LIERGE RAMOS ESTUDOS BIOFÍSICOS DA HEMOCIANINA DO CAMARÃO Macrobachium acanthurus (HCMAC) NA PRESENÇA DE AGENTES CAOTRÓPICOS E ATIVIDADE BIOLÓGICA Tese apresentada ao Instituto de Química, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutor em Biotecnologia. Orientador: Prof. Dra. Patrícia Soares Santiago Co-orientador: Prof. Dr. Norival Alves Santos Filho Araraquara 2022 Com imenso carinho dedico este trabalho, À Deus. Aos meus pais João Antônio e Maria Neuza. Aos meus irmãos Vanessa, Elivaldo, Vanuza, Vanderson e Valéria. À minha namorada Renata. Aos meus sobrinhos João Vitor, Pedro José, Jaíne, Mateus Antônio e Vitória. Aos meus cunhados Reginaldo, Rogério, Arnaldo e Dircéia. AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus, por ter me concedido a graça de realizar esse sonho. Por estar sempre ao meu lado, iluminando o meu caminho. Aos meus pais, por terem me dado o dom da vida e me transformado na pessoa que hoje sou. A minha eterna gratidão por toda atenção, apoio e amor. Aos meus irmãos e irmãs por sempre me incentivarem e pelo carinho. À minha namorada, Renata, por estar sempre presente em tantos momentos, a sua força me tornou forte, a sua calma me trouxe equilíbrio e o seu sorriso iluminou o meu mundo. Obrigado por fazer parte da minha vida! À minha querida orientadora, Patrícia Soares Santiago, pela oportunidade concedida, pela paciência e amizade. Ao meu co-orientador, Norival Alves Santos Filho, disposição e atenção despendida. Aos meus companheiros de laboratório Claudemir, Jonathan, Ísis, Karyna, Luana e Raissa pela convivência, alegrias e dificuldades compartilhadas e por toda a ajuda, e principalmente a amizade. A todos os companheiros do grupo de pesquisa Biomoléculas. Aos meus queridos amigos Gustavo, Raphael, Wanilton, Camila, Mateus, Elisete pelo ombro amigo e pela força. Ao meu amigo Daniel “Punkpolo” pela amizade e momentos de descontração ao longo dos anos na Beerland. Ao Instituto de Química - UNESP por ter me acolhido e permitido a minha formação. À seção de Pós-graduação, em especial à Wennia, Ana Paula e Robson por toda atenção despendida. A todos os servidores da Unesp - Campus Registro pelo suporte e acolhimento. À FAPESP pela bolsa concedida pelo apoio aos projetos de pesquisa do grupo. “Talvez não tenha conseguido fazer o melhor, mas lutei para que o melhor fosse feito. Não sou o que deveria ser, mas Graças a Deus, não sou o que era antes”. (Marthin Luther King) RESUMO As hemocianinas (Hcs) são grandes proteínas extracelulares responsáveis por inúmeras funções em artrópodes e moluscos. Representam cerca de 50 – 90% da hemolinfa, e tem como principais funções, o transporte de O2 e atuar no mecanismo de defesa imunológica. Em geral, as Hcs mantem sua integridade funcional e estrutural em uma ampla faixa de temperatura (entre -20 e 90ºC) e apresentam atividade fenoloxidase (PO) latente quando o animal é exposto a condições de estresse. Em artrópodes, as Hcs apresentam-se na forma de seis cadeias monoméricas agregadas, na forma de um hexâmero ou oligohexâmeros contendo até oito hexâmeros (8 × hexâmeros). Assim, o objetivo geral deste projeto de doutorado foi purificar, caracterizar, avaliar atividade biológica e PO da Hc do camarão Macrobrachium acanthurus (HcMac). Para estes estudos foram realizados cromatografia líquida de exclusão molecular, eletroforese monodimensional SDS-PAGE, AUC (do inglês Analytical Utracentrifugation), MALDI-TOF-MS (do inglês Matrix-assisted laser desorption/ionization time-of- flight mass spectrometry), medidas espectroscópicas variando o pH, concentração de ureia e SDS (dodecil sulfato de sódio), e estudos de atividade PO e antimicrobiana. Os resultados dos experimentos de SDS-PAGE, AUC e MALDI-TOF-MS indicam que a HcMac é formada por cadeias polipeptídicas de 75 - 76 kDa formando uma estrutura de 450 kDa, ou seja, um hexâmero é composto por 6 cadeias monomérica de 75 KDa (1×hexâmero). As medidas UV- vis mostraram que a afinidade do centro di-cobre pelo oxigênio é dependente do valor de pH. Os resultados de emissão de fluorescência indicaram alterações na estrutura terciária da proteína devido às mudanças do valor de pH do meio, sendo que este influenciou na exposição dos resíduos de Triptofano ao solvente. Através das análises de intensidade de espalhamento de luz (LSI – do inglês Ligth Scathering Intensity) medidas no espectrofluorímetro foi possível sugerir que a HcMac apresenta ponto isoelétrico entre 4,3 e 5,3, assim como a hemocianina de outros camarões. A ureia induziu o processo de desnaturação, mas em pH 7,0 a HcMac demonstrou ser mais estável e foi necessário uma concentração maior de desnaturante em relação ao pH 5,0. A ureia e o SDS reduziram a intensidade de fluorescência, deslocaram o comprimento de onda máximo (λmax) para valores maiores, devido ao processo de dissociação, que expôs o centro di-cobre da hemoproteína (cobre é supressor de fluorescência), além de favorecer a exposição do Triptofano ao solvente. Os resultados de LSI da HcMac mostram que em pH 5,0 houve uma forte interação entre proteína- SDS em concentrações inferiores a 1,0 mmo.L-1, pois a LSI aumentou em 12 vezes sua intensidade em relação HcMac pura em solução. A HcMac nativa apresentou atividade PO induzida pelo surfactante SDS e não demonstrou ação antimicrobiana nos testes realizados. Os resultados obtidos até o momento são relevantes, pois trazem informações importantes para avançarmos nos estudos de caracterização e aplicação biotecnológica da HcMac. Palavras-chave: Hemocianina. Macromolécula. Crustáceo. ABSTRACT Hemocyanins (Hcs) are large extracellular proteins responsible for numerous functions in arthropods and mollusks. They represent about 50-90% of the hemolymph, and their main functions are O2 transport and immune defense mechanisms. They maintain their functional and structural integrity over a wide temperature range (between -20 and 90ºC) and exhibit latent phenoloxidase (PO) activity when the animal is exposed to stress conditions. In arthropods Hcs are presented as six monomeric chains aggregated in the form of a hexamer or oligohexamers containing up to eight hexamers (8 x hexamers). Thus, the objective this work was to perform the extraction/purification, structural characterization, evaluate biological activity and PO of Hc from Macrobrachium acanthurus shrimp (HcMac). Molecular exclusion liquid chromatography, one- dimensional SDS-PAGE electrophoresis, AUC (Analytical Utracentrifugation), MALDI-TOF-MS (Matrix-assisted laser desorption/ionization time-of-flight mass spectrometry), spectroscopic measurements varying pH and urea and SDS (sodium dodecyl sulfate) concentration, and PO and antimicrobial activity studies were performed. The results of SDS-PAGE, AUC and MALDI-TOF-MS experiments indicated that HcMac is formed by 75 - 76 kDa polypeptide chains forming a 450 kDa structure, i.e. one hexamer is composed of 6 monomeric 75 KDa chains (1×hexamer). UV-vis measurements showed that the affinity of the di-copper center for oxygen is pH value dependent. The fluorescence emission results indicated changes in the tertiary structure of the protein due to changes in the pH value of the medium, in which pH influenced the exposure of Tryptophan residues to the solvent. Through the analysis of the light scattering intensity (LSI) measured in the spectrofluorimeter, it was possible to suggest that HcMac presents an isoelectric point between 4.3 and 5.3, as does hemocyanin from other shrimp. Urea induced the denaturation process, but at pH 7.0 HcMac proved to be more stable and a higher concentration of denaturant was required compared to pH 5.0. Urea and SDS reduced the fluorescence intensity, shifted the maximum wavelength (λmax) to higher values, due to the dissociation process, which exposed the di-copper center of the hemoprotein (copper is fluorescence suppressor), and also favored the exposure of Tryptophan to the solvent. The LSI results of HcMac show that at pH 5.0 there was a strong protein-SDS interaction at concentrations lower than 1.0 mmo.L-1, as the LSI increased by a factor of 12 times its intensity compared to pure HcMac in solution. HcMac showed PO activity induced by the SDS surfactant and did not show antimicrobial action in the tests performed. The results obtained so far are relevant because they bring important information to advance the characterization studies and biotechnological application of HcMac. Keywords: Hemocyanin. Macromolecule. Crustacean. LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Modelo de sítio de ligação da hemocianina de caranguejo-ferradura, Limulus polyphemus........................................................................... 16 Figura 2 - Espectro de absorção de 0,3 mg.mL-1 da Hc de L. polyphemus in 100 mmol.L-1 de tampão Tris-HCl, pH 7,5................................................. 17 Figura 3 - Organização estrutural de hemocianinas de moluscos..................... 22 Figura 4 - Organização estrutural de hemocianinas de artrópodes.............. .....25 Figura 5 - Representação esquemática do mecanismo de ionização suave da substância a ser analisada..................................................................34 Figura 6 - Representação esquemática do mecanismo de tempo de vôo.........35 Figura 7 - Ilustração do diagrama dos níveis de energia eletrônicos de uma molécula........................................................................................... ...40 Figura 8 - Diagrama de Jablonsk....................................................................... 41 Figura 9 - Foto do animal Macrobachium acanthurus anestesiado para extração de sua hemolinfa................................................................................ .45 Figura 10 - Ilustração do tubo com amostra após o processo de purificação por ultracentrifugação................................................................................52 Figura 11 - Perfil de eluição da hemoproteína HcMac (50,0 mg.mL-1) em cromatografia liquida de exclusão de tamanho, após purificação por ultracentrifugação................................................................................53 Figura 12 - Perfil de eluicão HcMac (10,0 mg.mL-1) por cromatografia de exclusão de tamanho (SEC) em pH 7,0 e pH 9,2, à 25 ºC................................ 54 Figura 13 - Gel de eletroforese SDS-PAGE do Pico II (HcMac) da fração FC da hemolinfa de Macrobrachium acanthurus após cromatografia de exclusão de tamanho (SEC)............................................................... 55 Figura 14 - Espectro de MALDI-TOF-MS da hemocianina de Macrobrachium acanthurus (HcMac), pH 7,0............................................................... 57 Figura 15 - Coeficiente de sedimentação obtido para a HcMac em pH 7,0 e massa molecular................................................................................. 58 Figura 16 - Espectros de absorção óptica da HcMac (1,6 mg.mL-1) em tampão acetato-fosfato-borato de sódio 30 mmol.L-1, na faixa de pH entre 3,7 – 10,5..................................................................................................... 60 Figura 17 - Espectros de emissão de fluorescência da HcMac (1,6 mg.mL-1), em tampão acetato-fosfato-borato 30 mmol.L-1........................................ 62 Figura 18 - Intensidade de espalhamento de luz (LSI) da HcMac (1,6 mg.mL-1) em tampão acetato-fosfato-borato 30 mmol.L-1, em diferentes valores de pH...................................................................................................64 Figura 19 - Espectro de absorção óptica da HcMac 1,6 mg.mL-1 em tampão acetato-fosfato-borato 30 mmol.L-1, em pH 5,0 e 7,0......................... 66 Figura 20 - Espectro de absorção ótica da HcMac 1,6 mg.mL-1 em tampão acetato-fosfato 20 mmol.L-1 pH 5,0, em função da concentração de ureia.................................................................................................... 67 Figura 21 - Espectro de absorção ótica da HcMac 1,6 mg.mL-1 em tampão acetato-fosfato 20 mmol.L-1 pH 7,0, em função da concentração de ureia.................................................................................................... 68 Figura 22 - Espectros de fluorescência da HcMac 1,6 mg.mL-1 em tampão acetato-fosfato 20 mmol.L-1 com o pH 5,0, em função da concentração de ureia............................................................................................... 69 Figura 23 - Espectros de fluorescência da HcMac 1,6 mg.mL-1 em tampão acetato-fosfato 20 mmol.L-1 com o pH 7,0, em função da concentração de ureia............................................................................................... 70 Figura 24 - Intensidade de espalhamento de luz em diferentes concentrações de ureia no pH 5,0 e pH 7,0..................................................................... 71 Figura 25 - Espectro de absorção óptica da HcMac 1,6 mg.mL-1 em tampão acetato-fosfato-borato 30 mmol.L-1 pH 7,0, em função da concentração de SDS................................................................................................ 72 Figura 26 - Espectro de absorção ótica da HcMac 1,6 mg.mL-1 em tampão acetato-fosfato-borato 30 mmol.L-1 pH 5,0, em função da concentração de SDS................................................................................................ 73 Figura 27 - Espectros de fluorescência da HcMac (1,6 mg.mL-1) em tampão acetato-fosfato-borato 30 mmol.L-1 pH 7,0, em função da concentração de SDS................................................................................................ 74 Figura 28 - Espectros de fluorescência da HcMac (1,6 mg.mL-1) em tampão acetato-fosfato-borato 30 mmol.L-1 pH 5,0, em função da concentração de SDS................................................................................................ 75 Figura 29 - LSI da HcMac (1,6 mg.mL-1) em tampão acatato-fosfato-borato, em função da concentração de SDS em pH 7,0 e pH 5,0………………...76 Figura 30 - Indução da atividade PO na presença de SDS, após 5 minutos de incubação, e cinética relativa da indução de PO na presença de 1,0 mmol.L-1 de SDS................................................................................. 79 LISTA DE ABREVIATURAS Å - Ångström AMPs - Peptídeos antimicrobianos AUC - Ultracentrifugação analítica BSA - Albumina de soro bovino c(M) - Coeficiente de distribuição de massas moleculares c(S) - Coeficientes de sedimentação Ca - Cálcio CaCl2 - Cloreto de cálcio CaH - Hemocianina de Cornu aspersum CAMHB - Caldo Mueller-Hinton ajustado aos cátions CD - Dicroismo circular Cu - Cobre Deoxi-Hc - Hemocianina desoxigenada DLS - Espalhamento de luz dinâmico DMSO - Dimetilsulfóxido EDTA - Ácido etilenodiamino tetra-acético ƒ/ƒ0 - Razão friccional Fc - Força centrípeta FEmp - Força de empuxo Ff - Força friccional FU - Unidade funcional Hc – Hemocianina Hcs - Hemocianinas Hc-d PO - Fenoloxidase derivada de hemocianina HcMac - Hemocianina de Macrobachium acanthurus HlH - Hemocianina de Helix lucorum HpH - Hemocianina de Helix pomatia HtH - Hemocianina de Haliotis tuberculata KLH - Hemocianina de Megathura crenulata (keyhole limpet) LBL - Layer-by-layer LHB - Sangue de cavalo lisado LNLS - Laboratório Nacional Luz Sinchrotron LSI - Intensidade de espalhamento de luz MALDI-TOF-MS - Do inglês “matrix-assisted laser desorption/ionization time-of- flight mass espectrometry” ou ionização/dessorção a laser assistida por matriz acoplada a espectrometria de massa por tempo de voo MBC - Concentração bactericida mínima mega-Hc - Mega hemocianina Mg - Magnésio MgCl2 - Cloreto de magnésio MIC - Concentração inibitória mínima MM - Massa molecular MOPS - Ácido morfolinopropanossulfônico MS - Espectrometria de massa N2 - Nitrogênio O2 - Oxigênio Oxi-Hc - Hemocianina oxigenada PBS - Tampão fosfato pH - Potencial hidrogeniônico Phe - Fenilalanina pI - Ponto isoelétrico PO - Fenoloxidase PPAE - Enzima ativadora de profenoloxidase pro-PO - prófenoloxidase RH - Raio hidrodinâmico RtH - Hemocianina de Rapana thomasiana RvH - Hemocianina de Rapana venosa SAXS – Espalhamento de raios X de baixo ângulo SB - Tampão estabilizador SDS - Dodecil sulfato de sódio SEC - Cromatografia de exclusão de tamanho SV - Velocidade de sedimentação TEM - Microscopia eletrônica de transmissão ToF - Tecnologia do tempo de vôo Trp - Triptofano Tyr - Tirosina UFC - Unidades formadoras de colônia Vbar - Volume parcial especifico λ - Comprimento de onda λmáx - Comprimentos de onda dos máximos de absorção ω - Velocidade angular Sumário 1. REFERENCIAL TEÓRICO ........................................................................... 15 1.1 Hemocianina ........................................................................................... 15 1.2 Hcs de Moluscos ..................................................................................... 21 1.3 Hcs de Artrópodes .................................................................................. 24 1.4 Importância biotecnológica das Hcs ........................................................ 28 1.5 Camarões do gênero Macrobrachium ..................................................... 30 1.6 Técnicas analíticas .................................................................................. 31 1.6.1 MALDI-TOF-MS ................................................................................ 31 1.6.2 AUC .................................................................................................. 35 1.6.3 Absorção ótica .................................................................................. 39 1.6.4 Emissão de fluorescência ................................................................. 40 1.6.5 LSI .................................................................................................... 42 2. OBJETIVOS ................................................................................................. 43 2.1 Objetivo Geral ......................................................................................... 43 2.2 Objetivos Específicos .............................................................................. 43 3. METODOLOGIA ........................................................................................... 44 3.1 Extração .................................................................................................. 44 3.2 Purificação .............................................................................................. 45 3.3 Eletroforese monodimensional SDS-PAGE ............................................ 46 3.4 Experimentos de espectrometria de massas MALDI-TOF-MS ............... 46 3.5 Análises de AUC ..................................................................................... 47 3.6 Análises espectroscópicas ...................................................................... 48 3.7 Ensaios de atividade biológica da HcMac nativa .................................... 49 3.8 Ensaios de atividade fenoloxidadese (PO) ............................................. 51 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO .................................................................... 51 4.1 Purificação .............................................................................................. 51 4.2 Eletroforese monodimensional SDS-PAGE ............................................ 55 4.3 Análises dos espectros de MALDI-TOF-MS ........................................... 56 4.4 Análises dos dados de AUC ................................................................... 57 4.5 Análises espectroscópicas da HcMac nativa em função do pH .............. 59 4.6 Análises da HcMac em função da concentração de ureia nos valores de pH 5,0 e 7,0 .................................................................................................. 65 4.7 Análises HcMac em função da concentração SDS nos valores de pH 7,0 e 5,0 .............................................................................................................. 71 4.8 Ensaios de atividade biológica ................................................................ 76 5. CONCLUSÃO ............................................................................................... 79 REFERÊNCIAS ................................................................................................ 83 15 1. REFERENCIAL TEÓRICO 1.1 Hemocianina A hemocianina (Hc) é uma hemoproteína respiratória azul, que está presente na hemolinfa de organismos invertebrados (cerca de 50 – 90%) como moluscos (Filo Molusca) e artrópodes (Filo Artropoda), alcançando em algumas espécies concentrações superiores a 100 mg.mL-1. A Hc possui alta estabilidade oligomérica frente a condições extremas de temperatura, entre -200 a 90º C, atua de maneira eficiente como carreador de oxigênio, defesa imunológica, controle hormonal e ecdise (PAUL; PIROW, 1998; JAENICKE et al., 1999; GLAZER et al., 2013; COATES; NAIRN, 2013; VOET et al., 2014). As Hcs formam grandes agregados com massas moleculares na faixa de 4,5 × 105 Da a 43,4 × 106 Da (HERSKOVITS; HAMILTON, 1991) e compostos de diferentes subunidades estruturais/funcionais. Apesar das notáveis diferenças em suas estruturas terciárias e quaternárias, a estrutura do sítio ativo em Hcs de moluscos e artrópodes é semelhante. Em ambos os casos, cada íon de cobre é ligado por três átomos nitrogênios (N) e por 3 resíduos de histidina (SPINOZZI, 2005). Entre os dois íons de cobre, uma molécula de oxigênio é ligada de forma reversível (Figura 1). Este centro de cobre tipo 3 também está presente em outras proteínas como tirosinases, catecoloxidases e fenoloxidases, e assume-se que as Hcs evoluíram a partir de proteínas ancestrais aglutinantes de oxigênio, como as tirosinases (TODOROVSKA et al., 2021). Hcs de artrópode e molusco desempenham a mesma função fisiológica ligada ao transporte circulatório de di-oxigênio para os tecidos. Entretanto, a arquitetura molecular dos agregados, bem como o tamanho das unidades estruturais e funcionais, é bastante diferente nas Hcs dos dois filos (STOEVA et al. 2001). As Hcs desempenham uma importante função biológica devido à sua capacidade de ligação reversível de oxigênio molecular em um local ativo que contém um centro de cobre binuclear (SCHÜTZ et al., 2001). Assim, como a hemoglobina nos vertebrados, as Hcs são moléculas multiméricas e cada subunidade (artrópodes) ou unidade funcional de uma subunidade (moluscos) se liga ao oxigênio (TODOROVSKA et al., 2021). 16 Figura 1 - Modelo de sítio de ligação da hemocianina de caranguejo-ferradura Limulus polyphemus (L. polyphemus). Os átomos em cinza representam os carbonos, o nitrogênio em azul, oxigênio em vermelho e o cobre em roxo. O complexo é incolor, e torna-se azul quando se liga ao O2. Fonte: Voet et al. (2014). Em geral as Hcs possuem um ponto isoelétrico (pI) ácido (em torno de pH 5,7) (LEE et al., 2004), e por isso em pH 7,0 a superfície eletrostática está carregada, predominantemente, com cargas negativas. Este fato facilita a hidratação e solubilidade da Hc na hemolinfa, minimiza a interação entre as próprias moléculas de hemocianinas com outras proteínas e as interações com superfícies carregadas negativamente no corpo, como o glicocálice das células em contato com a hemolinfa (JAENICKE; DECKER, 2003). Vale salientar que Hc é sintetizada no hepatopâncreas em crustáceos, secretada por células especializadas (cianócitos) em quelicerados e rigocitos em moluscos (BEUER- LEIN et al., 2004; WARD et al., 2010; KUHN-NENTWIG et al., 2014). A Hc existe em duas formas diferentes: a deoxi-Hc, que é incolor e contém um par de cobre [Cu(I) Cu(I)] e a oxi-Hc que apresenta coloração azul (Figura 2) e formulada como [Cu(II) O-2 Cu(II)], que reflete a transferência de elétrons de Cu(I) para o di-oxigênio (SOLOMON et al., 1992). Uma das diferenças da hemoglobina dos vertebrados para a Hc é o fato de esta ser um pigmento azulado, pois em vez de ferro, possui cobre em seu sítio ativo, ficando azulado ao reagir com o oxigênio e fica incolor quando livre do oxigênio (COATES; NAIRN, 2014). Os estudos cristalográficos de raio-X da deoxi-Hc da lagosta Panulirus interruptus (VOLBEDA; HOL, 1989), as formas deoxi-Hc e oxi-Hc do caranguejo- 17 ferradura Limulus polyphemus (HAZES et al., 1993; MAGNUS et al., 1994) e a estrutura cristalina da unidade funcional da Hc do polvo gigante do Pacífico Octopus dofleini (CUFF et al., 1998) mostraram uma imagem detalhada do sítio ativo da hemoproteína, que está profundamente dentro da matriz proteica e vários resíduos hidrofóbicos, incluindo Triptofanos (Trp), estão envolvidos na bolsa do sítio ativo (centro di-cobre). Foi proposto que tais resíduos poderiam contribuir para estabilizar o núcleo hidrofóbico da proteína (SCHÜTZ et al., 2001). Figura 2 - Espectro de absorção de 0,3 mg.mL-1 da Hc de L. polyphemus em 100 mmol.L-1 de tampão Tris-HCl, pH 7,5. O pico de absorbância em torno de 340 nm observado para Hc com a ligação de di-oxigênio está em contraste com o espectro de Hc desoxigenada. a) Uma alíquota de hemolinfa de caranguejo ferradura (azul) oxigenada (contendo 80 mg.mL-1 de Hc). b) Uma alíquota de hemolinfa desoxigenada (clara). A desoxi-hemocianina foi preparada usando diálise. Oxi-Hc em Tris-HCl 100 mmol.L-1, pH 7,5 foi dialisada contra Tris-HCl 100 mmol.L-1, pH 7,5 contendo EDTA 20 mmol.L-1, overnight a 4° C. Fonte: Adaptado de Coates e Nairn (2014). Para compreender a definição estrutural dos conformadores de alta e baixa afinidade que estão envolvidos nas propriedades cooperativas de ligação de O2 destas Hcs de artrópodes e moluscos, a estrutura das formas desoxigenadas (deoxi-Hc) e oxigenadas (oxi-Hc) na presença de efetores alostéricos foi estudada comparativamente por meio de cristalografia de raios-X (HAZES et al., 1993; MAGNUS et al., 1994), espectroscopia de absorção de raios X (SABATUCCI et al., 2002) e dispersão de raios X de baixo ângulo (SAXS) (HARTMANN et al., 2001; HARTMANN; DECKER, 2004;). 18 O resultado envolve mudanças conformacionais que ocorrem no sítio ativo da hemoproteína, bem como da estrutura terciária e quaternária. Acredita- se que um importante ponto para a mudança de afinidade seja a mudança na distância entre o comprimento de ligação Cu-Cu que diminui de 4,6 Å em deoxi- Hc para 3,6 Å em oxi-Hc (MAGNUS et al., 1994), enquanto as primeiras distâncias médias de ligação do complexo imidazol-cobre (Nε 2-Cu) são essencialmente mantidas (SABATUCCI et al., 2002). Isto se correlaciona com as notáveis semelhanças existentes entre as proteínas dos artrópodes e moluscos, no nível tanto da sequência de aminoácidos quanto da estrutura terciária, como resultado de sua peculiar trajetória evolutiva (DECKER; TERWILLIGER, 2000). As Hcs têm demonstrado múltiplos papéis associados a processos fisiológicos e imunológicos em invertebrados. Como exemplos pode-se citar: muda (ADACHI et al., 2005a; 2005b), precursor de PAMs (Peptídeos antimicrobianos) de amplo espectro (DESTOUMIEUX-GARZON et al., 2001; LEE et al., 2003), produção de radicais de oxigênio (JIANG et al., 2007), aglutinar/opsonizar microrganismos patogênicos (YAN et al., 2011) e mais notavelmente, atividade fenoloxidase (PO) induzível, denominada atividade PO derivada da hemocianina (Hc-d PO) (DECKER; JAENICKE, 2004; COATES et al., 2011). Em relação à resposta imune, o estímulo da Hc, também chamada de profenoloxidase (proPO), em PO é regulado por uma serino-protease, chamada enzima ativadora de profenoloxidase (PPAE), que é acionada pelos componentes da parede celular (lipopolissacarídeos, -1,3-glucanos ou peptidoglicanos) de bactérias ou fungos (JIANG et al., 1998; LEE et al., 1998; SATOH et al., 1999). Embora a conversão da proPO em PO supostamente ocorre da mesma maneira que se observa no animal vivo, e possa induzir o desenvolvimento de manchas negras durante o armazenamento do animal congelado, pouco se sabe sobre o mecanismo preciso (ADACHI et al., 2001). A PO é uma proteína de cobre, com ação enzimática (derivada da Hc presente na hemolinfa do animal) que é amplamente distribuída em invertebrados. Esta enzima é expressa a partir de seus hemócitos como seu precursor, proPO, e funciona em várias fases do organismo vivo, tais como esclerose, pigmentação, cura de feridas em cutículas, e reações de defesa (SUGUMARAN, 1996; SÖDERHÄLL et al., 1996; ASHIDA; BREY 1997). 19 A PO de hemócitos, portanto, tem sido considerada até agora como um fator chave no desenvolvimento de manchas negras em crustáceos congelados durante o armazenamento. Para confirmar esta relação causal, Adachi et al. (1999a) purificaram e caracterizaram o precursor desta enzima (proPO) a partir de hemócitos de camarão kuruma. Observaram que a PO de hemócitos é uma proteína instável, que se agrega facilmente e é inativada em poucos dias, mesmo sob condições refrigeradas abaixo de 4º C. Por outro lado, a PO está presente em concentrações muito menores na hemolinfa e é mais sensível à desnaturação termal (LIU et al., 2006; GARCIA- CARRENO et al., 2008). As enzimas PO e a cascata de ativação proPO associada desempenham um papel essencial na imunidade aos invertebrados, entretanto, pensa-se que as enzimas PO são a principal causa da hiperpigmentação (MARTINEZ-ALVAREZ et al., 2008). Hc de crustáceos, moluscos e queliceratos podem ser convertidas de uma proteína transportadora de oxigênio para uma proteína enzimática exibindo atividade PO in vitro (DECKER et al., 2007). Esta Hc-d PO supostamente é responsável pela cura de feridas, infecções e na imunidade inata, in vivo, sugerindo que a mudança de Hc transportadora de oxigênio para Hc-d PO in vivo seja mediada por fatores similares aos envolvidos na cascata de ativação da proPO (NAGAI; KAWABATA, 2000; NAGAI et al., 2001; CERENIUS et al., 2008; COATES et al., 2011). Em alguns artrópodes, a atividade da PO foi atribuída à ativação de proPO, ou uma combinação de ativação de proPO e Hc-d PO (WRIGHT, 2012). As PO abrangem tanto as tirosinases quanto as catecoloxidases, as tirosinases catalisam a hibridação dos monofenóis e sua posterior oxidação, enquanto as catecoloxidases catalisam somente a etapa de oxidação (ROLFF et al., 2011). As Hc-d POs caracterizadas demonstraram atividade de tirosinase e catecoloxidase (DECKER; RIMKE, 1998; MORIOKA et al., 2008; NILLIUS et al., 2008). Em relação as caracterizações biofísicas, as Hcs podem perder sua estrutura quaternária sob condições não fisiológicas (IDAKIEVA et al., 2020). As propriedades de associação/dissociação das Hcs de alguns moluscos e artrópodes, junto com a estabilidade conformacional em diferentes condições 20 físicas (por exemplo, temperatura, pH e etc.) e/ou agentes químicos foram estudados (DOLASHKA et al., 1996; TODINOVA et al., 2018). O estado de equilíbrio da proteína nativa deve, portanto, ser considerado como representante de um delicado equilíbrio entre um grande número de interações fracas, cada uma das quais sensível à temperatura e ao estado do solvente circundante (ou seja, pH, força iônica, presença de solutos que quebram a ligação de hidrogênio, como a ureia, e presença de compostos anfifílicos que afetam o equilíbrio das interações hidrofóbicas e hidrofílicas) (DOLASHKI et al., 2019). A desnaturação das Hcs pode ser provocada de muitas maneiras, incluindo a desnaturação térmica (pelo aumento da temperatura), a desnaturação pela mudança de pH e a desnaturação química. Por isso, tais estudos necessitam ser muito bem explorados e o uso de diferentes técnicas biofísicas pode ser bastante interessante para se compreender os efeitos sobre a estrutura quaternária das proteínas oligoméricas (isto é, dissociação inicial) e sobre as estruturas terciárias e secundárias (isto é, desdobramento das subunidades) (DOLASHKI et al., 2019). Ao aumentar o pH do meio para 9,0 e/ou remover íons metálicos bivalentes (como Ca2+, Mg2+), a molécula Hc se dissocia em subunidades, sem perder a capacidade de ligar o oxigênio molecular de forma reversível (VAN HOLDE; MILLER, 1995; PREAUX; GIELENS, 2010). Idakieva et al. (2020) analisaram o processo de dissociação/reassociação da Hc de caracóis de jardim Helix lucorum (HlH). Após a diálise noturna contra tampão 130 mmol.L-1 Gly-NaOH (pH 9,6), a análise de Microscopia Eletrônica de Transmissão (TEM) da HlH dissociada mostrou estruturas desorganizadas. Ao alterar as condições, utilizando diálise contra o tampão estabilizador (SB) em pH 7,2, contendo 20 mmol.L-1 de CaCl2 e 20 mmol.L-1 de MgCl2, as subunidades estruturais obtidas foram em sua maioria reassociadas para formar didecâmeros e multicâmeros. Além disso, as Hcs podem facilmente dissociar-se em pH alcalino (por exemplo, pH 9,6) em subunidades funcionais e reassociar-se a um pH quase neutro (por exemplo, pH 7,5) em sua estrutura quaternária original. Para isso essas conformações necessitam da presença de íons Ca2+ e Mg2+ (MARKL, 2013). 21 Importante enfatizar que a identificação do repertório de subunidades e disposição/caracterização de Hcs pode melhorar a compreensão da evolução das espécies e o papel da diversidade de sequências na montagem e função dos oligômeros de ordem superior, especialmente em resposta às mudanças ambientais (TODOROVSKA et al., 2021). E para garantir a qualidade e a eficácia da glicoproteína para usos terapêuticos, sua estrutura molecular e estabilidade térmica são características chave que precisam ser elucidadas (DOLASHKI et al., 2019). 1.2 Hcs de Moluscos A estrutura quaternária básica da Hc de molusco é decamérica, geralmente com pesos moleculares entre 4,0 e 9,0 MDa, na forma de um cilindro oco de 30 - 38 nm de diâmetro e 15 -18 nm de altura, que contém 10 subunidades com sequência idêntica e com massa molecular entre 330 - 450 kDa (VAN HOLDE; MILLER, 1992; 1995; MILLER et al., 1998; MARKL, 2013; COATES e NAIRN et al., 2014; DECKER et al., 2018). Cada subunidade tem 7 ou 8 unidades funcionais (FUs) globulares diferentes, com massa molecular (MM) de 50 - 55 kDa (VAN HOLDE; MILLER, 1995; MARKL, 2013) e cada FU contém um sítio ativo de di-cobre, capaz de ligar de forma reversível uma molécula de oxigênio (VAN HOLDE; MILLER, 1995; DECKER et al., 2018), como mostra a Figura 3. Nos últimos anos, houve um progresso na investigação estrutural da Hc de moluscos (LIEB et al., 2010; COATES; NAIRN et al., 2014; GATSOGIANNIS et al., 2015). 22 Figura 3 - Organização estrutural de hemocianinas de moluscos. Os átomos de cobre são representados pela cor laranja. Fonte: Adaptado de Coates e Nairn (2014). A primeira sequência completa publicada de uma subunidade estrutural de Hc de molusco, foi a do Octopus dofleini (MILLER et al., 1998). Além disso, a estrutura cristalográfica da unidade funcional Odg a partir da mesma proteína respiratória foi determinada em 2,3 Å de resolução (CUFF et al., 1998). A maioria das Hcs de moluscos são glicoproteínas e possuem potenciais imunoterapêuticos, incluindo efeitos antineoplásicos, antivirais e antibacterianos (LAMM, 2003; DOLASHKA et al., 2010; DOLASHKA et al., 2011; ARANCIBIA et al., 2012; ANTONOVA et al., 2014; COATES; NAIRN et al., 2014; DOLASHKA et al., 2016). Algumas Hcs de moluscos têm um potencial significativo para o desenvolvimento de novos medicamentos (LAMM, 2003; ZANJANI et al., 2018). A literatura relata que as Hcs de Rapana venosa, Helix lucorum e Helix aspersa apresentam atividades antitumorais e antimicrobianas (DOLASHKA et al., 2010; DOLASHKA et al., 2011; ANTONOVA et al., 2014; DOLASHKA et al., 2016). A Hc de Haliotis tuberculata (HtH) contém peptídeos antimicrobianos e pode atuar como fonte de peptídeos anti-infecciosos (ZHUANG et al., 2015). Foi encontrada em gastrópode, a incomum Hc tridecamerica em caramujos ceritóides de água doce, denominadas "mega-Hc" (LIEB et al., 2010). A mega-Hc com massa molecular de 13,5 MDa está entre os maiores transportadores de oxigênio conhecidos encontrados na hemolinfa de alguns caramujos (LIEB et al., 2010; COATES; NAIRN et al., 2014; GATSOGIANNIS et al., 2015). 23 As mega-Hcs de caramujos ceritóides são uma exceção, pois sua estrutura interna apresenta um arranjo mais complexo (COATES; NAIRN et al., 2014). As subunidades da Hc destes moluscos estão entre as maiores cadeias polipeptídicas encontradas na natureza (MARKL, 2013), tipicamente compostas de cerca de 400 resíduos de aminoácidos com diferentes sequências e padrões genômicos e massas moleculares de 330 - 450 kDa, dependendo da espécie (VAN HOLDE; MILLER, 1995; DECKER et al., 2007). O número de isoformas de Hc presentes nas espécies de moluscos varia entre 1 e 3 (VAN HOLDE; MILLER, 1995; DECKER et al., 2007; MARKL, 2013). Enquanto os gastrópodes marinhos têm uma ou duas isoformas de Hc estrutural e funcionalmente distintas, três isoformas de Hc (β-HlH, αD-HlH e αN-HlH) foram relatadas para Helix lucorum e Helix aspersa (VELKOVA et al., 2010; ANTONOVA et al., 2014). Uma característica adicional das estruturas de Hc de moluscos é a presença de carboidratos ligados à sua estrutura, que desempenham papéis fundamentais em sua organização e sua eficácia imunológica (VAN HOLDE; MILLER, 1995; DECKER et al., 2007). As Hcs de gastrópodes são glicoproteínas com um teor de carboidratos mais elevado de cerca de 9% (p/p) em relação as Hcs de artrópodes e podem conter monossacarídeos incomuns, tais como uma hexose metilada (por exemplo, O-metilmannose e O-metilgalactose), β(1,2)- xilose ligada, α(1,3)-fucose ligada, α(1,6)-fucose ligada ou ácido hexurônico (VAN HOLDE; MILLER, 1995; DOLASHKA et al., 2010; DOLASHKA et al., 2011). Em gastrópodes e bivalves a estrutura quaternária típica da Hc nativa é um didecamero cilíndrico, formado pela montagem face a face de dois decameros (VAN HOLDE; MILLER, 1995). Várias Hcs gastropodais são heterogêneas, pois consistem de duas isoformas de subunidades imunologicamente distintas que se expressam de modos diferentes (STREIT et al., 2005). A Hc dos gastrópodes Megathura crenulata (GEBAUER et al., 1994), Haliotis tuberculata (LIEB et al., 2000), e Rapana venosa (DOLASHKA- ANGELOVA et al., 2000) possuem duas formas homodecaméricas nativas distintas cada, contendo uma das duas isoformas da subunidade (DOLASHKI 2008). 24 DOLASHKI et al. (2008), estudou a influência da temperatura e pH na estabilidade da Hc do molusco Rapanna venosa e constatou por análises de CD que ocorrem mudanças iniciais relativamente pequenas (222 nm) a altas temperaturas (45 ºC), indicando que muitos elementos da estrutura secundária são preservados, especialmente em pH neutro e até mesmo em temperaturas extremamente altas. O interesse em estudar as Hcs de moluscos está bem estabelecido, baseado principalmente nas propriedades imuno-estimuladoras únicas destas hemoproteínas; estes biopolímeros extracelulares são glicoproteínas de cobre e transportadoras de oxigênio, formando agregados livremente dissolvidos na hemolinfa dos moluscos com MM extremamente elevada (comparável em tamanho aos ribossomos ou pequenos vírus) e estrutura quaternária complexa (STERNER; DECKER, 1994; HARRIS et al., 2000). Elas têm sido intensamente estudadas por sua estrutura, função e evolução, e por aplicações imunológicas e clínicas (VAN HOLDE et al. 1992; VAN HOLDE; MILLER 1995; HARRIS; MARKL, 1999). 1.3 Hcs de Artrópodes As Hcs de Artrópodes são hexâmeros (1 × 6) ou múltiplos de hexâmeros (2×hexâmeros, 4×hexâmeros, 6×hexâmeros ou 8×hexâmeros) constituídos por subunidades estruturais de aproximadamente 75 kDa (STOEVA et al., 2001). O hexâmero básico é construído com seis subunidades em forma de feijão localizadas nos cantos de um antiprisma trigonal e cada subunidade é uma única cadeia polipeptídica que contém um local de ligação de oxigênio di-nuclear (STOEVA et al., 2001). O local ativo consiste em dois átomos de cobre não equivalentes (CuA e CuB), cada um coordenado por três grupos imidazólicos de resíduos de histidina (VOLBEDA; HOI, 1989). A composição de subunidades e sua disposição são tipicamente táxon- específico e pode ter sido conservada em alguns táxons de artrópodes por vários milhões de anos (BURMESTER, 2013). Cada Hc de artrópode consiste em três domínios (Figura 4): o domínio I contém de cinco a seis α-hélices, o domínio II contém um pacote de quatro α-hélices e compreende o centro di-cobre e o domínio III são sete folhas β (VAN HOLDE et al., 2001; REHM et al., 2012). 25 Figura 4 - Organização estrutural de hemocianinas de artrópodes. (Domínio II). Apresenta o centro di-cobre com seis resíduos de histidina conservados. Os átomos de cobre são representados pela cor laranja. Fonte: Adaptado de Coates e Nairn (2014). A organização tridimensional da deoxi-Hc de Panulirus interruptus foi determinada em uma resolução de 3,2 Ǻ por cristalografia de raios X (GAYKEMA et al., 1984). Os cristais utilizados para estes estudos continham subunidades a e b em quantidades iguais. O modelo revelou que cada subunidade é dobrada em três domínios, e que o segundo domínio contém o sítio de cobre di-nuclear. A maioria das Hcs dos crustáceos malacostracos formam 1×hexâmero ou 2×hexâmeros, com exceção dos talassinídeos Callianassa californiensis (MARKL; DECKER, 1992) e Upogebia pusilla (MICETIC et al., 2010) que possuem 4×hexâmeros. Estas Hcs mostram um elevado grau de variabilidade, por exemplo, as subunidades podem estar presentes apenas em algumas etapas de seu desenvolvimento ou sob certas condições fisiológicas (DECKER et al., 2004). Além disso, os grupos de subunidades podem diferir entre as espécies estreitamente relacionadas ou mesmo dentro das populações (DECKER et al., 2004). Dados detalhados de cristalografia de raios X e microscopia eletrônica 3D mostraram que a estrutura quaternária da Hc de artrópode é baseada no hexâmero (1×hexâmero) que contém seis subunidades heterogêneas de cerca de 75 kDa cada (aproximadamente 660 aminoácidos) e é conservada dentro de todas as Hcs de artrópode. Tal estrutura foi observada em lagostas P. elephas e P. interruptus (MEISSNER et al., 2003), assim como em outros caranguejos. Nas espécies de artrópodes, os hexâmeros de Hc podem se associar para formar multihexâmeros (2×hexâmeros, 3×hexâmeros, 6×hexâmeros e 8×hexâmeros) 26 de massa molecular superior (MARKL; DECKER, 1992; VAN HOLDE; MILLER 1995). Em Scolopendra subspinipes e Scolopendra viridicornis pertencentes ao subfilo Myriapoda, a Hc é composta de 3×hexâmeros e 6×hexâmeros, respectivamente (RICILUCA et al., 2020), enquanto que no Limulus polyphemus (subfilo Helicerata) é composta de 8×hexâmeros (MARTIN et al., 2007). Os estudos detalhados sobre a estrutura das hemoproteínas de artrópodes mostram que a subunidade monomérica da Hc é composta de três domínios distintos: domínios N-terminal, M-terminal e C-terminal (LINZEN et al., 1985). Os domínios N-terminal e C-terminal são mais variáveis em sequência do que o domínio M e estão envolvidos na ligação de carboidratos (TODOROVSKA et al., 2021). A presença do cobre no sistema interno dos crustáceos é fundamental para o seu funcionamento, havendo necessidade de um nível adequado na hemolinfa, pois ele não é apenas um elemento vestigial, mas essencial, sendo também potencialmente tóxico para os animais (COATES; NAIRN, 2014). Muitos estudos in vitro, com mais de 40 espécies de invertebrados, evidenciam que as Hcs possuem atividade fenoloxidase latente, podendo ocasionar a sua conversão em proteínas enzimáticas com função imunológica (ADACHI et al., 2003; BAIRD et al., 2007; KUBALLA et al., 2011; COATES et al., 2013). A Hc pode ser convertida em uma enzima tipo PO através de duas formas principais de conversão: a) tratamento proteolítico com proteases (tripsina ou derivado de micróbios) e b) através de perturbações na estrutura oligomérica da proteína pela ação de agentes caotrópicos como detergentes, solventes, sais e fosfolipídios. O surfactante dodecil sulfato de sódio (SDS) é comumente usado em baixas concentrações (abaixo de 1,0 mmol.L-1) para estimar a atividade enzimática de PO (DECKER et al., 2001; DECKER E JAENICKE, 2004; BAIRD et al., 2007; GOLDFEDER et al., 2013). Dessa maneira, em diferentes espécies de crustáceos têm sido relatados que a Hc gera peptídeos antimicrobianos (PAMs) em resposta ao ataque microbiano (PETIT, 2016). Dentre os estudos destacam-se os de Destoumieux- Garzon et al. (2001) que isolaram dois fragmentos peptídicos presentes na hemolinfa dos camarões Penaeus stylirostris e Penaeus vannamei demonstrando atividade antifúngica na sequência identificada próxima da região 27 C-terminal da proteína; Lee et al. (2003) isolaram um potente peptídeo antibacteriano de 16 resíduos de aminoácidos, Astacidin 1, extraído da Hc do lagostim de água doce Pacifastacus leniusculus; Zhang et al. (2004) obtiveram anticorpos do camarão Penaeus monodon infectado com a síndrome da mancha branca (WSSV), através da purificação de peptídeos acoplados a partículas virais (73 kDa e 75 kDa) que foram subsequentemente identificadas como derivados de Hc; Liu et al. (2018) mostraram a eficiência do peptídeo p11 derivado da hemocianina de P. vannamei como inibidor da proliferação de células carcinogênicas. O camarão tigre P. monodon (Crustacea, Decapoda) é um dos maiores invertebrados da família Penaeidea. Este organismo vive em áreas com condições tropicais e subtropicais e está amplamente distribuído em toda a região Indo-Pacífico. P. monodon é um habitante marinho de importância comercial. Ele cresce rapidamente e tolera mudanças na salinidade e na temperatura ambiental (ELLERTON; ANDERSON, 1981; CHEN et al., 1994a). Embora a estrutura e função das Hcs crustáceos estão sendo investigadas, as informações estruturais sobre Hcs de Penaeidea são ainda limitadas. Estudos sobre as mudanças das proteínas e aminoácidos livres na hemolinfa de P. monodon (CHEN et al., 1994a) e Penaeus japonicus (CHEN et al., 1994b), bem como sobre a síntese de Hc em Penaeus semisulcatus (KHAYAT et al., 1995) foram publicadas. Hcs foram isoladas da hemolinfa de P. monodon (ELLERTON; ANDERSON, 1981) e P. vannamei (camarão branco) (FIGUEROA-SOTO et al., 1997) e caracterizadas. Os crustáceos marinhos são vulneráveis ao desenvolvimento de manchas negras em seus corpos e depois descolorem durante o congelamento no armazenamento. Esta descoloração, chamada "desenvolvimento de manchas negras" é atribuída à melanose resultante da oxidação enzimática dos fenóis e seus derivados pela PO (YAN; TAYLOR, 1991; ALI et al., 1994ab; TAYLOR, 1995). Clonagens moleculares de proPO foram realizadas em 4 espécies de artrópodes e suas sequências de aminoácidos deduzidas mostraram ser altamente similares às da Hc (ASPAN et al., 1995; FUJIMOTO et al., 1995; HALL et al., 1995; KAWABATA et al., 1995). Nos crustáceos, esta proteína transportadora/armazenadora de oxigênio é expressa a partir do 28 hepatopâncreas e localizada em concentrações bastante elevadas no plasma, compreendendo 90 a 95% da proteína plasma total (VAN HOLDE; MILLER, 1995), enquanto apenas uma quantidade trivial de PO existe nos hemócitos. Compreender os mecanismos de ação e participação da Hc nos processos fisiológicos dos crustáceos pode trazer avanços na carcinicultura e servir de fonte para potentes peptídeos bioativos. 1.4 Importância biotecnológica das Hcs Vários aspectos de suas peculiaridades estruturais-funcionais fazem das Hcs moléculas importantes para abordar problemas relevantes da biologia estrutural, incluindo o reconhecimento molecular entre subunidades, interações proteína-água ou regulamentação alostérica (DOLASHKA-ANGELOVA et al. 2007). A Hc do molusco lapa de fechadura (Megathura crenulata), keyhole limpet (KLH), é aplicada com sucesso na medicina. Assim, a KLH é amplamente utilizada em laboratórios e clínicas como estimulante imunológico (JURINCIC et al., 1988), para vacinas contra a AIDS (KAHN et al., 1992) e para uma vacina profilática para prevenir o abuso da cocaína (BAGASRA et al., 1992), e também pode ser um agente imunoterapêutico eficaz contra o câncer de bexiga (JURINCIC et al., 1988; FLAMM et al., 1990). Sua estrutura protéica e comportamento de desmontagem/remontagem foram amplamente estudados (ORLOVA et al. 1997; SOHNGEN et al. 1997; HARRIS et al. 1998, 2000; GEBAUER et al. 1999b, 2002; MOUCHE et al., 2003). O campo da imunologia celular forneceu muitas informações biomédicas relevantes sobre a KLH e levou à expansão do uso da KLH em imunologia experimental e clinicamente como agente imunoterápico, sendo comparada como igual ou superior à vacina BCG e com menos efeitos colaterais (HARRIS; MARKL, 1999; RIGGS et al., 2002; SUMINOE et al., 2008; BETTING et al., 2009). Enquanto a resposta imunológica à KLH foi frequentemente atribuída à participação de carboidratos, em vez de apenas proteínas, a cadeia de polipeptídios de oito unidades funcionais globulares que constituem a subunidade alongada KLH e a estrutura quaternária altamente organizada da 29 molécula nativa poderiam criar um andaime no qual vários epítopos de carboidratos seriam inicialmente disponibilizados para o sistema imunológico (VARSHNEY et al., 2010). O espaçamento estéreo ideal dos resíduos de açúcar poderia potencializar a resposta estimulante potente observada, tanto in vivo quanto in vitro. Prevê-se que estas cadeias laterais de carboidratos se projetem a partir da superfície da molécula KLH, bem como das subunidades, proporcionando assim imunogenicidade (GEYER et al., 2005; BECK et al., 2007; SANDRA et al., 2007; DOLASHKA-ANGELOVA et al., 2009). Os primeiros trabalhos mostraram que a KLH é composta de duas subunidades diferentes, KLH1 e KLH2 (MARKL et al., 9991; SWERDLOW et al., 1996). Estas agem como instrumento imunológico amplamente utilizado e promissores portadores de vacinas tumorais (KIM et al., 2007; SABBATINI et al., 2007). A sequência completa de aminoácidos da Hc do molusco Haliotis tuberculata (KELLER et al., 1999; LIEB et al., 2000) e ambos KLH1 e KLH2 foram encontrados (LIEB; MARKL, 2004) e foi criado o modelo híbrido de estrutura cryo EM/cristal de KLH1 (ORLOVA et al., 1997; GATSOGIANNIS; MARKL, 2009). Há muitos relatos na literatura sobre possíveis aplicações das Hcs moluscos na medicina como imunoestimulantes, portadores de vacinas, agentes antivirais, etc. (GESHEVA et al., 2014; GESHEVA et al., 2015; ZANJANI et al., 2018). Recentemente, um estudo relatou um efeito anticâncer significativo das Hcs de caramujos marinhos Rapana thomasiana (RtH) e caramujos de jardim Helix pomatia (HpH) em um modelo murino de carcinoma do cólon (STOYANOVA et al., 2020). As investigações sobre a Hc isolada dos caracóis de jardim Helix lucorum (HlH) demonstraram suas propriedades imunológicas e atividade antitumoral (DOLASHKA-ANGELOVA et al., 2008; DOLASHKA et al., 2011; BOYANOVA et al., 2013). Estudos evidenciam que as Hcs são versáteis para diferentes aplicações biotecnológicas, uma vez que as mesmas possuem atividade antiviral e antimicrobiana, além de apresentar atividade PO latente quando exposta a condições de estresse. Yang et al. (2013) desenvolveram um sensor eletroquímico a partir da Hc imobilizada numa matriz de celulose e nanopartículas de ouro para quantificação simultânea da hidroquinona e o catecol. Neste estudo, o dispositivo teve uma boa linearidade com limite de 30 detecção de 80 μmol.L-1 para a hidroquinona e 87 μmol.L-1 para o catecol. Recentemente, outro estudo reportou um dispositivo obtido a partir da Hc com alta sensibilidade para o catecol (considerado poluente ambiental pela Agência de Proteção Ambiental dos EUA e União Européia), de baixo custo e limite de detecção de cerca de 90,8 nmol.L-1 (HARIHARAN et al., 2019). Tais fatos sugerem que esta classe de proteína pode ser utilizada para o desenvolvimento de sensores, para quantificação e detecção de micro poluentes, como agrotóxicos e hormônios. A questão da formulação de preparações estáveis é de particular importância em vista das possíveis aplicações terapêuticas da Hc. Isto, por sua vez, requer o conhecimento da estrutura e estabilidade das moléculas. 1.5 Camarões do gênero Macrobrachium Camarões do gênero Macrobrachium são importantes membros dos sistemas de água doce e estuarino (MUNANSINGHE, 2010). Possuem grande diversidade, apresentando mais de 240 espécies descritas em todo o mundo (DE GRAVE; FRANSEN, 2011). Nas Américas, possui 55 espécies reconhecidas, das quais 17 estão distribuídas no Brasil em bacias do interior, litoral e na Amazônia (PILEGGI; MANTELATTO, 2010). Da fauna brasileira, apenas três espécies do gênero Macrobrachium apresentam interesse econômico e alto potencial de cultivo: M. acanthurus, M. carcinus e M. amazonicum (BERTINI; VALENTI, 2010). As duas primeiras ocorrem nos estuários do Estado de São Paulo, enquanto que a terceira é largamente distribuída em águas interiores nos rios da bacia do Rio Paraná, sendo abundante nas regiões estuarinas do norte e nordeste do país (MAGALHÃES et al., 2005). O M. acanthurus é comum na região do Vale do Ribeira e explorado pela pesca artesanal visando o comércio de iscas vivas para a pesca esportiva e consumo humano (BERTINI; VALENTI, 2010) e M. amazonicum é largamente explorado na região nordeste e nos estados do Pará e Amapá, tendo importância relevante para a comunidade ribeirinha destas regiões, contribuindo com a economia e com o desenvolvimento da atividade pesqueira (LIMA et al., 2019). 31 Assim, apesar destas espécies nativas possuírem alto potencial para a aquicultura e de existir a preocupação desde o início da década dos anos 2000 em se criar espécies endêmicas (KUTTY et al., 2000), atualmente o camarão exótico, M. rosenbergii é a principal espécie de camarão de água doce cultivada comercialmente no Brasil e no mundo (FAO, 2019). No entanto, a carcinicultura de água doce sofre muitos surtos de doenças causadas por infecções fúngicas e bacterianas o que reduz drasticamente a produção (CHENG; CHEN, 1998; CHEN et al., 2001; WANG et al., 2012). Portanto, a prevenção de surto de doenças e o estudo de potenciais moléculas antimicrobianas, que poderão ser utilizadas no tratamento de doenças ocasionadas em camarões de interesse econômico, são de primordial importância para sistemas de cultivo. Os camarões não possuem memória imunológica e eles dependem do sistema imunológico inato para a defesa e eliminação de microrganismos (WANG et al., 2012). Muitas moléculas não específicas, incluindo fenoloxidase, peptídeos antimicrobianos, lisozima e lectinas, já foram clonadas e caracterizadas a partir da Hc dos camarões peneídeos Penaeus vannamei, P. japonicus, P. monodon (SELLOS et al., 1997; LEI et al., 2008; SOMBOONWIWAT et al., 2010) e para o caranguejo Cancer magister (DURSTEWITZ; TERWILLIGER, 1997). Desta forma, o presente trabalho possibilitará aprofundar os conhecimentos sobre possíveis diferenças estruturais da HcMac frente a outras Hcs de camarões já estudas e servir de suporte para futuras aplicações biotecnológicas. 1.6 Técnicas analíticas 1.6.1 MALDI-TOF-MS A espectrometria de massa (MS) é uma técnica analítica que visa identificar a quantidade e o tipo dos compostos químicos que existem dentro das moléculas e se baseia na medição da relação massa/carga das amostras analisadas (HOSSEINI; MARTINEZ-CHAPA, 2017). As antigas técnicas de MS aproveitavam a ionização da amostra por bombardeamento do analito com feixes de elétrons. Este método de ionização normalmente resulta na quebra da amostra em milhares de fragmentos carregados (SPARKMAN, 2000). As 32 moléculas na amostra analisada podiam então ser identificadas através da correlação das massas conhecidas com os padrões resultantes dos fragmentos. Todavia, nenhuma técnica disponível na época era capaz de preservar as moléculas durante a ionização ou para minimizar a chance de fragmentação (SPARKMAN, 2000). Embora as técnicas convencionais de MS fossem bastante comuns e aplicáveis em muitas áreas diferentes de pesquisa, elas só eram capazes de oferecer "ionização intensa"(HOSSEINI; MARTINEZ-CHAPA, 2017). Hillenkamp e Karas (1985), dois cientistas da Alemanha, estabeleceram a técnica de ionização suave. Eles descobriram que o aminoácido Alanina (Ala) podia ser facilmente ionizado quando misturado com o aminoácido Trp e irradiado por um pulso de laser de 266 nm, e que outros tipos de peptídeos poderiam ser ionizados após misturados com o mesmo tipo de "matriz" (KARAS et al., 1987). Mais importante ainda, eles descobriram que nesta técnica, as moléculas são protegidas da fragmentação durante o procedimento de ionização pela presença da matriz e por este motivo foi denominada de ionização suave (HOSSEINI; MARTINEZ-CHAPA, 2017). Karas e Hillenkamp aperfeiçoaram posteriormente a técnica com base no conceito de ionização suave e, como resultado, o primeiro instrumento de ionização de dessorção assistida por laser (MALDI-MS) foi disponibilizado comercialmente no início dos anos 90 (HILLENKAMP; KARAS, 2000). Mais tarde, em 2002, Tanaka ganhou um quarto do Prêmio Nobel de Química por sua contribuição no desenvolvimento da técnica de ionização por dessorção suave para análise espectroscópica de macromoléculas biológicas (MARKIDES; GRÄSLUND, 2002). No final dos anos 50, antes do nascimento do MALDI-MS, já existia a tecnologia do tempo de vôo (ToF); uma técnica na qual íons carregados eram forçados a voar de uma fonte até o detector para que pudessem ser identificados com base no tempo de seu vôo até o detector de íons. Mas ToF estava sofrendo com sua baixa resolução e não encontrou sua aplicação nas técnicas de MS. Somente mais tarde, percebeu-se que a combinação da tecnologia MALDI-MS e ToF pode resultar em uma técnica altamente sensível que hoje conhecemos como MALDI-ToF-MS (HOSSEINI; MARTINEZ-CHAPA, 2017). 33 A análise MALDI-ToF-MS encontrou rapidamente uma variedade de aplicações em muitas áreas científicas diferentes, pois fornece informações essenciais sobre parâmetros importantes como a MM e polidispersão do composto que pode ser utilizado para diversas aplicações tais como o estudo das vias de síntese, verificação dos mecanismos de degradação, medição dos aditivos e impurezas, formulações de produtos e identificação de variações composicionais (HOSSEINI; MARTINEZ-CHAPA, 2017). Uma das principais aplicações analíticas do MALDI-ToF-MS, na bioquímica é a coleta de impressões digitais em massa de peptídeo, revela a sequência de aminoácidos dos peptídeos com o objetivo de decomposição pós- fonte ou dissociação induzida por colisão de alta energia (HARVEY, 1999; LATTOVÁ et al., 2007; TAJIRI et al., 2009). A análise de macromoléculas orgânicas na química, tais como catenanas, rotaxanas, dendrinas e polímeros hiperbranqueados, normalmente enfrenta limitações em muitas das técnicas de ionização, pois é difícil produzir íons moleculares a partir de tais microestruturas (HOSSEINI; MARTINEZ-CHAPA, 2017). Utilizando as vantagens da análise de MALDI-ToF-MS, o peso molecular e a estrutura química destes compostos podem ser cuidadosamente analisados (CHIKH et al., 2007; 2008). O MALDI-ToF-MS pode ser usado para análise de homopolímeros, copolímeros e polímeros misturados (determina o número de fatores-chave que são cruciais em aplicações subsequentes dos polímeros). Na área de microbiologia, pode ser aplicado para identificação de microorganismos como bactérias ou fungos e junto de outras técnicas analíticas é utilizado para diagnóstico de doenças (HOSSEINI; MARTINEZ-CHAPA, 2017). Em relação ao modo de ação da técnica, o MALDI-TOF-MS introduz a ionização suave das amostras analisadas. Quando o feixe do laser é irradiado para o ponto alvo, onde a amostra é montada, o pulso laser com o objetivo de matriz (e agente ionizante em alguns casos) dessorve e ioniza o analito de interesse de forma indireta e, como resultado, um íon de alta massa pode ser produzido por esta técnica (ionização suave) (HOSSEINI; MARTINEZ-CHAPA, 2017). Para obter uma ionização bem-sucedida da amostra, a matriz escolhida deve ter um coeficiente de absorção considerável no comprimento de onda específico aplicado (WU; ODOM, 1998). 34 A matriz atua inicialmente como um separador para o analito, pois reduz as forças intermoleculares por um fenômeno chamado isolamento da matriz (WU e ODOM, 1998). Portanto, ela impede a formação de aglomerados dentro do analito, como é mostrado na Figura 5. Após a irradiação a laser, a matriz começa seu papel real na ionização suave da substância a ser analisada absorvendo a maioria da energia do fóton. Consequentemente, a matriz preserva a substância a ser analisada da irradiação direta a laser. A energia absorvida leva à excitação da matriz. Através desta excitação, a matriz muda a fase de sólido para gás e uma densa nuvem de gás é gasta na câmara de vácuo. O produto final do analito ionizado se forma como resultado da colisão das moléculas neutras do analito e íons de matriz (WU; ODOM, 1998). Figura 5 - Representação esquemática do mecanismo de ionização suave da substância a ser analisada. Fonte: Hosseini e Martinez-Chapa (2017). Os íons gerados que podem ser íons matrizes, íons de análise ou possivelmente fragmentos ionizados das moléculas de analitos são acelerados e conduzidos para a zona de deriva (Figura 6). Esta região é muito maior em comparação com a zona de ionização ou de aceleração. No final da trajetória de vôo, localiza-se o detector de íons que pode registrar o tempo de vôo e a intensidade dos íons individuais que chegam até o detector de íons. Como se espera, íons mais pesados levam mais tempo para chegar ao detector, enquanto íons mais leves percorrem a mesma distância em menos tempo. 35 Figura 6 - Representação esquemática do mecanismo de tempo de vôo; a mistura de analito e matriz é direcionada pelo raio laser e os íons de analito são acelerados e conduzidos em direção ao detector de íons no final da zona de vôo. Fonte: Hosseini e Martinez-Chapa (2017). Com base nas informações registradas pelo instrumento, a relação de massa por carga (m/z) pode ser cuidadosamente determinada seguindo a equação abaixo: Nesta equação, m é a massa da molécula ionizada e z é o número de elétrons que foram removidos da molécula, E é a tensão de aceleração, e é a carga elementar, t é o tempo de vôo e d é o comprimento da zona de deriva. 1.6.2 AUC A técnica de ultracentrifugação analítica (AUC - do inglês Analytical Utracentrifugation), é uma poderosa técnica para estudar o comportamento de macromoléculas em solução, pois pode fornecer informações importantes na caracterização estrutural de proteínas em solução. Através desta técnica é possível determinar a MM de uma macromolécula e obter informações sobre a heterogeneidade do sistema em relação à sua massa, ou seja, de quantas subunidades o sistema é formado e qual a proporção entre elas. A AUC possibilita determinar se a macromolécula forma agregados e se estes são reversíveis ou irreversíveis. O coeficiente de sedimentação (s), é um parâmetro específico da partícula, sendo utilizado para monitorar mudanças conformacionais de proteínas (LAUE, 2001). Esta técnica é uma ferramenta 36 importante em muitas áreas tradicionais da bioquímica, biologia molecular, interações de proteína e caracterização de nanopartículas e biomateriais, e no desenvolvimento de condições para aprimoramento da indústria farmacêutica (VOGEL et al., 2002). A técnica AUC é absoluta, devido ao fato de não necessitar de padrões externos e se baseia em teorias bem fundamentadas da física de movimentos. Quando um objeto está sob centrifugação, é possível caracterizar algumas forças às quais o objeto está submetido. Foi proposta e usada pela primeira vez por Svedberg, onde foi aplicada para demonstrar a homogeneidade de sistemas de elevada massa molecular, provando assim a existência das macromoléculas (LAUE; STAFFORD, 1999; CARRUTHERS et al., 2000). Uma partícula em solução está em constante movimento aleatório que é chamado de movimento Browniano (LAUE; STAFFORD, 1999). A energia cinética associada ao movimento Browniano das partículas está associada a dois tipos de movimentos característicos das moléculas em solução: a difusão translacional e a difusão rotacional que representam o movimento de translação das partículas na solução e a rotação da partícula em torno do seu próprio eixo, respectivamente. A força cinética da partícula em solução encontra uma força de resistência chamada de força friccional (Fƒ) que depende da sua velocidade e de uma constante relacionada à sua forma e tamanho, denominada de coeficiente friccional (ƒ), sendo que este parâmetro depende da viscosidade da solução (STAFFORD; SCHUSTER, 1995; LEBOWITZ et al., 2002). Na ausência de uma força externa adicional e se a massa (m) da partícula for desprezível para sedimentar pela ação da gravidade, as duas forças vetoriais, cinéticas e friccional, se anulam resultando num movimento aleatório denominado de difusão. O coeficiente de difusão (D) quantifica a velocidade da partícula no meio, considerando uma área em função do tempo (SCHUCK, 2000; LEBOWITZ et al., 2002). Segundo Einstein, D está relacionado à temperatura absoluta (T), à constante dos gases (R), ao número de Avogrado (NAV), à constante de Boltzmann (kb) e é inversamente proporcional ao ƒ, pela seguinte equação (SCHUCK, 2000): 37 Desta forma, partículas alongadas ou volumosas apresentam maior resistência à sedimentação porque apresentam maior fricção ou atrito na solução e por isso caracterizam-se por um valor de D menor do que as partículas compactas ou esféricas (SCHUCK, 2000; LEBOWITZ et al., 2002). D pode ser facilmente medido experimentalmente a partir da técnica de espalhamento dinâmico de luz, DLS. O coeficiente friccional ƒ de uma partícula está relacionado ao seu raio hidrodinâmico RH (ou Raio de Stokes) e à viscosidade da solução η por meio da equação de Stokes: No qual, Vbar é o volume parcial específico da partícula. Entretanto, na prática, as macromoléculas em solução são solvatadas e dinâmicas (tem movimento) e não são esféricas. Assim, a massa M determinada usando as técnicas de cromatografia de exclusão por tamanho e o DLS está relacionado ao RH da partícula, e fornece apenas uma indicação do tamanho “aparente” dessa proteína dinâmica solvatada. Uma proteína monomérica, porém assimétrica, apresentará um RH superior ao calculado para a mesma proteína globular e pode erroneamente sugerir, em alguns casos, que ela seria um dímero aparente (SCHUCK, 2000; LEBOWITZ et al., 2002; COLE et al., 2008). Conhecendo-se o valor de ƒ experimental de uma partícula, é possível avaliar se ela é uma partícula esférica ou globular através da razão do ƒ pelo ƒ0 conhecido como razão friccional (ƒ/ƒ0). O ƒ/ƒ0 pode ser calculado indiretamente usando o RH através da equação abaixo (COLE et al., 2008): Partículas com formatos diferentes ao de uma esfera compacta e lisa (esferoides oblatos, prolatos, etc), considerando a razão do comprimento a versus a altura b, a/b, mas de mesma MM, apresentarão um ƒ/ƒ0 maior do que 1. Por outro lado, uma proteína globular apresentará o valor de ƒ/ƒ0 próximo a 1. 38 Desta forma, a determinação do valor de ƒ/ƒ0 é uma ferramenta importante para o estudo da simetria e da estrutura de proteínas por técnicas hidrodinâmicas (LAUE; STAFFORD, 1999; SCHUCK, 2000; LEBOWITZ et al., 2002). Sendo conhecidos alguns dos parâmetros importantes comuns às partículas em solução podemos avaliar as forças que atuam em uma dada partícula de MM, quando exposta a um campo de força centrífuga alto. A força centrípeta, Fc, é uma força que favorece a sedimentação sendo proporcional à velocidade angular (ω). Duas outras forças opostas a esta força atuam no sistema, a força de empuxo FEmp, que depende apenas do volume parcial especifico Vbar e da densidade da partícula (ρ) e a força friccional Ff que está estritamente relacionada ao formato da partícula (LAUE; STAFFORD, 1999; LAUE, 2001), e depende da velocidade da partícula e do coeficiente friccional. Quando em um sistema a velocidade angular (ω) é constante, as forças que atuam no sistema se anulam (Fc + FEmp + Ff = 0) e a velocidade de sedimentação da partícula pode ser definida pela equação abaixo (RASA et al., 2006): Como a massa de uma partícula é (m = M/NAv), podemos reorganizar a equação acima em função de ʋ, ω e r a fim de chegarmos a equação de Svedberg, (LEBOWITZ et al., 2002; RASA et al., 2006). A equação v/ω2r = s é comumente conhecida como o coeficiente de sedimentação. Portanto, a partir de experimentos de ultracentrifugação analítica podemos obter parâmetros associados às propriedades hidrodinâmicas das partículas, tais como s, D e f. Os fatores complicadores na análise de dados de AUC são a polidispersão de amostras ou a possível presença de mais de uma espécie em solução nas condições estudadas (LEBOWITZ et al., 2002). A partir das equações, apresentadas até aqui, podemos obter uma equação que relaciona os parâmetros s, D e M, conhecida como a equação de Svedberg-Einstein: 39 Como podemos observar na equação anterior, por meio da técnica de ultracentrifugação analítica é possível determinar valores precisos de massa de macromoléculas, pois há uma relação direta entre o valor de s (coeficiente de sedimentação) e a massa molecular da partícula (LEBOWITZ et al., 2002; RASA et al., 2006). Além disso, é possível obter informações importantes sobre a forma e a simetria das proteínas em solução através da razão friccional (ƒ/ƒ0), coeficiente de difusão (D) e raio de Stokes Rs. 1.6.3 Absorção ótica É uma técnica muito utilizada para monitorar processos físicos e químicos de moléculas. Durante uma radiação incidente de luz, as moléc ulas da matéria absorvem uma parte, causando a excitação de elétrons que passam do estado fundamental para níveis de energia mais elevados. As moléculas em solução absorvem energia no tempo de 10-15 segundos, que é considerado um período de tempo curto para acontecer mudanças significativas entre os núcleos atômicos das moléculas (GERACI; PARKHURST, EATON; HOFRICHTER, 1983; SKOOG et al., 2002). A absorção ótica utiliza a relação entre radiação incidente (luz inicial) e radiação transmitida (luz final) de uma amostra que, geralmente, encontra-se diluída. Tal parâmetro de absorção é regido pela lei de Beer-Lambert. A lei Beer- Lambert utiliza uma relação de quantidade de luz absorvida e o caminho ótico que apresenta a espessura da amostra em solução. É expressa pela razão l0 / l, que resulta no valor da fração de luz incidente que é transmitida, transmitância (T), e os dados geralmente são apresentados na forma de absorbância pela seguinte equação: T = l/ l0 → A = logT = (l0 / l) = Ɛ x C x ℓ Onde A é o valor da absorbância, Ɛ corresponde a absortividade molar, que é característica de cada espécie em um determinado solvente, C é a concentração da amostra e ℓ o caminho ótico da cubeta (EATON; HOFRICHTER, 1983; SKOOG et al., 2002). 40 Assim, quando uma molécula absorve uma quantidade de energia da radiação, os elétrons vão para níveis de energia mais altos como mostra a Figura 7, a seguir: Figura 7 - Ilustração do diagrama dos níveis de energia eletrônicos de uma molécula, sendo Eo o nível de energia do estado fundamental e E1 e E2 níveis de dois estados excitados. As linhas eo, e1,...e”4 representam os níveis vibracionais de energia da molécula. Fonte: Skoog et al. (2002). Os comprimentos de onda dos máximos de absorção (λmáx) são um dos parâmetros mais relevantes desta técnica espectroscópica. Os λmáx representam a separação entre os níveis de energia e a largura da banda está relacionada com o ambiente ao redor do cromóforo (heterogeneidade do cromóforo e o movimento molecular). Assim, com esta técnica podemos estudar uma grande variedade de biomoléculas, dentre elas os grupos moleculares que absorvem energia na região UV-vis. Dentre as biomoléculas podemos destacar os aminoácidos aromáticos fenilalanina, tirosina e triptofano, ligações peptídicas, hemoglobinas, etc. Cada aminoácido aromático tem uma maior absortividade em um comprimento de onda específico na região UV-vis. A fenilalanina absorve mais intensamente em 260 nm, tirosina em 275 nm e o triptofano em 280 nm e as ligações peptídicas entre 190 – 198 nm (EATON; HOFRICHTER, 1983; POLI et al., 2006). 1.6.4 Emissão de fluorescência O processo de luminescência molecular é resultante do estado excitado da molécula, podendo ser fluorescência ou fosforescência (Figura 8). Quando 41 ocorre o estado excitado singleto (o spin no elétron no orbital excitado mantém sua orientação original), tem-se a fluorescência. E quando o estado excitado da orientação do elétron é tripleto (invertida), Tn, ocorre à fosforescência (SKOOG et al., 2002). A espectroscopia de fluorescência é utilizada no estudo de biomoléculas com o intuito de obter informações sobre modificações na estrutura tridimensional de uma proteína, tais como processo de desnaturação, dissociação, supressão e interação com pequenas moléculas. Ao excitar uma molécula por absorção de fótons, seguida por emissão de luz em comprimento de onda maior, ou seja, a energia emitida pelas moléculas na forma de fluorescência é menor que a energia presente no processo de absorção. A molécula no estado excitado possui um tempo de vida relativamente longo de 10-9 segundos, sendo que parte da energia absorvida é perdida para o meio, ou a fluorescência é suprimida por fenômenos como movimentos vibracionais, rotacionais, etc. (SKOOG et al., 2002). Figura 85 - Diagrama de Jablonsk. Absorção de radiação (S0 → S1); Emissão de fluorescência (S1 → S0); Conversão interna e relaxação vibracional (S2→S0); Cruzamento intersistemas (S1 → T1); Emissão de fosforescência (T1 → S0). Fonte: Lakowicz (1983). Apesar de muitas moléculas poderem interagir com a radiação eletromagnética, nem todas são capazes de emitir fluorescência. No caso da diferença de energia entre o primeiro estado Singlete excitado (S1) e estado fundamental (S0) não for muito grande, e se ocorrer à possibilidade de sobreposição de níveis vibracionais, a molécula pode ser levada ao estado S0 42 por relaxamento vibracional sem a emissão de radiação eletromagnética. Porém, se a diferença energética entre S1 e S0 for relativamente grande, irá ocorrer à emissão de radiação na forma de fluorescência durante a desativação para o estado fundamental. Para uma molécula emitir fluorescência ela precisa ter uma estrutura apropriada e deve estar em um meio que favoreça a desativação radioativa S1→S0, sendo estes dois fatores críticos na determinação da magnitude da eficiência quântica (ou rendimento quântico) de fluorescência de uma substância. O rendimento quântico de fluorescência de uma substância é a razão entre o número de fótons emitidos por fluorescência e o número de fótons absorvidos. Quando o rendimento quântico de uma molécula estiver com uma magnitude entre 0,1 - 1,0, ela á significantemente fluorescente (LAKOWICZ, 1983). A fluorescência das proteínas, em geral, é considerada intrínseca, pois os aminoácidos aromáticos que fazem parte de sua constituição são os responsáveis pela emissão de fluorescência. A fenilalanina (Phe), a tirosina (Tyr) e o Trp são os principais aminoácidos aromáticos responsáveis pela fluorescência das proteínas. O Trp é o aminoácido mais monitorado em estudos por fluorescência, devido ao fato de que o Trp pode ser monitorado exclusivamente em 295 nm, pois a Phe e Tyr não absorvem neste comprimento de onda (λ). Além disso, o Trp é muito sensível ao ambiente ao qual ele está exposto, apresentando diferentes características fluorescentes, em função do grau de exposição ao solvente hidrofílico ou regiões hidrofóbicas da proteína. Vale salientar que o Trp possui um maior rendimento quântico quando comparado com a Phe e Tyr. As medidas de emissão de fluorescência estática foram realizadas em um espectrofluorímetro RF-6000 SHIMADZU no laboratório de Biomoléculas, no Campus de Registro, UNESP. 1.6.5 LSI A interação da radiação eletromagnética com a matéria pode produzir vários efeitos: absorção, emissão, transmissão ou espalhamento. O espalhamento de luz ocorre quando o campo elétrico oscilante da radiação 43 incidente num átomo induz oscilações periódicas na sua nuvem eletrônica, passando o mesmo a funcionar como fonte secundária de radiação. O campo elétrico da luz incidente acelera as partículas carregadas, fazendo com que estas emitam radiação com a mesma frequência de onda incidente, e então ocorre o espalhamento de luz. Vale mencionar que neste espelhamento de luz onde não há perda de energia, as partículas se movimentam majoritariamente na direção perpendicular a sua aceleração, e a radiação emitida será polarizada na direção observada. Assim, as medidas de Intensidade de espalhamento de luz (LSI) foram monitoradas no espectrofluorímetro usando o λ de excitação e o λ de emissão em 350 nm (VAN HOLD, 2006). As medidas de LSI foram realizadas um espectrofluorímetro RF-6000 SHIMADZU no laboratório de Biomoléculas, no Campus Unesp de Registro -SP. 2. OBJETIVOS 2.1 Objetivo Geral Avaliar características estruturais da hemocianina de camarão, de água doce, Macrobachium acanthurus (HcMac) em diferentes condições, no seu estado nativo, como na presença e na ausência de agentes caotrópicos e miméticos de membrana biológica (como por exemplo, surfactantes), diferentes valores de pH e avaliação da atividade biológica. Estes estudos visam avançar na compreensão dos processos de alterações estruturais da HcMac nativa e sua similaridade com outras hemocianinas já estudadas; cujos resultados podem promover possíveis aplicações biotecnológicas para esta hemocianina, até então nunca estudada. 2.2 Objetivos Específicos 1. Extrair a hemolinfa do animal M. acanthurus e purificar a HcMac por diálise e ultracentrifugação; 2. Separar e purificar a HcMac e suas subunidades por cromatografia líquida de exclusão de tamanho e eletroforese monodimensional SDS-PAGE; 3. Caracterizar a HcMac por espectrometria de massas MALDI-TOF e por Ultracentrifugação Analítica (AUC); 44 4. Estudar e analisar o efeito de pH, ureia, SDS na HcMac por técnicas biofísicas como absorção ótica, fluorescência e LSI; 5. Realizar testes de atividade biológica da HcMac em sua forma nativa, após purificação; 6. Avaliar a atividade de fenoloxidase (PO) da HcMac; 3. METODOLOGIA 3.1 Extração Para extrair a hemolinfa do Macrobachium acanthurus, cada animal foi anestesiado em água gelada (5 ºC) por um período de 3 a 5 minutos. Em seguida uma seringa (de 1,0 mL de volume) foi preenchida com cerca de 300 μL de anticoagulante citrato de sódio 100 mmol.L-1 e então foi inserida na região do coração do animal. Assim, a hemolinfa foi retirada com o mínimo de contaminação com materiais provenientes do hepatopâncreas e outros. A hemolinfa foi centrifugada a 3.000 x g, à 4 ºC por 15 min, para retirada de tecidos e outros contaminantes. Para eliminar componentes de baixo peso molecular, foi realizada uma diálise com uma membrana de corte de 30 kDa, contra tampão Tris-HCl 100 mmol.L-1 + 20 mmol.L-1 CaCl2 em pH 7,0 (tampão de armazenamento) por 12 horas, à 4 ºC, para posterior etapa de purificação. 45 Figura 9 - Foto do animal M. acanthurus anestesiado para extração de sua hemolinfa (centímetros, a unidade de medida da régua ao lado do animal). Fonte: Autor (2022). 3.2 Purificação A hemolinfa de M. acanthurus foi ultracentrifugada à 250.000 x g durante 5 horas à 4 ºC, a HcMac foi obtida através do pellet formado no fundo do tubo, o qual foi resuspendido em tampão Tris-HCl 100 mmol.L-1 + 20 mmol.L-1 CaCl2 em pH 7,0 e armazenado a 4 ºC. A concentração foi determinada utilizando o espectrofotômetro UV-1800 SHIMADZU, com o valor de absortividade molar Ɛ278 nm = 1,1 mL.mg-1 cm-1 (PAOLI et al., 2007). Na etapa final de purificação, frações de HcMac foram aplicadas em sistema de cromatografia de exclusão de tamanho (SEC), utilizando uma coluna Hiload 16/600 Superdex 200 equilibrada com tampão Tris-HCl 100 mmol.L-1 + CaCl2 20 mmol.L-1, pH 7,0, acoplada no instrumento AKTA Pure L com detector de UV em 280 nm. Todas as frações obtidas foram concentradas utilizando Amicon - Millipore, com membrana de 30 kDa de corte de massa; a concentração final foi de 150 mg.mL-1 em um volume de 4,0 mL, determinada no espectrofotômetro UV-1800 SHIMADZU, utilizando o valor de absortividade molar Ɛ278 nm = 1,1 mL.mg-1 cm-1 (PAOLI et al., 2007), e a proteína foi armazenada à 4 ºC para os estudos posteriores. Com o intuito de dissociar a HcMac e purificar suas subunidades, foram preparadas amostras de HcMac (2,0 mL) na concentração de 10 mg.mL-1, em 46 tampão Tris-HCl 100 mmol.L-1 e em Tris-HCl 100 mmol.L-1 + CaCl2 20 mmol.L-1, mantidas em equilíbrio durante 18 horas em pH 7,0 e pH 9,2, à 25 ºC. Em seguida, cada amostra foi centrifugada a 3000 x g durante 10 minutos, filtrada em um filtro Millipore de 41 μm e aplicada na coluna de SEC (Hiload 16/600 Superdex 200 PG), com o fluxo de 1,0 mL/min, equilibrada com tampão Tris-HCl 100 mmol.L-1 em pH 9,2 para as amostras preparadas neste tampão e em Tris-HCl 100 mmol.L-1 + CaCl2 20 mmol.L-1 para as amostras preparadas neste tampão. Todas as frações obtidas foram monitoradas no espectrofotômetro UV-1800 SHIMADZU, com varredura de 700 - 250 nm. A concentração foi determinada utilizando o valor de absortividade molar Ɛ278 nm = 1,1 mL.mg-1 cm-1 (PAOLI et al., 2007) e armazenadas à 4 ºC, para serem utilizadas em estudos posteriores. Todas estas análises foram realizadas no Laboratório de Biomoléculas, do Campus de Registro, UNESP. 3.3 Eletroforese monodimensional SDS-PAGE A massa molecular das subunidades da HcMac foi determinada por SDS- PAGE, aplicada em gel de poliacrilamida 10%, em pH 8,6. As amostras foram preparadas na ausência e na presença de β-mercaptoetanol, na razão 1:1, e aplicadas nos géis com concentração entre 0,03 – 0,1 mg.mL-1. A Eletroforese foi realizada com Tris-HCl 25 mmol.L-1 e glicina 192 mmol.L-1, pH 6,8, com uma voltagem constante de 140 V. Os géis foram corados e marcados com Coomassie Brillant R-250 e padrão Precision Plus ProteinTM da Bio-Rad. 3.4 Experimentos de espectrometria de massas MALDI-TOF-MS Para as análises de MALDI-TOF-MS a HcMac purificada foi extensivamente dialisada contra tampão fosfato 5,0 mmol.L-1 para reduzir o excesso de sal das amostras, e em seguida a HcMac foi diluída no mesmo tampão da diálise para uma concentração na faixa de 1,0 – 3,0 mg.mL-1. O ácido 3,5-dimetoxi-4-hidroxi-cinâmico (ácido sinápico) foi obtido da Aldrich. O β-mercaptoetanol, o citocromo c (bovino) e a albumina de soro bovino (BSA) foram obtidos da Sigma. O material da matriz de dessorção do laser (ácido sinápico) foi dissolvido em ácido trifluoroacético 0,5 % e acetonitrila/água 50%. 47 Amostras da HcMac nativa foi diluída na razão de 1:5, 1:10 e 1:20 (v/v) com uma solução saturada de ácido sinápico, matriz (CARVALHO et al., 2011). Um volume de 1 µL da mistura matriz/amostra foi inserido em cada spot da placa de MALDI e analisado no MALDI-TOF-MS. As análises foram realizadas, aleatoriamente, em modo linear, íon positivo em um Etthan MALDI- TOF espectrofotômetro de massas (Amersham Bioscience) usando uma voltagem de aceleração de 20 kV. Cada spot foi analisado duas vezes, acumulando o espectro composto de aproximadamente 200 disparos de laser no total e o espectro resultante foi analisado pelo software Origin 8.5. O instrumento foi calibrado usando padrões de BSA e citocromo c. As massas moleculares relatadas foram obtidas como médias de vários experimentos individuais e levando em consideração os valores obtidos para espécies moleculares mono- protonadas e di-protonadas. 3.5 Análises de AUC Os experimentos de AUC foram realizados em uma ultracentrífuga analítica Beckman Optima XL-A, no laboratório Nacional Luz Sinchrotron (LNLS), Campinas, SP. Foram realizados experimentos de velocidade de sedimentação (SV) da HcMac nas concentrações de 100, 200 e 300 μg.mL-1. As amostras foram dialisadas por 48 horas contra tampão Tris-HCl 100 mmol.L-1, contendo NaCl 50 mmol.L-1, em pH 7,0. Neste intervalo a solução de dialise foi substituída 3 vezes, sendo a última utilizada como solução de referência para todos os experimentos nas células de AUC. As diluições de proteína foram realizadas duas horas antes do início dos experimentos utilizando o tampão da última diálise. As medidas de velocidade de sedimentação (SV) foram realizadas na faixa de velocidade de rotação de 15.000 a 40.000 rpm, num rotor tipo (An60Ti rotor), a 20 °C. A aquisição dos dados foi realizada monitorando a absorção em 280 nm (região dos aminoácidos), em intervalos de 7 minutos. Os dados experimentais de AUC de velocidade de sedimentação (SV) foram analisados usando o programa SEDFIT versão 14.1 (SCHUCK, 2003). As funções de distribuição de coeficientes de sedimentação, c(S) e de distribuição de massas moleculares, c(M), foram ajustadas no software SEDFIT usando os 48 modelos “Continuous c(S) Distribution model” e “Continuous c(S) Distribution model”, respectivamente (SCHUCK, 2003). Nas análises o valor de Vbar foi mantido fixo em 0,755 mL.g-1, enquanto a razão friccional (f/f 0) foi o parâmetro de regularização do ajuste, ou seja, permaneceu livre durante o processo de análise. Os outros parâmetros de entradas como viscosidade (η) e densidade (ρ) do tampão foram obtidos no programa Sednterp (SCHUCK, 2000; 2003). Os valores de s* obtidos nos ajustes das curvas de c (s) foram corrigidos para condições padrão (Solvente água e 20 ºC), e por regressão linear foi realizada a extrapolação, para condições de concentração infinitamente diluída, ou seja, próximo de 0 mg.mL-1 de proteína. Os valores de coeficiente de sedimentação e de massas moleculares foram obtidos no máximo da gaussiana de c(S) e c(M), respectivamente. O grau de confiança nas análises foi fixado em P = 0,85 (CARVALHO FAO et al., 2013). 3.6 Análises espectroscópicas As análises variando o pH entre 3,5 e 10,5 foram realizadas em tampão acetato-fosfato-borato 30 mmol.L-1, à 25 ºC. A concentração final da HcMac foi de 1,6 mg.mL-1, o pH de cada amostra foi verificado após adição de proteína no tampão. Inicialmente os espectros foram coletados após 1, 3, 6 e 24 horas após o preparo das amostras. Todavia, após 3 horas de equilíbrio os espectros não apresentaram mudanças significativas. Por isso, todos os espectros apresentados nesta análise foram coletados após 3 horas de equilíbrio. Para os experimentos de titulação da HcMac com ureia foram preparadas amostras distintas em tampão acetato-fosfato 20 mmol.L-1 em pH 7,0 e 5,0, com concentrações de ureia entre 0 e 8,0 mol.L-1 e com uma concentração final de HcMac de 1,6 mg.mL-1 para cada amostra. As amostras ficaram em equilíbrio por 2 horas (25 ºC) antes de iniciar as medidas espectroscópicas. O tempo de duas horas foi estabelecido devido ao fato de que após este período de equilíbrio os espectros coletados não apresentaram mudanças significativas. Para as análises de titulação da HcMac com SDS foram preparadas amostras com diferentes concentrações de SDS (0 e 15 mmol.L-1). Todas as amostras foram preparadas em tampão acetato-fosfato-borato 30 mmol.L-1 em pH 5,0 e 7,0, com uma concentração final de HcMac de 1,6 mg.mL-1. As amostras 49 ficaram em equilíbrio por 3 horas, à 25 ºC, antes das análises espectroscópicas. Todavia, após 3 horas de equilíbrio os espectros não apresentaram mudanças significativas. Todas medidas espectroscópicas foram realizadas com uma cubeta de quartzo, de caminho ótico de 1,0 cm. As medidas de absorção ótica na região UV-vis foram realizadas em um espectrofotômetro modelo UV-1800 SHIMADZU (Tokyo, Japão) com varredura de 700 – 250 nm. As medidas de emissão de fluorescência estática e intensidade de espalhamento de luz (LSI do inglês “Light scattering intensity”) foram realizadas em um espectrofluorímetro RF-6000 SHIMADZU (Tokyo, Japão). Os espectros de emissão de fluorescência foram obtidos com excitação em 295 nm, monitorando o Triptofano (Trp), e varredura de emissão na faixa de 305 – 450 nm, com fenda de excitação de 3,0 nm e emissão de 5,0 nm. As medidas de LSI foram realizadas utilizando fendas de excitação e emissão de 3,0 e 5,0 nm, respectivamente, com excitação e emissão no comprimento de onda de 350 nm. Todas estas análises espectroscópicas foram realizadas no Laboratório de Biomoléculas, do Campus de Registro, UNESP. 3.7 Ensaios de atividade biológica da HcMac nativa O Teste de suscetibilidade, o método de micro diluição em caldo, foi realizado de acordo com o descrito no protocolo padrão M27-A3 CLSI (CLSI, 2008) com algumas modificações; este teste foi utilizado com o intuito de determinar a concentração inibitória mínima (MIC). Candida albicans (ATCC 90028) e Candida neoformans (ATCC 90112) foram cultivadas em ágar Sabouraud, durante 24 horas em 28 ºC. Cada suspensão fúngica foi preparada em tampão fosfato (PBS) e ajustado para 1x106 – 5x106 células/mL na câmara de Neubauer, seguido por diluições de 1:50 e 1:20 em meio RPMI 1640 com L-glutamina, 2% de glucose em tampão pH 7,2 com 0,165 M de ácido morfolinopropanossulfônico (MOPS). A HcMac foi diluída em meio RPMI para obter as concentrações 1,95 – 1000 μg.mL-1 em 96 placas. A suspensão fúngica (100 μL) foi transferida para as microplacas que foram preparadas com as amostras de HcMac (100 μL). O controle de crescimento (100 μL de meio RPMI com 100 μL de inóculo) e o controle negativo (200 μL) foram incluídos. As drogas 50 Anfotericina B (AMB) e Fluconazol foram utilizadas como controles. As placas foram incubadas a 37 ºC, 150 rpm, por 24 horas para C. albicans e 48 horas para a C. neoformans, protegidas da luz. Após este período, a MIC foi determinada. Os compostos foram testados em triplicata e dois experimentos independentes foram realizados. O ensaio de viabilidade celular foi avaliado usando o teste de resazurina. As células fúngicas foram semeadas com uma densidade de 1,5 x 104 células/poço em microplacas de 96 poços (KASVI®) e expostas por 24 horas em diferentes concentrações de HcMac (1,95 – 1000 μg.mL-1). Foi utilizado o DMSO como composto citotóxico (controle positivo) e células com meio completo foram usadas como controle negativo. Após o tratamento, o composto foi removido, as células foram lavadas com tampão PBS (pH 7,4) e foi adicionado100 μL de solução de resazurina (0,01%). A viabilidade celular foi avaliada calorimetricamente após 4 horas de incubação medindo a redução da resazurina de cor azul para resorufina de cor rosa. A absorbância foi gravada usando um leitor de microplaca (Biotek) em 570 – 600 nm. O teste foi realizado em triplicatas e ao menos três experimentos independentes foram feitos. Estes ensaios, descritos acima, foram realizados na Faculdade de Ciências Farmacêuticas, Unesp, Araraquara-SP. Para avaliar atividade antibacteriana da HcMac contra patógenos de peixes, os MICs e MBCs foram determinadas usando o método de microdiluição em caldo recomendado pelo Clinical and Laboratory Standards Institute (CLSI/NCCLS) (CLSI, 2014). Em resumo, 20 microlitros de solução de estoque de HcMac 158,64 mg.mL-1 foram transferidos para o 1º poço de uma placa de formato padrão de 96 poços contendo 180 µL de meio e depois foi feita uma diluição em série de 2 vezes (faixa de concentrações: 7932 - 15,49 µg/mL). Foram adicionadas bactérias a uma concentração final de 5 x 105 unidades formadoras de colônia (UFC)/mL a cada poço e incubadas a 28 ºC durante 24 h. Os MICs foram determinados em triplicata, com dois poços em cada placa de teste MIC usada como controle de crescimento e esterilidade. Todos os isolados foram recuperados e cultivados com meios específicos para cada cepa antes do uso. O caldo Mueller-Hinton ajustado aos cátions (BD™ Difco™, Lote: 8096574) (CAMHB) foi usado para o teste de susceptibilidade de Aeromonas caviae, Aeromonas hydrophila, Aeromonas jandaei, Citrobacter freundii, Edwardsiella 51 tarda e Lactococcus garviae. CAMHB suplementado com 2,5% (v/v) de sangue de cavalo lisado (LHB) foi usado para o teste de suscetibilidade de Streptococcus agalactiae. Os pontos finais foram determinados usando o método padrão MIC (inspeção visual). A menor concentração de cada antimicrobiano na qual não foi observado crescimento bacteriano na suspensão da cultura foi definida como MIC. Tais suspensões de cultura sem crescimento bacteriano visível foram então espalhadas em placas Mueller Hinton Agar (Sigma - Aldrich®, Lot: BCBS4007V) e incubadas por 24 h em triplicata. A menor concentração na qual nenhum crescimento foi observado visualmente na placa foi considerada como o MBC. Escherichia coli ATCC® 25922™ e florfenicol foram utilizados como um controle. Estes ensaios foram realizados no Laboratório de Microbiologia e Parasitologia de Organismos Aquáticos, do Centro de Aquicultura da Unesp (Caunesp), Jaboticabal-SP. 3.8 Ensaios de atividade fenoloxidadese (PO) As análises de atividade PO da HcMac (0,1 mg.mL-1) foram realizadas à 25 ºC. O ensaio incluiu 0,35 mmol.L-1 de cloridrato de dopamina, em tampão Tris- HCl 100 mmol.L-1, pH 7,5. A atividade PO foi induzida com a adição de SDS nas concentrações de 0,01 a 1,0 mmol.L-1 e monitoradas através da formação de dopacromo e derivados (absorção em 475 nm), com intervalos de 1 e 5 minutos após a adição de surfactante. Todas estas análises foram realizadas no Laboratório de Biomoléculas, do Campus de Registro, UNESP. 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO 4.1 Purificação Após o processo de ultracentrifugação foram separadas três frações de cada tubo, sendo a parte mais clara do sobrenadante do tubo denominada de Fração A (FA), o conteúdo amarelado entre o sobrenadante e o sedimentado azul de Fração B (FB), que refere-se à lipoproteína da hemolinfa (YEPIZ- PLASCENCIA et al., 1995; FIGUEROA-SOTO et al., 1997), e a parte azul sedimentada de Fração C (FC), como é mostrado na Figura 10. 52 Figura 10 - Ilustração do tubo com amostra após o processo de fracionamento por ultracentrifugação. Fonte: Autor (2022). A coloração azul da hemolinfa é devida a transferência de carga ligante- metal (O22- Cu2+), no estado oxigenado da HcMac, resultante da mudança de estado do Cu(I) para Cu(II) no centro metálico. A forma oxi-Hc é caracterizada por um espectro de absorção com uma banda intensa e larga em 340 nm e Ɛ (coeficiente de absortividade molar) de 20.000 M-1 cm-1 (COATES; NAIRN, 2014). Portanto, a coloração azul intensa na fração FC sugere altas concentrações da forma oxi-HcMac nesta fração, sendo a mesma selecionada para as etapas posteriores de purificação. A HcMac obtida após o processo de ultracentrifugação (FC) foi aplicada em uma coluna de cromatografia por exclusão de tamanho (SEC), em tampão Tris-HCl 100 mmol.L-1 + CaCl2 20 mmol.L-1, pH 7,0 e as frações monitoradas em comprimento de onda de 280 nm, foram separadas e coletadas (Figura 11). O cromatograma da HcMac apresenta dois picos (Figura 11), sendo o Pico b, a espécie predominante em solução. Ambos os picos foram avaliados por absorção ótica UV-vis e SDS-PAGE (dados não mostrados), porém somente o Pico b apresentou espectro e padrão de massas moleculares característico de Hcs, demonstrando que a proteína não estava totalmente purificada após a ultracentrifugação. Assim, o Pico b foi considerado como oxi-HcMac e utilizado nos estudos posteriores. A SEC é um método muito utilizado na purificação de proteínas e tem demonstrado ser uma boa opção para isolar e purificar Hcs, e proteínas de alto peso molecular (FIGUEROA-SOTO et al., 1997; PAOLI et al., 2007; ZHANG et al., 2009; MULLAIVANAN SAMASAMY et al., 2017). 53 0 20 40 60 80 100 120 0 600 1200 1800 2400 3000 Pico a Ab s 28 0 nm (u .a .) Eluição (mL) Pico b Figura 11 - Perfil de eluição da hemoproteína HcMac (50,0 mg.mL-1) em cromatografia liquida de exclusão por tamanho, após fracionamento por ultracentrifugação, em uma coluna Hiload 16/600 Superdex 200 PG, equilibrada com tampão Tris-HCl 100 mmol.L-1 + CaCl2 20 mmol.L-1 em pH 7,0, a 25 ºC. Com fluxo de 1,5 mL/min. Fonte: Autor (2022). Há diversos estudos que envolvem a extração e purificação de biomoléculas com o intuito de compreender suas propriedades biofísicas e estruturais (COATES; NAIRN, 2014). Neste contexto, foi relatado que a estabilidade conformacional dos agregados nativos de várias Hcs de artrópodes e suas subunidades estruturais isoladas indicam que forças hidrofílicas e polares estabilizam a estrutura quaternária (DOLASHKA-ANGELOVA et al., 2000). O comportamento de reassociação da Hc do caranguejo Carcinus maenas foi analisado por ESI-MS e não foi observada um