeiro (2012) propõe que o caminho para atingir um desenvolvimento sustentável seria um conjunto de políticas que aumentariam a renda nacional, o acesso a direitos básicos e simultaneamente reduziriam o impacto da produção e do consumo sobre o meio ambiente. Doyle compartilha a visão de que ações internas aos Estados podem ser a solução para o problema do meio ambiente, dizendo: “Ambientalistas emancipatórios argumentam que somente ao se engajar com as vozes subjetivas dos povos locais, tradicionais e indígenas podem ser montadas estratégias adequadas de manejo ecológico [...]14” (DOYLE; DOHERTY, 2007, p.888, tradução nossa). Uma proposta para lidar com a crise ambiental é a internalização dos custos da degradação ambiental, onde o Estado precisa agir para corrigir falhas de mercado, seja por meio 14 No original: Emancipatory environmentalists argue that only by engaging with the subjective voices of the local, traditional and indigenous peoples can adequate ecological management strategies be assembled [...]. 40 de precificação do uso dos recursos naturais, ou pela privatização. Quando as falhas do mercado estiverem corrigidas, as questões de distribuição de recursos deveriam se tornar um processo mais eficiente, sem perdas irreversíveis ou incertezas que prejudicasse o custo-benefício (ROMEIRO, 2012). Smith (2011, p.105, tradução nossa) diz, porém, que é perigoso apelar para a soberania dos Estados nos ideais de uma política ecológica: Primeiro, porque está tão fortemente implicado na normalização do que pode ser considerado como a gestão biopolítica das populações, algo que infelizmente informa aquelas variedades de modernização ecológica que reduzem a política a um meio de alcançar a eficiência econômica/ecológica. Segundo porque está diretamente ligado à declaração dos tipos de “estados de emergência” e soluções tecnocráticas antipolíticas que Lovelock e outros vislumbram. Em outras palavras, longe de oferecer uma alternativa a qualquer uma dessas posições, é o exercício do princípio da soberania que as torna possíveis. Isso ocorre porque há um sentido muito real em que o princípio da soberania é, em última análise, não um conceito político, mas antipolítico15. Pelo fato dos problemas ambientais não se limitarem aos territórios dos Estados, acabam surgindo questões de soberania e há autores que sugerem que um único Estado deveria tomar a liderança e lidar sozinho com as questões ambientais, mas isso não soluciona o problema de soberania e acaba criando mais discórdias (SMITH, 2011). 4.2 Questão externa Um dos fatores a serem considerados para a resolução dos problemas do meio ambiente é que o sistema internacional é anárquico e composto de Estados independentes e seria preciso a união e/ou cooperação dos Estados para chegar a uma solução global (JAKOBSEN, 1999). As soluções para os problemas ambientais se tornam globais a partir do momento em que a governabilidade destes problemas foi deslocada do interior do Estado para a comunidade internacional. Esse processo foi causado em grande parte pela maior interdependência dos meios de produção (SANT’ANNA; MOREIRA, 2016). Como dizem Barros-Platiau, Varella e Schleicher (2004, p.102): Em primeiro lugar, considere que a realidade que cerca a todos seja uma superposição de duas esferas. Uma denomina-se “Mundo”, por cristalizar a gama de interações políticas, econômicas e sociais entre os indivíduos do globo. A outra será chamada de “Terra” pela capacidade de apreensão do conjunto das coisas físicas ou naturais. 15 No original: First, because it is so heavily implicated in the normalisation of what might be counted as the biopolitical management of populations, something that unfortunately informs those varieties of ecological modernisation that reduce politics to a means of attaining economic/ecological efficiency. Second because it is linked directly to the declaration of the kinds of ‘states of emergency’ and anti-political technocratic solutions that Lovelock and others envisage. In other words, far from providing an alternative to either of these positions it is the exercise of the principle of sovereignty that makes them possible. This is because there is a very real sense in which the principle of sovereignty is, ultimately, not a political but an anti-political concept. 41 Portanto, a crise ambiental será aqui definida como a incongruência entre Terra e Mundo, ou seja, entre um espaço físico e outro socialmente construído. Todavia, se a crise é baseada na incongruência então, a sua solução, de forma geral, deveria estar baseada na convergência entre ambos. Existem três perspectivas da gestão coletiva, sendo elas a governança global, que é o objeto de estudos do campo das organizações internacionais e busca entender como haveria governança sem um governo, as abordagens organizacionais, que surgem da discussão de um governo mundial e de uma ordem mundial, e o conceito mais abrangente é o de regimes internacionais (BARROS-PLATIAU; VARELLA; SCHLEICHER, 2004; SANT’ANNA; MOREIRA, 2016). O conceito de regimes surge da percepção de que os Estados se relacionam como uma rede institucional ampla, apesar do caráter anárquico do sistema internacional. A teoria dos regimes internacionais inclui, então, perspectivas de poder e interesse estatal e se baseia em teorias diversas de Relações Internacionais. Existem algumas escolas de pensamento sobre os regimes internacionais e as principais são o realismo, que centraliza a ideia de poder e ganhos relativos, o neoliberalismo, que centraliza os interesses como ganhos absolutos, sendo mais utilitarista, e o cognitivismo, que centraliza o conhecimento e segue uma interpretação sociológica (BARROS-PLATIAU; VARELLA; SCHLEICHER, 2004; SANT’ANNA; MOREIRA, 2016). Há controvérsias quanto ao tema de segurança ambiental e um dos argumentos é que colocar o meio ambiente como questão de segurança o eleva ao mesmo nível de prioridades militares. Ameaças de contaminação do meio ambiente através de guerra deveriam ser tomadas como questão de segurança dos Estados, mas a questão é se a degradação do meio ambiente seria uma questão de segurança por contribuir para o início de guerras (JAKOBSEN, 1999). Como dizem os autores: Nesse sentido, o discurso realista sugere que as mudanças ambientais globais causam insegurança e, portanto, podem levar à guerra entre Estados (por exemplo, a escassez hídrica). Problemas ambientais que não são considerados uma ameaça à segurança nacional não são preocupantes (SANT’ANNA; MOREIRA, 2016, p.217) As Organizações não governamentais seriam parte da governança global assim como os Estados, pois a soberania não seria um limite geográfico, mas caracteriza um espaço formado por interação de forças (DOYLE; DOHERTY, 2007). Nota-se que muitas ONGs, que antes tinham posição de confronto com os Estados, passaram, de certo modo, a colaborar. Somente o protesto não seria suficiente, as ONGs deveriam participar mais ativamente e isso foi visto como algo positivo de um lado, mas de 42 outro poderia levar os Estados a ignorarem e negligenciarem funções por haver ONGs que cobririam essa lacuna (BARROS-PLATIAU; VARELLA; SCHLEICHER, 2004). Como ressaltam os autores: Em primeiro lugar, é necessário frisar que se por um lado a crise ambiental é de fato global, por outro a gestão coletiva, seja ela entendida pelas lentes de instituições ou por arranjos mais flexíveis, não o é. A governança ambiental não é global. Ela transita entre o global e o local em um sistema internacional decadente (BARROS-PLATIAU; VARELLA; SCHLEICHER, 2004, p.127) Há uma fragilidade política e institucional que possibilita que os discursos de temas sociais sejam fortes, mas não se sustentam quando passam a ser implementados. Esta incongruência ocorre em diversos temas e contribui, no sistema internacional, para a emergência de atores que antes não estariam inseridos no debate internacional, como ONGs e a sociedade civil (BARROS-PLATIAU; VARELLA; SCHLEICHER, 2004). Os autores levantam o questionamento de quem seriam os culpados por uma crise global, como é o caso da crise ambiental. Dizem que: O Direito Internacional Ambiental, por exemplo, tem trabalhado para consagração da responsabilidade civil em casos de dano ambiental, que pressupõe a exclusão do dolo e a obrigatoriedade da reparação. Ou seja, cada vez mais se exclui a ideia do “culpado” no que concerne à crise ambiental global. Se há riscos, mas não há culpados, qual o papel reservado à segurança ambiental? (BARROS-PLATIAU; VARELLA; SCHLEICHER, 2004, p.125). 4.3 Norte e Sul Globais Parte da discussão dentro das reuniões internacionais é a divergência de posicionamento dos países do norte e sul globais. No debate entre norte e sul, os países da região sul global acabam ficando em uma posição de hesitação nas negociações internacionais de meio ambiente por não possuírem recursos ou ferramentas suficientes para, ao mesmo tempo, lidar com seus problemas internos e com os problemas ambientais (SANT’ANNA; MOREIRA, 2016). Além dos conflitos ideológicos entre o norte global e o sul global quanto ao crescimento econômico, há a discussão do crescimento populacional, que afeta de maneira negativa o meio ambiente. O norte global recebia maior atenção nas discussões internacionais e seus problemas eram mais relevantes do que os problemas do sul global. As organizações não governamentais do norte tinham seu foco no meio ambiente e aproximaram a discussão internacional para esse tema, enquanto as organizações não governamentais do sul, que são em menor quantidade e com bem menos recursos, tinham seu foco no desenvolvimento dos Estados do sul (JAKOBSEN, 1999). 43 Um receio dos países do sul é que a proteção ambiental sirva de desculpa para que se abandonem os objetivos de desenvolvimento, ou mesmo que diminua a ajuda dos outros países e haja rejeição dos produtos produzidos de forma menos sustentável (SANT’ANNA; MOREIRA, 2016). Os países do sul entenderam que a responsabilidade pela melhora do meio ambiente teria que ser dos países do norte e essas mudanças não deveriam interferir no crescimento e desenvolvimento dos países do sul, além de demandar a transferências de tecnologias e recursos do norte para o sul (SANT’ANNA; MOREIRA, 2016). Como explicam Sant’anna e Moreira (2016, p.222): A visão ambientalista que o Norte busca passar é a de que seu foco está em melhorar o estado do meio ambiente global. E a visão alternativa que o Sul apresenta é a de buscar um objetivo maior que transcende a política ambiental global, que é a reforma política do sistema internacional, que se encontra na sua defesa do desenvolvimento (combate à pobreza) e, portanto, do desenvolvimento sustentável. Os preços dos produtos primários exportados pelos Estados do sul não refletem as externalidades de extração e produção e os Estados do norte acabam usando muitos recursos naturais sem pensar que outros Estados também entram nessa conta (SANT’ANNA; MOREIRA, 2016). O debate entre o norte e sul globais é muito complicado pois passa por questões históricas de colonialismo, até questões atuais de exportação e importação e não parece haver uma solução clara. 5. DISCUSSÃO Nota-se que o tema do meio ambiente é muito complexo e que nas últimas décadas vem ganhando mais espaço internacional frente a gravidade das mudanças climáticas e a insustentabilidade das ações humanas. No entanto, dentro do escopo de Relações Internacionais observam-se muitos debates que levam a diferentes tendências dentro dos estudos. Almeida (2018) por exemplo, que analisou doze artigos tratando de meio ambiente nas relações internacionais, nos quais encontrou uma distribuição mais proporcional entre os temas que apareceram em seu estudo, sendo crescimento econômico aparecendo em 37,8% dos artigos, proteção ambiental também em 37,8% e uma proporção menor de justiça social em 24,7%. Ao categorizar os doze textos analisados, Almeida avalia que nove dão prioridade ao crescimento econômico dentro da discussão da economia verde, seja como objetivo central ou o meio para se atingir suas metas. Cinco apresentam concepções críticas ao crescimento 44 econômico, apresentando visões de crescimento zero, e dois textos discutiram as duas visões, dando maior ênfase ao crescimento econômico, mas reconhecendo a alternativa de crescimento zero. Dentre os nove textos que priorizaram o crescimento econômico, quatro o descreveram de forma positiva, quatro de maneira negativa e um de maneira neutra. Os textos que expressam visão negativa quanto ao crescimento econômico aparecem com menor frequência na literatura sobre economia verde e acabam sendo menos homogêneos em suas perspectivas. Diniz e Berman (2012) também analisam textos relacionados com o tema ambiental e dentre as dissertações e teses da USP sobre o tema de economia verde e sustentabilidade desde 1992. Estes autores encontraram dois blocos, um voltado ao tema de energia, sendo a grande maioria, e os demais classificados em outros. Estes mesmos autores apontam que na Rio+20 existiram quatro grandes temas desenvolvidos: 1) Energia, Desenvolvimento e Meio ambiente, abrangendo emissões de gases de efeito estufa, reversão do cenário energético mundial de utilização de combustíveis fósseis, entre outros; 2) Energias renováveis que abrangiam energia solar térmica, energia fotovoltaica, etc; 3) Eficiência energética, como sendo uma grande necessidade contemporânea garantindo a sustentabilidade energética; 4) Energia e Inclusão Social, mostrando também a importância dos programas sociais de eletrificação de áreas residenciais de baixa renda. Stevenson (2015) analisou o tema ambiental e chegou a três resultados sobre o debate do desenvolvimento econômico sustentável. O primeiro resultado foi o Transformismo Radical, onde a sustentabilidade ambiental é totalmente incompatível com o crescimento econômico, e mesmo que fosse buscado um equilíbrio entre economia e meio ambiente seria melhor repensar o sistema de crescimento como o fim não o meio. O segundo resultado é o Reformismo Cooperativo, que reafirma a importância da cooperação para reformar o sistema econômico de maneira sustentável. Essa visão acredita que sustentabilidade, capitalismo e crescimento econômico são compatíveis e não seria realista esperar que se abandone o capitalismo e o sistema econômico de crescimento. O terceiro resultado é o Progressismo Estatista, que busca o bem-estar e a felicidade no lugar da produção doméstica. Ao invés de medir progresso nos parâmetros atuais, deveria ser medido pelos níveis de felicidade e bem-estar, ao invés de buscar crescimento econômico como o fim. Como este mesmo autor diz: O Progressismo Estatista não compartilha da rejeição ou apoio sincero ao crescimento econômico, mas questiona a conveniência de um sistema econômico orientado tão exclusivamente para o crescimento econômico. O Estado é visto como tendo um papel fundamental a desempenhar no movimento da sociedade em direção a uma nova 45 ordem econômica verde que busca o bem-estar sobre o crescimento16 (STEVENSON, 2015, p.541, tradução nossa). Na área da filosofia seria possível distinguir três categorias éticas sobre o meio ambiente: a questão do impacto da vida humana na fauna e flora global, a questão da responsabilidade para com as futuras gerações e a questão da justiça internacional do norte para com o sul (JAKOBSEN, 1999). Durante o tempo os temas evoluíram da definição de sustentabilidade e fundamentações de teorias para a determinação de índices e indicadores de sustentabilidade, e então, para revisões e análises críticas (JUNIOR; FERREIRA, 2013). Como dizem os autores: Pode-se perceber que, nos anos mais recentes (2003-2009), há uma tentativa de incorporação de aspectos sociológicos e antropológicos à forte tendência de se encarar sustentabilidade através de procedimentos técnicos, combinada com análises econômicas (JUNIOR; FERREIRA, 2013, p.8). Mesmo dentro do pensamento ecológico há divisão de escolas, sendo elas a utilitária (pensamento liberal do valor de uso dos recursos naturais e busca do crescimento econômico), a autoritária (próxima da abordagem realista de RI, securitização da temática ambiental) e a radical (ainda dividida entre ecocentrismo, ecoanarquismo, ecossocialismo, bioregionalismo, ecofeminismo, entre outros) (SANT’ANNA; MOREIRA, 2016). Como diz Smith (2011, p.112, tradução nossa): A ecologia radical sustenta que o que a vida humana e não humana na Terra precisa são soluções políticas imaginativas – acima de tudo que ofereçam alternativas aos processos atuais de globalização econômica e imposição de correções técnicas. Mas há pouca chance de que estados normativamente compatíveis encorajem seriamente tais alternativas – especialmente porque essas são precisamente as áreas cedidas a processos/entidades supostamente apolíticas. (Pode-se imaginar tais estados apoiando uma Política Nacional para Economia de Estado Estacionário ou estabelecendo zonas livres de capital em vez de zonas de liv