unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Faculdade de Ciências e Letras Campus de Araraquara - SP Programa de Pós-Graduação em Educação Sexual YURI KOTKE CUNHA APRENDENDO A SENTIR-SE VIVO NO CORPO: UMA HISTORIOGRAFIA DOS CRUZAMENTOS ENTRE EDUCAÇÃO SEXUAL E TERAPIA CORPORAL NO BRASIL DO SÉC XX. ARARAQUARA - SP 2021 YURI KOTKE CUNHA APRENDENDO A SENTIR-SE VIVO NO CORPO: UMA HISTORIOGRAFIA DOS CRUZAMENTOS ENTRE EDUCAÇÃO SEXUAL E TERAPIA CORPORAL NO BRASIL DO SÉC XX. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós- Graduação da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista, Campus de Araraquara-SP, como parte dos requisitos para a obtenção do título de mestre em Educação Sexual. Linha de Pesquisa: Sexualidade e educação sexual, interfaces com a história, a cultura e a sociedade Orientadora: Profª. Drª. Lourdes M. G. Conde Feitosa. ARARAQUARA 2021 C972a Cunha, Yuri Kotke Aprendendo a sentir-se vivo no corpo : uma historiografia dos cruzamentos entre educação sexual e terapia corporal no Brasil do séc. XX. / Yuri Kotke Cunha. -- Araraquara, 2021 85 p. Dissertação (mestrado profissional) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Ciências e Letras, Araraquara Orientadora: Lourdes Madalena Gazarini Conde Feitosa 1. Educação sexual. 2. Sexo. 3. Ginásticas de conscientização corporal. 4. História. 5. Historiografia. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca da Faculdade de Ciências e Letras, Araraquara. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. YURI KOTKE CUNHA APRENDENDO A SENTIR-SE VIVO NO CORPO: UMA HISTORIOGRAFIA DOS CRUZAMENTOS ENTRE EDUCAÇÃO SEXUAL E TERAPIA CORPORAL NO BRASIL DO SÉC XX. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista, Campus de Araraquara- SP, como parte dos requisitos para a obtenção do título de mestre em Educação Sexual. Linha de pesquisa: Sexualidade e educação sexual: interfaces com a história, a cultura e a sociedade. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Lourdes M. G. Conde Feitosa. Defesa: 04/05/2021 MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA: ______________________________________________________________ Orientadora: Prof.ª Dr.ª Lourdes M. G. Conde Feitosa UNESP – Faculdade de Ciências e Letras – Campus de Araraquara-SP e UNIGRADO - Centro Universitário Sagrado Coração – Bauru/SP ______________________________________________________________ Membro Titular: Prof. Dr. Paulo Rennes Marçal Ribeiro UNESP – Faculdade de Ciências e Letras – Campus de Araraquara-SP ______________________________________________________________ Membro Titular: Prof. Dr. Roger Marcelo Martins Gomes UNIGRADO - Centro Universitário Sagrado Coração – Bauru/SP ______________________________________________________________ Membro Suplente: Prof.ª Dr.ª Andreza Marques de Castro Leão UNESP – Faculdade de Ciências e Letras – Campus de Araraquara/SP ______________________________________________________________ Membro Suplente: Prof.ª Dr. ª Maria Ivone Marchi Costa Mestre e Doutora em Psicologia clínica (PUCSP – Núcleo de Família). Psicóloga Clínica especialista em família/casal, sexualidade e gênero. Local: Universidade Estadual Paulista Faculdade de Ciências e Letras – Campus de Araraquara-SP Dedico esse trabalho aos pioneiros e pioneiras do pensamento sobre o corpo, a partir do corpo e com o corpo. Obrigado pela inspiração. AGRADECIMENTOS Agradeço à minha família pelo apoio e pela presença nutridora em toda a minha vida. Minha mãe Regina, com seu suporte, meu irmão Taoan, com seu acolhimento generoso, meu pai Cunha, com os conselhos mais firmes. Sinto uma profunda gratidão de ter nascido desse núcleo de amor. À minha Orientadora, Prof.ª Dr.ª Lourdes M. G. Conde Feitosa, pela iniciação no mundo da pesquisa de mestrado, pela atenção e cuidado com a minha escrita, e pelas valiosíssimas contribuições com esse trabalho. Eu sou uma pessoa e, ouso dizer, um acadêmico melhor depois desse aprendizado. Muito obrigado. Ao Prof. Dr. Paulo Rennes Marçal Ribeiro, pelas indicações de leitura histórica e generosidade em compartilhar um vasto material de pesquisa. Ao Prof. Dr. Roger Marcelo Martins Gomes, pela gentileza em aceitar o convite para fazer parte da banca e oferecer um novo olhar à pesquisa que estava sendo desenvolvida, fazendo ótimos apontamentos. Ao Prof. Dr. Luis Antonio Calmon Nabuco Lastória, pelas suas aulas provocativas, por me ajudar a entender a filosofía na sexualidade e a sexualidade na filosofía, e por aguçar o meu pensamento crítico e estético. Aos colegas e professores do Programa de Pós-Graduação em Educação Sexual, pelo acompanhamento na jornada desse mestrado. Ao Fred, por compartilhar os aprendizados e processos de escrita acadêmica. À Paula Fernanda Andreazza e Tiago Brumatti, meus parceiros e sócios nessa empreitada de trazer o Sexological Bodywork ao Brasil e a América Latina através do ILASS. À Thais Plaza, pela acolhimento em São Paulo, quando eu estava começando minha jornada ,vindo do Nordeste, e procurando um espaço para atender meus alunos e dar cursos. Ao Joseph Kramer, por ter criado a modalidade de Educação Sexual que se tornou minha missão: O Sexological Bodywork. À Beatriz Nascimento e Alessandra Maria, amigas cuja presença alterou a minha vida para melhor desde a prova de mestrado. Suas companhias durante o mestrado foram enriquecedoras. A minha Casa é guardiã do meu corpo E protetora de todas minhas ardências. Hilda Hilst (2008, p. 61) Meu corpo é minha localização. Por isso é que mudo. Diane Sbardelotto (2017) RESUMO As terapias corporais no Brasil surgem em meados dos anos 1960 como um modelo alternativo de prática terapêutica, tendo como uma de suas influências principais a “orgonoterapia" de Wilhelm Reich, modelo terapêutico que postulava que “as enfermidades psíquicas são o resultado do caos sexual da sociedade”, advogando, assim, um novo modelo de vivenciar a sexualidade. A presente pesquisa busca investigar historicamente o advento das terapias corporais no Brasil nos anos 60, 70 e 80 e de que forma esse paradigma terapêutico se relaciona com a educação sexual da época. A história da educação sexual, sua relação com o campo médico e a possibilidade de cruzamento com o aspecto terapêutico das terapias corporais é observada. O objetivo desta investigação é localizar, compilar e analisar criticamente a produção bibliográfica que aborda especificamente as terapias corporais e a sua relação com a educação sexual a partir do contexto histórico das transformações sociais que ocorreram nestas décadas. Utilizamos como ferramentas metodológicas os conceitos de dispositivo e sexualidade oferecidos por Michel Foucault em sua História da Sexualidade e a obra escrita de Wilhelm Reich sobre a função do orgasmo, a fim de melhor compreender como se deu a chegada e a disseminação das terapias corporais no Brasil, o contexto histórico no qual se difundiram, o desenvolvimento, ou mesmo censura, em relação à educação sexual no período, bem como as ramificações e desdobramentos advindos daí. A análise apontou que a chegada e difusão das terapias corporais funcionou como uma espécie de educação sexual, cujo foco no corpo e um olhar mais terapêutico do que pedagógico delimitou o seu campo de atuação para o interior do universo da Psicologia após a sua formalização, um caminho que possibilitou estar relativamente livre da censura durante a ditadura militar no Brasil. Palavras chave: Educação Sexual; Corpo; História; Terapias Corporais; Wilhelm Reich. ABSTRACT Body therapies in Brazil emerged in the mid-1960s as an alternative model of therapeutic practice, having as one of its main influences Wilhelm Reich's “orgone therapy”, a therapeutic model that postulated that “psychic illnesses are the result of the sexual chaos of society ", thus advocating a new model of experiencing sexuality. The present research seeks to investigate historically the advent of body therapies in Brazil in the 60s, 70s and 80s and how this therapeutic paradigm is related to the sexual education of the time. The history of sex education, its relationship with the medical field and the possibility of crossing with the therapeutic aspect of body therapies is observed.The objective of this investigation is to locate, compile and critically analyze the bibliographic production that specifically addresses body therapies and their relationship with sexual education within the historical context of the social transformations that have occurred in these decades. We used as methodological tools the concepts of dispositif and sexuality offered by Michel Foucault in his History of Sexuality and the written work of Wilhelm Reich about the function of orgasm in order to better understand how the arrival and dissemination of body therapies took place in Brazil and its connection with the development or even censorship that occurred in the sexual education of the same period, the historical context in which it was disseminated and the ramifications and developments that came from it. The analysis pointed out that the arrival and diffusion of body therapies functioned as a type of sexual education, whose focus on the body and a more therapeutic than pedagogical look delimited its field of action towards the interior of the Psychology universe after its formalization, while allowing it to grow during Brazil’s military dictatorship. Keywords: Sex Education; Body; History; Body Therapy; Wilhelm Reich. SUMÁRIO INTRODUÇÃO.......................................................................................................................10 1 SEXUALIDADE COMO DISPOSITIVO HISTÓRICO: A PERSPECTIVA DE FOUCAULT............................................................................................................................20 1.1 Sexualidade e corpo.................................................................................................21 1.2. Sexualidade e educação sexual...............................................................................24 1.2.1 Breve história da educação sexual no Brasil..........................................................26 1.3 Sexualidade e terapias corporais..............................................................................35 1.3.1 - Wilhelm Reich na raiz das terapias corporais: “Uma ciência do orgasmo”.........39 2. HISTÓRIA DAS TERAPIAS CORPORAIS NO EIXO RIO-SÃO PAULO NAS DÉCADAS DE 1960, 1970 E 1980..........................................................................................43 2.1. Terapias corporais no Brasil: uma história..............................................................46 2.1.1. Em São Paulo.......................................................................................................47 2.1.2. No Rio de Janeiro.................................................................................................49 2.2. Análise da relação entre terapias corporais e educação sexual e crítica historiográfica dos registros pesquisados..................................................................................52 2.2.1. Análise de documento de época (Jornal Rádice Luta & Prazer de 1981) como exemplo do entrelaçamento entre educação sexual e terapias corporais no período citado........54 2.2.2. Análise crítica dos escritos sobre as terapias corporais. .......................................57 2.2.3 Crítica Historiográfica dos registros sobre terapias corporais: O que as autoras têm em comum? ..............................................................................................................................59 2.3 Possibilidades para uma educação sexual do corpo no Século XXI: O I CONISS - Congresso Internacional de Sexologia Somática.....................................................................61 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................65 REFERÊNCIAS......................................................................................................................69 Anexo A – Matéria de Jornal sobre o II Simpósio Alternativas no Espaço Psi...................75 Anexo B – Capa de Edição 4, Jornal Rádice Luta & Prazer, nº4, dez. 1981.......................76 Anexo C – Material Promocional I CONISS.........................................................................77 Anexo D – Palestrantes I CONISS: Congresso Internacional de Sexologia Somática.....79 10 INTRODUÇÃO O estudo científico da sexualidade no Brasil tem se tornado mais e mais aprofundado nos séculos XX e XXI. Como áreas transversais, a sexualidade e a educação sexual dialogam com diversos campos de conhecimento. Suas abordagens frequentemente utilizam fontes diversas, como a psicologia, a medicina, a psicanálise e a pedagogia. A sexualidade no mundo ocidental começa a ser analisada como objeto de estudo científico no Séc. XIX (Ribeiro, 2009, p.131). Esse estudo foi se diversificando ao longo do tempo, se especializando e criando várias subáreas no estudo da própria sexualidade. Temos a sexologia clínica, a terapia sexual e muitas outras áreas. Mesmo sendo um campo relativamente jovem quando comparado com outros campos de conhecimento, vários estudos e análises já foram publicados e a percepção da sexualidade e do ser humano como ser sexuado se alterou profundamente ao longo do Séc. XX e no início do Séc. XXI. Desde os escritos iniciais de Kraft-Ebbing e Sigmund Freud, passa por Alfred Kinsey, Shere Hite e Masters & Johnson, até chegar, no fim do Séc. XX, à medicalização da sexualidade e das disfunções sexuais, momento em que o Viagra e outras intervenções clínicas assumiram uma posição de destaque (Russo, 2013. p.190). Quando investigamos historicamente a sexualidade, dois temas surgem com frequência: O papel da educação sexual e o papel do corpo na sexualidade. No que se se refere ao corpo, o compreendemos como o locus privilegiado da experiência da sexualidade. Foucault (1999, p.100) diz que “o dispositivo da sexualidade se liga à economia através de articulações numerosas e sutis, sendo o corpo a principal”. Dessa forma, analisar historicamente como as concepções de corpo influenciam na sexualidade é um trabalho importante, dado que a concepção de corpo presente em um determinado momento histórico influencia como os sujeitos se relacionam com os seus próprios corpos e com os corpos dos outros. Compreender e analisar isso ajuda a definir qual a noção de sexualidade que é considerada aceitável socialmente e qual é rejeitada pela sociedade em um período histórico específico, suscitando questionamentos e conclusões que não seriam possíveis sem um olhar dedicado ao corpo. Entre os vários modelos terapêuticos da psicologia surgidos no século XX1, um que recebeu particular destaque foi o que se chama informalmente de “terapias corporais”. Este é um termo guarda-chuva para muitas práticas e procedimentos diferentes (Russo, 1993, p.112), 1 Os variados modelos terapêuticos não serão objeto de estudo mais aprofundado nesta dissertação, e serão descritos com o objetivo de situar o contexto histórico que está sendo investigado. 11 mas que tem em comum uma atenção especial aos processos e sensações físicas do sujeito e uma referência, implícita ou explícita, ao trabalho de Wilhelm Reich. Wilhelm Reich foi um psiquiatra e psicanalista discípulo do pai da psicanálise, Sigmund Freud. Nascido no Império Austro-Húngaro em 1897, Reich se formou em medicina em Viena e estudou psicanálise com Freud, trabalhando diretamente sob sua supervisão. Ao longo do tempo, suas propostas teóricas começaram a divergir da psicanálise de Freud, levando-o a se afastar da sociedade psicanalítica da época. Sua vida e obra sempre foram consideradas polêmicas pelo seu foco na sexualidade e no orgasmo. A publicação de obras como “Análise do Caráter” (1933) e “A função do Orgasmo” (1945) estabeleceram as fundações do seu trabalho, chamado por ele inicialmente de “vegetoterapia" e mais tarde de “orgonoterapia”, sendo esta última nomenclatura derivada do “orgônio”, substância que ele afirmava ter descoberto. No fim da vida, Reich se envolveu mais e mais em polêmicas e controvérsias. Tendo se mudado para os Estados Unidos, ele montou um centro de pesquisa no estado do Maine, onde realizava os seus experimentos sobre o orgônio, substância que segundo ele era a “energia cósmica". (Reich, 1975, p. 191). Após afirmar que alguns dos seus aparelhos e métodos terapêuticos com o orgônio eram capazes de curar o câncer, Reich foi alvo de um processo judicial pelo Food and Drug Administration, órgão regulador de medicamentos nos Estados Unidos. Preso em 1957, morre um ano depois de um infarto agudo do miocárdio, uma semana antes da data em que seria posto em liberdade condicional2. O trabalho de Wilhelm Reich envolvia uma educação sexual que partisse do corpo e fosse libertadora, ou seja, que permitisse o sujeito viver sua sexualidade com o mínimo de restrições impostas externamente, e sugeria que isso seria uma forma de encontrar saúde e bem estar individual e social. Sua ideia da “função do orgasmo” e a relação estabelecida por ele entre satisfação sexual e saúde foram fundamentais para o modelo futuro das terapias corporais. A documentação histórica e os estudos acerca da sexualidade e da educação sexual no Brasil ainda são incipientes. Embora muitos documentos tenham sido produzidos ao longo do Séc. XX, e mesmo antes desse período, os tabus e interditos sociais relativos a essa área criaram algumas dificuldades na elaboração de um campo de conhecimento mais integrado, seja nas universidades, em congressos científicos ou na sociedade em geral. Uma outra questão importante que norteia este trabalho é que a produção destes registros e estudos históricos, tendo sido escritos e publicados em um determinado período, são 2 Sharaf, Myron. Fury on Earth, A biography of Wilhelm Reich, 1994. 12 expressões de uma ideologia localizada em um espaço e um tempo específicos. Como diz Torres: Todo conhecimento é indissociável do seu espaço-tempo, expressando rumos para o acontecer e para a humanidade; portanto, é ideológico (situado historicamente, recorrendo a instrumentos intelectuais - conceituais racionais ou com apelo emocional - para reproduzir ou transformar relações sociais no cotidiano de sua existência). (Torres, 2007, p. 58) Sendo assim, fazer uma crítica historiográfica desses registros e textos descrevendo a história pode colaborar para uma análise crítica da produção de conhecimento sobre a sexualidade no Brasil, sendo extremamente importante para os futuros avanços dos estudos sobre a mesma. Essa crítica depende de uma pesquisa e subsequente construção de um arquivo detalhado do material científico nesse campo. Para isto, esta pesquisa atenta-se aos momentos históricos em que cada texto foi elaborado, a intenção de cada autor e o referencial teórico por ele utilizado para embasar suas teorias. Da mesma forma, as terapias corporais, dado o seu caráter muitas vezes informal de produção e difusão de técnicas e práticas, deixam a desejar no que diz respeito à construção de uma documentação mais apurada de seu percurso. Diferente da história registrada de práticas terapêuticas oficiais, como a Psiquiatria e a Psicologia, as terapias corporais têm seus registros de modo mais esparso, nos quais predomina a oralidade, tornando o acesso a estes mais difícil (Coimbra, 1995, p. 211). Observar os registros encontrados de forma crítica pode ajudar a vislumbrar possibilidades, encontrar novos pontos de inflexão e perceber temas comuns aos autores, bem como acompanhar o desenvolvimento de pontos de vista teóricos sobre o fenômeno das terapias corporais em momentos históricos diferentes. O que o mesmo autor pensa sobre o fenômeno vinte ou trinta anos depois de seu acontecimento, tendo presenciado a sua ascensão e transformação? Analisar essa escrita da história é uma prática historiográfica, dotada de caráter científico. Segundo Torres: O caráter científico do saber histórico está ligado a uma problemática epistemológica, em que a ciência natural ou humana não chega à verdade absoluta ou à comprovação final, mas caracteriza-se pelo estabelecimento de uma sistematização de dados que a partir de um método racional de crítica pode converter-se num conhecimento em contínua dinâmica. (Torres, 2007, p. 56) 13 Dessa forma, ao realizar uma crítica historiográfica dos registros sobre terapias corporais, estamos também contribuindo para o conhecimento das mesmas. Assim, associamos as terapias corporais à sexualidade porque esta se expressa primariamente por meio do corpo e da experiência corporal. Determinar os possíveis cruzamentos entre o aparecimento e disseminação das terapias corporais no Brasil e a educação sexual pode encontrar relações e conexões assim como pode ser uma importante análise sobre as terapias corporais e o modo como ela influenciou, ou não, a forma como a sexualidade foi experimentada nesse período histórico, colaborando para o fortalecimento do campo da saúde e educação sexual no país. Também compreendemos que o campo da saúde e o da educação sexual estão ligados a partir da origem desta última na sexologia. Nascido no bojo da medicina do Séc. XIX, o estudo científico da sexualidade tinha como fundamento certos procedimentos violentos e excludentes, com a deslegitimação de qualquer prática que não fosse heterossexual e monogâmica, com fins reprodutivos. Nessa direção, fomos buscar que relações as terapias corporais e seus fundamentos teóricos, advindos da prática libertária de Wilhelm Reich, podem ter engendrado ou não quando se confrontaram com esse paradigma conservador. Nós buscamos possíveis relações entre estas terapias alternativas e a educação sexual que estava em voga no período estudado, fosse formal ou informal. Ao compilar vários registros sobre a trajetória da educação sexual e das terapias corporais no Brasil nas décadas de 60, 70 e 80, identificando influências e possíveis correlações entre a educação sexual e o desenvolvimento das terapias corporais no Brasil, pensamos que podemos contribuir para a crítica historiográfica da educação sexual no Brasil, de modo a colaborar com a análise do acervo escrito sobre as terapias corporais no Brasil. Isto posto, nesta pesquisa propõe-se analisar a relação entre a educação sexual e as chamadas “terapias corporais” no Brasil nas décadas de 60, 70 e 80, a partir da perspectiva foucaultiana de Sexualidade, descrita em seu História da Sexualidade. O método escolhido foi a pesquisa bibliográfica, que tem como objetivo explicar um problema a partir de referências teóricas, publicadas principalmente em livros, artigos, revistas, entre outros meios (Rampazzo, 2005). Nesta direção, encontramos durante nossa pesquisa materiais produzidos na época, dentre eles o Jornal Rádice Luta & Prazer, jornal nascido a partir da Rádice - Revista de Psicologia, uma referência que congregou várias linhas e 14 movimentos relacionados ao “complexo alternativo” onde floresceram as terapias corporais durante os anos 1970 e 1980 no Brasil3. Para essa pesquisa, utilizamos o Jornal Rádice Luta & Prazer número 4, de dezembro de 1981. Escolhemos esta edição por representar um momento na história das terapias corporais onde já havia uma inflexão do movimento das terapias corporais em direção a uma maior regulamentação, enquanto a abertura política do Brasil já ensaiava seus passos e o fim da Ditadura Militar viria logo depois, em 1985. O Editorial desta edição do Jornal nos oferece um vislumbre de como se estava vivenciando a sexualidade naquele momento histórico, no contexto da cultura alternativa, e que ideais ela propagava. Com esse olhar localizado, utilizamos também os relatos e bibliografia sobre o período, para apontar ou localizar instâncias onde podemos ver o dispositivo foucaultiano da sexualidade atuando. Como aporte adicional para esta pesquisa utilizamos materiais bibliográficos que descrevem a educação sexual e as terapias corporais durante o século XX, período histórico escolhido para ser analisado. Segundo Pizzani (2012, p.54), a pesquisa bibliográfica, também chamada de revisão da literatura, tem entre seus objetivos “proporcionar um aprendizado sobre uma determinada área do conhecimento”. Escolhemos esse método de pesquisa para seguir em linha com o objetivo do trabalho, que é fazer um levantamento das análises que existem sobre o que se denomina “terapia corporal” no Brasil durante as décadas de 1960, 1970 e 1980 e refletir se ela se relaciona com a educação sexual e que tipo de relação foi estabelecida com a mesma. Como já citado, as terapias corporais chegaram ao Brasil de maneira informal, muitas vezes ao largo da psicologia e terapêutica médica “oficial’. Isso também ocorreu devido à censura presente durante a ditadura militar no Brasil, cujo legado repressor durou de 1964 a 1985, com o seu caráter mais repressor sendo durante o governo do General Emílio Garrastazu Médici (1969-1974). Como as terapias corporais tinham um caráter contestador da moral sexual vigente, algo já presente no trabalho de Wilhelm Reich, seu precursor, elas eram vistas como parte da contracultura subversiva a ser combatida devido às suas semelhanças e cruzamentos 3 Mais detalhes sobre a Revista Rádice podem ser encontradas na dissertação de mestrado, Corpo, subjetividade e política: o ideário libertário das décadas de 60 e 70 em uma revista de “jornalismo da psicologia”, de Pedro de Oliveira Schrepjer (2009), disponível em ; e na tese de doutorado Rádice: muito prazer! Crônicas do passado e do futuro da Psicologia no Brasil, de Alessandra Daflon dos Santos (2008), disponível em 15 com uma teoria social mais libertária, em contraposição ao caráter conservador do regime militar 4. Por isso, os registros dessas práticas deixam a desejar no que diz respeito à construção de uma documentação mais apurada de seu percurso. Como suporte a essa noção de construção de uma história a partir de esparsos registros escritos e análises de fenômenos feitas muitas vezes in loco pelos participantes dos eventos a serem analisados, nos lembramos da noção mais ampla da escrita da história trazida pela Escola dos Annales, que enxerga além dos documentos oficiais produzidos naquele tempo histórico. Como diz Lucien Febvre: A história faz-se com documentos escritos, sem dúvida. Quando estes existem. Mas pode fazer-se, deve fazer-se sem documentos escritos, quando não existem. Com tudo o que a habilidade do historiador lhe permite utilizar para fabricar o seu mel, na falta das flores habituais. (…) Toda uma parte, e sem dúvida a mais apaixonante do nosso trabalho de historiadores, não consistirá num esforço constante para fazer falar as coisas mudas, para fazê-las dizer o que elas por si próprias não dizem sobre os homens, sobre as sociedades que as produziram, e para constituir, finalmente, entre elas, aquela vasta rede de solidariedade e de entreajuda que supre a ausência do documento escrito? (Febrve apud Le Goff, 1992, p. 540). Assim, para construir o nosso panorama de análise, dividimos a pesquisa em três eixos: 1. A bibliografia de fundamentação teórica para estabelecer os conceitos que irão nortear nosso estudo de forma mais acurada. Estes conceitos são: Sexualidade, Educação Sexual e Terapias Corporais. Para tanto, utilizamos Michel Foucault e sua História da Sexualidade, na qual ele localiza historicamente um conceito de sexualidade. Nos valemos das pesquisas históricas de vários autores da área da Sexualidade, como Paulo Rennes Marçal Ribeiro, Regina Bedin e Mary Neide Damico Figueiró para nos fornecer o conceito de educação sexual e sua historicidade no Brasil. Para a definição de terapias corporais, buscamos a referência de Jane Russo e Cecília Coimbra, que estudaram a gênese desse movimento no Brasil durante o período pesquisado. 2. A obra e os conceitos de Wilhelm Reich, bem como algumas fontes biográficas sobre o mesmo, para compreender o período histórico que ele estava inserido e quais os conceitos criados por ele que mais tarde influenciaram as chamadas “terapias corporais”. Enxergamos 4 Para uma descrição mais detalhada de como operava o controle do corpo e das expressões corporais durante a ditadura militar, ver a dissertação de mestrado de Anderson da Silva Soares (2016): Discursos e representações do corpo durante a ditadura militar no Brasil (1968-1979) - UFRN. 16 Reich como um modelo fundamental para embasar nossa análise, dada a influência de sua teoria nas terapias corporais que são analisadas aqui. 3. Livros, teses e artigos sobre o período histórico pesquisado, dos quais consistem a nossa historiografia sobre o desenvolvimento da educação sexual e das terapias corporais no Brasil, incluímos nos registros analisados do período relatos e textos escritos por participantes dos movimentos durante a sua efervescência, como a revista Rádice Luta e Prazer, livros como Gestalt-Terapia, Psicodrama e Terapias Neo-Reichianas no Brasil - 25 Anos de Selma Ciornai (1995), o livro Guardiães da Ordem, de Cecília Coimbra (1995), o livro O Corpo Contra a Palavra, de Jane Russo (1993), entre outros livros representativos do período. Uma edição do Jornal Rádice Luta & Prazer é analisada mais a fundo para realçar marcas específicas de linguagem que expressem certos valores da época e do grupo social que praticava as terapias corporais. Que valores são esses e como eles se contrapõem aos valores sexuais da ditadura militar? A partir do levantamento realizado, pudemos analisar o registro dos eventos no material pesquisado seguindo os conceitos explorados na fundamentação teórica e traçar paralelos, semelhanças e diferenças. Percebemos, ao desenvolver a pesquisa, o valor e a necessidade de uma educação sexual com foco na consciência do corpo, para complementar e expandir a educação sexual institucional que temos hoje em dia. Uma proposta de educação sexual com foco no corpo pode realçar a importância que uma educação sexual formal, esclarecida e consciente nos dias de hoje, quando as manifestações da sexualidade estão cada vez mais ameaçadas por um movimento regressivo mundial em relação aos costumes. No contexto atual, 20 anos depois desde que os registros históricos aqui analisados foram produzidos, percebemos que a sexologia e a educação sexual passaram por mutações ao acompanhar o seu período histórico, com elementos nunca antes imaginados. A chegada e disseminação da internet e sua rede mundial de computadores segue transformando a linguagem e as relações dos seres humanos, mesmo em 2020. Vários eventos históricos, o mais recente sendo a pandemia de COVID-19, estão tendo efeitos profundos nas formas como as pessoas se relacionam com os seus corpos e suas sexualidades. Qual o papel de uma educação sexual nesse novo contexto? Como a nossa pesquisa pode contribuir para esta nova educação sexual? Será que a abordagem vitalista de Reich, que fala de energia cósmica, está ultrapassada para a nossa sexualidade do século XXI, uma sexualidade que fala de neurônios e anatomia de forma esquemática enquanto utiliza pornografia produzida e compartilhada de forma industrial com a ajuda de algoritmos de Inteligência Artificial? 17 Jane Russo (2017), em seu texto Do psíquico ao somático: notas sobre a reconfiguração do self contemporâneo, nos oferece algumas possibilidades. Nesse texto, ela nos descreve um pouco da trajetória da psicanálise nos últimos 25 anos, por um lado questionada pelo establishment médico-científico que exige uma fisicalidade e um materialismo concreto para as suas práticas e por outro indagada pelas terapias alternativas e corporalistas pelo que é compreendido como um foco excessivo na terapia falada e no “universo psíquico” separado da esfera holística de uma corporalidade integral. Russo (2017, p.158) pergunta "Estarão os neurotransmissores substituindo os desejos recalcados? E estaria o Prozac ocupando o lugar do divã?” Ao corroborar autoras como Coimbra (1995) e Ciornai (1995), ela faz um apanhado da história da psicanálise e sua chegada no Brasil a partir de um olhar sobre a classe média. A autora fala que a psicologia e a psiquiatria absorveram a prática psicanalítica e seus conceitos no início do séc. XX. Ao longo do tempo, a psicanálise alargou sua linguagem para além dos divãs da sua prática clínica, tornando-se uma visão de mundo que explicava os mais variados fenômenos sociais sob uma ótica específica. Um exemplo da expansão da visão de mundo psicanalítica citada por Russo (2017) é a difusão de pedagogia popular nas revistas e jornais (e hoje em dia na internet) sobre vários assuntos, tais como relacionamentos, vida sexual, vida conjugal, dentre várias outros. Outro exemplo muito claro dessa expansão é o quanto o jargão psicanalítico como “inconsciente”, “pulsão” e “desejo” fazem parte do nosso vocabulário cotidiano. Mesmo que essas palavras não sejam sempre usadas pelo modelo psicanalítico, é inegável a influência da psicanálise em transformar esses conceitos em lugar comum. O antropólogo Fernando Dias Duarte (2004) cita que a psicanálise é um exemplo histórico da tensão entre o iluminismo racionalista, de um lado, e o romantismo focado na emoção e na experiência vivida, de outro. Segundo Duarte (2004, p.17), este contraponto gera uma “tensão inarredável” entre estes dois polos, e está presente na sociedade ocidental pelo menos desde o Século XVIII. Reich, em um de seus livros mais famosos, A Função do Orgasmo (1974, p.74), enfatiza que o seu “conceito econômico-sexual do mecanismo psíquico não é de natureza psicológica, mas biológica”. Sendo Reich apontado frequentemente como a principal influência na teoria e prática das chamadas “terapias corporais”, percebemos a sua influência na relação desse modelo “somático" com a psicanálise e essa “reconfiguração do self contemporâneo” proposta por Russo. Reich, que se distanciou da psicanálise e de seu criador ao propor termos e conceitos que são as raízes das terapias corporais que temos hoje em dia, é retornado como influência nesse novo “vitalismo" do self contemporâneo, em que noções subjetivas de estados internos 18 como “felicidade" e “bem-estar” serão fundamentais para essa nova visão alternativa da psique, na qual a biologia é atravessada por conceitos subjetivos e moldada pelas relações sociais. A resposta parcial dada por Russo nos indica possibilidades. Ao situar a “virada somática” que muitos estudos da área da saúde estão experimentando, como a leitura de Nikolas Rose no universo da psicologia e das ciências da saúde mental de forma ampla, ela localiza o que chama de uma “neurociência ‘alternativa’ ", fazendo a seguinte afirmação: No caso que estudamos, a concepção hipernaturalizante do humano e de seu cérebro e corpo não implicava um fisicalismo reducionista – acusação comum às neurociências de um modo geral. A recusa dos dualismos levava a uma concepção totalizante do ser humano, na qual se desfazia não apenas a tensão sujeito/objeto – uma vez que o “mundo lá fora” e o organismo se coproduzem mutuamente. (Russo, 2017, p.163) Uma nova perspectiva da fisicalidade e do corpo pode ser apresentada. Uma possibilidade de compreender o corpo como processo vivo, em movimento, produzindo a si e a outros corpos à medida que reconhece sobre si os efeitos transversais do seu contexto e se atualiza de forma holística. Nesta direção, podemos enxergar o corpo de uma forma mais ampla. Este, como um dos ponto fulcrais no qual as questões sobre sexualidade e práticas sexuais irrompem. Prazeres e sexualidades são parte integrante do corpo. Assim, uma pergunta deve ser levantada após essa pesquisa: Como as pessoas estão percebendo o prazer que seus corpos sentem? Esta percepção pode ser transformada? Ajudar as pessoas a perceber melhor o prazer de seus corpos pode ser considerado como educação sexual? Acreditamos que é possível uma educação sexual que nos leve para além do binômio proibido/permitido, tão presente na nossa história da sexualidade. Apresentar alternativas para que as pessoas percebam melhor os seus corpos pode ser uma possibilidade para, como disse Reich (1984, p.65), possamos “viver em comunidade não com a intenção de suprimir e dominar uns aos outros, mas para melhor e de forma mais confiável satisfazer todas as necessidades saudáveis da vida.” Como proposta para um produto de educação sexual que envolva o corpo, uma necessidade que se mostrou premente a partir desta pesquisa, o ILASS – Instituto Latino- Americano de Sexologia Somática, instituição da qual o autor desta dissertação faz parte, promoveu um congresso online cujo tema foi terapias corporais, sexualidade e prazer sexual. Esse congresso foi realizado de 4 a 6 de dezembro de 2020. Estiveram presentes 16 profissionais e educadores que palestraram sobre o assunto, oferecendo alternativas práticas 19 para uma educação sexual que envolva o corpo de forma afirmativa. Os palestrantes convidados são professores e educadores sexuais ao redor do mundo com um fundamento corporal e somático em seus trabalhos. Como iremos ver em detalhes nesta dissertação, os conceitos que Reich estabeleceu foram basilares para o desenvolvimento de terapias corporais pelo mundo ocidental. A abordagem somática que tem emergido na psicologia dos últimos 30 anos retoma conceitos reichianos na medida em que ela faz parte de uma reconfiguração do olhar sobre o ser humano por parte da psicologia e neurociência de hoje em dia. (Russo, 2017). Reconhecemos o potencial para educação sexual que esta abordagem nos traz na configuração contemporânea do mundo. Também esperamos que isso contribua para uma educação sexual com foco no corpo, adaptando-nos às novas tecnologias de comunicação global. 20 1 SEXUALIDADE COMO DISPOSITIVO HISTÓRICO: A PERSPECTIVA DE FOUCAULT Os fundamentos conceituais que utilizamos para nossa crítica historiográfica partem de vários autores relevantes na pesquisa sobre sexualidade, educação sexual e corpo, tais como Michel Foucault, Paulo Rennes Marçal Ribeiro, Jane Russo, Mary Neide Damico Figueiró e Carmem Lúcia Soares. A partir destes conceitos temos uma forma de embasar a análise dos documentos e fontes pesquisadas nesta dissertação. Foucault, em seu História da Sexualidade (1999), localiza a sexualidade como conceito historicamente delimitado e nos dá uma lente por meio da qual podemos observar determinados momentos históricos. Dois conceitos se mostram importantes para examinar os registros históricos que pesquisamos: Dispositivo e Sexualidade. Foucault define dispositivo da seguinte forma: [...]um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas. Em suma, o dito e o não dito são os elementos do dispositivo. O dispositivo é a rede que se pode estabelecer entre estes elementos. (Foucault, 1999, p. 244) Dessa forma, o dispositivo é a rede que se estabelece entre os elementos do conjunto que analisamos em uma pesquisa histórica como a que estamos empreendendo. O dispositivo que vamos investigar é a sexualidade. Foucault especifica a sexualidade como um dispositivo específico: A sexualidade é o nome que se pode dar a um dispositivo histórico: não à realidade subterrânea que se apreende com dificuldade, mas à grande rede da superfície em que a estimulação dos corpos, a intensificação dos prazeres, a incitação ao discurso, a formação dos conhecimentos, o reforço dos controles e das resistências, encadeiam-se uns aos outros, segundo algumas grandes estratégias de saber e de poder. (Foucault, 1999. p. 100) Ou seja, Foucault define sexualidade como uma rede de relações que se estabelece entre certos elementos presentes em um período histórico. No caso da sexualidade, ele reconhece como estes elementos o corpo, a intensificação dos prazeres e a formação dos conhecimentos. Entre estes elementos que Foucault reconhece como encadeados uns aos outros pelo dispositivo 21 da sexualidade, dois deles são objetos privilegiados dessa dissertação: O corpo e a educação sexual, esta última estando presente como parte da formação dos conhecimentos, da intensificação de poderes e mesmo reforço do controle e das resistências, como veremos em breve. 1.1 Sexualidade e corpo O corpo é o espaço privilegiado onde o dispositivo da sexualidade atua. Foucault traça uma linha histórica de como as relações sexuais deixaram de ser reguladas exclusivamente pelo dispositivo da aliança (presente na sociedade ocidental até hoje, mas enfraquecido) e passaram a ser reguladas por um dispositivo da sexualidade. O dispositivo da aliança consistia em “sistema de matrimônio, de fixação e desenvolvimento dos parentescos, de transmissão dos nomes e dos bens.” (Foucault, 1999, p. 99). Já o dispositivo da sexualidade se articula e estabelece sua existência como rede de forma diferente, de forma mais fluida. Ao invés de uma estrutura rígida onde estão claramente opostos o permitido e o proibido, como no dispositivo da aliança, no dispositivo da sexualidade as formas de controle são mais sutis e escapam a um olhar mais desatento. Mas ele se revela se observar o corpo. As distinções entre um e outro são dadas por Foucault: Para o primeiro [o dispositivo da aliança], o que é pertinente é o vínculo entre parceiros com status definido; para o segundo [o dispositivo da sexualidade], são as sensações do corpo, a qualidade dos prazeres, a natureza das impressões, por tênues ou imperceptíveis que sejam. Enfim, se o dispositivo da aliança se articula fortemente com a economia devido ao papel que se pode desempenhar na transmissão ou na circulação de riquezas, o dispositivo da sexualidade se liga à economia através de articulações numerosas e sutis, sendo o corpo a principal - corpo que produz e consome (Foucault, 1999, p. 99) A passagem da centralidade de um dispositivo para o outro ocorreu de forma gradual ao longo da história, até chegar nas nossas compreensões atuais sobre corpo e sexualidade. Do dispositivo da aliança para o da sexualidade ocorre uma mudança que se inicia no advento da confissão religiosa, que vai codificando a relação sexual em atos específicos, dando especial atenção às sensações, percepções e prazeres do corpo. (Foucault, 1999) A confissão religiosa remonta à inquisição da igreja católica, que a utilizava como instrumento para estabelecer regras de comportamento, o que incluía comportamento sexual. A “sodomia”, ou “relação contra a natureza” já aparecia no regimento da inquisição em 1613 no Brasil (Santos, 2014). A confissão dos atos sexuais realizados produz, para além do caráter 22 religioso de absolvição do pecado, uma organização do desejo e dos prazeres do corpo de acordo com as palavras enunciadas. A especificidade dos atos sexuais, tais como “sodomia”, “relações contra a natureza”, entre outros, começam a emergir. Para Foucault, "A pastoral cristã inscreveu, como dever fundamental, a tarefa de fazer passar tudo o que se relaciona com o sexo pelo crivo interminável da palavra.” (Foucault, 1999, p. 23). Atos que antes não eram nomeados começam a ser especificados e destrinchados em suas minúcias na confissão religiosa. No fim do século XVIII, ocorre outro deslocamento. Após um longo movimento que perpassa a economia, a medicina e a pedagogia, o “pecado" religioso deixa de ser uma questão central, e, assim como o dispositivo da aliança foi deixado de lado no que se refere às questões sexuais sem desaparecer totalmente, também o conceito de “pecado" e “salvação” passou a ser ignorado em nome do conceito de “saúde" e “normalidade”, ou nas palavras de Foucault: A tecnologia do sexo, basicamente, vai-se ordenar a partir desse momento em torno da instituição médica, da exigência de normalidade e, ao invés da questão da morte e do castigo eterno, do problema da vida e da doença. A carne é transferida para o organismo. (Foucault, 1999, p. 99. Grifo nosso) Assim, a medicalização da sexualidade e o estabelecimento de categorias que separam a sexualidade saudável (que é aquela com fins reprodutivos) da sexualidade “doente” ou “anormal" (que seria composta de atos como masturbação, homossexualidade ou mesmo sexo sem fins reprodutivos) são estabelecidos. Nesse momento, a sexualidade não é mais apenas um ato ou uma ação que se realiza. Ela se torna uma característica inseparável do corpo e do sujeito que a expressa. (Foucault, 1999). Com isso, a sexualidade assume uma perspectiva central na identidade das pessoas ao ser exercida. Ela é tomada como fato científico, inseparável do corpo que a exerce. A partir desse ponto fulcral que liga a sexualidade e biologia de forma indissociável, a sexologia emerge em meados do séc. XIX, ligada à medicina. O livro Psychopatia Sexualis, escrito pelo psiquiatra Richard von Krafft-Ebing e publicado em 1886, é um exemplo fundamental dessa tendência, pois nele são estabelecidas categorias sexuais como a “homossexualidade”, o “sadismo”, o “masoquismo” e “fetichismo”, enquadrando-as em um contexto biológico-médico de forma centralizada e definindo fronteiras entre a sexualidade “normal” e a sexualidade “aberrante". A obra de Kraft-Ebbing é importante pois é o registro mais completo destas categorizações sexuais até então, estabelecendo definições mais claras. Antes dele, as categorizações eram feitas de forma esparsa e vaga. (Pereira, 2009). As 23 definições estabelecidas por ele foram incorporadas ao vocabulário corrente e são utilizadas até hoje ao se falar sobre sexualidade e práticas sexuais, tais como “sadismo" e “masoquismo”. Além disso, o critério utilizado por ele para definir sexualidade “normal" e “anormal" se tornou basilar para a visão de sexualidade da época, e ainda é sentido hoje: A sexualidade “normal" seria aquela realizada para a “reprodução da espécie”, enquanto uma sexualidade cujo foco é o prazer seria “anormal”. Com base nesse princípio, ancorado na concepção de biologia que se tinha na época, Kraft-Ebbing discorre sobre as variadas práticas sexuais enquanto as rotula como “anormais”, conectando apenas a prática sexual reprodutiva à “normalidade” e à “saúde”. Isso assume também um caráter biologizante, e determinadas práticas e hábitos sexuais se tornam uma questão da medicina, a qual pode tentar consertar os “desviantes”, ou isolá-los da sociedade considerada “saudável”. Com esse movimento, a definição da sexualidade transita do universo religioso, que era organizado principalmente pela definição de pecado e salvação definida pela igreja em seu aspecto confessional e se encaminha para a medicina e biologia, sem deixar de lado o seu aspecto jurídico. A utilização dos mecanismos jurídicos para segregar e punir aqueles que não exercem a sexualidade “correta" permanece em jogo. No momento anterior esses mecanismos eram utilizados pela igreja como mecanismo de controle, punindo os sujeitos com a justificativa de “redimir os pecados”. Agora o aparato jurídico servia para punir “crimes sexuais” e separar os “anormais" com a justificativa biologizante do contágio e da eugenia. Kraft-Ebbing diz claramente que sua obra tem, entre suas funções, auxiliar o sistema judiciário. A definição destas categorias sexuais e a incorporação delas ao sistema médico e judiciário cria uma estrutura repressiva que produz uma pedagogia e sujeitos definidos que devem ser educados para uma “sexualidade saudável” e não se perder na “degeneração sexual”. Nesse sentido, vemos que uma educação sexual, definida como tal, começa a surgir nos manuais médicos que recomendam evitar certos comportamentos por considerá-los doentios e geradores de doenças, tais como a masturbação e sexo anal, e aprovar outros, tais como a abstinência sexual antes do casamento e a prática sexual apenas para a procriação. Com isso, vemos que a gênese do que consideramos educação sexual e seus pressupostos médico-biológicos emergem a partir da influência da medicalização das práticas sexuais, o que vai influenciar todo o seu desenvolvimento e gerar uma educação do corpo por meio da sexualidade, separando quais as práticas e experiências corporais que são aceitáveis e quais não são, como veremos a seguir. 24 1.2. Sexualidade e educação sexual A partir da percepção de Foucault sobre a sexualidade como dispositivo histórico, compreendemos que ele a enxerga não apenas como o ato sexual em si, embora este último seja parte integrante daquela, mas também todo o discurso que envolve esse ato, seus desdobramentos, suas interdições e seus prazeres. O que entendemos como sexualidade não se limita ao ato sexual, mas também se refere à forma como falamos sobre ele, como o organizamos, definimos e o circunscrevemos, e quais as permissões e proibições que estão postas sobre ele. Embora seja comum perceber educação sexual apenas como uma proposta do currículo escolar, ela é mais que isso. Para além da educação sexual formal, temos uma educação sexual informal, como diz Ribeiro (2013). que faz parte da nossa vida cotidiana e é realizada pela família desde a infância, sendo influenciada pela cultura e pela sociedade e que molda as nossas percepções e comportamentos sexuais. Nesse sentido, a educação sexual como a conhecemos faz parte deste dispositivo da sexualidade. Figueiró (1995, p. 8) define Educação Sexual como “toda ação de ensino- aprendizagem sobre a sexualidade humana, seja a nível de conhecimento e /ou discussões e reflexões sobre valores, normas, sentimentos, emoções, e atitudes relacionados à vida sexual.” Ela ainda lembra que, mesmo que esta definição seja útil para fins de pesquisa, a Educação Sexual "não deve ser vista como algo que ocorre à parte da educação global do indivíduo, mas, pelo contrário, deve ser entendida como parte desse processo maior” (1995, p.9). A educação sexual realizada formalmente hoje em dia como parte do currículo em algumas instituições de ensino é um meio de trazer à tona esse dispositivo da sexualidade que regula e organiza os corpos e os prazeres. Embora ele também faça parte do dispositivo de sexualidade, convêm lembrar que Foucault diz que o dispositivo que trabalha em direção a uma liberação sexual não pode ser confundido com o da repressão. Embora ambos operem por meio de mecanismos semelhantes, os fins de ambos são diferentes e não devem ser confundidos. (Foucault, 1979). Nessa direção, compreendemos que uma educação sexual, formal ou informal, também é uma educação do corpo, no sentido que Carmem Lúcia Soares define esta última como sendo “Um conjunto de pedagogias que interferem no corpo e no modo como nós nos comportamos” (Soares, 2013), sendo construída ao longo do tempo, o que a coloca em uma perspectiva histórica, ou seja, esta educação do corpo pode ser analisada por um olhar crítico, com consciência histórica. 25 Quando observamos o discurso da sexualidade por uma lente crítica, percebemos que a educação sexual de determinado período histórico é fortemente influenciada pelos discursos que detêm mais poder no mesmo período. Isso fica aparente nos manuais e registros das confissões e heresias da igreja católica, como as Confissões da Bahia, as Denunciações de Pernambuco, entre outros documentos históricos onde são descritas práticas sexuais consideradas pecaminosas e dignas de punição (Ribeiro, 2013). Isto também pode ser encontrado no discurso médico do século XIX, que opera como uma “educação sexual” quando regula e define as práticas sexuais lícitas e ilícitas. Esse movimento pode ser exemplificado pelo já citado Psychopatia Sexualis, de Kraft-Ebbing. Assim, uma educação sexual formal nasce do discurso da medicina e vai funcionar, junto a ele, como forma de educação do corpo, separando corpos e práticas “saudáveis” daqueles que não são, tendo como referência central princípios biologizantes, tais como a “reprodução da espécie” e ainda considerando o prazer sexual uma experiência desnecessária e até perigosa, tendo que ser controlado e vigiado em nome do bem estar social. Um exemplo histórico claro dessa relação entre a medicina e a educação sexual como educação dos corpos pode ser visto nas descobertas científicas em relação à gestação e consequências destas para as práticas sexuais. Mary Del Priore (2011) relata: Nos anos 1840-1850, dois médicos franceses, Pouchet e Négrier, descobrem os mecanismos da ovulação. A mulher deixou de ser considerada uma simples portadora de ovos para fazer parte da Criação. Mas ela pagou um preço alto por isso. A espontaneidade da ovulação tornava inútil o orgasmo. Só a ejaculação masculina era indispensável. Por décadas, os homens puderam esquecer as reações de suas parceiras. A necessidade de prazer lhes era oficialmente negada. Um ou outro doutor mais sensível invocava a possibilidade de as esposas gozarem. Mas apenas como garantia contra a infidelidade. Era o medo do adultério que permitia um número maior de carícias (Del Priore, 2011, p. 81, grifo nosso.) Para poder analisar criticamente o contexto no qual a educação sexual se relaciona com a concepção de corpo do período investigado, ou seja, nos anos 1960, 1970 e 1980 no Brasil, analisaremos como a educação sexual e os saberes sobre o sexo se estabeleceram no Brasil. 26 1.2.1 Breve história da educação sexual no Brasil. A história da educação sexual no Brasil passa pela história dos saberes da sexualidade, e como ela foi convertida em objeto científico para estudo. Por isso, vamos olhar um pouco para alguns momentos anteriores para compreender a evolução histórica desses saberes até chegar ao séc. XX. No Brasil Colônia, a educação sexual era informal, definida pelos costumes e padrões sociais e pelos manuais de comportamento da igreja, que ditavam as regras de comportamento, especialmente sexual, de acordo com a doutrina cristã. Como diz Ribeiro: Se considerarmos que a educação sexual abrange toda educação recebida pelo indivíduo desde o nascimento referente à aquisição de concepções, valores e normas sexuais, inicialmente na família, posteriormente na comunidade, com seu grupo social e religioso; e que esta educação sexual é contínua, indiscriminada e decorrente dos processos culturais, influenciando a manifestação de comportamentos e atitudes sexuais, podemos dizer que desde a Colônia havia uma educação sexual no Brasil.(Ribeiro, 2013, p.155). A partir do Brasil Império, a influência europeia sobre o Brasil no que tange o discurso sobre sexualidade fica aparente quando estudamos documentos produzidos nesse período. São produzidas teses, manuais e textos que estabelecem regras para as práticas sexuais. Nesse momento, a medicina centraliza a autoridade e o poder de se falar da sexualidade. Importando ideais higienistas da Europa, o discurso sobre a sexualidade no Brasil assume um caráter formal a partir do discurso da medicina. (Del Priore, 2011; Sfair & Bittar, 2004.) Nesse contexto, o sexo se torna objeto de estudo oficial no Brasil, dentro das ciências médicas do séc. XIX (Bedin, 2016). Isso é exemplificado pela presença de teses e livros cujo assunto é celibato, prostituição, matrimônio, entre outros, todos focados nos atos sexuais e suas consequências. A presença dos médicos na autoria destes documentos vem corroborar a ideia de Foucault (1999) de que o dispositivo da sexualidade passa do discurso religioso e adentra o discurso da saúde, enquanto mantém suas características de punição e controle dos atos sexuais, bem como a definição rígida de atos permitidos e proibidos. Os atos permitidos eram considerados apenas aqueles que fossem para a reprodução da espécie dentro de um contexto monogâmico e patriarcal, enquanto os que não obedecessem a essa configuração, como os atos homossexuais, a masturbação e a prostituição eram tidos como 27 “errados" e “problemáticos”. Não mais sob uma justificativa divina, mas agora com a percepção de que tais atos eram “contra a natureza.”. Essa visão de mundo irá conformar a sexualidade a ideais de pureza e higiene muito específicos, com uma justificativa biologizante. Como exemplos dessa tendência, podemos citar textos como a Dissertação sobre a prostituição, em particular na cidade do Rio de Janeiro, escrita por Herculano Augusto Cunha e datada de 1845; e a escrita por Miguel Antonio Herédia de Sá, também de 1845, com o título de A cópula, o onanismo e a prostituição (Bedin, 2016) É assim que surge a sexologia, como saber institucionalizado a partir da medicina. Béjin (1985) considera que uma obra fundamental para o estabelecimento desta foi a Psychopatia Sexualis, texto de Kraft-Ebbing que estabelece este campo de conhecimento. Esta obra é emblemática nesta direção por estar, segundo Béjin, “mais preocupada com a nosografia do que com a terapêutica e centralizada principalmente nas doenças venéreas, na psicopatologia da sexualidade” (Béjin, 1985). Esta influência normalizadora irá definir o campo da sexologia por muito tempo, encontrando reflexos até hoje, como por exemplo a centralidade dada à ereção masculina no ato sexual, demonstrada pela presença da farmacologia no campo da sexualidade a partir dos anos 90 (Russo, 2003). Este direcionamento de controle dos atos sexuais por meio de uma série de dispositivos, especialmente aqueles presentes na medicina, irá gerar uma geração de médicos influenciados por estas ideias que, nas primeiras décadas do séc. XX, no Brasil, começarão a criar manuais específicos para a prática sexual e seu espaço na sociedade. Um dos expoentes no Brasil da moral sexual influenciados por esse modelo é o médico José de Albuquerque, escritor de vários livros sobre o sexo a partir da perspectiva médica, como Moral sexual de 1930, Da impotência sexual do homem de 1933, Educação sexual pela rádio (1935) e Catecismo de Educação Sexual (1940) (Bedin, 2016). Nessa direção, vários autores começaram a escrever obras que versavam sobre a moralidade sexual, servindo assim como um modelo de educação sexual para a época. Entre 1920 e 1960, autores como Monsenhor Álvaro Negromonte, Hernani de Irajá, o já citado José de Albuquerque e Antônio Austregésilo, desenvolvem e publicam livros e cartilhas de Educação Sexual e Sexologia. Bedin (2016) aponta que no meio médico e científico, estes autores5 encontravam resistência do lado “oficial" da medicina, sendo vistos muitas vezes com 5 Com a provável exceção do Monsenhor Álvaro Negromonte, por sua posição na igreja católica. 28 desconfiança e distanciamento, dado que na época “a sexologia atraía sobre si suspeitas de imoralidade e seus cultores nem sempre escaparam ao estigma de perversos ou pervertidos” (Carrara & Russo, 2002, p. 275) Nesse mesmo período, a psicanálise, técnica criada pelo médico neurologista Sigmund Freud6 se consolida no país junto aos psiquiatras, sendo abordada dentro dos ditames da medicina. Vê-se o cruzamento importante entre a medicina e a psicologia, e como a educação sexual nasce desse bojo de regras quando encontramos os mesmos atores, como Antônio Austregésilo, presente tanto em uma descrição dos primórdios da psicologia e psicanálise no Brasil quanto na bibliografia de história da Educação Sexual. (Bedin, 2016, Bueno & Ribeiro, 2004, Carrara & Russo, 2002, Russo, 1993.) Com estes movimentos acontecendo tanto na esfera da pedagogia quanto na esfera da medicina, começou a frutificar na sociedade uma mentalidade mais aberta e ciosa da necessidade da educação sexual formal, embora isso tenha demorado uma geração. Os autores citados, mesmo que escrevessem os manuais sobre sexualidade, eram reticentes ou mesmo opositores reais de uma pedagogia específica para a sexualidade ser feita nas escolas. (Reis & Ribeiro, 2004). Iniciativas para realizar esse movimento de forma concreta no ambiente escolar foram ceifadas logo após nascerem. Um exemplo que temos é a iniciativa de Victor Stawiarsky, que tentou inserir a educação sexual no currículo escolar no Colégio Batista do Rio de Janeiro em 1930 e foi demitido por isso (Bedin, Muzetti & Ribeiro, 2012). Isso demonstra para nós que alguns tabus e controles que pairavam sobre as práticas sexuais permaneciam, mesmo entre os sexólogos da época. A sexualidade era um assunto primariamente médico-legal e havia uma permissão clara de se falar nela apenas nesse contexto. Podemos observar essas características utilizando a noção foucaultiana de sexualidade como dispositivo histórico, corroborando a perspectiva que as práticas sexuais são definidas e organizadas a partir do poder que delimitam para o que é proibido e o que é permitido fazer com os corpos, e nessa fricção entre os limites do proibido e permitido os sujeitos vão construindo e sendo construídos em sua sexualidade (Bedin, Muzetti & Ribeiro, 2012). 6 Sigmund Freud (1856 - 1939) foi um neurologista austríaco mais conhecido pela criação da psicanálise, um método clinico para o tratamento de psicopatologias por meio da fala. Sua teoria e suas idéias são de grande influência nos saberes sobre sexualidade no séc. XX, e muitas das terapias relacionadas à sexualidade, inclusive a orgonoterapia de Wilhelm Reich, sofrem influência direta dele. (Russo, 1993, p.118; Ford & Urban 1965, p. 109) 29 Com a mudança de geração, as ideias sobre educação sexual foram frutificando e deram origem a variados projetos, como foi seguido por outras nas décadas seguintes, tais como e outras nos anos 60, como descrito por Ribeiro (1990), Figueiró (1995), Ribeiro (2004) Ribeiro, Bedin e Muzetti (2012): Na década de 60, mais precisamente entre os anos de 1964 e 1969, algumas escolas pioneiras tentaram implantar a orientação sexual nos programas para os alunos […] Eram escolas de orientação mais progressista, como o Colégio de Aplicação Fidelino de Figueiredo, orientado por Maria José Werebe e, na época, vinculado ao Departamento de Psicologia Educacional da USP (em São Paulo) […] os colégios José Bonifácio e André Maurois (no Rio de Janeiro), este último criando um curso de orientação sexual a pedido dos próprios alunos. (Ribeiro, 1990, p.12) Estas iniciativas demonstram como a educação sexual formal seguiu o movimento da sexologia, nascendo a partir dos ditames da medicina, na primeira metade do século XX, ajudando assim a fomentar um paradigma propício para uma implantação mais profunda de uma educação sexual no currículo escolar. O relativo sucesso destes programas piloto apontam para uma tolerância de parte da sociedade em relação a estes temas. Com o golpe militar de 1964, houve um recrudescimento da mentalidade e o conservadorismo da novo regime fez com que iniciativas de educação sexual que estivessem em andamento fossem interrompidas e a maioria das novas propostas então estabelecidas eram negadas. O Ato Institucional 57, que cassou efetivamente as principais liberdades civis centralizou o poder do Estado e colaborou para que o conservadorismo do regime militar impedisse a efetivação de programas de educação sexual. Barroso e Bruschini (1982, p. 23) dizem que “houve um retrocesso em matéria de educação sexual que acompanhou a onda de puritanismo que invadiu o país.” Essa tomada de poder pelo exército e os valores que apoiaram o golpe e a manutenção do governo militar tinha um escopo mais amplo que apenas o universo militar. O conservadorismo presente na sociedade havia figurado como pano de fundo nas várias das iniciativas de educação sexual citadas aqui, que tinham, apesar de toda a sua inovação para sua época, uma base biologizante e higienista da sexualidade. Durante o período da ditadura, 7 O AI-5, abreviação de Ato Institucional 5, foi um ato do poder executivo durante a ditadura militar no Brasil. O governo autoritário governava por meio do executivo sem ser influenciado pelo legislativo, usando o instrumento dos Atos Institucionais para efetivar suas decisões. O Ato número 5 é considerado um marco na repressão da ditadura pois suspendeu as liberdades civis e institucionalizava a prisão de cidadãos por motivos políticos, criando assim um clima de perseguição e medo que irá durar alguns anos. (Napolitano, 2014) 30 especialmente o de maior repressão após a instituição do AI-5 em 1968, que suspendeu as liberdades civis e instituía a censura, as questões da sexualidade e a possibilidade de se falar em educação sexual, mesmo que de forma conservadora com foco no casamento, desapareceu. O paradigma que orientava o governo militar em relação à sexualidade é que uma educação sexual serviria para “corromper os jovens”. A sexualidade “natural" não precisa ser ensinada e ela surgiria espontaneamente a partir de uma "moral correta”. Vemos um exemplo disso no projeto da deputada Julia Steinbruck, que em 1968 tentou aprovar um projeto de lei para implantar educação sexual obrigatória nas escolas de primeiro e segundo grau (na época chamado de primário e secundário). Apenas em 1970 o projeto foi a plenário, após ser aprovado pela Comissão de Justiça pelo deputado Murilo Badaró8, devido à demora dos trâmites legais (Rosemberg, 1985, p.13). Curiosamente, o projeto que estava sendo encaminhado sem a presença oficial de sua autora, dado que seu mandato havia sido cassado em 1969, como consequência do ato institucional número 5, citado acima, que endureceu a ditadura militar9. O projeto foi também enviado à Comissão Nacional de Moral e Civismo, esta criada no governo militar em 1969 com o objetivo de colaborar com a inserção da doutrina do regime, de moral conservadora, em várias instâncias da vida pública, entre elas a educação escolar10. Dessa forma, a interferência desta comissão nesse projeto estava no escopo do avanço do ideal conservador. Trechos do parecer dessa comissão foi publicada no Jornal O Estado de São Paulo de 20 de novembro de 1970. Todos os integrantes da comissão, na época composta pelo Padre Francisco Leme Lopes, o almirante Benjamin Sodré e o general Moacir Araújo Lopes, foram frontalmente contrários ao projeto. Nos pareceres emitidos, é curioso notar a relação entre moral e biologia utilizada pelos pareceres. Esta relação já é anunciada por Foucault (1999) ao dizer que: a noção de “sexo” permitiu agrupar, de acordo com uma unidade artificial, elementos anatômicos, funções biológicas, condutas, sensações e prazeres e permitiu fazer 8 O Estado de S. Paulo (1970) Educação Sexual não é aprovada.Recuperado em 20 de Abril de 2021. https://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19701120-29333-nac-0006-999-6-not 9 https://www.camara.leg.br/deputados/1688/biografia 10 Decreto que institui a comissão moral e cívica: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1960-1969/decreto- lei-869-12-setembro-1969-375468-publicacaooriginal-1-pe.html 31 funcionar esta unidade fictícia […] o sexo pôde, portanto, funcionar como significante único e como significado universal. (p.144) Assim, o parecer do padre Leonel França (a quem o Padre Francisco Leme Lopes cedeu o espaço para se pronunciar) afirma: “a iniciação sexual, para ser verdadeiramente eficaz, no dizer unânime de psicólogos e pedagogistas requer um complexo de qualidades - e entre elas um respeito e amor à pureza de cada aluno” (grifo nosso). Também fala que “Na maioria dos casos [de ensino de educação sexual nas escolas] o efeito seria desastroso e os escândalos começariam bem cedo a contaminar as escolas, com incrível prejuízo da saúde, higiene e moral das novas gerações.”11 (Grifo nosso). Neste episódio fica claro como a noção biopolítica de sexo, trazida pelo Foucault, esclarece a relação entre a moral de controle dos corpos de origem cristã (notem um padre numa comissão do Ministério da Educação) e sua busca por legitimação em um amparo “científico”, com o “dizer unânime de psicólogos e pedagogistas”, bem como a união supostamente natural de dois campos diferentes que seriam igualmente aviltados pelo ensino de educação sexual nas escolas: a saúde, de fundo mais biológico, e a moral, de fundo social ou religioso. Com esse caso de exemplo, temos como as iniciativas institucionais de educação sexual estavam paralisadas ou eram mantidas em segredo, muitas vezes perdendo o fôlego até se dissipar (Rosemberg, 1985). Mas mesmo assim, o conservadorismo sexual não era uníssono na sociedade, e uma dupla moral sexual estava presente, segundo Bedin (2016). Alguns eventos que exemplificam isso são a existência dos filmes eróticos por meio do gênero pornochanchada; a existência dos “catecismos”, pequenas revistas com conteúdo pornográfico desenhadas e distribuídas de forma amadora e o discurso da liberação sexual presente no movimento jovem de resistência à ditadura militar. Mesmo dentro da ditadura militar que durou de 1964 a 1985 no Brasil, esse movimento conservador era ambíguo. Tivemos a recepção da atriz holandesa Sylvia Kristel, estrela do filme erótico Emmanuelle (1974), pelo Congresso Nacional, mesmo que seu filme estivesse censurado no Brasil na época. Também durante a ditadura militar no Brasil, a clínica sexológica, a partir da medicina, foi preparando o terreno para o ressurgimento da sexologia que veremos nos anos 1980. No fim de 1960 e início dos anos 1970, alguns médicos no Rio de Janeiro, liderados pelo ginecologista 11 O Estado de S. Paulo (1970) Educação Sexual não é aprovada.Recuperado em 20 ade Abril de 2021. https://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19701120-29333-nac-0006-999-6-not 32 Jean Claude Nahoum, se encontravam para estudar questões ligadas à mulher. Esse grupo ficou informalmente conhecido como “Clube da Placenta”. Com a chegada do psicólogo Araguari Chalar Silva ao grupo, a terapia sexual de Masters e Johnson12 se tornou parte da pesquisa do grupo13. Já em Brasília, em 1970, o ginecologista Ricardo Cavalcanti também entra em contato com a terapia sexual por meio dos livros de Masters e Johnson e dá início ao que mais tarde será o CESEX - Centro de Sexologia de Brasília.14 Mesmo que o avanço institucional da educação sexual como tal estivesse barrado, a resistência ao autoritarismo da ditadura e o acesso aos ideais da libertação sexual vindos dos Estados Unidos fervilhavam em parte da sociedade. Segundo Russo e Rohden: Ocorre, principalmente, entre os jovens das camadas médias urbanas letradas, uma espécie de “revolução sexual”, a partir da qual temas como as relações sexuais fora do casamento, os relacionamentos “abertos”, as relações com pessoas do mesmo sexo, além de outros tópicos, foram tomados como bandeiras e incorporados aos comportamentos. (Russo & Rohden, 2011, p.30) É também nesse contexto que se inicia a difusão das terapias corporais, como veremos no capítulo 1.3.1. Ao não se anunciar como “educação sexual” e ao se propor como “terapia”, modelos alternativos de sexualidade vão criando algumas raízes nas camadas médias da sociedade, junto a valores de liberdade e contestação ao regime vigente. Nesse caldo cultural, vai se formando um modelo de educação sexual que irá frutificar a partir do processo de abertura democrática. (Bedin, 2016). Fazemos um apontamento aqui que a educação sexual parece ser vista como um campo distinto da sexologia em sua história e constituição no Brasil. O estudo de Fabíola Rohden e Jane Russo sobre a constituição do campo da sexologia no Brasil (2010), um dos mais completos sobre o assunto, não toca na questão institucional do bloqueio de projetos de 12 William Masters (1915-2001) e Virginia Johnson (1925-2013) foi um casal de pesquisadores cujo trabalho embasa a maior parte do que conhecemos como terapia sexual clínica hoje em dia. Seus trabalhos A Resposta Sexual Humana (1966) e Inadequação Sexual Humana (1970) foram os primeiros estudos clínicos em larga escala sobre sexualidade, e suas descobertas estabeleceram os princípios técnicos em terapia sexual na profissão médica. 13 RUSSO, Jane et al. (2011), Sexualidade, ciência e profissão no Brasil. Rio de Janeiro, Cepesc., p. 44. 14 Russo et. al. Sexualidade, Ciência e Profissão no Brasil. (2011) p. 45. 33 educação sexual institucional, como o da deputada Júlia Steinbruck citado acima. Estas áreas, a educação sexual e a saúde sexual, parecem ser vistas como independentes. Com a reabertura democrática brasileira e a redução da censura governamental nos anos 1980, a educação sexual formal e a sexologia engendram um movimento de expansão e consolidação institucional. Como exemplo desse momento, podemos citar a fundação do já mencionado CESEX – Centro de Sexologia de Brasília em 1980, e a SBRASH - Sociedade Brasileira de Sexualidade Humana em 1986, em São Paulo, ambos em atividade até hoje. Esse período é chamado por alguns autores de “segunda onda da sexologia brasileira” (Béjin, 1985. Russo, 2003), onde pode ser identificada a geração de duas vertentes principais de atuação dos profissionais que se denominam sexólogos: A linha da Educação Sexual e a linha da Clínica Sexual (Russo et. al., 2011). A consolidação dos saberes sexuais permanece ligado à área da medicina, mas encontra uma crítica institucional vinda dos profissionais da linha da Educação Sexual, estes frequentemente ligados ao universo acadêmico, que critica a excessiva medicalização da sexualidade e o aparente abandono do papel da psique no estudo da sexualidade. Nos anos 1980 vemos também o interesse da mídia de divulgar a Educação Sexual e a Sexologia como um campo de saber. Entre os exemplos que temos dessa época, o mais facilmente lembrado é o Conversando sobre Sexo, da Marta Suplicy, quadro que fazia parte do programa TV Mulher, na Rede Globo. O quadro foi ao ar de 1980 a 1986, sendo responsável por difundir os conceitos de “sexólogo” e “educação sexual” em um público que não era restrito ao ambiente acadêmico e médico (Bedin, 2016. Russo et al. 2011). À medida que adentramos os anos 90, a sexualidade passa por uma "segunda revolução”, com a introdução dos medicamentos para a disfunção erétil sendo o primeiro dele o Citrato de Sildenafila, o Viagra. (Russo, 2013). Fortalece-se uma farmacologização da sexualidade, movimento este que acaba ajudando, mesmo que involuntariamente a naturalizar posturas essencialistas da sexualidade, com a justificativa de que certos comportamentos e atitudes sexuais seriam calcadas na biologia, essencializando inclusive papéis sociais de gênero e as práticas médicas associadas a eles: A urologia, por ser uma prática médica do cuidado do homem, seria mais “científica” e propensa a medicalizar a sexualidade, enquanto a ginecologia, por se tratar de uma prática orientada para a mulher, tinha características mais “holísticas”, e levava mais em consideração o aspecto emocional (Russo et al. 2011). 34 Aqui lembramos novamente da noção presente em Foucault de como a sexualidade opera como um dispositivo onde se unem questões que não estão necessariamente unidas, em um processo naturalizante: Comportamentos, hormônios e funções ecológicas da espécie estão articuladas debaixo do mesmo guarda-chuva que naturaliza questões sociais, como o gênero, e as justifica com o caráter biomédico. Isso é algo presente tanto na educação sexual, como vimos na recusa ao projeto da deputada Júlia Steinbruch pela ditadura militar, quanto na saúde sexual de um período após a ditadura militar, onde já havia uma abertura maior da chamada “liberdade sexual”, proposta pelos modelos contraculturais advindos de maio de 196815. Indo de encontro a isso, os educadores sexuais da segunda onda da sexologia, agora mais presentes nos espaços dos institutos educacionais e universidades por meio de linhas de pesquisa e grupos de estudo (Bedin, 2010), tecerão críticas a essa naturalização de determinados comportamentos sexuais. Entre estes grupos pioneiros nas universidades estão o ProSex, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, coordenado pela médica psiquiatra Carmita Abdo, e o NUSEX, coordenado por Paulo Rennes Marçal Ribeiro, na UNESP, no Campus de Araraquara. Estes grupos são alguns dos vários grupos pioneiros que estiveram na vanguarda da pesquisa em sexualidade e educação sexual da década de 1990 (Russo et al. 2011). Influenciados por autores como Foucault, eles criticam o excesso de controle trazido pela medicina. Apesar dessa tensão aparente dentro do campo da sexologia, os educadores sexuais reconhecem a importância do Viagra, por exemplo, pois permitiu visibilidade à questão da disfunção erétil, que sempre havia sido tratada de forma esquiva, mesmo dentro da medicina. Isso parece ter criado também um ambiente mais propício para se falar de sexualidade, e, dessa forma, criando uma aceitação maior por parte da sociedade para se realizar uma educação sexual formal nas instituições (Russo et al. 2011). Em paralelo a estes desenvolvimentos, um saber sexual da contracultura de corpos “desviantes" também se estabeleceu, se esforçando em propor uma alternativa ao modelo 15 O Movimento de Maio de 1968 ficou conhecido mundialmente pela eclosão da cultura alternativa em reação ao que era visto como uma cultura opressiva e conservadora. Sendo um movimento plural, abarcou sob seu guarda- chuva vários movimentos distintos de libertação, como a luta feminista (mais especificamente o que é conhecido como feminismo da segunda onda), a luta antirracista, o movimento antiguerra encabeçado pelo movimento hippie contra a agressão norte-americana na guerra do Vietnã, o movimento LGBT com a revolta de Stonewall, entre outros. (Woods, 2021) 35 estabelecido, mas ainda operando na lógica do dispositivo da sexualidade de “falar de sexo”, como diz Foucault. Abaixo, analisaremos como estes saberes sobre corpo e sexualidade da contracultura, e especialmente nas terapias corporais, se estabeleceram no Brasil e suas possíveis relações com a educação sexual. 1.3 Sexualidade e Terapias Corporais Há um lugar para o corpo na terapia sexual? Alex Iantaffi O nome “terapias corporais” é utilizado para definir uma gama ampla de práticas e modelos terapêuticos que fazem parte do que Jane Russo (1993) chama de “complexo alternativo”, um conjunto de técnicas, práticas e crenças variadas, cuja definição é pouco nítida e sujeita a variações. Russo, em sua tese O corpo contra a palavra: as terapias corporais no campo psicológico dos anos 80, cita Ferreira Neto (1984) para descrever as características do que seria esse "complexo alternativo” e localizá-lo historicamente. Ele seria parte de uma “cultura alternativa”, um resquício dos movimentos de contracultura dos jovens hippies dos anos 60. Esta cultura alternativa possui algumas das seguintes características básicas: - Um “retorno à natureza”, ou seja, uma oposição consciente à sociedade industrial contemporânea. - Uma visão “oriental” da saúde, enxergando-a de forma holística e não dual. Isso opera como uma crítica à uma visão mecanicista e biologizante da medicina e denota uma concepção específica de saúde. - A presença de uma “espiritualidade”, muitas vezes de forma difusa e não hierárquica, operando como crítica à religião tradicional. Essa visão holística e integrativa de práticas terapêuticas chega ao Brasil junto com outros movimentos que questionavam a abordagem presente na medicina e da psiquiatria reinantes na época, muitas vezes excludente e violenta, buscando uma padronização dos indivíduos e dos sujeitos a partir de uma lógica mercadológica (Coimbra, 1995). Essa crítica é 36 desenvolvida em mais detalhes por autores cujos escritos embasaram a luta antimanicomial16, como o próprio Michel Foucault. Citamos este movimento nessa dissertação simplesmente para localizar o contexto político onde as terapias corporais firmaram raízes e floresceram no Brasil, a partir da década de 1960. Em um contexto político e social convulsionante nos anos 60 e depois em um momento opressivo durante a ditadura militar nos anos 70, o “complexo alternativo" vai se inserindo no mundo da psicologia e psiquiatria com uma abordagem “revolucionária”, tão presente no já famoso maio de 1968. Entrando em conflito também com a psicanálise, sua noção de distanciamento necessário do analista e foco na palavra falada, as terapias alternativas, em especial as terapias corporais, mudam o foco do trabalho terapêutico para se concentrar no corpo e na vivência pessoal (Frazão, 1995. Ciornai, 1995. Favre, 1995). Essa definição de complexo alternativo, apesar de precária por incluir práticas tão diferentes entre si como 16 A antipsiquiatria e o movimento antimanicomial são lutas que surgem no contexto dos anos 1960, propondo uma série de mudanças no diagnóstico e tratamento de doenças psiquiátricas, dado que a psiquiatria da época possuía práticas consideradas desumanas hoje, como a lobotomia (remoção cirúrgica das vias entre os lobo frontais e o Tálamo do cérebro) e o uso indiscriminado de eletrochoques. No Brasil, a luta antimanicomial é ligada à Reforma Sanitária Brasileira, movimento social que buscava tornar acessível a saúde no país durante a abertura democrática na década de 1980. (Oliveira, 2011) 37 homeopatia17, a Ufologia18, o Santo Daime19 20 e a Biodança21 (Russo, 1993), é uma referência importante para localizar onde o universo das terapias corporais, muitas com base em Reich, irão ser encontradas durante o período pesquisado. É interessante notar a relação destas varias práticas com as práticas clínicas da psicologia e da psiquiatria. Muitos de seus fundadores ou figuras seminais, como Rolando Toro no caso da Biodança e o próprio Wilhelm Reich, tiveram experiências com o aparato psi e propuseram uma mudança nas metodologias de se lidar com a psique humana. Coimbra (1993) descreve em Guardiães da Ordem, como as ciências e práticas psi, a psicologia, a psiquiatria e mesmo a psicanálise muitas vezes operavam como forma de conformação dos sujeitos desviantes ao status quo. No contexto da ditadura militar no Brasil, 17 A homeopatia é uma prática terapêutica criada pelo médico alemão Samuel Hahnemann (1755 - 1843) que trata através dos semelhantes. Ela se baseia no princípio hipocrático de que é possível se curar tanto pelos contrários como pelos semelhantes. Utilizando conceitos como similitude, doses infinitesimais do princípio ativo de um medicamento e cura pelo semelhante, seus medicamentos podem ser extraídos tanto do reino mineral quanto vegetal e animal a partir de onde se extrai o princípio ativo que age na energia vital do paciente e o traz de volta ao equilíbrio, realizando a cura e alívio dos sintomas. No Brasil, a Homeopatia foi reconhecida como especialidade Médica em 1989, pela Associação Médica Brasileira, tendo sido então seguida pelas outras profissões prescritoras (aquelas que podem prescrever medicamentos) no Brasil, como Odontologia e Medicina Veterinária. Atualmente a Homeopatia faz parte das Práticas Complementares do Ministério da Saúde, onde Médicos Especialistas estão atuando em vários estados da Federação, por meio do SUS (Sistema Único de Saúde), como mais uma possibilidade terapêutica, semelhante à Acupuntura, Fitoterapia e outras modalidades alternativas. Hahnemann, Samuel (1833). The homœopathic medical doctrine, or “Organon of the healing art”. Dublin: W. F. Wakeman. pp. iii, 48–49. 18 Ufologia é o conjunto de assuntos e atividades associadas com o interesse em objetos voadores não identificados, abreviados como OVNI, e fenômenos associados (alegados contactos com tripulantes, sequestros, comunicações telepáticas etc.) Desde o final do século XIX, a ficção especulativa já criava histórias sobre a vida em outros planetas, como Marte. Ao longo do Século XX, as práticas e estudos sobre seres extraterrenos se expandiu e se misturou com práticas religiosas, tais como a Cientologia, de L. Ron Hubbard, e a Cultura Racional, de Manoel Jacintho Coelho, no Brasil. Alguns de próprios adeptos a consideram uma pesquisa e não uma ciência de fato, como a biologia, por exemplo. Mufon. (2010) What is Ufology?. Consultado em 21 de Fevereiro de 2021 Disponível em https://www.mufon.com/ufology.html . 19 O Santo Daime é uma manifestação religiosa da região amazônica que emergiu nas primeiras décadas do Século XX. É uma doutrina com base no espiritismo e que tem como fundamento de sua prática religiosa o uso ritual do chá Ayahuasca, uma bebida enteógena que provoca alterações do estado de consciência. Fundada por Raimundo Irineu Serra (1892 - 1971), também conhecido como Mestre Irineu, hoje ela está espalhada pelo Brasil e influenciou o uso ritual de Ayahuasca em outros espaços religiosos sincréticos. Em 2008, Gilberto Gil, ministro da cultura na época encaminhou ao IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional época, um processo para que o uso do chá de ayahuasca seja reconhecido como patrimônio imaterial da cultura brasileira. Em 2010, o governo brasileiro formalizou o uso do chá com fins religiosos, proibindo a sua comercialização. 20 Um dos colaboradores frequentes nas primeiras edições da Revista Rádice, revista de psicologia de 1976 a 1981 falando de práticas alternativas, era o exilado político Alex Polari. Polari hoje é líder de uma das maiores congregações de Santo Daime do Brasil . 21 A biodança, é um sistema de integração e desenvolvimento humano criado na década de 1960 por Rolando Toro, psicólogo e antropólogo chileno. Sua metodologia, baseada em "vivências", que inclui movimentos, música, toque, e situações de encontro não verbal em um contexto de grupo, foi primeiro testada no Hospital Psiquiátrico de Santiago e no Instituto de Estética da Universidade Católica de Chile, onde fez suas primeiras experiências do seu sistema. Seu nome, um neologismo criado a partir das palavras bio (vida, em grego) e dança infere sua relação com a perspectiva holística muito presente no período de contracultura pesquisado. http://biodanza.org/pt/ 38 como já vimos, o status quo da sociedade era conservador e repressor, sustentando e sendo sustentado por uma prática política autoritária por parte do governo. Soares (2016) considera que a ditadura militar tinha uma tendência em perseguir corpos e práticas que se encontravam fora do que era considerado a “norma" social. Nessa direção, o regime utilizava o discurso tanto da moral cristã quanto justificativas biologizantes para o comportamento masculino e feminino. Nessa atmosfera, a contestação de 1968 que veio eclodir tardiamente no Brasil produz frutos de resistência às práticas clínicas tradicionais. Castel, citado por Russo, enxerga as terapias corporais como “herdeiras”, embora bastardas, da psicanálise freudiana. Nesta perspectiva contracultural na qual o “pessoal é político” e a “revolução se faz no cotidiano” advinda da primavera de 1968, o complexo alternativo no Brasil se coloca fora tanto do status quo conservador da ditadura militar quanto da luta armada de esquerda que resistiu a ao regime. Autores como Soares (2016) e Schprejer (2009) descrevem também o incômodo de guerrilheiros da luta armada e membros dos partidos clandestinos na época, como o PCB (Partido Comunista Brasileiro), com uma sexualidade diferente da heteronormativa, chamando aquilo que consideram como desvio de afetação burguesa. Mesmo militantes homossexuais não podiam assumir e vivenciar sua sexualidade da forma que gostariam, como descreve Herbert Daniel, em seu memorial de sua vida como militante da luta armada: O sexo não era uma grande preocupação política, achávamos. Militantes, tínhamos outros assuntos a abordar. Sexo era uma questão pessoal. E foi sempre assim. Como problema íntimo, só discuti tal matéria com amigos chegados. Ângelo, com quem discutia Freud e outras questões paralelas e pessoais, depois de uma noite inteira em que faláramos da (minha) homossexualidade chegou a uma dúvida definitiva: - Não sei como é que o materialismo histórico pode explicar a homossexualidade. (Daniel, 1982. p.96 apud Soares, 2016, p.169) As terapias corporais estavam presentes no bojo dessa “revolução cultural”. Várias outras práticas terapêuticas, muitas com um foco importante nas relações sociais entre os 39 sujeitos, como a Gestalt-terapia22 e o Psicodrama23 (Ciornai, 1995), envolviam e se relacionavam com o corpo em seu modelo clínico, mas não se concentravam nele como elemento central para a ação terapêutica. No bojo desse paradigma, surgem as chamadas “terapias corporais” que, embora sejam variadas em suas técnicas e modelos, têm em comum o foco central no corpo físico e uma referência, explícita ou implícita, ao trabalho de Wilhelm Reich, conhecido como “Orgonoterapia” ou “economia sexual” nos anos 80. Hoje em dia estes termos são menos comuns, sendo mais frequente que terapeutas e profissionais que utilizem os fundamentos da teoria de Reich em sua prática clínica se definam como “neo-reichianos”. Para compreender melhor de onde vêm os conceitos que embasam as terapias corporais, bem como a sua ascendência conceitual em relação a outros campos de conhecimento, adentraremos um pouco na biografia e vida de Wilhelm Reich e sua “ciência orgonômica”. 1.3.1 - Wilhelm Reich na raiz das terapias corporais: “Uma ciência do orgasmo” Wilhelm Reich (1897/1957) foi um psicanalista e médico responsável pela criação da “orgonoterapia”, também chamada nos anos 1980, no Brasil, de “vegetoterapia” e “economia sexual”24. Discípulo de Freud, sua vida e pesquisa são objeto de curiosidade e polêmica até hoje. O seu trabalho e sua biografia são importantes para contextualizar a sua influência no movimento das terapias corporais no Brasil Nascido no Império Austro-Húngaro em 1897, em uma pequena aldeia, se mudou para uma extensa propriedade rural com a família ainda criança. Sua infância é mais detalhadamente explorada em sua autobiografia, que descreve com detalhes alguns eventos que o marcaram, como o espancamento de um trabalhador rural por seu pai, sendo que este trabalhador não 22 A Gestalt-terapia é um modelo de psicoterapia que trabalha com os conceitos de responsabilidade de si mesmo e da experiência individual do momento atual (chamado também de aqui e agora). Desenvolvida pelo psicoterapeuta Fritz Perls (1893-1970), a sua abordagem levam consideração o ambiente e o contexto social que constituem o ser. A partir da publicação do livro Gestalt-therapy (1951), a teoria e a prática terapêutica dessa modalidade se difundiram pelo mundo, tendo especial relevância dentro do complexo alternativo da contracultura pelas seus conceitos filosóficos afinados com aquele paradigma, como o “aqui-agora” e a “vivência” como norteadores. (Nevis, 2000) 23 Psicodrama é um método de ação e reflexão, frequentemente utilizada com fins psicoterapêuticos, onde os participantes utilizam dramatizações espontâneas, interpretação de papéis e auto-apresentação dramática como forma de investigar e aprender sobre suas vidas. Criado pelo médico e psiquiatra romeno Jacob Levy Moreno (1889-1974), foi um dos primeiros métodos sistematizados de terapia de grupo. Mesmo após o falecimento do seu fundador, a influência dessa técnica ainda é sentida nas práticas do complexo alternativo e na psicoterapia atual. 24 Russo, Jane. O corpo contra a palavra, 1993. 40 esboçava reação à violência. Esta experiência pode ser ilustrativa de uma questão central para Reich em toda a sua obra futura, que é a investigação da aceitação da dominação pelo dominado. (Albertini, 2011) Reich foi educado em casa com tutores particulares. Após o início da Primeira Guerra Mundial, em 1914, as propriedades rurais se tornaram inseguras devido ao conflito que se instalava. Percebendo o risco que estava correndo, Reich decide se alistar como voluntário do Exército Austro-Húngaro Ele participa da guerra de 1915 a 1918 como oficial do exército, chegando à patente de tenente. Após a guerra, com dificuldades de se readaptar à vida civil, se mudou para Viena, onde começou a estudar medicina. Reich se sentia limitado pelo que ele entendia como uma visão mecanicista da medicina da época (Sharaf, 1994). Ao conhecer o trabalho de Sigmund Freud, pai da psicanálise, em 1919, se encanta por suas ideias e prática clínica, começando a praticar a psicanálise e indicado pelo próprio Freud para ser seu assistente em sua clínica em 1922, chegando a ser diretor da mesma clínica de 1928 a 1930. (Weinmann, 2002) Sua pesquisa era norteada por princípios freudianos, tais como libido e resistência25, e buscava preencher as lacunas que ele via existir na prática da psicanálise. A pergunta que guiava a sua investigação clínica era: Qual a fonte de energia das neuroses e qual o destino da energia da excitação de uma neurose? Sua pesquisa o levou a afirmar que o foco das neuroses e doenças psíquicas e mesmo físicas eram oriundas de uma ausência de “potência orgástica” que ele definiu como a capacidade de abandonar-se, livre de quaisquer inibições, ao fluxo de energia biológica; a capacidade de descarregar completamente a excitação sexual reprimida, por meio de involuntárias e agradáveis convulsões do corpo. (Reich, 1975, p. 55). O trabalho de Wilhelm Reich tinha uma proposta socialmente consciente, mas não diretamente política, segundo ele mesmo (1975, p. 15). Reich encontrou dificuldades com a prática psicanalítica ao trabalhar na Clínica Psicanalítica de Viena para pessoas pobres, em 1922. Confrontado com as dificuldades de sobrevivência a que seus pacientes eram submetidos, 25 Os conceitos estabelecidos por Freud ao falar da mente humana tiveram profunda influência no universo da psicologia nos anos que se seguiram, e até hoje possui relevância teórica ao se falar da psique humana. 41 ele começou a divergir da psicanálise freudiana e iniciou o desenvolvimento de um modelo no qual a excitação sexual e o orgasmo eram centrais para o sucesso terapêutico. Reich se torna membro do Partido Comunista Austríaco em 1928 e funda a Sociedade Socialista para Consulta sobre Sexo e Pesquisa Sexológica. Em 1930, se muda para Berlim, fundando nesta cidade a Associação Alemã para a Política Sexual Proletária. Com a ascensão do fascismo e a ameaça nazista na Alemanha, o fato de Reich não expressar um posicionamento político mais firme começa a lhe criar problemas. Foi expulso do Partido Comunista em 1933 pelo foco que seu trabalho tinha sobre a sexualidade (que alguns dirigentes partidários diziam ser uma afetação burguesa26) e em 1934 da IPA, a Associação Internacional de Psicanálise, principal detentora e difusora do legado de Freud na época, por ter sido parte do partido comunista.27 Para fugir do nazismo, Reich sai de Berlim e passa pela Dinamarca e Suécia em 1934 até se estabelecer na Noruega, onde dá aulas no Instituto de Psicologia da Universidade de Oslo durante 5 anos. (Russo, 1993). Durante esse período, postula que o orgasmo sexual se organiza como uma “descarga bioelétrica” e que o conceito de “libido” de Freud na verdade se refere a uma substancia química. Realizou experimentos para tentar provar a existência do que chamava de bíons, partículas orgânicas que seriam evidências concretas de sua teoria. Ao pedir que seus experimentos fossem confirmados por patologistas e biólogos noruegueses, ficou irritado quando eles negaram seus resultados, atribuindo-os a infecções bacteriológicas no material utilizado. Este embate público se tornou um problema para ele quando seu visto de permanência na Noruega expirou, em 1938. Vários cientistas foram contra a renovação de seu visto. Após este imbróglio, a permanência de Reich foi aceita na Noruega, mas seria necessária uma licença para continuar praticando psicanálise, licença que o governo norueguês não iria oferecer (Sharaf, 1994). Em 1939, Reich se muda para os Estados Unidos da América e declara que havia descoberto o “orgônio”, uma extensão da ideia de “libido” de Freud. O “orgônio" seria uma espécie de energia onipresente, responsável pela vida no planeta. Nos próximos anos, Reich se dedica a construir “caixas orgônicas” com o objetivo de acumular esta energia e utilizá-la com 26 Essa relação ambígua dos partidos comunistas com a sexualidade e o corpo também será encontrada nos movimentos de combate à ditadura militar no Brasil, como descrito por Anderson da Silva Soares em sua dissertação de mestrado Discursos e representações do corpo durante a ditadura militar no Brasil (1968-1979). Falaremos um pouco mais sobre essa relação no Cap. 2. 27 A IPA tentava se manter neutra politicamente na época, fazendo concessões ao partido nazista que estava no poder ao expulsar comunistas de suas fileiras. 42 fins terapêuticos e medicinais. Por esse motivo e pelo seu envolvimento no partido comunista austríaco antes da segunda guerra, o governo americano passa a investigá-lo e persegui-lo. Reich é processado em 1954 por ter atribuído a cura do câncer à caixa orgônica. Sendo preso em 1956, falece na prisão vítima de um ataque cardíaco. Independente de suas controvérsias ao longo da sua vida, a influência de Wilhelm Reich no universo das terapias corporais é inegável (Santos, 2008). O conceito de “orgônio”, desenvolvido em um período histórico no qual teori