UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS - RIO CLARO ANA CAROLINA SALES CANUTO PEREIRA A CONSTITUIÇÃO DOS PADRÕES DE BELEZA NA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE RACIAL NEGRA A PARTIR DE UM ESTUDO NO INSTAGRAM Rio Claro 2021 LICENCIATURA PLENA EM PEDAGOGIA ANA CAROLINA SALES CANUTO PEREIRA A CONSTITUIÇÃO DOS PADRÕES DE BELEZA NA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE RACIAL NEGRA A PARTIR DE UM ESTUDO NO INSTAGRAM Orientador: Prof.ª Dr.ª Marcia Reami Pechula Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - Câmpus de Rio Claro, para obtenção do grau de Licenciada em Pedagogia Rio Claro 2021 P436c Pereira, Ana Carolina Sales Canuto A constituição dos padrões de beleza na construção da identidade racial negra a partir de um estudo no Instagram / Ana Carolina Sales Canuto Pereira. -- Rio Claro, 2021 69 p. Trabalho de conclusão de curso ( - ) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Instituto de Biociências, Rio Claro Orientadora: Marcia Reami Pechula 1. Instagram. 2. Representatividade negra. 3. Identidade negra. 4. Jovens. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca do Instituto de Biociências, Rio Claro. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. AGRADECIMENTOS Dedico esse momento para agradecer aqueles que durante essa trajetória árdua da graduação a fez ser mais leve. Primeiramente aos meus pais, Eliene e José Canuto, que se esforçaram para que eu tivesse uma educação de qualidade e assim pudesse ingressar em uma universidade pública. Vocês sempre estiveram comigo nos momentos mais difíceis e diversas vezes sacrificaram os seus sonhos para que eu sonhasse e eu sou totalmente grata a isso. Agradeço também à minha irmã, Isabella, que estava sempre disposta a me apoiar nas minhas decisões nesses quatro anos de graduação e que fez com que eu abrisse minha mente para aproveitar esse momento que eu vivi na Unesp Rio Claro. Obrigada por vocês três me darem tanto amor e apoio nesses anos de vida. Eu tenho sorte de ter vocês. Um agradecimento especial para a minha orientadora, Márcia R. Pechula, que teve paciência para me auxiliar na minha primeira grande pesquisa, amenizando a pressão que é escrever o Trabalho de Conclusão de Curso. Durante a minha estadia em Rio Claro-SP conheci e vivi com pessoas incríveis, me estabeleci em uma república (República Mandala) que possibilitou que a vida longe da minha família fosse mais fácil e mais divertida, por isso, agradeço a Lais (que durante os momentos difíceis me estabilizou), a Lara (que me apoiou na escrita), a Nicole (que me abriu os olhos para questões raciais que poderiam ser desenvolvidas nessa pesquisa), a Rafaela (que esteve junto comigo em momentos de solitude) e a Natalia (que mesmo distante se preocupou com o desenvolvimento do trabalho). Obrigada por vocês me mostrarem que eu sou capaz de amar pessoas fora do meu ambiente familiar. E por último, agradeço à minha veterana, Carolina Ferian, que a todo momento esteve disposta a me ajudar no desenvolvimento deste trabalho e leu o mesmo inúmeras vezes para me elucidar. Obrigada por mesmo antes desse trabalho estar comigo. “a representatividade é vital sem ela, a borboleta rodeada por um grupo de mariposas incapaz de ver a si mesma vai continuar tentando ser mariposa.” – Representatividade RESUMO Na compreensão de que a construção da identidade racial de jovens negros deve acontecer em um ambiente escolar que possibilita a representatividade de maneira positiva, essa pesquisa, exploratória de caráter qualitativo, bibliográfico e documental, procura entender como a identidade é formada em pessoas que, historicamente, nunca foram representadas. Em uma época em que os padrões de beleza estão sendo enaltecidos e as mídias sociais são responsáveis por essa supervalorização, torna-se fundamental uma pesquisa voltada para esse tema, já que por meio das mídias os padrões de beleza são estruturados e talvez propagados. A partir de análises bibliográficas e de pesquisas feitas pelo Instituto Qualibest (primeiro instituto de pesquisas online do Brasil) poderemos entender quais são os principais influenciadores digitais que estão no feed dos jovens e quais são as suas principais características; as consequências destas na formação da auto-estima dos estudantes e as repercussões que ocasionam em sala de aula, e no processo de ensino-aprendizagem, o qual comprovou-se ser afetado diretamente pela auto-estima dos educandos. Palavras-chaves: Instagram. Representatividade negra. Identidade negra. Jovens. Índice de Ilustrações Figura 1: Localização dos stories. 11 Figura 2: Localização dos reels. 11 Figura 3: Exemplo de conversa no direct. 12 Figura 4: Exemplo de perfil verificado. 13 Figura 5: Exemplos de vídeos feitos no IGTV. 14 Figura 6: Exemplo de normalização do branco. 31 Figura 7: Exemplo de pesquisa para encontrar maquiagens para pessoas negras. 32 Figura 8: Imagem postada há 16 horas. 41 Figura 9: Imagem postada há 20 horas. 42 Figura 10: Imagem postada há 14 horas. 42 Figura 11: Perfil de Whindersson Nunes. 47 Figura 12: Perfil de Bianca Andrade (Boca Rosa). 47 Figura 13: Perfil de Hugo Gloss (Bruno Rocha). 48 Figura 14: Perfil de Gabriela Pugliesi. 48 Figura 15: Perfil de Neymar Jr. 48 Figura 16: Perfil de Camila Coelho. 49 Figura 17: Bianca Andrade/ Boca Rosa (@bianca). Beleza/Moda. 49 Figura 18: Anitta (@anitta). Música. 50 Figura 19: Ana Maria Brogui (@brogui). Culinária. 50 Figura 20: Gabriel Pugliese (@gabrielapugliesi). Saúde/Fitness. 50 Figura 21: BRKsEDU- Pequenosapeca (@bkrsedu). Game/Jogos. 51 Figura 22: Paulo Jubilut/ Biologia Total (@paulojubilut). Educação. 51 Figura 23: Whindersson Nunes (@whinderssonnunes). Humor. 51 Figura 24: Padre Fábio de Melo (@pefabiodemelo). Religião. 52 Figura 25: Neymar Jr.(@neymarjr). Esporte. 52 Figura 26: Maddu Magalhães (@maddumagalhaes). Decoração. 52 Figura 27: Hugo Gloss/ Bruno Rocha (@hugogloss/ @sirbruno). Entretenimento. 53 Figura 28: Bruno Rocha/ Hugo Gloss. 55 Figura 29: Bruna Marquezine. 55 Figura 30: Neymar Jr. 56 Figura 31: Whindersson Nunes. 56 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO 6 2. A TRAJETÓRIA DO INSTAGRAM 9 2.1 O funcionamento do Instagram 10 2.2 Influenciadores digitais 14 2.3 A imagem do influenciador digital 19 3. IDENTIDADE NEGRA 22 3.1 A escravidão e os seus impactos no Brasil atual 25 3.2 Representatividade negra na Internet e nas escolas 29 4. A ESTRUTURA DAS REDES SOCIAIS 34 4.1 A rede social na Internet 35 4.2 Algoritmos curadores 38 5. OS REFLEXOS DO INSTAGRAM NA EDUCAÇÃO 44 6. CONCLUSÃO 63 7. REFERÊNCIAS 65 6 1. INTRODUÇÃO É evidente que dentro da sociedade atual a existência de um padrão de beleza se estabelece, corroborado, principalmente, pelas mídias sociais nas quais muitos jovens são expostos desde muito cedo. Essas estão presentes na maioria das residências mundiais influenciando a construção da identidade dos jovens apresentados a ela, incluindo, jovens negros. Ao falarmos sobre as características de uma pessoa considerada “bonita”, em diversas falas, tomamos como padrão estético, sujeitos que são seguidos por nós nas redes sociais (Instagram, Facebook, Snapchat) e em uma sociedade estrutural e culturalmente racista, esses indivíduos não possuem a pele escura e seus cabelos não denotam suas origens africanas. Desse modo, invisibilizando pessoas negras. Por meio dessa ferramenta e de todo o processo de escravatura do povo negro, o racismo vai se mantendo (manifestado de maneira sutil nos tempos atuais) e segregando grupos sociais específicos por se julgarem superiores a eles devido a sua etnia, ideologia, status econômico e/ou religião, resultando na falsa percepção de superioridade. Após a “libertação” dos povos negros escravizados, os brasileiros tornaram-se orgulhosos da sua “democracia racial”, desse modo podendo ser comparado a outras nações para assim ser considerado um país civilizado (GUIMARÃES, 1995). Segundo o Artigo 5º da Emenda Constitucional nº 95 de 15 de dezembro de 2016 e do Artigo 7 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (ACNUDH) de 10 de dezembro de 1948, podemos tomar como democracia racial, esta, propagada por Gilberto Freyre em 1940, a ideia de que todos os cidadãos gozam dos mesmos direitos e esses estão realmente garantidos perante as leis, entretanto, no cotidiano dos cidadãos negros brasileiros essas leis não garantem de forma efetiva o acesso à educação de qualidade e ao trabalho. E essa discrepância pode também ser vista na idealização da beleza, não obstante, é por meio dessa construção de padronização do belo que ideologias sociais, econômicas, culturais e políticas são produzidas (BRANDL NETO; CAMPOS, 2011). Por intermédio das propagandas (e atualmente, influenciadores 7 digitais) nas mídias sociais o padrão de beleza branco e magro vai adquirindo força na sociedade moderna. A necessidade de se encaixar em determinados padrões é reforçada nas redes sociais, principalmente no Instagram, por meio dos influenciadores digitais que utilizam a mídia para induzir, mesmo que de forma indireta, a ditadura da beleza da modernidade. Dado que: Dentre as instituições envolvidas na elaboração do culto ao corpo, a mídia é, sem dúvida, importante agente difusor de um ideal de beleza a ser alcançado, garantindo que a temática esteja sempre presente na vida cotidiana, levando ao receptor as últimas novidades e descobertas tecnocientíficas, ditando e incorporando tendências. (CASTRO, 2008, p. 07). A mídia é um mecanismo que possui um grande impacto na vida estética dos indivíduos conectados a ela, pois mediante as suas representações de beleza ideal, é exibido o poder que as pessoas enquadradas no padrão de beleza têm sobre a sociedade. Segundo Brandl Neto e Campos (2011), há uma responsabilidade dada ao indivíduo sobre o seu corpo, quando este não corresponde ao modelo padrão estabelecido pela sociedade, o mesmo pode ser avaliado como desleixado, descuidado e/ou largado, sofrendo com a exclusão no âmbito escolar. Com isso, esse tema nos levou a pensar na seguinte questão para a realização dessa pesquisa: Quais são os reflexos da ausência de influenciadores digitais negros na construção da identidade racial negra, eles perpetuam a cultura e o padrão de beleza europeu? Nessa pesquisa buscamos alcançar quatro objetivos, sendo eles: a. Identificar a construção do modelo referencial de beleza na rede social, Instagram; b. Identificar o padrão estético estabelecido pelo Instagram; c. Reconhecer a concepção de beleza; 8 d. Analisar a ação dos influenciadores digitais na formulação do padrão de beleza. E para fazer o embasamento do trabalho e atingir os objetivos esperados, utilizaremos pesquisas feitas pelo Instituto QualiBest (2018 e 2019); Nilma Lino Gomes (2003); Gisele Flor (2009); Ana Canen (2003); Issaaf Karhawi (2015 e 2016); Evelyn Dias Siqueira Malafaia (2018); entre outros teóricos. Por não haver a necessidade de tabulação de dados essa pesquisa será classificada como uma pesquisa exploratória de caráter qualitativo, bibliográfico e documental, já que por meio da revisão bibliográfica de trabalhos acadêmicos e análises de perfis de influenciadores digitais na rede social Instagram, através da pesquisa etnográfica online, poderemos identificar e explorar os impactos desse veículo de comunicação na construção da identidade negra nos jovens brasileiros nos últimos cinco anos. Através das plataformas digitais (Scielo, ERIC, Portal da CAPES e Bibliotecas digitais) e físicas (Bibliotecas e Institutos) os documentos para elucidar as questões levantadas nessa pesquisa serão buscados e interpretados. Com o auxílio de levantamentos virtuais, feitos a partir de pesquisas realizadas pelo Instituto Qualibest (o primeiro Instituto de pesquisas online no Brasil), poderemos entender quais são os maiores influenciadores do Brasil e quais são as suas influências na sociedade brasileira. Usando Pope e Mays (1995 apud NEVES, 1996) como justificativa para a escolha dessa abordagem, a pesquisa qualitativa proporciona ao pesquisador “uma mistura de procedimentos de cunho racional e intuitivo capazes de contribuir para a melhor compreensão dos fenômenos”. 9 2. A TRAJETÓRIA DO INSTAGRAM Por meio da matéria “Conheça a história do brasileiro que criou o Instagram” (2015) escrita por Filipe Vilicic para a revista Exame, veremos um breve histórico do aplicativo Instagram estreado em 6 de outubro de 2010. Duas figuras foram de extrema importância para o desenvolvimento da rede social, sendo elas: Michel Krieger e Kevin Systrom. O primeiro, um paulista que nasceu em uma família bem estruturada , filho de um alto executivo da indústria de bebidas destiladas, dispôs de uma educação de qualidade e inúmeras vivências internacionais, conhecendo Kevin Systrom durante sua trajetória na Universidade de Stanford, em uma das festas promovidas pelo programa de estudos Mayfield Fellows, o qual colocava jovens universitários em contato com conhecimentos de empreendedorismo, e do qual Michel fazia parte. Entretanto, somente três anos depois os dois começaram a associar-se. Logo após que se formou, o brasileiro iniciou um trabalho em uma startup seguindo o mesmo caminho que o americano que trabalhava em uma empresa que logo depois se tornou o Twitter. Após algumas conversas Kevin mostrou o protótipo de um aplicativo que mostrava a localização, compartilhava fotos e status, chamado Burbn, nome inspirado na bebida favorita dele, o Bourbon. Michel acreditava que eram necessárias algumas modificações já que esse aplicativo era confuso e, por isso, queria simplificar o mesmo. Assim começou a jornada para a criação do Instagram. No primeiro dia do seu lançamento o aplicativo, que agora tinha o objetivo de somente compartilhar fotos, teve mais de 25 mil downloads. No começo o aplicativo só poderia ser baixado por aquelas pessoas que possuíssem o sistema iOS da Apple, mas em 2012 aqueles que tinham o sistema Android da Google também puderam fazer parte da rede social. Foi também em 2012 que o aplicativo foi comprado pelo Facebook por US$ 1 bilhão, havendo um grande progresso na plataforma. Mesmo com a venda, Michel Krieger e Kevin Systrom continuam trabalhando na rede social, no entanto, agora com funcionários do Facebook. 10 2.1 O funcionamento do Instagram O Instagram, também conhecido como IG e Insta, é um aplicativo com o objetivo de compartilhar fotos, vídeos e informações, permitindo também o uso de filtros em qualquer um deles. As publicações são feitas a partir do uso da câmera ou das fotos/ vídeos que estão na galeria do celular. Esses compartilhamentos, além de serem feitos em seu próprio perfil no Instagram, podem também ser feitos em outras redes sociais como Facebook, Twitter, Tumblr e Flickr. Nos seus primeiros anos de atividade, só era possível publicar fotos com uma disposição quadrada, porém após alguns anos de funcionamento começou a ser permitido a publicação de vídeos de apenas 15 segundos. As imagens, os vídeos e até mesmo os filtros sofreram alterações ao longo dos anos. As imagens agora podem ser postadas no formato paisagem e retrato, recentemente, a opção de selecionar dez imagens para serem postadas simultaneamente foi inserida no aplicativo. Os filtros também foram atualizados, hoje, há uma grande variação de filtros com a oportunidade de ajuste no brilho e no contraste das fotos (SILVA, 2019). Quando você faz o cadastro na rede social, é necessário o preenchimento de alguns dados e criar uma senha e um login, caso o usuário já tenha uma conta no Facebook, o acesso pode ser feito através do mesmo perfil. Durante a criação do seu perfil na rede social, os usuários têm a opção de escrever um pouco sobre si mesmo, no espaço denominado biografia, outra opção oferecida é para se inserir uma foto. É nesse mesmo perfil que as fotos que forem postadas pelo próprio usuário serão mantidas, tendo a opção de ficarem públicas, onde qualquer pessoa que possui a rede social pode ver suas fotos, ou privadas, na qual somente aqueles com a permissão do próprio usuário podem visualizar as imagens postadas. Durante os últimos anos a rede social sofreu inúmeras mudanças, colocando e tirando ferramentas. Uma das mudanças que foi acrescentada no aplicativo foi o “Instagram Stories", o qual possibilita aos usuários publicarem e verem fotos e vídeos durante o período de 24 horas. Essa função foi inicialmente adotada por outra rede social, o Snapchat, no qual as imagens/ vídeos eram apagados depois de alguns segundos da publicação, 11 entretanto, após a utilização dessa função pelo Facebook e pelo Instagram o número de usuários da rede foi reduzido (SILVA, 2019). Figura 1: Localização dos stories. Fonte: GOOGLE © IMAGENS, 2021. Nos stories, os usuários podem colocar diversos filtros e ainda podem adicionar músicas, escrever textos e fazer boomerang, pequenos vídeos silenciosos ou uma sequência de fotos que fica se repetindo e não há a necessidade de apertar “play”. Outra função criada pelo Instagram, foi o “destaque” que permitiu aos usuários salvarem os conteúdos postados nos stories, assim, podendo rever as suas postagens, mesmo depois das 24 horas da publicação. Os “destaques” estão localizados abaixo da biografia, da maneira que vemos na imagem abaixo. Figura 2: Localização dos reels. Fonte: INSTAGRAM ©, 2021. Em 2018, a rede social disponibilizou aos seus usuários a função “melhores amigos'', que proporciona ao usuário a criação de grupos privados para o compartilhamento dos seus stories. Essa função foi criada a partir da grande 12 quantidade de perfis complementares para a postagem de imagens e/ ou vídeos mais íntimos ou engraçados (SILVA, 2019). O Instagram também permite que os usuários façam transmissão de vídeos ao vivo no seu perfil. Os seguidores desse perfil recebem notificações avisando sobre a transmissão. Os vídeos ficam salvo na galeria do celular e podem ser postados também pelo stories ou ser colocados nos “destaques”, entretanto, o vídeo não é salvo no feed do usuário. O direct também é uma função muito utilizada no aplicativo. Essa função possibilita aos usuários conversarem de forma privada entre si, ou ainda fazer o compartilhamento dos conteúdos que estão no feed e no story. Nesse ambiente os usuários podem criar grupos de conversa e enviar fotos, boomerang e mensagens de voz, assemelhando-se a outros aplicativos como Facebook e WhatsApp. Figura 3: Exemplo de conversa no direct. Fonte: INSTAGRAM ©, 2021. Devido à ausência de ferramentas que viabilizassem a divulgação de produtos, o Instagram lançou em junho de 2016 o “Business Tools”, o perfil comercial. O proprietário do perfil comercial é capaz de contemplar o número de visualizações e 13 acessos ao seu perfil, o número de pessoas que salvaram o post e de cliques, os melhores horários e dias da semana para postar e a divisão demográfica dos seguidores. Com a função é possível acrescentar o botão “Saiba mais” e o link nos posts. Para dar mais segurança aqueles que acessam a rede social, o Instagram anunciou em 2018 o selo azul de autenticidade. O selo garante que as contas e as pessoas que são seguidas pelo usuário são quem elas dizem ser, evitando que sujeitos com intenções ruins apliquem golpes ou outros danos. A seguir podemos ver o exemplo de uma conta verificada. Figura 4: Exemplo de perfil verificado. Fonte: INSTAGRAM ©, 2021. O IGTV foi criado em 2018 pelo Instagram, possibilitando aos usuários criarem vídeos mais longos do que os postados no feed como um post comum. Segundo o site Techtudo (2018) a função foi criada para concorrer com outro aplicativo, o YouTube. A função permite que os vídeos criados tenham a duração de até uma hora com ótima qualidade. 14 Figura 5: Exemplos de vídeos feitos no IGTV. Fonte: INSTAGRAM ©, 2021. O reels é a mais recente função criada pelo Instagram, lançada em 2020, a função permite que os usuários façam o uso de dublagens, músicas, áudios e várias cenas em seus vídeos, assemelhando-se a outro aplicativo, o Tik Tok. Os vídeos feitos no reels podem ter a duração de 15 segundos e podem ser compartilhados no stories, no feed e também via direct (TECHTUDO, 2020). 2.2 Influenciadores digitais Atualmente com a popularidade das redes sociais o ‘fazer ver’ tornou-se imprescindível, já que a imagem de si mesmo tornou-se muito valorizada, fazendo-se necessário a formação de novos profissionais. Partindo dessa necessidade o termo ‘influenciador digital’ surgiu em 2014. Antes disso todas aqueles que trabalhavam com a produção de conteúdo para a internet, seja eles dos nichos de games ou de beleza, eram nomeados de blogueiras/blogueiros, ou no caso daqueles que utilizavam o YouTube como plataforma para compartilhar seus conteúdos, de vlogueiros/vlogueiras. Dessa maneira, vemos que existe uma trajetória até chegarmos no terno influenciador digital. E essa trajetória passa por diversos termos antes de se tornar o que conhecemos hoje. Karhawi (2017) mostra que ainda quando a tecnologia não tinha a força que tem atualmente, por volta de 1997, os blogueiros expunham suas ideias e 15 pensamentos, como um diário virtual na internet, transfigurando-se como os primeiros a definir essa prática como profissão. Posteriormente, com a criação do Youtube em 2005, os vlogueiros (termo que recentemente foi permutado para youtuber) começaram a surgir. No Brasil somente em 2010 eles iniciaram as postagens dos seus vídeos e após a matéria intitulada “Popularidade dos vlogueiros atrai patrocinadores” publicada pelo jornal Folha de São Paulo em agosto de 2011 pode ser observado o começo da monetização dessa nova profissão, mesmo que ainda não seja regulamentadas por lei. Juntando os dois termos anteriores surge os denominados formadores de opinião, os quais com a audiência e alcance dos seus blogs incorporam novas tendências em diversos grupos sociais. Todavia para Cruz (2011) existem dois tipos de formadores de opinião, os verticais e os horizontais, os primeiros têm o poder da oralização e tem a oportunidade de dizer o que pensam e cativar os seus seguidores com ideias, valores e informações sem que a maioria deles questione a integridade desses. Já os formadores de opinião horizontais “[…] têm como característica principal um traço de personalidade, algo que lhes confere essa distinção como formuladores de opinião [...]” (CRUZ, 2011). A partir de todas as expressões precedentes o termo influenciador digital é instaurado. O surgimento dessa nova profissão se deu devido ao grande aumento de novas redes sociais e a necessidade das pessoas de se adequarem a todas elas. Assim, o influenciador digital deixa de se limitar a apenas uma plataforma digital e passa a fazer parte de todas aquelas em que há uma grande massa de internautas, com a intenção de atingir públicos diferentes e poder alcançar os seus seguidores de diferentes maneiras. É a partir desse mesmo ano, 2011, que muitos donos de blogs começaram a se denominar influenciadores digitais, digital influencer ou creator. No entanto, Carolina Terra em sua tese de doutorado publicada em 2010 já intitulava esses sujeitos, os quais usavam as mídias sociais para divulgar, expor e expressar conteúdos pessoais, de usuário-mídia. [...] o usuário-mídia é um heavy user tanto da internet como das mídias sociais e que produz, compartilha, dissemina conteúdos 16 próprios e de seus pares, bem como os endossa junto às suas audiências em blogs, microblogs, fóruns de discussão on-line, comunidades em sites de relacionamento, chats, entre outros. Acreditamos que existam níveis de usuário-mídia: os que apenas consomem conteúdo e replicam; os que apenas participam com comentários em iniciativas on-line de terceiros; e os que de fato produzem conteúdo ativamente. - (TERRA, 2010, p. 86). Precisamos elucidar, que não há uma avaliação de valor para a produção de conteúdo, esses podem chegar a serem fotos com uma boa qualidade de clique, vídeos divertidos, textos com conteúdo especializado, vídeos e/ou fotos com edição profissional, entre outros. Assim, os influenciadores digitais são responsáveis por compartilhar opiniões podendo iniciar discussões, induzir o sujeito a determinadas compras e influenciar no estilo de vida das pessoas, segundo a opinião pública. Para Karhawi (2016) esses formadores de opinião produzem “conteúdos temáticos, com frequência e credibilidade”, tornando-se desse modo uma mídia autônoma. Por causa das novas mídias sociais digitais houve uma inclusão dos amadores, transformando-os em produtores, os quais produzem conteúdo sem a necessidade de um profissional para que os orientem com o que expressar em público. Partindo do surgimento dessa nova profissão foi indispensável a criação de empresas que pudessem auxiliá-los nessa nova era e a precursora delas é a empresa YouPix, responsável por impulsionar a carreira de diversas pessoas no ambiente digital, e também a autora do termo influenciador digital no Brasil em meados de 2015. Atualmente, os influenciadores não estão somente no âmbito digital engajando seus usuários, mas sim, em capas de revistas, nas livrarias com seus best sellers, desenvolvendo campanhas em diversos canais de comunicação e, principalmente, cobrindo grandes campanhas. Porém devemos nos questionar que, se a internet é um espaço, hipoteticamente, de igualdade, como os internautas comuns tornam-se influenciadores? Para a criação desse status existe dois motivos principais: a. Eles são indispensáveis para peneirar as informações que são expostas aos múltiplos públicos que estão nas redes; 17 b. Eles agregam características que lhes dão confiabilidade, reputação e fama. As pioneiras desse novo retrato profissional na área da comunicação são as blogueiras de moda que levam conteúdos sobre esse campo para os internautas que não têm acesso a essas informações devido ao classicismo das revistas de moda e beleza; construindo uma agremiação de leitores e de pessoas que acreditam nas suas opiniões. Partindo desse fortalecimento de público o influenciador se institui como marca ou/e veículo de mídia para assim monetizar os seus conteúdos através de parcerias comerciais com outras empresas do campo de interesse. É nesse momento que as blogueiras deixam de ser simples criadoras de conteúdo e tornam-se profissionais de comunicação (KARHAWI, 2016). As blogueiras de moda e beleza são as precursoras dessa nova modalidade de profissão, no entanto, outros temas de blogs deixaram de ser hobby e passaram a ser, para alguns, fonte de renda. Devido os blogs temáticos serem escritos em primeira pessoa, relatando e compartilhando uma experiência pessoal, os influenciadores são filtros de informações e por meio de diferentes blogs os criadores expressam sua opinião sem moderação. É aqui que o primeiro motivo da ascensão dessas pessoas, mostrado anteriormente, se torna perceptível. O segundo motivo é o conjunto de características que lhe dão confiabilidade, reputação e fama, dado por meio da confiança coletiva. Para os influenciadores digitais a reputação é de extrema importância para que eles alcancem o maior status da comunidade digital. Entende-se, nesse caso, como reputação um composto de ideias sobre o que são e o que pensam determinadas pessoas para que assim haja uma construção de palpites sobre a mesma. Essa construção depende de três elementos segundo Recuero (2008): o “eu”, o “outro” e a relação entre um e outro, a qual pode ser induzida por nossas ações, entretanto, não exclusivamente por elas. A reputação não é formada apenas de likes ou números de seguidores, mas sim, por meio das impressões que outras pessoas têm sobre certo influenciador. 18 Dessa maneira todos nós, que temos acesso às mídias sociais, temos uma reputação. Todos esses aspectos levantados fazem com que a influência dessas pessoas seja construída nas plataformas digitais, como uma autoridade na rede, e essa autoridade para Recuero (2008) é medida a partir da capacidade de um influenciador gerar conversações no ambiente digital, ou seja: A autoridade de um ator no Twitter, outro exemplo, poderia ser medida não apenas pela quantidade de citações que um determinado ator recebe, mas principalmente pela sua capacidade de gerar conversações a partir daquilo que diz (o que não é, necessariamente, um sinônimo de citação). - (RECUERO, 2008, p. 114) Para que ocorra o processo de produção da reputação do influenciador digital é necessário que haja uma dedicação nos conteúdos que estão sendo elaborados e também que o relacionamento entre o autor e os seus internautas seja sempre contínuo, sendo que a primeira necessidade é primordial para a criação de status. O influenciador gera conteúdos habitualmente, com aptidão e coerência para que assim possa atender as demandas do público, e é esse público o responsável por autenticar o influenciador através da relação criada entre ambos de maneira sincera, intrínseca e verdadeira. Para Karhawi (2016) quando pensamos em influenciadores digitais, a reputação, o Eu é um ponto importante, já que é ela que o difere de uma celebridade, dado que a celebridade é uma pessoa distante do seu público, elas estão trilhando sua carreira na televisão e nas telas dos cinemas, afastado daqueles que os assistem; ao contrário do influenciador/creator/digital influencer, que ainda preserva o seu Eu, mas ocupa espaços comuns com o público como o Instagram, Facebook ou Snapchat. Espaços que pessoas de diversas classes sociais têm acesso e mantém um diálogo, em equidade. Entretanto, é certo dizer que nem todos os influenciadores usam o seu Eu como forma de trabalho, mas sim, utilizam apenas os conteúdos que geram. Como 19 foi dito, a escrita íntima é responsável por aproximar o autor dos seus leitores, assim, construindo o seu status de influenciador. 2.3 A imagem do influenciador digital A imagem de um influenciador é de extrema importância para que ele possa adquirir status na comunidade digital e são esses que relacionam a sua imagem com o seu conteúdo que tem mais notoriedade do público, visto que, por muito tempo obtivemos informações de pessoas sem rostos através de jornais impressos e colunas em revistas e agora estamos buscando um “rosto” para tudo aquilo que lemos e ouvimos. É por meio dessa imagem criada que as grandes marcas procuram por esses “creators” para que haja uma parceria entre ambos, porém as empresas não se satisfazem somente com o conteúdo, mas sim, com a imagem do influenciador. Tomamos como exemplo as campanhas publicitárias protagonizadas por Bianca Andrade, conhecida como Boca Rosa. A empresa de telefonia, Vivo, utilizou em 2017 a imagem e a grande quantidade de seguidores da influencer para ter êxito na venda do seu produto. Todavia, a campanha citada é uma entre milhares de parcerias feitas entre empresa e influenciador. Devemos entender que só é possível construir uma marca ou uma mídia que em seguida irá ser permutada pelo valor do influenciador devido à sociedade na qual vivemos, que exalta a imagem pessoal, valorizando o que é mostrado (de maneira proposital) nas redes sociais. Todavia, não são todos os influenciadores digitais que utilizam sua imagem para gerar lucro, há aqueles que usam somente os conteúdos que produzem para gerar a monetização, como os blogueiros que não vinculam sua imagem com os textos escritos. Por outro lado, vemos os youtubers ou influenciadores do Instagram em que o seu Eu é indispensável para propagar os conteúdos (KARHAWI, 2016). A partir da afirmação de Bruno (2013), identificamos que os regimes de visibilidade se tornam importantes para a constituição do homem moderno e nesse regime, a disciplina e espetáculo são condutores da visibilidade que implicam na 20 subjetividade do sujeito. O espetáculo é o princípio para a criação do status que vivemos atualmente. Em 1967, Guy Debord fez críticas sobre a Sociedade do Espetáculo, na qual o indivíduo irrelevante passa a ter mais notoriedade do que em outros momentos da história da humanidade devido aos meios de comunicação em massa. Assim, “o espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação pessoal entre pessoas, mediatizadas por imagens” (DEBORD, 1967). Dessa forma, o puro e o real se tornaram representações e ilusões. Entre os sujeitos de uma sociedade disciplinar e o sujeito de uma sociedade espetacular há uma modificação fundamental. Na sociedade disciplinar o indivíduo tem uma preocupação relacionada ao olhar do outro sob ele, mas esse olhar é responsável por se atentar no cumprimento ou não das regras. Na segunda sociedade também há um olhar do outro, porém, é observado como o sujeito se constrói para ser visto. Em resumo, o que antigamente as pessoas não tinham motivo ou vontade de se mostrar para outros, hoje, é uma imposição no nosso regime de visibilidade (KARHAWI, 2016). A visibilidade que vivemos hoje não constrói barreiras para aquilo que é público e para aquilo que é privado, tornando-se a sociedade da autopromoção. A percepção do íntimo sofre alterações devido ao novo sistema social. Desse modo, tudo aquilo que é feito fora do ambiente digital, a sua intimidade, pode ser mediada. A passagem “não se pode falar de qualquer coisa em qualquer época [...]” (FOUCAULT, 2014 apud KARHAWI, 2016) traduz a importância dos regimes de visibilidade tratados até aqui. Não apenas é vetado falar sobre qualquer coisa em qualquer época, como é vetado ser ou fazer qualquer coisa em qualquer época. Isso significa que a emergência de influenciadores digitais – dos youtubers ou das blogueiras de moda –, de sujeitos que lidam não apenas com a criação de conteúdo, mas também com a exposição de sua imagem no ambiente digital, só é possível pelos regimes de visibilidade que aceitam e sustentam essas práticas contemporâneas - (KARHAWI, 2016, p. 50). Uma vez que o seu Eu é exposto e compartilhado ele também pode ser uma mercadoria da sociedade em que vivemos. Quando o influenciador digital ganha 21 esse status ele passa a ter um preço de troca, onde grandes marcas/empresas vão fazer de moeda de negociação. 22 3. IDENTIDADE NEGRA Atualmente, vivemos em uma sociedade capitalista definida por três valores dominantes: competição, consumismo e individualismo. Assim, o indivíduo está se tornando cada dia mais narcisista fazendo com que o seu corpo seja colocado como objeto, negócio, produto e fonte de trabalho que gera lucro ao capital. E é por meio da exposição, da visibilidade que o individualismo impera sobre nós. Durante toda a história da humanidade o corpo humano sofreu diversas marcas (do esquartejamento à escravidão) em seus variados aspectos e essas marcas que estão fixadas podem ser vistas até hoje no inconsciente coletivo. Em seu livro “Vigiar e Punir” (1997), Foucault identifica o início de um aparelho punitivo que buscava selecionar o normal e o anormal. Assim, pode ser visto a necessidade da disciplinarização e da normatização dos sujeitos, pois dessa maneira os corpos poderiam ser dominados, dar lucro e se adaptar ao sistema atual. A dominação do corpo, que impede de o mesmo se manifestar, ocorre, porque quando o corpo se manifesta há grandes impactos na história da humanidade, visto que, ele é o responsável por criar grandes lutas, conquistas e ao mesmo tempo tragédias para os seres humanos. A sociedade burguesa, desde o século XIX, utiliza o corpo como forma de propriedade privada e dever individual. Alguns séculos atrás o corpo bem-vestido era sinônimo de ascensão e respeito, muitas vezes a pessoa bem-vestida e bem-apresentada era considerada confiável. Nos dias atuais o padrão de beleza branco, malhado e siliconado se instaurou, servindo de divisor social devido a exclusão daqueles que não estão dentro do padrão estabelecido. Por meio desses padrões construídos pela sociedade, muitas vezes através das mídias, os jovens constituem sua identidade (neste trabalho focaremos o nosso olhar na identidade negra). Segundo Canen (2003) a identidade é “uma construção contínua, sempre provisória e contingente, constituída e reconstituída nas relações sociais”, entretanto, para a construção da identidade também é necessário um processo que envolve “marcadores” plurais como raça, etnia, gênero, religião, histórias de vida, classes sociais, cultura e outros, esses marcadores se mesclam 23 em contextos particulares de significação. Vale também ressaltar que a identidade é formada também através da pluralidade das identidades. Nesse sentido, o currículo, enquanto envolvendo discursos, que não só representam mas constituem essas identidades (CANEN; MOREIRA, 2001; VEIGA -NETTO, 2002; SILVA, 2001 apud CANEN, 2003), estará necessariamente imbricado em relações de poder que instituem a seleção de conteúdos e formas discursivas consideradas “oficiais”, “corretas”, mas que, na verdade, dão voz a certas identidades e silenciam outras, instituem “verdades” e legitimam certos discursos em detrimento de outro. - (CANEN, 2003, p. 51). Por isso é necessário criar caminhos transformadores para buscar a representação de identidades excluídas. Devido às políticas focalizadas alguns “marcadores” identitários são salientados, mesmo que a identidade seja contingente, plural e provisória. Essa saliência se deve às identidades plurais que focam-se somente em marcadores que podem ser alvos de preconceitos e criação de estereótipos. Segundo Canen (2003) os métodos para a afirmação dessas identidades passam por inúmeras etapas desde a perspectiva assimiladora, na qual a busca pela aceitação passa pela aspiração de desfazer as diferenças, passando pela perspectiva de resistência, em que com a denúncia dos preconceitos e dos estereótipos cria-se espaços de luta a fim de superá-los, até a identidade de projeto, onde novos pontos de vistas são compreendidos para que essas identidades possam ser reconhecidas e agregadas nos espaços comuns de representação identitária. Mas o que é identidade negra? Como podemos defini-la? E o que é ser negro? Nas pesquisas feitas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (as pesquisas feitas pelo IBGE se tornaram aceitas em 1991) é utilizado a cor de pele para falar sobre raça e elas são classificadas em cinco cores: branca, amarela, parda, preta e indígena, assim, guiando a identidade racial. No entanto, o conceito de raça vai muito além da cor de pele, segundo a concepção fenotípica, a raça é definida por todas as características que representa o corpo humano, nos povos negros é ainda mais comum como textura do cabelo, formato do nariz, entre outros. Mesmo com características exclusivas entre as 24 pessoas negras, dizer que existem raças (branco e negro) entre os seres humanos é um engano, já que podemos constatar a semelhança genética que há entre os seres humanos. Para muitos autores o conceito raça ainda é amplamente usado e aceitável, pois é por meio desse conceito que se “naturaliza” o preconceito racial ou racismo, este, consequência da construção social, ignorando qualquer embasamento científico corroborado. Os movimentos antirracistas buscam pôr fim a essa “naturalização” identitária e fazer do racismo o protagonista das lutas pela execução da identidade negra. Vale ressaltar que no final dos anos 1970 o Movimento Negro Unificado (MNU), referiu-se ao termo “raça” como uma construção social que agrega em si características físicas (que são identificadas culturalmente) e dados culturais, modificando as primeiras concepções do conceito. Em seu trabalho Canen (2003) cita D’Adesky (2001) que escreveu sobre a existência de duas perspectivas que estimula esses movimentos: Uma universalista, em que o anti-racismo pelitea a integração igualitária dos negros na cultura hegemônica dominada pelos brancos, sem considerar suas especificidades raciais, culturais, históricas, passadas e presentes, “baseando-se somente na humanidade abstrata do individualismo universal” (Ibid., p. 15 apud CANEN, 2003). No outro pólo, encontra-se o que o referido autor chama de anti-racismo diferencialista, que mantém um discurso de denúncia, indicando os problemas do anti-racismo universalista que, no seu entender, contribuiria para a diluição das singularidades da identidade negra, ao propor sua integração. - (CANEN, 2003, p. 53). Essas duas manifestações estão vigentes nas discussões sobre a identidade negra: uma de caráter universalista, buscando colocar fim a hierarquização racial e procurando a igualdade de condição dos povos cujo a sua identidade é marginalizada; a outro, diferencialista, que ata o sujeito a um grupo racial e cultural (CANEN, 2003). Apesar das duas perspectivas mostradas, é errôneo definir um sujeito somente por sua cor de pele, visto que, o Brasil é um dos países com maior índice de miscigenação. 25 3.1 A escravidão e os seus impactos no Brasil atual É impossível falar sobre a população negra no Brasil atual sem delinear a sua trajetória na história da humanidade. Entretanto, uma porção dos conhecimentos que obtivemos sobre os povos africanos vem de uma perspectiva europeia, que por meio das pessoas que visitavam o continente traziam consigo uma compreensão sobre o território a partir das suas concepções culturais. Não há um recorte da história humana no qual se mostra onde originou-se o racismo na sociedade. Entretanto, o racismo no Brasil gerou-se a partir do momento da chegada dos europeus no território brasileiro, na busca por ouro e mão de obra barata dos nativos que aqui habitavam, e logo em seguida na ancorada dos navios negreiros, conhecidos como tumbeiros, que traziam de maneira forçada homens, mulheres e crianças da África para trabalhar nas terras da colônia portuguesa. Computa-se que entre os séculos XVI e XIX mais de 11 milhões de africanos foram transportados para as Américas, houve um momento da história do Brasil em que o número de pessoas escravizadas era maior do que o número de pessoas livres, oriundos de diversos países do continente africano. Nos porões dos navios negreiros essas pessoas eram submetidas a tortura do começo da trajetória, iniciando nos portos da África, até a chegada aos portos dos litorais brasileiros, alimentados durante 30 a 50 dias meramente com azeite e milho cozido (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006). Por muito tempo a escravidão foi apontada como um “grande milagre”, pois só indo para as Américas os negros poderiam ter alguma salvação. E por meio dessa atividade forçada que as metrópoles europeias exploraram o território e as riquezas do Brasil, colonizando-o (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006). A retirada do decoro dessas pessoas escravizadas não se limitou ao aprisionamento nas embarcações negreiras, já que a chegada ao Brasil proporcionou a elas um novo motivo para dor e sofrimento. Chegando às cidades litorâneas brasileiras os negros eram vendidos e distribuídos em vilas distantes dos portos. Por diversas pessoas trazidas de várias partes da África estarem presente na mesma fazenda, os indivíduos escravizados entenderam que para sobreviver aquele 26 novo mundo seria necessário um elo de apreço por aqueles que compartilhavam da mesma angústia. Mesmo após a proibição dos navios negreiros em 1845 pela marinha britânica, o comércio de pessoas perdurou por mais cinco anos, e somente em 1850 que os deputados brasileiros, por pressão britânica e por medo de revoltas devido à grande quantidade de pessoas escravizadas que entraram no país na época, banir categoricamente o tráfico negreiro. Contudo, a população cativa cresceu em grandes proporções atingindo altos valores no mercado, e consequentemente o número de negros que eram escravizados ficou centralizado em um grupo pequeno de afortunados. Ainda que os negreiros tivessem sido abolidos, o tráfico interno de pessoas escravizadas teve uma grande expansão, calcula-se que cerca de 200 mil pessoas foram transpostas para o sudeste do país, por causa das fazendas de café. Assim, esses sofreram as mesmas condições de escravatura dos seus genitores, visto que, precisavam, longe da família, adequar-se às novas exigências impostas pelos novos senhores (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006). Deste modo, não haveria o progresso diverso do Brasil sem o negro escravizado. Todavia, mesmo com a grande contribuição dos povos negros na construção da cultura brasileira e, literalmente, na edificação do país, ainda no atual momento do Brasil pode ser visto os olhares tortos e ambíguo em torno das pessoas negras, isto é, “ser negro, é, essencialmente, um posicionamento político, onde se assume a identidade racial negra” segundo Oliveira (2004). Ainda hoje podemos ver os impactos da escravidão no cotidiano das pessoas negras, a exclusão no mercado de trabalho é uma consequência que vem se arrastando até a atualidade. Durante a época da escravatura alegavam que os povos recém-libertos não possuíam experiência, porém, ironicamente, ninguém possuía experiência já que os trabalhos haviam acabado de serem criados. Segundo dados do IBGE de 2019, os negros (esse grupo é representado por pretos e pardos) ocupam a maioria quando as categorias são população desocupada e subutilizada (quando o trabalhador trabalha menos do que gostaria ou não trabalha), na categoria de pessoas desocupadas os pretos e os pardos são 64, 2 % enquanto os 27 brancos são 34,6% e na categoria de pessoas subutilizadas, negros e pardos são 66,1% e os brancos são 32,7%. Outro impacto da escravidão pode ser observado no setor da saúde. Durante toda a história do Brasil os governantes ignoraram a saúde das pessoas negras, seja nos portos para embarcarem nos navios negreiros ou nos dias mais atuais, a péssima qualidade de vida é fruto da ausência de uma educação de qualidade, emprego estável, boa alimentação e moradia digna, fatores, os quais implicam de forma direta e indiretamente na saúde das pessoas. A falta de políticas públicas faz com que os povos negros estejam a mercê de doenças como cânceres e miomas; anemia falciforme e ferropriva; hipertensão arterial; desidrogenasse; alcoolismo; diabete; deficiência de glicose-6-fosfato; toxicomania; desnutrição; mortalidade infantil elevada; abortos sépticos; DST/ AIDS, DORT/LER, relacionadas ao trabalho; transtornos mentais; coronariopatias; insuficiência renal crônica; entre outros, de acordo com Fagundes (2006). Assim, percebemos a vulnerabilidade dessas pessoas que são levadas a óbito, mesmo quando há chances de tratamento para muitas dessas doenças, Fagundes (2006) cita que, Todas essas patologias não demonstram uma fraqueza do povo negro, mas sim uma particularidade. A sanidade ou enfermidade das pessoas é algo complexo e está relacionada a vários fatores, entre eles a questão do meio ambiente físico, social, político e cultural, relacionando-se todos com as condições biológicas de cada ser humano. - (FAGUNDES, 2006, p. 15) Recentemente, com a pandemia do COVID 19 podemos ver esse impacto com mais nitidez. Com base em uma matéria feita pela CNN Brasil em junho de 2020, escrita por Diego Viñas, Pedro Duran e Júlia Carvalho, a chance de uma pessoa negra morrer por causa do Coronavírus é 38% maior do que as pessoas brancas. Segundo um trabalho feito pela pesquisadora Vera Cristina de Souza (2002), as mulheres negras têm ainda 41,6% de chances de adquirir um mioma, enquanto as mulheres brancas possuem apenas 22, 9%. Baseado nas informações mostradas observamos a predominância e os índices elevados de algumas patologias nos povos negros, evidenciando a falta de 28 políticas públicas focadas para eles, de acordo com Fagundes (2006) tudo isso se deve à ausência de iniciativas positivas por parte do governo que poderiam ter transformado esse cenário. No âmbito da habitação o negro sempre teve seus direitos arrancados tanto pelo Governo brasileiro quanto pelos imigrantes europeus, de acordo com Fagundes (2006), a Lei de Terras (lei que permitia ter terras somente para aqueles que as comprassem) foi somente aplicada aos povos negros que com alguns pedaços de terra conseguiam formar um novo tipo de organização social, denominadas quilombos. Com a lei entrando em vigor muitos negros livres tiveram que continuar trabalhando nas fazendas, como escravos, entretanto, a lei não foi aplicada para imigrantes europeus e muitos deles foram beneficiados pelo governo brasileiro com sementes, dinheiro e grandes pedaços de terras. Com isso, podemos ver que a Lei de Terras tinha o propósito de tirar a possibilidade de ascensão econômica dos povos negros e a mesma buscava embranquecer o país com a vinda em massa de povos da Europa. Assim, só existiam duas opções para os povos negros livres: ir para as grandes cidades, que ainda estavam sendo construídas, ou ir para o campo para que pudessem construir terras quilombolas. Os negros que foram para as cidades se instalaram na baixada Fluminense e na Cidade de Deus, no Rio de Janeiro, já em São Paulo eles se instalaram na Favela Heliópolis e bairros da Zona Leste. Hoje, estão agrupados em habitações como CDHU’s e Cingapuras, tornando esses locais a única opção para aqueles que foram deixados à mercê da sorte (FAGUNDES, 2006). No quesito educação o Brasil não percebeu as consequências de haver um número considerável de pessoas sem os conhecimentos básicos, esse fato pode ser evidenciado na primeira Constituição do país, que possuía um conjunto de leis que impedia o acesso de pessoas negras às instituições educativas. O que pode ser justificado pelo fato das pessoas de grande importância saberem do poder da educação e da sua grande relevância na transformação social, cultural, política e econômica, por isso, a exclusão planeja dos negros da esfera educacional. Mesmo que esse decreto tenha sido revogado com a proclamação da República, ainda hoje vemos o impacto dela. 29 Nos bairros mais periféricos das cidades do Brasil até hoje podemos notar a exclusão desses povos. Crianças de 4 a 7 anos ainda têm dificuldade de conseguir vagas nas escolas e creches, mostrando que a falta de investimento muitas vezes acontece em bairros em que a população é majoritariamente negra. Já no ensino superior, Fagundes (2006) mostra que: [...] é o gargalo para o acesso de negros e pobres, podemos analisar o processo de educação dos negros sob duas óticas. A primeira é a inversão de valores, ou seja, os alunos que estudam a vida toda nas escolas públicas das periferias saem do ensino médio sem perspectiva alguma, e os poucos que conseguem perceber que a continuidade nos estudos será um fator decisivo para sua ascensão vão para as universidades particulares. Há assim uma inversão de valores, ou seja, os negros e pobres pagam as universidades particulares, enquanto os ricos estudam nas universidades públicas. - (FAGUNDES, 2006, p. 18) Um ponto que deve ser analisado é o vestibular que é usado para privilegiar alguns e desfavorecer outros, já que apenas aqueles que dispõem de uma educação de qualidade no Ensino Básico conseguem entrar em uma universidade de prestígio. Logo, mesmo que inconscientemente, o Brasil vive no sistema da primeira Constituição. 3.2 Representatividade negra na Internet e nas escolas A representatividade é um tema bastante amplo e que vem sendo decodificado nos últimos anos. A representatividade busca acabar com estereótipos e preconceitos que foram construídos ao longo da história e ainda são recorrentes hoje, desprezando o conteúdo da população negra (FONTES et al., 2020). Partindo das informações trazidas anteriormente percebemos como a escravidão excluiu as pessoas negras de diversos espaços da sociedade brasileira e como a história dos negros no Brasil permitiu que hoje algumas pessoas acreditem na democracia racial, pois é no contexto da colonização que é gerado a produção do negro (antes havia somente africanos de diversas localidades da África) e construído também as perspectivas de inferiorização que foi dado a essas pessoas. 30 Deste modo, tornar-se branco era o sonho das pessoas negras naquela época já que somente sendo branco o homem negro podia ser considerado humano, visto que, no Humanismo quem era considerado humano era o homem europeu, o homem branco. Por meio dessa imposição de beleza para que houvesse a humanização dessas pessoas era necessário ser branco, levando o negro a repudiar suas características físicas, como nos remete Malafaia (2018). Isto é, foi essencial inferiorizar uma etnia para que houvesse a dominação dessa, privilegiando alguns e servindo de dispositivo para a exclusão, segregação, dominação e opressão de outros. A concepção sobre a superioridade branca foi “validada” pela ciência e por meio dela a política de embranquecimento e do eurocentrismo foram vistas de forma conveniente para o progresso do Brasil. Houve muitas estratégias para que acontecesse o branqueamento da população brasileira desde a mestiçagem, que foi realizada através dos estupros de milhares de mulheres africanas e indígenas, até a destruição das características culturais e físicas dos povos escravizados (MALAFAIA, 2018). Assim, o sujeito que tiver mais semelhanças com o padrão de beleza europeu é aceito com mais veemência pela população brasileira. É por meio desse pensamento que as pessoas negras que possuem a pele mais clara, muitas vezes, são desconsideradas negras. Entretanto, negros de pele clara existem e sofrem com o racismo direta ou indiretamente também. Devido a miscigenação, resultando no colorismo, as tonalidades da cor negra são diversas, possibilitando a sociedade crer na “democracia racial”, visto que, negros com pele clara tem a oportunidade de praticar o mimetismo, que segundo a área biológica é quando um indivíduo se iguala de forma física e/ou comportamental a outra espécie com o objetivo de proteger-se do seu predador. A miscigenação faz parte de um ideal de embranquecimento da população brasileira e da segregação dos povos negros, oriunda de estupros de mulheres indígenas e africanas escravizadas, que nos evidencia a dupla opressão que sofriam: racial e sexual, o corpo da mulher negra escravizada é um exemplo da dominação do corpo da mulher. A instituição física da mulher negra era vista apenas como desejo sexual para homens brancos, sendo incapaz que esses mesmos homens consolidassem com elas um relacionamento sério. Enquanto o corpo da 31 mulher negra era utilizado como objeto sexual, o corpo da mulher branca era canonizado (CRUZ; MARTINS, 2018). Por esses motivos apresentados, entendemos que se assumir como uma pessoa negra é um processo doloroso e que precisa passar por diversos obstáculos. A maioria dos modelos de pessoas negras são mostrados de maneira negativa, afetando significativamente na criação da identidade das crianças negras. É estarrecedor pensar que para haver a construção da identidade dessas crianças de cor é necessário o auxílio da apresentação incansável de imagens positivas, enquanto no caso das crianças brancas, esse movimento não é necessário, dado que a todo o momento essas imagens são encontradas naturalmente e demasiadamente pela sociedade. Um exemplo dessa naturalização são as pesquisas de imagem no Google. Figura 6: Exemplo de normalização do branco. Fonte: GOOGLE © IMAGENS, 2021. A imagem acima mostra como esse padrão de beleza é concretizado no cotidiano das pessoas e como ele é internalizado pelos sujeitos. Ao digitar “maquiagem” na barra de pesquisa do Google é apresentado para o público diversas maquiagens para pessoas brancas. Por outro lado, temos a imagem abaixo que mostra a necessidade da sociedade e da mídia de reafirmar a negritude das pessoas, mostrando que ser negro é anormal, reafirmando para a população, de inúmeras maneiras, a 32 normalização do padrão de beleza branco e eurocêntrico e colocando a população negra em um lugar de inferioridade. Na imagem a seguir digitamos na barra de pesquisa do Google “maquiagem para pessoas negras”, apenas dessa maneira foi apresentado maquiagens para pessoas de cor. Figura 7: Exemplo de pesquisa para encontrar maquiagens para pessoas negras. Fonte: GOOGLE © IMAGENS, 2021. Para Souza (1983 apud MALAFAIA, 2018) é indispensável uma referência sublime (ou quase) para que o indivíduo possa se constituir e se identificar. Logo, a necessidade de uma figura identitária positiva durante a fase do desenvolvimento escolar é de extrema importância. De acordo com Malafaia (2018) a existência de modelos positivos em diversos grupos sociais é incontestável, entretanto, alguns são mais evidenciados do que outros, passando a serem considerados a realidade de um grupo. Na sociedade brasileira, e em outras mais, essas representações foram construídas mediante o olhar eurocêntrico, que produziu sentidos do que é e não é o “normal”. Este aspecto peculiar como observamos, produz novos sentidos e consequências na sociedade e no processo identitário das crianças. - (MALAFAIA, 2018, p. 11). Nesse sentido, a escola deveria facilitar o acesso a modelos de identitários positivos para as crianças negras, atentando-se aos modelos de beleza e de vida que estão sendo apresentados aos alunos. 33 Pensando que a identidade negra é construída em diversos espaços da sociedade, sendo eles institucionais ou não, e que a escola é um desses espaços, por que o ambiente escolar muitas vezes torna-se nocivo para a formação da identidade negra? Além da ausência de modelos de representatividade negra positiva e a perpetuação do padrão de beleza branco, tanto na escola como em outros espaços da sociedade, a falta de formação dos docentes nas questões da diversidade étnica-cultural são responsáveis pela baixa autoestima e negação da identidade negra nos jovens negros. Os professores trabalham cotidianamente com o seu próprio corpo. O ato de educar envolve uma exposição física e mental diária. Porém, ao mesmo tempo em que se expõem, os educadores também lidam com o corpo de seus alunos e de seus colegas. Esses corpos são tocados, sentidos. A relação pedagógica não se desenvolve só por meio da lógica da razão científica, mas, também, pelo toque, pela visão, pelos odores, pelos sabores, pela escuta. Estar dentro de uma sala de aula significa colocar a postos, na interação com o outro, todos os nossos sentidos - (GOMES, 2003, p. 173). Para Gomes (2003) o crescimento atual das representações negras, mesmo que ainda pequenas, se deve aos movimentos negros e as famílias, que buscam preservar as origens africanas, que lutam para combater o racismo dentro das instituições de ensino. A pressão feita por esses grupos possibilitou que as pessoas negras ocupassem espaços em que até então não havia a presença, significativa, delas. Algumas áreas do mercado de trabalho, da publicidade e, principalmente, da Internet são espaços em que vemos a presença, considerável, de representatividade negra. Ainda que haja o aumento de modelos identitários positivos negros, não podemos nos contentar e parar de lutar para que os nossos jovens negros se sintam cada vez mais representados e ocupando lugares que foram negados a esses durante muito tempo. 34 4. A ESTRUTURA DAS REDES SOCIAIS É perceptível os impactos positivos que o mundo teve devido à internet e suas ferramentas, atualmente, as relações virtuais são totalmente importantes para a criação de laços, já que uma quantidade considerável de pessoas está conectada às redes sociais. Entretanto, para Recuero (2005) as redes sociais devem ser entendidas como a junção de dois componentes: os autores, pessoas, grupos ou instituições; e suas conexões, compreendida como os vínculos e o relacionamento social que os indivíduos têm por meio da interação social. Assim, dois elementos são fundamentais nas redes sociais, sendo eles: padrão de organização e a estrutura. O primeiro, biologicamente explicando, é “a configuração das relações entre os componentes do sistema que determinam as características essenciais desse sistema” (MATURANA; VARELA apud RECUERO, 2005), envolvendo o estudo de um padrão o “mapeamento abstrato das relações”, relacionado com a qualidade, aparência e a ordem de um determinado sistema. Podemos então compreender que este elemento é constituído pela interação social que constrói as relações desse grupo. E essa interação, permanentemente, será um desenvolvimento de comunicação, passando a ser uma troca de mensagens entre sujeitos, fazendo com que os sujeitos e as mensagens trocadas sejam fundamentais na interação social. Desse modo, a interação terá sempre uma natureza social e será relacionada ao avanço da comunicação (RECUERO, 2005). Na internet não é diferente, pois através de uma interação mútua (a qual, se dá através de uma relação de interdependentes e de processos de negociação, onde cada sujeito atua na construção da imaginação e da cooperação na relação, tornando-se mutuamente afetado) e não reativa (interação que é limitada a necessidade de relações deterministas de estímulos e respostas), pode-se propiciar relações sociais complexas. É por meio das interações entre sujeitos que consequentemente haverá o desenvolvimento social de inúmeros grupos da sociedade, assim, os conflitos também são fundamentais para esse desenvolvimento. Outro ponto que Recuero (2005) se atenta são as particularidades da interação social na Internet, sendo elas: 35 a. Diferenciação do virtual settlement e a rede social: frequentemente, vemos pessoas descrevendo os sites e chats como um grupo social, entretanto, esses elementos são o suporte para que haja a interação entre os sujeitos. O virtual settlement, o suporte, é divergente da rede social que o usa; b. Anonimato: devido a distância entre os indivíduos na interação social, atributo da comunicação pelo computador, as pessoas não são diferenciadas rapidamente e podem continuar assim se desejarem. Entretanto, através de alguns meios, relacionar o apelido ou analisar algumas características particulares da escrita das pessoas, podem ser utilizados para revelar a face de certos sujeitos; c. Permanência: o ponto positivo (e ao mesmo tempo negativo) da comunicação pela Internet é que elas duram por mais tempo, visto que, as informações dadas aos sites e chats ficam registradas em servidores, em sites e entre outros. 4.1 A rede social na Internet O termo “rede” originou-se do latim retis, o “entrelaçamento de fios com fendas regulares que formam uma espécie de tecidos” segundo Piza (2012). Partindo do entendimento de “entrelaçamento”, o termo “rede” ganhou novos significados ao longo dos anos, sobretudo, para falar sobre relações que se ligam. Para Piza (2012), há cerca de um século o termo passou a ser usado para “designar um conjunto complexo de relações entre membros de um sistema social em diferentes esferas, desde interpessoal à global”. Todavia, somente com J. A. Barnes, em 1954, o uso da expressão passou a ser usada de forma sistemática para explicar os laços criados socialmente e dessa forma, introduziu conceitos comuns pela sociedade e cientistas sociais, por exemplo: grupos bem definidos e categorias sociais, sendo eles, respectivamente, famílias e grupos étnicos. Assim, o termo “rede social” é empregado para reconstruir os processos de interação dos sujeitos e as afiliações deles com determinados grupos, partindo das 36 conexões interpessoais que são construídas no dia a dia, ou seja, o termo é usado como instrumento de análise para a ciências sociais. O Instagram além de representar um grande avanço da tecnologia, também é responsável pelos diversos significados dado ao termo “rede” na atualidade. Hoje, no espaço da Internet, o termo “rede social” é usado para especificar qualquer tipo de relacionamento social e/ou sociabilidade virtual que são distinguidas pelos seus propósitos e ações; dessa forma, existindo inúmeras “comunidades virtuais” (novos grupos sociais no contexto da Internet) e sites de redes sociais, Social Networks Sites-SNSes, ambos construídos e fortalecidos no ambiente virtual (PIZA, 2012). Segundo Castells, com o advento da Internet, surge a necessidade de se redefinir o conceito de comunidade, dando menos ênfase ao aspecto cultural e enfatizando a comunidade como um apoio à existência social de e entre indivíduos. Juntamente com a rede, a noção de “comunidade virtual” aparece como novo suporte para a sociabilidade - (PIZA, 2012, p. 20). As comunidades virtuais são as relações criadas pelos indivíduos a partir de um aparelho tecnológico, que na maioria das vezes está conectado a uma fonte de Internet. Um fator importante é a geografia, visto que, a obrigação de estar presente para que ocorra a interação, na atualidade, pode ser dispensável. Assim sendo, a relação entre os sujeitos torna-se expansiva e caracteriza numerosas formas de estipular laços com os indivíduos. Piza (2012) afirma que muitos autores que trabalham com essa temática, desenvolvem trabalhos com perspectivas de laços fortes e laços fracos. A estrutura da rede social ocorre por causa dos laços sociais que são criados. Para Recuero (2005): O conceito de laço social passa pela ideia de interação social, sendo denominado laço relacional, em contraposição ao laço associativo, aquele relacionado unicamente ao pertencer (a algum lugar, por exemplo). Os laços associativos constituem-se em meras conexões formais, que independem de ato de vontade do indivíduo, bem como de custo e investimento. Esses laços associativos podem emergir da existência dos laços sociais, constituindo-se num pertencimento relativo à existência de um grupo social mais denso, mas podem também não ser resultado de nenhuma interação social e nem representar a conexão de um indivíduo com um grupo, mas sendo um mero reconhecimento formal da existência de um vínculo material 37 entre um indivíduo e, digamos, um país. Neste sentido, não interferem na estrutura social, tratando-se, simplesmente, de uma classificação. Por conta disso, esses laços não serão considerados sociais, mas serão levados em conta por sua característica formal de agregação - (RECUERO, 2005, p. 8). Segundo Recuero (2005), o laço social pode ser caracterizado como fraco e forte. O primeiro é caracterizado por relações em que a intimidade não é o principal fator ou a vicinalidade. Por outro lado, o laço forte é definido por três fatores que criam e mantêm a relação entre os sujeitos, sendo elas: aproximação, intimidade e intencionalidade. Os dois são responsáveis por colaborar na edificação da estrutura social, através das relações sociais, como pode ser visto. Ainda assim, os laços sociais podem ser considerados multiplexos, no qual, um mesmo grupo pode interagir no trabalho e ir em uma academia, juntos, por exemplo, ou seja, esse laço social é construído de inúmeras relações sociais. Mesmo com os comentários, curtidas e compartilhamentos feitos no Instagram, Piza (2012) acredita que esse laço não pode ser considerado forte, na medida que o único ponto de ligação entre os sujeitos é o aplicativo, em uma visão mais geral da rede. Contudo, mesmo que as relações sejam majoritariamente fracas no Instagram, laços fortes são construídos, muitas vezes viabilizando o encontro pessoal entre usuários, assim, os laços fracos e fortes tornam-se flexíveis e possibilitam a geração de novos laços. Ainda que o Instagram seja um aplicativo de fotografia, o compartilhamento de imagens faz com que os usuários tenham um interesse comum entre eles, mas essa relação não é construída inesperadamente, e sim a partir das interações em pequenas ações como curtir, comentar e favoritar a imagem de determinado usuário criando uma relação de confiança entre os sujeitos, se essas ações forem feitas de forma rotineira. Na Internet, devido à falta de informações que possibilitam conhecer a pessoa, os usuários julgam e são julgados com base em seus comentários, curtidas e fotos compartilhadas em seus perfis, por isso, é fundamental que os usuários das redes sociais coloquem informações sobre si, mesmo para que outros usuários possam criar afinidade com estes, criando uma individualidade própria. 38 Outra característica apontada por Piza (2012), é a quantidade de seguidores que o usuário possui, visto que, a valorização do usuário se dá por meio do número significativo de seguidores, trazendo prestígio para o perfil na comunidade virtual. Aqueles que conseguem alcançar um alto número de seguidores são destacados e tornam-se pessoas admiradas na comunidade. Existe uma constante dentro da comunidade virtual, que é o fator do “imperativo da visibilidade”, presente principalmente nos tempos atuais. Essa característica, presente entre o público e o privado para ser consequência do fenômeno globalizante, que transpira individualismo. É preciso ser “visto” para exigir nos espaços dos fluxos. É preciso constituir-se parte dessa sociedade em rede, apropriando-se do ciberespaço e constituindo um “eu” ali. -(RECUERO, 2006 apud PIZA, 2012, p. 24). Por meio da Internet a proliferação do individualismo em rede é ampliada, formando um novo tipo de sociabilidade através de sujeitos individuais que possuem interesses comuns, e que formam as comunidades. 4.2 Algoritmos curadores A chegada da Internet possibilitou que muitas pessoas tivessem acesso a um número excessivo de informações, entretanto, essas informações são disseminadas por diferentes fontes e são apresentadas de maneira diversa para muitos gostos; assim, criando sujeitos com alto acúmulo de informações e fatos, mas sem capacidade de gerar um posicionamento crítico e intrínseco sobre um determinado fato. Ou seja, fazendo desses indivíduos ocupantes da era pós-moderna (CORRÊA; BERTOCCHI, 2012). Partindo do acesso excessivo de informações, houve a necessidade da curadoria nas redes sociais. No contexto fora da internet a curadoria, etimologicamente falando, é a ação de curar, de atentar-se e de zelar por algo; esse conceito surgiu a partir dos campos do Direito e das ordens monásticas, porém, com o processo de desenvolvimento social o termo também começou a ser usado em museus, no campo da arte e dos acervos (CORRÊA; BERTOCCHI, 2012). 39 No âmbito digital a curadoria passou a ser usada para a organização de dados por meio de recortes e especificações, a “curadoria da informação”. Para isso, foram criados os algoritmos curadores. Corrêa e Bertocchi (2012) citam sobre os algoritmos que: Trata-se de um passo a passo computacional, um código de programação, executado numa dada periodicidade e com um esforço definido. O conceito de algoritmo permite pensá-lo como um procedimento que pode ser executado não apenas por máquinas, mas ainda por homens, ampliando seu potencial de acuidade associada à personalização. - (CORRÊA E BERTOCCHI, 2012, p. 07) Os algoritmos, antes criados pelo Facebook e agora utilizados pelo Instagram, buscam classificar de forma automática os conteúdos que são relevantes ou não para os usuários da plataforma. Ao criar um perfil na rede social, a política do aplicativo é mostrada junto com o termo de uso desta e nela podemos ver os dados que são obtidos por eles a partir do momento que você “lê e concorda” com os termos e com a política da empresa, ou seja, fica acordado entre o usuário e a plataforma a coleta e o uso de: [...] informações sobre as pessoas, Páginas, contas, hashtags e grupos com que você se conecta e sobre como você interage com eles em nossos Produtos, por exemplo, as pessoas com quem você mais se comunica ou os grupos dos quais você faz parte. Também coletamos informações de contato se você optar por carregar, sincronizar ou importá-las de um dispositivo (como uma agenda de contatos, registro de chamadas ou histórico de SMS), que usamos para ações como ajudar você e outras pessoas a encontrar pessoas que talvez vocês conheçam e para as outras finalidades […] - (POLÍTICA DO FACEBOOK ©, 2021). E assim, [...] coletamos informações de e sobre computadores, telefones, TVs conectadas e outros dispositivos conectados à Web que você usa e que se integram aos nossos Produtos, e combinamos essas informações dos diferentes dispositivos que você utiliza. Por exemplo, usamos as informações coletadas sobre seu uso de nossos Produtos em seu telefone para personalizar melhor o conteúdo (inclusive anúncios) ou os recursos que você vê quando usa nossos Produtos em outro dispositivo, como seu laptop ou tablet, ou para https://www.facebook.com/help/282489752085908?ref=dp https://help.instagram.com/351460621611097?ref=dp https://www.facebook.com/help/561688620598358?ref=dp https://www.facebook.com/help/561688620598358?ref=dp 40 avaliar se você, em resposta a um anúncio que exibimos em seu telefone, realizou uma ação em um dispositivo diferente - (POLÍTICA DO FACEBOOK ©, 2021). Levando para cada sujeito que utiliza as redes sociais um conjunto de elementos que são julgados como apetecíveis de ser visto e descoberto, excluindo qualquer conteúdo classificado como indesejável (FREITAS; BORGES; RIOS, 2016). E dessa maneira criando, literalmente, uma revista com somente conteúdos pertinentes para cada usuário. Um exemplo do uso dos algoritmos é quando pesquisamos determinado produto ou assunto na barra de pesquisa do Google e a partir dessa pesquisa, muitos anúncios continuam sendo mostrados mesmo com a finalização dessa e, normalmente, esses anúncios aparecem nos feeds das nossas redes sociais, como Facebook e Instagram. No documentário “O dilema das redes” de 2020, dirigido por Jeff Orlowski e distribuído pela Netflix, mostra bem o perigo desses algoritmos nas nossas vidas. Sandy Parakilas, um dos convidados que fazem parte do documentário, é ex gerente de operações do Facebook e diz que: Todos os dados que são recolhidos durante o nosso acesso à Internet, estão sendo usados para alimentar sistemas sem quase nenhuma supervisão humana e que fazem previsões cada vez melhores sobre o que vamos fazer e ser. - (SANDY PARAKILAS, 2020, em “O Dilema das Redes”). O documentário é fundamental para nos mostrar como as redes sociais influenciam nas nossas escolhas no cotidiano e como grandes empresas lucram com a nossa nova maneira de obter informações. O teórico Pariser (2011 apud FREITAS; BORGES; RIOS, 2016) intitula a ação do algoritmo de “filtro-bolha”. Visto que, com a filtragem das informações, esse mecanismo cria uma “bolha” para cada indivíduo, alterando sua percepção da realidade. Essas bolhas podem ter seu lado positivo assim como também podem ter o seu lado negativo. Na perspectiva negativa a bolha pode oferecer ao usuário a sensação de solidão, uma vez que há um desmembramento das informações, e o excesso delas 41 na vida dos usuários, e como vivemos em uma época em que as informações que são compartilhadas ajudam a criar uma experiência partilhada, a bolha faz com que nos separamos cada vez mais das pessoas. Antes existia outra problemática, o atributo invisível dessa bolha, pois é certo que existe uma filtragem das informações, entretanto, não era mostrado de forma específica como era feito. Contudo, essa controvérsia pode ser respondida a partir do documentário da Netflix, o qual mostra de forma compreensível como é feito o processo de filtragem. O último ponto negativo, apontado por Freitas, Borges e Rios (2016), é o fato de que com os algoritmos no Instagram, as postagens feitas pelos usuários não aparecem de forma cronológica e sim, a partir da relevância da imagem. Ou seja, por meio das interações que são feitas na imagem, através de curtidas e comentários, a postagem é mostrada com destaque. Como vemos nas imagens, que estão de acordo com a rolagem, a seguir. Figura 8: Imagem postada há 16 horas. Fonte: INSTAGRAM ©, 2021. 42 Figura 9: Imagem postada há 20 horas. Fonte: INSTAGRAM ©, 2021. Figura 10: Imagem postada há 14 horas. Fonte: INSTAGRAM ©, 2021. 43 As postagens foram feitas, respectivamente, há 16 horas, 20 horas e 14 minutos, isto é, de acordo com a relevância do conteúdo em conjunto com o filtro de temporalidade. Todavia, para os teóricos Freitas, Borges e Rios (2016) o sistema de algoritmos apresenta vantagens, sendo elas, a filtragem do acúmulo de informações, de fotos e vídeos que aparecem no Instagram, exibindo de forma preliminar aquelas que é fundamental ver, conhecer e ouvir; e impossibilitando um “colapso da atenção”, já que com a grande quantidade de informações, fica fácil os usuários perderem a atenção. Entretanto, ao mesmo tempo que o Instagram proporciona a visualização daquilo que eles julgam como relevante e familiar para o usuário, a rede social impossibilita a visualização de conteúdos diferentes, novos e que estão “longe da pessoa”, afastando também as pessoas com as ais o usuário não interage frequentemente. Dessa forma, faz com que haja danos na hora de tomar decisões, “devido a esse fenômeno, a tendência é que as redes sociais confirmem o que pensamos e não nos contradiga, criando, assim, uma bolha” como afirmam Freitas, Borges e Rios (2016). Outra desvantagem citada pelos autores é a carência de criatividade daqueles que utilizam a rede social, pois, assim como foi dito anteriormente, o Instagram impossibilita o contato com o novo, impedindo a estimulação de novas descobertas. 44 5. OS REFLEXOS DO INSTAGRAM NA EDUCAÇÃO Nas escolas o ensino-aprendizagem só pode ser desenvolvido com êxito, caso o sujeito esteja com a autoestima e a autoimagem elevada, entretanto, ao viver em uma sociedade influenciada pela mídia a construção do seu ensino-aprendizagem encontra-se prejudicado, já que essa mídia é responsável por ditar o padrão de beleza e classificar os corpos, lesando a autoestima e a autoimagem do ser humano. Antes do surgimento do Instagram o padrão de beleza já era promovido por outro meio de comunicação: a televisão, a qual através dos seus conteúdos promovia a construção e o estabelecimento dos padrões de beleza, que deviam ser esperados pela sociedade. Esses padrões podem ser vistos nos atores que são escalados para serem os galãs das novelas, e que muitas vezes representam o modelo europeu de belo, mostrando, desse modo, como a sociedade beneficia e exclui alguns grupos e, assim, estabelece e torna intrínseco um conceito ideal de beleza na população brasileira (SANTOS, 2015). Segundo Silva (2019), o motivo da ausência de representatividade negra na televisão, se deve à falta de profissionais capacitados para assumir os papéis de protagonistas, entretanto, nos teatros vemos uma grande quantidade de pessoas negras nos palcos participando de forma ativa nas peças teatrais. Adorno e Horkheimer (1985) afirmam que os meios de comunicação de massa impõem padronização, e uma das táticas utilizadas para que as pessoas sigam os modelos é utilizar estereótipos. Laswell (2006 apud WOLF, 2006), em uma de suas premissas, sustenta que a comunicação na mídia é intencional e orientada para obter um efeito nos indivíduos. Segundo Santos e Serra (2003), o poder da mídia está em produzir sentidos, projetá-los e legitimá-los - (GOMES; ARRAZOLA, 2016, p. 5). Hoje, com a popularidade do Instagram, vemos esse padrão de beleza sendo construído através dos influenciadores digitais que ditam o modelo ideal de beleza, mesmo que inconscientemente, para os seus seguidores, a maior parte deles, seguidores brancos, heterossexuais e cristãos. 45 Por esse motivo, ter homens e mulheres negras no papel de influenciador nas mídias sociais é de forte importância, para que a ausência do enaltecimento da beleza negra e a construção do padrão branco como belo sejam suprimidos. Desconstruindo a percepção de beleza europeia. Ao fazer uma análise nos espaços virtuais, Silvia (2019) constatou a presença massiva de seguidores negros que se identificam, se descobrem e reforçam a luta pela resistência e existência; e assim, expandem a discussão racial e esforçam-se para combater o racismo estrutural, que ultrapassa o espaço institucional e torna-se a essência da sociedade, mantendo, reproduzindo e recriando desigualdades e privilégios, perpetuando o atual estado do racismo na sociedade. Com base nos dados apresentados nos capítulos anteriores, entendemos que a identidade só é construída a partir da interação e do diálogo com o outro, com o diferente. Assim, para formar a identidade negra é necessário que haja modelos positivos de representatividade negra, todavia, esse processo é dificultado devido ao racismo que cria um binarismo identitário, “ser negro” e “ser branco”, inferiorizando o primeiro e enaltecendo o segundo. Já que o corpo passa a ser sinônimo de identidade, as diferenças entre eles justificam a hierarquização social vigente. Nas ideologias racistas o corpo é enxergado como forma de julgamento sobre o que somos e o que iremos nos tornar. Assim como o corpo, o cabelo também faz parte da criação da identidade, sobretudo, a negra. O cabelo é frequentemente motivo de inferiorização, todavia, ainda existem espaços na qual essa característica é valorizada e enaltecida como: salões étnicos, famílias que preservam as suas origens africanas, espaços de militância, ambientes de religião oriunda da África, entre outros. Para Gomes (2003), entretanto a escola não proporciona essa valorização do negro e de suas origens, infelizmente, e se a escola não oferece meios para produzir a identidade, através da representatividade, a Internet também se institui um ambiente que dificulta esse processo. Ainda que os negros representem 54,7% da população brasileira, segundo dados do IBGE de 2018, os negros não possuem grande representatividade no ambiente digital, principalmente, no Instagram. A internet, com seus influenciadores digitais, faz com que se crie uma ditadura da beleza racial, onde ser branco é 46 aceitável e desejável, perpetuando o padrão de beleza já tão conhecido pela sociedade, visto que, muitos criadores de conteúdo seguem esse modelo de beleza. No documentário “O dilema das redes” produzido pela Netflix em 2020, diversos profissionais de grandes plataformas digitais como: Google, Instagram, Facebook e Snapchat, mostram como a Internet está sendo responsável por diversos transtornos mentais nos jovens da atualidade, sobretudo, síndromes relacionadas à aparência. O termo “dismorfia do Snapchat" foi citado para descrever pessoas que buscam se parecer com os filtros encontrados no Snapchat e no Instagram, (essas duas redes sociais disponibilizam aos usuários filtros que possibilitam tirar rugas, mudar a cor dos olhos, dar volume nas sobrancelhas e outras mudanças estéticas). Todas essas possibilidades de mudanças físicas na Internet estão fazendo com que os jovens procurem cada vez mais especialistas em cirurgias plásticas para alcançar essas mudanças, deixando o espaço virtual e transformando-se em realidade, distorcendo a imagem que as pessoas têm de si mesmas. Percebemos aqui a influência que as redes sociais possuem nos jovens que estão expostos a elas, por isso, torna-se necessário discutir a representatividade na Internet dentro das salas de aula, para que assim os alunos consigam ter contato com o diferente, criem sua identidade, e constituam sua autoestima. Visto que, a identidade está em constante mudança devido ao seu contato com as diferenças, a partir da interação com o “outro”, o contato com influenciadores de distintas etnias é fundamental para que os jovens tenham inúmeros modelos de representatividade. Entre os meses de março e maio de 2018 o primeiro instituto de pesquisas online do Brasil, a QualiBest, desenvolveu uma pesquisa com o 4.283 pessoas de diversas classes sociais (ABC) entre 18 anos ou mais, buscando entender quem são e qual é o papel dos influenciadores digitais na vida desses brasileiros. Segundo os dados fornecidos na pesquisa, as mulheres usam mais o Instagram do que os homens, e 78% das pessoas que utilizam essa rede social são jovens até 29 anos. Outro dado importante da pesquisa é que as classes A e B fazem um uso maior do Instagram do que a classe C, que prefere o Linkedin, Twitter, SnapChat e Tumblr. 71% dos entrevistados seguem algum influenciador, a maioria 47 dos seguidores tem a faixa etária de até 19 anos e encontram-se nas classes sociais mais altas. As categorias são variadas, mas as mulheres seguem mais influenciadores que produzem conteúdo de beleza/moda (72%) e de saúde/fitness (52%), enquanto os homens seguem influenciadores das categorias de comédia/humor e jogos (67%). Uma grande porcentagem dos entrevistados cita que os influenciadores induzem eles a comprarem produtos de diferentes categorias. Durante a pesquisa foram identificados os maiores influencers entre os entrevistados, sendo eles: Figura 11: Perfil de Whindersson Nunes. Fonte: @whinderssonnunes – INSTAGRAM ©, 2021. Figura 12: Perfil de Bianca Andrade (Boca Rosa). Fonte: @bianca – INSTAGRAM ©, 2021. 48 Figura 13: Perfil de Hugo Gloss (Bruno Rocha). Fonte: @hugogloss– INSTAGRAM ©, 2021. Figura 14: Perfil de Gabriela Pugliesi. Fonte: @gabrielapugliesi – INSTAGRAM ©, 2021. Figura 15: Perfil de Neymar Jr. Fonte: @neymarjr – INSTAGRAM ©, 2021. 49 Figura 16: Perfil de Camila Coelho. Fonte: @camilacoelho – INSTAGRAM ©, 2021. As imagens acima mostram, respectivamente, os influenciadores digitais que mais foram citados no decorrer da pesquisa. O perfil do Hugo Gloss e da Boca Rosa ocupam a mesma posição, em segundo lugar. O perfil do jogador Neymar Jr. e o perfil da Camila Coelho também ocupam o mesmo lugar, na quarta posição. Com isso, podemos identificar a presença de três negros entre os maiores influenciadores digitais, Whidersson Nunes, Hugo Gloss e Neymar Jr., que se igualam a presença de criadores de conteúdo brancos. Contudo, no decorrer da pesquisa percebemos que essa equivalência não é mantida. Neste trabalho focaremos somente nos influenciadores, e não em páginas, que estão em primeiro lugar em cada categoria. Eles são: Figura 17: Bianca Andrade/ Boca Rosa (@bianca). Beleza/Moda. Fonte: @bianca – INSTAGRAM ©, 2021. 50 Figura 18: Anitta (@anitta). Música. Fonte: @anitta – INSTAGRAM ©, 2021. Figura 11: Ana Maria Brogui (@brogui). Culinária. Fonte: @brogui – INSTAGRAM ©, 2021. Figura 12: Gabriela Pugliesi (@gabrielapugliesi). Saúde/Fitness. Fonte: @gabrielapugliesi – INSTAGRAM ©, 2021. 51 Figura 13: BRKsEDU- Pequenosapeca (@bkrsedu). Game/Jogos. Fonte: @brksedu – INSTAGRAM ©, 2021. Figura 14: Paulo Jubilut/ Biologia Total (@paulojubilut). Educação. Fonte: @paulojubilut – INSTAGRAM ©, 2021. Figura 15: Whindersson Nunes (@whinderssonnunes). Humor. Fonte: @whinderssonnunes – INSTAGRAM ©, 2021. 52 Figura 16: Padre Fábio de Melo (@pefabiodemelo). Religião. Fonte: @pefabiodemelo – INSTAGRAM ©, 2021. Figura 17: Neymar Jr.(@neymarjr). Esporte. Fonte: @neymarjr – INSTAGRAM ©, 2021. Figura 18: Maddu Magalhães (@maddumagalhaes). Decoração. Fonte: @maddumagalhaes – INSTAGRAM ©, 2021. 53 Figura 19: Hugo Gloss/ Bruno Rocha (@hugogloss/ @sirbruno). Entretenimento. Fonte: @hugogloss – INSTAGRAM ©, 2021. Nas imagens acima, observamos a grande presença de influenciadores brancos entre os mais populares durante a pesquisa realizada pela QualiBest. Vale ressaltar que esses influenciadores seguem nessa posição durante o ano de realização da pesquisa feita pelo instituto, 2018, podendo haver alterações nelas no decorrer dos anos. A presença de criadores de conteúdo negros é muito baixa comparando a quantidade de influenciadores digitais brancos, as pessoas negras são representadas por: Whindersson Nunes, Bruno Rocha, famoso por ser dono da página Hugo Gloss, e Neymar. Das onze categorias avaliadas, somente quatro possuem influenciadores negros entre os três primeiros mais citados pelos os entrevistados, provocando revolta entre os seguidores e influenciadores negros. Em seu perfil no Instagram, Spartakus Santiago (2019), youtuber e apresentador, manifestou sua indignação com a lista divulgada pelo site YouPix.com com base nos dados fornecidos pelo Instituto Qualibest. [...] ela (a lista) prova que nas redes sociais, sim, nós estamos atrás dos brancos. E não porque a lista é racista, mas porque nossa estrutura de sociedade é racista e isso se reflete na internet. O racismo que nos coloca na base do sistema econômico, relegando a maioria dos negros à pobreza, impede muitos de ter as condições mínimas para criar, sejam equipamentos decentes, conhecimento sobre produção audiovisual ou tempo para produzir conteúdo em 54 meio a empregos que nos exploram. E quanto conseguimos produzir conteúdo somos desvalorizados, afinal nessas redes onde se consome beleza, somos excluídos do padrão de beleza hegemônico. Quem consome cultura nos desvaloriza, pois, nossa cultura é vista como inferior, menos erudita. Quem consome conhecimento nos desvaloriza, pois, nosso lugar social faz nossa fala ser vista como vitimista, exagerada ou simplesmente menos inteligente. Essa lista é construída por você que está lendo agora. Quantas pessoas negras você segue? Quantas pessoas negras você assiste? Quantas pessoas negras você interage? Quantas pessoas negras você se interessa? Você vê algum valor em nós para consumir nosso conteúdo? Pense nisso. Talvez seu engajamento nas redes esteja sustentando a desigualdade racial sem você notar. Enquanto formos vistos como sem valor, essa desvalorização se refletirá nos números e continuará fazendo apenas um grupo ser ouvido, diminuindo a nossa voz (SANTIAGO, 2019). Embora os creators/ influenciadores negros estejam ganhando espaço no ambiente digital, eles ainda são vistos apenas nas temáticas raciais ou outras pautas relacionadas. Esses são colocados em uma bolha, onde os mesmos não podem ou “não têm” capacidade de discutir e produzir conteúdo que saiam da temática racial; assim, seus perfis são pouco conhecidos por aqueles que não estão nos movimentos negros. Uma observação interessante a se fazer é que todos os influenciadores negros que estão presentes entre os três primeiros na pesquisa possuem a pele clara, desse modo, excluindo criadores de conteúdos que têm a pele retinta. 55 Figura 20: Bruno Rocha/ Hugo Gloss. Fonte: @sirbruno – INSTAGRAM ©, 2021. Figura 21: Bruna Marquezine. Fonte: @brunamarquezine – INSTAGRAM ©, 2021. 56 Figura 22: Neymar Jr. Fonte: @neymarjr – INSTAGRAM ©, 2021. Figura 23: Whindersson Nunes. Fonte: @whinderssonnunes – INSTAGRAM ©, 2021. 57 Aqui, observamos dois tipos de falta de representatividade: a do negro, como um todo, e do negro retinto. Embora o Brasil tenha passado (ou será que ainda passa?), por um processo de miscigenação, há negros com pele retinta e esses são os que mais sentem a falta de representatividade, não somente no espaço escolar e digital, mas em todos os lugares da sociedade brasileira. Alguns desses influenciadores acima podem fazer uso do termo “mimetismo”, o qual foi discutido em capítulos precedentes, uma vez que, a presença deles em alguns espaços pode passar despercebida como pessoa negra. Através das primeiras imagens desse capítulo percebemos a importância da luta pela inclusão de mais influencers negros nos espaços digitais, onde a sua ausência é visível, visto que, a presença de grupos dominadores internaliza conceitos de ideal de beleza nos sujeitos. Mesmo com a grande porcentagem de negros e do Brasil ser o país que possui a maior quantidade de negros fora do continente africano, observamos a necessidade dos nossos alunos serem incentivados a buscar modelos de representatividade negra, auxiliando-os a terem uma visão diferente de si, enaltecendo e empoderando as suas origens negras e africanas. O termo “influenciador” é novo entre discussões dentro das salas de aula, entretanto, deve ser discutido e apresentado de maneira distinta, possibilitando aos estudantes conhecer e se reconhecer em diversos criadores de conteúdo, dado que, a identidade é construída por meio da exibição de imagens e representações sociais. Podemos identificar que com a presença massiva de influenciadores digitais brancos a população negra está sujeita a alienação por meio do seu respectivo corpo; assim, odiando o seu corpo e a sua posição, se autodestruindo, iniciando um processo de apagamento dos seus aspectos físicos e psíquicos, ou seja, negando a sua identidade negra. Por meio das questões levantadas, entendemos que a escola deve ser um ambiente sublime para discutir temas raciais e sociais e desconstruir modelos criados ao longo da história brasileira, mas, ao mesmo tempo, em que a instituição escolar propaga a imagem negativa do negro, ela também pode ser um espaço de superação do racismo e da construção da identidade e do empoderamento negro. A 58 ausência de representatividade não acabará do dia para a noite, já que ela é estrutural, mas algumas ações podem ajudar a ter uma nova visão, por exemplo, consumir mais conteúdo de influenciadores negros. Devido aos algoritmos curadores alguns conteúdos podem ser considerados pouco relevantes, por isso, seguir, curtir, compartilhar e salvar conteúdo desses criadores faz com que haja uma ampliação das temáticas. Mas é papel dos professores ter a responsabilidade total de apresentar aos alunos negros novos influenciadores? Não! É papel da sociedade como um todo expor as crianças a novos pontos de vista e fontes de criação da sua identidade. Na teoria de Vygotsky (2001) as crianças precisam ter uma relação sólida com uma ou mais pessoas para criarem laços afetivos, por meio dessa afirmação, os laços construídos nos primeiros anos de vida das crianças acarretam na formação da imagem que elas têm de si mesmas, uma vez que, a criança toma o sujeito como fonte de exemplo e inspiração de valores e normas sociais. Em vista disso, quando a criança está em um ambiente que possibilita a construção da autoestima do mesmo, o ensino-aprendizagem é feito de maneira fruitiva e satisfatória. Para Davis e Oliveira (1994) “o afeto pode ser entendido como energia necessária para que a estrutura cognitiva seja ativada, ela influencia a velocidade com que se constrói o conhecimento”, dessa maneira, o aprendizado só acontece quando o sujeito se sente seguro no ambiente. Os alunos podem ter seu desempenho intelectual afetado devido às barreiras emocionais, ou seja, é essencial que o ambiente viabilize ao aluno condições para o desenvolvimento intelectual da criança. Por isso, a criação de laços afetivos auxilia os alunos a se desenvolverem intelectualmente, permitindo que os educandos tenham um modelo a ser seguido, principalmente, em questões identitárias, portanto, a apresentação de diferentes exemplos de representatividade torna-se essencial nas instituições escolares. Devemos entender que o processo de criação da identidade negra é árduo, individual, e ao mesmo tempo coletiva, dado que desde muito antes de se compreender como indivíduo, as pessoas negras foram instigadas a negarem a si mesmas, sua cultura, sua história e sua identidade. No início do trabalho foi feito a seguinte pergunta “qual é a influência do Instagram nos padrões de beleza e identidade racial negra dos jovens em idade 59 escolar a partir de leituras bibliográficas?”, e desde então buscamos respondê-la. Durante a pesquisa observamos a forte presença de influenciadores digitais que seguem o padrão de beleza branco, o europeu, muitos desses creators que são seguidos por uma ampla quantidade de pessoas estão inseridos na categoria “beleza”; assim, o Instagram é responsável por reforçar a produção de beleza branca e loira aos seus membros. Atualmente, as crianças estão expostas desde muito cedo às mídias sociais e, a falta de discernimento e embasamento de outros exemplos pode ser um facilitador da idealização da beleza eurocêntrica. Um exemplo a ser citado são os novos criadores de conteúdo, que utilizam a função reels do Instagram, para produzir danças e pequenos vídeos de humor, ganhando grande engajamento na rede social e entre as crianças, e dentre os quais nota-se a popularidade daqueles que reproduzem o ideal de beleza ocidental branco, como já discutido anteriormente. Ademais, outra problemática a ser discutida é a ausência de influenciadores negros direcionados ao público infantil. Visto que a introdução ao mundo virtual e, principalmente, às redes sociais ocorre tão prematuramente seria essencial que as crianças estabelecessem contato com diferentes influenciadores, os quais fazem os jovens desejar e almejar suas características físicas, algumas dessas, entretanto, que não podem ser mudadas, como por exemplo a característica de ser branco. Ainda que haja maquiagens, procedimentos estéticos e filtros de diversas redes sociais que permitem o clareamento da pele, essa característica ainda não pode ser feita de maneira consolidada. Devido à forte visibilidade de alguns indivíduos ou grupos dentro de um corpo social, estes podem ser considerados uma representação da realidade social, o que pode ser visto no Instagram afetando os jovens da atualidade nos ambientes escolares e fora deles também. Entendendo que a lista de maiores influenciadores da QualiBest, até 2018, têm uma grande quantidade de criadores de conteúdos brancos e negros com pele clara, os jovens que não se encaixam nessa fisionomia são alvos de ofensas e piadas, consequentemente, afetando a construção da sua identidade negra, já que a identidade só pode ser construída em um ambiente que proporcione aos sujeitos a 60 confirmação dessa identidade de maneira positiva, e por meio de uma relação entre o eu e o outro. Ao entrarem nas redes sociais e não se verem representados por aqueles que estão sempre na sua rolagem do feed do Instagram, os jovens entendem que são anormais e que não podem alcançar o prestígio daqueles influenciadores devido a sua cor. Construindo e perpetuando um padrão estético de beleza. Com os dados apresentados em 2018 pelo Instituto QualiBest, percebemos que as meninas são as mais afetadas com a influência dos criadores digitais, pois elas são 60% dos entrevistados e as que mais usam o Instagram. São as mulheres também que seguem mais influenciadores que se enquadram nas categorias “moda” e “beleza”, uma porcentagem de 72%, o qual evidencia o maior impacto da distorção de beleza nelas. Segundo a teoria vygotskiana, a criança desenvolve-se culturalmente a partir do contato com seus semelhantes e com o meio ambiente em que ela está inserida, o qual, atualmente se caracteriza como uma sociedade globalizada e tecnológica, em que cada vez mais cedo as crianças estão sendo inseridas nas mídias sociais e entrando em contato com valores que estão incumbidos dentro destas mídias. Assim, entendemos que a autoestima assim como a identidade é criada a partir do ambiente em que vive. Ela é algo tênue, que surge das diferentes formas pelas quais significamos as situações vividas ao longo da vida, ou seja, se prevalecendo de modo positivo ou negativo, ainda que as significações, em muitos casos, sejam contraditórias e nem sempre claras - (FRANCO, 2009, p. 326). É recorrente encontrarmos em sujeitos negros as vivências negativas que tiveram