O FORMATIVO TELE- E SUAS VARIANTES NO PORTUGUÊS ATUAL DO BRASIL Waldenice Moreira CANO • RESUMO: Este artigo tem por objetivo estudar o formativo tele-, mostrando os sentidos adquiridos por esse elemento grego ao penetrar na língua geral. A descrição constará de uma parte histórica em que se demonstrará a evo­ lução semântica do referido afixo em algumas obras lexicográficas desde o fim do século passado. Em seguida, utilizando um corpus constituído de expressões extraídas da publicidade, é analisado o comportamento atual de tele- com suas variantes neológicas. • PALAVRAS-CHAVE: Formativos gregos: vulgarização lexical, neologismos. Introdução Os termos técnico-científicos, unidades léxicas utilizadas em u m domínio de especialidade, são, em sua maioria, desconhecidos do falan­ te comum, uma vez que são empregados em situações de comunicação somente pelos especialistas. No entanto, esses termos podem migrar para a língua geral, sobretudo através dos meios de comunicação de massa: é o fenômeno da vulgarização lexical (Barbosa, 1993). Esse movimento de u m termo da linguagem científica para a língua geral pode resultar em mudança ou extensão de sentido. O termo ope- 1 Departamento de Ciências da Linguagem - UFU - 38400-902 - Uberlândia - MG e Doutoranda na UNESP - Araraquara. Alfa, São Paulo, 42: 9-22, 1998 9 ração, por exemplo, é empregado na terminologia da Matemática, da Medicina e das Forças Armadas É com esta última significação que o termo penetrou na língua geral, sendo util izado nas mais diversas si­ tuações como operação tartaruga, operação limpeza, operação descida etc. Ao passar para a língua geral, o termo técnico-cientí f ico pode adquirir, ainda, vários significados que se juntam ou mesmo substituem o original É o caso dos termos prefixados pelos elementos eruditos auto-, eletro-, tele-, dentre outros. Neste trabalho nos ocuparemos do formativo tele- mostrando os sentidos adquiridos por esse afixo erudito ao penetrar na língua geral Embora essa descrição já tenha sido realizada para o francês (Peytard, 1964), cremos que, no português, em sua variante brasileira, o fenômeno da vulgarização de tele- acarretou outros sentidos, não encontrados, até onde sabemos, no francês ou mesmo no português europeu A descrição constará de uma parte histórica em que se demonstrará a evolução semântica do referido afixo em algumas obras lexicográficas desde o f im do século passado. Em seguida, por meio de u m corpus ainda não dicio­ narizado, extraído de anúncios publicitários, analisaremos o compor­ tamento atual de tele- com suas variantes neológicas A classificação de tele- Inicialmente classificado entre os radicais gregos e util izado para formação de termos do vocabulário técnico-científico, o formativo tele-, ao penetrar na língua geral, passa a funcionar como u m prefixo, segundo Peytard (1964). Atualmente, tanto lingüistas do Brasil como de Portugal classificam a unidade tele- entre os pseudoprefixos (Cunha & Cintra, 1985; L i Ching, 1973). O argumento é o de que tais unidades apresen­ tam acentuado grau de independência, além da deriva semântica; isto é, processada a "decomposição", os elementos ingressam noutras for­ mações, com sentido diverso do etimológico. Outro argumento apresen­ tado pelos autores, com o qual não concordamos, diz respeito ao rendi­ mento dos pseudoprefixos, em geral menor do que o dos prefixos. Como veremos adiante, o pseudoprefixo tele- apresenta uma produtividade maior do que a de muitos prefixos. Adotaremos a classificação de Cunha & Cintra (1985). Para nós, tele- é u m pseudoprefixo visto que não exerce a função de preposição nem a de advérbio, próprias do prefixo. Também não se enquadra entre os radicais, em razão da deriva semântica e da alta produtividade. Embora 10 Alfa, São Paulo, 42: 9-22, 1998 alguns lingüistas (Duarte, 1995, p.l07ss.; Ferreira, 1989) contestem o conceito de pseudoprefixo, por achá-lo incômodo e dispensável, Ferreira (1989) reconhece que, para se dispensar o referido conceito, faz-se ne­ cessária uma reformulação da própria definição de prefixo. Segundo esta autora, uma das dificuldades na adoção do conceito de pseudoprefixo consiste em decidir onde integrar unidades como teledependência: se na derivação ou na composição. Endossamos o argumento da autora, pois deparamos com elementos situados à margem de qualquer classi­ ficação, como auto-, eletro-, foto-, tele- etc. Descrição diacrônica do formativo tele- É muito difícil realizar levantamentos diacrônicos no Brasil em razão da escassez de obras lexicográficas. O dicionário mais utilizado é o Novo Dicionário da Língua Portuguesa, do mestre Aurélio, cuja primeira edi­ ção ocorreu em 1975. Em 1986 o autor publicou uma segunda e última edição, revista e ampliada. Os dicionários mais antigos de língua portu­ guesa foram feitos para o português europeu, com acréscimos de alguns brasileirismos, geralmente imprecisos e incompletos. 2 Não temos, pois, no Brasil, uma seqüência de edições de uma mesma obra lexicográfica para que possamos acompanhar o acréscimo ou a retirada de verbetes. Tentaremos mostrar, nesta seção, grosso modo, a produtividade do for­ mativo tele- desde o f im do século passado até 1986, data da segunda e última edição do Aurélio. Utilizaremos as seguintes obras: a) primeira edição do Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa, de Caldas Aulete, 1881. b) quarta edição do Novo Dicionário da Língua Portuguesa, de Cândido de Figueiredo, 1925. c) quinta edição (segunda edição brasileira) do Dicionário Contempo­ râneo da Língua Portuguesa, de Caldas Aulete, 1964 d) primeira e segunda edições do Novo Dicionário da Língua Portugue­ sa, de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, 1975/1986. O primeiro dicionarista a registrar formações com tele- foi Caldas Aulete. Na primeira edição do seu dicionário (1881) estão registrados 2 Para maiores esclarecimentos sobre os dicionários de língua portuguesa, ver Biderman, 1984 Alfa, São Paulo, 42: 9-22, 1998 11 quatorze verbetes. Excluídas as derivações posteriores, são os seguin­ tes: telegramma,3 telegrapho, telemetria? telephono e telescópio, todas formadas com bases presas gregas. Em 1925, o dicionário de Cândido de Figueiredo elencava os mesmos termos do Aulete e acrescentava mais dez, todos relacionados a inven­ tos da época: teleautógrafo, telecriptógrafo, telediágrafo, teleiconógrafo, telefonógrafo, telefote, telefotógrafo, telémetro, telescritor, telesismógrafo. Além desses, encontram-se ainda na referida obra os termos telepatia (Parapsicologia), telegonia (Biologia) e teledinâmico, registrado como termo da Medicina ("Diz-se do medicamento de effeitos geraes mas remotos"). Nota-se aqui a migração do formativo tele- para outros domí­ nios do conhecimento, já que, excetuando-se os três termos acima, os demais estão relacionados à transmissão de dados a distância, seja tex­ to, imagem ou som, ligados, portanto, às Ciências Físicas. Além da formação com radicais presos, tele- passa a agregar-se, também, a bases anteriormente compostas, mas livres: tele + fonógrafo, tele + sismógrafo, tele + criptógrafo etc. A segunda edição brasileira do Aulete (1964) inc lui os mesmos termos das duas obras citadas, excetuando-se teleiconógrafo, e acres­ centa os seguintes termos novos, desconsideradas as derivações: te- lautocopista, telecardiófono, telecardiógrafo, telecêntrico, telecinema, telecinematógrafo, telecinesia, teleclinógrafo, telecomandar, telecomu­ nicação, teleconduzir, teledinamia, teledirigir, teleférico, telefonômetro, telegrafone, teleguiar, teleimpressor, telemecánica, telemetacarpiano, telemetrógrafo, telemicrofone, telemicroscópio, telencéfalo, teleobjetiva, telemeteorógrafo, teleplastia, teleprojétil, telergia, telerradiofonía, telerruptor, telespectador, telessemia, telestereógrafo, telestereoscópio, teletermógrafo, teletipo, telever, televisão e televizinho. Algumas observações sobre os verbetes dessa edição do Aulete podem ser feitas. O termo teledinâmico, citado em Figueiredo como pertencente à Medicina, ganha duas entradas: uma ainda com esse sentido e, outra, como termo da Mecânica, relacionado à teledinamia ("transmissão ao longe do movimento por meios mecânicos ou pela ele­ tricidade"). Além da inclusão de mais dois termos da Biologia (teleme­ tacarpiano e telencéfalo) e três da Parapsicologia {telecinesia, teleplastia e telergia), observa-se nessa obra lexicográfica a inclusão, também, de 3 Mantivemos a grafia original, registrada no dicionário. 4 Aulete registra telemetria, mas não telémetro, que é o instrumento. 12 Alfa, São Paulo, 42: 9-22, 1998 termos científicos formados a partir de bases da língua comum: teleco­ mandar, telecomunicação, teleconduzir, teledirigir e teleguiar. Note-se, ainda, o registro de termos formados pelo processo de braquissemia: 5 (telefoto ao lado de telefotografia, telecinema ao lado de telecinematógrafo), ou reduções vocabulares, com subtração de partes finais do vocábulo: telefonômetro6 (telefone + metron), telegrafone {te­ légrafo + fone). Observa-se que nesse caso houve apócope de u m seg­ mento fônico somente, semelhante à aglutinação, o que é diferente da braquissemia, em que parte do vocábulo é empregada pelo todo. Parece ter t ido início nessa época (década de 1960) a deriva se­ mântica do formativo tele-: telecinema {tele(visão) + cinema), tele- microfone {tele(fone) + microfone), telerradiofonia {tele(grafia) + radio- fonia).7 Nesses termos, tele- agrega-se a bases livres e passa a significar não mais "ao longe", e sim "telegrafia", "telefone" ou "televisão". Se ocorre nessa época a formação de termos técnicos com bases da língua comum, o contrário também se dá, ou seja, a vulgarização do formativo tele- entrando em formações da língua comum, mas não com o sentido original, e sim "através da televisão": telespectador, telever e televizinho. Ou seja, a deriva semântica manifesta-se tanto np voca­ bulário científico quanto no popular, embora com valores diferentes: naquele significa "telegrafia", "telefone" e "televisão" e, nesse último, apenas "televisão". Em 1975 veio a público a primeira edição do Aurélio, obra lexico­ gráfica com aproximadamente cem m i l verbetes, que pretendia abarcar todo o léxico português desde o século x v i , em todas as suas varian­ tes, o que é bastante discutível. Seja como for, é nossa obra mais re­ presentativa e praticamente a única fonte de consulta do português contemporâneo do Brasil. Nesse dicionário estão registrados setenta verbetes 8 formados a partir de tele-. Formas primitivas novas são: telangiectasia, telangioma, teleator, telejornal, telenovela, telerradiografia, teleteatro, portanto dois 5 A braquissemia é definida como o emprego de parte de um vocábulo pelo vocábulo inteiro: foto­ grafia - foto, bilhão - bi (Monteiro, 1991, p.174). 6 Contador de chamadas telefônicas. 7 Embora esses termos também tenham sido formados primeiramente pelo processo de braquis­ semia, houve posterior recomposição, em que tele- ingressa em outras formações, com valores diferentes do original, o que difere da braquissemia, em que não há mudança de sentido da parte subtraída. 8 Esse dicionário registra, desnecessariamente, todas as derivações possíveis de um vocábulo, razão pela qual se chega a esse número de entradas. Alfa, São Paulo, 42: 9-22, 1998 13 termos da Medicina, u m das Ciências Físicas e quatro formas vulga­ rizadas, em que teJe- significa "através da televisão". Somente os dois termos da Medicina são construções com bases presas. O Aurélio exclui a maioria dos termos novos elencados no Aulete (1964), quase todos nomeadores de inventos, 9 sendo mantidos os seguin­ tes: telecinesia, telecomandar, telefotografia, teleguiar, teleimpressor, telencéfalo, teleplastia, teletipo, telever, televisão, televizinho. É também excluído o verbete teledinâmico como termo da Medicina. Na segunda edição (1986), foram mantidas as mesmas entradas da edição anterior e acrescentados os seguintes termos: telecine, telecurso, teledifusão, teledrama, teleducação, telemática, telemicroscópio e te­ leprocessamento. Algumas observações: o termo telemicroscópio, já presente no Aulete (1964) e excluído da primeira edição do Aurélio, re­ torna nessa segunda edição; o termo telecinematografía, reduzido para telecinema, também registrado no Aulete e omitido no Aurélio (1975), é incluído na segunda edição como telecine, ou seja, após sofrer mais uma redução. Em quatro dos oito verbetes acrescidos, tele- significa "pela televisão": telecine, telecurso, teledifusão, teledrama. Teleducação é uma forma vulgarizada em que tele- não sofreu alteração semântica, sendo aí mantido seu sentido original "a distância", visto que nesse tipo de educação, além da televisão, são utilizados outros meios como o rádio e a correspondência postal. Nos termos telemática e teleprocessamento, tele- adquire mais u m sentido, o de "telecomunicação": telemática = tele(comunicação) + (informática ("ciência que trata da manipulação e utilização da informação mediante o uso combinado de computador e informática"); teleprocessamento = tele(comunicação) + processamento ("modalidade de tratamento da informação por u m sistema de processa­ mento de dados que util iza meios de telecomunicação"). É interessante observar que em Computação o formativo tele-, no verbete telecomunicação, sofre restrição de sentido. No Dicionário Prá­ tico para PC (Dyson, 1995) o verbete telecomunicação é assim definido: 9 Apesar de muitos inventos, registrados no Auíete (1964), terem sido modernizados e renomeados, ou mesmo substituídos pelo fax ou computador, muitos termos a eles relacionados ainda são mantidos em dicionários técnicos. O Dicionário Enciclopédico de Astronomia e Astronáutica (1987) registra telemeteorógraío e telessismo. O Dicionário de Telecomunicações (1981) assinala teleautó- grafo No Dicionário Enciclopédico de Informática (1986) estão elencados telefonógraío, telelono- metria e telemicroscópio. Acreditamos que esses termos estão registrados nessas obras somente como valor histórico. No entanto, faz-se necessário um levantamento atual desses vocabulários para que se possa ratificar tal afirmação. 14 Alfa, São Paulo, 42: 9-22, 1998 "A transmissão de todas as formas de informação, inclusive dados d i ­ gitais, voz, fax, som e video, de um computador pam outro, através de linhas telefônicas" (grifo nosso). Note-se que nessa definição estão ausentes os traços que indicam "todos os meios possíveis de comuni­ cação a distância"; o único traço presente é "pelo telefone". Até agora fizemos uma descrição diacrônica, grosso modo, da trajetória do formativo tele- desde o primeiro registro em dicionário de língua portuguesa (1881) até 1986, ano da segunda e última edição do Aurélio. De acordo com as obras consultadas, deu-se início, na década de 1960 {Aulete, 1964), o proceso de deriva semântica e vulgarização lexical do referido formativo, quando termos técnicos formados com tele- foram cunhados com bases da língua geral e vocábulos comuns foram formados com tele. De acordo, também, com os registros lexi­ cográficos, a partir dos anos 60 foram raros os termos com tele- forma­ dos sobre bases presas. Além do sentido original, esse pseudoprefixo pode significar "te­ levisão" (tanto no vocabulário popular quanto nas terminologias) e "telecomunicação", "telegrafia" e "telefone" (somente em vocabulários especiais). Na seção seguinte nos ocuparemos do comportamento se­ mântico atual de tele-. O comportamento atual de tele- Dissemos, no início desse trabalho, que os valores semânticos do formativo tele- encontrados no francês e no português europeu não coin­ cidem totalmente com os do português do Brasil. Segundo autores portugueses e franceses, 1 0 nos seus países tele- pode significar "pela televisão" e "pelo teleférico", como em téléski e telecabme. Esse último signif icado não é encontrado no Brasil por motivos óbvios: não possuímos o teleférico para esquiadores pelo fato de não termos neve. Se não há a prática social, não há razão para a existência do termo nomeador. Acreditamos que entre nós o processo de vulgarização do formativo tele- foi mais acentuado que na Europa, chegando a tornar-se chulo, como tentaremos mostrar em seguida. 10 Para o francês, o dicionário Le Micro Robert de Poche. 1992, e para o português europeu, Ferreira, 1989. Alfa, São Paulo, 42: 9-22, 1998 15 Para essa pesquisa foi montado u m corpus, coletado em jornais de circulação local e nacional (O Correio do Triângulo, Estado de Minas, Folha de S.Paulo, Jornal do Brasil e Correio Braziliense),11 além de anún­ cios televisivos e cartazes de propaganda. A cole„a nos jornais não foi diária, restringindo-se praticamente aos jornais dominicais. Foram encontrados sessenta neologismos, sendo a maioria retirada de anúncios classificados, portanto de grande recorrência. São poucas as palavras novas em que tele- significa "televisão": telebinjo, telecine, telecolunísmo, teiefiime, telemaníaco, telenotícia, tele sala, telesena12 e telessérie foram as únicas com que deparamos. Atente-se para a formação da palavra telemaníaco, uma construção so possível sm razão da deriva semântica do pseudoprefixo tele-, já que, como radical grego, no seu sentido original, so agregar-se-ia a subs­ tantivos ou, mais raramente a verbos. As constrições atuais mais coriur.s com tele- são aquelas em que o referido afixo adquire o valor semântico de "pelo telefone". Em francês conhecemos télécarte, "cartão para efetua r chamadas telefônicas"; no português do Brasil temos o anglicismo telecard. Coletamos cinqüenta formações novas em que tele- significa "pelo telefone". Todas fazem pavte do vocabulário da propaganda, referindo- se a um tipo de serviço oferecido pelo telefone: telesaque, tele-entrega, tele-import, teleamor, telecheque etc, A grafia desses neologismos oscila, podendo ser grafados com ou sem hífen, O afixo pode, também, agregar-se a anglic smos como em telecard e teleimport. Todas as bases são substantivas, com uma exceção, tele-fácil. em que a base é adje­ tiva, cujo sentido pode ser interpretado como "compre fácil pelo tele­ fone". Tele- também pode ser simplesmente a abreviação de telecomu­ nicação, sobretudo quando o termo se refere às companhias estatais ae telecomunicação: telebrasília, telepará, telesp, telemig, teleceará etc: A regulamentação da Lei da TV a Cabo trouxe à tona mais uma polêmica no campo das telecomunicações. Pelo menos sete companhias telefônicas es­ tatais, as chamadas "teles", assinaram contratos com grupos privados pa"a 11 É necessário esclarecer que essa coleta foi feita em jornais da região Sudeste do Brasil, além da Capital Federal. Não podemos assegurar, pois, que os neologismos coletados sejam encont:ados em todo o território brasileiro. 12 Mantivemos a grafia encontrada. 16 Alfa, São Paulo, 42: 9-22, 1998 utilização da rede pública de telefonia para transmissão de sinais de TV a cabo (Folha de S.Paulo, 28.5.1995, 1, p.17) Observe-se que nesse texto telecomunicação sofreu restrição para "comunicação pelo telefone", já que o articulista refere-se às estatais telefônicas. Em Telebrás (Telecomunicações do Brasil), tele é, também, a abre- vição de telecomunicação. Porém, nesse caso, o termo telecomunicação é empregado no seu sentido mais amplo, significando todos os recursos utilizados na comunicação a distância. Às vezes tele- tem como equivalente semântico a forma braquissê- mica fone-: Feíra-Phone (fazer a feira pelo telefone), Sexo-fone etc. O valor semântico original de reJe- "a distância" está presente nos seguintes neologismos: telemedicina, teleligado, teleconferência e telefoto (dispositivo de algumas máquinas fotográficas que permitem acioná-las a distância). Em três formas do corpus, tele- acumula os dois significados: televi­ são e telefone: TeleMappin, Tele Store e Tele Shopping. São programas de televisão em que o apresentador oferece produtos de determinada loja, que podem ser adquiridos pelo telefone. Em resumo, no português atual do Brasil o formativo tele- pode significar "pela televisão", "pelo telefone", "telecomunicações", além do sentido primeiro "a distância". Alguns termos sofreram restrição de sen­ tido, como telecomunicação, que também pode significar "comunicação pelo telefone"; telecine é hoje conhecido como referindo-se a u m canal de televisão a cabo que transmite filmes do cinema. Telefacsímile sofreu o processo inverso: foi reduzido para telefax e hoje só se emprega fax. O referido formativo pode, ainda, acumular as noções de televisão e de telefone. Tele- = disque- 0 verbo discar está registrado no Aurélio como u m brasileirismo: 1. Bras. Fazer girar o disco do aparelho telefônico automático para estabelecer ligações. 2. Marcar (um número) rodando esse disco: disque 225-2233. Tem sido freqüente no português atual do Brasil a formação de palavras com a forma disque: Disque-Meias, Disque-Amamentação, Alfa, São Paulo, 42: 9-22. 1998 17 que podem, também, ser grafadas sem hífen: Disque Vestibulares, ou justapostas: Disquenamoro. É possível, ainda, a forma disque ser gra­ fada como disc: Disc-Alegria, Disc-Compras, ou como disk: Disk-Bolsa, Disksexo, Disk Frios, Disk Love, Disk Verduras. J á que a forma, além de não estar dicionarizada, encontra-se em vias de lexicalização, a oscila­ ção quanto à grafia e ao uso do hífen é freqüente. Observe-se que no Brasil a influência do inglês é muito acentuada, sendo freqüente a for­ mação de palavras em se que toma apenas a forma, mas não o sentido. 1 3 É o caso de disk ou disc, que em inglês refere-se especialmente à chapa onde se gravam sons para serem ouvidos em fonógrafos: compact disc, disk laser. Todos os neologismos por nós coletados foram formados por analogia com esses anglicismos. Todos esses compostos são substantivos e referem-se a uma pres­ tação de serviço efetuada pelo telefone, razão pela qual podemos ter formas como telecompras e disc-compras, telesexo e diksexo, telepizza e disk pizza, tele 900 e disque 200 (prefixo de telefones de serviços oferecidos à população como dicas econômicas, loterias, classificados e t c ) : Há dois meses o Hospital de Doenças Infecto-Contagiosas do Piauí criou o Disque-Aids... (Folha de S.Paulo, 5.8.1994, 3, p.4) Já está em funcionamento em São Paulo o Disque-ücitação, um banco de dados que informa por telefone todas as licitações abertas no Estado, (folha de S.Paulo, 28.8.1994, 6, p.2) Há oito anos, a Associação Comercial de S. Paulo tem um serviço de informação de cheques sem fundos, o Telecheque. (Folha de S.Paulo, 19.1.1994) Em agosto, foi contratado pelo Tele 900 para fazer o Disque Fábio Assun­ ção... (Folha de S.Paulo, 30.10.1994, TV Folha, p.4) Grandes cidades têm bom potencial para empresas do tipo "disque"... (Folha de S.Paulo, 28.8.1994, 6, p . l ) Às vezes a significação do composto não é transparente, como em Disque-Fantasma, Disk Economia e Disc-Alegria: o primeiro refere-se a u m serviço do governo para denunciar servidores públicos "fantasmas" (recebem dos cofres públicos mas não comparecem ao local de tra­ balho); o segundo significa "compre pelo telefone e faça economia". Disc-Alegria é u m serviço de namoro por telefone. É necessário, pois, 13 Lojistas ingleses e norte-americanos usam a unidade léxica call para pedir que os clientes façam pedidos por telefone (Folha de S.Paulo, 23.11.1997, 3, p.2). 18 Alfa, São Paulo, 42: 9-22, 1998 conhecer o contexto para que se precise o significado do composto. Encontramos, também, três compostos em que a base pode ser uma formação neológica: disque cell (cell = telefone celular), uma forma reduzida: disque fone e disquetel, significando "disque para comprar telefone"; ou ainda u m substantivo próprio simples: disque-Apolônio, ou composto: Disque Fábio Assunção (referindo-se a pessoas físicas) e Disque Globo Cultura, Disque Pontual Imóveis e Disque Rádio Táxi (referindo-se a denominações comerciais). O referido formativo pode, ainda, anexar-se a pronomes: disque-tudo, ou a numerais: disque 900. É interessante observar, também, a junção de disque a grupos sintá­ ticos como Disque Lava e Passa e Disk pizza e lanches. Um novo composto no português do Brasil? Dentre os compostos dicionarizados, os verbos bater, guardar, matar e quebrar são os mais freqüentes, liderados por guardar, com mais de quarenta compostos registrados (cf. Martins, 1995).14 Os compostos com disque por nós coletados chegam a setenta e a lista não é exaustiva, pois a maioria faz parte do vocabulário da propaganda, podendo, por­ tanto, ser acrescida diariamente. Pode-se criar u m neologismo com disque- a cada novo serviço oferecido pelo telefone. A análise que faremos a seguir não pretende ser exaustiva, uma vez que esse trabalho não tem por objetivo descrever os compostos com disque- e s im sua comutação com tele-. No entanto, algumas obser­ vações são necessárias. Adotamos, para a composição, a posição defendida por Mart ins (1995): a de que o composto origina-se de uma frase hipotética passível de ser reconstituída. Por exemplo, o composto guarda-roupa, u m verbo transitivo com seu complemento direto, seria a cristalização de parte de u m enunciado como instrumento para guardar roupa. O autor divide os compostos v + N em três categorias: os agentivos (guarda-ílorestal), instrumentos (saca-rolha) e locativos (guarda-roupa). Acreditamos que os compostos com disque- não se enquadram em nenhuma dessas divisões: não se trata de u m agente, de u m instru­ mento ou de u m local, mas sim de u m serviço oferecido à população por 14 O autor não trata dos compostos com disque visto que seu corpus restringiu-se aos compostos dicionarizados. Alfa, São Paulo, 42: 9-22, 1998 19 determinada empresa. O enunciado do qual se parte é "disque para efetuar determinada tarefa", assim, disque-meias = disque para com­ prar meias; disque-aids = disque para se informar sobre a aids; disque- fantasma = disque para denunciar servidores fantasmas, e assim por diante. Como os referidos compostos fazem parte do vocabulário da pro­ paganda, em que predomina a forma verbal imperativa, acreditamos estar diante de u m composto em que o verbo está na sua forma i m ­ perativa, conservando sua significação de ordem. Essa teoria já foi con­ testada por diversos lingüistas, que argumentam que a forma verbal dos compostos nada mais é do que o tema verbal puro (cf. Martins, 1995). Ora, isso pode acontecer com os demais verbos, como saca-rolha, que- bra-nozes, guarda-roupa, porta-retrato, bate-estacas, em que as formas verbais são os temas dos verbos sacar, quebrar, guardar, portar e bater, respectivamente. No entanto, no caso em questão, não estamos diante de u m tema, visto que este seria disca- {discar) e não disque, que é a forma imperativa desse verbo. Essa é a razão de afirmarmos que está surgindo u m novo tipo de composto no português do Brasil, em que a forma verbal não é u m tema, e sim imperativo, já que o enunciado de origem é, também, u m imperativo. Entretanto, vimos que disque pode, também, unir-se a grupos sintáticos, como disque lava e passa, disque pizza e lanche, além de nomes próprios compostos, como Disque Globo Cultura, Disque Fábio Assunção, em que teríamos inicialmente uma composição nominal, para depois ocorrer uma composição com a forma imperativa disque, ou seja, uma sobrecomposição. Como esse processo de formação é recente no português do Brasil, é necessário que continuemos essa pesquisa por mais alguns anos a f im de acompanharmos o processo de lexicalização desses neologismos. Pode ser que estejamos diante de u m novo prefixo e não de uma nova forma de composição. Para finalizar, por ora, observamos ainda que o verbo ligar pode alternar-se com disque-, embora o fato não seja muito comum: ligue- sertão, ligue máquinas, ligue-solução e ligue táxi foram as únicas for­ mas encontradas. Embora disgue- e teJe- possam agregar-se às mesmas bases, signi­ ficando "fazer algo pelo telefone", não podemos prever, ainda, qual das formas irá se impor, já que, de acordo com a coleta de dados, os dois formativos aparecem em igual número. 20 Alfa, São Paulo, 42: 9-22, 1998 Conclusões Analisamos, neste artigo, a trajetória do formativo tele- desde seu púmeiro registro lexicográfico. Pudemos verificar a acentuada amplia­ ção de sentido sofrida desde então, seja nas terminologias seja após sua migração para a língua geral. Como formativo de palavias do vocabu­ lário popular, teJe-, quando significa "realizar determinada tarefa pelo telefone", alterna-se com disque- e menos freqüentemente com ligue-. Esses dois verbos estão formando u m novo tipo de composto no portu­ guês do Brasil, ainda em vias de lexicalização, cuja estrutura não é tema verbal + substantivo, e sim, acreditamos, forma imperativa + substantivo. Temos pois, ao lado de uma afixação, u m equivalente semântico com­ posto, telepizza e disque-pizza, além de u m grupo sintático, como Disque Globo Cultura e Disque lava e passa. Devemos acompanhar por mais alguns anos a formação dessas neologias para que possamos reti­ rar conclusões definitivas. CANO, W. M . The prefix tele- in Brazihan contemporary Portuguese. Alfa (São Paulo), v.42, p.9-22. 1998. • ABSTRACT: The aim of this paper is to conduct a study of words formed by the prefix tele-, in order to show its meanings in general language. After indicating the semantic evolution of tele-, by using dictionaries published from 1881 until 1986, the article analyses neologisms and their equivalents occurring in contemporary advertising. • KEYWORDS: Greek prefixes; lexical vulgarization: neologisms. Referências bibliográficas AULETE, F. J. C. Dicionário contemporâneo da língua portuguesa. (Redigido por A n t o n i o Lopes Valente). Rio de Janeiro: B. L. Garnier, 1881. 2v. Dicionário contemporâneo da língua portuguesa. 5.ed. (2.ed. brasi­ leira elaborada por Hamílcar Garcia). Rio de Janeiro: Delta, 1964. BARBOSA, M . A . A banalização da terminologia técnico-científ ica: dialética intertextos . I n : SEMINÁRIOS DO GEL, XL, 1992. Anais... Ribeirão Preto: Instituição Moura Lacerda, 1993. p.56-63. Alfa, São Paulo, 42: 9-22, 1998 21 BIDERMAN, M . T. A ciência da lexicografia. Alfa (São Paulo), v.28, p.1-26, 1984. C U N H A , C , CINTRA, L. Nova gramática do português contemporâneo. 2.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. DICIONÁRIO enciclopédico de astronomia e astronáutica. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987. DICIONÁRIO enciclopédico de informática. São Paulo: Nobel ; Rio de Janeiro: Campus, 1986. DICIONÁRIO de telecomunicações. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1981. DYSON, P. Dicionário prático para PC. s. 1.: Ciência Moderna, 1995. DUARTE, P. M . T. A formação de palavras com prefixos latinos e vernáculos. Araraquara, 1995. Tese (Doutorado) - Faculdade de Ciências e Letras, U n i ­ versidade Estadual Paulista. FERREIRA, A. B. H . Novo dicionário da língua portuguesa, l . ed . Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1975. Novo dicionário da língua portuguesa. 2.ed. rev. aum. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. FERREIRA, M . M . C. Pseudoprefixo: u m conceito incômodo para o estudo da derivação prefixai . I n : COLÓQUIO I N T E R N A C I O N A L SOBRE T E R M I N O ­ L O G I A CIENTÍFICA E TÉCNICA. Anais . . . Lisboa: CNALP, 1989. , FIGUEIREDO, A . C. Novo dicionário da língua portuguesa. 4.ed. Lisboa: Ber­ trand, 1925. L I CHING, A . Sobre a formação de palavras com prefixos no português actual. Separata do Boletim de Filologia, v.22, p.3-100, 1973. MARTINS, E. S. O processo de pluralização do composto nominal hiíenizado. Araraquara, 1995. Tese (Doutorado) - Faculdade de Ciências e Letras, Uni ­ versidade Estadual Paulista. MONTEIRO, J. L. Morfologia portuguesa. Campinas: Pontes, 1991. PEYTARD, J. Motivat ion et préfixation. Remarques sur les mots construits avec l 'élément télé-. Cahiers de Lexicologie, v.4, p.37-44, 1964. 22 Alfa, São Paulo, 42: 9-22, 1998