1 RAUL FERNANDES CAMARGO FILHO Fracionamento de mercúrio e selênio no tecido muscular de Mylossoma sp. e Cichla spp do rio Negro/AM Botucatu 2024 2 RAUL FERNANDES CAMARGO FILHO Fracionamento de mercúrio e selênio no tecido muscular de Mylossoma sp. e Cichla spp do rio Negro/AM Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação apresentado ao Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista - Unesp “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de Botucatu, SP, para o grau de Biólogo Orientador: Pedro de Magalhães Padilha Botucatu 2024 C172f Camargo Filho, Raul Fernandes Fracionamento de mercúrio e selênio no tecido muscular de Mylossoma sp. e Cichla spp do rio Negro/AM / Raul Fernandes Camargo Filho. -- Botucatu, 2024 15 f. Trabalho de conclusão de curso (Bacharelado - Ciências Biológicas) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Instituto de Biociências, Botucatu Orientador: Pedro de Magalhães Padilha Coorientador: José Cavalcante Souza Vieira 1. Peixes amazônicos. 2. Magnificação trófica. 3. GFAAS. 4. Espécies mercuriais. 5. Xenobióticos. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca do Instituto de Biociências, Botucatu. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. 3 Fracionamento de mercúrio e selênio no tecido muscular de Mylossoma sp. e Cichla spp do rio Negro/AM Raul Fernandes Camargo Filho1, Victor Diego Faria1, Rebeca Orrantia Corcoba1, José Cavalcante Sousa Vieira1, Pedro de Magalhães Padilha1 1Sao Paulo State University (UNESP), Institute of Biosciences, Botucatu, Brazil Classificação do artigo: Short Communication Resumo A presença de mercúrio em peixes é uma preocupação crescente em todo o mundo devido aos potenciais riscos à saúde humana e aos ecossistemas aquáticos. Na região Amazônica, altas concentrações de mercúrio estão associadas principalmente as atividades do garimpo de ouro, mas podem ocorrer de forma natural devido a lixiviação de espécies mercuriais do solo da região do rio Negro/AM para os diversos rios dessa região. Assim, o monitoramento contínuo da qualidade da água e dos peixes é fundamental para proteger a saúde pública e preservar os recursos naturais na região Amazônica. Isso envolve a realização de análises regulares para detectar a presença de mercúrio em corpos d'água e em amostras de peixes, bem como a definição de limites seguros de consumo de peixes contaminados. Com base no exposto, o presente trabalho reporta os resultados de determinações de mercúrio e selênio em amostras de tecido muscular das espécies Mylossoma spp (pacu) e Cichla ssp (tucunaré), da Bacia do médio rio Negro/AM. Para isso, metodologias de mineralização das amostras de tecido muscular e para determinação de mercúrio e selênio foram otimizadas. Os resultados indicaram concentrações maiores de mercúrio na espécie predadora (tucunaré) em relação à espécie não predadora (pacu) demonstrando assim a magnificação trófica. Além disso, os valores médios positivos de Se para benefícios da saúde (Se HBVs) calculados foram positivos, indicando que ambas as espécies de peixes apresentam em seus organismos estoque de selênio necessário para mitigar os efeitos deletérios do mercúrio. Palavras-chave: Peixes amazônicos; espécies mercuriais; magnificação trófica; xenobióticos; GFAAS. 4 Abstract The presence of mercury in fish is a growing concern worldwide due to potential risks to human health and aquatic ecosystems. In the Amazon region, high concentrations of mercury are primarily associated with gold mining activities, but can also occur naturally due to leaching of mercurial species from the soil of the Rio Negro/AM region into various rivers in the area. Therefore, continuous monitoring of water quality and fish is essential to protect public health and preserve natural resources in the Amazon region. This involves conducting regular analyses to detect the presence of mercury in water bodies and fish samples, as well as defining safe consumption limits for contaminated fish. Based on the above, this study reports the results of mercury and selenium determinations in muscle tissue samples of Mylossoma spp (pacu) and Cichla spp (peacock bass) species from the Middle Rio Negro/AM Basin. For this, methodologies for sample mineralization of muscle tissue and for mercury and selenium determination were optimized. The results indicated higher concentrations of mercury in the predator species (peacock bass) compared to the non-predator species (pacu), thus demonstrating trophic magnification. Furthermore, positive average values of Se for health benefits (Se HBVs) calculated were positive, indicating that both fish species have sufficient selenium stock in their bodies to mitigate the deleterious effects of mercury. Keywords: Amazonian fishes; mercurial species; trophic magnification; xenobiotics; GFAAS. 5 Introdução A problemática da contaminação por mercúrio na região amazônica é de extrema relevância e merece uma discussão aprofundada. Estudos demonstraram que a região Amazônica é responsável por cerca de 80% das emissões totais de mercúrio na América do Sul, levanta sérias preocupações devido aos seus impactos na saúde pública e no meio ambiente (Bitarello et al., 2019). No bioma Amazônia, o aumento significativo da presença de mercúrio, tem provocado repercussões globais associadas a eventos recentes, como os enormes incêndios, o desmatamento constante, as atividades mineradoras e a implementação de grandes projetos antropológicos na região (Vieira et al., 2015). A exposição humana ao mercúrio na região Amazônica, mesmo em áreas sem histórico de mineração, é alarmante e apresenta sérios riscos à saúde pública. O mercúrio, especialmente na forma de orgânica, mais tóxico, entra na cadeia alimentar através dos peixes contaminados, afetando diretamente as populações ribeirinhas que dependem desses alimentos para sua subsistência (Queiroz et. al, 2018, Veiga, 2023). A ingestão de mercúrio nessas populações é significativamente mais alta em comparação com outras comunidades ao redor do mundo, ampliando os riscos à saúde pública. Isso ressalta a urgência de medidas eficazes para lidar com essa situação e proteger a saúde dessas comunidades vulneráveis (Moraes et al., 2013; Vieira et. al., 2020). A contaminação por mercúrio pode levar a uma série de problemas de saúde, incluindo danos neurológicos, desenvolvimento cognitivo prejudicado, problemas de desenvolvimento em crianças e uma série de outros impactos adversos (Nicholas et al., 2018). As formas orgânicas do mercúrio, especialmente o metilmercúrio, podem provocar efeitos deletérios, principalmente em mulheres e crianças. A capacidade das espécies mercuriais orgânicas atravessarem a barreira placentária e concentrarem-se no cérebro fetal destaca a importância de compreender os riscos específicos para grupos vulneráveis (Santiago et al., 2023; Almeida et al., 2024). O selênio é um micronutriente imprescindível para o organismo, sendo um elemento essencial de diversas enzimas vitais (Rocha et al., 2016). A discussão sobre a absorção do selênio pelas plantas ressalta a relevância desse elemento não apenas para os animais, mas também para os seres humanos que obtêm selênio principalmente através da dieta (Berry et al., 2001; Burger et al., 2013). A variação na concentração de 6 selênio nos alimentos, está diretamente relacionada ao conteúdo proteico (Kaneko, J. J. & Ralston, 2007). Alimentos com baixa concentração de proteínas, como frutas cítricas e vegetais folhosos, podem apresentar uma concentração de selênio relativamente menor em comparação com alimentos ricos em proteínas, como cereais. Essa informação é valiosa para a compreensão das fontes dietéticas de selênio e destaca a importância de uma dieta equilibrada para garantir níveis adequados desse micronutriente essencial (Rocha et al., 2016; Nicholas et al., 2018). A variabilidade na concentração de selênio nos alimentos também demonstra a importância de considerar a diversidade na dieta para garantir a ingestão adequada desse elemento essencial para a saúde (Nicholas et al., 2018). A região Amazônica, onde há concentrações significativas de selênio nas plantas, cuja característica parece conferir à população local uma aparente resistência à deficiência desse mineral. Por outro lado, a mesma região apresenta elevadas concentrações de mercúrio nos solos e rios, embora a população não demonstre sinais evidentes de contaminação. A conexão proposta entre a presença abundante de selênio e a possível tolerância ao mercúrio levanta questões interessantes sobre os mecanismos de interação desses elementos no organismo humano (Yang et al., 2008). O selênio, conhecido por suas propriedades antioxidantes, é sugerido como um possível contribuinte para a tolerância aparente ao mercúrio. A ação do selênio na desintoxicação do organismo contra metais tóxicos é destacada, indicando que o mineral pode desempenhar um papel crucial na proteção contra os efeitos deletérios do mercúrio (Kaneko, J. J. & Ralston, 2007; Yang et al., 2008; Lino et al., 2018). A escolha de duas espécies de diferentes níveis tróficos, uma predadora e outra presa, para estudo é crucial para compreender as interações dentro de um ecossistema aquático. No caso mencionado, o Tucunaré (Cichla ssp) foi selecionado como exemplo de predador diurno, originário da bacia amazônica. Sua dieta inclui uma variedade de presas, como outros peixes, crustáceos, insetos e até aranhas (Vieira et al., 2020). Esse peixe desempenha um papel importante na cadeia alimentar, exercendo controle populacional sobre suas presas e influenciando a dinâmica do ecossistema aquático (Veiga, 2023). No entanto, a introdução do Tucunaré em outras regiões do Brasil causou problemas significativos, incluindo impactos ambientais irreparáveis. Essa introdução não planejada e descontrolada resultou em desequilíbrios nos ecossistemas locais, afetando não apenas a população de peixes nativos, mas também outras espécies 7 e o ambiente em geral (Vieira et al. 2015; Veiga, 2023). Esses impactos destacam a importância de considerar os potenciais efeitos adversos antes de introduzir espécies exóticas em novos habitats. Além disso, a descrição do comportamento do Tucunaré ao longo de seu ciclo de vida fornece insights valiosos sobre sua ecologia e sua função no ecossistema. O fato de nadar em cardumes na fase inicial e optar por nadar sozinho quando adulto reflete adaptações comportamentais e estratégias de sobrevivência relacionadas à reprodução, alimentação e defesa contra predadores. Em suma, o estudo das interações entre o Tucunaré e outras espécies em seu ambiente natural é essencial para entender a dinâmica dos ecossistemas aquáticos e para promover a conservação da biodiversidade. Esse conhecimento pode orientar medidas de manejo e conservação que visam proteger não apenas as espécies individuais, mas também a integridade ecológica dos ecossistemas aquáticos como um todo (Vieira et al. 2015; Veiga, 2023). A escolha do Pacu (Mylossoma spp) como outra espécie de estudo complementa a compreensão das interações ecológicas dentro do ecossistema aquático (Vieira et al., 2020). Este peixe, caracterizado como onívoro com preferência por vegetais, ocupa um nicho ecológico distinto em relação ao Tucunaré mencionado anteriormente. Enquanto o Tucunaré é um predador de nível trófico mais alto, o Pacu é considerado um peixe de nível trófico mais baixo. Sua distribuição em diversas bacias brasileiras, principalmente na Amazônia, destaca sua importância na pesca e na ecologia regional (Veiga, 2023). O Pacu desempenha um papel fundamental na cadeia alimentar como consumidor de vegetação aquática e detritos, contribuindo para a ciclagem de nutrientes e o equilíbrio do ecossistema. A descrição morfológica do Pacu, com seu corpo alto e comprimido e cabeça e boca de dimensões reduzidas, oferece insights sobre sua adaptação ao ambiente aquático e ao seu comportamento alimentar. Sua quilha pré-ventral serrilhada pode indicar adaptações específicas relacionadas à alimentação e ao ambiente em que habita. No contexto da pesca predatória, o Pacu também é uma espécie alvo importante, o que ressalta sua relevância econômica e social para as comunidades locais que dependem da pesca para subsistência e sustento. No entanto, o manejo sustentável é essencial para garantir a conservação dessas populações de peixes e a saúde dos ecossistemas aquáticos. Em resumo, o estudo do Pacu fornece informações valiosas sobre a ecologia e a importância das espécies de nível trófico mais baixo nos ecossistemas aquáticos. Compreender suas interações com outras espécies, como o 8 Tucunaré, é fundamental para promover a conservação da biodiversidade e o manejo sustentável dos recursos pesqueiros (Vieira et al., 2020; Veiga, 2023). Dessa forma, as implicações da exposição humana às espécies mercuriais na região Amazônica, principalmente por meio do consumo de peixes contaminados, destaca a gravidade da situação. Os níveis elevados desses xenobióticos encontrados nas comunidades amazônicas, apontam para riscos substanciais à saúde pública, especialmente para mulheres e crianças (Almeida et al., 2024). Por outro lado, a discussão sobre o efeito mitigador do selênio em relação aos efeitos deletérios das espécies mercuriais, indica perspectivas interessantes. A interação complexa entre esses elementos no organismo humano, pode resultar em processos de atenuação dos efeitos tóxicos mercúrio, assim, os mecanismos dessa ação protetora do selênio devem ser investigados com detalhes (Kaneko, J. J. & Ralston, 2007; Burger et al., 2013; Rocha et al., 2016; Lino et al., 2018). Com base no exposto, no presente estudo foram otimizadas metodologias de preparo de amostra para posterior determinação de mercúrio e selênio total em amostras de tecido muscular das espécies Mylossoma spp (pacu) e Cichla ssp (tucunaré), da Bacia do médio rio Negro/AM. Com base nas concentrações mercúrio e selênio determinadas no tecido muscular dos peixes, calculou-se os valores de Se para benefícios da saúde - Se HBVs, procurando-se identificar possível estoque de selênio no organismo das espécies Mylossoma spp e Cichla ssp, que poderia indicar sua ação protetiva contra os efeitos tóxicos do mercúrio. O texto do manuscrito foi redigo seguindo as normas do periódico Environmental Monitoring and Assessment da Editora Springer. Material e métodos Coletas das amostras As amostras foram coletadas através de um trabalho de campo, realizado na bacia Amazônica, mais precisamente, no Rio Negro-AM; tal coleta foi feita em parceria com o INPA, onde reunimos várias amostras de tecidos musculares de peixes como o Tucunaré e o Pacu. Cujas espécies são de níveis tróficos diferentes, e, portanto, utilizou- se desse recurso para compararmos a quantidade de mercúrio e selênio presente em cada uma, visto que a espécie de Tucunaré era responsável por se alimentar do Pacu. 9 A escolha do Tucunaré (Cichla spp.) como foco deste estudo metaloproteômico de mercúrio (Hg) revela uma abordagem relevante para compreender a exposição humana e os potenciais riscos ambientais associados a esse metal tóxico. Este peixe foi selecionado devido à sua posição proeminente na dieta das populações ribeirinhas na região amazônica do Brasil, indicando uma potencial fonte significativa de exposição ao mercúrio para essas comunidades. Já a escolha do pacu (Mylossoma sp) teve o intuito de apresentar como se comportava a cadeia trófica em sua bioacumulação de metais tóxicos, e que ele faz parte da dieta proteica das populações tradicionais, como também, do outro peixe em estudo, o Tucunaré. Preparo das amostras O preparo das amostras teve início com o processo de separação dos tecidos musculares, dos quais estavam sob condições de -80°C. Foram pesados cerca 100 mg de músculo, em triplicata. No total foram preparadas amostras de 15 indivíduos, sendo 10 da espécie Tucunaré e cinco de Pacu. Mineralização das amostras Cerca de 100 mg das amostras de músculo (pesadas em triplicata, e balança analítica com precisão de décimo de miligrama) foi transferida para tubo de digestão. Posteriormente, nos tubos contendo as amostras, adicionaram-se 1 mL de ácido nítrico concentrado (J. T. Baker), 0,5) mL de permanganato de potássio 0,02 mol L-1 (Merck), mistura altamente oxidante, necessária para estabilizar o mercúrio e selênio na forma iônica (Almeida et al. 2024). Os tubos digestores foram em seguida transferidos para bloco digestor, com aquecimento constante a 110oC até a completa mineralização da matéria orgânica (solução levemente púrpura). Após o término do processo de mineralização das amostras, 500 uL de peróxido de hidrogênio (Merck) a 30% (m/m), para reduzir o permanganato presente nos extratos (cor levemente púrpura) para dióxido de manganês (cor levemente amarela). Em seguida, o volume dos extratos ácidos foram ajustados para 5 mL, com água ultrapura (com resistividade igual a 18,2 MΏ.cm) em frascos aferidos com precisão de ±0,01 mL (Almeida et al., 2024). Determinação de mercúrio e selênio 10 As determinações de mercúrio e selênio total nos extratos obtidos no processo de mineralização das amostras de tecido muscular foram feitas por espectrometria de absorção atômica em forno de grafite (GFAAS), conforme procedimento estabelecido por Silva et al. (2007), Queiroz et al. (2018) e Moraes et al. (2013). No caso, foi feita a otimização da combinação de tungstato de sódio 0,10 mol L-1 (Merck), modificador químico permanente, com solução 0,10 mol L-1 de cloreto de zircônio (J. T. Baker), modificador químico coinjetado junto com a amostra e/ou padrões utilizando o amostrador automático do espectrômetro. Nas determinações foi utilizado espectrômetro de absorção atômica SHIMADZU AA-6800, equipado com corretor de background utilizando sistema self-reverse (SR) e uma lâmpada de deutério. Tubo de grafite pirolítico, com plataforma integrada, e o amostrador automático AS6100 também fazem parte do sistema GFAAS. Para garantir a robustez dos resultados obtidos, todas as determinações foram validadas por meio da análise de materiais de referência certificados DORM 4 do National Research Council of Canada (NRC) (Santiago et al., 2023; Almeida et al., 2024). Resultados e discussões Determinações de mercúrio e selênio nas amostras de tecido muscular de Cichla ssp (Tucunaré) As determinações de mercúrio e selênio total foram feitas após mineralização ácido em meio oxidante para manter tanto mercúrio quanto selênio na forma iônica. Os resultados obtidos estão sumarizados na Tabela 1. Tabela 1. Concentração de mercúrio e selênio total em amostras de tecido muscular de Cichla ssp (Tucunaré). Identificação (Indivíduo/NRC) Concentração - Hg (µg kg-1) Concentração – Se (µg kg-1) RN34 69,50±1,170 140,0±2,380 RN35 68,50±1,160 141,0±2,540 RN36 68,00±1,160 141,5±2,400 RN37 70,00±1,190 142,5±2,420 RN89 70,50±1,200 143,0±2,432 11 RN90 71,00±1,200 146,0±2,475 RN91 69,50±1,174 144,0±2,440 RN92 69,00±1,170 144,5±2,447 RN93 70,00±1,190 143,0±2,432 RN102 68,00±1,160 142,0±2,404 DORM-4 397,7±7,283 3.478±65,74 Concentração: DORM-4 (Valor Certificado - µg kg-1): CHg = 410±55; CSe = 3.560±340 Os resultados apresentados na Tabela 1 mostram que as concentrações de mercúrio e selênio apresentaram valores médios de 69,40±1,022 µg kg-1 (concentrações na faixa de 68,00 – 71,00 µg kg-1) e 142,7±1,720 µg kg-1 (concentrações na faixa de 140,00 – 144,5 µg kg-1), respectivamente. Observa-se que os valores obtidos estão bem próximos considerando as amostras dos 10 indivíduos analisadas. O tamanho médio dos peixes ficaram na faixa de 30,5±1,22 cm e peso médio de 700±6 g, valores de biometria muito próximos, o que corrobora com a proximidade dos valores de mercúrio e selênio total determinados. A validação dos resultados utilizando análise do mercúrio e selênio no material certifica (NRC) DORM-4, confirmaram a exatidão e precisão do método de análise. Os valores experimentais determinados em relação ao NRC (397,7±7,823 µg kg- 1 – Hg e 3.478±65,74 µg kg-1 – Se), apresentaram porcentagem de recuperação de 97% em relação ao valor certificado (410±55 µg kg-1 – Hg e 3.560±340 µg kg-1 – Se), comprovando assim, a robustez do método de determinação (Silva et al., 2007; Moraes et al., 2013). Determinações de mercúrio e selênio nas amostras de tecido muscular de Mylossoma spp (Pacu) Os resultados obtidos em relação às determinações de mercúrio e selênio nas amostras de tecido muscular de Mylossoma spp (Pacu) estão sumarizados na Tabela 2. Tabela 2. Concentração de mercúrio e selênio total em amostras de tecido muscular de Mylossoma spp (Pacu). Identificação (Indivíduo/NRC) Concentração - Hg (µg kg-1) Concentração – Se (µg kg-1) RN38 28,00±0,4811 65,55±1,117 RN39 28,50±0,4821 66,50±1,131 12 RN40 28,00±0,478 67,50±1,146 RN41 29,00±0,495 65,00±1,103 RN42 29,00±0,506 68,50±1,160 DORM-4 398,1±7,186 3.481±61,53 Concentração: DORM-4 (Valor Certificado- µg kg-1): CHg = 410±55; CSe = 3.560±340 Observa-se que o perfil dos resultados apresentados na Tabela 2 é semelhante aos resultados obtidos para a espécie predadora (Tucunaré). O valores médios obtidos nas determinações do mercúrio e selênio, considerando os cinco indivíduos foram 28,50±0,500 µg kg-1 e 66,60±1,422 µg kg-1, respectivamente. Os resultados da biometria dos indivíduos apresentaram na faixa de 15,5±0,46 cm (tamanho) e 390±11 g (peso), valores estes que também corroboram com a proximidade das concentrações de mercúrio e selênio total determinadas nos cinco indivíduos da espécie Mylossoma spp (Pacu). Os resultados das determinações de mercúrio e selênio no NCR DOR-4, apresentaram porcentagem de recuperação de menor que 3% (valores determinados: 398,1±7,186 µg kg-1 – Hg e 3.481±61,53 µg kg-1 – Se; valores certificados: 410±55 µg kg-1 – Hg e 3.560±340 µg kg-1 – Se), atestado a exatidão e precisão dos resultados obtidos em relação à espécie Mylossoma spp (Vieira et al., 2020). Relação Hg:Se nas amostras de tecido muscular de Cichla ssp e Mylossoma spp Os resultados apresentados nas Tabelas 1 e 2 mostram que a espécie Cichla ssp (Tucunaré) apresenta maior bioacumulação de mercúrio e selênio em relação à espécie Mylossoma spp (Pacu). Esse comportamento é esperado, considerando o processo de magnificação trófica. No caso, a espécie Cichla ssp por pertencer a um nível trófico acima da espécie Mylossoma spp apresenta maior tendência em acumular tanto o mercúrio como o selênio em seu organismo (Bittarello et al., 2019). Com os dados das concentrações de mercúrio e selênio determinada para ambas as espécies de peixes, pode-se calcular as razões molares Hg:Se e Se:Hg. Nas Tabelas 3 e 4 estão sumarizados os resultados obtidos nos cálculos das razões molares do mercúrio e selênio para as espécies Cichla ssp e Mylossoma spp. Tabela 3. Relação entre as razões molares médias de Hg e Se nas amostras de tecido muscular de Cichla ssp (Tucunaré). 13 Identificação (Indivíduos) Razão Molar Hg:Se Razão Molar Se:Hg RN34 0,202 5,10 RN35 0,191 5,32 RN36 0,192 5,26 RN37 0,190 5,14 RN89 0,193 5,17 RN90 0,194 5,28 RN91 0,192 5,23 RN92 0,191 5,38 RN93 0,193 5,17 RN102 0,189 5,30 Tabela 4. Relação entre as razões molares médias de Hg e Se nas amostras de tecido muscular de Mylossoma spp (Pacu). Identificação (Indivíduos) Razão Molar Hg:Se Razão Molar Se:Hg RN38 0,168 5,93 RN39 0,169 5,93 RN40 0,165 6,10 RN41 0,183 5,47 RN42 0,170 6,00 Com base nos resultados sumarizados nas tabelas 2 e 3, pode-se observar que a razão molar Se:Hg apresentam valores maiores entre os indivíduos de ambas as espécies, comparados ao valores da razão molar Hg:Se. Sabe-se que termodinamicamente existe uma alta afinidade entre as espécies mercuriais - ácidos moles e as espécies químicas do selênio (R-Se-R; R-SH; R-Sn-) - bases moles (Person, 1963). As espécies mercuriais podem formar complexos altamente estáveis com espécies químicas do selênio, sendo que formação da ligação Se-Hg apresente constante (K) = 1045, superior a ligação Hg-S, apresenta constante (K) = 1039 (Ralston & Raymond, 2018). Os resultados apresentados nas Tabelas 1 – 4, mostram uma correlação positiva entre a concentração de mercúrio total com a concentração de selênio total, formando possivelmente complexos inertes, o que pode explicar o efeito mitigador do selênio em relação a toxicidade do mercúrio, nas duas espécies de peixes estudadas. O efeito protetivo do selênio em relação à toxicidade do mercúrio, pode 14 ainda ser evidenciado calculando-se os valores de Se para benefícios da saúde - Se HBVs (Lino et al., 2019). Com base nos resultados médios das razões molares Hg:Se (0,193±0,004 – Tucunaré; 0,171±0,006 – Pacu) e Se:Hg (5,24±0.09 – Tucunaré; 5,90±0,24 – Pacu), calculou-se valores médios das Se HBVs para as espécies Cichla ssp e Mylossoma spp, utilizando a equação 1 (Kaneko & Ralston, 2007): Eq. (1) - Se HBVs = Se/Hg x CSe – Hg/Se x CHg (CSe média – CHg média; µmol kg-1) Os resultados médios dos valores das Se HBVs para as espécies Cichla ssp e Mylossoma spp, foram os seguintes (respectivamente): Tucunaré – 10,64±0,1830; Pacu – 4,960±0,08330. Observa-se que os valores médios de Se para benefícios da saúde - Se HBVs, apresentam valores superiores a 10 para a espécie Cichla ssp (predadora) e de 4 para a espécie Mylossoma spp (não predadora). Os valores médios de Se HBVs podem indicar que ambas as espécies tem concentrações de Se, na forma de base mole, suficientes para formar ligações com as espécies mercuriais (ácidos moles) presente nas amostras de tecido muscular analisadas (Pearson et al., 1963). Os dados reportados no presente trabalho permitem, inferir a princípio, que as concentrações das espécies de Se determinadas nas amostras de tecido muscular das Cichla ssp (Tucunaré) e da espécie Mylossoma spp (Pacu) podem mitigar os efeitos tóxicos das espécies mercuriais no organismo de ambos os peixes, isso porque valores positivos de Se HBVs indicam concentrações de mercúrio com baixos riscos à saúde de organismos expostos a esse xenobiótico (Kaneko & Ralston, 2007; Burger et al., 2013; Lino et al., 2019). A compreensão mais detalhada dos mecanismo de que envolvem a ligação Hg:Se processos é fundamental para o desenvolvimento de estratégias de mitigação dos riscos associados à contaminação por mercúrio nos ecossistemas aquáticos. No entanto, a ingestão de selênio por organismos de animais e/u humanos, deve atender ao limite que neutralize ou elimina os efeitos toxicológicos do mercúrio (Lino et al., 2019). Assim, a ingestão de selênio pelos peixes Amazônicos, possivelmente por meio de alimentos como castanhas e outras oleaginosas, bastante presente na flora da Amazônia, parece oferecer proteção contra os efeitos do mercúrio. Conclusão 15 As determinações de mercúrio e selênio total no tecido muscular dos peixes Cichla ssp (Tucunaré) e da espécie Mylossoma spp (Pacu) indicaram, como esperado, o processo de biomagnificação em relação ao nível trófico dos peixes. No caso, as espécie Cichla ssp por ser predadora, bioacumulou maiores concentrações de mercúrio e selênio. Observou-se, a princípio e com base nos valores médios positivos de Se para benefícios da saúde (Se HBVs), que ambas as espécies de peixes apresentam em seus organismos estoque de selênio necessário para mitigar os efeitos deletérios do mercúrio. Destaca-se, que a espécie Mylossoma spp não carnívora, por apresentar menores concentrações de mercúrio e Se HBVs positivos, deve ser preferencialmente consumida pelas população tradicional da Amazônia, como parte de uma dieta proteica mais saudável. Contribuições dos Autores: Raul Fernandes Camargo Filha: Metodologia, Investigação, Análise formal, Redação; Victor Diego Faria: Metodologia, Análise formal, Visualização; Rebeca Orrantia Corcoba: Análise formal, Visualização; José Cavalcante Sousa Vieira: Conceituação, Metodologia, Investigação; Pedro de Magalhães Padilha: Metodologia, Captação de financiamento, Supervisão e Revisão. Financiamento: Os autores agradecem às seguintes agências brasileiras de fomento à pesquisa pelo apoio financeiro: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP, Processos: 2017/09466-3 e 2019/02538-4 (Pedro de Magalhães Padilha); Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, Processos: 408179/2022, 306440/2022-9, 30478/2018-9 e 404485/2016-2 (Pedro de Magalhães Padilha); CAPES-Impressão AUXPE-Processo: 88881.3107432018-0.1 (Pedro de Magalhães Padilha); Financiadora de Estudos e Projetos – FINEP, Processo: 0282/19 (Pedro de Magalhães Padilha). Disponibilidade de dados e materiais: Todos os dados brutos serão disponibilizados mediante solicitação. Declarações 16 Aprovação ética: Os protocolos utilizados neste estudo foram aprovados pelo Comitê de Ética em Animais Experimentais de São Universidade Estadual Paulista (UNESP), Botucatu, São Paulo, sob protocolo CEUA n° 326/2023. Consentimento de participação: Não aplicável. Consentimento para publicação: Não aplicável. Conflito de interesses: Os autores declaram não haver conflito de interesses. Referências bibliográficas Almeida, E. C., Faria, V. D., Cirinêu, F. D., et al. (2024). Metalloproteomic Investigation of Hg-Binding Proteins in Renal Tissue of Rats Exposed to Mercury Chloride. Int. J. Mol. Sci. 2024, 25, 164. https://doi.org/10.3390/ijms25010164 Berry, M. J, & Ralston, N. V. (2001). Mercury toxicity and the mitigating role of selenium. Ecohealth. 5(4), 456-9. DOI: 10.1007/s10393-008-0204-y. Bittarello, A. C., Vieira, J. C. S., Braga, C. P., et al. (2019). Characterization of molecular biomarkers of mercury exposure to muscle tissue of Plagioscion squamosissimus and Colossoma macropomum from the Amazon region. Food Chemistry, 276, 247–254. https://doi.org/10.1016/j.foodchem.2018.10.002 Burger, J., Jeitner, C., Donio, M., T. et al. (2013). 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