1 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA – UNESP Faculdade de Ciências e Letras - Campus de Araraquara FRANCIELE POIANO BERGAMIN CRENÇAS LINGUÍSTICAS E (RE)CONHECIMENTO DA VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NA ESCOLA: um estudo com alunos do 9° ano do ensino fundamental Araraquara 2024 2 FRANCIELE POIANO BERGAMIN CRENÇAS LINGUÍSTICAS E (RE)CONHECIMENTO DA VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NA ESCOLA: um estudo com alunos do 9° ano do ensino fundamental Dissertação de Mestrado apresentada à Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências e Letras, Araraquara, para obtenção do título de Mestre em Linguística e Língua Portuguesa. Área de Concentração: Análise fonológica, morfossintática, semântica e pragmática. Orientador(a): Prof.ª. Dr.ª. Juliana Bertucci Barbosa Araraquara 2024 3 4 IMPACTO POTENCIAL DESTA PESQUISA Os estudos sobre crenças e avaliações linguísticas tem um impacto expressivo no ensino de língua portuguesa na Educação Básica. Estudos como o realizado nesta dissertação permitem que educadores, incluindo a própria mestranda, compreendam o contexto sociocultural dos discentes da Educação Básica e consideram a necessidade de ser sensível a variedade do aluno e às características culturais e necessidades de cada grupo social. Além disso, também permitem a identificação de quais variedades são consideradas prestigiadas e quais são estigmatizadas, possibilitando a conscientização sobre preconceito linguístico e o planejamento de atividades que promovam o respeito linguístico em sala de aula. Além disso, esta pesquisa contribui para o mapeamento das crenças e avaliações linguísticas de alunos da Educação Básica, especificamente do interior do estado de São Paulo. Sendo assim, é aderente a alguns dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), uma coleção de 17 metas globais estabelecidas pela Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), intitulada “agenda 2030”, atingindo principalmente os objetivos número quatro e dez que se referem à, respectivamente, “educação de qualidade” e “redução de desigualdades”. POTENCIAL IMPACTO OF THIS RESEARCH Studies on opinion and linguistic assessments have a significant impact on the teaching of the Portuguese language in Basic Education. Studies such as the one carried out in this dissertation allow educators, including the master's student herself, to understand the sociocultural context of Basic Education students and consider the need to be sensitive to the variety of students and the cultural characteristics and needs of each social group. Furthermore, it also allows the identification of which varieties are considered prestigious and which are stigmatized, making it possible to raise awareness about linguistic prejudice and plan activities that promote linguistic respect in the classroom. Furthermore, this research contributes to the mapping of families and linguistic assessments of basic education students, specifically from the interior of the state of São Paulo. Therefore, it adheres to some of the Sustainable Development Goals (SDGs), a collection of 17 global goals and policies by the United Nations General Assembly (UN), entitled “agenda 2030”, mainly achieving objectives 5 number four and ten that are refer to, respectively, “quality education” and “reducing inequalities”. 6 FRANCIELE POIANO BERGAMIN CRENÇAS LINGUÍSTICAS E (RE)CONHECIMENTO DA VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NA ESCOLA: um estudo com alunos do 9° ano do ensino fundamental Dissertação apresentada à Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências e Letras, Araraquara -SP, para obtenção do título de Mestre em Linguística e Língua Portuguesa. Área de Concentração: Análise fonológica, morfossintática, semântica e pragmática Data da defesa: 14/05/2024 Banca Examinadora: ______________________________________ Prof.ª. Dr.ª. Juliana Bertucci Barbosa UNESP – Faculdade de Ciências e Letras - Araraquara / UFTM ______________________________________ Prof.ª. Dr.ª. Talita de Cássia Marine Universidade Federal de Uberlândia - UFU ______________________________________ Prof.ª. Dr.ª. Joyce Elaine de Almeida Universidade Estadual de Londrina - UEL ______________________________________ Prof.ª. Dr.ª. Rosane de Andrade Berlinck Universidade Estadual Paulista – UNESP/FCLAR ______________________________________ Prof. Dr. Marcus Garcia de Sene Universidade de Pernambuco - UPE 7 RESUMO A Sociolinguística Educacional tem contribuído para (re)pensar o ensino de língua, no Brasil, principalmente, a portuguesa. Além disso, conceitos oriundos dessa área, como a de língua variável, já podem ser observados em documentos oficiais do governo brasileiro norteadores do ensino de língua portuguesa, como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) de 1997, 1998 e, mais recentemente, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), 2017, que estabelecem diretrizes gerais para um ensino de língua portuguesa que considere seu caráter variacional. Apesar disso, ações concretas de ensino de língua portuguesa pautadas na teoria variacionista nem sempre chegam de forma efetiva à sala de aula. Considerando tal cenário, este trabalho tem por objetivo investigar as crenças e avaliações linguísticas de alunos do 9º ano do ensino fundamental de uma escola da rede pública da cidade de Lençóis Paulista, São Paulo. Para a investigação proposta, este estudo baseou-se em duas perguntas norteadoras: (i) o que os alunos entendem por variação linguística? Quais suas crenças sobre língua?, (ii) como eles avaliam variedades do português brasileiro? Seguindo os pressupostos teóricos da Sociolinguística (Labov, 2008 [1972]) e da Sociolinguística Educacional e estudos sobre crenças/avaliações/atitudes linguísticas (Cyranka, 2016; Bortoni-Ricardo, 2005; Botassini, 2015; Zilles, Faraco, 2015; Faraco, 2007; Marine, Barbosa 2016, 2017; Baronas, Marques, Semczuk, 2019, entre outros), as investigações partem da hipótese de que os alunos acreditam que alguns traços linguísticos do PB são “errados” e “esquisitos” enquanto outros são “certos” e “mais bonitos”. Para isso, utilizou-se um teste de crenças e avaliações linguísticas e um questionário (para entrevista semiestruturada) aplicados aos participantes da pesquisa – alunos de 9° ano de uma escola pública de Lençóis Paulista – no espaço da escola. Os resultados obtidos evidenciam que os alunos ainda têm alguns equívocos em relação ao conceito de variação linguística, apesar de já “terem ouvido falar”; acreditam que a maioria das pessoas não sabem português (inclusive eles mesmos) e que é difícil aprender a própria língua; julgam a classe social de uma pessoa pela maneira de falar e a maioria reconhece a existência do preconceito linguístico. Além disso, a partir de tais resultados, apresenta 3 ações didáticas para um ensino sociolinguístico de língua portuguesa na Educação Básica visando o fomento ao respeito linguístico e ao reconhecimento das variedades do português presentes no Brasil. Palavras-chave: variação linguística; crenças e avaliações linguísticas; ensino fundamental. 8 ABSTRACT Educational Sociolinguists has contributed to (re)thinking language teaching in Brazil, mainly the Portuguese language. Moreover, concepts arising from this area, such as that of variable language, can already be observed in official Brazilian government documents guiding the Portuguese language teaching process, like the PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais (National Curricular Parameters) from 1997-1998 and, more recently, the BNCC – Base Nacional Comum Curricular (National Common Curricular Base) from 2017, which establish general guidelines for teaching Portuguese taking into account its language variation patterns. Despite all this, concrete Portuguese language teaching actions based on sociolinguistic patterns hardly ever reach the classroom effectively. Considering this scenario, this work aims to investigate the beliefs and linguistic assessments of students enrolled in the 9th grade (Middle School) at a public school in the city of Lençóis Paulista, São Paulo. For the investigation, this study was based on two guiding questions: (i) What do students understand by linguistic variation? What are their beliefs about language?, (ii) How do they evaluate varieties of Brazilian Portuguese? Following the theoretical assumptions of Sociolinguistics (Labov, 2008 [1972]), Educational Sociolinguistics and studies on linguistic beliefs/assessments/attitudes (Cyranka, 2016; Bortoni-Ricardo, 2005; Botassini, 2015; Zilles,Faraco, 2015; Faraco, 2007; Marine, Barbosa, 2016, 2017; Baronas, Marques, Semczuk, 2019, among others), the investigations are based on the hypothesis that students believe that some linguistic features of Brazilian Portuguese are “wrong” and “weird” whereas others are “right” and “more beautiful”. For this purpose, a test of beliefs, linguistic assessments and a questionnaire (for a semi-structured interview) were applied to research participants in the school setting. The data gathered show that students still have misunderstandings regarding the concepts of linguistic variation, despite having already “heard about it”; they believe that most people do not know Portuguese (including themselves) and that it is difficult to learn their own language; they judge a person’s social class by the way they speak and most recognize the existence of linguistic prejudice. Furthermore, considering the results, the study presents three didactic actions for the sociolinguistic teaching of the Portuguese language in basic education, aiming to promote linguistic respect and recognition of the varieties of Portuguese present in Brazil. Key Words: linguistic variation; linguistic beliefs and assessments; middle school. 9 LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Localização de Lençóis Paulista em São Paulo 34 Figura 2 – Distância entre a escola e o centro da cidade 35 Figura 3 – Exemplo da segunda parte do teste de crenças 37 Figura 4 – Tirinha apresentada na terceira parte do teste 38 Figura 5 – Tirinha apresentada na terceira parte do teste 39 Figura 6 – Exemplo da primeira parte do questionário 39 Figura 7 – Exemplo da segunda parte do questionário 40 Figura 8 – Nuvem de palavras associada à profissão do responsável legal do sexo masculino 44 Figura 9 – Nuvem de palavras associada à profissão do responsável legal do sexo feminino 45 10 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 – Quantidade de alunos que moram em Lençóis Paulista desde que nasceram 42 Gráfico 2 – Escolaridade dos responsáveis legais 44 Gráfico 3 – Respostas das afirmações 1 e 4 do teste de crenças 46 Gráfico 4 – Respostas das afirmações 2 e 3 do teste de crenças 48 Gráfico 5 – Respostas das afirmações 5 e 7 do teste de crenças 49 Gráfico 6 – Resposta da afirmação 6 do teste de crenças 50 Gráfico 7 – Respostas das afirmações 8 e 9 do teste de crenças 51 11 LISTA DE QUADROS Quadro 1 Campo de conhecimento referente a variação linguística 24 12 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS BNCC Base Nacional Comum Curricular PB Português Brasileiro PCN Parâmetros Curriculares Nacionais 13 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO.......................................................................................12 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA.............................................................17 2.1 A sociolinguística laboviana e o signficado social das formas variantes17 2.1.2 A Sociolinguística Educacional e os documentos norteadores de Ensino............................................................................................................. ............20 2.3 Crenças e avaliações linguísticas...........................................................26 2.3.1 Alguns estudos sobre crenças e avaliações linguísticas.........................29 3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS...............................................34 3.1 Contextualização da escola e perfil dos informantes ............................ 34 3.2 O teste e sua aplicação...........................................................................36 3.3 Ferramentas e critérios de análise..........................................................41 4 ANÁLISE DOS DADOS ....................................................................... 42 4.1 Resultados do instrumento 1: a primeira parte do teste de crenças e avaliações linguísticas (perfil social dos informantes)................................................42 4.2 Resultados do instrumento 1: a segunda parte do teste de crenças e avaliações linguísticas (afirmações sobre a língua)...................................................46 4.3 Resultados do instrumento 1: a terceira parte do teste de crenças e avaliações linguísticas (fragmentos do PB)................................................................52 4.4 Resultados do instrumento 2:a primeira parte do questionário (perguntas abertas sobre o (re)conhecimento de sua própria variedade)....................................61 4.5 Resultados do instrumento 2: a segunda parte do questionário (perguntas abertas sobre o (re)conhecimento da variação linguística e da fala do outro)...........66 4.6 Ações didáticas para um ensino sociolinguístico de Língua Portuguesa....72 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................77 REFERÊNCIAS .................................................................................... 80 APÊNDICE ........................................................................................... 83 APÊNDICE A – TESTE DE CRENÇAS E AVALIAÇÕES LINGUÍSTICAS ............................................................................................................. 84 APÊNDICE B – QUESTIONÁRIO.......................................................... 88 12 1 INTRODUÇÃO A Sociolinguística tem um extenso leque de possibilidades de investigações (descrições de línguas, políticas linguísticas, avaliação, percepção etc.) e relações interdisciplinares, sendo que, principalmente, a partir dos anos 90, no Brasil, vem contribuindo para reflexões referentes ao ensino da língua. Em correntes teóricas anteriores, aspectos sociais como gênero, classe social, etnia, idade, entre outros, praticamente não faziam parte do foco dos estudos da linguística tradicional, no entanto, a Sociolinguística se estabelece como uma das áreas da Linguística que vem preencher essa lacuna, passando a investigar a relação existente entre a língua, seus usos e a sociedade. Foi Willian Labov que, na década de 60, realizou estudos pioneiros no campo da Sociolinguística, evidenciando que as pessoas usam a língua de maneira distinta dependendo do status e contexto social. Um de seus trabalhos mais conhecidos é a investigação dos padrões sociais na mudança linguística na ilha de Martha’s Vineyard, localizada no município de Dukes, em Massachusetts (Labov, 2008 [1972]). Em paralelo ao desenvolvimento da Sociolinguística descritiva no Brasil, consolidou-se um campo de estudo influente na área educacional. Ao analisarmos documentos oficiais norteadores do ensino de língua na Educação Básica do Brasil, principalmente os publicados a partir da década de 1990, podemos observar o quanto são atravessados por pressupostos da Sociolinguística, como o próprio conceito de língua variável. Seguindo essa perspectiva, a Sociolinguística Educacional, no Brasil, nomeada por Bortoni-Ricardo (2005), começa a ganhar espaço, buscando demonstrar a realidade linguística brasileira. Além disso, a Sociolinguística Educacional também investiga questões de política linguística e práticas pedagógicas, nesse contexto, percebemos quanto essa área de estudo tem desempenhado um papel relevante na promoção de equidade educacional. Nessa busca da promoção de equidade no campo da educação, a Sociolinguística Educacional passou a contribuir nas reflexões sobre língua(s) nos ambientes educacionais e fomentar a valorização da diversidade linguística que sejam culturalmente sensíveis. Entretanto, a concepção de ensino pautada pelo estudo da variação não chega de forma efetiva à sala de aula (Marine, Barbosa, 13 2016) sendo muito negligenciada, mesmo com novas propostas teórico- metodológicas que apontam para essa necessidade. O contato da mestranda desta dissertação com alunos da Educação Básica, de escolas públicas e privadas, dos anos finais do ensino fundamental e ensino médio, motivou a realização desta pesquisa, pois os estudantes apresentavam, em aulas de língua portuguesa, crenças bastante questionáveis sobre a língua. Tais crenças são reflexos de um ensino focado na tradição gramatical e que pouco promove reflexões sobre o funcionamento da língua. O desempenho linguístico dos alunos fica comprometido quando crenças equivocadas sobre língua e cultura são reproduzidas, pois podem perpetuar estereótipos e preconceitos relacionados a grupos linguísticos minoritários, afetando a autoestima e o senso de pertencimento. Assim, as questões que motivaram a realização desta pesquisa são: a) O que alunos do 9° ano de uma escola pública da cidade de Lençóis Paulista entendem por variação linguística? Quais suas crenças sobre língua?; b) Como alunos do 9° ano de uma escola pública da cidade de Lençóis Paulista avaliam variedades do português brasileiro? Partindo, principalmente, desses questionamentos, temos como objetivo geral investigar as crenças e as avaliações linguísticas de alunos do 9° ano de uma escola pública da cidade de Lençóis Paulista, Estado de São Paulo. E como objetivos específicos, identificar e refletir sobre: a) o que os alunos do 9° ano participantes da pesquisa sabem/conceituam/acreditam sobre língua e variação; b) o que compreendem e avaliam sobre as variedades linguísticas do português brasileiro. A escolha pelo local de pesquisa (Lençóis Paulista) justifica-se por ser o lugar de atuação profissional da mestranda. Já o ano escolar se deu pelo fato do 9° ano ser o fim de um ciclo da Educação Básica e de que, Nos Anos Finais do Ensino Fundamental, o adolescente/jovem participa com maior criticidade de situações comunicativas diversificadas, interagindo com um número de interlocutores cada vez mais amplo [...] A continuidade da formação para a autonomia se fortalece nessa etapa, na qual os jovens assumem maior protagonismo em práticas de linguagem realizadas dentro e fora da escola. (Brasil, 2017, p. 136) 14 A escola foi o locus escolhido para realização desta pesquisa, pois é uma instituição de grande influência e poder social. Além disso, é fundamental compreender os desafios enfrentados em contexto escolar, pois identificando lacunas educacionais é que se consegue propor intervenções eficazes. Cabe lembrar que a escola é um dos lugares de (des)construção de crenças sobre a língua, por isso, conhecer o que pensam os membros da comunidade escolar é relevante. Portanto, as nossas investigações partem da hipótese de que os alunos acreditam que alguns traços linguísticos do PB são “errados” e “esquisitos” enquanto outros são “certos” e “mais bonitos” e que o preconceito linguístico ainda está presente nas escolas, tendo como hipótese que o conceito e representação dos discentes sobre variação e língua é muito tradicional. A perspectiva Sociolinguística Educacional como fundamento para pesquisar sobre a língua seria uma forma de garantir uma educação inclusiva e de qualidade, que valorize todas as variedades linguísticas materializadas pelos alunos em suas falas e textos (escolarmente interpretadas como “erros”), promovendo oportunidades de aprendizagem ao longo da vida aos alunos. Botassini (2015), nesse contexto, afirma o quanto as pesquisas envolvendo crenças linguísticas são importantes, pois podem identificar as ações que guiam o comportamento dos indivíduos em relação a própria fala e a fala do outro. Além disso, contribui com uma discussão mais ampla sobre fatores que causam mudanças ou manutenção de dialetos. As pesquisas que envolvem o conhecimento da língua são extremamente relevantes, pois permitem contribuir com uma sociedade mais justa, igualitária e linguisticamente libertadora. Como afirma Cyranka (2007, p.60), Numa sociedade em que o acesso aos bens culturais exige o domínio de uma só variedade lingüística, a da classe dominante, a língua deixa de ser apenas instrumento de interação e ação sobre a realidade para ser também um instrumento de exclusão social. Como forma de organizar o nosso trabalho, estruturamos esta dissertação com a Introdução, seção na qual é apresentada a temática deste trabalho, os objetivos, a justificativa, as perguntadas norteadoras, as hipóteses e a metodologia. Na seção Fundamentação Teórica, dividimos de acordo com as temáticas abordadas neste trabalho. Abrimos com a subseção A Sociolinguística Laboviana e o significado social das formas variantes na qual apresentamos um panorama 15 desta subárea da Linguística e fundamentamos a Sociolinguística que utilizamos, além de seus principais pressupostos como a língua como sistema heterogêneo e o valor social das variedades. Na subseção A Sociolinguística Educacional e a relação com os documentos norteadores do ensino de língua, apresentamos um histórico dessa subárea da Sociolinguística e o tratamento da variação nos principais documentos educacionais brasileiros. Na subseção Crenças e Avaliações Linguísticas, apresentamos os principais conceitos utilizados neste trabalho. E na subseção Alguns estudos sobre crenças e avaliações linguísticas no ensino de língua portuguesa descrevemos alguns resultados de trabalhos realizados sobre essa temática ora como foco os discentes de Educação Básica ora junto aos professores da Educação Básica. Após apresentarmos a fundamentação teórica, tratamos dos Procedimentos Metodológicos detalhando nosso corpus de análise e os principais instrumentos de pesquisa utilizados. Na subseção Contextualização da escola e perfil dos informantes, apresentamos os informantes participantes da pesquisa, um breve histórico da cidade de Lençóis Paulista e o perfil da escola locus desta pesquisa. Na subseção O teste e sua aplicação, explicitamos a elaboração dos instrumentos de pesquisa e descrevemos como foi sua aplicação. Na subseção Ferramentas e critérios de análise, apresentamos os procedimentos utilizados na análise dos dados obtidos. Na seção Análise dos Dados, analisamos os resultados obtidos no teste de crenças e avaliações linguísticas. Na subseção Resultados do instrumento 1: primeira parte do teste de crenças e avaliações linguísticas (perfil social dos informantes), apresentamos os dados relacionados ao perfil social dos participantes da pesquisa. Nas subseções Resultados do instrumento 1: a segunda parte do teste de crenças e avaliações linguísticas (afirmações sobre a língua) e Resultados do instrumento 1: a terceira parte do teste de crenças e avaliações linguísticas (fragmentos do PB), apresentamos os dados coletados seguido da análise quanti-qualitativa. Nas subseções Resultados do instrumento 2: a primeira parte do questionário (perguntas abertas sobre o (re)conhecimento de sua própria variedade) e Resultados do instrumento 2: a segunda parte do questionário (perguntas abertas sobre o (re)conhecimento da variação linguística e da fala do outro) apresentamos os dados coletados seguido da análise quanti-qualitativa. 16 Ao final desta seção, considerando os resultados encontrados, apresentamos três ações didáticas para um ensino sociolinguístico de língua portuguesa para permearem propostas didáticas a serem realizadas em sala de aula da Educação Básica visando o fomento ao respeito linguístico e ao reconhecimento das variedades do português presentes no Brasil. Por fim, na seção Considerações Finais, sintetizamos os resultados obtidos e em seguida apresentamos as referências e apêndices. Assim, com esta pesquisa, visamos evidenciar a importância do trabalho com variação linguística na escola. Sabemos que os discentes, ao ingressarem no ambiente escolar, trazem do seio familiar uma variedade linguística que, muitas vezes, contrasta com alguns aspectos do que se preconiza nos instrumentos normativos, que servem de base ao ensino de gramática que normalmente lhes é apresentado. Além disso, ao longo da Educação Básica, esses estudantes vão tendo contato com textos escritos representativos da cultura de letramento escrito, inclusive de outras sincronias de maneira que acabam tendo de lidar com estruturas linguísticas que lhes parecem estranhas. Por isso, o professor deve ter uma abordagem sensível à variação. Buscamos contribuir com essas reflexões. 17 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Nesta seção, apresentamos os principais referenciais teóricos adotados nesta pesquisa. Assim, descrevemos a Sociolinguística adotada, alguns dos pressupostos da Sociolinguística Educacional e suas contribuições para o ensino de língua portuguesa e noções fundamentais sobre crenças e avaliações linguísticas. 2.1 A Sociolinguística Laboviana e o significado social das formas variantes A história da Sociolinguística remonta ao século XX, até então, predominavam os estudos linguísticos focados na análise formal e estrutural da língua. Esses estudos, muitas vezes, eram realizados de maneira isolada, sem levar em consideração o contexto em que as línguas eram usadas. Até então, o lado social da língua não era negado, mas desconsiderado em questões teórico- metodológicas na ciência da linguagem. No início do século XX, Saussure, marco da corrente linguística denominada estruturalismo, rompe com a tradição de estudos históricos e comparativos vigente no século anterior e delimita, como objeto de estudo da Linguística, a língua (langue) tomada em si mesma [...] formando uma estrutura autônoma, desvinculada de fatores externos sociais e históricos. [...] Nos Estados Unidos [...] gerativismo fundado por Noam Chomsky. Para essa corrente, uma língua é um sistema abstrato de regras para a formação de sentenças, derivado do estado inicial da faculdade da linguagem, um componente inato à espécie humana. (Coelho et al, 2021, p. 56). Tais estudos, focados na forma e estrutura da língua, consideravam a língua como sistema homogêneo, pois era analisada em si mesma, desconsiderando fatores externos. Portanto, nesse período, a Sociolinguística trouxe uma mudança significativa para o campo dos estudos linguísticos ao reconhecer a relação entre língua e sociedade. Os anos 1970 vão constituir uma virada. Vemos, a partir de então, serem publicadas revistas ou coletâneas de artigos referindo-se explicitamente à sociolinguística, que adquire mais e mais importância e vem deslocar posições consideradas definitivas [...] um indicador irrefutável de mudança: a luta por uma ‘concepção social da língua’ está em vias de se concretizar. (Calvet, 2018, p. 25 – 26). Um marco para os estudos Sociolinguísticos é a publicação da obra pioneira do linguista Willian Labov, Sociolinguistic Patterns (1972), em português brasileiro Padrões Sociolinguísticos (2008 [1972]), traduzido por Marcos Bagno, com as investigações realizadas na Ilha de Martha’s Vineyard, no estado de Massachussets, 18 sobre a pronúncia dos ditongos /ay/ e /aw/. Neste estudo, Labov, entre outras questões, observou que a pronúncia diferente dos ditongos não estava na estrutura da língua, mas no contexto social dos informantes da pesquisa. Com o mesmo método utilizado nos estudos da Ilha de Martha’s Vineyard, Labov, em Nova York, realizou estudos sobre o [r] em posição pré-consonântica e final que revelaram padrões consistentes de variação linguística. Neste estudo, Labov analisou a distribuição social da língua em três lojas de departamento com diferentes status: superior, Saks Fifth Avenue; médio, Macy’s e inferior, S. Klein, e concluiu que esses padrões de variação estavam relacionados ao prestígio social, marcando, assim, o início de pesquisas sobre como a linguagem reflete e perpetua desigualdades sociais. Seus estudos ficaram conhecidos como Sociolinguística Variacionista. A Sociolinguística Variacionista considera a língua como heterogênea, ou seja, ela possui estrutura, mas também é dotada de variabilidade, característica intrínseca a todas as línguas naturais e que não compromete o funcionamento do sistema da língua nem a comunicação entre os falantes. A variação linguística pode ser entendida como “processo pelo qual duas formas podem ocorrer no mesmo contexto com o mesmo valor referencial/representacional, isto é, com o mesmo significado” (Coelho et al, 2021, p.16). Dessa forma, entende-se que existem diferentes formas de dizer a mesma coisa e essas formas podem variar de acordo com diversos fatores. Camacho (2012), sobre o caráter intrínseco da variação nas línguas naturais, afirma que a Sociolinguística tem como objeto de estudo a diversidade existente na língua, considerando determinações linguísticas e não linguísticas. Apesar de existirem diferentes formas de dizer a mesma coisa, nem sempre todas as formas são aceitas da mesma maneira. A teoria Laboviana entende que as formas variantes carregam um significado social, algumas construções linguísticas são consideradas “melhores” ou “piores”, “feias” ou “bonitas” pelo valor atribuído a elas. Ainda em concomitância com a Sociolinguística Variacionista, o uso de uma ou outra forma não está relacionado à capacidade cognitiva do falante e nenhuma variedade ou língua é inferior a outra. O valor social das variantes contribui para a manutenção do preconceito linguístico, quando uma das formas escolhida se distancia do que é considerado padrão, ocorre um julgamento, mais relacionado às questões sociais do que à 19 própria comunicação em si. Labov (2008 [1972]), formulou três categorias de significado social das formas em variação: indicadores, marcadores e estereótipos. Indicadores são traços linguísticos encaixados numa matriz social, exibindo diferenciação segundo a idade e o grupo social, mas que não exibem nenhum padrão de alternância estilística e parecem ter pouca força avaliativa [...]. Marcadores [..] exibem estratificação estilística tanto quanto estratificação social. [...] Estereótipos são formas socialmente marcadas, rotuladas enfaticamente pela sociedade. (Labov, 2008 [1972], p.360) Os indicadores apresentam pouca força avaliativa, como exemplo temos a monotongação dos ditongos /ey/ e /ow/ como em ‘manteiga/mantega’, ‘roupa’/’ropa’. Já os marcadores são traços social e estilisticamente estratificados e reproduzem uma força avaliativa maior que os indicadores, podem ser identificados em testes de avaliações linguísticas como o realizado nesta pesquisa. Alguns testes demonstram que mesmo que os falantes avaliem um determinado uso de maneira negativa, podem fazer uso deles. Um exemplo é o uso dos pronomes “tu” e “você” em algumas regiões brasileiras. Os estereótipos são traços que podem ser estigmatizados socialmente, como o rotacismo, a troca de /r/ por /l/ como em ‘chiclete’/’chicrete’. Quando perpetuamos ideias de que algumas construções são “erradas”, “esquisitas” e outras são “certas” ou “mais bonitas”, abre-se espaço para que marginalizemos ou não os falantes dessas construções. Ademais, muitas dessas formas consideradas “esquisitas” são resultados de avaliações linguísticas associado a significados sociais, principalmente as variantes do tipo “estereótipos”, como apontado no parágrafo anterior. Dessa maneira, tais julgamentos negativos sobre algumas formas linguísticas contribuem para a reprodução de estruturas de poder e exclusão, que fomentam e perpetuam a discriminação social. O preconceito linguístico aparece quando o julgamento da língua tem como alvo o falante. Os falantes têm a tendência de acreditar que não falam corretamente a sua língua, mantendo a noção de bom uso da língua, ou seja, acreditam na existência de normas melhores que outras. A crença de que a variedade popular constitua um uso desprestigiado pode conduzir o falante a julgar que não fala bem a própria língua. (Baronas, Marques, Semczuk, 2019, p. 157 - 158) Assim, fica evidente que o preconceito linguístico, aliado à discriminação social, promove a exclusão de pessoas que utilizam variantes estigmatizadas, afetando negativamente a autoestima desses falantes. A língua como sistema heterogêneo e o valor social das formas variantes são conceitos relevantes para 20 essa pesquisa, na próxima subseção exploramos como tais conceitos chegam (ou não) à sala de aula. Por fim, ao longo do tempo, a Sociolinguística passou por um processo de transformação, com períodos de diferentes abordagens e foco de pesquisa. Eckert (2012) dividiu esses estudos em três “ondas”. Sucintamente, a primeira onda surgiu na década de 1950 -1960 que focava em padrões linguísticos objetivos e quantificáveis, tendo Willian Labov como principal representante. A segunda onda desenvolveu-se na década de 1970-1980 ampliando o escopo da sociolinguística, empregando métodos etnográficos e introduzindo as ideias de crenças e atitudes linguísticas. Por fim, a terceira onda desenvolveu-se nas últimas décadas do século XX e início do século XXI, com foco na variação como sistema complexo de significados. 2.1.2 A Sociolinguística Educacional e a relação com os documentos norteadores de ensino A Sociolinguística Educacional é um campo de estudo que investiga a relação entre a linguagem e a educação. É um campo relativamente recente, a Sociolinguística passou a se voltar para as questões educacionais por volta das décadas de 1970 e 1980, porém é uma área que trouxe contribuições significativas ao ensino de língua materna na Educação Básica. Bortoni-Ricardo (2005), de maneira genérica, define a Sociolinguística Educacional como um campo de atuação que busca “contribuir para o aperfeiçoamento do processo educacional, principalmente na área do ensino de língua materna.” (Bortoni-Ricardo, 2005, p. 128). Essa área aborda questões complexas relacionadas à diversidade linguística visando um aperfeiçoamento da prática pedagógica a fim de que essa prática seja mais inclusiva e sensível ao contexto do educando. Bortoni-Ricardo (2005) propõe seis princípios essenciais para implementação dessa área. Focamos no terceiro princípio que diz respeito ao ensino das variedades e a promoção de uma pedagogia culturalmente sensível1, 1 O conceito de pedagogia culturalmente sensível (A culturally responsive pedagogy) foi proposto por Frederick Erickson (1987) [..] De acordo com Erickson, essa proposta pedagógica consiste num tipo especial de esforço, empreendido pela escola, que pode reduzir as dificuldades de comunicação entre professores e alunos, desenvolvendo assim a confiança e prevenindo a gênese de conflitos 21 Terceiro Princípio refere-se à inserção da variação sociolinguística na matriz social. No Brasil, a variação está ligada à estratificação social e a dicotomia rural-urbano. Pode-se dizer que o principal fator de variação linguística no Brasil é a secular má distribuição de bens materiais e o consequente acesso restrito da população pobre aos bens da cultura dominante. Diferentemente de outros países, como os Estados Unidos, por exemplo, a variação linguística não é um índice sociossimbólico de etnicidade, exceto nas comunidades bilingues, sejam as de colonização europeia ou asiática, sejam as dações indígenas. Nas comunidades monolingues, o ensino da língua nas escolas não tem o potencial de conflito interétnico que assume em outras sociedades, como a americana. Isto significa que o ensino da língua de prestígio na escola não é necessariamente fonte de conflito, embora possa ser fonte de discriminação das crianças falantes de variedades populares. A pesquisa tem mostrado que professores sensíveis às diferenças sociolinguísticas e culturais desenvolvem intuitivamente estratégias interacionais em sala de aula que são altamente positivas. (Bortoni-Ricardo, 2005, p.130-132) Dessa forma, a Sociolinguística Educacional propõe o reconhecimento da existência da heterogeneidade da língua e os valores sociossimbólicos que permeiam essas variedades e a valorização de todas elas como forma legítima de comunicação combatendo a discriminação de dialetos não padrão, pois leva-se em consideração que as diferentes manifestações linguísticas ocorrem a partir de diferenças sociais e culturais. Assim, valoriza o português brasileiro (PB) e a variedade dos educandos. Ademais, relacionado a isso, ao reconhecer as variedades linguísticas do português, reconhecemos que em uma língua sistematicamente coexistem, em um mesmo espaço de tempo, diferentes normas linguísticas. O papel da escola é apresentar ao aluno uma variedade da cultura letrada escrita mais monitorada que muitas vezes o aluno só terá acesso por meio da escola sem excluir as demais variedades. Aproveitamos para relembrar o que significa norma no âmbito da Linguística. Segundo Faraco (2008, p. 40), esse termo é usado “para designar os fatos de língua usuais, comuns, correntes numa determinada comunidade de fala”. Nesse sentido, norma refere-se ao conjunto de hábitos linguísticos que caracterizam o modo como normalmente as pessoas de uma comunidade fazem uso da língua, o que também inclui os fenômenos em variação. Seguindo tal perspectiva, o autor descreve norma culta como o conjunto de fenômenos linguísticos (fonológicos, morfológicos, sintáticos e lexicais) manifestados habitualmente pelos indivíduos letrados que se movem rapidamente além dos mal- entendidos, evoluindo para o confronto amargo na troca de identidades entre alunos e professores. (Bortoni-Ricardo, 2003, p.131) 22 (chamados de cultos) em situações mais monitoradas de fala e escrita. Cabe ainda esclarecer que essa norma, incluindo a culta, não é homogênea ou uniforme, e apresenta também variação. Diversas pesquisas sociolinguísticas sobre o PB têm revelado uma assimetria entre, por exemplo, as modalidades da língua (fala e escrita) e o conjunto de normas cultas em diversos fenômenos morfossintáticos, como a aplicação da regra de concordância verbal nas passivas pronominais, o emprego do pronome acusativo, a ordem dos clíticos pronominais, entre outros (Vieira; Freire, 2014). Já a chamada norma-padrão representa um ideário de regulação linguística que remonta ao passado. Na Europa de fins do século XV, com a formação dos Estados nacionais, buscou-se estabelecer um padrão linguístico que servisse de referencial àquelas sociedades marcadas por acentuadas diferenças dialetais, a fim de atender a projetos políticos de uniformização linguística como construção de identidade nacional. Para Faraco (2008), está aí a origem do conceito de norma- padrão, entendida como uma codificação relativamente abstrata, separada de um uso real, para servir de referência à uniformização linguística requerida pelos Estados nacionais então emergentes. Sobre essa questão, cabe ainda mencionar, como aponta Faraco (2008), que em cada Estado europeu, elegeu-se uma variedade, em geral “apraticada à época pela aristocracia” (Faraco, 2008, p. 74), como norma-padrão diante de outros dialetos coexistentes. Essa norma-padrão foi fixada por meio de gramáticas e dicionários, que se constituíram não somente como instrumentos descritivos, mas também como reguladores (normativos) do comportamento linguístico da sociedade. É em decorrência disso que a palavra norma carrega atualmente dois sentidos: um relacionado à normalidade (o que é normal, corriqueiro); outro, à normatividade (o que é prescrito). Por fim, sobre essa questão de “normas”, segundo Faraco, existe também uma “norma curta”, que resulta da condenação de usos linguísticos não previstos em gramáticas e manuais normativos e impõe outras regras obsoletas que nem mesmo são abonadas pelas gramáticas contemporâneas de referência. A “norma curta” traz uma visão da língua pautada no purismo e na dicotomia certo vs. errado, gerando limitações aos falantes, daí o sentido do adjetivo “curta”. Essa visão estreita ainda predomina entre os “consultores de gramática”, cujas vozes se fazem 23 presentes em colunas de jornais ou em diversas páginas na internet, ditando regras de “certo” e “errado”. Apesar de existir na sociedade, de modo geral, muitas crenças equivocadas sobre a língua e cidadãos que acreditam na “norma curta”, nossos documentos de ensino da língua portuguesa no Brasil, desde o final da década de 1990, tem partilhado de um conceito de língua variável. Foi nessa época que o Ministério da Educação implantou um documento intitulado Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) constituído por diretrizes educacionais para orientar a elaboração de currículos escolares e a prática pedagógica dos professores. Esse documento, em relação ao ensino de língua portuguesa, já apontava, em seu texto, um ensino reflexivo, com foco na variação linguística, reconhecendo-a como fenômeno inerente à língua A variação é constitutiva das línguas humanas, ocorrendo em todos os níveis. Ela sempre existiu e sempre existirá, independentemente de qualquer ação normativa. Assim, quando se fala em Língua Portuguesa está se falando de uma unidade que se constitui de muitas variedades. Embora no Brasil haja relativa unidade lingüística e apenas uma língua nacional, notam-se diferenças de pronúncia, de emprego de palavras, de morfologia e de construções sintáticas, as quais não somente identificam os falantes de comunidades lingüísticas em diferentes regiões, como ainda se multiplicam em uma mesma comunidade de fala. Não existem, portanto, variedades fixas: em um mesmo espaço social convivem mescladas diferentes variedades lingüística, geralmente associadas a diferentes valores sociais. (Brasil, 1998, p. 29). Além disso, reflexões sobre crenças e mitos sobre a língua também foram colocados em evidência, demonstrando que muitos desses mitos e crenças surgem da falta de conhecimento sobre o funcionamento da língua. Para cumprir bem a função de ensinar a escrita e a língua padrão, a escola precisa livrar-se de vários mitos: o de que existe uma forma correta de falar, o de que a fala de uma região é melhor da que a de outras, o de que a fala correta é a que se aproxima da língua escrita, o de que o brasileiro fala mal o português, o de que o português é uma língua difícil, o de que é preciso consertar a fala do aluno para evitar que ele escreva errado. (Brasil, 1998, p.31) Nesse contexto, orienta que questões relacionadas à estereótipos podem influenciar o ensino e aprendizagem de língua portuguesa, reconhecendo a pluralidade linguística como elemento característico da identidade nacional. Além de tais reflexões, o documento reconhece que o educando chega para a sala de aula sabendo pelo menos uma variedade, assim apresenta propostas de atividades que exploram questões de variação linguística. O combate à discriminação 24 linguística também é enfatizado, o preconceito linguístico “deve ser combatido com vigor e energia” (Brasil, 1998, p. 82). Com o passar dos anos, os PCNs foram substituídos, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), implementada oficialmente em dezembro de 2017, é o principal referencial, atualmente, para elaboração de currículos escolares em todos os níveis da Educação Básica, em seu texto mantêm-se a importância do trabalho com as variedades linguísticas Cabem também reflexões sobre os fenômenos da mudança linguística e da variação linguística, inerentes a qualquer sistema linguístico, e que podem ser observados em quaisquer níveis de análise. Em especial, as variedades linguísticas devem ser objeto de reflexão e o valor social atribuído às variedades de prestígio e às variedades estigmatizadas, que está relacionado a preconceitos sociais, deve ser tematizado. (Brasil, 2017, p. 81) Como consta no quadro da BNCC, no campo de linguagens, os objetivos a serem atingidos no eixo de atuação análise linguística/semiótica em relação ao campo de conhecimento variação linguística, tem-se: Quadro 1. Campo de conhecimento referente a variação linguística. Fonte: Base Nacional Comum Curricular (2017). Portanto, tal documento reconhece a variação linguística como um aspecto básico da língua portuguesa e enfatiza a necessidade de se (re)conhecer as variedades linguísticas e refletir sobre o valor social atribuído a elas, permitindo a conscientização e valorização de todas as formas da língua. No entanto, o trabalho com as variedades linguísticas tem sido um desafio enfrentado pelos professores de língua materna, principalmente pela tradição educacional de que o ensino de língua portuguesa deve ter como foco o ensino de regras gramaticais. Porém, nas palavras de Bagno (2009, p. 16), A variação linguística tem que ser objeto e objetivo do ensino de língua: uma educação linguística voltada para a construção da cidadania numa sociedade verdadeiramente democrática não pode desconsiderar que os 25 modos de falar dos diferentes grupos sociais constituem elementos fundamentais da identidade cultural da comunidade e dos indivíduos particulares, e que denegrir ou condenar uma variedade linguística equivale a denegrir e condenar os seres humanos que a falam, como se fossem incapazes, deficientes ou menos inteligentes [..] Em paralelo ao desenvolvimento da Sociolinguística Educacional, a Pedagogia da Variação Linguística, defendida por Zilles e Faraco (2008), constitui- se em uma perspectiva pedagógica que valoriza as variedades e reconhece que não existe uma única maneira “correta” de falar. Tal abordagem defende que todas as variedades devem ser respeitadas e que não existe uma “melhor” do que a outra. Dessa forma, permite com que o educando construa crenças positivas sobre a competência linguística, além da própria variedade do aluno ser tratada com seriedade Contudo, erroneamente, propagam-se ideias bastante questionáveis relacionadas ao ensino das variedades linguísticas na escola, como “agora o professor deve aceitar tudo”, “não se pode mais corrigir os alunos em sala de aula”, ou, ainda, “não se pode mais ensinar gramática na escola”. Tais ideias demonstram um desconhecimento do caráter variacional da língua e uma interpretação equivocada sobre o ensino da norma-padrão, nas palavras de Bagno (2007, p. 37), Ao contrário do que declaram algumas pessoas desavisadas, os linguistas não consideram o processo de constituição de uma norma- padrão como uma coisa intrinsecamente negativa. Eles sabem que a vida social é regulada por normas de comportamento linguístico. Os linguistas simplesmente chamam a atenção para o fato da normatização da língua não ser um processo “natural”, mas sim o resultado de ações humanas conscientes, ditadas por necessidades políticas e culturais, e nas quais impera frequentemente uma ideologia obscurantista, dogmática e autoritária. Alguns linguistas (mas nem todos!) acreditam que uma norma padrão poderia até ser um elemento cultural desejável, desde que constituída com o auxílio da pesquisa científica e com base em projetos sociais democráticos e não excludentes. Os autores empreendidos em pesquisas mais recentes vêm dialogando na perspectiva de que a tradição gramatical, que retomam aos estudo clássicos e de uma gramática que coloca a língua em uma concepção mais abstrata, ainda parece ser o cerne das aulas de Língua Portuguesa, apesar de mais de 20 anos da publicação dos documentos oficiais. Marine e Barbosa (2016, p. 203 -207) evidenciam três principais motivos para tal fato, 1º) Há uma crença social muito forte sobre a língua, presente em diversas instâncias da sociedade, especialmente na escola e na família, e sobre o que “é ensinar Língua Portuguesa”, orientada por um viés ideológico elitista 26 e conservador, que acaba por contribuir para a manutenção de um ensino tradicional pautado na dita “norma-padrão”, [...] 2º) [...] acreditamos que os recém-professores, ao entrarem em sala de aula, acabam enfrentando dificuldades severas quando tentam colocar em prática a teoria a qual tiveram acesso em sua formação, tanto em função da resistência à mudança por parte das escolas, quanto dos pais dos alunos – ainda muito avessos à mudança na forma de se realizar o ensino de Língua Portuguesa. [...] 3º) Por fim, outro ponto que destacamos é um cenário vivenciado por alunos recém-formados em Letras, [...] que acreditam no ensino pautado na diversidade linguística e encontram escolas receptivas a um ensino de Língua Portuguesa mais atento às sugestões dos PCN, porém têm dificuldade de estabelecer uma ponte entre a teoria linguística estudada durante a graduação e a prática a ser estabelecida nas salas de aula. Assim, não há dúvidas de como os documentos oficiais são atravessados por uma pedagogia que considere o ensino da variação linguística e estimule reflexões sobre mitos e crenças sobre a língua portuguesa, além incentivar o combate ao preconceito linguístico. No entanto, há obstáculos que dificultam a existência de um ensino efetivo de língua materna, para superar esses desafios é importante uma abordagem sensível e inclusiva dos professores. Neste trabalho, pretendemos contribuir com as discussões relacionadas ao tratamento da variação linguística na escola. Por fim, é importante salientar que não pretendemos, com esta subseção, identificar possíveis lacunas teóricas nos textos dos PCNs e nos textos da BNCC sobre o tratamento dado à variação por razões de limitação de escopo, embora reconheçamos a complexidade e relevância de tal abordagem. 2.3 Crenças e avaliações linguísticas Neste trabalho é importante que retomemos os conceitos de crenças e avaliações linguísticas, e outros relacionados a eles, como atitudes linguísticas. O termo crença pode ser difícil de conceituar pela complexidade inerente de sua natureza polissêmica e pela subjetividade do termo. Tal termo caracteriza construções afetivas e cognitivas do comportamento humano, por ser abordado por diversas áreas, cada uma oferece uma perspectiva distinta influenciadas por suas bases teórico-metodológicas. Diversas são as áreas do conhecimento que recorrem à temática das crenças para o desenvolvimento de seus trabalhos: Filosofia, Teologia, História, Psicologia, Educação, Sociologia, Linguística, Sociolinguística, 27 dentre outras. Disso resulta ser muito complexo definir “crenças”, já que cada área possui um objeto de estudo diferente ou, ao menos, parcialmente diferente. Assim, são muitos os termos, os conceitos, as definições, os sentidos atribuídos para referirem-se a elas. (Botassini, 2015, p. 105 -106). Na Linguística Aplicada, Barcellos (2006, p.18) define crenças como, Uma forma de pensamento, construções da realidade, maneiras de ver e perceber o mundo e seus fenômenos, co-construídas em nossas experiências resultantes de um processo interativo de interpretação e (re)significação. Como tal, crenças são sociais (mas também individuais), dinâmicas, contextuais e paradoxais. Nessa perspectiva, as crenças sobre algo, como a língua, podem ser construídas por diversos fatores e desempenham um papel significativo em como as pessoas percebem o mundo. Em relação à própria língua, as crenças de uma pessoa podem influenciar a forma como ela percebe, avalia e toma atitudes diante da fala e usos linguísticos do outro e sobre a sua própria fala. Os estudos sobre crenças linguísticas ajudam a compreender as razões pelas quais algumas variedades são estigmatizadas e outras valorizadas, pois entendemos que a língua não é um simples instrumento de comunicação, Uma das reservas que se pode manifestar contra as definições da língua que a reduzem a um ‘instrumento de comunicação’ é que elas podem levar a crer em uma relação neutra entre o falante e sua língua [...]. Com efeito, existe todo um conjunto de atitudes, de sentimentos, dos falantes para com suas línguas, para com as variedades de línguas e para com aqueles que as utilizam, que torna superficial a análise da língua como simples instrumento. (Calvet, 2002, p. 57) A língua desempenha um papel mais complexo para os falantes do que apenas um instrumento de comunicação, ela pode transmitir julgamentos subjetivos, expressar identidade individual e coletiva e força avaliativa que podem, por exemplo, contribuir com mudanças linguísticas. “Fatores linguístico e sociais estão intimamente inter-relacionados no desenvolvimento da mudança linguística.” (Weinreich, Labov, Herzog, 2006, p. 126) Além disso, de acordo com Freitag (2021, p.3), todos os falantes, [...] em algum momento, mobilizam a consciência sociolinguística ao tentar explicar por que uma pessoa fala diferente. O que as pessoas comuns, não linguistas, pensam sobre a língua? Por um lado, existe uma consciência sociolinguística popular: as explicações, explanações e as crenças sobre as relações entre língua e contexto social feitas por não especialistas. Por outro, age a força do prescritivismo, conjunto de práticas metalinguísticas normativas, com foco no valor de correção, no uso “correto”, de acordo com a norma codificada na gramática. Enquanto o 28 prescritivismo tenta se amparar em modelos científicos, a consciência sociolinguística popular é ignorada pela ciência. Nesta pesquisa, adotamos o conceito de crenças de Cyranka (2007), citando Santos (1996): “uma convicção íntima, uma opinião que se adota com fé e certeza” (Cyranka, 2007, p. 22). Ainda sobre o conceito de crenças, em relação à diferença de “crença em” e “crença sobre”, Cyranka (2007), em concomitância com as ideias de Santos (1996), adota a concepção de [..] crenças sobre, isto é, a posição em que os professores e os alunos colocam os objetos (língua, linguagem, variação e aprendizagem lingüística) dentro da dimensão avaliativa, posição essa que, em última instância, leva à atitude deles em relação a esses objetos. (p.25) Portanto, as crenças linguísticas são convicções (aquilo que uma pessoa “conhece” sobre algo), já as avaliações e atitudes que as pessoas têm em relação à língua do outro, por exemplo, partem de suas crenças e são construídas em contextos de interação, ou seja, as crenças influenciam a maneira como os indivíduos avaliam as variedades e moldam seus comportamentos linguísticos. Assim, crenças são verdades que ficam no campo da cognição. Em relação à avaliação linguística, Cyranka (2007, p. 17) afirma que é [...] relativo aos julgamentos subjetivos do usuário quanto à sua própria variedade lingüística e à dos seus interlocutores. Portanto os trabalhos que discutem a rejeição da escola em relação ao dialeto do aluno e vice-versa devem ser tratados sob a ótica do problema da avaliação lingüística. Desse modo, os julgamentos subjetivos referem-se às avaliações linguísticas emitida por um falante sobre determinada língua, suas variedades e que está intrinsecamente ligada as suas próprias experiências e percepções caracterizadas por uma natureza individual. Neste trabalho, consideramos avaliações como esses julgamentos subjetivos. Obviamente, as avaliações levam à determinadas atitudes linguísticas, que envolvem os posicionamentos dentro da sociedade de um indivíduo. As avaliações linguísticas estão intimamente relacionadas às atitudes, pois temos a articulação “entre tais conceitos” ou melhor, podemos observar que naquilo em que se acredita “ repercute naquilo em que se fala/faz” (Marine, Barbosa, 2016, p. 365). Para Lambert, Lambert (1972, p. 77) afirma que uma atitude é uma maneira organizada e coerente de pensar, sentir e reagir em relação a pessoas, grupos, questões sociais ou, mais genericamente, a qualquer acontecimento ocorrido em nosso meio circundante. Seus componentes 29 essenciais são os pensamentos e as crenças, os sentimentos (ou emoções) e as tendências para reagir. Diante do exposto, um falante pode expressar uma crença de que “não sabe português”, tal crença, situada no nível da cognição, pode desencadear uma avaliação sobre seus próprios usos, situada no nível da subjetividade, e uma atitude de desânimo na própria capacidade de utilizar a língua portuguesa. Sendo assim, os testes de crenças constituem-se em um efetivo instrumento de pesquisa, pois permitem verificar as crenças que perpassam na educação, realizando um comparativo com os pressupostos abordados nos documentos oficiais que orientam os currículos brasileiros. Além disso, a escola é um ambiente que permite o contato do aluno com diversas situações comunicativas, desenvolvendo consciência sociolinguística. (Freitag, 2021). Já os trabalhos envolvendo avaliações linguísticas são relevantes, pois permitem identificar como julgamentos subjetivos são construídos. Mesmo sendo um campo de investigação relativamente novo, diversos estudos sobre crenças e avaliações linguísticas foram realizados em relação à crença de alunos e professores. Na seção seguinte, pretendemos discutir os resultados de alguns trabalhos, e verificar as noções de língua e variação que permeiam o contexto escolar. Assim, entendemos que as crenças de alunos podem ser (des)construídas na escola. A forma como a língua e o ensino das variedades é abordado no ambiente educacional pode influenciar a maneira como os estudantes se relacionam com a linguagem, contribuindo com a formação de crenças negativas sobre a língua, reforçando estereótipos sociais. Salientamos que, neste trabalho, delimitamos nossas abordagens aos julgamentos subjetivos e não às atitudes. Justificamos nossa escolha pela necessidade de análise de uma abordagem mais precisa dos elementos intrínsecos às interpretações pessoais. 2.3.1 Alguns estudos sobre crenças e avaliações linguísticas Nesta subseção, apresentamos os resultados de alguns trabalhos já realizados sobre crenças/atitudes/avaliações linguísticas, pois entendemos a 30 importância de identificar as crenças que permeiam a Educação Básica. Por isso, de maneira sucinta, descrevemos estudos realizados junto aos alunos de Educação Básica e, também, estudos realizados junto aos professores de Educação Básica. Sobre as realizadas juntos a alunos, uma das pesquisadoras mais reconhecidas que realizou estudos de crenças e atitudes linguísticas nas escolas brasileiras foi Cyranka (2007). Seu trabalho pioneiro tem sido reconhecido por atribuir uma perspectiva sociolinguística ao ensino de língua materna estimulando uma reflexão linguística nos educandos. Tal pesquisadora aplicou testes de crenças e atitudes linguísticas a alunos de oitava série do ensino fundamental de cinco escolas públicas de Juiz de Fora, Minas Gerais. Os dados obtidos evidenciam que os alunos relacionam a ideia de aprender língua portuguesa com aprender regras gramaticais e ortografia. Além disso, a autora identificou que há um preconceito significativo dos alunos contra a própria fala deles. Esses resultados reforçam a ideia de que os falantes podem desenvolver sentimentos de vergonha e insegurança em relação ao seu próprio modo de falar. Ao associarem o ensino de língua portuguesa com aprendizado de regras gramaticais demonstram como a escola reforça estereótipos negativos, dessa maneira perpetuam a ideia de que certas variedades linguísticas são inadequadas, por isso ao reconhecerem que utilizam construções linguísticas consideradas “erradas” e “feias” os falantes desenvolvem uma baixa autoestima linguística. Outra pesquisa foi a realizada por Cuba (2019) que aplicou um teste de atitudes linguísticas a alunos do 7° ano do ensino fundamental, estudantes de uma escola pública, localizada numa região periférica na cidade de Uberaba/MG. Para a autora, o trabalho com as variedades linguísticas é “polêmico”, pois a tradição do ensino prescritivo da gramática normativa ainda é muito forte, porém há a necessidade de se trabalhar com essa temática na escola. Como resultados gerais, Cuba (2019) identificou que “muitos alunos desconheciam, apesar de cursar há sete anos aulas de Língua Portuguesa na escola, o que é variação linguística, seus tipos e por que ela pode ocorrer” (p. 66), esse resultado reforça ainda mais a importância e necessidade de um trabalho, no dia a dia escolar, com foco no tratamento das variedades linguísticas, mas não apenas um trabalho realizado de maneira pontual, tratado apenas como uma 31 unidade temática, mas um trabalho que embase todo o ensino de língua portuguesa nas escolas. Baronas, Marques e Semczuk (2019) investigaram crenças de alunos relacionadas à variação com foco no preconceito linguístico, o estudo foi realizado com uma turma de 8° ano dos anos finais de uma escola pública da cidade de Cambé, Paraná. Os resultados obtidos apontam que o tratamento de língua na escola ainda a considera como homogênea e que o preconceito linguístico está presente nas escolas e que a diversidade é avaliada de maneira negativa pelos alunos. Tais resultados demonstram como a variedade padrão tem lugar privilegiado no ensino de língua materna, nessa perspectiva considera que as variedades não são formas legítimas de comunicação e que sua utilização deve ser desencorajada e até mesmo punida. Essa falta de representatividade das variedades no ensino contribui com a ideia de que elas não são formas dignas de comunicação e que não merecem reconhecimento. Ghessi (2020) aplicou um teste de atitudes linguísticas a alunos e professores de uma escola pública da cidade de Monte Azul Paulista/SP em relação ao fenômeno variável de concordância verbal da terceira pessoa do plural. Em relação aos alunos, a pesquisadora identificou que as atitudes são mais positivas em relação ao fenômeno abordado quando atende a norma-padrão. Essas são apenas algumas pesquisas realizadas junto a alunos. Diante desse cenário, percebemos como os alunos apresentam uma visão de língua homogênea que considera a norma-padrão como a única maneira “correta” de falar/escrever desconsiderando as variedades. Assim, as variedades continuam sendo estigmatizadas permitindo com que o preconceito linguístico tenha espaço no ambiente educacional, tendo como consequência alunos que não se sentem competentes linguisticamente. Além de analisarmos trabalhos focados nas crenças/avaliações/atitudes linguísticas de alunos, também consideramos os trabalhos que identificam crenças linguísticas de professores, pois o processo de ensino é mediado por eles. Logo, as crenças de um professor sobre a língua podem moldar sua prática de ensino, influenciando como os alunos aprendem. Marine e Barbosa (2017) aplicaram um teste de crenças a pós-graduandos, que também são professores da Educação Básica, de universidades no Triângulo 32 Mineiro do mestrado profissional em Letras (PROFLETRAS). Os resultados obtidos demonstram que os participantes apresentam conhecimentos relacionados à língua que vão além do tradicional, mas que também apresentam alguns conceitos equivocadas. Esses resultados demonstram a necessidade de uma boa formação acadêmica aos professores, pois assim podem planejar e implementar estratégias educacionais embasadas num ensino de língua materna reflexivo e que abordem as variedades como fenômeno natural e legítimo, tal qual já postulado nos documentos norteadores (PCNs e BNCC). Como declaram as autoras, a discussão entre Sociolinguística e Ensino é uma discussão emblemática, que envolve questões diversas. Todavia, tal discussão não pode ser mais preterida das conversas entre professores e futuros professores de língua portuguesa ou limitada ao âmbito acadêmico; ela precisa chegar às salas de aula mediadas pelo professor do Ensino Fundamental e Médio. (Marine, Barbosa, 2017, p. 363) Teodoro (2018) aplicou um teste de crenças dividido em duas partes a um grupo de professores de Educação Básica de quatro escolas estaduais da cidade de Uberaba/MG. Dentre os resultados obtidos, o autor identificou que os professores demonstram ter conhecimentos sociolinguísticos, mas que o ensino de língua portuguesa desse grupo específico “se encontra transpassado por uma visão homogênea da língua, desconexo, inclusive, das orientações dos PCN.” (Teodoro, 2018, p.62). Os resultados demonstram que há uma falha entre a teoria proposta nos documentos oficiais e a prática realizada nas escolas. Assim, um ensino de língua portuguesa com uma visão homogênea desvaloriza a diversidade linguística menosprezando atitudes mais positivas, levando os alunos a adotarem crenças semelhantes. Costa (2019) realizou uma entrevista semiestruturada com 09 professores de escolas públicas e 09 professores de escolas particulares do ensino fundamental I, II e ensino médio da cidade de Mariana/MG. A entrevista em questão tratava das crenças e atitudes de professores de Língua Portuguesa sobre ensino de oralidade, dentre os resultados obtidos os professores acreditam que “a norma padrão é a variante de mais prestígio, portanto deve ser mais ensinada em sala de aula” e “desde que o mundo é mundo ensina-se a LP tomando por base as regras gramaticais” (Costa, 2019, p.130). 33 Como podemos observar, a norma-padrão tem lugar privilegiado no ensino de língua portuguesa, essa ênfase tem implicações negativas resultando num ensino de língua portuguesa com uma abordagem fragmentada e que não leva em considerações o contexto de interação. Com essa abordagem, a visão de língua como homogênea é evidenciada tendo como consequência um ambiente educacional propício para a perpetuação de estereótipos e preconceitos. Em relação aos professores Ghessi (2020) identificou que há uma avaliação negativa dos professores sobre a ausência da concordância verbal na terceira pessoa do plural. Os resultados corroboram com a ideia de que a norma-padrão tem um lugar privilegiado no ensino de língua portuguesa. 34 3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Nesta seção, apresentamos os procedimentos metodológicos utilizados nesta pesquisa para análise do teste de crenças e avaliações linguísticas aplicado a alunos de 9° ano do ensino fundamental de uma escola pública da cidade de Lençóis Paulista, Estado de São Paulo. Primariamente, contextualizamos a escola que fez parte da pesquisa juntamente com uma breve história da cidade de Lençóis Paulista/SP e, depois, apresentamos o perfil dos informantes. Por fim, explicitamos a construção dos instrumentos utilizados, teste e questionário, sua aplicação e os critérios de análise adotados nesta pesquisa. 3.1 Contextualização da escola e perfil dos informantes Lençóis Paulista, conhecida como “Cidade do Livro” pelo seu expressivo conteúdo histórico literário e por conter no acervo de sua Biblioteca Municipal mais livros que o número de habitantes, é um município brasileiro localizado no estado de São Paulo, cidade onde se situa a escola locus da pesquisa. Figura 1. Localização de Lençóis Paulista em São Paulo. Fonte: Google Imagens Fundada em 28 de abril de 1858, a cidade está localizada na região Centro- Oeste do Estado de São Paulo e faz parte da mesorregião de Bauru. O município é 35 banhado pelo Rio Lençóis, principal fonte para abastecimento da população e que dá nome à cidade por conta das ondas formadas em sua desembocadura que, quando refletidas ao sol, formam lençóis d’água. A economia predominante na cidade é a produção sucroalcooleira, mas ela também se destaca pela produção de celulose com a instalação de uma das empresas líderes globais em produção de celulose solúvel. De acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 2022, a cidade possuía 66.505 habitantes. Em relação à educação, o município possui 15 creches municipais, 05 escolas de ensino infantil, 05 escolas de ensino fundamental I, 09 escolas de ensino fundamental II, 07 escolas estaduais de ensino fundamental e médio, sendo uma profissionalizante e 04 escolas particulares de ensino fundamental e médio². Nossa pesquisa selecionou uma escola municipal de ensino fundamental II a partir da localização geográfica. Os participantes da pesquisa são alunos de uma turma de 9° ano de uma escola municipal, localizada numa região periférica. A localização da escola em relação ao centro da cidade pode ser percebida na imagem abaixo: Figura 2. Distância entre a escola e o centro da cidade. Fonte: Google Maps – adaptado pelas autoras _________ ²Informação retirada do site da prefeitura de Lençóis Paulista 36 A escola tem boa infraestrutura e atende alunos da região (periférica) em que se localiza e de regiões próximas também. Também conta com turmas de 3° ao 5° ano dos anos iniciais e do 6° ao 9° ano dos anos finais do ensino fundamental nos períodos diurno e vespertino. De acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) a escola tem um IDEB (Indice de Desenvolvimento da Educação Básica) relativamente médio, de acordo com dados de 2021, nos anos iniciais, o Ideb é 6,6 e anos finais, 5,5. O IDEB funciona como um indicador da qualidade da educação nacional, foi criado em 2007 pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Para compor esse indicador de qualidade, são utilizados dados da Prova Brasil e do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). 3.2 O teste e sua aplicação Para analisar as crenças e avaliações linguísticas dos participantes, elaboramos dois instrumentos de pesquisa: a) um teste de crenças e avaliações linguísticas, adaptado de Cyranka (2007), dividido em três partes (Apêndice A) e b) um questionário com perguntas abertas divido em duas partes (Apêndice B). A primeira parte do teste (a) constitui-se em um questionário para conhecer o perfil social dos participantes da pesquisa, pois entendemos que língua e sociedade se relacionam mutuamente. A segunda parte, constitui-se em afirmações sobre a língua para os participantes responderem verdadeiro ou falso, por meio de respostas diretas foi possível identificar o que os alunos sabem sobre língua e variação. Além dessas duas opções, deixamos um espaço para que pudessem acrescentar comentários caso desejassem. Por fim, na terceira e última parte, foram apresentados fragmentos do português brasileiro para a avaliação dos participantes. Em relação à segunda parte do teste de crenças e avaliações linguísticas, as afirmações 1 e 4 buscam identificar a visão de cada aluno sobre aprender/utilizar a própria língua; as afirmações 2 e 3 buscam identificar se há comparação entre o português brasileiro e o português de Portugal ou entre o português falado nas diferentes regiões brasileiras; as afirmações 5 e 7 buscam identificar se os alunos relacionam grau de escolaridade com domínio do português; a afirmação 6 busca 37 identificar a visão dos alunos sobre variação em contexto digital; e, por fim, as afirmações 8 e 9 buscam identificar se os alunos (re)conhecem a existência do preconceito linguístico. Figura 3. Exemplo da segunda parte do teste de crenças. Fonte: Elaborado pelas autoras (2024). Em relação à terceira parte do teste, visamos identificar como os alunos avaliam alguns fragmentos do português brasileiro falados/escritos. No fragmento 1, apresentamos um vídeo do Programa Zorra Total do quadro da participante Lady Kate, pelos criadores da personagem, ela é considerada classe média alta, tem um estilo extravagante, um sotaque exagerado e mistura o inglês com português. Apesar de se apresentar como lady, seu comportamento muitas vezes é desajeitado. A escolha do vídeo deu-se por ser uma forma de aproximação com o público participante da pesquisa, pois, na ocasião específica do vídeo, a personagem recebe a visita da rainha da Inglaterra, e a elaboração e aplicação do teste foram próximos a notícia do falecimento da rainha, fato de grande repercussão pela mídia. Sabemos que a personagem tem uma falar estereotipado, mas inserimos tal personagem no teste justamente para identificar as avaliações dos alunos, promover a reflexão e a promoção do respeito linguístico, além do próprio papel da mídia como mantedora de algumas falsas crenças. 38 O programa foi exibido originalmente em 2009 com duração de 2 minutos e 59 segundos. A questão a) busca identificar como os alunos avaliam a maneira de falar da personagem; a questão b) busca identificar a que classe social a personagem pertence e a questão c) busca identificar se o aluno se identifica com a maneira de falar da personagem. No fragmento 2, apresentamos aos alunos uma tirinha de Fernando Gonsales, Níquel Nausea, publicada em 2011, a questão a) busca identificar como o aluno avalia a maneira de falar das personagens traças na tirinha, a questão b) busca identificar se os alunos (re)conhecem a adequação linguística. Figura 4. Tirinha apresentada na terceira parte do teste. Disponível em: https://deposito-de-tirinhas.tumblr.com/post/128347784532/por- fernando- gonsales. Acesso em: 12 de fevereiro de 2023. A escolha da tirinha deu-se pelo fato de as personagens utilizarem a segunda pessoa do plural (vós), fenômeno linguístico que se encontra em desuso no Brasil, reservado apenas para áreas específicas, como em contextos literários e litúrgicos. No fragmento 3, apresentamos uma tirinha retirada da rede social Facebook, da página “Falei errado? O pobrema é seu, não é meu”. A questão a) busca identificar se os alunos reconhecem a existência da variação linguística. A escolha da tirinha deu-se pelo fato de as personagens retratadas utilizarem uma linguagem muito próxima do real. https://deposito-de-tirinhas.tumblr.com/post/128347784532/por-fernando-gonsales https://deposito-de-tirinhas.tumblr.com/post/128347784532/por-fernando-gonsales https://deposito-de-tirinhas.tumblr.com/post/128347784532/por-fernando-gonsales 39 Figura 5. Tirinha apresentada na terceira parte do teste. Fonte:https://www.facebook.com/FaleiErradoOPobremaNaoEMeuESeu/?locale=pt_BR Acesso em: 12 de fevereiro de 2023. Como segundo instrumento de pesquisa, utilizamos um questionário (b) com perguntas abertas dividido em duas partes. Na primeira parte, buscamos identificar o reconhecimento da própria variedade do participante, o exemplo da primeira parte do questionário pode ser percebido na imagem abaixo. Figura 6. Exemplo da primeira parte do questionário. Fonte: elaborado pelas autoras (2024). https://www.facebook.com/FaleiErradoOPobremaNaoEMeuESeu/?locale=pt_BR 40 Na segunda parte do questionário, buscamos identificar o reconhecimento da variação linguística e da fala do outro. O exemplo da segunda parte do questionário pode ser percebido na imagem abaixo. Figura 7. Exemplo da segunda parte do questionário. Fonte: elaborado pelas autoras (2024). Uma primeira versão desses instrumentos foi elaborada e aplicada a quatro alunos de 9° ano, alunos estes que, posteriormente, não participaram da pesquisa. A aplicação do teste piloto contribuiu para o refinamento dos instrumentos, pois os participantes tiveram dificuldades relacionadas ao vocabulário utilizado, por isso eles foram reescritos com termos e expressões adaptados à faixa etária dos informantes. Para a aplicação do teste de modo presencial na escola, após consentimento da direção, foi explicado aos alunos participantes do que se tratava a pesquisa e quais eram seus objetivos. Durante a explicação, foi reiterado o quanto a participação deles era importante e que eles não teriam suas identidades reveladas em hipótese nenhuma e não seriam julgados pelas respostas. Em seguida, foram entregues as folhas do teste e questionário e, depois, foi entregue o Termo de Esclarecimento e de Consentimento para os responsáveis assinarem. É relevante 41 dizer que a pesquisa foi aprovada pelo comitê de ética da UNESP, por se tratar de uma pesquisa que conta com a participação de pessoas menores de idade. O projeto de pesquisa faz parte do projeto desenvolvido pela professora Juliana Bertucci Barbosa, cadastrado na Plataforma Brasil. Para cada parte da aplicação do teste e questionário, houve explicações sobre o funcionamento da atividade e esclarecimento de dúvidas. A aplicação durou 2 aulas de 50 minutos cada. 3.3 Ferramentas e critérios de análise Com os dados obtidos, realizamos uma análise quanti-qualitativa. Primeiro, tabulamos os resultados obtidos no teste de crenças e avaliações linguísticas. As informações sobre local de nascimento e escolaridade dos responsáveis legais foram organizadas no Microsoft Excel (2016) em forma de gráficos e as informações sobre a profissão dos responsáveis legais foram organizadas em nuvens de palavras. Os dados da segunda parte do teste também foram organizados em gráficos pelo Microsoft Excel (2016), aplicativo do Microsoft Word e realizamos a análise de conteúdo (MINAYO, 2007), visando interpretar as respostas sobre nosso objeto de estudo, considerando as respostas que mais se repetiram. Para manter o anonimato dos participantes, a identificação, quando necessária, foi realizada por meio de códigos: IF (de informante, seguido da sequência das letras do alfabeto para cada participante), 14 ou 15 (para idade), M ou F (para sexo/gênero). Assim, um informante do sexo masculino de 14 anos será representado da seguinte forma: IFA_ 14_M. 42 4 ANÁLISE DOS DADOS Nesta seção do trabalho, apresentamos os resultados das aplicações do teste/questionário. O questionário foi aplicado a 18 alunos. Vale salientar que os instrumentos de pesquisa foram aplicados a todos os alunos presentes da turma (total de 29), porém somente 18 alunos trouxeram a autorização assinada pelo responsável, por isso consideraremos, para a análise a seguir, os dados desses 18 alunos. 4.1 Resultados do instrumento 1: a primeira parte do teste de crenças e avaliações linguísticas (perfil social dos informantes) Como já mencionado, com o objetivo de conhecer o perfil social dos participantes da pesquisa, elaboramos e coletamos os resultados da primeira parte do teste. Os dados obtidos permitiram evidenciar, inicialmente, que a maioria dos informantes: - são do sexo feminino; - têm entre 14 - 15 anos. Já sobre a naturalidade dos alunos, verificamos que: Gráfico 1. Quantidade de alunos que moram em Lençóis Paulista desde que nasceram. Fonte: elaborado pelas autoras (2024). Em relação ao gráfico 1, três informantes responderam que não moram em Lençóis Paulista desde que nasceram. Ademais, como parte do nosso questionário, 43 caso a resposta fosse negativa, como a dada por esses três, eles deveriam informar locais onde já moraram e com quantos anos vieram para Lençóis. Abaixo, reproduzimos as respostas desses informantes: Fragmento 1: “Não, eu nasci na Mooca em São Paulo e vim para Lençóis com 03 anos.” [IFA_14_F] Fragmento 2: “Eu não moro desde que nasci, vim para Lençóis com 12 anos”. [IFB_14_M] O informante não mencionou a cidade onde nasceu. Fragmento 3: “Não, eu nasci em Macatuba e vim para Lençóis com 04 anos.” [IFC_14_ M] Apesar da cidade de Lençóis Paulista, desde 2018, ter um movimento migratório intenso com a instalação de uma das empresas líderes globais em produção de celulose solúvel, recebendo pessoas de diversos estados do Brasil, nesta sala não há nenhum informante de outro estado, apenas do Estado de São Paulo. Especificamente os informantes [IFA_14_F] e [IFC_14_ M] afirmaram que não nasceram em Lençóis Paulista, mas em cidades do Estado de São Paulo. Tal dado nos faz inferir que por serem em sua maioria da mesma região, as diferenças dialetais dentro da sala de aula são minimizadas, pois, de certa forma, são usuários da mesma variedade do português. Em relação a escolaridade dos responsáveis legais, como podemos verificar no gráfico 2, a maioria dos responsáveis legais do sexo masculino possuem ensino fundamental II incompleto e a maioria dos responsáveis legais do sexo feminino possuem ensino médio completo. 44 Gráfico 2. Escolaridade dos responsáveis legais. Fonte: elaborado pelas autoras (2024). E em relação as ocupações sociais dos pais, para representar visualmente isso, elaboramos duas nuvens (Figura 6 e 7) de palavras. As nuvens de palavras apresentam com maior fonte as profissões que mais apareceram nas respostas obtidas. Figura 8. Nuvem de palavras associada à profissão do responsável legal do sexo masculino. Fonte: elaborado pelas autoras (2024). 45 Figura 9. Nuvem de palavras associada à profissão do responsável legal do sexo feminino. Fonte: elaborado pelas autoras (2024). As nuvens de palavras evidenciam que em relação à profissão do responsável legal do sexo masculino, as mais incidentes foram “pedreiro” e “caminhoneiro” e em relação à profissão do responsável legal do sexo feminino, as mais incidentes foram, “doméstica”, “faxineira” e “professora”. Como forma de compreender melhor o perfil social das famílias dos informantes participantes, apresentamos o piso salarial das profissões mais incidentes nas respostas dos alunos participantes, consideramos o piso salarial dessas profissões no Estado de São Paulo na jornada de 44 horas semanais3. O piso salarial é o menor valor que legalmente um empregador pode pagar a um trabalhador, pode ser definido por meio de acordos coletivos ou por meio de legislação específica, o objetivo é estabelecer um padrão mínimo para os salários. Em relação às profissões “pedreiro” e “caminhoneiro” dos responsáveis legais do sexo masculino, temos, respectivamente, como piso salarial, R$ 2.118, 22 e R$2.213, 18. Em relação às profissões “doméstica”, “faxineira” e “professora”, temos, respectivamente, como piso salarial R$1.468,93 e R$2.914,34. _________________________ 3Informação retirada do site salário.com.br 46 Para análise das outras partes do teste, os resultados obtidos no perfil social não serão levados em consideração. O perfil social, nesta pesquisa, é utilizado como ferramenta para conhecer o público-alvo participante. Vale salientar que, com os resultados obtidos nessa pesquisa, pretendemos contribuir com os estudos sociolinguísticos, especificamente no âmbito educacional, e com cursos de formação inicial e continuada para professores. Logo, compreender o perfil social dos participantes de pesquisas científicas pode contribuir com a elaboração de futuras intervenções personalizadas. 4.2. Resultados do instrumento 1: a segunda parte do teste de crenças e avaliações linguísticas (afirmações sobre a língua) Na segunda parte de nosso teste, os alunos deveriam assinalar com verdadeiro (V) ou falso (F) 09 afirmações e caso achassem pertinente, poderiam comentar as suas respostas. Entre os resultados obtidos, em relação as afirmações que abordavam avaliações sobre a língua, (“1. Aprender língua portuguesa é difícil.” e “4. Falar é mais fácil do que escrever”), temos: Gráfico 3. Respostas das afirmações 1 e 4 do teste de crenças. Fonte: elaborado pelas autoras (2024). Como podemos observar, os alunos, em sua maioria, acreditam que aprender língua portuguesa é “difícil”. Temos como hipótese que essa percepção 47 decorre do fato da língua portuguesa ser tratada de maneira abstrata e homogênea em sala de aula. Nas escolas de Educação Básica imperam aulas com foco em questões gramaticais tradicionais descontextualizadas, que desconsideram o caráter heterogêneo e multifacetado da língua. Nomenclaturas e classificações de classes gramaticais tornam-se o cerne das aulas de língua portuguesa, que trazem como consequência uma visão estreita da língua. Assim, os alunos sentem um distanciamento das aulas, pois as regras que aprendem na escola não correspondem aos usos do dia a dia nas mais diversas situações comunicativas. Levando-se em consideração tal fato, não significa que o professor de língua portuguesa não deva ensinar normas gramaticais em sala de aula, mas ensiná-la de maneira reflexiva e que atendam aos objetivos educacionais de cada turma. Nas palavras de Bagno (2009, p. 20): A língua é um enorme iceberg flutuando no mar do tempo, e a gramática normativa é a tentativa de descrever apenas uma parcela mais visível dele, a chamada norma-padrão. Essa descrição, é claro, tem seu valor e seus méritos, mas é parcial (no sentido literal e figurado do termo) e não pode ser autoritariamente aplicada a todo o resto da língua – afinal, a ponta do iceberg que emerge representa apenas um quinto do seu volume total. Corrobora-se com essa visão, a realidade evidente de que os momentos de avaliação escolar, que não buscam contribuir com reflexões acerca da língua, mas, apenas, encontrar os “erros” que os alunos cometeram, contribui com a percepção de que aprender língua portuguesa é difícil. Como afirma Antunes (2015, p.159), a avaliação escolar: Deve, na verdade, proporcionar ao aluno a consciência de seu percurso, de seu desenvolvimento, na apreensão gradativa das competências propostas. Deve indicar ao professor as hipóteses que os alunos têm acerca do uso falado e escrito da língua, para que, quando necessário, eles reformulem essas hipóteses, sem a experiência amarga e desencorajadora de se sentirem incompetentes, “em erro” e linguisticamente diminuídos. Quanto à afirmação 4, os alunos acreditam que é mais fácil falar do que escrever, entendemos que os alunos consideram mais fácil, pois a comunicação oral dá-se desde tenra idade, aprendemos a falar antes de escrever. Entretanto, Marcuschi (2007, p.37) explica que essa visão equivocada acontece porque “a escrita foi tomada pela maioria dos estudiosos como estruturalmente elaborada, 48 complexa, formal e abstrata, a fala era tida como concreta, contextual e naturalmente simples.” Já sobre as afirmações “2. Somente em Portugal se fala bem o português.” e “3. Algumas regiões brasileiras falam melhor o português do que outras.” temos: Gráfico 4. Respostas das afirmações 2 e 3 do teste de crenças. Fonte: elaborado pelas autoras (2024). Como podemos observar no gráfico 4, todos os alunos consideram que é falso que somente em Portugal se fala bem o português. Tal resultado mostra uma percepção positiva em relação a essa crença, que se mostra superada. Por muito tempo, comparações em relação ao português de Portugal e português do Brasil foram realizadas, comprometendo a autoestima linguística dos brasileiros trazendo um sentimento de inferioridade, propagado desde o período da colonização brasileira. Entretanto, apesar de nenhum aluno achar verdadeiro que somente em Portugal se fala bem o português, houve um empate nas respostas em relação à afirmação de que algumas regiões brasileiras falam melhor o português do que outras. Essa crença ainda persiste em meios educacionais pela tradição gramatical que coloca a língua como uniforme. 49 Bagno (2007), afirma que educadores sem formação sociológica adequada reproduzem tal equívoco que desconsidera a verdadeira diversidade do PB. Quando reproduzido em sala de aula, desconsidera que a língua é falada por mais de 200 milhões de brasileiros, de diferentes classes sociais, grau de escolaridade, idade, entre outros fatores, ou seja, tal crença nega a diversidade do nosso país que reflete na língua. Representamos no gráfico 5 os resultados obtidos em relação às afirmações “5. Somente professores de língua portuguesa dominam o próprio idioma.” e “7. As pessoas analfabetas não sabem português.” Gráfico 5. Respostas das afirmações 5 e 7 do teste de crenças. Fonte: elaborado pelas autoras (2024). Essas afirmações consideram a variação social, que leva em conta a variável grau de escolarização, em sua totalidade os alunos consideram que é falso que somente professores de português dominam o próprio idioma. Tal resultado se mostra positivo, visto que existem muitas maneiras de aprimorar os conhecimentos sobre a língua, os professores de português possuem uma formação específica e o domínio do idioma não é exclusivo dessa formação. 50 No tocante à afirmação 7, a maioria dos alunos consideram que é falso que pessoas analfabetas não sabem português. É perceptível uma maior clareza em relação a associação de grau de escolaridade com domínio do próprio idioma. De acordo com Bagno (2016), Mesmo uma pessoa plenamente analfabeta dispõe de recursos linguísticos e de competência comunicativa para monitorar sua fala de acordo com o grau de maior ou menor formalidade que detecta nos eventos de interação verbal em que se engaja. Essa pessoa plenamente analfabeta não vai falar da mesma maneira, com o mesmo léxico e a mesma prosódia, por exemplo, com seu cônjuge e com seu empregador. (BAGNO, 2016, p.79) Representamos no gráfico 6 os resultados obtidos na afirmação “6. A maneira como escrevemos na internet é sempre informal.” Gráfico 6. Resposta da afirmação 6 do teste de crenças. Fonte: elaborado pelas autoras (2024). No tocante à afirmação 6 houve um empate, nem todos os alunos compreendem que mesmo no ambiente digital, nem sempre utilizaremos uma linguagem menos monitorada. A informalidade não é uma característica intrínseca da escrita na internet, pois há situações consideradas formais mesmo em ambiente digital. Tal crença pode estar relacionada ao fato de que o público participante da pesquisa seja um público jovem que utiliza, em sua maior parte, gêneros digitais 51 informais como conversas em chat, postagem em rede social, memes, entre outros. Além disso, para a comunicação nesses gêneros, é utilizado a linguagem da internet, também chamada de “internetês”, tal linguagem promove uma alteração na ortografia da língua portuguesa, como abreviações e acrônimos. Além disso, Marchuschi (2010) aponta para o uso de recursos que permitem a expressão de sentimentos humanos substituindo as palavras em ambientes virtuais como os emojis e stickers. Oliveira (2018) identificou a dificuldade de se trabalhar com os gêneros digitais em sala de aula pela falta de fluência digital de professores e falta de recursos digitais na escola. Assim, um distanciamento do trabalho com gêneros digitais na escola pode levar os alunos a considerarem que a maneira como escrevemos na internet seja sempre informal. Representamos no gráfico 7 os resultados obtidos em relação às afirmações “8. É importante corrigir as pessoas sempre que elas falarem ou escreverem de uma maneira que não atenda à gramática tradicional brasileira.” e “9. É uma forma de preconceito rir de quem não fala/escreve de acordo com a gramática tradicional brasileira.” Gráfico 7. Respostas das afirmações 8 e 9 do teste de crenças. Fonte: elaborado pelas autoras (2024). No tocante à afirmação 8, a maioria dos alunos acreditam que é falso que é importante corrigir as pessoas sempre que elas falarem ou escreverem de uma 52 maneira que não atenda à gramática tradicional brasileira, porém, como a diferença é insuficiente, não consideramos esse dado como positivo. Temos como hipótese que o hábito de corrigir advém de uma consequência de um ensino focalizado na norma- padrão, assim os falantes reconhecem e aplicam correções a manifestações linguísticas percebidas como “incorretas”, contribuindo com a perpetuação de relações de poder e prestígio social. Quanto à afirmação 9, a maioria dos alunos acreditam que é uma forma de preconceito rir de quem não escreve/fala de acordo com a gramática tradicional brasileira, tal resultado evidencia que os alunos (re)conhecem a existência do preconceito linguístico. Bagno (2009) identifica três elementos que perpetuam o preconceito linguístico: a gramática tradicional, o ensino tradicional e os livros didáticos. Apesar dessa tríade ainda permanecer nas escolas, o (re)conhecimento do preconceito linguístico é um avanço em termos educacionais, pois como salienta Scherre (2008), o preconceito ocorre em relação às diferenças linguísticas que marcam diferenças sociais. Assim, o (re)conhecimento do preconceito linguístico contribui na promoção de igualdade e na desconstrução de estereótipos negativos sobre grupos de pessoas específicos, promovendo o respeito linguístico. 4.3 Resultados do instrumento 1: a terceira parte do teste de crenças e avaliações linguísticas (fragmentos do PB) Como já mencionado na seção de Metodologia, a terceira parte do teste de crenças consiste em avaliações linguísticas dos informantes sobre textos do português brasileiro (PB) falados e escritos. O primeiro texto presente no teste é um vídeo do Programa Zorra Total do quadro da personagem Lady Kate, exibido originalmente em 2009 com duração de 2 minutos e 59 segundos, no qual a personagem recebe a rainha da Inglaterra como visita. Abaixo, reproduzimos as respostas dos informantes relacionadas à pergunta “a. Como você avalia a maneira de falar da personagem Lady Kate?”: Fragmento 4: “Ela tenta falar formalmente, mas ela não consegue.” [IFA_14_F] Fragmento 5: “A forma que ela fala é informal, pois ela deve ter sido criada dessa maneira.” [IFB_ 14_M] 53 Fragmento 6: “É informal.” [IFC_14_M] Fragmento 7: “Informal”. [IFD_15_F] Fragmento 8: “É uma maneira informal, a maneira que falamos no dia a dia.” [IFE_14_F] Fragmento 9: “Informal.” [IFF_14_F] Fragmento 10: “Que ela tenta falar de uma forma formal, mas não consegue.” [IFG_14_F] Fragmento 11: “Informal.” [IFH_15_F] Fragmento 12: “Informal, força sotaque e grita muito.” [IFI_14_F] Fragmento 13: “Uma forma normal, mas não é falado muito.” [IFJ_14_F] Fragmento 14: “É uma maneira informal.” [IFK_14_F] Fragmento 15: “É uma maneira de misturar o inglês com o português (sotaque).” [IFL_15_F] Fragmento 16: “Muito informal.” [IFM_14_M] Fragmento 17: “Informal, cheia de gírias.” [IFN_14_M] Fragmento 18: “Informal.” [IFO_14_M] Fragmento 19: “Informal.” [IFP_14_M] Fragmento 20: “Informal.” [IFQ_14_ M] Fragmento 21: “Informal.” [IFR_14_M] Como podemos observar, os alunos avaliam como informal a fala da personagem, porém reconhecem que há situações que falamos dessa maneira, como evidencia as respostas “a maneira que falamos no dia a dia” [IFE_14_F] e “cheia de gírias” [IFN_14_M]. Entendemos o reconhecimento dessa distinção como positivo, pois sabemos que os diferentes contextos comunicativos orientam um estilo de comunicação mais monitorado ou menos monitorado, assim os falantes adaptam a linguagem utilizada garantindo uma comunicação eficaz. Na resposta “Uma forma normal, mas não é falado muito.” [IFJ_14_F], levantamos a hipótese que o informante considerou a fala como normal por ser uma fala com sentido, ou seja, não é uma fala incompreensível, porém pode ter associado com “não é falado muito” com, por exemplo, um sotaque, algo característico de uma determinada região que não é a do informante. 54 Em relação à pergunta “b. A que classe social (alta, média e baixa) você acha que ela pertence? Por quê?”, obtivemos as seguintes respostas: Fragmento 21: “Ela era de classe baixa e depois ficou rica, dá para perceber pelo modo povão dela.” [IFA_14_F] Fragmento 22: “Ela era da classe social baixa, porém ela se tornou uma pessoa da classe alta.” [IFB_ 14_M] Fragmento 23: “Alta porque ela recebeu a rainha da Inglaterra.” [IFC_14_M] Fragmento 24: “Ela era classe baixa e depois virou classe alta.” [IFD_15_F] Fragmento 25: “Pertence a classe social alta de acordo com suas roupas e sua casa.” [IFE_14_F] Fragmento 26: “Alta, porque ela mora numa casa grande e chique.” [IFF_14_F] Fragmento 27: “Alta, pelo cenário, roupas e acessórios utilizados por ela no vídeo.” [IFG_14_F] Fragmento 28: “Baixa, pelo jeito de falar e pelos gostos dela nas comidas.” [IFH_15_F] Fragmento 29: “Classe média, porque a casa dela é grande, mas ela possui um “jeito de pobre”. [IFI_14_F] Fragmento 30: “Ela era da classe baixa, agora é da classe alta. Ela tinha uma condição ruim, mas agora tem uma condição boa.” [IFJ_14_F] Fragmento 31: “Eu acho que ela veio de baixa e foi para alta pelo jeito ‘simples’ que ela fala.” [IFK_14_F] Fragmento 32: “A classe baixa, porque ela tem um jeito simples de falar.” [IFL_15_F] Fragmento 33: “Alta, pela casa, vestimenta e comida.” [IFM_14_M] Fragmento 34: “Baixa, mas foi para alta, pois ela tem um jeito bem animado.” [IFN_14_M] Fragmento 35: “Era da baixa e ficou rica.” [IFO_14_M] Fragmento 36: “Baixa de cabeça e rica de dinheiro.” [IFP_14_M] Fragmento 37: “Baixa.” [IFQ_14_ M] Fragmento 38: “Alta, por conta que ela era pobre e ficou rica.” [IFR_14_M] 55 A maioria dos alunos consideram que a personagem pertencia a classe social baixa e depois passou a pertencer a classe alta, associada à visita que a personagem recebe no vídeo, Rainha da Inglaterra, e associando essa resposta ao modo de se vestir e à residência da personagem, como as respostas “Alta, porque ela mora numa casa grande e chique.” [IFF_14_F], “Pertence a classe social alta de acordo com suas roupas e sua casa.” [IFE_14_F] e “Alta porque ela recebeu a rainha da Inglaterra.” [IFC_14_M]. Os alunos que responderam q