UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Faculdade de Filosofia e Ciências – Campus de Marília GABRIELA RODRIGUES SILVA Continuidades e rupturas do governo Lula (2003 – 2010) com o projeto capitalista neoliberal Marília 2022 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Faculdade de Filosofia e Ciências – Campus de Marília GABRIELA RODRIGUES SILVA Continuidades e rupturas do governo Lula (2003 – 2010) com o projeto capitalista neoliberal Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) apresentado ao Conselho de Curso de Ciências Sociais, da Faculdade de Filosofia e Ciências, da Universidade Estadual Paulista – UNESP - Campus de Marília, para obtenção do título de Bacharel em Ciências Sociais. Área de Concentração: Ciência Política Orientador: Prof. Dr. Francisco Luiz Corsi. Marília 2022 GABRIELA RODRIGUES SILVA Continuidades e rupturas do governo lula (2003 – 2010) com o projeto capitalista neoliberal Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) apresentado ao Conselho de Curso de Ciências Sociais, da Faculdade de Filosofia e Ciências, da Universidade Estadual Paulista – UNESP - Campus de Marília, para obtenção do título de Bacharel em Ciências Sociais. Área de Concentração: Ciência Política Banca Examinadora ____________________________________________ Orientador: Profº Dr. Francisco Luiz Corsi UNESP – Campus de Marília ____________________________________________ Profº Dr. Agnaldo Santos UNESP – Campus de Marília ____________________________________________ Profº Dr. José Marangoni Camargo UNESP – Campus de Marília Marília, 16 de março de 2021 AGRADECIMENTOS Inicialmente, agradeço e dedico essa monografia aos meus pais, Patrícia e Gil, que tanto fazem por mim e não medem esforços para me proporcionar uma educação de qualidade. Que tanto esperam de mim, pois sabem do meu potencial. Agradeço por serem tão companheiros, não me desamparando em nenhum momento, mesmo quando pensei que não teria condições de continuar. Aos meus irmãos Igor, Amanda e Lorena, por me amarem tanto e compreenderem que a distância era necessária e por me apoiarem incondicionalmente. Agradeço por nascer nessa família com pais e irmãos maravilhosos. Agradeço a minha amiga Raíssa por estar do meu lado, consolando, dando apoio e direção quando mais precisei. Jamais esquecerei de você. Ao meu orientador que desde o início esteve comigo, muito dedicado e compreensivo, me ofereceu todo suporte necessário para a realização dessa pesquisa. Aos meus professores do ensino fundamental e médio — Karina Arruda, Giseli Rossi, Flávio Motta, Evandro, Tennysson A. Theodoro, Alan Clynger — que tanto me incentivaram e guiaram o meu aprendizado com muita dedicação e amor. Agradeço por acreditarem que a educação é a porta de entrada para um mundo mais crítico, inclusivo, justo e solidário. Agradeço, por darem o melhor de si, mesmo diante das dificuldades presentes na educação brasileira. A todos vocês que colaboraram direta ou indiretamente para minha formação, o meu muito obrigada! “De 15 em 15 anos, o Brasil esquece do que aconteceu nos últimos 15 anos.” Ivan Lessa (1974) RESUMO A eleição do Lula é significativa e cercada por muitas contradições. A continuidade da política macroeconômica e a implementação de políticas sociais levaram à minimização da pobreza, dando margem para o surgimento de uma ampla discussão sobre o caráter que prevaleceu nos seus dois mandatos (2003 – 2010). Diante disso, o objetivo da pesquisa consiste em discutir e analisar as rupturas e continuidades do governo Lula com o projeto capitalista neoliberal, de modo a identificar as contradições existentes em sua política. A hipótese inicial defendida nesta pesquisa é de que houve um rompimento parcial com o projeto neoliberal, destacando a preservação do rígido ajuste fiscal, porém, acrescentando ao longo dos seus dois mandatos elementos novos, como a adoção de políticas sociais. Desta forma, enfatizaremos na discussão o caráter das transformações ocorridas no Brasil, partindo da evolução política econômica e social do governo Lula. A pesquisa implicará em um estudo sistemático das políticas adotadas durante a sua gestão, com o intuito de identificar as transformações do (re)arranjo político-ideológico que vigorou durante os seus dois mandatos. Sendo a pesquisa proposta, portanto, de caráter bibliográfico. Palavras-chave: Governo Lula; Neoliberalismo; Desenvolvimentismo; Política Econômica; Política Social. ABSTRACT Lula's election is significant and surrounded by many contradictions. The continuity of macroeconomic policy and the implementation of social policies led to the minimization of poverty, giving rise to a broad discussion about the character that prevailed in his two terms (2003-2010). Given this, the aim of this research is to discuss and analyze the ruptures and continuities of the Lula government with the neoliberal capitalist project, in order to identify the contradictions existing in his policies. The initial hypothesis defended in this research is that there was a partial rupture with the neoliberal project, highlighting the preservation of rigid fiscal adjustment, but adding new elements such as the adoption of social policies. In this way, we will emphasize in the discussion the character of the transformations that occurred in Brazil, starting from the economic and social political evolution of Lula's government. The research will involve a systematic study of the policies adopted during his administration, in order to identify the transformations of the political-ideological (re)arrangement that took place during his two terms. The proposed research is, therefore, bibliographical in nature. Keywords: Lula's Government; Neoliberalism; Developmentalism; Economic Policy; Social Policy. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 10 2 NEOLIBERALISMO: CRISE ESTRUTURAL, CONSENSO DE WASHINGTON E BRASIL 13 2.1 Brevíssimo contexto histórico 13 2.1.1 “Milagre” Econômico brasileiro e a década de 1980 16 2.2 Neoliberalismo: surgimento e consolidação no Brasil 19 2.2.1 Plano Real e os governos Franco (1992-1993) e FHC (1994-2002) 20 2.3 Inconsistências do Plano Real e o Tripé Macroeconômico 24 2.3.1 Tripé Macroeconômico 26 2.4 Emprego e Renda 28 2.4.1 Política Social 32 3 GOVERNO LULA: BASES, POLÍTICA ECONÔMICA E SOCIAL 36 3.1 Governo Lula e o projeto político-ideológico 36 3.2 Governo Lula: política macroeconômica e o projeto neoliberal 38 3.3 Trajetória de crescimento: 2004 – 2006 45 3.4 Governo Lula (2007 – 2010): o ressurgimento do popular 48 3.4.1 Política social geral e focalizada 51 3.4.2 Crise e resposta: impactos econômicos e sociais 59 4 CONTINUIDADES E/OU RUPTURAS: ANÁLISE SOBRE OS DOIS MANDATOS DO GOVERNO LULA (2003 – 2010) 68 4.1 Inflexão do PT: brevíssimo contexto histórico sobre o surgimento e moderação do discurso 69 4.1.1 Partido dos Trabalhadores: Fundação, desenvolvimento e base de sustentação 69 4.2 Moderação do discurso e as continuidades 76 4.3 Rupturas e continuidades 80 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 88 REFERÊNCIAS 91 ANEXO A – “Carta ao Povo Brasileiro” 102 1 INTRODUÇÃO Nas últimas quatro décadas, o Brasil tem passados por importantes transformações políticas, econômicas e sociais. Este período foi marcado por diferentes projetos de desenvolvimento econômico, por políticas de ajuste externo, pela inflação, pelos planos de estabilização, pela abertura econômica, pelas privatizações e pelas recorrentes crises. E mais recentemente, observou-se a retomada do debate sobre o desenvolvimentismo no Brasil. Por certo, a partir dos anos 2000 o Brasil entrou em um novo ciclo de crescimento econômico com inclusão social, algo não visto na década anterior de predomínio neoliberal. Em parte, a retomada dessa discussão se sustenta, justamente, pelas mudanças positivas da economia brasileira a partir dos anos 2000, contrastando com o período anterior que, sob a égide do neoliberalismo, o país enfrentou a piora dos problemas sociais, ocasionando aumento da exclusão social, extrema pobreza e aumento do desemprego, embora a inflação tenha sido controlada. Diante disso, a eleição de Lula, em 2002, está associada ao fracasso das políticas neoliberais do governo FHC (1994-2002), bem como da rejeição sofrida por ele e da resistência dos movimentos populares. Existia grande expectativa em torno do governo do Lula, haja vista que a eleição de 2002 representou algo totalmente inédito na história brasileira em que um operário de esquerda e sindicalista chegou à presidência. Mas, se em um primeiro momento a eleição do Lula ameaçou setores da economia com a ideia de rompimento com o capital, superando as circunstâncias impostas ao Brasil na década de 1990 e com perspectivas de transformações profundas na sociedade, meses antes da eleição, surpreendendo parte do eleitorado e intelectuais, o até então candidato apresentou-se em outras condições, com slogan de campanha “Lula paz e amor”. Além disso, durante a sua gestão, aprofundou-se o enfraquecimento dos movimentos sociais; houve dissidências e expulsões do partido; formação de nova base de sustentação política e alianças com velhas oligarquias, formando, o que alguns autores consideraram, um governo de coalizão. Expressado, antes de tudo, em sua carta endereçada ao “Povo brasileiro” , já indicando que, para ter governabilidade, seguiria com um programa “flexível”.1 As intenções não se limitaram a carta, o governo manteve o arcabouço central da política neoliberal — tripé macroeconômico, metas de inflação, superávit primário e câmbio 1 A “Carta ao Povo Brasileiro” está em anexo (A). flexível — evitando confrontos com o capital. Contudo, o governo Lula também construiu uma política de promoção do mercado interno que beneficiava a camada mais pobre da população. É fato que a “Era Lula” foi um período determinante para a história contemporânea do Brasil. Por conseguinte, durante seu governo, houve notórias melhorias sociais, com redução da miséria e fome no país. Além de outros setores que também foram contemplados por sua política de distribuição de renda, com aumento real do salário mínimo, programa Bolsa Família (PBF), aumento de crédito para os mais pobres, ampliação ao acesso às universidades, melhorias no sistema único de saúde (SUS) e entre outras políticas de alcance geral e focalizadas. Percebe-se, então, que o governo Lula aliou a manutenção da política econômica conservadora a uma política de renda. Assim, as mudanças no governo Lula foram contraditórias e, a partir do seu primeiro mandato (2003-2006), diversos autores buscaram compreender quais motivos propiciaram a melhora do desempenho da economia brasileira, abrindo margem para a discussão sobre o caráter político, econômico e ideológico que vigorou durante o governo Lula. Para Singer (2012), esse governo criou bases para o surgimento do “Lulismo”, ao associar políticas de redução da pobreza com ativação do mercado interno, aproveitando-se da conjuntura internacional favorável. Já Boito Jr. (2018) ressalta que as estratégias adotadas pelo governo Lula durante o primeiro mandato foram cautelosas e mais defensivas, de modo a não se comprometer ou ameaçar o capital financeiro internacional. No entanto, no segundo mandato, a tática utilizada é mais ofensiva com a implementação da política neodesenvolvimentista em aliança com a grande burguesia interna. Por outro lado, nem todos os autores concordam, para Barbosa e Souza (2010) as mudanças no governo Lula não estão alinhadas ao novo desenvolvimentismo, mas sim inclinadas ao neoliberal-desenvolvimentismo. Outros autores defendem não haver razões que sustentem o argumento de que o país teria retornado um projeto de inspiração desenvolvimentismo (FONSECA, CUNHA, BICHARA, 2013; AREND, GUERRERO, 2020). Para Filgueiras (2006) o governo Lula não só deu continuidades, como aprofundou o modelo neoliberal, tendo o apoio dos segmentos mais pobres e desorganizadas das classes trabalhadoras. Seguindo a lógica neoliberal, no intuito de reduzir os recursos sociais universas, o governo Lula concentrou-se nas políticas focalizadas, sendo elas restritas, isto é, dirigidas para os mais pobres entre os pobres. Para esse autor, o governo Lula dá continuidade ao Modelo Neoliberal Periférico herdado do governo anterior. Logo, constata-se que o governo Lula é marcado por uma dualidade de perspectivas no que se refere a sua política econômica, que reflete as contradições existentes em seu programa. Se faz necessário, assim, uma análise mais detalhada, partindo, sobretudo, das práticas empregadas por seu governo. Tendo isso em vista, a hipótese inicialmente levantada compreende que as políticas adotadas pelo governo Lula (2003-2010) apresentam elementos de continuidade com a política do seu antecessor, porém acrescentando elementos novos, como a promoção do mercado interno e o enfrentamento do problema da miséria. Destacando, desta forma, um rompimento parcial com o projeto neoliberal. Nesse sentido, pretendendo-se discutir o que está subjacente ao comportamento político-ideológico-econômico do governo Lula (2003-2010) para compreender as continuidades e rupturas com o neoliberalismo herdado do governo anterior. Para tanto, realizou-se um estudo analítico e crítico da política econômica brasileira, tendo como referencial o período 2003-2010, considerando diferentes elementos, como (I) política macroeconômica; (II) políticas sociais e (III) base de sustentação. Utilizamos diferentes correntes para compor a discussão, dentre elas: neodesenvolvimentismo, novo-desenvolvimentismo e liberal-desenvolvimentismo. É válido ressaltar que não se pretendeu comparar as correntes, mas sim recorrer às diferentes interpretações para analisar as rupturas e continuidades da política econômica do governo Lula. E, para compreender as transformações no governo Lula, um percurso foi necessário, assim, o capítulo I foi organizado em quatro partes, contendo um breve contexto histórico sobre o surgimento e consolidação da agenda neoliberal no mundo e, especialmente, na América Latina e no Brasil, tendo como contexto as transformações ocorridas no capitalismo a partir da crise estrutural dos anos 1970. Diante disso, também foi abordado o neoliberalismo nos governos Fernando Collor de Mello (1990 – 1992) e Fernando Henrique Cardoso (1994 – 2003), que estão atrelados a motivos externos e internos à economia. No segundo capítulo, é apresentada a trajetória do governo Lula, com ênfase na crise deflagrada durante o período eleitoral; sua política econômica e uma análise da fase de crescimento. Em relação à política social, destacamos as condições que possibilitaram os avanços na minimização da pobreza. Todavia, sem desviar do objetivo, também abordamos a perspectiva política e ideológica que permeou a América Latina a partir dos anos 2000 e o significado da eleição de 2002. No último capítulo, discutimos as continuidades e/ou rupturas presentes nos dois mandatos do Lula (2003 – 2010). Destacando o surgimento e a mudança na base de sustentação do Partido dos Trabalhadores (PT), bem como o processo de moderação do discurso. Apresentamos, também, as críticas às interpretações acerca do sentido desenvolvimentista do governo. E, dentre as várias análises possíveis sobre o governo Lula, a que será defendida nesse capítulo, trata-se da inflexão do governo com seu projeto original e a manutenção de alguns aspectos, principalmente, da política macroeconômica do seu antecessor. 2 NEOLIBERALISMO: CRISE ESTRUTURAL, CONSENSO DE WASHINGTON E BRASIL Este capítulo está organizado em quatro partes. Na primeira é levantado um breve contexto histórico sobre o surgimento e consolidação da agenda neoliberal no mundo, destacando o ciclo da economia no pós guerra e o Estado de bem-estar social. Na segunda parte, tendo como pano de fundo as transformações ocorridas no capitalismo a partir da crise estrutural dos anos 1970, discutimos, brevemente, a consolidação da nova agenda na América Latina e, especialmente, no Brasil. Nesse sentido, na terceira parte, aborda-se os governos que introduziram e concretizaram o “Consenso de Washington” no Brasil, evidenciando, dessa forma, os contextos internos e externos francamente favoráveis ao neoliberalismo. Por último, é feito um balanço das políticas sociais desenvolvidas durante o governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), salientando as políticas de emprego, renda e assistência. Todos esses elementos são essenciais para se entender as condições que precederam a “Era Lula”. 2.1 Brevíssimo contexto histórico Após a Segunda Guerra Mundial, sob a hegemonia dos EUA, consolidou-se um modelo de crescimento baseado em políticas econômicas keynesianas, voltadas para alcançar o pleno emprego e amenizar o ciclo da economia, e no Estado de bem-estar social. O Estado passa a regular as relações econômicas e os conflitos sociais, aliando crescimento econômico com a legitimidade da ordem social, por meio de um acordo entre Estado, empresários e sindicatos, assim, esse sistema possibilitou altas taxas de crescimento, mantendo a ordem social (RAMPINELLI, 2001, p. 15). Por um longo período, o padrão de desenvolvimento americano, que associava produção e consumo em larga escala, possibilitou à classe trabalhadora condições razoáveis de vida, sendo classificado como a “era dourada do capitalismo”. Enquanto isso, na América Latina observava-se um sistema econômico guiado para o mercado interno, que adotara como padrão de acumulação a industrialização apoiada na substituição das importações. No entanto, no começo dos anos 1970, as condições que haviam possibilitado o crescimento econômico no pós-guerra começavam a apresentar sinais de falência, ou seja, o modelo de desenvolvimento fordista apresentava sinais de esgotamento. Desse modo, no centro do sistema, os países de economia avançada encontravam-se em recessão, com desaceleração do crescimento, queda da produtividade, altos índices de inflação e aumento do desemprego. Para Filgueiras (2000), a crise do sistema fordista de produção não se limita a uma crise de padrão de acumulação, de acordo com o autor esse colapso expressa [...] a crise de um determinado “modo de vida”, a quebra de um pacto social, caracterizado pela busca do “pleno emprego”, por uma certa estabilidade no trabalho e por amplas garantias sociais. É justamente a destruição desse “modo seguro de se viver”, construído entre a Segunda Guerra Mundial e o início dos anos 70, que dá origem ao profundo “mal-estar” específico deste final de século (FILGUEIRAS, 2000, p. 51). Dessa maneira, em resposta à crise, com o objetivo de desmanchar o arranjo capitalista do pós-guerra e recuperar a rentabilidade do capital, houve a reestruturação do sistema, que seguiu várias linhas; dentre elas, as mais importantes foram: o desmonte do Estado de Bem-Estar Social no centro do sistema; abertura das economias nacionais e a desregulamentação dos mercados financeiros, criando mercados com pouco controle por parte dos governos. A reestruturação do capitalismo esteve guiada por uma nova ideologia chamada de neoliberalismo. Entretanto, a sua difusão pelo mundo se deu de diferentes maneiras e intensidades. Foi a partir do governo conservador de Thatcher, na Inglaterra e do governo republicano de Regan, nos Estados Unidos, que difundiu a onda neoliberal que inundou o mundo nos anos 80. Foi o início da construção da hegemonia dessa doutrina em escala planetário, que viria a ser reforçada e ampliada, nos anos 90, com o desmoronamento do chamado “Socialismo Real” no leste europeu (FILGUEIRAS, 2000, p. 57). A agenda neoliberal vem sendo defendida para os países em desenvolvimento desde os anos 50. Mas a atualização dessas medidas se deu em torno de um “consenso” firmado em 1989, com o objetivo de avaliar as reformas em curso na América Latina. Um encontro que aconteceu em Washington, para discutir essa questão, ficou conhecido como o “Consenso de Washington”. Desse evento, que condensou o processo de discussão e que englobou as instituições multilaterais, o governo dos EUA, os grandes bancos, os fundos de investimento e as grandes corporações, além de representantes de universidades anglo-saxãs e de outros países, saiu a proposta segundo a qual a América Latina deveria realizar um conjunto de reformas liberalizantes. Assim, os governos latino-americanos deveriam seguir alguns preceitos indispensáveis, como a desregulamentação dos mercados, abertura comercial e financeira e minimização do papel do Estado na economia (FERREIRA, 2001, p. 37). Mattoso (2010) observa que os problemas históricos e as questões sociais da América Latinas foram ignorados. Para as instituições multilaterais, esses problemas latinos se resolveriam por si só, por meio da interação de forças da oferta e demanda em um mercado autorregulável. Os países que necessitavam de empréstimos passaram, então, a seguir o receituário neoliberal imposto por agências internacionais e passaram a ser monitorados por elas. Entretanto, esse processo foi um desastre. México e Argentina, por exemplo, que, segundo Mattoso (2010), haviam se tornado “as meninas dos olhos” do neoliberalismo, entraram em uma crise profunda, o primeiro em 1994 e o segundo em 2002. Praticamente, todos os países latino-americanos que, de uma forma ou outra, se dobraram aos ditames do Consenso de Washington apresentaram crescimento medíocres e elevação do desemprego e da miséria. Este foi o caso brasileiro nos anos 1990 (MATTOSO, 2010, p. 35). Todas as políticas implementadas têm o consentimento e participação dos governos locais, assim, podemos afirmar que os representantes do campo econômico não estão trabalhando em prol dos interesses nacionais, mas em consonância com os interesses internacionais. Isto é, enquanto a periferia do capitalismo segue os acordos estabelecidos pelo FMI, o mesmo atua na defesa e proteção dos interesses dos EUA e do grande capital, consequentemente implicando na fragilização das economias dos países em desenvolvimento. “Assim sendo, a pilhagem sobre os países pobres aumentou, havendo uma transferência enorme de capital destes para os ricos.” (RAMPINELLI, 2001, p. 20). Assumidos como expressão de modernidade, os princípios neoliberais chegaram à América Latina pela via da luta contra inflação e, por meio dela, da crítica ao Estado, apontando como o responsável pelo desequilíbrio monetário, além de outras mazelas, como o bloqueio à livre circulação de capitais, a ineficiência administrativa, a corrupção, o atraso, a excessiva tributação. Cada país repetiu, à sua maneira, o ideário neoliberal, com governos ditatoriais, como Pinochet, “nacionalistas”, como Carlos Menem, ou social-democratas, como Fernando Henrique Cardoso (SADER, 2013, p. 136). Segundo Boron (2000), a vitória neoliberal resulta em uma grande perda para classe trabalhadora e forças populares, podendo ser observada em algumas dimensões, como: a mercantilização dos direitos, ou seja, saúde, educação e a seguridade social tornam-se mercadorias; o estado passa a ser “satanizado” no campo ideológico, associando tudo que é ruim e ineficiente a ele, enquanto as qualidades do mercado são exaltadas. Para o autor, tudo isso faz parte da criação de uma nova mentalidade, isto é, um novo senso neoliberal, penetrando profundamente nas crenças populares, não poupando recursos financeiros para que assim possam ter ampla aceitação das políticas promovidas pelos capitalistas (BORON, 2000, p. 9-10-11). No campo ideológico e cultural, o neoliberalismo mostrava-se como única saída, convencendo vários setores da sociedade, como os capitalistas e as forças políticas que tomaram isso como verdade. Segundo Boron (2000), a influência do neoliberalismo também mudou o sentido de algumas palavras. O vocábulo “reforma”, por exemplo, que antes da era neoliberal tinha uma conotação positiva e progressista – e que, fiel a uma concepção iluminista, remetia a transformações sociais e econômicas orientadas para uma sociedade mais igualitária, democrática e humana – foi apropriado e “reconvertido” pelos ideólogos do neoliberalismo num significante que alude a processos e transformações sociais de claro sinal involutivo e antidemocrático (BORON, 2000, p. 11). Desta forma, ao analisar as consequências impostas a América Latina pelo Consenso de Washington, fica evidente que tais reformas podem ser enquadradas em “contrarreformas”, pois geraram uma maior desigualdade econômica e social. Essa nova lógica naturalizou as consequências desses processos, disciplinado e responsabilizando os indivíduos pelo seu sucesso ou fracasso, não sendo mais as contradições inerentes ao sistema capitalista responsável pela vulnerabilidade social e os problemas decorrentes dela. Para Boron (2000), os países capitalistas desenvolvidos – que propagaram e defenderam as reformas neoliberais – continuaram com seus estados prósperos, com regulação dos mercados e arrecadando muitos impostos. No entanto, se refletirmos as experiências dos países em que ocorreram reforma neoliberal, segundo os preceitos de Washington, sua vitória é mais ideológica e cultural do que, de fato, econômica. 2.1.1 “Milagre” Econômico brasileiro e a década de 1980 Como já mencionado, o período que vai do pós-guerra até os anos 1970 é caracterizado por um ciclo de expansão, com elevadas taxas de crescimento econômico. Entretanto, esse ciclo apresentou limites a partir da década de 1970, levando ao seu esgotamento e abrindo uma fase de baixo crescimento. Na década de 1980, países da periferia passaram por momentos de grande instabilidade econômica e social. Isso porque os países centrais que enfrentavam a crise estrutural adotaram medidas contracionistas, o que refletiu na periferia. Ao longo da década de 1970, os países em desenvolvimento receberam empréstimos maciços dos bancos internacionais, endividando-se rapidamente. Até então, as taxas de juros eram baixas. Porém, o segundo choque do petróleo em 1979, somado à elevação das taxas de juros americanas, no mesmo ano, colocaram os países da América Latina e África em dificuldades para pagar os empréstimos. A crise da dívida externa ficou mais explicita a partir de 1982, com a Crise cambial no México. No Brasil, não foi muito diferente, enquanto os países desenvolvidos enfrentavam uma crise na década de 1970 (crise do fordismo), o Brasil passava em 1968-1973 pelo que ficou conhecido como “Milagre econômico brasileiro”. Os efeitos do primeiro choque do petróleo, em 1973, foram sentidos no país. E, na tentativa de enfrentar a crise internacional, o governo executa, em 1974, o II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND). O governo estabeleceu vários investimentos em setores cruciais da economia, sustentando o ciclo expansivo até o final da década, tudo isso apoiado no crescente endividamento externo (FILGUEIRAS, 2000). No fim dessa década, com o segundo choque do petróleo e a elevação de taxas de juros americana, e, na década seguinte, com a crise do México em 1982, a situação internacional se modificou completamente, e para pior, no que se refere à oferta de recursos financeiros aos países “em desenvolvimento”. De uma situação de excesso de liquidez nos mercados financeiros, passou-se à outra de extrema escassez, inaugurando-se para esses países um período de estagflação do crescimento, aceleração inflacionária e exportação de capitais (FILGUEIRAS, 2000, p. 71). Muitos países que tiveram seus projetos de desenvolvimento apoiados pelo crescente endividamento externo, como no caso brasileiro, se viram obrigados a abandonar esses projetos sob o impacto do crescimento da dívida. O FMI, no momento de crise geral na periferia, agiu em defesa dos interesses do capital, impondo a esses países devedores acordos político-econômicos rígidos, sendo seu objetivo garantir o pagamento das dívidas (FILGUEIRAS, 2000). Além do mais, essas medidas impostas pelas agências multilaterais reforçavam o poder dos países avançados ao passo que fragilizavam as economias em desenvolvimento. De acordo com Ferreira (2001), caso esses programas impostos aos países em desenvolvimento não saíssem conforme o esperado, o fracasso era de responsabilidade do país que o adotou, pois certamente houve equívocos na condução da política econômica adotada. Desse modo, a responsabilidade da crise ficou por conta dos países periféricos, retirando totalmente o envolvimento dos Estados Unidos pela decisão unilateral na elevação das taxas de juros em 1979, isto é, desconsideraram o contexto que levou os países em desenvolvimento à crise, causando restrições e regras rígidas aos países devedores. Então, como já destacado, a passagem da hegemonia de um modelo regulador, aquele acordado em Bretton Woods, a um modelo liberal de mercado, aprofundou a hegemonia imperial norte-americana, sobretudo, com o fim de um mundo bipolar. Os países da América Latina se tornaram ainda mais dependentes e a renegociação da dívida agravou a situação das economias dos países devedores. “O resultado foi à explosão inflacionária que se manifestou em quase todos eles. A dívida interna se elevou, e o descontrole orçamentário impedia a adoção de políticas públicas” (PIRES, 2010, p. 232). Nesse sentido, durante a década de 1980, o Brasil passou por grave crise econômica, com hiperinflação e estagnação econômica. Para Sallum Jr. e Goulart (2016), sob o choque da dívida externa, a coalizão política que sustentava o regime civil-militar se desfez, bem como o Estado Varguista, regulador, socialmente excludente e orientado ao desenvolvimento industrial. Para os autores, esses elementos contribuíram para uma mudança na política e nas relações de poder com a economia e a relação do Brasil com o exterior. Essa transição compreendeu processos de mudança distintos, embora interconectados, dentre os quais o mais intenso, de início, foi o da democratização. Esta foi sustentada por mobilizações intensas, embora intermitentes, da classe média e do operariado urbanos e de outros movimentos sociais populares que demandavam a extensão ou a instituição de direitos de cidadania e a ampliação de sua participação na renda (SALLUM JR.; GOULART, 2016, p. 217). Desta forma, a grande mobilização popular resultou no movimento pelas “Diretas já” em 1984, levando ao fim de 21 anos de ditadura civil-militar no país. No entanto, no que se refere aos movimentos sociais é importante destacar que [...] foi no início dos anos 1980 que foram criados o Partido dos Trabalhadores (PT), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a Central Única dos Trabalhadores (CUT). Essas organizações exerceram um importante papel de resistência à implantação do neoliberalismo até 1989, quando derrotados eleitoralmente, passaram a ocupar o papel de oposição aos governos neoliberais (BERRINGER, 2014, p. 78). Assim, a implementação da agenda neoliberal atrasou, se compararmos ao resto da América Latina, pois os movimentos sociais e trabalhistas postergaram a sua execução já na década de 1980. Assim, o estabelecimento do neoliberalismo se intensificou no país a partir dos anos 1990. Embora a Constituição Cidadã de 1988 tenha garantido uma série de direitos sociais e políticos, dando novo fôlego ao campo de luta social, foram enfraquecidos no começo dos anos 1990, ameaçados, especialmente, pelo baixo crescimento e, consequentemente, pelo desemprego. Assim sendo, a abertura econômica e os processos de privatizações foram implementados pelo Governo Collor, mas sendo efetivado, de fato, durante o Governo de Fernando Henrique Cardoso. No próximo tópico traremos mais a fundo como se consolidou no país a agenda neoliberal no Brasil. 2.2 Neoliberalismo: surgimento e consolidação no Brasil Os anos 1980 é um marco pra sociedade brasileira, pois representa o fim da ditadura civil-militar (1964-85) e a restauração das instituições democráticas, permitindo a reorganização e o fortalecimento dos movimentos sociais. Em contrapartida, também representa um período de crise econômica. Em 1988, a Constituição Cidadã garantiu uma série de direitos sociais e políticos, dando novo fôlego ao campo de luta social, que iniciava a década de 1990 ameaçados pelo baixo crescimento e, consequentemente, pelo desemprego. Entretanto, a Reforma do Estado, conduzida, segundo Oliveira (2000), pela classe dominante, realizou-se por meio do alijamento das classes populares. Tal reforma, iniciada com o governo Fernando Collor de Mello (1990-1992), além do plano de estabilização da economia, também planeja uma política de longo prazo, com características neoliberais (FILGUEIRAS, 2001). Assim, várias medidas neoliberais foram colocadas em prática durante a sua gestão. Foram suspensas as barreiras não-tarifárias às compras do exterior e implementou-se um programa de redução progressiva das tarifas de importação ao longo de quatro anos. Ao mesmo tempo, implantou-se um programa de desregulamentação das atividades econômicas e de privatização de empresas estatais (não protegida pela Constituição) para recuperar as finanças públicas e reduzir aos poucos o seu papel na impulsão da indústria doméstica. Finalmente, a política de integração regional materializada na constituição do Mercosul (1991) tinha como horizonte ampliar o mercado para a produção doméstica dos países-membros (SALLUM JR., 1999, p. 27-8). Sallum Jr. (2011) reforça que, ao assinar o acordo com o Mercosul, o intuito era ampliar a participação econômica brasileira, colocando-a em âmbito internacional, atraindo para o país empresas multinacionais. Opondo-se a qualquer projeto nacional-desenvolvimentista, o governo Collor adotava uma postura antiestatal. De acordo com Sallum Jr. (2011), o governo Collor contava com a fragilidade do Estado para viabilizar seu programa, apoiado, a princípio, na aliança com o empresariado que [...] tratava-se de exercer poder com base em um Estado fragilizado e dentro de regras e segundo valores políticos produzidos no Brasil pelo forte movimento de democratização política dos anos 1980 e pelo recente, mas ainda frágil, movimento de liberalização econômica (SALLUM JR, 2011, p. 262). Segundo o autor, o governo não construiu bases para governar, isto é, não havia forte coalizão político-partidária, logo, a condução desse programa enfrentou crescentes problemas. Somado a isso, Collor não era considerado qualificado, havia, além da resistência popular, uma hesitação por parte do empresariado, de acordo com Oliveira (2000), ele também não havia saído da nata das elites nacionais. Por último, também não tinha preparação intelectual para ser aqui o articulador de uma coalizão. [...] e preparação intelectual quer dizer algo mais, quer dizer ter capacidade política de elaborar e estar à frente de um processo que incorpora o tom do tempo e o adapta às necessidades dos grupos dominantes do Brasil (OLIVEIRA, 2000, p. 73). O plano de estabilização, Plano Collor I e II, fracassou como os que antecederam (Plano Cruzado 1986, Plano Bresser 1987, Plano Verão 1989). Com a retomada do processo inflacionário e com a recessão, observa-se o incremento do desemprego, da pobreza e da desigualdade, colocando em xeque seu governo, que já se encontrava isolado e desgastado com inúmeras denúncias de corrupção. Como resultado da insatisfação de amplos setores da sociedade, o governo Collor acabou sofrendo um impeachment. O que podemos observar é que o projeto neoliberal foi capaz de unificar vários setores da burguesia brasileira, atraídos, principalmente, pela precarização das relações de trabalho e redução de gastos de cunho social. E mesmo com o fim do seu governo, alguns legados do Collor permaneceram, como as políticas neoliberais, isso em partes se deu pela mudança nas condições do mercado internacional. A partir década de 1990, houve uma intensa entrada de capitais na América Latina, aumentando-se, assim, as reservas internacionais, o que possibilitou a execução de novas políticas de estabilização, como também a renegociação da dívida externa. E, assim, sob o governo Itamar Franco, o Plano Real é criado no intuito de conter os processos inflacionários. 2.2.1 Plano Real e os governos Franco (1992-1993) e FHC (1994-2003) Como abordado no tópico anterior, com a saída de Fernando Collor de Mello, quem assume o governo é seu vice Itamar Franco que recebe o governo sob grande instabilidade política e econômica, entretanto, mesmo com grande polarização, deu continuidade ao reformismo liberal, enquanto candidatos populares da oposição ganhavam força. E justamente sob essas condições que no governo, segundo Sallum Jr. (1999), algumas lideranças políticas encontram oportunidades no meio do Estado. [...] para negociar a associação entre partidos de centro e direita em torno da continuidade das reformas liberais, da estabilização da economia e da tomada do poder político central, corporificando tudo isso no lançamento bem-sucedido do Plano Real e na candidatura, afinal vitoriosa, à Presidência da República do seu articulador, o então Ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso (SALLUM JR., 1999, p. 29). O Plano Real, criado durante o governo Itamar Franco, juntamente com o Ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso, tinha como objetivo combater a hiperinflação, por meio da elaboração de mais plano de estabilização econômica. Entretanto, enquanto ainda era “gestado”, o governo sofreu inúmeras pressões de vários setores, pois a inflação continuava a se elevar de 26,78% em maio, para 30,37% em junho, 31,01% em julho, 33,34% em agosto e 35,63 em setembro de 1993. Havia pressões políticas internas e externas, em especial do FMI. Somado a isso, ainda tinha os temores por parte do empresariado, pois a eleição de 1994 estava próxima, com possibilidade de vitória do candidato à presidência do Partido dos Trabalhadores (PT), Lula da Silva (NOVELLI, 2007, p. 207). Segundo Novelli (2007), na tentativa de desviar o foco do Ministro da Fazenda, a maioria das críticas era centrada no Presidente Itamar Franco, pois se o plano de estabilização fosse exitoso, FHC seria um candidato forte à eleição. Anunciado em sete de dezembro de 1993, o Plano Real contou com três fases ao longo do tempo, de forma sucinta, foram: ajuste fiscal, com objetivo de equilibrar as contas, criando, assim, condições fiscais mais adequadas para adoção da nova moeda; implementação da Unidade Real do Valor (URV), considerada parte fundamental, servia como mais um índice de inflação e o Real, fase final que introduziu a nova moeda. Apesar da altíssima taxa real de juros, houve abrupta aceleração do consumo, que desencadeou forte aumento das importações. A recordação de tantos planos anteriores fracassados estimulava a população a comprar preventivamente bens barateados pela valorização cambial. Adicionalmente, a fórmula de conversão dos salários em URV admitia implicitamente que todo o salário fosse trocado por bens na data de seu pagamento. Mas, como a parte do salário gasta ao longo do mês sofria desvalorização devido à inflação, a queda abrupta da inflação implicou um aumento real de salário a partir de julho (CARDOSO, 2013, p. 199). Em relação a outros países da América Latina, o neoliberalismo tardou um pouco a chegar ao país, entretanto, é valido ressaltar que o Governo Collor foi o precursor das reformas neoliberais no Brasil, sendo consolidas no governo Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), que do ponto de vista do bloco dominante, era quem estava mais bem preparado para assumir a condução do processo. Fernando Henrique Cardoso expressava os princípios incorporados pelas frações de classes do país. Segundo Sader (2013):2 Quando disse que ia “virar a página do getulismo” na história do Brasil, FHC revelava a consciência clara de que um Estado regulador, protetor do mercado interno, indutor do crescimento econômico, que garantia os direitos sociais e promovia a soberania externa era um obstáculo frontal ao modelo neoliberal. Buscou desarticulá-lo, reduzindo-o ao Estado mínimo, a favor da centralidade do mercado (SADER, 2013, p. 137). 2 Para Poulantzas (1977), a burguesia, enquanto classe dominante, é constituída por várias frações de classe, com contradições e que lutam entre si. Entretanto, é por meio de interesses político-econômicos comuns que distintos setores econômicos podem se unir, formando uma aliança. Constituindo, dessa forma, o bloco no poder. Assim, dentre esses setores, uma fração se sobressai, fazendo com que seus interesses prevaleçam no bloco no poder. Assim, na disputa eleitoral de 1994, mesmo com grande oposição e resistência popular e política ao governo Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso levou a melhor, apoiando-se, sobretudo, no Plano Real como solução à crise. Ademais, sua base aliada conquistou cargos em quase todos os Estados. Assim, o primeiro mandato de FHC iniciava-se, conforme destaca Sallum Jr. (1999), com moeda estável e com representantes do novo sistema hegemônico, dispostos a moldar a sociedade em direção à ordem internacional. De acordo com Mollo e Saad (2001), a legitimidade do Plano Real por parte da população se deu por atenuar o conflito distributivo, ou seja, logo após a sua implementação, interrompeu as perdas salariais, assim como a facilidade de importações de bens de consumos, foram responsáveis pela popularidade do plano. Entretanto, nos anos seguintes, com a deterioração de indicadores socioeconômicos, mudaria a avaliação do plano de estabilização. Para Filgueiras (2000), o Plano Real não é somente um programa de estabilização, mas deve ser visto como um projeto maior. Colocando, assim, a economia brasileira na ordem internacional, segundo os preceitos de Washington. Portanto, a política de estabilização daí decorrente tem impacto, entre outras coisas, no redesenho da estrutura do Estado, na sua forma de atuação na economia e na formatação de suas políticas públicas e sociais; na reestruturação, concentração e desnacionalização de diversos setores econômicos; nas relações internacionais, comerciais e financeiras do país e, cada vez mais, na redefinição das relações trabalhistas e no perfil do mercado de trabalho. (FILGUEIRAS, 2000, p. 31) Desta forma, durante os oito anos de governo FHC, as políticas adotadas seguem as diretrizes estabelecidas pelo Consenso de Washington. A implementação do Plano Real ocorreu sob a justificativa de estabilização e reforma econômica de acordo com a visão conservadora, seguindo, assim, os princípios deliberados pelo FMI e outras instituições. Câmbio sobrevalorizado e liberalização comercial, que possibilitam a manutenção da política de importação de mercadorias, e política monetária restritiva, que atrai capitais para financiar o déficit da balança comercial e mantém a demanda agregada sob controle, formaram os pilares das políticas adotadas no primeiro governo Fernando Henrique para a manutenção da estabilidade de preços (NOVELLI, 2007, p. 251). A sobrevalorização do câmbio não agradou todos os setores, a indústria, por exemplo; pois a estabilização dos preços estava atrelada ao baixo desempenho do crescimento econômico. Essa ausência de resultados, impactou diretamente na oferta de empregos e na capacidade de gerar novos empregos. Ou seja, os meios utilizados para a estabilização bloqueavam o crescimento , sendo a conta da estabilidade econômica paga por alguns3 (NOVELLI, 2007). Ao longo dos seus dois mandatos, FHC realizou reformas estruturais, dentre as mais importantes podemos destacar a flexibilização de monopólios a partir de 1995. [...] algumas emendas constitucionais autorizaram a União a explorar indiretamente, por intermédio de empresas constituídas sob as leis brasileiras com sede no país, mas não necessariamente de capital nacional – mediante autorização, concessão ou permissão –, a pesquisa e lavra de recursos minerais, os serviços de telecomunicações, bem como a exploração e o refino de petróleo (CARDOSO, 2013, p. 201). Embora o petróleo seja da união, a sua exploração poderia ser franqueada a outras empresas, acabando assim, com o monopólio estatal sobre o petróleo. O mesmo ocorreu com as telecomunicações e entre outras áreas. Cardoso (2013) ressalta que, nos leilões de privatizações, muitos títulos desapareceram, isso ocorreu, pois moedas podres foram aceitas como meio de pagamento. Mesmo o governo tendo realizado inúmeras privatizações no campo estratégico, como a venda da Companhia Vale do Rio Doce, telefonia, além dos bancos públicos, o governo FHC preservou os bancos federais, demonstrando, segundo os autores Sallum Jr. e Goulart (2016), certos limites às privatizações. Para eles, isso denota que mesmo com a redução da função empresarial do Estado, manteve-se, ainda, o seu caráter regulador em algumas áreas. A exemplo dos bancos, preservou-se a Caixa Econômica Federal, essencial para os financiamentos imobiliários, assim como o Banco do Brasil, importante para o financiamento agrícola e o banco para o desenvolvimento (BNDES), principal fonte de empréstimos de longo prazo para empresas privadas. 3 A implementação do Real e as reformas pró-mercados, criaram armadilhas que impactaram no crescimento econômico do país. A começar pelo processo de abertura econômica, nos levando a uma enorme dependência dos fluxos de capitais externos para o fechamento das contas do balanço de pagamentos. Diante de uma conjuntura financeira internacional instável, o país tornou-se cada vez mais frágil financeiramente, limitando-se, assim, a sua capacidade de reagir aos choques externos. A manutenção das altas taxas de juros para garantir o fluxo de capitais necessários para o fechamento das contas externas, a insustentável vulnerabilidade externa somada à valorização do câmbio, implicaram, em linhas gerais, no baixo crescimento econômico, no desemprego, no aumento da dívida pública, necessitando ser refinanciada via endividamento, levando, segundo o autor, a uma armadilha fiscal. A adoção dessas políticas levou à crise no final da década de 1990 e alteração da política econômica. Entretanto, mesmo após a adoção de um regime de metas de inflacionárias, manteve-se taxa de crescimento medíocre, desemprego, deterioração das contas públicas e vulnerabilidade externa (CARCANHOLO, 2012). Também foram criadas agências reguladoras, com o intuito de evitar preços abusivos e controlar a qualidade do que era oferecido, o que também não poderia ser realizado de forma favorável ao consumidor, pois corria-se o risco de desestimular os investimentos. A solução consistiu na criação, em cada setor específico, de uma agência reguladora, instituição de Estado independente de pressões dos governos que se revezariam no poder, destinada a fiscalizar o setor sob as diretrizes definidas pela lei complementar que lhe deu origem (CARDOSO, 2013, p. 202). Todavia, após a euforia da implementação do real, o que percebemos é uma sucessão de crises. Em seu primeiro mandato, a política econômica do governo FHC (1995-1998) manteve o regime cambial semifixo (OLIVEIRA; TUROLLA, 2003), ou seja, para manter a cotação do dólar próximo do estipulado pelo Banco Central, o mesmo fez intervenções diárias. Sob um regime de câmbio administrado, a política monetária perdeu autonomia e ficou condicionada à manutenção da paridade de câmbio escolhida. A manutenção da valorização cambial requer, geralmente, contração monetária, especialmente quando ocorre choques externos negativos que afetam a oferta internacional de divisas para o país (OLIVEIRA; TUROLLA, 2003, p. 196). A partir desse novo projeto, o Brasil não consegue voltar a crescer a taxas mais elevadas, além de sofrer uma deterioração estrutural de sua economia com a desestruturação crescente do setor industrial e a deterioração das condições de vida e trabalho. Segundo Filgueiras e Gonçalves (2007), o retrocesso industrial significou a perda da importância do setor industrial com redução da participação no PIB, de 32,1% em 1986 para 19,7% em 1998, o que também implicou uma perda no emprego industrial. De modo geral, os países que seguiram os princípios do Consenso de Washington sofreram, pelo menos, três grandes crises que afetaram a economia brasileira, como a crise mexicana, asiática e russa, que serão mais bem explicitadas no próximo tópico. 2.3 Inconsistências do Plano Real e o Tripé Macroeconômico Os primeiros anos do Plano Real foram marcados pelas crises do México (1994), dos países Asiáticos (1997) e da Rússia (1998). Mesmo atingindo seu propósito, luta contra a inflação, reduzindo-a para um dígito anual, o plano de estabilização do governo FHC, não só aprofundou, segundo Filgueiras (2000), os desequilíbrios estruturais, como criou novos, gerando uma instabilidade macroeconômica, explicitando, assim, a inconsistência sistêmica do Plano Real. Essa inconsistência se evidenciou, mês a mês, no aparecimento, e depois explosivo crescimento, de déficits na balança comercial do Brasil. A abertura da economia e a sobrevalorização do Real escancarou o país às importações e tirou a competitividade das exportações, que cresceram num ritmo bem inferior ao das importações (FILGUEIRAS, 2000, p. 149). Para o autor, houve uma deterioração de variáveis macroeconômicas , exceto a4 inflação, devido às altas taxas de juros, que sustentaram a abertura econômica e a âncora cambial. “Esse impacto negativo se fez sentir, ano a ano, numa taxa de crescimento medíocres, com período de estagnação e recessão aberta” (FILGUEIRAS, 2000, p. 149). Após as crises cambiais de 1994 e 1997, sob ataques especulativos, o governou reagiu, mantendo a estabilidade da moeda e elevando ainda mais as taxas de juros, desaquecendo as atividades econômicas e mantendo as reservas. No entanto, a elevação das taxas de juros, que tem como objetivo evitar a fuga de capitais e atrair capital estrangeiro, também resulta nos baixos níveis de investimentos ,5 refletindo, assim, no baixo crescimento e, consequentemente, no aumento da taxa de desemprego, além de encarecerem os serviços das dívidas internas. Além disso, o impacto das altas taxas de juros se fez sentir na expansão do déficit nominal do governo e no aumento da dívida pública interna líquida, que de uma cifra de menos de 23,7% do PIB em 1994 atingiu mais de 35% em 1998 (SILVA, 2002, p. 397). Desse modo, segundo Silva (2002), o governo fragiliza-se financeiramente, ficando cada vez mais refém dos juros elevados. Porém, como as crises expuseram, a alta de juros não é suficiente para impedir a fuga de capitais, mostrando, assim, seus limites. O impacto da crise da Rússia (1998) fez com que o Brasil realizasse um novo acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), em 1998. De acordo com Filgueiras (2000), as razões que nos levaram ao um novo acordo foram as mesmas da década de 1980, isto é, 5 De acordo com Luiz Fernando de Paula (2008), na década de 1970 os níveis de investimentos alcançaram cerca de 21-23% do PIB. No entanto, na década de 1990 e de 2000 (com exceção dos anos 1994 e 1995), a taxa de investimentos caiu para 18-20%. 4 De acordo com Carcanholo (2012), a taxa média de crescimento da economia nos anos 1990 foi de 1,78%, inferior aos 2,2% dos anos oitenta. A taxa de investimento como proporção do PIB foi de 15,9% na última década, contra 17,7% na anterior. As taxas de desemprego elevaram ao longo do período, saindo de 3,3% em 1989 para 7,6% em 1999. estrangulamento externo e ameaça de crise cambial. Assim, o país voltou a prestar contas ao FMI e outras instituições financeiras. Vale ressaltar que as condições que resultaram no novo acordo eram diferentes da década de 1980, visto que, durante o governo Itamar Franco em 1994, o país havia acordado o Plano Brady, que visava a reestruturação do pagamento da dívida externa. Esse desenlace ocorreu em abril de 1994, após mais de dez anos de dificuldades nas relações internacionais do país e da assinatura de 11 acordos com o FMI, durante os quais o país remeteu para o exterior mais de US$ 60 bilhões, a economia sofreu pelo menos três recessões (1981, 1983, 1990), a inflação tornou-se crônica, o Estado fragilizou-se financeiramente e as taxas de desemprego bateram recordes sucessivos (FILGUEIRAS, 2000, p. 141). Entretanto, essa “ajuda” por parte das instituições só refletia o temor do agravamento da instabilidade nos mercados financeiros e, após a crise da Rússia em 1998, o intuito era evitar uma recessão mundial (FILGUEIRAS, 2000). Esse acordo com o FMI representava uma sobrevida ao regime cambial e por consequência a estabilidade dos preços. Todavia, a situação internacional era cada vez mais instável e os choques externos mais frequentes, pois a hegemonia neoliberal na política macroeconômica fragilizou a economia nacional perante o sistema financeiro internacional e as crises, levaram a queda do real, logo no início do segundo mandato do FHC. “Ao final de 1998, ano em que o déficit em transações correntes atingiu US$ 33,4 bilhões, a contínua perda de reservas sacramentou o fim do regime de câmbio administrado, tendo-se adotado a plena flexibilidade cambial em janeiro de 1999.” (CARDOSO, 2013, p. 201). Desta forma, nessa conjuntura instável, a política econômica adotada no primeiro mandato do FHC foi substituída em 1999, por um conjunto de medidas que vieram a se chamar Tripé Macroeconômico, definido pelas metas de superávit primário, câmbio flexível e metas para a inflação. 2.3.1 Tripé Macroeconômico A partir de 1999, FHC tendo garantido seu novo mandato, implementa o Tripé Macroeconômico. Gerando mudanças que envolveram os regimes cambial, monetário e fiscal. Em relação ao regime cambial, optou-se pela flexibilização suja, no qual o “Banco Central manteve a intervenção na forma de venda pontual de reservas e oferta de títulos públicos indexados à taxa de câmbio” (OLIVEIRA; TUROLLA, 2003, p. 197). O regime monetário agora contava com um sistema de metas inflacionárias, atuando dentro de uma margem de tolerância, podendo ser acima ou abaixo da meta, evitando-se, assim, grandes flutuações no nível de atividade. Já o regime fiscal estava atrelado à manutenção de um superávit primário, apoiado no aumento de receitas e redução de despesas (OLIVEIRA; TUROLLA, 2003). Segundo os autores Oliveira e Turolla (2003), a principal marca do segundo governo FHC foi a mudança na área fiscal: A principal alteração, de impacto imediato, foi a introdução do Plano de Estabilidade Fiscal, em outubro de 1998, que passou a estipular o patamar de superávit primário do setor público necessário para a estabilização da razão dívida/produto. Foram criadas metas de superávit primário, desenhadas para estabilizar a razão entre a Dívida Líquida do Setor Público (DLSP) e o PIB (OLIVEIRA; TUROLLA, 2003, p. 199). Mesmo com início no segundo mandato, os efeitos vieram a se notar posteriormente, principalmente a partir do Programa de Estabilidade Fiscal, com medidas de natureza estrutural e institucional. Havia uma dificuldade política no que se refere à aprovação de reformas estruturais e medidas de contenção de despesas, foi somente após as crises de 1998/99, que essa situação se modificou, os defensores da política fiscal mais rígida receberam apoio. Vale ressaltar que, para alguns, esses ajustes eram necessários para que se mantivesse o apoio do FMI. Durante o segundo mandato, a estrutura institucional das finanças públicas “foi completado com a Lei de Responsabilidade Fiscal. Além disso, foi possível aprovar o Fator Previdenciário do INSS e uma parte da Reforma Administrativa” (OLIVEIRA; TUROLLA, 2003, p. 201). Para Oliveira e Turolla (2003), a ancoragem cambial foi um elemento importantíssimo para estabilidade dos preços, o problema no Brasil foi a sua duração. A partir da implementação do Plano Real, houve deterioração no saldo em transações reais. O superávit evaporou rapidamente com a apreciação da taxa de câmbio no segundo semestre de 1994, o que se somou a uma intensificação do ritmo de crescimento com a estabilização dos preços. De um superávit de US$ 4,8 bilhões em 1994, o país passou a um déficit de US$ 10,9 bilhões em 1995, o qual se aprofundou daí em diante. De fevereiro de 1997 a janeiro de 1998, esse déficit atingiu o seu pico histórico de US$ 19,7 bilhões (OLIVEIRA; TUROLLA, 2003, p. 202). Devido a abertura comercial, somada à valorização cambial, houve desequilíbrios na balança comercial; de acordo com os autores, quando comparado o período que vai a implementação do plano até sua flutuação em 1998, “as exportações de bens e serviços apresentaram um crescimento de 32,3%, já as importações expandiram-se em 150,1%” (OLIVEIRA; TUROLLA, 2003, p. 202). Dessa forma, esse período é sublinhado por grande instabilidade, desencadeada a partir do Plano Real, com deterioração contínua do saldo em transações reais. O déficit em conta corrente passou de US$ 2 bilhões em 1994 para US$ 33 bilhões no final de 1998. Com a mudança de regime cambial para um regime flexível, abriu-se a possibilidade de ajustes na conta corrente. “A reversão do déficit em conta corrente deu-se não apenas em função do câmbio real mais depreciado, mas também pela reversão do crescimento das remessas de rendas ao exterior no novo regime de política econômica” (OLIVEIRA; TUROLLA, 2003, p. 203). Em 1999, com o relaxamento da âncora cambial, temia-se que com a desvalorização, a inflação pudesse voltar. Mas, não foi isso que ocorreu, superando as baixas expectativas da época, naquele ano a inflação manteve-se em 8,9% e o PIB não apresentou quedas no ano. “Após a recuperação da crise cambial, verificou-se um período de relativa estabilidade financeira que atravessou o ano 2000. Naquele período, a taxa de câmbio flutuou ao redor do patamar de R$ 1,80 por dólar e os juros permaneceram em queda” (OLIVEIRA; TUROLLA, 2003, p. 208). Todavia, uma sucessão de acontecimentos impactou nesse bom momento vivido pela economia brasileira. A começar pelas questões internas, em 2001 houve a crise energética, levando ao racionamento, sob riscos de apagão. Tal episódio colocou o governo em descrédito perante a população, gerando desconfiança na capacidade do governo em resolver problemas. Já nas questões externas, houve a crise econômica e política na Argentina, a crise da bolha da internet e os atentados de 11 de setembro, que contribuíram para desaceleração da economia norte-americana. O ano de 2002 inicia-se em uma conjuntura internacional desfavorável e com pressões políticas no Brasil em torno da campanha presidencial. Devido à crise energética e somada aos oito anos de gestão, para população o governo havia se mostrado incapaz de reduzir a vulnerabilidade externa e elevar o crescimento, com avaliações nada favoráveis à sua continuidade. O desemprego tornou-se o elemento mais negativo em seu governo, como também a pobreza e a fome. E, por fim, as bases políticas, que até então sustentavam o governo, encontravam-se enfraquecidas, abrindo caminho para vitória do candidato da oposição. 2.4 Emprego e Renda Pautando-se, sobretudo, desde seu primeiro mandato, em acabar com a “Era Varguista”, pode-se observar que após a implementação do Plano Real e das políticas de contenção permanente das atividades econômicas, houve baixas taxas de crescimento e altos6 índices de desemprego. Seguindo essa mesma lógica, para o governo, a Constituição Cidadã de 1988 era responsável pelos desequilíbrios estruturais no regime fiscal, com gastos de natureza social “impossíveis” de serem mantidos. Entretanto, como já exposto anteriormente, Este déficit é oriundo da política cambial valorizada, combinada com elevadas taxas de juros. Desta forma, a conta derivada de uma opção conservadora de política econômica e socializada com toda a população através da redução de direitos sociais e trabalhistas (FERREIRA, 2001, p. 41-42) Sob a justificativa de pressões para o ajustamento fiscal, em 1998, o governo argumentava que a não realização de alterações significativas no sistema previdenciário era um problema, sendo necessário realizar uma reforma. Assim, o governo conseguiu aprovar as seguintes alterações: mudanças nos critérios de elegibilidade, pela determinação da idade mínima para as aposentadorias e a substituição do conceito de “tempo de serviço” por “tempo de contribuição”; mudanças nas aposentadorias, pela alteração nas regras de cálculo, extinção das aposentadorias proporcionais e de quase todas as especiais; unificação dos regimes especiais de servidores públicos e supressão dos auxílios assistenciais (auxílio-natalidade, auxílio-funeral e renda mensal vitalícia) (DRAIBE, 2003, p. 84). O efeito inicial do anúncio da reforma do sistema previdenciário, fez com que muitos buscassem a antecipação da aposentadoria, temendo seus resultados, o que gerou um aumento no gasto social federal, somado a isso, a demanda pelo seguro-desemprego também cresceu. No entanto, não foram todas as propostas aceitas, o governo não conseguiu aprovar a idade mínima de aposentadoria e a cobrança de contribuição previdenciária do servidor 6 Entre 1990 e 1998, o crescimento médio ficou próximo aos 2%. inativo. Segundo Draibe (2003, p. 84), por mais que, em linhas gerais, não tenha ocasionado grandes mudanças no sistema previdenciário, houve sim uma perda do plano de benefícios e dos auxílios assistenciais, ou seja, uma diminuição da proteção social. A autora ainda ressalta que não há consideração no que se refere a grande parcela informal da sociedade, totalmente desprotegida, como também a questão de gênero foi ignorada sem apoio à mulher trabalhadora, sendo reduzida, apenas, à questão de idade. Em relação ao emprego, nota-se que a abertura comercial iniciada nos anos 1990, somada ao regime de câmbio sobrevalorizado a partir de 1994, estão intrinsecamente relacionados ao efeito negativo no mercado de trabalho. Até mesmo o setor industrial, que, historicamente, tem grande capacidade de absorver mão de obra, encontrava-se em queda. Segundo Pochmann (2020), as privatizações que ocorreram entre 1990 e 2002 foram a segunda maior do mundo, ficando atrás somente do desmonte da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Como resultado, 123 empresas estatais vendidas, gerando um impacto destrutivo de 546 mil empregos. Em um estudo desenvolvido para o IPEA, os autores Ramos e Reis (1997) destacam que o segmento industrial, além do impacto nos níveis de emprego, também se destaca por ser “o maior responsável pela oferta de postos de trabalho de qualidade, pelo menos enquanto entendida por maiores níveis de remuneração, acesso à proteção trabalhista e oportunidades de treinamento e desenvolvimento do trabalhador” (RAMOS; REIS, 1997, p. 1). Assim, segundo os autores, a questão do emprego despertava preocupações não só em sentido de quantidade, mas também na qualidade da oferta de empregos. Desse modo, mesmo que a princípio a implementação do plano tenha contribuído para ganhos reais para as camadas assalariadas menos privilegiadas, o que se pode constatar pós Real é que a política de câmbio apreciado e juros alto, desde 1996, gerou um retrocesso dos ganhos. TABELA 1 – TAXA DE DESEMPREGO TOTAL NAS REGIÕES METROPOLITANAS (em %) Fonte: Novelli, 2007. n Novembro. Conforme pode ser visualizado na tabela 1, após dois anos do lançamento do Plano Real, ocorrem elevações no nível de desemprego, podendo, assim, dizer que há uma mudança no que se refere ao mercado de trabalho. Segundo Novelli (2007), isso decorre da escolha do governo que desde o primeiro momento preferiu a estabilidade, mesmo que gerasse danos ao crescimento. O aumento do desemprego, decorrente dessa escolha política, também leva desmobilização e desorganização dos trabalhadores. Nesse sentido, as greves deflagradas na década de 1990 refletem esse momento: O Banco de Dados Sindicais do Dieese registra 557 greves em 1992, cada uma delas envolvendo 4.600 trabalhadores, em média. Em 1996, o número de greves aumenta para 1.258, ao passo que o número de grevistas cai para 2.222, o que mostra o aumento de greves por empresa. Em 1997, o número de greves e de grevistas se reduz a praticamente à metade do verificado no ano anterior: 630 e 1.284, respectivamente (GALVÃO, 2020, p. 136). Para Galvão (2002), essa redução pode estar relacionada a dois fatores, sendo o primeiro o aumento do desemprego e o segundo, que deve ser considerado, são as reformas administrativas e previdenciárias que atingiram o funcionalismo público que até então era responsável pelas grandes paralisações. No tocante à renda, houve um aumento em termos reais significativo: a renda média mensal, que era equivalente a R$ 769 em 1992, R$ 824 em 1993, R$ 869 em 1994, elevou-se para R$ 1.066 em 1995, R$ 1.098 em 1996. Entretanto, passado esse período de elevação, a partir de 1997, a renda média passa a cair para R$ 1.080, R$ 1.075 em 1998, e abruptamente para R$ 1.007 em 1999, estabilizando-se com uma tendência de queda para R$ 1.000 em 2000 e R$ 993 em 2001 (NOVELLI, 2007, p. 237). O governo instituiu alguns programas, como a criação do Bolsa-Qualificação, direcionada aos desempregados, a bolsa servia para substituir ou complementar o seguro-desemprego. Além do programa de capacitação profissional, também havia os programas de inserção produtiva, cujo objetivo era: de apoio às micro e pequenas empresas – Programa de Geração de Emprego e Renda (Proger), Proger Rural, Programa de Apoio à Agricultura Familiar (Pronaf), Programa de Crédito para a Reforma Agrária (Procera) e Programa de Crédito Produtivo Popular, do BNDES (DRAIBE, 2003, p. 86). Entretanto, apesar das inovações desses programas, a sua gestão e implementação não foram suficientes. De acordo com os autores Barros, Corseuil e Foguel (2001), os programas deixavam a desejar, pois não atingiam parte significativa dos desempregados, assim, os autores concluíram que “embora certos segmentos da população possam estar de fato sendo adequadamente atendidos, esses programas definitivamente não estão servindo de proteção aos trabalhadores mais carentes” (BARROS; CORSEUIL; FOGUEL, 2001, p. 26). Havia outras políticas do governo que foram também significativas nessa área, como: [...] desindexação salarial; extensão da abrangência do contrato por tempo determinado, antes restrito às atividades transitórias, sempre que resultante de negociação coletiva; instituição do banco de horas (alternativa ao pagamento de horas extras); instituição da modalidade da suspensão do contrato de trabalho, por período de dois a cinco meses, associada à qualificação profissional e à bolsa-qualificação; instituição do regime de trabalho em tempo parcial (com jornada até 25 horas e salário proporcional); introdução do instituto da mediação trabalhista e das comissões de Conciliação Prévia; e reforço dos mecanismos de fiscalização do trabalho (DRAIBE, 2003, p. 86). Draibe (2003) ressalta que esse conjunto de medidas se refere à flexibilização das relações de trabalho, em consonância aos sinais do mercado. Mesmo não sendo nada radical, pois não houve mudanças na CLT e legislação sindical, podem ser observadas como precarização dos direitos e barateamento da mão de obra em favor do empregador. Para o governo, o desemprego era considerado como um “feito colateral”, ou até mesmo um mal necessário para se manter a estabilização, e não causado pela ausência de políticas efetivas voltadas para área ou pelo baixo crescimento. E, assim, qualquer crítica voltada ao Plano Real era duramente reprimida (NOVELLI, 2007). As crises externas, somadas à elevação do desemprego e o impacto sobre a renda ,7 favoreceram a queda da avaliação do Plano Real, gerando preocupações, principalmente, da base aliada em torno da campanha eleitoral que se aproximava. Segundo pesquisas realizadas antes da eleição quando questionados “como o plano afetou a sua vida?”, 49% responderam que “beneficiou”, enquanto 47% disseram que “prejudicou” (NOVELLI, 2007 apud NICOLETTA, 1998). Para o presidente FHC, as crises e suas consequências negativas estavam vinculadas a questões externas, o que não implicaria na sua reeleição. Segundo Novelli (2007): Fernando Henrique Cardoso foi reeleito menos em razão de seu papel como “pai” da estabilidade de preços – é bom lembrar que seus índices de popularidade eram mais baixos do que os do Plano Real – e sim porque se apresentou como aquele mais bem indicado para manter a estabilidade de preços no seu aspecto mais fundamental para 7 Segundo Carcanholo (2012, p. 160), houve uma piora na distribuição funcional da renda: “em 1994, 32% do PIB era composto pela massa de salários. No final da década, em 1999, essa proporção era de apenas 26,5%.” grande parcela do eleitorado: a preservação do poder de compra do real (NOVELLI, 2007, p. 257). Embora tenha sido reeleito pelo fato de ser associado à desinflação no Brasil (Novelli, 2007), as crises que ocorreram entre 1999 e 2002 desgastaram o governo, gerando frustrações, pois impactaram no poder de consumo da população. 2.4.1 Política Social A política social desenvolvida durante o governo FHC constituiu-se por reformas parciais, introduzidas e algumas ampliadas, mesclando-se entre políticas universais e focalizadas, podendo ser dividida em três conjuntos de programas, sendo eles: serviços básicos de orientação universal e de responsabilidade pública; os programas básicos, que são prioritários e correspondem a cada um dos programas sociais universais e o programa de enfrentamento da pobreza (DRAIBE, 2003). Os primeiros, os programas sociais públicos – como as políticas de previdência social, saúde, educação, habitação e saneamento básico, trabalho e assistência social –, ocupam posição decisiva, sendo dupla a sua inserção na proposta: constituem um dos eixos centrais da política e, ao mesmo tempo, a sua reestruturação é apontada como condição necessária da estratégia global. [...] O segundo eixo resulta da seleção de programas prioritários em cada um daqueles programas sociais universais, compondo-se o novo grupo de programas básicos. [...] Substantivamente, foram apresentados 45 programas prioritários, selecionados pelo seu caráter estratégico diante da pobreza, da desigualdade social e também do novo padrão de crescimento. [...] O terceiro eixo programático é o de combate à pobreza, conforme as prioridades estabelecidas: redução da mortalidade infantil; desenvolvimento da educação infantil e do ensino fundamental; geração de ocupação e renda; qualificação profissional; melhoria das condições de alimentação dos escolares e das famílias pobres; melhoria das condições de moradia e de saneamento básico e fortalecimento da agricultura familiar (DRAIBE, 2003, p. 74). Dessa forma, esse conjunto de programas eram administrados pelo Programa Comunidade Solidária, criado em 1995. Tendo como objetivo uma ação conjunta de órgãos federais, parceria de estados e municípios e organizações não governamentais. Essas foram as políticas sociais que permearam o primeiro e segundo mandato do governo FHC. No entanto, o quanto essas medidas foram eficientes e implementadas? No que tange à educação no plano nacional, houve a reforma do ensino fundamental, com capacitação docente, modernização de conteúdos e distribuição para todos os professores das redes públicas, implementação das avaliações educacionais, bem como a supervisão e monitoramento da qualidade do ensino. Também houve um plano de financiamento do ensino fundamental por meio do Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental (Fundef). E, por fim, o plano da organização e sistema decisório, cujo objetivo era estimular à municipalização do nível fundamental. (DRAIBE, 2003, p. 78). Em relação à saúde, a Constituição Cidadã de 1988 garantiu o direito universal da população, com a criação do Sistema Unificado de Saúde (SUS). Implementado a partir da década de 1990, destacou-se por suas grandes proporções e heterogeneidade social e regional. Realizou-se, também, o Programa Saúde da Família (PSF), lançado ainda no seu primeiro mandato, que compreende e incorpora o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) .8 As implicações do PSF são mais gerais, como insistem muitos especialistas, pois, além do reforço das ações básicas e da focalização nas famílias e áreas mais carentes, teve efeitos institucionais importantes: em certa medida, tratou-se de uma mudança do modelo assistencial, pela introdução de dois novos princípios ordenadores da atenção primária: a adscrição territorial da clientela e a unidade familiar como unidade de referência (DRAIBE, 2003, p. 82). Para fortalecer ainda mais o sistema nacional de saúde, o governo instituiu uma fonte de receita, com a criação da CPMF, e também estabeleceu por meio da EC de 2000, a “vinculação de receitas municipais e estaduais ao gasto com saúde, e a determinação do parâmetro de aumento do gasto da União” (DRAIBE, 2003, p. 82). No que diz respeito ao mercado privado de saúde, criou-se a Agência Nacional de Saúde (ANS) e o reforço da Vigilância Sanitária, no primeiro mandato, dotou-se o país de um sistema regulatório novo, que, em vários momentos, comprovou uma grande capacidade de ação, como foram os episódios de regulamentação dos preços dos medicamentos, do enfrentamento da indústria do tabaco e, sobretudo, do controle do mercado privado de seguros de saúde (DRAIBE, 2003, p. 83). Assim, o governo passa a regular o mercado privado de saúde, instituindo normas, visando garantir os direitos dos consumidores. Quanto ao combate à mortalidade infantil, em 2001, criou o Programa Bolsa- Alimentação, com transferência direta as famílias com filhos pequenos em risco nutricional (DRAIBE, 2003). 8 Com objetivo de melhorar as condições de saúde de algumas comunidades, essa iniciativa teve início no fim da década de 1980, em algumas regiões do Nordeste, Distrito Federal e São Paulo. Mas foi somente em 1991, que foi oficialmente implementada pelo Ministério da Saúde. Para saber mais, ver: Olivia Augusto e Costa (1999). No que se refere aos programas de combate à pobreza, no fim do primeiro mandato de FHC, o país já possuía um sistema nacional de assistência social. E, através da implementação de programas de transferência de renda, como por exemplo, aos idosos carentes e portadores de doenças físicas, em 2002, atingiu a marca de 1,5 milhões de pessoas atendidas. Além da implementação de outras instituições e órgãos, como o Conselho Nacional da Assistência Social (Conanda), Fundo Nacional da Assistência Social, os conselhos e os fundos estaduais e municipais (DRAIBE, 2003, p. 86). Como já citado anteriormente, no que tange ao combate à pobreza, a gestão FHC implementou inicialmente o Programa Comunidade Solidária, não ficando restrito a esse programa, também foi lançado em seu segundo mandato os Programa Comunidade Ativa, considerado um passo adiante na política social. O governo pretendia pôr fim ao assistencialismo, como a distribuição de cestas básicas. Durante a solenidade de lançamento do Comunidade Ativa, FHC deixou claro que o intuito do programa era gerar empregos. “Nós temos que distribuir mais empregos, criar mais iniciativas, dar mais dignidade à condição humana para que as pessoas possam dispensar o assistencialismo” (Folha Londrina, 1999). O projeto de desenvolvimento local, em cidades carentes, tem parceria entre o governo federal, Estados, municípios e, especialmente, com o Sebrae (Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) e o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Em 2000, foi lançado o Projeto Alvorada, cujo objetivo era reduzir a pobreza e as desigualdades regionais, melhorando as condições de vida nos Estados com menor desenvolvimento humano, assim, escolhidos de acordo com o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). Semelhantemente aos projetos anteriores, o Projeto Alvorada também foi reescrito, logo no final do seu segundo ano. Agora, denominado de Rede Social, o programa comportava vários programas de transferência de renda às famílias pobres. A Rede Social Brasileira de Proteção Social reunia os programas: Bolsa-Escola; Bolsa-Alimentação; Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti); Programa do Agente Jovem; Bolsa-Qualificação; Benefício Mensal – Idoso; Benefício Mensal – Portadores de Deficiência; Renda Mensal Vitalícia; Bolsa-Renda (seguro-safra); Auxílio-gás; Aposentadorias Rurais; Abono Salarial PIS/Pasep; Seguro-desemprego (DRAIBE, 2003, p. 88). Com a unificação dos programas, o governo lançou, em 2001, o Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal, ficando conhecido, posteriormente, como “CadÚnico”. Por meio desse cadastro é possível analisar a situação socioeconômica da população, bem como quem são os que estão na linha da pobreza e abaixo dela. Assim, o governo identifica e inclui as famílias socialmente vulneráveis. De acordo com um estudo desenvolvido pelo IPEA, os autores Castro et al (2003) mostram que, mesmo com os efeitos positivos após a implementação do Plano Real, com melhorias no valor do salário-mínimo e extensão da cobertura da previdência rural, pode-se perceber, a partir de 1995, que não houve variações significativas porcentuais na pobreza e na indigência no período de 1995 a 2001, a alteração não chegou a um ponto percentual. Não perdemos perder de vista que o período é marcado pelo baixo crescimento e o aumento do desemprego, os autores chegam à conclusão de que “o volume de gastos do período cresce em áreas que parecem não ter forte impacto na redução da pobreza, [...] se por um lado a proporção de pobres e de indigentes não diminui, por outro, não aumenta, e o gasto talvez tenha influenciado tal fato” (CASTRO et al, 2003, p. 30). Para Draibe (2003), o programa social não foi implementado como deveria, o gasto na área social foi mal-empregado, sem coordenação adequada, não se constituindo, de fato, uma política social distributiva, entretanto, mesmo não atingindo os objetivos plenamente, as políticas de enfrentamento à pobreza durante o governo FHC foram significativas. Todavia, as pressões dos movimentos sociais aumentaram, sobretudo no segundo mandato do FHC, em decorrência da elevação do desemprego e deterioração das condições sociais. Mesmo com a criação de novas políticas sociais, não foram suficientes, pois essas políticas atingiam somente parte da população, sendo incapazes de contornar a grave crise social que estava posta no momento, não resolvendo, assim, os problemas de concentração de renda e desigualdade (MATTOSO, 2010). No início dos anos 2000, com o fracasso das políticas neoliberais e sem perspectivas de que a mesma pudesse recuperar o crescimento, há uma perda de confiança na agenda pró-mercado. A insatisfação de amplos setores da sociedade brasileira, tanto das classes populares, funcionalismo público e movimentos sindicais, quanto da própria burguesia interna, culminou na vitória eleitoral do Partido dos Trabalhadores em 2002. 3 GOVERNO LULA: BASES, POLÍTICA ECONÔMICA E SOCIAL Este capítulo está dividido em 4 partes sobre a trajetória do governo Lula. Nesse sentido, a primeira parte resgata, brevemente, o que foi discutido no primeiro capítulo sobre o avanço do neoliberalismo e como esse novo cenário se manifestou durante a eleição. Na segunda enfocamos nas condições e os impactos decorrentes da eleição do Lula, sua política macroeconômica e o projeto neoliberal em curso. Na terceira parte, abordamos a fase de recuperação e crescimento da economia, acompanhada de uma melhora da economia mundial, possibilitando avanços na distribuição de renda. Na quarta parte em três tópicos, iniciamos a discussão sobre o significado da eleição do Lula para as camadas mais pobres, bem como as condições que propiciaram a implementação de um conjunto de programas que levaram à minimização da pobreza. Assim, adentramos na discussão sobre os programas sociais e seu caráter focalizado e geral. Por fim, abordamos a conjuntura de 2007 e 2008, a crise e seus desdobramentos no Brasil e os resultados do governo Lula no final do seu segundo mandato. 3.1 Governo Lula e o projeto Político-Ideológico A década de 1990 no Brasil é significativa, pois há um grande avanço no campo democrático. Esse avanço está interconectado com o fim dos 21 anos de ditadura civil-militar, com o processo de redemocratização e grandes mobilizações sociais, culminando no movimento pelas “Diretas já” e posteriormente na Constituição Federal de 1988. É importante ressaltar que esses avanços no campo democrático refletem, em certa medida, os avanços sociais na década de 1980, que foram na contramão do que ocorria no mundo. No entanto, na década de 1990, a correlação de forças já tinha mudado a favor das forças conservadoras. E, nesse sentido, nota-se, também, uma classe dominante interessada em seguir o receituário neoliberal, acordado em 1989, o Consenso de Washington. Esse projeto neoliberal ganhou força durante o governo FHC, que adotou uma série de medidas para estabilizar a economia, baseada no câmbio valorizado, abertura comercial e financeira, desregulamentação e um amplo programa de privatização de empresas nacionais. Por mais que essa política tenha controlado o processo inflacionário, houve deterioração das contas externas, somado a um contexto de instabilidade mundial. A elevada vulnerabilidade externa implicou, entre outros pontos, contínua elevação dos juros para atrair capital estrangeiro para equilibrar o balanço de pagamentos, o que levou a um período de baixo crescimento, desemprego e deterioração das contas públicas. A instabilidade da economia mundial e a política de FHC desembocaram na crise cambial no final dos anos 1990. Como consequência desse processo, no final da década de 1990, houve a alteração da política econômica, com a adoção das metas de inflação e metas de superávits primários. Entretanto, o crescimento continuou medíocre, com deterioração das contas públicas, vulnerabilidade externa, desemprego e piora das condições sociais (CORSI, 2016; MATTOSO, 2010). Resultando, assim, não só no desgaste do governo FHC, mas também das políticas neoliberais, que se mostravam ineficientes, levando a economia brasileira a sofrer recorrentes crises. Este contexto de baixo desempenho e descontentamento social criou condições para a eleição de Lula. Após disputar quatro eleições, em 2002 Lula sai vitorioso, com apoio da população, mas com grande desconfiança por parte do empresariado. Em boa medida, a mudança política-ideológica que ocorreu, não só no Brasil, mas em muitos países da América Latina ,9 está relacionada ao que alguns autores, como Fiori (2013), chamaram de “virada à esquerda”. Depois do fim da Guerra Fria, durante a década de 1990, quase todos os governos sul-americanos aderiram ao projeto da “globalização liberal” e a suas políticas econômicas, responsáveis pelas crises cambiais da Argentina, em 1999, e do Brasil, em 1997, 1999 e 2001 (FIORI, 2013, p. 35). Para Fiori (2013), o fracasso ocasionado pelas políticas neoliberais do Consenso de Washington, propiciou aos países essa guinada à esquerda. Muitos, a partir disso, elegeram representantes políticos com inclinações nacionalistas, desenvolvimentistas e socialistas, mudando, dessa forma, a perspectiva política-ideológica do continente sul-americano. Outra consequência importante foram as oposições que fizeram ao intervencionismo norte-americano, levando, dessa forma, à diminuição da intervenção política direta no continente. Essa mudança de rumo nos países da América Latina esteve acompanhada pela expansão da economia mundial, o que levou ao crescimento das economias regionais até 2008. Fiori (2013) destaca que, de 2001 a 2011, o Brasil aumentou seu poder e liderança na América do Sul. É nesse contexto, portanto, que temos que analisar o que significou essa guinada à esquerda no Brasil, bem como a trajetória e políticas que permearam o governo Lula (2003-2011). 9 Alguns países que elegeram governos à esquerda: Venezuela (1998), Brasil (2002), Argentina (2003), Uruguai (2004), Bolívia (2005), Honduras (2005), Chile (2006), Costa Rica (2006), Equador (2006) e etc. (BASTOS, 2012). 3.2 Governo Lula: política macroeconômica e o projeto neoliberal A vitória do governo Lula pode estar relacionada a dois fatores, o primeiro ao fracasso das políticas neoliberais do seu antecessor e em segundo lugar à crise na candidatura de Ciro Gomes, provocadas pelas campanhas políticas de outro candidato, José Serra. Embora Lula não tivesse a maioria dos votos no início, o que pesou ao seu favor na disputa eleitoral foi a política de seu adversário. Serra era o candidato do partido do governo, mesmo afirmando que seu governo seria diferente, a desconfiança geral era que também daria continuidade às políticas de FHC, políticas amplamente rejeitadas (SADER, 2013). Para Sader (2013), dois elementos fundamentais para o sucesso da eleição de Lula foram as mudanças de imagem e discurso: A imagem do Lula, tradicionalmente associada a denúncias contra a situação política e econômica, uma imagem portanto com teor negativo, foi alterada e surgiu o “Lula, paz e amor”. A combinação de mudança de discurso e imagem permitiu que Lula triunfasse, nas complexas condições dessas eleições (SADER, 2013, p. 139). Na tentativa de tranquilizar os indecisos e o sistema internacional, o governo Lula reestruturou a campanha, garantindo que, caso eleito, manteria a estabilidade monetária e o compromisso com o capital financeiro, o que incluía a não renegociação das dívidas, o que também demandaria a manutenção dos elevados superávits primários. Essa postura moderada foi expressada, dessa forma, por meio da Carta ao Povo Brasileiro. [...] Será necessária uma lúcida e criteriosa transição entre o que temos hoje e aquilo que a sociedade reivindica. O que se desfez ou se deixou de fazer em oito anos não será compensado em oito dias. O novo modelo não poderá ser produto de decisões unilaterais do governo, tal como ocorre hoje, nem será implementado por decreto, de modo voluntarista. Será fruto de uma ampla negociação nacional, que deve conduzir a uma autêntica aliança pelo país, a um novo contrato social, capaz de assegurar o crescimento com estabilidade. Premissa dessa transição será naturalmente o respeito aos contratos e obrigações do país. As recentes turbulências do mercado financeiro devem ser compreendidas nesse contexto de fragilidade do atual modelo e de clamor popular pela sua superação (LULA DA SILVA, 2002, s/p) No entanto, segundo Diniz (2010), outro passo fundamental na recuperação da confiabilidade das instituições internacionais e internas, foi a decisão de se aliar com o Partido Liberal (PL), convidando para ser vice presidente o senador José Alencar. O intuito dessa aliança, em caso de vitória, era estruturar o pacto capital-trabalho. Somado a isso, o partido divulgou uma nota, na qual se comprometia em honrar o acordo realizado no final do governo FHC com o FMI. Diniz (2010) ressalta que a aproximação do governo com o empresariado não se limitou à presença de José Alencar no cargo de vice, sendo ele empresário, dono da Coteminas, representando um dos maiores grupos do setor têxtil do país. O governo contou também com outros dois empresários em pastas importantes do governo. Assim, a pasta da Agricultura ficou com Roberto Rodrigues, então presidente da ABAG (Associação Brasileira de Agribusiness, um dos segmentos mais dinâmicos da agricultura brasileira), enquanto para o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior foi designado o empresário Luiz Fernando Furlan (presidente do Conselho de Administração da Sadia, grande grupo fabricante e exportador do ramo alimentício). (DINIZ, 2010, p. 121) Na presidência do principal órgão de financiamento público do país, o BNDES, foi nomeado o economista de viés desenvolvimentista, Carlos Lessa, que também era favorável ao fortalecimento do parque produtivo nacional. Permanecendo somente dois anos no cargo, foi substituído por Guido Mantega, também conhecido por suas posições desenvolvimentistas (DINIZ, 2010, p. 122). Por outro lado, indicando que manteria a política ortodoxia do seu antecessor, o governo Lula deixou à frente do Ministério da Fazenda Antônio Palocci Filho, apoiado por uma equipe de técnicos, segundo Diniz (2010), de fácil acesso aos círculos financeiros, tanto nacionais, quanto internacionais – Marcos Lisboa, principal formulador econômico do governo Lula, integrava a secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda, sendo conhecido por sua postura liberal, inclusive, era alvo de muitas críticas por parte de Ministros de estado . Somado a isso, Lula assegurou a autonomia do Banco central,10 nomeando como presidente Henrique Meirelles, representante do capital financeiro, 10 As críticas partiram de vários ministros e integrantes do governo: José Graziano Silva (segurança alimentar), Carlos Alberto Christo, o Frei Betto (assessor especial do presidente), Miguel Rossetto (desenvolvimento agrário) e Jacques Wagner (trabalho). Também foi alvo de críticas duras da economista Maria da Conceição Tavares (Folha, 2002; Folha, 2003; Tribuna, 2003; Instituto Marcado Popular, 2003). ex-presidente mundial do Bank Boston . (DINIZ, 2010; FONSECA, AREND, GUERRERO,11 2020). Assim, Lula foi eleito por meio de uma ampla coalização, reunindo votos de setores descontentes com as políticas pró-mercado, empresariado, classe média e dos trabalhadores .12 Para Filgueiras e Gonçalves (2007), a política econômica do governo Lula deve ser analisada em um aspecto mais amplo, o que significa distinguir, de um lado, o primeiro mandato de FHC (1995-1998), que se caracteriza por ser um período mais rígido e de aprofundamento do novo modelo, tendo como dominante o capital financeiro. E de outro, de acordo com os autores, o segundo governo FHC (1999-2002) e o governo Lula (2003-2010), podendo-se destacar a continuidade da hegemonia do capital financeiro, entretanto, incorporando outros segmentos, como os exportadores. Assumindo a presidência em 2003, num contexto de grande instabilidade, tanto interna devido à campanha eleitoral, quanto externa relacionada à vulnerabilidade desencadeada pela falta de liquidez internacional a partir de 2001, Lula inicia seu mandato diante de uma situação adversa. O fato histórico é que o Brasil sofreu forte ataque especulativo no segundo semestre de 2002, o que, por sua vez gerou uma aceleração da inflação e uma rápida deterioração das finanças públicas. Ao final daquele ano, a inflação ao consumidor estava em 12,5% ao ano e em aceleração, a dívida líquida do setor público havia subido para 51,3% do Produto Interno Bruto (PIB) e as reservas internacionais do Brasil eram de apenas US$ 20,8 bilhões correspondiam a um empréstimo feito junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI) (BARBOSA; SOUZA, 2010, p. 59). Mesmo com o candidato Lula sinalizando que respeitaria os contratos vigentes e restabeleceria o controle da inflação, o mercado financeiro ainda o enxergava como uma oposição que iria contra os interesses do capital. Segundo os autores Barbosa e Souza (2010), 12 No primeiro turno, Lula obteve 46,4% dos votos e 61,3% dos votos no segundo turno (Diniz, 2010). 11 No que se refere a equipe ministerial do governo Lula, a área econômica ficou influenciada pelo PSDB, sendo que a maioria dos seus integrantes faziam parte ou apoiavam FHC. Essa área estava orientada as exportações, corte de gastos e atração de capitais, sendo os ministros escolhidos: Antônio Palocci Filho, Ministro da Fazenda (2003-2006); Henrique Meirelles, Banco central (2003-2010); Roberto Rodrigues, Agricultura (2003-2006); Luiz Fernando Furlan (2003-2007), Desenvolvimento, Industria e Comércio Exterior (2003-2007). Outros cargos também foram ocupados por sindicalistas egressos da corrente Articulação Sindical, como: Jaques Wagner, Trabalho e Emprego (2003-2004): ex-presidente do Sindiquímica (Sindicato dos Químicos e Petroquímicos) da Bahia; Ricardo Berzoini, Previdência (2003-2004): ligado ao movimento sindical dos Bancários de São Paulo; Olívio Dutra, das Cidades (2003-2005): ligado ao sindicato dos bancários do Rio Grande do Sul (ANDRIOLI, 2003; BOITO JR., 2003). Para saber sobre toda equipe ministerial, ver: http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/presidencia/ex-presidentes/luiz-inacio-lula-da-silva/equipe-de-governo/ ministerios. http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/presidencia/ex-presidentes/luiz-inacio-lula-da-silva/equipe-de-governo/ministerios http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/presidencia/ex-presidentes/luiz-inacio-lula-da-silva/equipe-de-governo/ministerios há quem enxergue esse ataque especulativo, no segundo semestre de 2002, como uma forma de limitar as opções disponíveis ao novo governo. Durante a sua gestão, o governo Lula (2003-2010) manteve os pilares da política macroeconômica do governo FHC (1994-2002), metas de inflação, ajuste fiscal e câmbio flutuante. Contudo, a partir de 2003, houve uma melhora no desempenho das contas externas, decorrente dos crescentes superávits comerciais. “Nos quatro anos do governo Lula os superávits da balança comercial cresceram contínua e rapidamente, dando saltos impressionantes (US$ 24,8 bilhões em 2003, US$ 33,6 bilhões em 2004, US$ 44,8 bilhões em 2005 e US$ 46,2 em 2006)” (FILGUEIRAS; GONÇALVES, 2007, p. 101). Esses resultados contribuíram para a redução da vulnerabilidade externa do país no período. Segundo Filgueiras e Gonçalves (2007), entre os principais determinantes do desempenho da balança comercial, pode-se destacar a depreciação cambial de 2002, o crescimento da economia mundial, em especial economia americana e chinesa que puxaram o crescimento do comércio, a recuperação da Argentina e o aumento dos preços das commodities. Assim, ajudaram na recuperação das exportações brasileiras. Vale lembrar que, de acordo com Delgado (2010), com a alteração da política econômica no segundo mandato do FHC (1999-2002), devido à crise cambial de 1999, a estratégia adotada em 1994 é retomada, ou seja, torna-se imprescindível gerar saldos de comércio exterior para suprir o déficit da Conta Corrente. O autor ressalta que, assim como no momento de crise da dívida em 1982, os setores exportadores se fazem novamente presentes para gerar saldo comercial. Nesse contexto, a agricultura capitalista, autodenominada de agronegócio, volta às prioridades da agenda da política macroeconômica externa e da política agrícola interna. Isto ocorre sob condições de forte desmontagem dos instrumentos de fomento agrícola no período precedente (anos 90), incluindo crédito rural, os preços de garantia, o investimento em pesquisa, e o investimento em infraestrutura comercial - a exemplo dos serviços agropecuários, dos portos, da malha viária etc. (DELGADO, 2010, p. 113). Esses elementos, somados ao período de Real sobrevalorizado, trouxeram desvantagens ao país no comércio internacional, segundo Delgado (2010), tudo isso, adiou a inserção da economia do agronegócio para o começo do século XXI. Dessa forma, no13 13 Para Delgado (2010), agronegócio pode ser entendido como a associação do grande capital industrial com a propriedade fundiária (DELGADO, 2010, p. 113). segundo governo FHC (1999-2002), podemos observar um conjunto de políticas, com o intuito de relançar o agronegócio, a exemplo: (i) um programa prioritário de investimento em infraestrutura territorial, com “eixos de desenvolvimento”, visando à criação de economias externas que incorporassem novos territórios, meios de transporte e corredores comerciais ao agronegócio: (ii) um explícito direcionamento do sistema público de pesquisa agropecuária (Embrapa), a operar em perfeita sincronia com empresas multinacionais do agronegócio; (iii) uma regulação frouxa do mercado de terras, de sorte a deixar fora do controle público as “terras devolutas”, mais aquelas que declaradamente não cumprem a função social, além de boa parte das autodeclaradas produtivas; (iv) a mudança na política cambial, que ao eliminar naquela conjuntura a sobrevalorização do real, tornaria a economia do agronegócio competitiva junto ao comércio internacional e funcional para a estratégia do ajustamento macroeconômico perseguida; (v) reativa-se a provisão do crédito rural nos Planos de Safra, iniciada com o programa MODERFROTA, e retomado a com vigor no período 2003/2010 (DELGADO, 2010, p. 113-14). Todo esse esforço empregado para relançar o agronegócio encontrará espaço na década de 2000, com um comércio mundial mais favorável, no entanto, para algumas commodities, como: soja, milho, açúcar, álcool, carnes (bovinas e aves) e celulose de madeira, que simultaneamente com os minerais, dominarão as exportações brasileiras nos anos seguintes (DELGADO, 2010). O sucesso aparente da solução exportadora significará na primeira década do século XXI uma quadruplicação do seu valor em dólares – o valor médio anual das exportações de 50,0 bilhões de dólares no período 1995/99 cresce para cerca de 200,0 bilhões no final da década de 2000 (DELGADO, 2010, p. 114). Desta forma, a reprimarização do comércio exterior é um fenômeno da década dos anos 2000, ainda de acordo com Delgado (2010), o resultado desse processo, ou melhor, pela opção primário-exportador, pode ser notado já no governo FHC e o primeiro governo Lula não só continua, como reforça essa política, com grandes saldos comerciais no período 2003-2007 . No entanto, a partir de 2008, diante de um contexto de crise mundial, terá um14 aumento no déficit na Conta Corrente, que segundo o autor, deixa explícita a fragilidade da argumentação em torno da via primária como solução estrutural do desequilíbrio externo. Já a conta de serviços e rendas, estruturalmente deficitária, segundo Delgado (2010), reflete, em grande medida, a regressão estrutural da economia e o crescente peso do capital 14 Segundo Filgueiras e Gonçalves (2007), o déficit em transações correntes, atingiu US$ 33,4 bilhões (4,3% do PIB) em 1998 e continuou reduzindo no segundo governo FHC, transformando-se em sucessivos superávits: US$ 4,2 bilhões em 2003, US$ 11,7 bilhões em 2004, US$ 14,2 bilhões em 2005 e US$ 13,7 em 2006. Correspondendo a 0,8%, 1,9%, 1,8% e 1,4% do PIB, respectivamente. estrangeiro na economia brasileira, em um contexto de forte elevação das exportações “básicas” e da perda no tocante aos “manufaturados”. Isto é, sugere certa tendência à especialização no comércio exterior. No segundo governo, FHC teve um breve período de estabilização, apresentando superávit em torno de US$ 25 bilhões ao ano, entre 1999-2002. No entanto, durante o governo Lula, tornou-se a deteriorar, com déficits de US$ 34,1 bilhões em 2005 e US$ 36,8 bilhões em 2006. Essa evolução implicou déficit acumulado de US$ 119,6 bilhões no período 2003-2006 e se deveu, fundamentalmente, ao crescimento da remessa de lucros e dividendos. Isso significa que o equilíbrio da conta de transações correntes e, por extensão, do balanço de pagamentos depende, cada vez mais, de crescentes superávits na balança comercial (FILGUEIRAS; GONÇALVES, 2007, p. 102). De acordo com os autores Barbosa e Souza (2010), um dos primeiros passos da política do governo Lula foi estabelecer um ajuste macroeconômico, para recuperar o controle da situação monetária, fiscal e cambial do país. No campo monetário, o governo revisou para cima as metas de inflação fixadas no governo anterior, de modo a acomodar parte do impacto inflacionár