UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE ARQUITETURA, ARTES, COMUNICAÇÃO E DESIGN CURSO DE RELAÇÕES PÚBLICAS GUILHERME FERREIRA DE OLIVEIRA COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL E TRABALHO REMOTO EM CONTEXTO DE PANDEMIA: CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS E PERCEPÇÕES DE EMPREGADOS BAURU 2022 GUILHERME FERREIRA DE OLIVEIRA COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL E TRABALHO REMOTO EM CONTEXTO DE PANDEMIA: CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS E PERCEPÇÕES DE EMPREGADOS Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design (FAAC), da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), campus de Bauru, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Relações Públicas. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Roseane Andrelo. Bauru 2022 GUILHERME FERREIRA DE OLIVEIRA COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL E TRABALHO REMOTO EM CONTEXTO DE PANDEMIA: CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS E PERCEPÇÕES DE EMPREGADOS Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design (FAAC), da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), campus de Bauru, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Relações Públicas, sob orientação da Prof.ª Dr.ª Roseane Andrelo. Bauru, 21 de março de 2022. Banca Examinadora: _____________________________ Prof.ª Dr.ª Roseane Andrelo _____________________________ Prof.ª Dr.ª Maria Eugênia Porém _____________________________ M.ª Renata Calonego O48c Oliveira, Guilherme Ferreira de Comunicação Organizacional e Trabalho Remoto em contexto de Pandemia : construção de sentidos e percepções de empregados / Guilherme Ferreira de Oliveira. -- Bauru, 2022 87 p. Trabalho de conclusão de curso (Bacharelado - Relações Públicas) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design, Bauru Orientadora: Roseane Andrelo 1. Comunicação Organizacional. 2. Comunicação com Empregados. 3. Trabalho Remoto. 4. Covid-19. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca da Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design, Bauru. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. AGRADECIMENTOS Já começo os agradecimentos deixando bem explícito que vão ter muitos nomes aqui, e ainda assim, para muitos que não estão citados, espero que se identifiquem com esse texto. Começo deixando minhas palavras de agradecimento, acima de tudo, a minha família: minha mãe, Katia; minha avó, Vó Cleusa; meu irmão, Thi; meu falecido pai, Edson; e meu parceiro de vida, Gui. Agradeço a vocês por terem sempre garantido que eu teria as melhores condições e apoio para alcançar todos os meus sonhos. Especialmente meus pais, que sempre lutaram tanto por mim e sacrificaram tanto de suas vidas em jornadas de trabalho exaustivas para me darem sempre o melhor que podiam. Obrigado, mãe, e obrigado, pai. Espero que daí de cima o senhor sinta a minha gratidão. Ao meu parceiro, obrigado por encarar essa graduação e o dia a dia comigo. Obrigado por carregar comigo minhas angústias, inseguranças, medos e obstáculos, mas também dividir os momentos de conquista, de alegria e de completo êxtase pela felicidade de viver. Agradeço pela oportunidade que a graduação me deu de construir amizades tão especiais, que, muitas delas, começaram com trabalhos em grupo, e evoluíram para uma rede de apoio e companheirismo: Líbero, Vitu, Vidente, Tuco, Pantera, Eleo, Ynara e Palms. Acredito que este seja um espaço para relembrar alguns marcos da trajetória que é a graduação e agradecer a quem deixou sua marca nela. Então, agora é a parte que vai parecer que sou um daqueles “puxa saco”, mas prometo que não é isso. É de coração. Quero, primeiro de tudo, agradecer à Roseane Andrelo, minha orientadora. Sou muito grato pela oportunidade de ser orientando seu, deeesde o final de 2020 quando começamos a montar o projeto de Iniciação Científica (IC). Os desafios, os compromissos e as nuances da pesquisa acadêmica têm sido muito importantes para mim e para o meu desenvolvimento. Com certeza essa trajetória é mais proveitosa com a sua companhia e seus ensinamentos. Obrigado, Roseane, por cada atendimento, por cada dica, descontração e pela paciência comigo ao longo de todo esse tempo. Te agradeço também pelo seu cuidado e sensibilidade ao longo desse processo. Sabemos que sou bem “avoado”, e o seu jeito “pé no chão” foi a combinação perfeita para que este trabalho fosse realizado. Agora agradeço à Magê Porém, componente da banca deste trabalho. Essa professora que, desde meados do RPMaker e principalmente na pandemia, me deu apoio, suporte e embarcou em algumas aventuras comigo (vide RPensar 2021). Obrigado por sempre acreditar em mim, me dar liberdade criativa e me encorajar a navegar por novos mares. Agradeço também à Renata Calonego. Primeiro de tudo, por aceitar o convite para compor a banca deste TCC, cujo tema surgiu há quase dois anos, das nossas conversas lá no começo da pandemia. Obrigado por todas as vivências compartilhadas, como minhas primeiras participações em eventos científicos. Obrigado por todos ensinamentos sobre comunicação interna, sobre análise de conteúdo (técnica que eu trouxe para o TCC) e principalmente sobre olhar para o fator “humano”, tão essencial para as organizações. Deixo aqui a minha gratidão à Raquel Cabral, minha primeira orientadora de IC lá no começo da graduação. Obrigado por me ajudar a entrar no mundo da pesquisa e me conduzir no início dessa jornada. A partir dos seus ensinamentos me apaixonei pela comunicação, como área de estudos mas também como dimensão da vida cotidiana. Agradeço agora à professora Suely Maciel, minha “patroa”, mentora e amiga. Desde o início da graduação, logo que entrei para o projeto “Biblioteca Falada” (BF), já conheci a Suely. Com o passar do tempo, minha vontade de aprender mais sobre acessibilidade (especificamente na comunicação) e inclusão, só aumentava. Somado a isso, deixei transparecer meu entusiasmo pela pesquisa científica. E essa foi a virada de chave. A Suely me ensinou muito. Me guiou nessas temáticas, mas também me deu liberdade para buscar sempre mais. Me ensinou sobre metodologia. Me ensinou a ter desapego por texto, porque “se tá ruim, vai mudar, ué! É pra ficar bom.”. Me proporcionou inúmeras experiências, como apresentações em eventos locais, regionais, nacionais e internacionais (até em outras línguas). Me indicou para rodas de conversa e confiou no meu trabalho em todos esses momentos. Obrigado, Suely, por esses ensinamentos, pela confiança, pelas broncas, pelos áudios, pelas correções, pelas longas conversas e pelos momentos de descontração. Para fechar essa parte, deixo aqui um “obrigado” geral, a todos outros professores que me acompanharam, em especial aqueles que me apoiaram em outros projetos e iniciativas. A Universidade é muito mais do que a gente imagina. A Unesp Bauru, em especial, não é somente um espaço de ensino e aulas regulares. É onde vivemos o dia a dia, construímos laços e abraçamos novas oportunidades. (Re)aprendemos comunicação todos os dias com os projetos de extensão, com a pesquisa, com as aulas, com os espaços de convivência (bosque, biblioteca, cantina, Guilhermão, geladeira das 50s, corredores das 70s). Acredito que valeu a pena me jogar de cabeça e fazer tudo que tinha vontade: aulas de idioma, natação, participar de projeto de extensão, duas iniciações científicas, bateria universitária, representação de sala, comissão de reestruturação de PPP etc. Agora agradeço especificamente às atividades e pessoas que mais me marcaram nessas aventuras. Agradeço à PIBIC pela primeira bolsa de IC, à Fapesp pela segunda, e à PROEX pela bolsa de iniciação à extensão. Agradeço imensamente à Naumteria por ser meu porto seguro. Ouvir o samba subindo, chacoalhar o ganzá, sentir a energia contagiante e a alegria dos colegas ritmistas me salvou em muitos dias de estresse e sobrecarga com os afazeres. Agradeço o companheirismo dos meus amigos da bateria: Jojota, Sapão, Guaru, Bota, Corote, Soneca, Kenan, Gabi, Fê, Torto, Pedreti e muitos outros (afinal, noventa ritmistas!!!). Meu eterno obrigado, Naumteria, pela família que você me deu. Por fim, mas de longe não o menos importante, agradeço ao Biblioteca Falada pela formação que tenho hoje. Entrei para o projeto no meu primeiro semestre de graduação e nunca mais sai. O porquê? Simples. O BF contribuiu para, acima de tudo, uma formação cidadã; quebra de paradigmas e do isolamento da universidade perante a sociedade; aprendizado de métodos e técnicas voltados para a acessibilidade; criação de um senso de compromisso com a inclusão. Se caminho para me tornar bacharel em Relações Públicas, é em boa parte graças a tudo que o BF me proporcionou. Esse não é um projeto como a definição clássica os define, com começo-meio-fim, duração de um ano etc. Assim como outros projetos da FAAC, o BF é um projeto institucionalizado, com muuuuitos anos de atuação, organograma bem definido, com equipes, núcleos e muitas atividades organizacionais acontecendo paralelamente à “atividade extensionista”. Foi no BF que aprendi e coloquei em prática técnicas e concepções de relações públicas, aprendi a me relacionar com pessoas e cenários diversos. Agradeço então, mais uma vez à Suely, coordenadora do projeto. Mas também aos meus colegas de equipes: Gui, Dalps, Yuri, Raul, Michele, Tcheca, Vitor, Bianca, Pants, Fer, Eleo, Carol, Vid, Palms, Raissa, Caconde, Mé, Pale, Zezé, Chir, Anne, Gabo e Sharpay. Todos compartilhamentos, nas mais variadas gestões, foram especiais para mim; nas equipes de Administração, Gestão de Pessoas, Gestão Interna, Audiodescrição, Comunicação Interna, Processos Internos e Pesquisa Científica. Com destaque especial para o Núcleo de Gestão Interna: meu maior projeto pessoal nas minhas áreas de interesse, que foi criado, com muito suor e amor, por mim, pela Fer, pela Eleo e pela Carol. E foi aqui que me tornei RP. Na sala de aula, no Google Meet, na salinha do BF, na salinha da Naumteria, enfim, na Unesp de Bauru. Minha casa há mais de quatro anos. RESUMO A pandemia da COVID-19 impactou as relações na sociedade, assim como as organizações que nela atuam. Neste cenário de incertezas e inseguranças, ações como o isolamento social foram apresentadas visando conter a disseminação do vírus, de forma que o trabalho remoto (home office) foi amplamente adotado pelas organizações. Nesse contexto, torna-se importante refletir sobre como a comunicação organizacional e, especificamente, a comunicação com empregados, acontece. Dessa forma, esta pesquisa tem como objetivo principal compreender como a comunicação organizacional pode atuar na percepção dos empregados sobre o trabalho remoto em contexto de pandemia. Objetiva-se também a) entender o processo de comunicação de organizações, em específico, com os empregados; b) refletir sobre quais são os impactos da pandemia nas atividades comunicacionais “internas” das organizações; e c) analisar as percepções sobre esse cenário pela ótica dos trabalhadores. Para atingir estes objetivos, este trabalho, de caráter qualitativo e de abordagem exploratória, adota como metodologia: a) pesquisa bibliográfica sobre comunicação organizacional na perspectiva do paradigma relacional, comunicação com empregados e processos comunicacionais no trabalho mediado por tecnologias e b) pesquisa de campo, a partir da coleta de respostas em um questionário do Google Forms sobre as percepções de trabalhadores sobre a comunicação com empregados durante a pandemia. Utilizamos da Análise de Conteúdo para interpretar os resultados obtidos, a partir das categorias: 1) Percepções das facilidades e dificuldades do trabalho remoto e 2) Comunicação no cotidiano: relações, interações e usos de plataformas. Verificamos que a comunicação organizacional atua na construção de sentidos dos empregados sobre as próprias práticas trabalhistas e de construção de relacionamentos, considerando as especificidades do contexto pandêmico e suas implicações: dificuldades, facilidades, aproximações e distanciamentos dos demais agentes organizacionais. Palavras-Chave: Comunicação Organizacional. Comunicação com Empregados. Trabalho Remoto. Covid-19. ABSTRACT The COVID-19 pandemic has impacted relationships in society, as well as the organizations that work in it. In this scenario of uncertainties and insecurities, actions such as social isolation were presented to contain the spread of the virus, so that remote work was widely adopted by organizations. In this context it becomes important to reflect on how organizational communication, and specifically communication with employees, takes place. Thus, this research has as its main objective: to understand how organizational communication can act on employees' perception of remote work in the context of a pandemic. It also aims to a) understand the communication process of organizations, specifically, with employees; b) reflect on what are the impacts of the pandemic on the “internal” communication activities of organizations; and c) analyze the perceptions of this scenario from the perspective of workers. To achieve these objectives, this work of qualitative character and exploratory approach adopts the following methodology: a) bibliographic research on organizational communication in the perspective of the relational paradigm, communication with employees and communicational processes in work mediated by technologies and b) field research, from responses in a Google Forms questionnaire about workers' perceptions of communication with employees during the pandemic. We used Content Analysis to interpret the results obtained, based on the following categories: 1) Perceptions of the ease and difficulties of remote work and 2) Communication in everyday life: relationships, interactions and uses of platforms. We verified that organizational communication acts in the construction of employees' meanings about their own labor practices and relationship building, considering the specifics of the pandemic context and its implications: difficulties, facilities, approximations and distances from other organizational agents. Keywords: Organizational Communication. Communication with Employees. Remote work. Covid-19. LISTA DE QUADROS Quadro 1. Tipos de teletrabalho………………………………………………………………33 Quadro 2. Eixos de redesenho do home office……………………………………………….38 Quadro 3. Categorias da análise de conteúdo………………………………………………...43 Quadro 4. Percepções sobre a inflûencia da pandemia nas relações e no pertencimento….....60 LISTA DE FIGURAS Figura 1. Dados pessoais dos respondentes…………………………………………………..45 Figura 2. Dados profissionais dos respondentes…………………………...…………………46 Figura 3. Modalidade e período de trabalho remoto…………………………………………47 Figura 4. Dificuldades quanto à gestão do trabalho (tarefas e rotina)......................................49 Figura 5. Adaptação ao uso dos aparatos tecnológicos…………………...………………….53 Figura 6. Suporte tecnológico fornecido pelas organizações…………………………………54 Figura 7. Resposta dos trabalhadores sobre conhecerem os colegas de trabalho remoto…….56 Figura 8. Alterações, facilidades e dificuldades na construção de laços……………..………56 Figura 9. Distanciamento e proximidade das lideranças……………………………………...57 Figura 10. Canais de comunicação utilizados………………………………………………...62 Figura 11. Importância atribuída aos canais…………………………………………………..63 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO…………………………………………………………………………….9 2. COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÕES: CONCEITOS E PARADIGMAS……...…13 2.1 APORTES CONCEITUAIS DA COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL.…………..13 2.2 O PARADIGMA RELACIONAL DA COMUNICAÇÃO………………………………1 6 2.3 A COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL NA PERSPECTIVA DO PARADIGMA RELACIONAL……………………………………………………………………………….19 3. DA COMUNICAÇÃO INTERNA À COMUNICAÇÃO COM EMPREGADOS……23 3.1 COMUNICAÇÃO INTERNA: DA FUNÇÃO À ESTRATÉGIA……………………….23 3.2 MUDANÇAS DE PERSPECTIVA SOBRE O “INTERNO”: A COMUNICAÇÃO COM EMPREGADOS………………………………………………………………………………26 3.3 REGIME DISCIPLINAR, SOCIEDADE DO CONTROLE E A COMUNICAÇÃO COM EMPREGADOS………………………………………………………………………………29 4. TRABALHO MEDIADO POR TECNOLOGIAS……………………………………...32 4.1 HISTÓRICO DO TELETRABALHO……………………………………………………32 4.2 ASPECTOS TECNOLÓGICOS NO TRABALHO REMOTO…………………………..34 4.3 TRABALHO REMOTO NO CONTEXTO DA PANDEMIA DE CORONAVÍRUS……3 6 5. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS…………………………………………….40 6. RESULTADOS E DISCUSSÕES………………………………………………………...44 6.1 DADOS DOS RESPONDENTES………………………………………………………..44 6.2 PERCEPÇÕES DAS FACILIDADES E DIFICULDADES DO TRABALHO REMOTO……………………………………………………………………………………..48 6.3 COMUNICAÇÃO NO COTIDIANO: RELAÇÕES, INTERAÇÕES E USOS DE PLATAFORMAS……………………………………………………………………………..55 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS…………………………………………………………….65 REFERÊNCIAS……………………………………………………………………………..68 APÊNDICE…………………………………………………………………………………..75 9 1. INTRODUÇÃO No cenário da pandemia de COVID-19, desde o final de 2019 e meados de 2020, o mundo todo passa por mudanças para a contenção dos impactos não apenas na saúde, mas também na economia, na educação e na socialização. A Organização Mundial da Saúde ([WHO], 2010) define pandemia como a disseminação global de uma nova doença e mesmo que a população mundial já tenha sofrido com cenários pandêmicos anteriormente, Thiago Matias, Fabio Dominski e David Marks (2020) afirmam que a reação da população em diferentes partes do globo à ameaça da COVID-19 não tem precedentes. Assim, para a contenção do vírus, reconhece-se que o controle epidemiológico é mais efetivo com o esforço coletivo pela preservação da saúde pública, com medidas de biossegurança e o distanciamento social (WHO, 2021)1. Tais medidas impactaram várias dimensões da sociedade, não deixando de fora as organizações, independente do setor (público, privado ou sociedade civil), do tamanho ou mesmo do nicho de atuação. Uma vez que as organizações não são atores isolados (KUNSCH, 2014; SOARES; MONTEIRO, 2012), pelo contrário, são parte constituinte da sociedade, com fronteiras porosas e voláteis (MUMBY; STOHL, 1996; SROUR, 2012) elas influenciam e são influenciadas pelas mudanças sociais (LIMA; OLIVEIRA, 2014). Os impactos da pandemia “[...] demonstraram, além da repercussão econômica, a interdependência com a sociedade, evidenciando a importância de atuarem não apenas por interesses próprios, mas também coletivos” (CARARETO; CALONEGO; ANDRELO, 2021, p. 229). Neste cenário pandêmico, as organizações precisaram se adaptar e tomar decisões responsáveis em prol da sociedade, considerando que as pessoas esperam delas tais medidas e que usem os seus poderes em prol da contenção do vírus, como aponta a pesquisa Trust Barometer de 2020 (EDELMAN, 2020a)2. Afinal, há uma relação de interdependência entre organizações e sociedade (IHLEN; VERHOEVEN, 2017), uma vez que precisam absorver as demandas e mudanças sociais para que legitimem suas ações e poder exercido (MUMBY; STOHL, 1996; CARARETO; CALONEGO; ANDRELO, 2021). 2 EDELMAN Trust Barometer 2020: Trust and the Covid-19 Pandemic. Edelman, 2020. Disponível em:< https://www.edelman.com.br/estudos/edelman-trust-barometer-2020>. Acesso em 20 ago. 2021. 1 WORLD HEALTH ORGANIZATION [WHO]. Advice for the public: Coronavirus disease (COVID-19). 01 out. 2021. Disponível em . Acesso em 01 out. 2021. https://www.edelman.com.br/estudos/edelman-trust-barometer-2020 https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/advice-for-public 10 Na mesma direção, o relatório da pesquisa “Covid-19 - como as empresas estão enfrentando a pandemia” aponta que 93% dos respondentes afirmam que é essencial que as empresas façam tudo o que puderem para proteger o bem-estar e a segurança financeira de seus empregados e fornecedores, mesmo que isso signifique sofrer grandes perdas financeiras (EDELMAN, 2020b)3. De fato os impactos foram sentidos. Segundo a pesquisa “Pulso Empresa: impacto da covid-19 nas empresas” do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2020), “entre 2,7 milhões de empresas em atividade, 70% reportaram que a pandemia teve um impacto geral negativo sobre o negócio”. Os processos de adaptação neste cenário foram diversos, como a procura por novos modelos de negócios, e-commerces, novos sistemas de delivery e modalidades de trabalho alternativas. Práticas como o home office (trabalho remoto), o trabalho híbrido ou até mesmo suspensão temporária/definitiva de contratos e atividades, tornaram-se mais frequentes. No entanto, pelo elemento da surpresa, as organizações aderiram ao home office, por exemplo, “[...] sem qualquer preparação material ou psicológica para essa súbita transição” (ABBAD; LEGENTIL, 2020, p. 45). A partir do momento em que os funcionários não atuam mais em um ambiente presencial coletivo de trabalho, adaptações de processos e modos de produção são necessárias e a comunicação também pode encontrar alguns desafios, tanto na prática de comunicação organizacional quanto na compreensão de como os processos comunicacionais acontecem. Sabemos que a adaptação para o trabalho remoto, ou trabalho mediado por tecnologias, não é um fenômeno único e exclusivo de estudo para apenas uma área. Assim como a Administração e a Gestão, a Psicologia Organizacional e do Trabalho, as Ciências da Informação e as disciplinas da área da saúde, a comunicação organizacional também pode interpretar e analisar este fenômeno intensificado pela pandemia. A partir da perspectiva do paradigma relacional/dialógico da comunicação (FRANÇA, 2001), assumimos que “a comunicação é um processo de globalidade, em que sujeitos interlocutores, inseridos em uma dada situação, e através da linguagem, produzem e estabelecem sentidos, conformando uma relação e posicionando-se dentro dela” (FRANÇA, 2016, p. 158). Podemos então direcionar o olhar da comunicação organizacional para além dos fluxos informacionais, mas também na intersecção entre as 3 EDELMAN. COVID-19 - Como as empresas estão lidando com a pandemia. Edelman, 2020. Disponível em . Acesso em 05 set. 2021. https://www.edelman.com.br/estudos/covid-19-como-as-empresas-estao-lidando-com-a-pandemia 11 interações dos atores organizacionais, as construções de sentidos e o contexto sócio-cultural dos relacionamentos das organizações com os seus interlocutores (LIMA, 2008; LIMA; BASTOS, 2012). Com esse olhar, o objeto da comunicação organizacional se torna os próprios processos comunicacionais (LIMA; BASTOS, 2012). Pode-se construir um olhar específico da comunicação para a comunicação organizacional no contexto de pandemia do Coronavírus, em especial nas práticas de comunicação com empregados no trabalho remoto. Entretanto, Claudia Nociolini Rebechi (2016, p. 47) explica que As relações de trabalho nas organizações são compreendidas prioritariamente numa dimensão estratégica nos estudos de comunicação interna. Mesmo aqueles que, eventualmente, tentam questionar a perspectiva funcionalista da comunicação, optam por imprimir uma visão de gestão e de busca por efetividade organizacional, tratando a comunicação como ferramenta estratégica. Assim, as perspectivas apresentadas foram consideradas na construção da questão central desta pesquisa: qual o papel da comunicação organizacional na percepção dos empregados sobre o trabalho remoto em contexto de pandemia? Entende-se a necessidade de se analisar tais fenômenos a partir da produção de sentidos em relação dialógica entre os atores envolvidos no home office, como os empregados, não apenas como uma ferramenta organizacional. Considerando a inquietação apresentada, a presente pesquisa objetiva compreender como a comunicação organizacional pode atuar na percepção dos empregados sobre o trabalho remoto em contexto de pandemia. Objetiva-se também a) entender o processo de comunicação de organizações, em específico, com os empregados; b) refletir sobre quais são os impactos da pandemia nas atividades comunicacionais “internas” das organizações; e c) analisar as percepções sobre esse cenário pela ótica dos trabalhadores. Para tal, realizamos uma pesquisa bibliográfica sobre comunicação organizacional na perspectiva do paradigma relacional, comunicação com empregados e processos comunicacionais no trabalho mediado por tecnologias. Além disso, realizamos uma pesquisa de campo, a partir da coleta de respostas em um questionário do Google Forms (apêndice 1) sobre as percepções de trabalhadores sobre a comunicação com empregados durante a pandemia. Os dados coletados foram tratados e interpretados a partir da técnica de Análise de Conteúdo (BARDIN, 2016). Este é um recorte de uma pesquisa de iniciação 12 científica em desenvolvimento4. Portanto, os resultados aqui apresentados são parciais e serão complementados com outros métodos e análises futuras. A seguir, apresentamos como o presente trabalho se estrutura. Inicialmente, trazemos o referencial teórico construído com a pesquisa bibliográfica, composto por: 1) capítulo que discute a relação entre comunicação e organizações, em uma perspectiva conceitual e descritiva sobre paradigmas; 2) capítulo sobre a mudança terminológica e também de perspectiva da comunicação interna à comunicação com empregados; e 3) capítulo sobre o trabalho mediado por tecnologias. Em seguida, detalhamos o percurso metodológico da pesquisa, para, então, apresentarmos os resultados e a discussão destes. Por fim, as considerações finais, com limitações da pesquisa e perspectivas futuras. 4Este Trabalho de Conclusão de Curso é parte de uma pesquisa de iniciação científica financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), processo nº 2021/02603-0. 13 2. COMUNICAÇÃO E ORGANIZAÇÕES: CONCEITOS E PARADIGMAS O desenvolvimento do campo científico da Comunicação Organizacional foi densamente marcado pelas mudanças na sociedade e nas formas de se olhar para as ciências sociais ao longo do século XX. Pode-se considerar que um paradigma é um conjunto de teorias, ou o esquema organizador de teorias (BARROS; BRITO; MACHADO, 2015; FRANÇA, 2001), os quais possibilitam o olhar para um fenômeno. Assim, ao longo do tempo, alguns paradigmas foram elaborados e utilizados para compreender o fenômeno comunicacional nas organizações. Procuramos aqui descrever a trajetória da Comunicação Organizacional, para em seguida resgatarmos um paradigma específico que pode nos auxiliar a compreender a constituição do olhar da Comunicação Organizacional: o relacional. Ivone de Lourdes Oliveira, Anice Pennini e Isaura Mourão (2015, p. 21) indicam que “os construtos teóricos sobre Comunicação Organizacional que emergem no Brasil a partir da década de 1990, sustentados por essa abordagem mais complexa e interacional da comunicação, passam a ter importância significativa nos estudos sobre a comunicação no contexto das organizações”. Portanto, pretendemos por fim percorrer o trajeto da mudança paradigmática: do informacional ao relacional. 2.1 Aportes conceituais da Comunicação Organizacional A Comunicação Organizacional possui um histórico recente em sua trajetória. Margarida Maria Krohling Kunsch (2013) indica que sua origem remonta à Revolução Industrial e à expansão das organizações no século XIX. Alguns pesquisadores acreditam que o surgimento da Comunicação Organizacional, como um campo identificável e área do conhecimento das Ciências da Comunicação, aconteceu nas décadas de 1940 e 1950 (RUÃO, 2004). De qualquer forma, pode-se dizer que as heranças da comunicação organizacional estão em diversas disciplinas e áreas do conhecimento (RUÃO, 2004), como a administração e a gestão, a sociologia, a antropologia, a retórica e a psicologia social. Em algumas revisões de literatura são identificados os quatro principais paradigmas da comunicação organizacional, sistematizados por Stanley Deetz (2001), a partir de sua reconstrução histórica (RUÃO; 2004; MOURÃO; MIRANDA; GONÇALVES, 2016): o paradigma Positivista, o Interpretativo, o Crítico e o Dialógico/Pós-moderno. 14 O primeiro, Positivista, é marcado por análises de eficiência comunicativa (REDDING; TOMPKINS, 1988 apud RUÃO, 2004)5 e da ineficiência (MOURÃO et al., 2016), com o objetivo de fornecer às organizações prescrições sobre a comunicação. Dessa forma, este paradigma parte de uma noção instrumental da comunicação, com a utilização, predominantemente, de “[...] métodos quantitativos, variáveis de análise e testes hipotético-dedutivos, suportados por abordagens mecanicistas, psicológicas e sistémicas” (RUÃO, 2004, p. 4), os quais estão alinhados a um ideal de predição e controle da comunicação organizacional (MUMBY; STOHL, 1996). Já o paradigma Interpretativo, com o declínio do Positivista na década de 1960, é caracterizado pela busca por outras soluções, que não as possibilitadas pelos métodos positivistas, e pelo distanciamento e construção de um caminho independente da comunicação organizacional em relação aos estudos da gestão (RUÃO, 2004). Neste paradigma, mudam também as formas de se olhar para as organizações, de forma que elas possam ser conceituadas como unidades de compartilhamento de significados (RUÃO, 2004), os quais são produzidos e desenvolvidos socialmente, “através de conversas, histórias, ritos, rituais e outras actividades diárias” (RUÃO, 2004, p. 7). A partir disso, as organizações se tornam espaços-agentes, no qual são possíveis as manifestações de subjetividades e encontro destas. Assim, elas podem ser encaradas como simbólicas, estruturais - pelos efeitos nas ações cotidianas -, e pluralistas, uma vez que são compostas por grupos e indivíduos com diferentes objetivos (BOUZON, 2013 apud MOURÃO et al., 2016).6 O impacto dessa perspectiva reside na mudança de entendimento do papel da comunicação nas organizações, não sendo reduzida mais somente a uma atividade organizacional (MOURÃO et al., 2016). Assim, as contribuições metodológicas e teóricas do campo passaram por um movimento de expansão. O paradigma Crítico surge como uma continuidade dos estudos do Interpretativo, uma vez que desenvolve conceitos a partir do apresentado pelo movimento interpretativista. Entretanto, alguns pesquisadores começaram a pôr em jogo alguns pressupostos dos interpretativistas (RUÃO, 2004). Nessa perspectiva, as organizações continuam sendo constituídas por significados compartilhados e consideram as 6 BOUZON, A. Theoretical approaches in organizational and strategic communication: a review of the french academic literature. In: GONÇALVES, G.; SOMERVILLE,I.; MELO, A. (Eds). Organizational and strategic communication research: European perspectives. Covilhã: Livros Labcom, 2013, p. 23-45. 5 REDDIND, W. C.; TOMPKINS, P. K. Organizational communication: past and present tenses. In GOLDHABER, G.; BARNETT, G. (Eds.). Handbook of Organizational Communication, New York: Ablex, 1988. 15 subjetividades, mas também “passaram a ser descritas como locais políticos, onde se debatem questões de hegemonia e assimetria, mediadas pelo poder” (RUÃO, 2004, p. 8). Reforça-se assim os contextos histórico-sociais e as relações de poder, trazendo à tona questões relacionadas às ideologias, interesses e identidades (MOURÃO et al., 2016). Dennis Mumby (2009) indica que a perspectiva crítica tem redefinido a forma de se olhar para os objetos de estudo da comunicação organizacional. Ela tem agido nesse campo no sentido de, fundamentalmente, “enfraquecer a ideia de que as organizações são simplesmente locais de tomada de decisão racional onde poder e política são fenômenos idiossincráticos e anômalos” (MUMBY, 2009, p. 199). O paradigma Dialógico/Pós-moderno, por sua vez, pode ser compreendido como uma radicalização do Crítico (RUÃO, 2004), possuindo ainda aspectos idênticos a este, como as questões de assimetria de poder (MOURÃO et al., 2016), mas realçando o papel dos processos micropolíticos, de fragmentação da resistência (DEETZ, 2001), a situação de indivíduos marginalizados (RUÃO, 2004), e colocando o discurso no centro das discussões. Este paradigma traz à tona questões que envolvem o sujeito pós-moderno, como a fluidez de identidades e a perda dos ideais de “verdades absolutas” (MOURÃO et al., 2016), como as metanarrativas características do século passado. No contexto da América Larina, a partir da revisão da produção acadêmica da área, Adriana Angel, Lissette Marroquín e Consuelo Vásquez (2017, p. 285-286, tradução nossa) apontam que a comunicação organizacional “se encontra hoje onde a sua contrapartida anglo-americana se encontrava nos anos 1980, que corresponde ao que se conhece como a virada interpretativa (Putnam; Mumby, 2014). Esta virada marca a introdução de perspectivas interpretativas, críticas e dialógicas”. Em relação ao cenário brasileiro, a comunicação organizacional emergiu da prática profissional e da pesquisa acadêmica das Relações Públicas e do Jornalismo Empresarial (TORQUATO, 2009), marcada pelos estudos e construções das publicações empresariais (KUNSCH, 2013). Com os avanços da área, novas reflexões epistemológicas surgiram e expandiram o arcabouço teórico, como em Oliveira, Pennini e Mourão (2015). Em busca da definição da Comunicação Organizacional, ressaltamos que caiba ainda serem evidenciados os aspectos “comunicacionais” dessa comunicação. João José Azevedo Curvello (2018, p. 68) afirma que “é possível inferir que o campo da comunicação organizacional está mais aproximado, hoje, dos estudos comunicacionais de perfil mais genérico do que no passado, quando se alinhavam mais às áreas de 16 administração e de estudos organizacionais”. Dessa forma, o olhar da Comunicação deve ser tido como referência, ainda que sejam buscados outros saberes e subsídios conceituais em outras áreas do conhecimento (OLIVEIRA, 2009). A partir dessas concepções e do panorama histórico da área, este trabalho se localiza no contexto brasileiro da comunicação organizacional, com destaque para a sua herança teórica-metodológica no campo da Comunicação. Assim, apresentaremos a seguir algumas características da abordagem informacional e suas diferenças em relação ao paradigma relacional, o qual fundamenta a discussão e o olhar para a comunicação organizacional aqui. 2.2 O paradigma relacional da comunicação A construção do pensamento comunicacional, assim como nas demais áreas das ciências sociais, passa pela definição de teorias, métodos, objetos e paradigmas. Vera França (2001, p. 12) define um paradigma como “o esquema organizador das teorias. O paradigma direciona a apreensão e o tratamento das teorias; ele é definidor das perguntas a serem respondidas”. Então, quando nos referimos aos paradigmas da comunicação, estamos dialogando com o esquema cognitivo “que nos conduz e nos instrui a ver uma coisa e não outra” (FRANÇA, 2001, p. 12). A especificidade de uma área se encontra no olhar que ela possibilita, a lente pela qual se faz possível observar os objetos. Logo, não é o objeto em si que “pertence” a uma área, mas a área permite que aquele objeto seja visto daquela(s) forma(s). Vera França (2016, p. 156) explica que “tal ou tal objeto ou prática não são “em si” comunicacionais, e apenas existem a partir do momento em que os nomeamos e os enxergamos como tal; é resultado de vermos (ou buscarmos enxergar) nesses objetos e práticas uma dimensão comunicativa” (FRANÇA, 2016, p. 156, grifo da autora). A partir disso, os processos comunicacionais podem ser vistos pelas lentes de diferentes paradigmas. O mais conhecido e tido como a principal perspectiva para explicar a comunicação ao longo do século passado, é o informacional (também nomeado de paradigma clássico da comunicação). Aquele esquema emissor-receptor, de transmissão de mensagens, é parte deste paradigma (FRANÇA, 2001). Ou seja, um processo mecanicista (LIMA; BASTOS, 2012), em que a comunicação possui uma finalidade “meramente operativa e consiste em fazer passar, por meio de um canal, o máximo de informação com 17 o mínimo de distorção e com a máxima economia de tempo e de energia” (LIMA; BASTOS, 2012, p. 32). Dominique Wolton (2010, p. 18) aponta que “aqui, a informação é tratada segundo a definição clássica que remete à unidade e à mensagem. A comunicação, em contrapartida, remete à ideia de relação, de compartilhamento, de negociação”. Percebe-se que a imprecisão conceitual entre informação e comunicação confunde o entendimento de ambas áreas. As partes são simplificadas apenas à função que exercem no processo, de forma que cada elemento é visto isoladamente (LIMA; BASTOS, 2012). O emissor, ao emitir uma determinada informação (mensagem, por um meio), procura gerar um efeito específico no receptor, que também é visto de forma isolada e estática - apenas como a “outra ponta” que recebe a informação. Queremos dizer que, em concordância com Fábia Lima e Fernanda de Oliveira Silva Bastos (2012, p. 35), “ao predefinir os papéis que cada interlocutor ocupa no processo, com suas funções específicas, passamos a analisar o fenômeno com base nesses parâmetros limitadores e perdemos a visão do todo, da globalidade do processo”. Assim, em contrapartida ao olhar transmissivo, emergem na comunicação diversos modelos com abordagens interessadas tanto nas partes do processo comunicacional como no todo. Os modelos semiótico-informacional e semiótico-textual transpõem a discussão para o âmbito da mensagem, da estrutura de transmissão e a construção de significados (FRANÇA, 2001; LIMA; BASTOS, 2012). No modelo praxiológico a questão está centrada na natureza da comunicação como constituinte da experiência humana na sociedade (QUÉRÉ, 1991 apud LIMA; BASTOS, 2012)7. Enquanto isso, o paradigma relacional (ou dialógico), a partir das contribuições do praxiológico (LIMA; BASTOS, 2012), procura a compreensão da globalidade do processo comunicacional, considerando a interdependência entre as suas dimensões. A partir do exposto por Wolton (2010, p. 89), para quem “a comunicação nunca é uma prática natural, mas o resultado de um processo frágil de negociação”, compreendemos que o paradigma relacional esmiúça o que seria essa negociação. França (2001) explica que a comunicação, nesta perspectiva, “compreende um processo de produção e compartilhamento de sentidos entre sujeitos interlocutores, realizado através de 7 QUÉRÉ, L. D’un modèle épistémologique de la communication à un modèle praxéologique. Réseaux, Paris, n. 46/47, mar./abr. 1991. [Mimeo traduzido]. 18 uma materialidade simbólica (da produção de discursos) e inseridos em determinado contexto sobre o qual atua e do qual recebe os reflexos” (FRANÇA, 2001, p. 14). Dessa forma, emergem três dimensões básicas que possibilitam a compreensão dos fenômenos pelo olhar da comunicação: “o quadro relacional (relação dos interlocutores); a produção de sentidos (as práticas discursivas); a situação sócio-cultural (o contexto)” (FRANÇA, 2001, p. 15). Apenas na intersecção entre as dimensões que se faz possível analisar a realidade pela comunicação. Emissor e receptor passam a ser compreendidos como interlocutores com afetação mútua, a partir da produção de sentidos em cada uma das partes. A qual, aliás, é influenciada pelo contexto e pelo processo interacional - de encontro de subjetividades e experiências individuais. Assim, “nós comunicamos para afetar (de alguma maneira) o outro. Mas esse movimento de afetação, nos seres humanos, é uma coisa bastante complexa; longe de ser uma cadeia linear estímulo-resposta, é dupla afetação, dinâmica de ida e volta, reflexividade” (FRANÇA, 2016, p. 162). A primeira dimensão do paradigma que podemos observar é a contextual. Nesta, considera-se que o processo de comunicação não é algo isolado do contexto em que ele acontece, pelo contrário, considerá-lo é um pressuposto que “afirma a compreensão de que a comunicação é um fazer, implica trabalho de agente, ação no mundo” (FRANÇA, 2016, p. 159). Os interlocutores em comunicação não são passivos, afetam-se e são afetados por uma situação. Assim, um interlocutor “está inserido em um contexto, é parte de uma coletividade, e naquela situação específica se vê afetado pelo outro” (FRANÇA, 2016, p. 159). Esses contextos são socioculturais, ou seja, os aspectos econômicos, geográficos e culturais influenciam a forma em que a comunicação acontece e como os interlocutores se afetam. Percebe-se assim a relação direta entre o contexto e a dimensão interacional, uma vez que “a interação comunicacional varia de acordo com o tipo de relação que é estabelecida, bem como o contexto histórico, político, social e cultural no qual a relação se constrói” (LIMA; OLIVEIRA, 2014, p. 86). Baseando-se nos estudos interacionais de G. Mead (1962 apud LIMA, 2008),8 entende-se que as interações são ações que em conjunto e em movimento fundam os indivíduos e a sociedade (MEAD, 1962 apud LIMA, 2008), uma vez que, a partir das interações, significados são construídos e circulam entre quem o iniciou e a quem se dirige e ainda, retroativamente, geram estímulos e reações (LIMA, 2008). Significa dizer que os 8 MEAD, G. H. Mind, self and society. London: The University of Chicago Press, 1962. 19 sujeitos se constituem a partir da relação com o outro, “de forma que a presença de um afeta a do outro” (LIMA, 2008, p. 121). França (2016) aponta que no mesmo movimento em que procuro afetar meu interlocutor, eu me afeto a mim mesmo (pensando na reação do outro, eu me estimulo e sou afetado por meus próprios pensamentos). O outro me afeta duplamente: através da consciência que eu desenvolvo sobre ele, sobre suas possíveis reações e atitudes, e me afeta também em função de sua reação e sua intervenção efetivas (FRANÇA, 2016, p. 162). Na interação, mensagens e símbolos são compartilhados. A partir destes os aspectos da realidade são representados, discursos são construídos e, portanto, a linguagem possibilita a interação (FRANÇA, 2016). Fábia Lima (2008) explica que na perspectiva do paradigma relacional, essa dimensão simbólica da comunicação se materializa nos discursos - os enunciados e as marcas de enunciação, que “como vestígios da comunicação, trazem impressas marcas do contexto em que a interação se dá, características dos interlocutores e da própria relação” (LIMA, 2008, p. 118, grifo da autora). A partir da dinâmica de inter-relação entre as três dimensões do paradigma relacional, o olhar específico da comunicação é possibilitado. Ou seja, para a compreensão e estudo de objetos da comunicação (fenômenos da sociedade, como os próprios processos comunicacionais (FRANÇA, 2008)) devem ser considerados aspectos interacionais, simbólicos e contextuais (FRANÇA, 2001). Para a Comunicação Organizacional, tal perspectiva pode possibilitar o entendimento da relação comunicação-organização. 2.3 A Comunicação Organizacional na perspectiva do paradigma relacional Uma organização se constitui de pessoas, ferramentas, estruturas, modelos econômicos, processos, produtos e serviços. Ela também representa “[...] um espaço de relação e de trocas comunicativas, nas quais o sujeito tem ao seu alcance várias formas de interação midiática” (OLIVEIRA; PAULA, 2017, p. 378). A organização, em seus mais diversos níveis, é composta especialmente por pessoas, de forma que se evidencia a centralidade do fator humano no que a organização é (MARCHIORI, 2010a; KUNSCH, 2010). Neste ambiente, formas de interação permeiam o cotidiano organizacional, para que toda a organização opere e realize seus objetivos. Assim, enquanto contexto, “a esfera organizacional reveste-se de especificidades, como a constituição de seus sujeitos e a forma que tomam seus discursos e suas interações” (LIMA, 2008, p. 114). 20 A comunicação, entretanto, é usualmente percebida como uma atividade organizacional, um departamento ou uma prática específica. Aliás, nesses cenários, a comunicação novamente tem a sua conceituação atrelada à transmissão linear de informações. Lima e Bastos (2012, p. 41) indicam que “ao conceber a comunicação por essa perspectiva, ignora-se toda e qualquer possibilidade de circularidade que o próprio processo pressupõe, se visto do paradigma relacional”. Ou seja, reduzir a comunicação à transmissão de informações exclui uma característica essencial do processo comunicacional: as múltiplas possibilidades de sentidos (LIMA; BASTOS, 2012). Ao considerarmos a comunicação organizacional pela perspectiva relacional, assumimos que a comunicação está nos mais diversos âmbitos da organização. Como apontam Ângela Cristina Salgueiro Marques e Ivone de Lourdes Oliveira (2015, p. 7), “a comunicação é parte inerente à natureza das organizações, que são formadas por pessoas que se comunicam e que, por isso, viabilizam as dinâmicas voltadas para a realização dos objetivos organizacionais” (MARQUES; OLIVEIRA, 2015, p. 7). Pode-se inclusive afirmar que a comunicação não possibilita apenas os objetivos organizacionais, uma vez que nela as subjetividades se manifestam, entram em contato e os indivíduos também circulam os sentidos de seus próprios objetivos em cada processo de comunicação. Entendemos, portanto, que “uma organização é uma configuração de pessoas, tecnologias, edifícios e objetos que se mantêm unidos pela mais frágil das amarras: a comunicação” (TAYLOR; CASALI, 2010, p. 73). A metáfora da “amarra” indica que a comunicação possibilita que os demais processos organizacionais aconteçam, em cada troca comunicativa que ocorre pelos sujeitos envolvidos com a organização. Nas reuniões, lideranças e liderados planejam e executam as atividades organizacionais, a partir da comunicação. No mercado, os sentidos que circulam sobre aquela organização influenciam as decisões de compra dos consumidores, no caso do setor privado. Nas redes sociais, múltiplos sentidos são construídos sobre o conteúdo veiculado por uma organização, de acordo com a internalização que cada indivíduo faz das mensagens e discursos, de forma retroativa, construindo novos significados para o que a organização comunica. Enfim, a comunicação torna possível que os sentidos sobre a organização e os seus processos circulem. No entanto, dificilmente podemos assumir que as significações são estanques, afinal, são influenciadas pelo contexto, a forma, o meio e os processos interacionais, como aponta o paradigma relacional. 21 Assume-se que as organizações, na contemporaneidade, “[...] a despeito do montante de capital simbólico e material que transacionam, são cada vez mais fluidas, porosas, virtuais e flexíveis” (LIMA, 2008. p. 115). Com porosas, exprime-se a ideia de que aspectos da sociedade perpassam as fronteiras das organizações, que até então eram vistas como “rígidas”, e ressalta-se que estas não são algo à parte, e sim integradoras da sociedade (MUMBY; STOHL, 1996). Assim, concordamos com Marques e Oliveira (2015) em relação à circulação entre organizações e sociedade: “a organização é um sistema aberto, que interage com o ambiente externo a todo o tempo e é palco de relações entre indivíduos articulados, com desejos, condições e competências bastante diferentes” (MARQUES; OLIVEIRA, 2015, p. 7). A partir da noção de trocas entre ambiente e organização, resgata-se a consideração dos aspectos comunicacionais que resultam dessas trocas e processos de interação. Assim como apontado anteriormente, a comunicação possibilita que os processos organizacionais sejam comunicados/significados, e essa circulação de sentidos também é responsável pelo entendimento não apenas dos processos, mas do que a organização é. Eu diria que as organizações são tanto o meio quanto o resultado dos processos de comunicação. Isto é, a comunicação é componente da organização, mas ao mesmo tempo a organização age de volta na comunicação para funcionar como contexto semântico e estrutural para processos de comunicação. É famosa a afirmação do antropólogo Clifford Geertz de que “o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu”. Acho que não é insensato imaginar as organizações como “teias de significação” dentro das quais os homens, como seres comunicativos, estão amarrados. Nós, comunicativamente, produzimos organizações e somos produzidos pelas organizações. (MUMBY, 2009, p. 203). A partir das considerações de Mumby (2009), resgata-se a questão inicial do entendimento da comunicação organizacional a partir de uma perspectiva relacional. Uma vez que as organizações são produzidas por comunicação e estas, por sua vez, produzem comunicação, considera-se que “o objeto da chamada comunicação organizacional não é outro senão a própria comunicação como construção conceitual, vista pelo viés das relações engendradas pelas ou nas organizações” (LIMA; BASTOS, 2012, p. 30, grifo do autor). Ter o objeto da comunicação organizacional definido possibilita compreender que as interações e processos relacionais estão na essência dos estudos da área, já que as relações entre os sujeitos interlocutores constroem sentidos, em certos contextos (LIMA; 22 BASTOS, 2012), sobre e para a organização. Inclusive, “devemos ver a organização como um dos interlocutores” (LIMA; BASTOS, 2012, p. 37). É então nas relações entre os sujeitos organizacionais, e a própria organização, que as práticas individuais e/ou de grupos alcançam uma estrutura coletiva de significados (OLIVEIRA, 2009), as quais dão sentido às posições que cada sujeito assume no processo de interação. Ao nos referirmos a essas posições, compreendemos que não são construídos sentidos apenas sobre a organização, mas também sobre os demais indivíduos. “É a relação com o outro, portanto, que define quem a organização é, naquela interação, e quem são seus interlocutores” (LIMA, 2008. p. 123). Logo, os públicos das organizações assumem determinadas posições também em interação com a organização. Uma organização se institui como prestadora de serviços, posto de trabalho etc. apenas a partir de suas interações, ao posicionar-se, na comunicação, e relação ao outro. Do mesmo modo, seus interlocutores se instituem como público - cliente, funcionário etc. -, precisamente na relação que estabelecem com a organização, naquele contexto específico” (LIMA, 2008. p. 123). Volta-se à dimensão contextual do processo de comunicação para se compreender que esta também influi na construção de sentidos sobre o papel dos interlocutores da organização. É no contexto da interação entre os membros da organização e a sociedade (e com os públicos, em geral), que os sujeitos constroem mensagens e atribuem sentidos sobre si próprios e sobre a organização (MARQUES, 2015). Dessa maneira, as percepções de cada indivíduo em relação com a organização são elementos centrais na construção de sentidos próprios sobre a organização e a relação estabelecida. Dito isso, a comunicação com empregados, portanto, pode ser estudada pela lente da perspectiva relacional da comunicação organizacional, uma vez que estes são sujeitos em interação direta com a organização. O contexto político, econômico e social dos empregados de uma organização também deve ser considerado para o entendimento de como acontece a construção de sentidos, entre eles e deles com a organização, assim como a construção das mensagens e as interações no processo comunicativo com esse público. 23 3. DA COMUNICAÇÃO INTERNA À COMUNICAÇÃO COM EMPREGADOS A Comunicação Interna, atividade relacionada às práticas comunicacionais realizadas com e entre trabalhadores de uma organização, vem surgindo como uma especialização que tende a crescer e ganhar espaço também nos estudos de Comunicação Organizacional (VERCIC; VERCIC; SRIRAMESH, 2012). Usualmente, a Comunicação Interna é resumida à prática, às ferramentas e instrumentos que visam melhorar algum processo de gestão de uma organização (MARCHIORI, 2010a). Entretanto, entendemos que é preciso avançar, assim como aponta Marlene Marchiori (2010a, p. 148), “é preciso visualizar a comunicação como um processo, como uma perspectiva de maior envolvimento, como algo que gera conhecimento para as pessoas, que modifica estruturas e comportamentos”. Assim, pretendemos aqui expor a mudança conceitual da comunicação interna: de função à estratégia. Em seguida, refletimos sobre uma mudança de perspectiva sobre o que é “interno” e os papéis assumidos pelos empregados. Por fim, resgatamos uma compreensão que considera como aspectos contextuais (a organização do trabalho na sociedade) permeiam a comunicação com empregados. 3.1 Comunicação Interna: da função à estratégia A visão mecanicista da comunicação interna é um reflexo desta visão em relação à comunicação como um todo, como visto anteriormente sobre o paradigma informacional. Desconsidera-se que a comunicação é parte inerente da organização, e “olha-se para a comunicação como processo de transmissão, diferentemente de olhar para a comunicação como um processo de criação de conhecimento, como estimuladora do diálogo, como uma comunicação que ajuda a construir a realidade organizacional” (MARCHIORI, 2010a, p. 151). A problemática de um olhar reducionista de gestão de relacionamentos, em que “empregados e sociedade se comportam somente de acordo com os interesses organizacionais” (OLIVEIRA; ALENCAR, 2013, p. 212), contradiz o próprio pensamento contemporâneo, complexo e em movimento (OLIVEIRA; ALENCAR, 2013). Pela simplificação e instrumentalização da comunicação interna, consideram-na como transmissão de informações entre os diversos fluxos e hierarquias da organização, como comunicados oficiais de lideranças para liderados, canais de transmissão unidirecional de informações para todos os trabalhadores etc. Roseane Andrelo (2013) 24 indica que independente dos fluxos ou dos instrumentos que são utilizados, “a comunicação interna pode assumir distintos papéis nas organizações, além da mera difusão de informações de interesse da alta direção” (ANDRELO, 2013, p. 122). Assim, consideramos que a comunicação interna pode e deve ser pensada como uma atividade estratégica (ALMEIDA, 2013; OLIVEIRA; PAULA, 2009; VERCIC; VERCIC; SRIRAMESH, 2012), alinhada às estratégias e aos objetivos da organização (ALMEIDA, 2013). Sabe-se que o modelo de comunicação interna (instrumental ou estratégico) está vinculado ao estilo de gestão que cada organização possui (OLIVEIRA; PAULA, 2009), ou seja, ela será diretamente influenciada pela forma que a organização é gerida. Ivone de Lourdes Oliveira e Maria Aparecida de Paula (2009, p. 20-21) afirmam que “a comunicação interna deve desenvolver-se de acordo com a realidade de cada organização, segundo os sentimentos, os comportamentos e as atitudes que a caracterizam, assumindo um caráter mais flexível, adotando bases estratégicas”. Sempre que nos referimos à estratégias existe certa imprecisão em relação ao que seria necessariamente estratégico (OLIVEIRA; PAULA, 2007). Uma gestão estratégica de comunicação interna seria uma gestão que vai além do modelo de transmissão e considera as possibilidade de comunicação no cenário complexo das organizações na atualidade (OLIVEIRA; PAULA, 2009), de forma que “o paradigma clássico/informacional, que orienta tradicionalmente a comunicação organizacional, mostra-se insuficiente para responder a tal complexidade” (OLIVEIRA; PAULA, 2009, p. 23). Portanto, uma gestão estratégica considera a volatilidade dos processos comunicacionais da organização e entende 1) a necessidade de personalização da comunicação e 2) do uso de canais e publicações internas/veículos de comunicação. Em relação ao primeiro ponto, Marlene Marchiori (2014, p. 111) afirma que “não há como um veículo de comunicação ser global - servir para todos os públicos e interesses. É preciso segmentar a comunicação, para que ela efetivamente traga alguma mudança”. Andrelo (2016; 2013) aponta para a necessidade de práticas e instrumentos de comunicação dirigida na comunicação interna, para que seja construída uma prática personalizada de comunicação com os públicos de interesse. Assim, “sabe-se que a comunicação interna não deve ser reduzida aos meios usados, mas eles devem ser considerados, uma vez que, muitas vezes, farão a mediação entre a realidade a ser produzida e debatida e o público a quem se quer atingir” (ANDRELO, 2013, p. 119). Portanto, “os veículos de comunicação podem completar e 25 apoiar o processo” (MARCHIORI, 2014, p. 116), uma vez que os produtos comunicacionais também possuem um potencial dialógico na relação de interlocução entre os agentes organizacionais (como as lideranças, os trabalhadores, os acionistas etc.). A partir da ideia de que a comunicação interna pode ser dialógica, pode-se resgatar o olhar do campo da comunicação (OLIVEIRA; PAULA, 2009) para a compreensão desta como produtora de sentidos em interação com os interlocutores em um contexto - o organizacional, acrescido do social. Oliveira e Paula (2009, p. 23) explicam sobre as condições para formação de sentido: É importante que a comunicação interna esteja alinhada aos objetivos e às estratégias da organização, mas, ao mesmo tempo, é imprescindível que os atores internos conheçam e entendam as questões relacionadas ao negócio e os aspectos que afetam o seu trabalho e a sua vida, de modo a terem condições de formar sentido. A construção de sentidos é contínua e acontece no contexto de interação, em um ciclo de produção, reprodução, negociação e ressignificação (MARCHIORI, 2010a), de forma que esses processos de interação “e a relação com o contexto passam a ser prioridade na condução de processos de relacionamento organizacionais” (MARCHIORI, 2010a, p. 156). Centralizando à interação, percebemos que a realidade do ambiente organizacional é (re)construída continuamente, em especial a partir da comunicação interna, a qual possibilita “[...] que as pessoas se vejam como tais [sujeitos que constroem uma realidade] e encontrem sentido em sua atuação dentro do negócio da organização” (MARCHIORI, 2010b, p. 5-6). Percebe-se que o fator humano é central no entendimento das interações e construções de sentido na comunicação interna (MARCHIORI, 2010a), de forma que as experiências pessoais, a subjetividade e os sentimentos dos interlocutores também são responsáveis pela forma que a comunicação se constitui. Trabalhar na perspectiva da construção de sentido é perceber esses atores como produtores de mensagens, é levar em conta suas expectativas, percepções e necessidades, tendo em vista a realidade e os impactos que vivenciam, é, de forma estratégica, considerar a sua demanda por informações ágeis, contextualizadas e confiáveis” (OLIVEIRA; PAULA, 2009, p. 23). As percepções dos empregados se atrelam aos seus contextos de trocas de mensagens, construindo sentidos próprios sobre a relação estabelecida. Os indivíduos produzem e se formam por comunicação no cotidiano organizacional, de forma que ela 26 escapa dos processos de controle e “domínio” da comunicação. Assim como ivone de Lourdes Oliveira e Terezinha Gislene Rodrigues Alencar (2013), refutamos a perspectiva de comunicação interna apenas como um setor institucionalizado, uma vez que “os fluxos comunicativos acontecem em todos os níveis e envolvem empregados, terceirizados, estagiários, gestores” (OLIVEIRA; ALENCAR, 2013, p. 213). Os sujeitos organizacionais estão em constante interação, permeada pelos contextos. Entretanto, o ambiente organizacional não é o único contexto que transpassa a vivência dos indivíduos quando se comunicam. Tal noção limita as percepções dos papéis que este público desenvolve no sistema organizacional, uma vez que “entre as quatro paredes” da organização não é único ambiente de convivência dos funcionários, por exemplo. Destaca-se ainda o contexto de intensa midiatização (LIMA; OLIVEIRA, 2014), em que os acontecimentos internos da organização fluem pelo externo, assim como os acontecimentos da sociedade circulam no ambiente interno. Luiz Alberto de Farias e Valéria Aparecida Cabral (2013, p. 11) ressaltam que “informações vazam, extravasam, permeiam relacionamentos e rituais ganham novos significados. O que se passa formal e informalmente no ambiente externo impacta de modo direto o que se viverá no espaço interno. E o contrário não é menos verdadeiro”. Cabe agora compreendermos os diversos papéis desempenhados pelo público interno, em especial os trabalhadores. 3.2 Mudanças de perspectiva sobre o “interno”: a Comunicação com Empregados Recentemente, percebe-se algumas dificuldades quanto à continuidade do uso do termo “interna”, em “comunicação interna” e “público interno”. Parte disso surge com o reconhecimento das limitações que esta terminologia emprega. Inicialmente, consideramos a noção de múltiplos papéis assumidos, ou seja, “o fato de cada um dos stakeholders assumirem diferentes papéis de acordo com o momento, o local e o agrupamento em que se encontram” (FREIRES, 2011, p. 32 apud ANDRELO, 2013, p. 120)9. Dificilmente um público é estanque, assumindo apenas um papel nos processos comunicacionais e relacionais que estabelecem com as organizações. Os funcionários de uma organização não são apenas trabalhadores, como também são pais/filhos, podem atuar em mais de uma 9 FREIRES, L. C. M. Comunicação interna e integrada. In: NASSAR, P. (org). Comunicação interna – a força das empresas. Vol 5. São Paulo: Aberje, 2011. 27 organização, podem praticar esportes, serem donos de casa como também podem ser consumidores dos produtos/serviços da organização. Marlene Marchiori (2010a) assume que este público já deve ser considerado como porta-voz da organização. Os funcionários não são mais simples agentes passivos que recebem informações e vão transmiti-las como a organização quer. Freires (2011 apud ANDRELO, 2013, p. 121) afirma que, a diversidade de papéis do empregado transforma-o em um potencial emissor, uma vez que “a qualquer momento, com o uso das tecnologias cada mais acessíveis e portáteis, poderá tornar-se porta-voz de importantes mensagens da empresa para dentro e para fora do universo da organização, viajando os quatro cantos do mundo”. Algumas organizações já reconhecem a importância de se considerar os empregados como formadores de opinião sobre seus locais de trabalho e, além disso, sobre os próprios produtos e serviços delas. Carolina Frazon Terra (2017) exemplifica os casos da Editora Abril e da Coca-Cola, e Bruno Pacheco Carramenha (2021) da Alpargata, em que os empregados foram responsáveis pela divulgação de produtos em suas redes sociais, ou então público principal de uma campanha. Pela análise desses casos, Terra (2017, p. 7) indica que o empregado “é um potencial produtor de informações acerca das organizações e deve ser estimulado, incentivado e preparado adequadamente sobre limites, fronteiras e como pode ser o primeiro embaixador de uma organização, marca, ideia, produto ou serviço”. Neste cenário da diversidade de papéis sociais assumidos pelos indivíduos, torna-se difícil assumir também certa separação geográfica, expressa em “interno”. Carramenha (2019) discute sobre quais seriam realmente os limites para a comunicação nas organizações, uma vez que “é muito difícil pensar em uma Comunicação - seja ela um processo ou uma função - que seja possível de se restringir a espaços físicos, aos muros organizacionais, que fique “dentro” de algum lugar, que seja, portanto, “interna” (CARRAMENHA, 2019, p. 13, grifo do autor). Os limites entre interno e externo já foram exauridos (MARCHIORI, 2014), seja pelo fluxo de comunicação e informação não se limitando ao ambiente estritamente organizacional quanto pela indefinição exata do que seria tal ambiente, em uma sociedade com organizações cada vez mais flexíveis e virtuais (LIMA, 2008). Nós apontamos que existe uma necessidade de ser revisada a visão do que constitui as fronteiras de uma “organização”. Como o mundo se torna 28 uma mais interdependente “aldeia global”, não apenas as fronteiras mas também as características das “organizações” mudam. Isso implica que a definição do que é “interno” para uma organização também está sendo alterado e deveria ser revisada (VERCIC; VERCIC; SRIRAMESH, 2012, p. 229, tradução nossa). Uma organização não é mais necessariamente uma construção em um endereço fixo em que todos os empregados atuam coletivamente entre quatro paredes. E-commerces, negócios que se instauram como lojas virtuais em redes sociais, como no Instagram Store, multinacionais com teletrabalhadores ao redor do globo, enfim, muitos são os tipos de organizações na atualidade. Assim, Bruno Carramenha, Thatiana Cappellano e Viviane Mansi (2013) e Viviane Mansi e Bruno Carramenha (2016) apresentam a terminologia “Comunicação com Empregados”, em que “propõe-se uma crítica à tradicional denominação desta área como forma de ressignificar o campo a partir do que se considera uma perspectiva mais contemporânea das relações organizacionais, que prescinde do aspecto geográfico do “interna” da Comunicação” (CARRAMENHA, 2019, p. 1). A seguir apresentamos as características basilares da nomenclatura. A Comunicação com Empregados não difere muito das práticas e concepções de Comunicação Interna (CARRAMENHA, 2019). No entanto, a diferença principal está nos aspectos que são colocados em evidência. Com a nova terminologia, o tipo de relação que existe entre a organização, o tipo de comunicação e a pessoa é reforçada: uma relação de trabalho. Tratar a comunicação interna dessa forma implica em transparecer também aos funcionários os sentidos que circulam sobre os seus vínculos, e possibilita que eles formem uma percepção sobre a organização (CARRAMENHA; CAPPELLANO; MANSI, 2013). Tal mudança possibilita que o fator humano esteja diretamente relacionado com a comunicação, nomeando a relação existente. Afinal, em comunicação “interna”, “o termo deixa de nomear o interlocutor desse processo comunicativo, os empregados (no caso das empresas privadas) ou trabalhadores (de forma genérica)” (CARRAMENHA, 2021, p. 55). Claudia Nociolini Rebechi (2017) acredita que a comunicação das organizações não está à parte da lógica do sistema e das relações de trabalho. Logo, “a constituição da “comunicação interna” não é desvinculada das relações de força, de dominação e de coerção que permeiam as relações entre trabalhadores e seus empregadores nas empresas” (REBECHI, 2017, p. 104). Assim, a nomenclatura indica a necessidade de se considerar outros aspectos como principais, “coloca o emprego no centro do processo de 29 comunicação, entende seus anseios, suas expectativas, seu perfil (e as segmentações possíveis), suas características e particularidades, independentemente se eles estão fisicamente dentro da organização ou não” (CARRAMENHA, 2019, p. 14). Faz-se necessário estender o debate para quais são as especificidades do contexto atual em que as relações trabalhistas se estabelecem, e, consequentemente, os processos comunicacionais. 3.3 Regime disciplinar, sociedade do controle e a Comunicação com Empregados As mudanças na sociedade e nas formas de gestão do trabalho passam por transformações ao longo do tempo, desde a rigidez do fordismo à flexibilidade do toyotismo. Michel Foucault (1998 apud OLIVEIRA; PAULA, 2009, p. 13-14)10 explica que “na sociedade moderna o poder estrutura-se a partir do regime disciplinar, que se sustenta essencialmente no sistema moral, reforçado por outro sistema, o operacional. A combinação desses dois sistemas produz a ordem, cuja forma de consolidação é a imposição”. Entretanto, a mudança na lógica produtiva trazida pelo toyotismo altera também a significação do trabalho para os indivíduos, de forma que a responsabilização pelos resultados migra para a consciência de si dos trabalhadores. Oliveira e Paula (2009, p. 14) explicam que “não é mais a imposição que impera; ao contrário, as pessoas são conduzidas a agir de determinada maneira porque são convencidas de que tal maneira é boa para elas”. Dessa maneira, os trabalhadores se tornam protagonistas dos processos de trabalho, buscam atingir metas (da organização e próprias) a partir da internalização dos objetivos da organização como sendo também seus. Os trabalhadores passam a se identificar com os valores e princípios da organização (OLIVEIRA; PAULA, 2009), de forma que se sintam também responsáveis pelos resultados. Pode-se afirmar que esse fenômeno é resultado de um trabalho planejado de sedução. A sedução torna mais amena a imposição. Por meio da sedução, simula-se o reconhecimento da autonomia do indivíduo e leva os empregados a adotarem estratégias de sobrevivência no ambiente organizacional, demonstrando satisfação no desenvolvimento de suas atividades e assumindo vínculos fortes com a organização. Entretanto, esse processo choca-se com sentimentos individuais de temor e de insegurança relacionados à instabilidade do mundo do trabalho de hoje e 10 FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 18. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1988. 30 também ao risco cada vez maior de exclusão (OLIVEIRA; PAULA, 2009, p. 16-17). Aqui percebe-se que a convergência de interesses e de unidade interna é essencial para a organização (OLIVEIRA; PAULA, 2009), de forma que todos, juntos, possam superar os desafios. Para isso, espera-se que os trabalhadores tenham autonomia e sejam preparados para enfrentar os possíveis problemas. essas transformações também resultam em modelos produtivos que exigem trabalhadores capazes de solucionar problemas, isto é, mais do que apenas cumprir designações, as organizações esperam que esses empregados expressem a seus colegas e seus gestores suas contribuições e críticas acerca do processo produtivo, visando aumentar a qualidade e/ou os resultados da organização (SILVA; OLIVEIRA; BALDISSERA, 2021, p. 3). Evidencia-se assim que a participação dos empregados também é uma estratégia de controle, embora seja em uma perspectiva menos autoritária e mais dinâmica e de autonomia do trabalhador. Cássia Aparecida Lopes da Silva et al. (2021) resumem tal acontecimento como uma expectativa de trabalhador de postura ativa. Os autores afirmam que este trabalhador precisa ser “[...] capaz de detectar um problema em uma linha de produção; de sugerir formas de produzir mais e mais rápido; de compreender a missão e os valores da empresa e de transformar essas informações em ideias que possam trazer retornos financeiros à organização” (SILVA et al., 2021, p. 5). Em estudo recente, Rickard Andersson (2020) analisou o poder do discurso do profissional “estratégico” sobre as concepções que o trabalhador constrói sobre si mesmo e sobre o seu trabalho. A partir dos resultados, o autor afirma que “a adoção consciente do discurso parece ter um apelo tão forte que tem um forte efeito disciplinador [...], demonstrado na forma como os entrevistados entendem o 'estrategista' como o praticante 'digno' que trabalha da maneira 'correta' e se julgam para esse ideal” (ANDERSSON, 2020, p. 271, tradução nossa). Além disso, os trabalhadores constroem um sentido de que a posição de estrategista é algo essencial para a organização (ANDERSSON, 2020), retomando a mudança de responsabilização comentada por Oliveira e Paula (2009). Dessa forma, as organizações procuram suavizar os possíveis embates e as oposições de interesses entre organização e trabalhador a partir da comunicação (REBECHI, 2016), na construção de discursos sobre o profissional de comunicação ideal (ANDERSSON, 2020). Sabemos que a comunicação organizacional, entretanto, em uma perspectiva não-transmissionista, é inerente aos processos da organização. Ou seja, esta, 31 por sua vez, procura formas de controle a partir de narrativas e discursos oficiais de autonomia e compartilhamento de objetivos, mas os processos comunicacionais que acontecem entre os trabalhadores, os sentidos que são construídos (inclusive os de resistência) também circulam em comunicação e compõem o quadro complexo da comunicação organizacional (BALDISSERA, 2014). Embora existam vozes críticas à ideia funcionalista na comunicação organizacional, a comunicação interna continua “servindo” como uma ferramenta de gestão, que não considera os diversos processos comunicacionais por outros interlocutores (os empregados) da cena organizacional. Rebechi (2016) indica que as relações de trabalho podem estar em pauta na comunicação organizacional, mas são compreendidas geralmente apenas como estratégia, nos estudos de comunicação interna. “Mesmo aqueles que, eventualmente, tentam questionar a perspectiva funcionalista da comunicação, optam por imprimir uma visão de gestão e de busca por efetividade organizacional, tratando a comunicação como ferramenta estratégica” (REBECHI, 2016, p. 47). Dessa maneira, buscamos compreender a Comunicação com Empregados a partir da ótica comunicacional, pautada em um paradigma que olhe para as relações/interações entre esses interlocutores - empregados com empregados e deles com a organização. Consideramos também que as relações de trabalho e suas características do período atual são parte essencial do processo de comunicação, como proposto por Rebechi (2016). Assim, é imprescindível a consideração das modalidades de trabalho para o entendimento da comunicação com empregados. A seguir destacamos algumas características e especificidades do trabalho mediado por tecnologia, fenômeno crescente com a pandemia de COVID-19. 32 4. TRABALHO MEDIADO POR TECNOLOGIAS As práticas e relações trabalhistas são mediadas por aspectos diversos, como questões legislativas, psicológicas, sociais, econômicas e comunicacionais. Aqui, nos propomos a resgatar o histórico e algumas características de uma modalidade específica: o teletrabalho, e, mais especificamente, o trabalho remoto. Para tal, apresentamos a origem desta modalidade e uma breve conceituação sobre as diversas formas de teletrabalho. Em seguida, exploramos os aspectos tecnológicos que permeiam a prática laboral a distância e possibilidades de reorganização do trabalho considerando a comunicação, o contexto pandêmico e as necessidades tanto das organizações quanto dos trabalhadores. 4.1 Histórico do teletrabalho O teletrabalho se refere a um conjunto de modalidades de trabalho, cuja característica central é a mediação tecnológica para o desempenho de atividades. Alguns indícios históricos retomam ao século XVIII como a origem dessas formas de trabalho, na criação do telégrafo por Claude Chappe (FRANÇA; RUIZ; GROSSI, 2021), em que a organização do trabalho em um espaço-tempo específico passava a se estabelecer a partir do uso de um dispositivo tecnológico. Já nos anos 1970, no Programa Espacial da Força Aérea Norte-Americana, Jack Nilles descrevia pela primeira vez uma conceituação para o trabalho que (des)organizava o espaço-tempo, conhecido como teletrabalho. o pesquisador descreveu o teletrabalho como uma atividade marcada pela substituição dos deslocamentos relacionados ao trabalho por meio do uso de Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC). Nesta perspectiva, o trabalhador substituia o deslocamento de sua residência até o ambiente de trabalho, pelo uso de um telefone ou computador, recursos que o conectava as suas atividades laborais (FINCATO, 2019 apud FRANÇA et al., 2021, p. 5-6)11. Já na década de 1990, deu-se início a categorização das modalidades de teletrabalho (ROSENFIELD; ALVES, 2011). Comumente acredita-se que o aspecto mais em evidência dessas formas de trabalho é o trabalho realizado parcial ou integralmente em outro local, que não as dependências da organização. Entretanto, existem diversas práticas laborais em 11 FINCATO, D. Teletrabalho na reforma trabalhista brasileira. Revista eletrônica [do] Tribunal Regional do Trabalho da 9a Região, Curitiba, v. 8, n. 75, p. 58-72, fev. 2019. 33 que o teletrabalho acontece em espaços específicos das organizações, como no caso de telecentros ou espaços-satélite, conforme esquematizado no quadro 1. Quadro 1 - Tipos de Teletrabalho MODALIDADE DE TELETRABALHO DESCRIÇÃO trabalho em domicílio aquele trabalho realizado na casa do trabalhador trabalho em escritórios-satélite modalidade em que o trabalho é desenvolvido em pequenas unidades secundárias de uma empresa matriz trabalho em telecentros o teletrabalhador atua em estabelecimentos próximos ao seu domicílio que ofereciam serviços telemáticos a clientes remotos trabalho móvel caracteriza-se pelo desenvolvimento das atividades fora do domicílio ou do centro principal de trabalho, ou seja, viagens de negócios ou trabalho de campo ou em instalações do cliente trabalho em empresas remotas ou off-shore atividades desenvolvidas por empresas com escritórios-satélite ou empresas de teleserviços de outras zonas do globo como mão de obra mais barata trabalho informal ou teletrabalho misto é uma combinação tácita entre o trabalhador e o empregador para desenvolvimento de algumas atividades por um determinado período de tempo fora da empresa Fonte: adaptado de Rosenfield e Alves (2011) Mais recentemente, a nomenclatura de trabalho remoto (ou home office) passou a ser adotada com o intuito de definir as características do teletrabalho mediado por tecnologias e necessariamente fora das dependências da organização/um local diferente do ambiente organizacional convencional (AGUILERA et al., 2016 apud ABBAD et al., 2019)12, seja de forma total ou parcial (trabalho híbrido). Esta é a definição tomada para o desenvolvimento desta pesquisa. Já em relação às pesquisas desenvolvidas sobre a temática, Maira Nani França et al. (2021) apontam três vertentes principais na literatura: a) estudos sobre as vantagens e benefícios em relação ao teletrabalho; b) teletrabalho como uma modalidade de 12 AGUILERA, A. et al. Home-based telework in France: characteristics, barriers and perspectives. Transportation Research Part A: Policy and Practice, n. 92, p. 1-11, 2016. 34 precarização da atividade laboral e de exploração; e c) análises críticas que propõem convites a se pensar o teletrabalho enquanto fenômeno complexo (FRANÇA et al., 2021). A primeira vertente foi desenvolvida mais nos estudos do campo empresarial, com o intuito de “apresentar resultados exitosos da aplicação do teletrabalho” (FRANÇA et al., 2021, p. 10). Em oposição, a segunda vertente busca denunciar a exploração sistemática do trabalhador (FRANÇA et al., 2021), a partir da análise de situações de abuso de poder e rotinas fora da normatização e legislação trabalhista. Por fim, a última vertente, mais crítica, problematiza e questiona a simplificação dos aspectos e aponta a necessidade de maior reflexão sobre a complexidade do fenômeno do trabalho remoto (FRANÇA et al., 2021). Não pretendemos abordar detalhadamente cada vertente, mas sim situarmos a temática de forma que possamos observar várias dimensões que permeiam o trabalho remoto. Dentre elas, devemos considerar também os aspectos tecnológicos. 4.2 Aspectos tecnológicos no trabalho remoto Os estudos da relação entre tecnologia e sociedade se desenvolveram e desembocaram em algumas vertentes, ora com os aparatos tecnológicos no centro da discussão, ora os fatores humanos. Joana Peixoto (2015) discorre sobre três principais abordagens: o determinismo tecnológico, a sociologia dos usos e a sociotécnica. A primeira, do determinismo tecnológico, foi desenvolvida especialmente até os anos 1970, com foco na imposição da lógica da tecnologia às relações sociais dos sujeitos. Peixoto (2015, p. 320) explica que “o determinismo tecnológico postula que a tecnologia estabelece os efeitos positivos ou negativos que ela induz na sociedade. A tecnologia é considerada um sistema autônomo que se desenvolve segundo uma lógica própria que influencia seu contexto” (PEIXOTO, 2015, p. 320). Nesta visão, o desenvolvimento tecnológico é um fator inerente ao desenrolar das práticas sociais. E nela são agregadas ambas versões: catastróficas e de deslumbre sobre os impactos das tecnologias (PEIXOTO, 2015). Os estudos realizados nessa perspectiva assumem a tecnologia como o “futuro” que já começou, em que ou as máquinas dominam negativamente e regem as práticas sociais, ou guiarão a humanidade para algo mais promissor. Na perspectiva do trabalho remoto, pode-se considerar que esta perspectiva assumiria que o trabalho passa a ser dependente da lógica das tecnologias utilizadas, de forma pré-definida e imutável pelos agentes sociais. 35 Já na perspectiva da Sociologia dos Usos, resgata-se um olhar mais antropocêntrico para as tecnologias. Peixoto (2015, p. 325) explica que “esses estudos iniciais criticavam a perspectiva tecnicista e enfatizavam o papel do usuário no emprego das tecnologias, inspirando-se em Certeau (1994, 1996), que expôs o conceito de usos sociais”. Nesta visão, os seres humanos escolhem o uso que desejam dar para uma certa tecnologia, uma vez que esta foi desenvolvida por outros humanos. Então, “caso o objeto não atenda às necessidades e desejos do usuário, este resiste; se sentir necessidade, ele desvia inteiramente o aparelho de seu uso originalmente previsto. Assim, um objeto pode ter tantos usos quantos usuários dele se apropriarem.” (PEIXOTO, 2015, p. 326). Na perspectiva dos usos, estes não estão ligados apenas aos objetos tecnológicos, mas também aos contextos em que os sujeitos e a tecnologia fazem parte (PEIXOTO, 2015). Entretanto, a relação entre usuário e máquina é mais complexa do que apenas a forma que a pessoa atribui certos usos, “não se pode pensar o uso como o caminho mais curto entre o indivíduo e a máquina. Usuários, máquinas, prescrições fazem parte de um conjunto que se configura e é configurado num dado contexto econômico, político e cultural” (PEIXOTO, 2015, p. 327). Assim, a perspectiva sociotécnica surge como uma articulação entre as anteriores, relacionando tanto as questões tecnológicas quanto do uso e atribuições dadas pelos sujeitos às tecnologias (PEIXOTO, 2015). Esta considera que “os aspectos físicos e operacionais das tecnologias limitam seu uso. Não se trata também de supervalorizar o poder dos usuários, considerando-os receptores autônomos.” (PEIXOTO, 2015, p. 328). A partir desse olhar, sugere-se uma relação dialética entre técnica e lógica social, a qual relativiza as limitações tecnológicas e assume que estas se manifestam pelo uso dos sujeitos. Ou seja, busca-se o entendimento do papel socialmente construído sobre a tecnologia e seus usos, de forma que seja “[...] profícuo levar em conta as dimensões política e simbólica nas relações entre o acesso e a utilização das tecnologias.” (PEIXOTO, 2015, p. 329). Tal revisão sobre os olhares possíveis para a tecnologia são relevantes para o entendimento do trabalho remoto, uma vez que o fenômeno da Indústria 4.0, como é conhecido desde 2011 na Feira da Indústria de Hannover (REBECHI, 2020), coloca a tecnologia no centro das relações trabalhistas. Claudia Nociolini Rebechi (2020) explica que este fenômeno tem ganho destaque na gestão do trabalho nas organizações e que a ideia basilar da Indústria 4.0 “está 36 relacionada ao entendimento da necessidade de criar formas de digitalização da operação industrial” (REBECHI, 2020, p. 399). Percebe-se que a narrativa construída sobre a Indústria 4.0 está associada a um entendimento bem determinista sobre a tecnologia, como apresentado por Peixoto (2015). Rebechi (2020) ao analisar relatórios criados sobre o futuro do trabalho no contexto da Indústria 4.0 por algumas agências, encontra “[...] uma tentativa de vários desses agentes promotores do conceito da Indústria 4.0 em criar um discurso hegemônico sobre a inevitabilidade das empresas se envolverem no processo de “transformação digital” (REBECHI, 2020, p. 411-412). Essa compreensão atribui ao trabalho nas organizações como inerente ao desenvolvimento das tecnologias, e que estas são as responsáveis pelas mudanças sociais e de relações de trabalho. Quando, em uma visão sociotécnica, a relação entre o desenvolvimento tecnológico e as relações são construídos socialmente (PEIXOTO, 2015), com diferentes usos e limitações construídos dialogicamente. Assim, podemos conceber que a intensificação da Indústria 4.0 está associada à intenção das organizações e gestores de digitalizarem as práticas laborais, em um cenário de desenvolvimento tecnológico intensivo. Mas os usos que são dados às tecnologias ainda são atribuídos socialmente. Logo, a prática do trabalho remoto, por exemplo, depende de diversos fatores que complexamente constroem o que é a prática do trabalho mediado por tecnologias. Dentre esses fatores, temos o contexto da pandemia de COVID-19. 4.3 Trabalho remoto no contexto da pandemia de Coronavírus Além das considerações técnicas e de desenvolvimento da atividade laboral, o trabalho remoto no contexto da pandemia de Coronavírus é preenchido de outros aspectos contextuais, como a preocupação com a saúde e sociabilidade. Eduardo Campos Pellanda (2021, p. 66) ressalta que “os indivíduos não só trabalharam remotamente, mas sociabilizaram, compraram mantimentos e se informaram sobre o mundo a partir de suas cápsulas domésticas” (PELLANDA, 2021, p. 66). O isolamento social trouxe algumas implicações para a forma em que as pessoas se relacionam, seja em relação ao trabalho ou não. Alex Primo (2020), em uma sondagem realizada no Brasil, coloca a comunicação como aspecto central desse período, uma vez que o uso das redes sociais e videoconferências para se manter os vínculos e contato com outras pessoas se intensificaram (PRIMO, 2020). Pellanda (2021) discorre sobre o fenômeno das casas como “cápsulas midiáticas”, em que, a partir da mediação tecnológica 37 e de comunicação digital, os indivíduos desenvolvem quase que exclusivamente seus processos de interação e socialização. “Os bits que entravam e saiam das casas eram os responsáveis pela sociedade continuar funcionando economicamente e socialmente em uma nova realidade de adaptação ao novo sistema” (PELLANDA, 2021, p. 66). Como afirmado anteriormente, não é o caso de adotarmos uma visão determinista da tecnologia (PEIXOTO, 2015), mas sim de reconhecermos que os usos dessas tecnologias possibilitaram que a sociedade continuasse em operação nesse cenário. Resgatando o tema do trabalho remoto em um contexto de isolamento social, compreendemos assim que este não possui as mesmas especificidades que anteriormente. Embora o teletrabalho já existisse e já fosse adaptado em muitos casos, especialmente na natureza das atividades, desde o início da pandemia “a maioria das organizações experimentaram pela primeira vez o trabalho remoto de caráter compulsório, sem qualquer preparação material ou psicológica para essa súbita transição” (ABBAD; LEGENTIL, 2020, p. 45, grifo nosso). Dessa emergência de adaptação surgiram dificuldades quanto à estabilidade dos processos comunicacionais e também trabalhistas. Legalmente, foi promulgada uma Medida Provisória (MP) “com o objetivo de apresentar diretrizes trabalhistas para enfrentamento do estado de emergência de saúde pública da pandemia do coronavírus” (BRASIL, 2020), com validade até o fim do estado de emergência. Entretanto, mesmo com essa “regulamentação” atualizada sobre o trabalho, muitas brechas legislativas foram encontradas (FRANÇA et al., 2021). Assim, França et al. (2021) afirmam que “ainda que, como uma necessidade de ordem da saúde pública é necessário regulamentar as atividades de teletrabalho preservando direitos e garantias individuais, como a saúde física e mental, e promovendo a cidadania e o bem-estar social” (FRANÇA et al., 2021, p. 7). Em relação aos espaços físicos de trabalho, “a existência de um espaço isolado na residência, o acesso à internet banda larga e a posse de equipamentos de informática adequados eram condições predominantes num conjunto de trabalhadores pesquisados no Brasil em 2019” (ABBAD; LEGENTIL, 2020, p. 47). Já no cenário emergencial, Abbad e Legentil (2020) indicam que as dificuldades estão relacionadas à ausência de mobiliários e equipamentos de informática que possibilitem a realização das atividades laborais, diferentemente da situação com uma preparação prévia. As autoras ressaltam que “em alguns casos, têm-se inclusive a necessidade de revezamento dos dispositivos móveis 38 (smartphones, tabletes e notebooks) com familiares que precisam acompanhar aulas virtuais síncronas” (ABBAD; LEGENTIL, 2020, p. 47). Assim, algumas demandas de redesenho do trabalho remoto se mostram necessárias, e já eram relatadas por trabalhadores que atuavam remotamente antes da pandemia (ABBAD; LEGENTIL, 2020), como a necessidade de desenvolvimento de habilidades, especialmente afetivas, “para lidar com a comunicação mediada por tecnologias, buscar ajuda e suporte social de colegas e superiores, regular os tempos de trabalho e descanso e encontrar um equilíbrio entre as atividades do trabalho e as atividades domésticas” (ABBAD; LEGENTIL, 2020, p. 46). Apresentamos então, a seguir, alguns eixos de redesenho do home office apresentados por Gardênia da Silva Abbad e Juliana Legentil (2020): 1. Autonomia, 2. variedade de tarefas, 3. identidade das tarefas, 4. interdependência de tarefas, 5. suporte social, 6. contexto de trabalho (Quadro 2). Quadro 2 - Eixos de redesenho do home office EIXO DESCRIÇÃO Autonomia A autonomia é geralmente apontada como geradora de resultados positivos no trabalho remoto (produtividade e bem-estar) quando está associada à flexibilidade de horários. Variedade de tarefas A diminuição da variedade de tarefas foi um resultado da dificuldade dos gestores em distribuí-las e disponibilizar todos os materiais necessários. Identidade das tarefas A realização de uma tarefa completamente pelo indivíduo (começo-meio-fim) constrói um senso de responsabilidade e de identificação com ela. Mas, se o trabalho independente e autônomo for mantido por muito tempo como única forma de trabalho remoto, corre-se um grande risco de isolamento profissional. Interdependência das tarefas É preciso cuidado com a gestão da interdependência de tarefas, uma vez que o contato entre muitas pessoas (internas e externas à organização) pode dificultar a exceção. Horários de trabalho diferenciados não permitem um bom cumprimento de tarefas que dependam de muitos indivíduos. Suporte social Suporte social para o bem-estar e diminuição dos sentimentos de isolamento social e profissional. Condições para a construção de amizade e companheirismo entre os colegas de trabalho. Contexto de trabalho Contexto do trabalho em termos de conforto ambiental, adequação ergonômica e tecnológica e social - espaço adequado (também no sentido de concentração e interrupções) Fonte: adaptado de Abbad e Legentil (2020). 39 Dos pontos apresentados, questionamos a questão da autonomia sobre o horário de trabalho. Esta visão está orientada para a obtenção de resultados, podendo não considerar a complexidade do cenário em que o trabalhador se insere (FRANÇA et al., 2021) - de relações trabalhistas, socialização integralmente remota e prejuízos quanto às demais atividades desempenhadas no cotidiano, como disponibilidade de tempo para passar com a família etc. Abbad e Legentil (2020) explicam que a possibilidade de horários flexíveis e maior autonomia também “exige esforço adicional do trabalhador para manter-se concentrado nas tarefas, devido à necessidade de realização de afazeres domésticos, muitas vezes conflitantes com o volume de tarefas profissionais a realizar” (ABBAD; LEGENTIL, 2020, p. 50). Assim, podemos considerar, com base nos eixos de redesenho do home office, uma categorização pautada em: local/espaço de trabalho, horário/jornada de trabalho, relação de trabalho e conteúdo do trabalho/competências requeridas (FRANÇA et al., 2021). A partir dessas considerações, buscamos compreender os processos comunicacionais no trabalho mediado por tecnologias pela ótica da comunicação organizacional. Ou seja, os sentidos construídos em relação dos empregados (entre eles e com a organização) em um contexto sociocultural permeado pela pandemia. 40 5. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS A pesquisa se caracteriza como qualitativa, de abordagem exploratória. Compreendemos que “a pesquisa qualitativa lida com o universo da subjetividade, das motivações e elementos pessoais de alguém que, naquele momento, participa da pesquisa” (MARTINO, 2018, p. 99). A escolha dos métodos para a realização de uma pesquisa qualitativa deve ser atenta e diretamente relacionada ao objetivo proposto. França (2016, p. 165) explica que “métodos se referem aos diferentes instrumentos e procedimentos com os quais operamos nosso trabalho de apreensão do real [...], mas não se resumem a uma lista deles - até porque eles não estão dados de uma vez por todas para qualquer pesquisa”. Inicialmente foi realizada uma pesquisa bibliográfica sobre comunicação organizacional na perspectiva do paradigma relacional, comunicação interna e com empregados e trabalho mediado por tecnologias e seu impacto nas organizações e nos relacionamentos. Esta etapa da pesquisa não é um fim em si mesma, mas sim a base para a construção do referencial teórico (MARTINO, 2018). Além da pesquisa bibliográfica, realizamos uma pesquisa de campo. A pesquisa de campo busca a compreensão do fenômeno do trabalho remoto pelo ângulo dos empregados, uma vez que consideramos que os processos comunicacionais dos sujeitos interlocutores com/da organização são também parte da comunicação organizacional. Conforme Luís Mauro Sá Martino (2018, p. 97), esse tipo de pesquisa, “em algumas situações, confere uma imensa dinâmica à pesquisa, sobretudo porque, na pesquisa de campo, você se vê diante de toda a complexidade do real”. Foram aplicados, então, questionários, de respostas abertas e fechadas, via Google Forms, por conveniência com profissionais que atuaram neste cenário de home office. Como pretendemos analisar as percepções dos funcionários, acreditamos que seja essencial coletá-las durante o exercício das atividades remotamente, quando ainda não são memórias e sim a realidade cotidiana destes. O questionário foi elaborado, então, entre o final de setembro e o início de outubro, com base nos estudos realizados na pesquisa bibliográfica. Ele conta com sete seções, sendo elas: 1) termo de consentimento; 2) identificação; 3) percepções gerais do trabalho remoto; 4) dificuldades e facilidades; 5) canais de comunicação; 6) relacionamentos; e 7) hábitos de trabalho. Consideramos que o trabalho remoto não é uma novidade (FRANÇA et al., 2021), uma vez que o teletrabalho, o trabalho digital e o home office já acontecem 41 desde a década de 1970 (FRANÇA, et al., 2021), a novidade está na forma em que o trabalho migrou para o virtual: compulsoriamente e sem preparo prévio (ABBAD; LEGENTIL, 2020), diferentemente de atividades pré-planejadas. Assim, no início do questionário, buscamos entender alguns aspectos relacionados a como e por quanto tempo os respondentes estavam/estão atuando remotamente. Uma das principais referências para a elaboração do questionário foi o texto de Abbad e Legentil (2020) sobre o trabalho remoto na pandemia. Neste, são explicados os principais eixos de redesenho do home office para que o trabalho seja vantajoso e saudável. São eles: 1. Autonomia, 2. variedade de tarefas, 3. identidade das tarefas, 4. interdependência de tarefas, 5. suporte social, 6. contexto de trabalho. Tais eixos foram considerados em especial na terceira, na quarta e na sétima seção do questionário. Por parte da comunicação, questionamos também sobre os processos comunicacionais mediados por tecnologias, como reuniões, contatos entre equipes e lideranças e a manutenção dos relacionamentos organizacionais. Formulamos também questões que abordam a compreensão dos respondentes sobre os canais de comunicação utilizados para a realização do trabalho remoto. Após a elaboração do questionário, realizamos uma fase de pré-teste. Para isso, selecionamos cinco profissionais de diferentes áreas e com atuação em diferentes formatos de organização. Propusemos que eles respondessem atentamente e criticamente ao questionário, de forma que fosse possível perceber eventuais problemas na estrutura e no conteúdo e possíveis dúvidas que os futuros respondentes poderiam ter. Além disso, também esperávamos que realizassem uma devolutiva sobre as suas percepções. A fase de pré-teste durou da segunda à última semana de outubro de 2021. Assim, obtivemos respostas dos cinco profissionais selecionados. As principais contribuições foram sobre correções nos textos de algumas questões que poderiam gerar confusões. Dois respondentes do pré-teste apontaram também que sentiram falta de mais espaço para dissertar sobre suas experiências de trabalho remoto, em especial em relação às noções de proximidade e distanciamento dos demais trabalhadores. Em relação ao público para qual o questionário é destinado, algumas considerações devem ser feitas. Como não é a intenção da pesquisa representar algum segmento específico da sociedade, optamos por não limitar o questionário a uma área de atuação, bastando que o respondente tenha atuado remotamente durante a pandemia. Tal atuação pode ser parcial (em apenas alguns períodos, ou em formato híbrido) como também 42 integralmente (durante todo o período). Entretanto, consideramos que a experiência profissional no home office na pandemia de Covid-19 é diferente para cada profissional e para cada segmento: a experiência de um professor, que atuava na sala de aula, é diferenciada da de profissionais que já atuavam isoladamente em escritórios, apenas com o uso de computadores e outras tecnologias. Dessa forma, os questionários foram enviados para grupos virtuais de profissionais que atuam em indústrias, em comércios e na prestação de serviços, ainda sem uma escolha limitante de segmento de atuação. O questionário foi divulgado entre os dias 08 e 30 de novembro de 2021 em diferentes canais de comunicação, dentre eles: perfis pessoais no Facebook do aluno e da orientadora; grupos fechados no Facebook (de divulgação científica e de profissionais de comunicação); grupos pessoais no WhatsApp do aluno e da orientadora; grupos de trabalho em plataformas próprias de algumas organizações; releases para divulgação por e-mail de assessorias de imprensa, inclusive universitárias. A principal dificuldade encontrada na divulgação do questionário foi o alcance em outras regiões do país, uma vez que as plataformas escolhidas para divulgação são ocupadas majoritariamente por profissionais da região sudeste. Após o fechamento do questionário, todas as respostas foram tabuladas via Microsoft Excel, separando inicialmente os dados “demográficos” - tanto pessoais quanto profissionais (nicho de atuação das organizações, porte, tempo de trabalho etc.) - e as respostas sobre a pesquisa propriamente dita. A técnica de Análise de Conteúdo (BARDIN, 2016) foi escolhida para a categorização e análise das respostas. A Análise de Conteúdo se caracteriza pela, primeiramente, visualização geral de todo o material (pré-análise), para então interpretação das possibilidades de análise (tr