UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS - RIO CLARO Ciências Biológicas OTÁVIO REIS PEREIRA Explorando as consequências das preferências alimentares dos brasileiros sobre o uso da terra e emissões de CO2. RIO CLARO 2013 1 OTÁVIO REIS PEREIRA Explorando as consequências das preferências alimentares dos brasileiros sobre o uso da terra e emissões de CO2 . Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - Campus de Rio Claro, para obtenção do grau de Bacharel em Ciências Biológicas. Rio Claro 2013 Orientador: Prof. Dr. David Montenegro Lapola Pereira, Otávio Reis Explorando as consequências das preferências alimentares dos brasileiros sobre o uso da terra e emissões de CO2 / Otávio Reis Pereira. - Rio Claro, 2013 24 f. : il., figs., gráfs. Trabalho de conclusão de curso (bacharelado - Ciências Biológicas) - Universidade Estadual Paulista, Instituto de Biociências de Rio Claro Orientador: David Montenegro Lapola 1. Ecologia humana. 2. Mudanças climáticas. 3. Consumo. 4. Desmatamento. 5. Intensificação. 6. Cenários ambientais. I. Título. 301.3 P436e Ficha Catalográfica elaborada pela STATI - Biblioteca da UNESP Campus de Rio Claro/SP 2 AGRADECIMENTOS Agradeço primeiro a minha família que foi quem me permitiu ir adiante com minha vida e realizar meus sonhos de estudar fora. Obrigado aos meus pais, Antonio Carlos Pereira e Sandra Aparecida dos Reis Pereira por toda confiança em mim depositada todos esses anos de estudo e por serem compreensivos nos momentos alegres e difíceis dessa jornada. Agradeço aos meus irmãos, Marcel e Nathalia, que em todo tempo que preciso estão presentes da maneira que podem, obrigado por estarem junto comigo esse tempo todo. Agradeço a todos os meus familiares que me desejaram o melhor e acreditaram na minha capacidade. Obrigado vô Virgílio, vó Lola, vó Nina, a todos tios e tias, Valéria, Virginia, Simone, Virgílio, Élio, Beto, Wagner, Décio. Vocês são todos muito importantes para mim e agradeço por ter encontrado vocês nessa vida. Como ensinado por meus pais, eu fiz e me aproximei de muitos amigos nessa longa jornada e sem eles não teria conseguido suportar muitas dificuldades. Agradeço a minha melhor amiga Nany, que mesmo morando longe nesse tempo que estive na graduação me ajudou sempre como antes e me deu todo apoio e amor que uma melhor amiga pode oferecer. Agradeço aos meus companheiros (ex) moradores e agregados de república que compartilharam vários conhecimentos de suas vidas e me ajudaram a escrever novos dos momentos que estivemos juntos, sem vocês não teria ido tão longe e com certeza seria uma pessoa pior hoje em dia. Obrigado André, Vinicius, Kauã, Alberto, Lucas, Juliano, Yasmin, Cristina, Henrique, Arthur. Agradeço a todos os (ex)membros da Atlética da Biologia que me mostraram como construir o maior espetáculo da Terra. Por mostrar como coisas sérias podem ser divertidas e úteis no nosso futuro. Obrigado Thiago, Rafael, Lorenzo, Bebiana, Karina, Rafael, Erick, Maltos, Guilherme. Que todo nosso trabalho nesse tempo não tenha sido em vão e que no futuro possamos nos reencontrar e comemorar todo nosso sucesso. Agradeço aos diversos amigos do curso de Biologia de Rio Claro e de outras cidades. Perto ou longe, a existência de vocês da maneira que eu presencio me fez toda a diferença. Obrigado Vany, Kaki, Diego, Raíssa, Gabis, Ana Cristina, Rafael Pomarola, Natalia, Priscila, Dayane, Isa, entre muitos outros. Um obrigado especial a todos que conheci na Comissão Organizadora do 3 Interbio, e que me mostraram como coexistir ordem e caos de maneira lógica e por serem grandes amigos espalhados pelo mundo todo que eu sei que posso contar. Agradeço a toda equipe do Laboratório de Ciências do Sistema Terrestre (LabTerra), que me forneceu todo o apoio em meus estudos e desenvolvimento deste trabalho. Obrigado Fernanda, Rafaela, João Darela, João Cortes e em especial meu orientador David que me ajudou do início ao fim com ótimos conselhos e uma excelente orientação. De uma forma em geral são todos vocês e muitos outros que a vida permitiu encontrar pessoas muito queridas que contribuíram em meu crescimento mental e profissional. Queria ter maiores palavras para agradecer por tanto, então o mais sincero muito obrigado e que vocês sejam felizes em suas vidas. 4 RESUMO O consumo de carne bovina pela população brasileira está relacionado a aspectos que sejam sociais ou de saúde. Além disso, pode afetar também o nosso meio ambiente, aumentando impactos ambientais. Em se tratando do Brasil, temos uma grande demanda deste alimento, influenciada pelos hábitos alimentares da população, exigindo, por conseguinte, uma grande produção. Através da construção de cenários e modelagem ambiental, este trabalho avaliou algumas das consequências ambientais da pecuária de corte no Brasil. Para tanto, usamos estimativas de consumo da população, produção da carne bovina e também de valores que relacionem o uso da terra com as emissões de gás carbônico para avaliar os problemas ambientais. Contabilizamos as emissões de gases de efeito estufa associadas as mudanças de uso da terra, fermentação entérica e o manejo de dejetos do gado bovino. Obtive que em alguns cenários extremistas como o Con2a as emissões foram no total de 1,77 PgCO2e anualmente. Enquanto no cenário nacional obtive um total de 1,2 PgCO2e das emissões anuais associadas a todos os seus setores. Em nossos resultados notamos a forte influência do nível de consumo de carne e do sistema de manejo nas emissões de gases efeito estufa dos cenários estudados. Palavras – chave: Consumo. Cenários ambientais. Desmatamento. Intensificação. 5 SUMÁRIO 1INTRODUÇÃO.....................................................................................................................6 2 OBJETIVOS.........................................................................................................................8 2.1 Objetivos gerais...................................................................................................................8 2.2 Objetivos específicos...........................................................................................................8 3 METÓDOS............................................................................................................................9 3.1 Dados Populacionais............................................................................................................9 3.2 Consumo Nacional de carne bovina per Capita..................................................................10 3.3 Intensidade de Manejo........................................................................................................10 3.4 Construção dos Cenários.....................................................................................................12 3.5 Área Necessária para os Cenários.......................................................................................14 3.6 Contabilização das Emissões Associadas...........................................................................14 3.6.1 Emissões associadas as mudanças de uso da terra...........................................................14 3.6.2 Emissões associadas a fermentação entérica e manejo de dejetos animais….................15 4 RESULTADOS....................................................................................................................16 4.1 Área Necessária para os Cenários.......................................................................................16 4.2 Estimativas das Emissões Associadas.................................................................................16 5 DISCUSSÃO.........................................................................................................................18 6 CONCLUSÃO......................................................................................................................20 REFERÊNCIAS......................................................................................................................21 6 1 INTRODUÇÃO O clima em nosso planeta pode ser alterado por diversas forças naturais ou antropogênicas (STEFFEN et al. 2005). Os principais estudos de projeções de mudanças climáticas futuras são feitos com bases nas emissões de gases antropogênicos (BUCKERIDGE, 2008; IPCC 2013). Desde a revolução industrial no século XIX tem havido grande aumento das emissões dos gases de efeito estufa em nível global, devido principalmente à queima de combustíveis fósseis e mudanças de uso da terra para diferentes atividades industriais ou agropecuárias (IPCC 2013). Até meados da década de 2000 a maior parte das emissões em nosso país ocorreram devido ao desmatamento, com emprego de queimadas para posterior uso da terra principalmente para pecuária (BRASIL, 2010). No final dos anos 2000, com a redução do desmate em todos os biomas Brasileiros, as emissões da agropecuária – sobretudo fermentação entérica bovina e decomposição de esterco do gado – ultrapassaram o setor de uso da terra e representa hoje a maior fração das emissões no país. Dados publicados do IBGE e da FAO que mostram as áreas de pastagens do Brasil divergem quanto ao valor, o que pode ser utilizado como um parâmetro para o nosso estudo (FAO,2012; IBGE 2012). O Brasil é o quarto maior consumidor/produtor de carne per capita no mundo, perdendo apenas para Argentina, Uruguai e EUA. A evolução do consumo de carne brasileiro poder ser evidenciado segundo a Fig. 1. Em 2008 foram registrados 2,20 milhões de toneladas de exportações de carne bovina (SMERALDI; MAY, 2009). O rebanho brasileiro vem crescendo de forma constante (embora esse crescimento seja diferenciado em cada região do país) devido à estimulação da demanda interna (com maior acesso econômico de uma camada da população ao consumo de carne) e externa (que vem aumentando em países emergentes como Rússia, China e Oriente Médio). Em 2006, aproximadamente 24% da produção total da pecuária foi exportada (BUSTAMANTE et al., 2009). O modo de produção no Brasil é tradicionalmente extensivo, ou seja, com baixa densidade (nº animais/ área) de animais. A demanda doméstica por essa carne está diretamente relacionada às preferências alimentares dos brasileiros (FAO, 2006). Argumenta-se então que nas próximas décadas as emissões do Brasil serão muito determinadas pela produção pecuária, guiadas pelo consumo per-capita de carne e leite pela população. Ressalta-se que cenários como os da série SRES-IPCC (Special Report on Emission Scenarios - Intergovernmental Panel on Climate Change), World Water Vision, GEO4 (Global Environment Outlook 4) foram todos construídos/elaborados por equipes multidisciplinares (ALCAMO, 2008). Além 7 Co ns um o de c ar ne b ov in a (m ilh õe s de te c) disso, a conscientização ecológica da população das consequências de seus hábitos, diretamente relacionadas à vida na Terra, pode levar os estudos científicos a resultados em políticas públicas. 8 2 OBJETIVOS 2.1 Objetivos gerais Analisar o impacto da preferência alimentar dos brasileiros na produção pecuária de carne, evidenciando as alterações do uso da terra e consequentes emissões de gases de efeito estufa no Brasil nas próximas décadas. 2.2 Objetivos específicos � Estimar um intervalo de emissões futuras (2050) associadas à pecuária no Brasil � Estimar necessidades de área para pastagens no país de acordo com o consumo de carne per capita e nível de intensificação da pecuária � Exemplificar uma metodologia simplificada em construção de cenários para modelagem ambiental. 9 3 MÉTODOS Para este trabalho se utilizou de técnicas de construção de cenários e modelagem ambiental de maneira simplificada. Sendo assim, a construção dos cenários aqui desenvolvidos, focada apenas no setor da pecuária, constitui-se um exercício de primeira ordem, resguardadas as devidas premissas assumidas aqui. Para atingir os objetivos especificados na seção 2, foi necessário obter uma série de dados disponíveis na internet para uso neste projeto, como explicado a seguir. 3.1 Dados populacionais A população do Brasil em 2010, segundo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), é de aproximadamente 190 milhões. O relatório “Projeção da População do Brasil por Sexo e Idade” elaborado pelo IBGE (2008) mostra projeções populacionais até 2050. Com esses dados podemos analisar o número de habitantes para as próximas décadas, fazendo assim uma análise da evolução do crescimento populacional no período de 2010 – 2050 (Fig. 2). Figura 2. Projeção da População do Brasil 2010 – 2050 segundo IBGE (2008). Fonte: elaborada pelo autor. Po pu la çã o (m ilh õe s d e ha bi ta nt es ) 10 3.2 Consumo nacional de carne bovina per capita O consumo per capita é dado pela quantidade total de carne bovina (em kg) consumida ao longo de um ano dividido pelo total da população brasileira. Os dados atuais sobre consumo per capita foram obtidos através do IBGE utilizando o Sistema de Recuperação Automática (SIDRA). Foram registrados os abates de 29,3 milhões de cabeças de gado, o peso de carne registrado de todas essas carcaças em quilogramas foi de 6.977 .106 (X) para 2010 (IBGE, 2013). Para analisar as projeções do consumo para 2050 foram consideradas três situações futuras de consumo de carne i) onde o consumo per capita de carne (dado como X) permanece o mesmo que 2010; ii) onde o consumo será duas vezes maior que em 2010 (2X); iii) onde este consumo será reduzido pela metade em relação ao de 2010 (X/2). Substituindo os valores de acordo com as situações propostas temos: i) 36,1 kg cap-1 a-1 ii) 72,2 kg cap-1 a-1 iii) 18 kg cap-1 a-1 3.3 Intensidade de manejo. Os impactos ambientais da criação de gado no Brasil são estreitamente relacionados ao sistema de manejo e nível de intensificação empregado nas pastagens (BOWMAN et al., 2012). No caso do Brasil temos basicamente a pecuária extensiva, que emprega amplas áreas de pastagem para criação do gado ao ar-livre. Um bom indicativo do nível de intensificação da pecuária é a densidade de gado nas pastagens do país. Para calcular a densidade de gado média é necessário o número total de cabeças de gado que será dividido pela área total de pastagem, obtidas a partir de dados apresentados na Tab.1 (FAO, 2012; IBGE, 2012). Por uma diferença metodológica encontramos divergências no dados. Sendo assim obteve-se duas densidades que são comparadas na Fig.3. As equações da reta para este gráfico são respectivamente: y IBGE = 0,0304 x - 59,692 e y FAO = 0,0156 x - 30,217. Onde x é a variável do tempo, com ela podemos obter um valor para 2050. Sendo assim, em relação à densidade em 2050, consideramos duas possibilidades plausíveis: a) a taxa de intensificação (i.e., a evolução da densidade de gado ao longo do tempo) segue o padrão mostrado pelos dados da FAO nas últimas décadas; b) a taxa de intensificação segue o padrão mostrado pelos dados do IBGE nas últimas décadas; 11 Tabela 1. Dados coletados para cálculo da densidade pecuária (FAO, 2012; IBGE, 2012). Ano IBGE Área de pastagem (milhões ha) FAO Área de pastagem (milhões ha) Gado (cabeças) IBGE dens (cab/ha) FAO dens (cab/ha) 1990 178 184 147.102.314 0,82 0,79 1991 178 185 152.135.505 0,85 0,81 1992 178 187 154.229.303 0,86 0,82 1993 177 189 155.134.073 0,87 0,81 1994 177 191 158.243.229 0,88 0,82 1995 177 192 161.227.938 0,90 0,83 1996 175 193 158.288.540 0,89 0,81 1997 174 194 161.416.157 0,92 0,83 1998 172 194 163.154.357 0,94 0,837 1999 170 195 164.621.038 0,96 0,84 2000 169 196 169.875.524 1,00 0,86 2001 167 197 176.388.726 1,05 0,89 2002 165 197 185.348.838 1,11 0,94 2003 163 196 195.551.576 1,19 0,99 2004 162 196 204.512.737 1,26 1,04 2005 160 196 207.156.696 1,29 1,05 2006 158 196 205.886.244 1,29 1,05 2007 157 196 199.752.014 1,27 1,01 2008 155 196 202.306.731 1,30 1,03 2009 153 196 205.307.954 1,33 1,04 2010 151 209.541.109 1,37 2011 150 212.797.824 1,41 Fonte: elaborada pelo autor. 12 Figura 3. Tendências no rebanho bovino e extensão de pastagens no Brasil no período 1990- 2011 (FAO, 2012; IBGE, 2012). Fonte: elaborada pelo autor. Substituindo x por 2050 nas equações obtemos os seguintes valores para as densidades: yIBGE ≈ 2,63 = 2,6 yFAO ≈ 1,76 = 1,7 3.4 Construção dos cenários. A partir das informações relacionadas nas seções 3.1 – 3.3 teremos, em nível nacional, para 2050: � 1 projeção populacional � 3 situações de consumo de carne per capita � 2 possibilidades de intensidade de manejo (nível de intensificação representado pela densidade de gado) D en si da de (n º d e ca be ça s d e ga do / h ec ta re ) 13 Ao cruzarmos esses dados e explorarmos todas opções possíveis, teremos então 6 cenários futuros de consumo e produção pecuária no país descritos a seguir de forma qualitativa e ilustrados na Tab.2. Cenário Con1a. Seguindo uma intensidade de manejo (densidade) que tende a continuar se desenvolvendo na mesma proporção de 50 anos atrás. O crescimento populacional segue a projeção proposta e consumo per capita de carne também tende a ser o mesmo do passado. Con1b. A densidade pecuária tem uma intensificação no seu valor. O crescimento da população segue o da projeção e o consumo per capita de carne tende a permanecer na mesma proporção. Con2a. Neste cenário combinados temos uma densidade de gado que vai seguir a tendência de crescimento próxima a de 50 anos atrás, a população segue o crescimento de acordo com a projeção. E um aumento no consumo per capita de carne (2x). Con2b. Temos uma intensificação na densidade pecuária, o crescimento da população segue a projeção e o consumo per capita de carne será o dobro em relação a 2010. Con3a. A criação de gado (densidade) segue o seu desenvolvimento em valor semelhante ao de 2010. A população que vem crescendo segundo a projeção reduz seu consumo de carne pela metade. Con3b. O sistema de manejo (densidade) passa pela intensificação pecuária. A população que vem se desenvolvendo de acordo com a projeção tem um consumo reduzido de carne pela metade em relação ao de 2010. Tabela 2. Construção Cenários Cenários População (milhões hab) CCP (kg) Dens. (Cab./ha) Con1a 215 36,1 1,7 Con1b 215 36,1 2,6 Con2a 215 72,2 1,7 Con2b 215 72,2 2,6 Con3a 215 18,0 1,7 Con3b 215 18,0 2,6 Fonte: elaborada pelo autor. Legenda: CCP (Consumo de Carne per Capita); Dens. (densidade de animais por hectare). 14 3.5 Área necessária para os cenários Para obtermos a área necessária é preciso calcular a quantidade de cabeças de gado bovino para cada cenário. Considerando a densidade média assumida em cada cenário, podemos obter o valor da área necessária para cada cenário (uma vez que densidade = número de cabeças/ área) e através dela a estimativa das emissões. Em se tratando do abate de gado bovino, temos que um boi inteiro é dividido em: 50% carcaça quente (carne aproveitada) + 50 % dejetos (couro, cascos, etc.). Com os valores obtidos no item 3.2 podemos saber a fração de um animal inteiro que é consumida por pessoa. Através do produto do valor da população (seção 3.1) e dividindo pelo peso médio de um boi (450 kg) (IBGE, 2013) e pela taxa de renovação do rebanho1 (0,15) obtemos o número exato de cabeças que estão presentes nas pastagens destes cenários apresentados na Tab.3. A área pode ser calculada dividindo o número de cabeças de boi pela densidade (item 3.3). Tabela 3. Número de cabeças de gado por cenário Cenários Nº cabeças Con1 229.970.370 Con2 459.940.740 Con3 114.985.185 Fonte: elaborada pelo autor. Legenda: Nº cabeças (Número de cabeças de gado). 3.6 Contabilização das emissões associadas 3.6.1 Emissões associadas às mudanças de uso da terra A contabilidade das emissões de gases de efeito estufa (em CO2) associadas aos cenários foi feita com base nas diferentes transições de uso da terra no Brasil, usando valores médios empregados por FARGIONE et al.(2008) e LAPOLA et al. (2010). É preciso subtrair a área atual de pastagem, aproximadamente 170 milhões de hectares (IBGE, 2006), antes de fazer a contabilidade, assim saberemos se em alguns cenários vamos ter uma expansão ou retração de área que pode influenciar nas emissões. Apenas os cenários Con2a e Con2b necessitam de um área que vai ocorrer uma expansão. Para o cálculo das emissões escolhi que 20% da área 1 Porcentagem de novilhos em relação a quantidade de animais adultos presentes no rebanho. 15 necessária para a expansão das pastagens viria de florestas da Amazônia (690 MgCO2/ha) e 80% do Cerrado + outros tipos de vegetação (107 Mg.CO2/ha). Essa escolha é feita com base na Política Nacional sobre Mudanças Climáticas que prevê a redução do desmatamento na Floresta Amazônica e do Cerrado em 80% e 40% respectivamente até 2020, como forma de mitigar as emissões de CO2 do país (BRASIL, 2009). 3.6.2 Emissões associadas a fermentação entérica e manejo de dejetos animais A fermentação entérica é uma importante fonte de emissão de metano com origem em atividades antropogênicas. Os ruminantes conseguem realizar a digestão de plantas ricas em celulose que outros animais que não possuem um rúmen não conseguem digerir. O gás metano junto com o óxido nitroso (originado dos dejetos animais) são importantes contribuintes para os totais de emissão do Brasil. Segundo o MCTI (Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação) o rebanho em 2010 (aproximadamente 210 milhões de cabeças de gado) emitiu 11.381Gg de gás metano e 3,46Gg de óxido nitroso (BRASIL, 2010), dividindo o valor dessa emissão pelo rebanho obteremos o valor para cada cabeça de gado (54 kg e 0,016 kg respectivamente). Multiplicando esse valor pelo número de cabeças do rebanho do período de 2010 a 2050 dos nossos cenários obteremos o valor das emissões associadas. Para poder acrescentar com o resultado anterior é preciso ver esse valor em CO2e (dióxido de carbono equivalente), basta multiplicar pelo valor do potencial de aquecimento global (CH4 = 21, N2O = 310) 16 4. RESULTADOS 4.1 Área necessária para os cenários Foram obtidas as seguintes áreas para os cenários (em milhões de hectares) apresentadas na Tab.4, considerando que a área atual de pastagens no país gira em torno de 150-195 milhões de hectares: Tabela 4. Área calculada para analisar a expansão/retração dos cenários. Cenários Área (em milhões de hectares) Con1a 135 Con1b 88 Con2a 270 Con2b 176 Con3a 67 Con3b 44 Fonte: elaborada pelo autor 4.2 Estimativas das emissões associadas As emissões dos cenários Con2(a ou b) foram somadas podendo assim ser comparadas com a média anual das emissões em 2010. O Brasil em 2005 apresentou em suas emissões anuais totais (todos os setores) com o valor de 1,2 PgCO2e (BRASIL, 2010). Em nossos cenários as emissões são para as mudanças de uso do uso da terra, fermentação entérica e o manejo de dejetos de gado bovino; o valores estão apresentados na Tab. 5. 17 Tabela 5. Resultados dos cenários em relação as emissões de gases de efeito estuda de mudança de uso da terra, fermentação entérica e manejo de dejetos animais. Cenários Área E/R Cont. Emissões uso da terra (PgCO2e/a) FE+DA (PgCO2e/a) Total Emissões Con1a − 35 Não emite 0,25 0,25 Con1b − (82) Não emite 0,25 0,25 Con2a + (100) 1,38 0,39 1,77 Con2b + (6) 0,06 0,39 0,45 Con3a − (103) Não emite 0,18 0,18 Con3b − (126) Não emite 0,18 0,18 Fonte: elaborada pelo autor. Legenda: Área dos Cenários em Expansão ou Retração (em milhares de hectares); Cont. Emissões (Contabilidade de Emissões de mudanças de uso da terra em PgCO2e/a); FE + DA (Fermentação Entérica + Dejetos Animais em PgCO2e/a); Total emissões (contabilidade das emissões totais dos cenários em PgCO2e/a). 18 5 DISCUSSÃO Nossos resultados mostram que o nível de consumo de carne terá uma grande influência na evolução das emissões da pecuária no país nas próximas décadas. O poder encerrado nas mãos dos consumidores para guiar questões socioambientais no país permanece subestimado ou pouco enaltecido. O crescimento da população não é considerado um impacto para as emissões por si só, mas sim o nível de consumo (estilo de vida) e o sistema de produção de alimentos. Um maior consumo de carne da população pode estar relacionado ao seu nível de renda. Como já evidenciado anteriormente na Fig. 1 a tendência do consumo de carne é continuar aumentando. Comparado com nossos cenários a essa tendência se assemelha muito com o consumo de carne do Con2 (se continuar o aumento). As duas intensidades de manejo, embora tenham uma importância secundária quando comparados com o nível de consumo, também é um fator de relevância para as emissões futuras do país. Foram propostos dois diferentes sistemas de manejo representados pela densidade de gado nas pastagens. A produção de carne pode gerar diversos impactos ambientais, como a mudança de uso da terra que pode transformar áreas de florestas ou cerrados em pastos. Estudos recentes apontam que nos próximos 10 anos a área de pastagens brasileiras deverá sofrer uma redução de 17 milhões de hectares, ao mesmo tempo em que o rebanho bovino deverá aumentar de 169 milhões para 185 milhões (AGUIAR, 2011). A intensificação da pecuária no Brasil, orientada por avanços tecnológicos, a curto e médio prazo, pode se concentrar em duas frentes de atuação: 1) Melhoramento das pastagens (através de recuperação de pastagens degradadas, subsídios verdes e variedades de gramíneas mais produtivas); 2) Melhoramento genético (raças mais produtivas com complementação alimentar); No caso dos cenários em que ocorrem retrações, as áreas que não forem utilizadas para pastagem poderão ter outro destino. Por exemplo, no cerrado já ocorre a substituição de pecuária pela agricultura em algumas áreas. Hoje, é um bioma que tem suas terras disputadas para serem utilizadas pelo setor agrícola. Como por exemplo, a produção de cana de açúcar, onde temos o mercado do Etanol se expandindo nessa região (LAMBIN, 2013). Juntamente com estas áreas que não vão ser utilizadas temos áreas que foram abandonadas em desuso; somente na Amazônia temos em torno de 150 mil Km² (NOBRE, 2008) que poderão ser usadas para a agricultura. Vale ressaltar que a transição de uma área de pasto para uma área 19 de cultivo tem um alto custo, considerando o estágio de degradação da pastagem e os investimentos necessários para tornar a área produtiva. Outro ponto é que com a transformação das técnicas de manejo se obtém uma melhor qualidade da carne. Com isso o produto pode ser encarecido no mercado acentuando essa diferença na preferência de consumo. O Brasil exporta 25% da sua produção de carne bovina sendo Rússia o principal importador. O mercado externo apresenta um aumento devido à maior demanda de outros países, como a China, que não pode ser suprida somente com melhorias no método de produção. Possíveis soluções para que o aumento na demanda no mercado se concilie com a mitigação dos gases de efeito estufa seriam campanhas para o desestímulo ao consumo de carne e otimização dos sistemas de produção pecuária. A sociedade brasileira precisaria então para isso estabelecer diferentes paradigmas de forma a rever níveis de consumo de alimentos e estilo de vida em geral. 20 6 CONCLUSÃO Brasileiros têm a carne bovina como um dos principais alimentos consumidos em sua dieta, em torno de 36,1 kg por ano. Neste trabalho mostramos que as emissões tem como fatos contribuinte o consumo de carne. As consequências do sistema de manejo também contribuem de modo secundário. A sua intensificação para as próximas décadas irá ser um contribuinte importante. Conclui-se que o consumo tende a continuar aumentando e isso poderá ter consequências no cenário nacional de emissões de gases de efeito estufa. Uma solução para mitigar essas consequências seria desenvolver campanhas para a redução do consumo de carne em geral e especificamente a bovina da população. 21 REFERÊNCIAS AGUIAR, A. Intensificação da produção animal em pasto x sustentabilidade. 2011. Disponível em: . Acesso em 25.jul.2013. ALCAMO, J. Enviromental Futures: The Practice of environmental scenario analysis, 1ª ed., Amsterdam: Elsevier, 2008. BOWMAN, M.S.; B. S. SOARES-FILHO; F. D. MERRY; D. C. NEPSTAD; H. RODRIGUES; O. T. ALMEIDA. Persistence of cattle ranching in the Brazilian Amazon: A spatial analysis of the rationale for beef production Land Use Policy. Land Use Policy, v. 29, n. 3, p. 558-568, 2012. BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Projeções do Agronegócio: Brasil 2011/2012 a 2021/2022 /. Assessoria de Gestão Estratégica. – Brasília: Mapa/ACS, 2012. 76 p. BRASIL. Ministério de Ciência e Tecnologia. 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