UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “Júlio de Mesquita Filho” Instituto de Geociências e Ciências Exatas Câmpus de Rio Claro BÁRBARA MORAIS NASCIMENTO TEIXEIRA EVOLUÇÃO SEDIMENTAR DA SEÇÃO SILICICLÁSTICA- CARBONÁTICA TRIÁSSICA NA PORÇÃO NORTE DA BACIA CUYO, OESTE DA ARGENTINA Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas do Câmpus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Geociências e Meio Ambiente Orientador: Dr. Norberto Morales Coorientadores: Dr. Ricardo Alfredo Astini Dr. Fernando Javier Gómez Rio Claro - SP 2016 Teixeira, Bárbara Morais Nascimento Evolução sedimentar da seção siliciclástica-carbonática triássica na porção norte da Bacia Cuyo, oeste da Argentina / Bárbara Morais Nascimento Teixeira. - Rio Claro, 2016 207 f. : il., figs., tabs., fots., mapas Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista, Instituto de Geociências e Ciências Exatas Orientador: Norberto Morales Coorientador: Ricardo Alfredo Astini Coorientador: Fernando Javier Gómez 1. Sedimentação e depósitos. 2. Rifte continental. 3. Carbonatos microbiais. 4. Carbonatos palustres. 5. Proveniência. 6. Paleocorrente. I. Título. 551.303 T266e Ficha Catalográfica elaborada pela STATI - Biblioteca da UNESP Campus de Rio Claro/SP BÁRBARA MORAIS NASCIMENTO TEIXEIRA EVOLUÇÃO SEDIMENTAR DA SEÇÃO SILICICLÁSTICA- CARBONÁTICA TRIÁSSICA NA PORÇÃO NORTE DA BACIA CUYO, OESTE DA ARGENTINA Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas do Câmpus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Geociências e Meio Ambiente Comissão Examinadora Roberto Salvador Francisco dAvila, Petrobras Lucas Verissimo Warren, Unesp Norberto Morales, Unesp Aprovada Rio claro, SP 09 de maio de 2016 iv A Deus, aos mestres e aos pais pelo caminho iluminado v AGRADECIMENTOS Primeiramente, agradeço à Petrobras pelo apoio e patrocínio das atividades de campo e laboratoriais que permitiram o desenvolvimento desse estudo. Agradeço pelo fomento dos setores da UO-RIO, representados pelos gerentes Eberaldo de Almeida Neto, Álvaro H. Arouca de Castro, José Contreras Martinelli e Renata S. de Oliveira Germano, e da área de E&P-EXP, representada pelos gerentes Mário Carminatti e Claudia Lima de Queiroz. Agradeço imensamente às gerentes Sylvia M. Couto dos Anjos e Vânia Silva Campinho que incentivaram o estudo e a parceria com os professores da Universidad Nacional de Córdoba (Argentina) e com a UNESP. Em especial, agradeço à gerente imediata Marilia Vidigal Sant’Anna que forneceu total apoio ao mestrado, desde a busca pelo tema e durante os dois anos de realização. Na UNESP, em Rio Claro-SP, agradeço aos professores, funcionários e colegas do Centro de Geociências aplicadas ao Petróleo (UNESPetro) e do Departamento de Petrologia e Mineralogia do Instituto de Geociências e Ciências Exatas. Gostaria de agradecer aos orientadores Dr. Norberto Morales, Dr. Ricardo A. Astini e Dr. Fernando J. Goméz pelas valiosas discussões, pelos ensinamentos e por toda dedicação nas atividades de campo, nas reuniões de trabalho e na correção da dissertação. Agradeço ao geólogo Daniel Boggetti, exploracionista da Bacia Cuyo, que se prontificou a apresentar os principais afloramentos da bacia. Agradeço também aos geólogos Agustín Mors, Carlos Guilherme S. Tavares e Vinícius Carbone B. de Oliveira que contribuíram para a aquisição e discussão dos dados de campo. No desenvolvimento do trabalho, agradeço a enriquecedora troca de experiências e discussões com o especialista em sedimentos carbonáticos da Petrobras, geólogo Adali Ricardo Spadini, e, em sedimentos siliciclásticos, o geólogo Dorval Carvalho Dias Filho, também colega de estudo na Argentina. Sem contar a troca de ideias e auxílio dos colegas da UO-RIO/EXP, E&P-EXP/GEO e CENPES (GSE, IRPS, GEOTEC, GEOQ e BPA): são vários os colegas e amigos petroleiros que realmente apoiaram esse trabalho. Outros agradecimentos são expressos às pessoas que contribuíram diretamente para que alguns dados fossem disponibilizados: ao Roberto Varela da Digital Globe, ao Prof. Dr. Carlos Roberto de Souza Filho da UNICAMP, à Virginia Teppa Pannia da Universidad de Buenos Aires, e ao então gerente de exploração da Petrobras Argentina S.A. (PESA) Luiz Antonio Freitas Trindade. Finalmente, dedico minha maior gratidão ao meu marido, pais, irmãos e amigos por todo amor, apoio e incentivo! vi RESUMO O afloramento da Quebrada Cerro Puntudo, Província de San Juan, oeste da Argentina, expõe os depósitos triássicos mais setentrionais da bacia extensional Cuyo, caracterizada por um sistema de hemi-grábens de direção NNW-SSE. A seção evidencia sedimentação continental predominantemente siliciclástica e, diferentemente do restante da bacia, possui depósitos carbonáticos microbiais, cujo marco tectônico não é bem conhecido. A partir da análise de associação de fácies, foram elaborados mapas paleogeográficos que subsidiaram a interpretação dos ambientes deposicionais e do empilhamento vertical. Nesse estudo, além dos fatores clássicos que controlam a sedimentação em bacias continentais, tectônica e clima, considerou-se também a possível configuração de drenagens para o reconhecimento de etapas de depocentro isolado e depocentro integrado/conectado. Assim, análises de paleocorrentes e proveniência foram agregadas às informações dos sistemas deposicionais e permitiram interpretar a evolução da sedimentação em três estágios. O estágio inicial é caracterizado por intensa atividade tectônica das falhas normais de borda, com deposição de leques aluviais. As paleocorrentes transversais para leste indicam posição da borda falhada a oeste e a proveniência evidencia área fonte vulcânica. Essas características sugerem uma condição de depocentro isolado com alta taxa de acomodação e domínio de fluxos gravitacionais de massa. O estágio seguinte é marcado por quiescência tectônica, quando ocorreu preenchimento e colmatação progressiva do depocentro por sistemas deposicionais fluviais, com manutenção das áreas de aporte. Esse intervalo inclui os depósitos carbonáticos microbiais, cujas significativas feições eodiagenéticas/pedogenéticas caracterizam uma associação de fácies palustre. O ambiente palustre se desenvolveu em uma etapa de baixa taxa de sedimentação, limitado relevo tectônico e limitada criação de espaço de acomodação. Portanto, os carbonatos palustres de Cerro Puntudo evidenciam uma etapa de inatividade das falhas de borda. O estágio final ocorre a partir de uma expressiva discordância erosiva, que evidencia combinação de reativação tectônica e mudança climática, quando ocorreram importantes modificações na sedimentação do depocentro. Nessa etapa, depósitos fluviais entrelaçados apresentam aporte de sedimentos para noroeste (axial), a partir de área fonte múltipla, composta por rochas vulcânicas, metamórficas e sedimentares. Essas características sugerem uma inversão do aporte e condições de depocentro integrado/conectado. Sugere-se que essa condição esteja relacionada à conexão com o depocentro de Rincón Blanco, localizado a sul, pois as fácies, paleocorrentes, proveniência e contexto climático, descritos na literatura, são consistentes com as análises realizadas em Cerro Puntudo. Nessa proposta de correlação, considera-se que, abaixo da discordância erosiva, os depocentros se desenvolviam em condições tectono-climáticas semelhantes, em fase inicial de rifte e clima semi-árido, mas de forma independente e isolada. Enquanto que, a partir da discordância, esses depocentros passaram a ter comunicação devido a uma reativação tectônica em condições climáticas mais úmidas, que possibilitaram a exportação de sedimentos do depocentro de Rincón Blanco, a montante, para o depocentro de Cerro Puntudo, a jusante. Sedimentação. Rifte continental. Carbonatos palustres. Proveniência. Paleocorrente. vii ABSTRACT The outcrops in the Cerro Puntudo area, San Juan province, western Argentina, expose the northernmost triassic deposits of the extensional Cuyo basin, which is composed of half-graben fill-systems oriented NNW-SSE. The stratigraphic columm consists of continental siliciclastic sedimentation, and differ from the rest of the basin, by having microbial carbonate deposits, of unconstrained tectosedimentary meaning. From a facies association analysis, paleogeographic maps were carried out in order to support depositional environment interpretations and stacking analysis. Besides the traditional controls in continental basins sedimentation, tectonics and climate, this study considered the possible evolution of the drainage pattern in order to recognize isolated depocenter stages and integrated depocenter stages. Thus, paleocurrent and provenance analysis were integrated to the depositional systems so as to propose a sedimentary evolution with three stages. The initial stage is characterized by strong tectonic activity of border faults, with alluvial fan deposits. Transverse paleocurrents toward the east indicate normal faults located to the west and sediment supply from a volcanic source area. These features suggest an isolated depocenter with high accommodation space and dominance of debris flow deposits. The next stage is marked by a tectonic quiescence. During this stage the depocenter is filled by fluvial depositional systems, maintaining the same area supply. This interval includes microbial carbonate deposits with eodiagenetic/pedogenetic features, typical of palustrine facies associations. The palustrine environment developed in a context of low sedimentation rate, limited tectonic relief and limited accommodation-space creation. Therefore, the palustrine carbonates of Cerro Puntudo reveal a stage of faults inactivity. The final stage occurs above a relevant erosional unconformity, which is a product of a combined tectonic reactivation and climatic change affecting the depocenter. This produced significant changes in the depocenter sedimentation. In this last stage, braided fluvial deposits show sediment delivery to northwest (axial) from a variable source area, composed of volcanic, sedimentary and metamorphic rocks. All these features indicate an integrated/connected depocenter state. Thus, suggesting a connection with the Rincón Blanco depocenter, located to the south, since it has facies, paleocurrent, provenance, and climatic conditions, described in the literature, consistent with the analysis done in the Cerro Puntudo region. In this correlation, under the unconformity the depocenters where developed in similar tectonic-climatic conditions, during early stages of rift and semi-arid climate, but depocenters were isolated and independent from each other. Whereas, above the unconformity, the depocenters were connected due to a tectonic reactivation in more humid climate condition that exported sediments from the Rincón Blanco upstream depocenter to the Cerro Puntudo downstream depocenter. Sedimentation. Continental rift. Palustrine carbonates. Provenance. Paleocurrent. viii LISTA DE FIGURAS Figura 1 : Localização da área de estudo Quebrada de Cerro Puntudo ................................................. 4 Figura 2 : Modelos tectono-sedimentares para bacias extensionais continentais de Gawthorpe e Leeder (2000):. .................................................................................................................................................... 9 Figura 3 : Modelagem de Smith (2013) para o preenchimento sedimentar de sub-bacias extensionais adjacentes. ............................................................................................................................................ 11 Figura 4 : a) Smokey Valley é um depocentro hidrologicamente isolado; b) Diamond Valley é hidrologicamente integrado (SMITH, 2013; imagem Google Earth® de 06/03/2016). .......................... 12 Figura 5 a) Mapa da reconstrução paleogeográfica do Mesotriássico, oeste do Gondwana, (modificado de ULIANA e BRIDDLE, 1988); b) Mapa das localidades com sedimentos triássicos continentais e marinhos. (STIPANICIC, 2002). ............................................................................................................ 14 Figura 6: Contexto morfoestrutural da área de estudo, (modificado de GIAMBIAGI et al., 2011; RAMOS, 2004; ASTINI e THOMAS, 1999). ......................................................................................................... 15 Figura 7 : a) Andesito do Grupo Choiyoi como embasamento de Cerro Puntudo, vista panorâmica para sul; b) camada de tufos esverdeados intercalados aos carbonatos . .................................................... 16 Figura 8 : Modelo evolutivo da região Precordillera entre o Permiano e Triássico, (traduzido de ASTINI et al., 2009). ........................................................................................................................................... 17 Figura 9 : Mapa das bacias triássicas do centro-oeste da Argentina (modificado de STIPANICIC, 2002) com destaque para a localidade de Cerro Puntudo e traço da seção A-A’. .......................................... 19 Figura 10 : Seção estratigráfica conceitual no depocentro Tupungato durante o Triássico (traduzido de ZENCICH; VIIIAR; BOGGETTI, 2008). ................................................................................................. 20 Figura 11 : Síntese estratigráfica para a Precordillera Occidental, próximo à localidade de Cerro Puntudo (baseado em SESSAREGO, 1988). ....................................................................................... 21 Figura 12 : Coluna cronoestratigráfica da Bacia Cuyo no depocentro Tupungatu (BOGGETTI et al., 1999), e no de Rincón Blanco (modificado de BARREDO e RAMOS, 2010); . .................................... 23 Figura 13 : a) Mapa geológico para os depósitos triássicos em cinza; b) seção colunar da quebrada de Cerro Puntudo; c) modelo de preenchimento do hemi-graben (modificado de LÓPEZ-GAMUNDÍ e ASTINI, 2004). ....................................................................................................................................... 26 Figura 14: Mapa geológico da área de Cerro Puntudo. (modificado de LÓPEZ-GAMUNDÍ e ASTINI, 2004; CARDÓ e DÍAS, 2005). ............................................................................................................... 29 Figura 15: Afloramentos triássicos das formações Cerro Puntudo e El Relincho e das localidades próximas à área de estudo .................................................................................................................... 30 Figura 16 : Método Gazzi-Dickinson de contagem de grãos (ZUFFA, 1985). ....................................... 43 Figura 17: Mapa de associação de fácies da área da Quebrada de Cerro Puntudo.. ......................... 47 Figura 18: Imagens de satélite Word-View II no centro da área e ASTER nas adjacências. Destaque para os limites das associações de fácies, os pontos de campo, a localização da quebrada de Cerro Puntudo ................................................................................................................................................. 48 Figura 19: Sinclinal assimétrica apertada na porção oeste da área (ponto 38); .................................. 49 Figura 20: Afloramentos da Quebrada de Cerro Puntudo. ................................................................... 50 ix Figura 21: Seções horizontais da quebrada de Cerro Puntudo ........................................................... 51 Figura 22: Seção de correlação N-S dos perfis levantados na área de estudo. ................................. 52 Figura 23: Seção colunar com litoestratigrafia e associações de fácies. ............................................. 54 Figura 24 : Visão panorâmica dos depósitos de leques aluviais na Quebrada I. .................................. 57 Figura 25 : a) Conglomerado de matacões pobremente estratificados; b) camada de blocos e seixos imbricados; c) brecha maciça suportada por matriz argilosa. ............................................................... 59 Figura 26 : a) Ortoconglomerado suportado pelos clastos com matriz arenosa; b) arenito conglomerático estratificado com seixos orientados segundo o acamamento. .............................................................. 61 Figura 27: a) Discordância erosiva entre associação fluvial entrelaçado conglomerático e palustre; b) marca de escavação e preenchimento na base do conglomerado; c) camadas de conglomerado com estratificação incipiente e acresção downstream para NW. .................................................................. 63 Figura 28 : a) Seixos e blocos imbricados; b) Cunha de arenito com estratificação de baixo ângulo com seixos na base; c) Fácies de arenito e conglomerado intercaladas ...................................................... 66 Figura 29 : Associação de fácies fluvial entrelaçado ............................................................................. 68 Figura 30 : a) Conglomerado com estratificação horizontal; b) detalhe da gradação normal com clastos imbricados . ........................................................................................................................................... 69 Figura 31 : a) Arenito intercalado a conglomerados estratificados; b) arenito com estratificação cruzada planar e geometria lenticular; c) arenito com estratificação cruzada planar. ........................................ 70 Figura 32 : Panorama da associação de fácies fluvial efêmero Notar expressivo canal conglomerático (centro da foto). ..................................................................................................................................... 72 Figura 33 : a) Perfil de canal de arenito maciço; b) arenito com laminação plano-paralela e seixos na base; c) marca de sola na vista na base de camada arenosa. ............................................................. 73 Figura 34 : a) Conglomerado/arenito com estratificação cruzada planar; b) acreção lateral de camadas arenosas na direção das setas. ............................................................................................................. 75 Figura 35: a) Arenito bioturbado, siltito mosqueado e arenito maciço com seixos dispersos; b) arenito maciço com textura nodular-mosqueada; c) bioturbação em arenito fino. ............................................ 77 Figura 36: Detalhe do Perfil II com a associação de fácies fluvial efêmero (Perfil C) .......................... 78 Figura 37: a). Perfil de calcrete com fácies de arenito/siltito nodular-mosqueada na base e fácies crosta carbonática com lâminas e rizólitos associados. ................................................................................... 80 Figura 38 : a) Nódulo carbonático contendo pelóides; b) textura alveolar ............................................ 81 Figura 39 : a) Associação de fácies palustre com cor violácea, caracterizada nesse intervalo por fácies siliciclásticas/vulcanoclásticas de siltitos, tufos e arenitos .................................................................... 83 Figura 40 : a) Siltito mosqueado com laminação e níveis mosqueado/nodular; b) vista em planta de siltito com bioturbação; c) fotomicrografia de laminação heterolítica. ................................................... 84 Figura 41 : a) Ampla lente de arenito em fita; b) arenito com concreções carbonáticas. ...................... 86 Figura 42 : a) Camadas de calcário laminado tabulares decimétricas; b) lâminas micríticas levemente crenuladas intercaladas a fenestras cimentadas por calcita. ................................................................ 90 x Figura 43: a) Camada dômica associada a nódulos calcíticos e intraclastos; b) intercalação de lâminas sílticas em calcário laminado; c) nódulos calcíticos intra-sedimentares. .............................................. 91 Figura 44 : Feições de exposição macroscópicas: a) gretas de contração; b) tepee; c) brecha (paleossolo). .......................................................................................................................................... 92 Figura 45 : Intercalação de níveis micríticos e níveis micro-espáticos .................................................. 93 Figura 46 : Laminação micrítica crenulada; ostracode articulado na base. ........................................... 94 Figura 47 : a) fenestras de geometria irregular e descontínuas e possíveis calcimicróbios esféricos e esferulitos. ............................................................................................................................................. 95 Figura 48 : a) Micro-carte com silte vadoso e cimento em laminito crenulado. ..................................... 96 Figura 49 : a) Cristais de barita (ba) e de calcita (ca) com relictos de micrita; b) espectrograma do MEV- EDS com a composição de sulfato de bário. ......................................................................................... 97 Figura 50 : a) Cimento calcítico poiquilítico que engloba grãos (pelóides e intraclastos). .................... 98 Figura 51 : a) Acamamento heterolítico de laminito crenulado e de siltito .......................................... 100 Figura 52 : a) Lâmina petrográfica pré-tingimento com cristais romboédricos zonados; b) Lâmina tingida com alizarina; c) espectrograma de dolomita; d) espectograma da borda de calcita magnesiana ) .. 101 Figura 53 : Camada lenticular de Calcário oncolítico e detalhes da trama. ........................................ 103 Figura 54 : a) Oncóides com morfologia variada; b) Estromatolitos dômicos na base com crescimento limitado por oncóide. ............................................................................................................................ 105 Figura 55 : a) Calcário perturbado/silicificado, com fragmentos de oncóides; b) floatstone oncolítico com estrutura geopetal no núcleo dos oncóides; c) bioturbação (rizólito). ................................................. 106 Figura 56: a) Oncóide grumoso/espatico; b) calcimicróbios entre envelopes do oncóide. ................ 108 Figura 57: Matriz micrítica com pelóides e grãos siliciclásticos entre oncóides . ............................... 109 Figura 58 : a) Gyrogonitas em floatstone oncolítico com carófitas; b) núcleo de carófitas: 111 Figura 59: Coquina de ostracodes e fragmentos de carófitas (inter-nós). ......................................... 112 Figura 60 : a) Matriz neomorfizada com cristais incolores pré-tingimento; b) tingimento por alizarina; c) espectrograma de EDS-MEV em cristal romboédrico de calcita. ........................................................ 113 Figura 61 : a) Camada de mudstone com gretas de contração. ......................................................... 115 Figura 62 : a) Aspecto maciço do mudstone; b) wackestone com carófitas e ostracodes .................. 117 Figura 63: a) Calcário grumoso; b) porção com textura micrítica e grumosa-peloidal; c) porção espática com cristais de calcita facicular (shrubs). ............................................................................................ 118 Figura 64: a) Aspecto maciço com bioturbação; b) detalhe de rizólito; c) fenestras de milimétricas horizontais e fissuras tríplices.............................................................................................................. 120 Figura 65: Nódulos com envóltorios micríticos contínuos (coated grains). ........................................ 121 Figura 66: Gretas circum-granulares que ressaltam os pelóides e nódulos micríticos . .................... 122 Figura 67 : Microfácies calcário com riozólitos: cavidades verticais, bifurcadas. ................................ 123 xi Figura 68 : Feições de zona vadosa: a) silte vadoso; b) cimento pendente ........................................ 124 Figura 69: Microfácies calcário pseudo-nodular/peloidal. .................................................................. 125 Figura 70 : a) Calcário misto mosqueado bioturbado; b) textura mosqueada. .................................... 127 Figura 71: a) Microfácies calcário síltico-arenoso, no centro, em contato sinuoso com microfácies calcário micrítico; b) Microfácies calcário tufáceo com shards e vitroclastos ...................................... 129 Figura 72 : Modelo de fácies para carbonatos lacustres marginais.(Platt e Wright, 1991). ................ 130 Figura 73 : Modelo dinâmico de variação da lâmina d’água (nível freático) com a fácies carbonática primária depositada. ............................................................................................................................ 132 Figura 74: a) Associações de fácies palustre com fácies finamente intercaladas; b) camadas de arenito intercaladas a calcários laminados (com lâminas siliciclásticas). ....................................................... 134 Figura 75: a) Associações de fácies palustre e de calcrete com os aspectos petrográficos das fácies: ( modificado de ALONSO-ZARZA, 2003). ............................................................................................. 136 Figura 76 : a) Perfil da associação de fácies palustre inferior (A) e superior (B). ............................... 138 Figura 77: a) Perfil do intervalo carbonático inferior (A) de 18 m, levantado no ponto 02. ................ 139 Figura 78 : a) Perfil do intervalo carbonático superior (B) de 56 m, levantado no ponto 33. .............. 140 Figura 79 : Seção de correlação do intervalo palustre basal (intervalo ) e fluvial efêmero. ................ 142 Figura 80 : Seção colunar com o empilhamento das associações de fácies. ..................................... 144 Figura 81 : Mapa das associações de fácies e estações de medidas de paleocorrentes. .................. 150 Figura 82 : Seção colunar com as paleocorrentes por intervalo estratigráfico e posição das amostras para análise de proveniência. .............................................................................................................. 152 Figura 83 : Aspecto de afloramento das estações de contagem de frequência de clastos:. .............. 155 Figura 84: Principais litotipos constituintes dos conglomerados da área de estudo. ......................... 156 Figura 85: Mapa geológico simplificado da Precordillera Occidental com os afloramentos triássicos da parte norte da Bacia Cuyo (modificado de LÓPEZ-GAMUNDÍ e ASTINI, 2004, SESSAREGO,1988, BARREDO, 2004 e CARDÓ e DÍAS, 2005). ....................................................................................... 158 Figura 86 : a) Grão de Qm vulcânico, b) Qm subarredondado com cimento sintaxial prévio; c) Qm com extinção ondulante; d) Quartzo policristalino com textura granoblástica . .......................................... 160 Figura 87 : a) K-feldspatos com tingimento; b) k-feldspato parcialmente substituído; c) K-feldspatos parcialmente albitizados em MEV; d) espectro de raios-X por EDS/MEV; e,f) Plagioclásio em fragmento de rocha porfirítica não tingido. ........................................................................................................... 162 Figura 88 : a) Grãos de feldspatos parcialmente dissolvidos; b) substituído por quartzo; c) Fenocristal indiferenciado com “macla chessboard”; d) Espectro de EDS: albita. ................................................ 164 Figura 89 : a) Lítico vulcânico de textura porfirítica e matriz tingida; b) Textura porfirítica com fenocristais de plagioclásio e de anfibólios . ........................................................................................................... 166 Figura 90 : a) Fragmento felsítico; b) textura felsítica com amígdala; c) shards em meio a matriz criptocristalina; d) Sílica com textura esferulítica (desvitrificação). ..................................................... 167 Figura 91: a) Textura lathwork; b) lítico vulcânico porfirítico bastante alterado. ................................ 168 xii Figura 92: Fragmentos metamórficos: a) detalhe da foliação; b) fragmento de meta-arenito; c,d) meta- grauvaca com foliação marcada por micas. ........................................................................................ 169 Figura 93: Fragmento de siltito grosso com matriz argilosa esverdeada entre os grãos . ................. 170 Figura 94 : Diagrama QmFLt e seção colunar com as amostras para proveniência. ......................... 172 Figura 95 : Diagramas composicionais com a distribuição das amostras analisadas: a) QpLvLm; b) QpLvLs; c) QtFL. ................................................................................................................................. 174 Figura 96: Mapa geológico da Precordillera Occidental na região do depocentro de Cerro Puntudo com destaque colorido das potenciais áreas-fonte para as formações Cerro Puntudo e El Relincho (modificado de LÓPEZ-GAMUNDÍ e ASTINI, 2004, SESSAREGO,1988). ......................................... 176 Figura 97 : Síntese do empilhamento, mapas paleogeográficos e paleocorrentes que subsidiaram as etapas evolutivas interpretadas. .......................................................................................................... 180 Figura 98: Modelos evolutivos da Tectono-Sequência da Fm. Cerro Puntudo para os estágios de Atividade tectônica e Quiescência tectônica. ...................................................................................... 188 Figura 99: Modelo evolutivo da Tectono-Sequência da Fm. El Relincho para o estágio de reativação tectono-climática. ................................................................................................................................. 189 Figura 100: Seção de correlação entre depocentros de Cerro Puntudo e Rincón Blanco. ................ 193 LISTA DE TABELAS Tabela 1 : Síntese das idades geocronológicas em rochas vulcânicas e vulcanoclásticas dos depocentros da Bacia Cuyo (dados de SPALLETTI; FANNING; RAPELA, 2008; ÁVILA et al., 2006; RAMOS e KAY, 1991; BARREDO et al., 2012; MANCUSO et al., 2010)................................................27 Tabela 2 : Exemplo de contagem da amostra CP-53 utilizando o software Petroledge® ......................................45 Tabela 3 : Resumo das fácies predominantemente siliciclásticas...........................................................55 Tabela 4 : Resumo das associações de fácies predominantemente siliciclásticas e principais fácies....56 Tabela 5 : Resumo das fácies carbonáticas e microfácies associadas...................................................88 Tabela 6 : Principais feições eodiagenéticas observadas nas fácies carbonáticas...............................132 Tabela 7 : Resumo das fácies carbonáticas e siliciclásticas/vulcanoclásticas que compõem a associação de fácies palustre..............................................................................................................137 Tabela 8: Contagem de frequência de blocos e seixos em conglomerados.........................................154 Tabela 9 : Composição modal de 10 amostras de arenitos (valores em porcentagem).........................170 Tabela 10: Resumo das tectono-sequências e etapas evolutivas do depocentro de Cerro Puntudo com suas principais características.............................................................................................................178 xiii SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 1 1.1. Objetivos e motivação do trabalho ............................................................................................. 2 1.2. Localização e vias de acesso ...................................................................................................... 3 2. SEDIMENTAÇÃO EM BACIAS EXTENSIONAIS CONTINENTAIS .................... 5 3. GEOLOGIA REGIONAL ..................................................................................... 13 3.1. Arcabouço estrutural e tectônico ............................................................................................. 13 3.2. Estratigrafia .................................................................................................................................. 20 4. CONTEXTO GEOLÓGICO DA ÁREA DE ESTUDO .......................................... 28 5. MATERIAIS E MÉTODOS .................................................................................. 31 5.1. Sobre a classificação das rochas carbonáticas estudadas ................................................. 31 5.2. Levantamento bibliográfico: área de investigação e tectono-sedimentação .................... 32 5.3. Mapas-base e sensoriamento remoto ...................................................................................... 33 5.4. Atividades de Campo .................................................................................................................. 33 5.4.1. Caracterização de fácies e levantamento de perfis verticais ........................................... 34 5.4.2. Paleocorrentes ........................................................................................................................ 36 5.4.3. Análise de proveniência em conglomerados ..................................................................... 37 5.5. Atividades Laboratoriais ............................................................................................................ 37 5.5.1. Descrição petrográfica ........................................................................................................... 38 5.5.2. Análise complementar de MEV ............................................................................................. 38 5.5.3. Análise de proveniência em arenitos ................................................................................... 40 6. RESULTADOS .................................................................................................... 46 6.1. Distribuição areal das associações de fácies ......................................................................... 46 6.2. Litoestratigrafia ........................................................................................................................... 53 6.3. Fácies e associações de fácies predominantemente siliciclásticas ................................... 55 xiv 6.3.1. Associação Leque aluvial (dominado por fluxos gravitacionais de massa) ................. 56 6.3.2. Associação Fluvial entrelaçado conglomerático ............................................................... 62 6.3.3. Associação Fluvial entrelaçado ............................................................................................ 67 6.3.4. Associação Fluvial efêmero .................................................................................................. 71 6.3.5. Associação Palustre (siliciclástica) ..................................................................................... 82 6.4. Fácies e associação de fácies predominantemente carbonáticas ...................................... 88 6.4.1. Fácies Calcário laminado ....................................................................................................... 88 6.4.2. Fácies Calcário oncolítico ................................................................................................... 102 6.4.3. Fácies Mudstone ................................................................................................................... 115 6.4.4. Fácies Calcário grumoso ..................................................................................................... 117 6.4.5. Fácies Calcário maciço a bioturbado ................................................................................. 119 6.4.6. Fácies Calcário misto mosqueado bioturbado ................................................................. 126 6.4.7. Associação Palustre (carbonática) .................................................................................... 130 6.4.8. Associação Palustre (carbonática e siliciclástica) .......................................................... 137 6.5. Empilhamento vertical das associações de fácies .............................................................. 143 6.6. Paleocorrentes ........................................................................................................................... 148 6.7. Análise de Proveniência ........................................................................................................... 154 7. EVOLUÇÃO SEDIMENTAR ............................................................................. 178 8. CONCLUSÃO ................................................................................................... 195 9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................ 198 1 1. INTRODUÇÃO A área de estudo, Quebrada de Cerro Puntudo, pertence à bacia continental Cuyo, que está localizada no oeste da Argentina, entre as províncias de Mendoza e San Juan. Essa bacia tem sua gênese relacionada à extensão de idade triássica, que resultou em rápida subsidência e geração de grabens NNW-SSE no oeste da Argentina e Chile (ULIANA e BIDDLE, 1988; RAMOS e KAY, 1991; SPALLETTI, 1999). As sub-bacias são limitadas por importantes sistemas de falhas com a configuração de hemi-grabens de polaridades opostas. Tal geometria é documentada por seções de sísmica de reflexão (CRIADO ROQUÉ; MOMBRÚ; RAMOS, 1981; DELLAPE e HEGEDUS, 1995) e revelada pela distribuição dos preenchimentos sedimentares em afloramentos expostos pela tectônica de inversão andina (KOKOGIÁN E MANCILLA, 1989, 1993; LÓPEZ-GAMUNDÍ, 1994; SPALLETTI, 2001; BARREDO e RAMOS, 2010; LÓPEZ-GAMUNDÍ e ASTINI, 2004). A Bacia Cuyo é estudada há mais de um século, quando em 1886 começou a extração manual de petróleo nos afloramentos do Cerro Cacheuta, Província de Mendoza. As reservas provadas (1,1 x 109 bbl) e as reservas remanescentes (2,7 x 106 bbl) implicam em um total recuperável de 1,3 x 109 barris de óleo equivalente (bbl) até o ano de 2008 (ZENCICH; VIIIAR; BOGGETTI, 2008). A produção comercial de hidrocarbonetos está limitada a dois depocentros na região de Mendoza, Tupungato e Rivadavia, que ocorrem em sub-superfície. As principais rochas geradoras são folhelhos negros da Formação Cacheuta (triássico), e os estratos reservatórios são depósitos continentais e vulcânicos jurássicos e cretácios, e subordinadamente depósitos fluvio-deltáicos e rochas vulcanoclásticas triássicas. A tectônica andina neógena foi fundamental para a formação do sistema petrolífero, pois causou subsidência, soterramento e, posteriormente, inversão tectônica, que formaram trapas estruturais e processos de geração e migração de hidrocarbonetos (ZENCICH; VIIIAR; BOGGETTI, 2008). Já no norte da bacia, Província de San Juan, onde está localizada a área de estudo, não foi comprovado sistema petrolífero, apesar de a companhia petrolífera argentina YPF (Yacimientos Petrolíferos Fiscales), Repsol e Texaco terem pesquisado o vale intermontano de Upsallata, Calingasta e Iglesia com sísmica 2D e com poços localizados na região de Calingasta. Além das investigações em subsuperfície, essa porção da bacia é estudada também por exposições em afloramentos, cujos trabalhos 2 publicados datam das últimas três décadas. O afloramento da Quebrada de Cerro Puntudo expõe os depósitos triássicos do extremo norte da Bacia Cuyo (LÓPEZ- GAMUNDÍ e ASTINI, 2004) e, distintamente dos demais depocentros da bacia, essa área possui ocorrências importantes de carbonatos microbiais. Sedimentação carbonática em contexto extensional rifte continental é observada em diferentes contextos morfotectônicos em análogos recentes como o Sistema de Riftes do Leste Africano e Basin & Range (HARRIS; ELLIS; PURKIS, 2012). Porém, não existe um marco tectônico específico para depósitos carbonáticos dentro da evolução tectono-sedimentar de riftes. E mesmo na Bacia Cuyo, o contexto tectono-sedimentar da sucessão carbonática de Cerro Puntudo não é bem conhecido, apesar desses depósitos terem sido relacionados previamente a uma etapa de maior acomodação por atividade tectônica (rifte clímax) (LÓPEZ-GAMUNDÍ e ASTINI, 2004) No contexto de bacias extensionais continentais, os principais controles na sedimentação são a tectônica (atividade das falhas) e clima (LAMBIASE e MORLEY, 1999), mas a configuração das drenagens também exerce influência importante na arquitetura deposicional da bacia (GAWTHORPE e LEEDER, 2000). Assim, na análise evolutiva do preenchimento sedimentar de bacias continentais extensionais esses três fatores devem ser considerados. 1.1. Objetivos e motivação do trabalho O estudo dos sedimentos triássicos no norte da Bacia Cuyo, expostos na Quebrada de Cerro Puntudo, região da Precordillera Occidental de San Juan, na Argentina, tem como objetivo principal compor a evolução do preenchimento sedimentar desse depocentro considerando os aspectos controladores da sedimentação em contexto extensional continental, ou seja, a atividade das falhas (tectônica), clima e a configuração das drenagens. Além disso, pretende-se reconhecer as condições tectono-sedimentares dominantes durante a deposição dos sedimentos carbonáticos microbiais e o significado genético desse intervalo carbonático. A motivação para o desenvolvimento desse estudo surge do interesse em aprofundar o conhecimento sobre a sedimentação de carbonatos microbiais em 3 contexto extensional rifte, uma vez que não é bem estabelecida a relação entre a sedimentação carbonática e a fase tectônica evolutiva do rifte. Apesar de nos análogos atuais do Sistema de Riftes do Leste Africano e Basin & Range ocorrer sedimentação carbonática em contextos morfotectônicos variados (margem flexural, margem falhada), não é clara a relação entre essa sedimentação e o estágio tectônico evolutivo do rifte, uma vez que ambos análogos pertencem ao estágio de Interação/conexão de falhas (GAWTHORPE e LEEDER, 2000), evidenciando ocorrências de apenas um estágio evolutivo da sedimentação rifte. Por isso, considera-se que a relação entre sedimentação carbonática e a fase evolutiva do rifte depende de uma análise mais ampla do contexto deposicional em que os sedimentos carbonáticos estão inseridos. Assim, para atingir os objetivos de compor a evolução da sedimentação no depocentro de Cerro Puntudo e reconhecer as condições tectono-sedimentares dominantes durante a sedimentação dos carbonatos microbiais, esse trabalho pretende: - caracterizar os sistemas deposicionais siliciclásticos e carbonáticos por meio das associações de fácies; - reconhecer a relação estratigráfica dos sedimentos carbonáticos, siliciclásticos e vulcanoclásticos mediante a análise de empilhamento e o mapeamento das associações de fácies; - caracterizar o aporte de sedimentos siliciclásticos para o depocentro por meio da medição de paleocorrente e análise de proveniência; Ao final, pretende-se ainda verificar a viabilidade de se estabelecer correlações entre os depósitos do depocentro norte de Cerro Puntudo com os estratos dos demais depocentros da bacia, descritos na literatura. 1.2. Localização e vias de acesso A área de estudo, Quebrada de Cerro Puntudo, localiza-se na região oeste da Província de San Juan, oeste da Argentina, 62 km a norte da cidade de Calingasta. Nessa região afloram sedimentos triássicos da Bacia Cuyo, que pertencem a Província Geológica Precordillera Occidental, um cinturão de relevo de destaque na 4 fisiografia da região, localizada a leste da Cordilheira dos Andes (Figura 1), com o vale de Uspallata-Calingasta-Iglesia no intermédio. A principal via de acesso é a Rota 412, que liga a cidade de Calingasta à cidade de Iglesia, a norte. Após cerca de 50 km na direção Calingasta a Iglesia, segue- se a leste, por 15km, pela Ruta 425 em direção ao povoado de Talacasto. A estrada intercepta a Quebrada de Cerro Puntudo, que expõe cerca de 400m de seção de rochas triássicas (Latitude: 30°55'49.60"S, Longitude: 69°16'55.77"O). Cerro Puntudo é o nome do pico de destaque na fisiografia da área, que tem elevação de 2780m. O termo quebrada se refere ao perfil erosivo de rios efêmeros. Figura 1: Localização da área de estudo, Quebrada de Cerro Puntudo, a norte do Rio San Juan, da cidade mais próxima, Calingasta, a sul, e a direção das cidades de San Juan (capital da Província), Iglesia e Talacasto com as principais vias de acesso. 5 2. SEDIMENTAÇÃO EM BACIAS EXTENSIONAIS CONTINENTAIS Os principais modelos de sedimentação em contexto extensional (ou rifte) continental consideram a evolução das bacias com ênfase principal na análise da subsidência das falhas extensionais, que limitam os depocentros (PROSSER, 1993; LAMBIASE e MORLEY, 1999). Também é considerado o clima como fator importante no aporte e tipo de sedimento depositado, além da resposta dinâmica das drenagens, nos diferentes estágios de subsidência das falhas, que tem papel fundamental para o suprimento de água e sedimentos para os depocentros. A complexa interação entre esses três fatores principais influencia a arquitetura deposicional das bacias extensionais continentais (GAWTHORPE e LEEDER, 2000). O modelo evolutivo tridimensional de Gawthorpe e Leeder (2000) foi escolhido para ilustrar os aspectos fundamentais da tectono-sedimentação em bacias extensionais. Isso porque ele sintetiza em blocos diagramas os principais sistemas deposicionais formados e a resposta das drenagens em cada estágio evolutivo. Nesse modelo, o processo de iniciação, interação/conexão e propagação das falhas é o principal controle da arquitetura deposicional de bacias extensionais marinhas e continentais (Figura 2). Genericamente, a evolução de falhas pequenas e desconectadas para falhas completamente conectadas resulta em um padrão estratigráfico de bacias continentais isoladas, hidrologicamente fechadas, com lagos, que evolui para riftes conectados com o oceano, contendo sedimentos marinhos rasos ou profundos (ALLEN e ALLEN, 2005). Porém, considerando o contexto continental da Bacia Cuyo, no resumo a seguir são tratados apenas aspectos de ambientes continentais, onde os níveis de base são muito mais dinâmicos e os controles sobre os depocentros são mais independentes do que nos ambientes marinhos. Estágio de iniciação O estágio de iniciação da extensão é caracterizado por segmentos de falhas normais com baixo rejeito, que formam numerosas sub-bacias isoladas. O relevo da região é pouco modificado, assim, as grandes drenagens pré-existentes mantêm sua configuração geral, e apenas localmente são influenciadas ou defletidas por alguns depocentros. 6 A geometria segmentada dos pequenos depocentros, caracterizada por dobras sinclinais no bloco baixo da falha e dobras anticlinais no limite entre os depocentros, implica que cada sub-bacia tenha suprimento de sedimentos e condições hidrológicas independentes. Isso influi em uma grande variação de sistemas deposicionais entre as sub-bacias. Os sistemas deposicionais típicos são leques aluviais incipientes, sistemas fluviais, lagos e planícies eólicas. Drenagens transversais locais, a partir do bloco alto das falhas, direcionam sedimentos siliciclásticos aluviais e fluviais para os depocentros aluviais ou lacustres, onde sedimentos biogênicos e químicos também podem acumular. As margens dos lagos e as planícies aluviais frequentemente são retrabalhadas pelo vento, o que forma areias eólicas. Os lagos podem ser playas, semi-permanentes ou permanentes, de acordo com o balanço hídrico entre suprimento de água local, superficial ou subterrânea, e evaporação. A hidrologia de cada depocentro depende da drenagem e clima regional. Em condições áridas, o sistema lacustre será raso, com tendência a dessecar periodicamente por balanço hídrico negativo, e poderá ser do tipo playa lake se a drenagem for endorréica. Nessas condições, sedimentos químicos poderão depositar a depender da composição iônica das águas subterrâneas ou das águas de escoamento (run off). Em condições menos evaporativas, o sistema lacustre será permanente se o balanço hídrico for positivo e se a drenagem for exorréica. Já lagos profundos ocorrerão em condições de rápida subsidência das falhas e se o balanço hídrico for favorável, porém eles são mais comuns nos estágios de interação e propagação de falhas. A evolução do deslocamento das falhas (rejeito) ocorre de forma variável. Do ponto de vista espacial, a taxa de deslocamento varia ao longo do traço da falha, com maior rejeito na posição central e progressivamente menor rejeito em direção à terminação da falha (fault tip). Do ponto de vista temporal, o deslocamento das falhas é episódico, caracterizado por fases pseudo-cíclicas, com intervalos de terremoto e rápido deslocamento, e intervalos mais quiescentes. Tipicamente o suprimento de sedimentos ocorre logo após um pulso de subsidência tectônica, quando o novo gradiente de relevo gerado entre a área fonte e o depocentro permite o transporte mais eficiente de sedimentos para o depocentro (MARTINS-NETO e CATUNEANU, 2010). Isso resulta em arranjo agradacional- progradacional, a depender do espaço de acomodação e das variações de nível de 7 base, que pode prevalecer sobre a influência hidrológica/climática que controla a formação dos lagos. Assim, os diferentes depocentros podem ter sistemas deposicionais e estratigrafias muito distintas. E essa diferença poderá ser ainda maior nas zonas de acomodação entre os depocentros, onde a subsidência é menor. Estágio de interação e conexão de falhas A partir da continuação dos esforços extensionais, ocorre propagação lateral e interação de segmentos falhados, o que resulta em conexão de depocentros prévios com expansão ao longo do strike. Nessa fase, as falhas apresentam maior rejeito, pois a deformação se concentra em um número limitado de falhas maiores. Como consequência da interação e conexão de falhas, as drenagens transversais do bloco alto se desenvolvem cada vez mais, e drenagens transversais na margem flexural do bloco baixo também tornam-se importantes (Figura 19b). Ambos sistemas contribuem para o preenchimento sedimentar dos hemi-grabens, porém com sistemas deposicionais diferentes. Os sistemas deposicionais desse estágio ocorrerão de acordo com o balanço entre acomodação e suprimento de sedimentos, na forma de leques aluviais, sistemas fluviais e lagos. Há grande potencial para a formação de lagos profundos nesse estágio, a exemplo do Lago Tanganyika, pois ocorre maior taxa de subsidência, associada a ligação de depocentros menores, e maior escoamento superficial a partir de drenagens mais desenvolvidas. Nesses lagos pode haver estratificação permanente do corpo aquoso, com potencial de preservação de matéria orgânica e formação de ritimitos. Se houver grande acomodação e alta disponibilidade de sedimentos, sistemas deltáicos e turbiditos poderão ser depositados. Já em casos em que a subsidência tectônica seja compensada pelo aporte de sedimentos, predominará no depocentro um sistema deposicional fluvial, sem desenvolvimento de lagos profundos. Essa situação, combinada com clima favorável, pode contribuir inclusive para a colmatação do depocentro. A evolução do estágio de iniciação para o de interação e conexão de falhas tem duração estimada de 20 Ma para a falha Statfjord East no nordeste do Mar do Norte e duração de 5 Ma para o Golfo de Suez (GAWTHORPE e LEEDER, 2000). 8 Estágio de propagação de falhas A conexão de segmentos de falha adjacentes cria depocentros falhados maiores, o que define os hemi-grabens. Nesse estágio, a deformação continua concentrada em apenas algumas falhas, o que aumenta ainda mais o deslocamento das falhas. O mergulho (tilting) do bloco baixo do hemi-graben também contribui para o aumento do espaço de acomodação. Como consequência, a topografia do bloco alto eleva, causando reversão das drenagens para o bloco baixo adjacente, o que aumenta o aporte sedimentar a partir da margem flexural. Além disso, a maior subsidência reduz a topografia de paleo-altos intrabacinais (zonas de acomodação), o que favorece o fluxo de drenagem axial entre depocentros previamente isolados. A drenagem axial forma uma planície aluvial nos depocentros, onde haviam lagos ou playas, e passa a interagir com os leques aluviais do sopé do bloco alto. Lagos rasos ocorrem em posições de baixo aporte sedimentar e baixa acomodação, j lagos profundos, localizados em depocentros maiores, podem ser progressivamente preenchidos pela progradação de depósitos fluvio-deltáicos axiais. A partir do exposto, considera-se que o principal sistema deposicional para deposição de carbonatos em contexto extensional continental é o lacustre, a exemplo dos análagos atuais, como Sistema de Riftes do Leste Africano e Basin & Range. Nesses sistemas, carbonatos microbiais ocorrem predominantemente na margem dos lagos, associados à zona fótica (lagos Tanganyika, Bogoria, Natron-Magadi no leste africano e Great Salt Lake no Basin and Range) e carbonatos químicos, como tufas e travertinos, ocorrem no interior dos lagos controlados por descarga de água subterrânea (springs), geralmente localizada nas zonas de falha (lagos Turkana e Natron-Magadi no leste africano e Mono Lake, Pyramid Lake e Searles Lake no Basin and Range) (HARRIS; ELLIS; PURKIS, 2012). Além do contexto lacustre, rara sedimentação de carbonatos microbiais (oncóides) é descrita também associada a planícies fluviais (Lago Magadi no leste africano) (CASANOVA, 1986), porém o potencial de preservação desses sedimentos no registro sedimentar é desconhecido, ao contrário dos sedimentos lacustres que tem maior potencial de acumulação e preservação. Apesar das ocorrências carbonáticas nos análogos de riftes continentais evidenciarem controles morfotectônicos na sedimentação, não é clara a relação entre a sedimentação carbonática e um estágio tectônico específico. Isso porque ambos 9 Figura 2 : Modelos tectono-sedimentares para bacias extensionais continentais de Gawthorpe e Leeder (2000): a) fase de iniciação; b) fase de integração e conexão de falhas; c) fase de propagação de falhas. 10 análogos, Sistema de riftes do Leste Africano e Basin & Range, evidenciam sedimentação carbonática de apenas um estágio tectônico do rifte, ou seja, do estágio de Interação e conexão de falhas (GAWTHORPE e LEEDER, 2000). Além disso, como exposto pelos modelos tectono-sedimentares, sistemas lacustres com sedimentos carbonáticos podem ocorrer em qualquer um dos estágios evolutivos, porém as condições de preservação desses sedimentos no registro geológico são desconhecidas. Assim, considera-se que a relação entre a ocorrência a sedimentação carbonática e a fase evolutiva do rifte não é direta e depende de uma análise mais ampla do contexto deposicional em que os sedimentos carbonáticos estão inseridos. Outra abordagem que tem se mostrado importante na análise tectono- sedimentar de bacias extensionais é a source-to-sink, que atribui aos processos superficiais (resposta das drenagens) um papel fundamental na deposição de sedimentos, a partir de erosão e mecanismos de transporte (ALLEN, 2008) (ARMITAGE et al., 2011; SMITH, 2013). Essa abordagem considera também os fatores tradicionais de análise da arquitetura deposicional como tectônica, clima e variação do nível de base. Um exemplo da abordagem source-to-sink é o trabalho de Smith (2013), que modelou a integração e conexão de drenagens entre duas sub-bacias adjacentes (Figura 3). A simulação é feita a partir de dois depocentros de polaridades opostas, onde a taxa de subsidência das falhas de borda em uma sub-bacia é mantida constante, enquanto que na outra essa taxa é proporcionalmente elevada nos distintos experimentos. Em todos eles, a taxa de sedimentação é menor que a taxa de subsidência, devido ao progressivo estiramento em que o espaço de acomodação é ilimitado. Esse comportamento variável do rejeito das falhas tenta simular a observação de terrenos extensionais, onde a movimentação das falhas ocorre de forma variável no espaço e no tempo. No primeiro experimento, onde a taxa de subsidência das falhas é constante para as duas falhas, as duas sub-bacias desenvolvem preenchimento sedimentar parecido e mantém-se isoladas durante todo o experimento. Diferenças no preenchimento ocorrem de forma localizada, e são relacionadas à maior captura de drenagens em uma das sub-bacias. No segundo experimento, uma das falhas tem taxa de subsidência duas vezes maior que a outra, o que resulta em uma sub-bacia com maior depocentro e com maior preenchimento sedimentar, pois é capaz de capturar drenagens maiores. 11 Figura 3 : Modelagem de Smith (2013) para o preenchimento sedimentar de sub-bacias adjacentes a partir da variação das taxas de subsidência das falhas de borda: a) experimento 1: B1= 0,25 mm/ano e B2= 0,25mm/ano; b) experimento 2: B1= 0,25 mm/ano e B2= 0,5mm/ano; c) experimento 3: B1= 0,25 mm/ano e B2= 1mm/ano. Além disso, a diferença de taxa de subsidência cria maior gradiente na zona de acomodação entre as duas sub-bacias, o que, ao longo do experimento, resulta em erosão do alto entre elas e captura da drenagem axial para a sub-bacia mais subsidente. Isso causa erosão (incisão fluvial) dos depósitos da fase isolada na sub- bacia a montante (upstream), com deposição localizada nessa fase integrada, e grande sedimentação na sub-bacia a jusante (downstream), evidenciando o impacto da drenagem axial. O resultado é o desenvolvimento de estratigrafia diferenciada entre os dois depocentros. 12 No terceiro experimento, uma das falhas tem taxa de subsidência quatro vezes maior, o que faz com que todo o processo de integração descrito no experimento anterior seja acelerado, e o resultado é a total erosão dos depósitos da fase isolada da sub-bacia a montante, com deposição muito localizada na fase integrada, e possante sedimentação na sub-bacia a jusante. Esse exemplo evidencia que sub-bacias com limites tectônicos e climas idênticos desenvolvem preenchimento sedimentar diferente dependendo da taxa de subsidência e do grau de conexão fluvial. Smith (2013) ilustra essa relação com exemplo de dois depocentros do Basin and Range, o Smokey Valley e o Diamond Valley, localizados em Nevada (Figura 4). O primeiro é considerado um depocentro hidrologicamente isolado, caracterizado por leques aluviais transversais e sistema de playa lake na posição central do depocentro, enquanto que o segundo depocentro é hidrologicamente integrado, com drenagem axial e planície aluvial bem desenvolvida. Assim, na análise do preenchimento sedimentar de bacias continentais extensionais, é importante identificar condições de bacia isolada ou integrada e a relação dessa característica com o contexto tectônico, climático e de organização das drenagens. A análise conjunta de associação de fácies, paleocorrentes e proveniência pode auxiliar nessa caracterização e nas interpretações da evolução da sedimentação Figura 4 : a) Smokey Valley é um depocentro hidrologicamente isolado; b) Diamond Valley é hidrologicamente integrado (SMITH, 2013; imagem Google Earth® de 06/03/2016). 13 3. GEOLOGIA REGIONAL 3.1. Arcabouço estrutural e tectônico Contexto regional das bacias triássicas do oeste da Ar gentina Na Plataforma Sul-Americana, os depósitos sedimentares do Triássico ocorrem em um complexo sistema de rápida subsidência e geração de grabens com orientação NNW-SSE na região central do Chile e centro-oeste e sul da Argentina. (ULIANA e BIDDLE, 1988, CHARRIER; PINTO; RODRÍGUEZ, 2007; GIAMBIAGI et al., 2011). As falhas se orientam de forma sub-paralela e grosseiramente em échelon (ULIANA; BIDDLE; CERDÁN, 1989) (Figura 5a). No Chile, as sequências apresentam deposição continental seguida por uma notável sedimentação marinha. Já na Argentina os depósitos são inteiramente não- marinhos (ULIANA e BIDDLE, 1988), exceto na localidade do rio Atuel (oeste de Mendoza), onde ocorrem fósseis de bivalves relacionados a uma ingressão marinha equivalente aos depósitos chilenos (Figura 5b, localidades 3 e 4) (STIPANICIC, 2002, BENNEDETO, 2012). As principais bacias do oeste argentino são Ischigualasto-Marayes-Beazley (Figura 5b: 6 -10) e Cuyo (Figura 5b: 11-19) de idade eo-mesotriássica. Elas são bacias de longa duração originadas em contexto de significativa extensão regional. Há também bacias menores e de menor duração, como San Rafael (Figura 5b: 20), de idade eotriássica, e Malargue (Figura 5b: 21), Chacaico (Figura 5b: 23) e Paso Flores (Figura 5b: 24) de idade neotriássica. Essas bacias mais novas foram formadas em contexto extensional distinto e são consideradas precursoras da bacia de Neuquén (SPALLETTI, 1999). O sistema de depocentros controlados por falhas se desenvolveu sobre terrenos paleozóicos amalgamados e, por isso, a sedimentação triássica ocorre como uma abrupta descontinuidade litológica e estrutural (ULIANA e BRIDDLE, 1988). Os sistemas de riftes assimétricos (hemi-grabens) foram controlados pela trama estrutural prévia de forma que a Bacia Cuyo, por exemplo, se desenvolveu completamente sobre o terreno Precordillera/Cuyania, seguindo seu limite estrutural, sem nenhuma sedimentação em terrenos adjacentes (RAMOS, 1994, 2004). 14 Figura 5 a) Mapa da reconstrução paleogeográfica do Mesotriássico, oeste do Gondwana, com a localização dos principais grábens e a província magmática Choiyoi, com a localização da Bacia Cuyo (modificado de ULIANA e BRIDDLE, 1988); b) Mapa das localidades com sedimentos triássicos continentais e marinhos. A Bacia Cuyo é totalmente continental e engloba as localidades de 11 a 20 (STIPANICIC, 2002). O Terreno Precordillera, embasamento da parte norte da Bacia Cuyo, é uma faixa de dobramentos e empurrões, localizada geograficamente na região de antepaís andino (Figura 6). Essa faixa orogênica é caracterizada por tectônica thin-skinned (ALLMENDINGER e JUDGE, 2014), ou seja, que só envolve as coberturas sedimentares na deformação, e na região da Bacia Cuyo, apresenta dobras e empurrões com vergência para leste. Resulta de uma complexa evolução tectônica que inclui rochas do Cambriano ao Cenozóico. Esse terreno, como também o adjacente, Chilenia, são considerados terrenos alóctones que foram acrescidos à margem do Gondwana desde o Neordoviciano ao Neodevoniano (RAMOS, 1994; (ASTINI e THOMAS, 1999). 15 A maioria dos autores relaciona os falhamentos triássicos a um regime extensional ou transtensional (ULIANA e BRIDDLE, 1988). Há diversas hipóteses para a origem da extensão triássica, e a mais aceita é devido ao colapso extensional do orógeno paleozóico (ULIANA e BRIDDLE, 1988, MPODOZIS e KAY, 1992; SPALLETTI, 1999). Figura 6: Contexto morfoestrutural da área de estudo, com os limites entre os terrenos Chilenia, Precordillera/Cuyana e oeste do Gondwana (modificado de GIAMBIAGI et al., 2011; RAMOS, 2004; ASTINI e THOMAS, 1999). As depressões triássicas se vinculam regional e cronologicamente com as unidades magmáticas da Província Magmática Choiyoi (ciclo Neopermiano- Eotriássico) (Figura 6). Abundantes rochas vulcânicas e vulcanoclásticas ocorrem como embasamento dessas bacias, e ocorrem também intercaladas aos sedimentos triássicos, o que denota uma atividade magmática sin-tectônica (ULIANA e BIDDLE, 1988; RAMOS e KAY, 1991) (Figura 7). Com base em estudo geoquímico detalhado de batólitos granitóides de idade neopaleozóica a neotriássica, intrudidos na Cordilheira Frontal Andina do Chile e da 16 Argentina (províncias de Mendoza e San Juan), Mpodozis e Kay (1992) propõem uma evolução geotectônica para a gênese das bacias triássicas por colapso extensional do orógeno. Figura 7 : a) Andesito do Grupo Choiyoi como embasamento dos sedimentos triássicos no depocentro de Cerro Puntudo, vista panorâmica para sul; b) camada de tufos esverdeados intercalados aos carbonatos triássicos de Cerro Puntudo. Nesse trabalho, são caracterizados dois episódios magmáticos: um mais antigo, inteiramente Permiano, de caráter intermediário, datado de 275-263 Ma (Cisuraliano-Guadalupiano), e um mais novo, Permo-triássico, de caráter calcio- alcalino, de 257-243 Ma (Lopingiano-Triasico Inferior) (MPODOZIS e KAY, 1992, SPALLETTI, 1999). Os granitóides mais antigos são dioritos a granitos, que tem características geoquímicas pré-colisionais (tipo I) e sin-colisionais (tipo S), com 17 padrão de elementos-traço que sugerem formação na parte profunda e espessada da crosta. Já os granitóides mais novos, leucogranitos com subordinados granodioritos e gabros, pertencentes à Província Magmática Choiyoi, são pós-colisionais, formados por fusão de uma crosta delgada por basaltos underplated. Evidências escassas desses basaltos ocorrem na Bacia Cuyo (RAMOS e KAY, 1991) e Ischigualasto. Os leucogranitos são posteriormente intrudidos por lavas de ignimbritos e riolitos e subordinados fluxos de lava andesítica (MPODOZIS e KAY, 1992). Assim, o modelo evolutivo de Mpodozis e Kay (1992), modificado por Astini et al. (2009), propõe que, no Permiano, a continuação da orogenia San-Rafael, em regime compressivo, gerou espessamento da crosta e magmatismo relacionado à subducção (Figura 8-A). Ao longo do Neopermiano-Eotriássico, em contexto extensional, após delaminação litosférica, um slab break-off resultou em fusão parcial do manto, formação de basaltos na base da crosta (underplated), e fusão parcial da crosta gerando o magmatismo Choiyoi. As bacias extensionais Cuyo e Ischigualasto foram formadas sincronicamente a depósitos de tufos do magmatismo Choiyoi (Figura 8-B). É interessante notar que o adelgaçamento da crosta não foi suficiente para conectar essas bacias com o mar. Figura 8 : Modelo evolutivo da região Precordillera entre o Permiano e Triássico, com destaque para o magmatismo pré-Choiyoi e Choiyoi e seu contexto geotectônico (traduzido de ASTINI et al., 2009). 18 Bacia Cuyo A Bacia Cuyo, na qual a área de estudo está inserida, é a maior dentre as bacias triássicas do oeste da Argentina. Ocupa uma área aproximada de 30.000 km2 nas províncias de Mendoza e San Juan, oeste da Argentina (ZENCICH; VIIIAR; BOGGETTI, 2008), com 600 km de extensão e cerca de 47km de largura, segundo restaurações palinspáticas (RAMOS e KAY, 1991). A Bacia Cuyo é formada por pelo menos sete sub-bacias ou depocentros principais, de sul para norte, General Alvear (aproximadamente 2100m de espessura máxima), Los Tordillos (2200m), Jagüel-La Esperanza (2400m), Ñacuñan (2200m), Cacheuta-Tupungato (3500m), Las Peñas-Santa Clara (2000m) e Rincón Blanco (3000m) (STIPANICIC, 2002) (Figura 9). Essas sub-bacias são limitadas por importantes sistemas de falhas com a configuração de hemi-grabens de polaridades opostas. Essa geometria é documentada por seções de sísmica de reflexão e dados de poço (CRIADO ROQUÉ; MOMBRÚ; RAMOS, 1981). Cada sub-bacia é separada por regiões de transferência que correspondem a altos estruturais intra-bacinais (KOKOGIÁN E MANCILLA, 1989; RAMOS E KAY, 1991, LEGARRETA et al., 1993). Trabalhos com ênfase na distribuição dos preenchimentos sedimentares em afloramentos confirmaram a geometria de hemi-graben nas diferentes bacias triássicas. Na Bacia Cuyo os principais trabalhos são Ramos e Kay (1991) em Upsallata, Kokogián et al. (1993) em Tupungato, López Gamundí (1994) e Spalletti (2001) em Barreal, López-Gamundí e Astini (1992) e Barredo e Ramos (2010) em Rincón Blanco. Na bacia Ischigualasto destaca o trabalho de Milana e Alcober (1994) e na bacia de Neuquén, o de Legarreta e Gulisano (1989). Todas essas informações são utilizadas para compor mapas de isópacas dos sedimentos triássicos, como o da Figura 9, que evidenciam o arranjo dos depocentros alternados, ora com maior isópaca a leste, ora com maior isópaca a oeste. Tal configuração de incremento da espessura sedimentar na borda falhada indica uma atividade sin-deposicional das falhas. Na Bacia Cuyo, a seção da figura 10, de direção E-W restaurada, ilustra a geometria de hemi-graben do depocentro de Tupungato (região de exploração de hidrocarbonetos), localizado a sul de Mendoza (Figura 9). Essa seção é baseada em 19 dados sísmicos e de poços e representa um hemi-graben com margem falhada a oeste (ZENCICH; VIIIAR; BOGGETTI, 2008). Figura 9 : Mapa das bacias triássicas do centro-oeste da Argentina, de oeste para leste,La Ramada, Cuyo e Bermejo (modificado de STIPANICIC, 2002) com destaque para a localidade de Cerro Puntudo e traço da seção A-A’. Já no norte da Bacia Cuyo, o depocentro de Rincón Blanco, sub-bacia mais próxima da área de estudo, é caracterizado por margem falhada a leste, na localidade de Rincón Blanco, com espessura de cerca de 3000m (BARREDO e RAMOS, 2010). Enquanto que a margem flexural a oeste aflora na localidade de Barreal, onde são registradas espessuras de 950m (LÓPEZ-GAMUNDÍ, 1994; SPALLETTI, 2001). Dados de sísmica da Texaco de 1992 indicam que a espessura de sedimentos na margem flexural alcança 1800m (LÓPEZ-GAMUNDÍ e ASTINI, 1992). 20 Figura 10: Seção estratigráfica conceitual baseada em sísmica e poços no depocentro Tupungato durante o Triássico (traduzido de ZENCICH; VIIIAR; BOGGETTI, 2008), localização da seção no mapa da Figura 9. O afloramento da Quebrada de Cerro Puntudo, área de estudo, expõe os depósitos triássicos do extremo norte conhecidos na Bacia Cuyo (LÓPEZ-GAMUNDÍ e ASTINI, 2004). Esse afloramento localiza-se a 50 km do depocentro de Rincón Blanco e foi considerado por esses autores como sendo a terminação (fault tip) norte do sistema de hemi-grabens da Bacia Cuyo, podendo ter estratos correlatos ao depocentro de Rincón Blanco em momentos de maior acomodação. Já Barredo (2012), considera Cerro Puntudo como um depocentro particular com borda falhada também a leste, mas separado do depocentro de Rincón Blanco por uma zona de acomodação e transferência, de direção NNE/SSW, que pode ter persistido como alto estrutural durante a sedimentação. 3.2. Estratigrafia Estratigrafia do embasamento Precordillera Occidental 21 Os depósitos triássicos da área de estudo, porção norte da Bacia Cuyo, estão alojados sobre o Terreno Precordillera Occidental. Um resumo do empilhamento estratigráfico da Precordillera Occidental nessa região é apresentado na figura 11, com base em Sessarego (1988). Figura 11 : Síntese estratigráfica para a região da Precordillera Occidental, próximo à localidade de Cerro Puntudo; Fm. = formação (baseado em SESSAREGO, 1988). Sucintamente, a evolução tectono-sedimentar do Terreno Precordillera é composta por seis etapas principais: rifte-drifte Cambro-ordoviciano, antepaís periférico Ordoviciano (orogenia Ocloyca), antepaís Siluro-devoniano (orogenia Precordilleránica / Chánica), antepaís de retroarco Carbo-permiano (orogenia Gondwanica /San Rafael), rifte de retroarco Triássico, antepaís de retroarco Cenozóico (orogenia Andina) (ASTINI et al., 2009). Essa reconstrução é baseada em análises estratigráficas (ASTINI et al., 1995; THOMAS e ASTINI,1996), evidências paleontológicas (BALDIS et al. 1982) e geoquímica de ofiolitos (HALLER e RAMOS, 1984, 1984; KAY et al. 1984). 22 O embasamento da Precordillera Occidental próximo à área de estudo contém rochas metamórficas (ordovicianas), sedimentares (ordovicianas a carboníferas) e vulcânicas (permo-triássicas). As rochas metamórficas, de fácies xisto verde, são relacionadas à Orogenia Precordilleránica/Chánica. Essas rochas tem idade ordoviciana e pertencem à Formação Yerba Loca (FURQUE, 1963), composta por meta-grauvacas, meta- arenitos, meta-lutitos, na qual ocorrem níveis de lavas básicas almofadadas com alteração hidrotermal (Formação Alcaparrosa - QUARTINO et al., 1971). As rochas sedimentares tem idade variável entre Ordoviciano e Permiano. A formação Don Polo é caracterizada por grauvacas e pelitos eo-ordovicianos. A Formação El Planchón é composta por conglomerados e ritimitos de idade siluriana. A Formação Codo, é caracterizada por pelitos e arenitos turbidíticos devonianos. A Formação Del Ráton é composta por conglomerados e ritimitos carboníferos. A Formação Del Ráton possui arenitos, conglomerados e pelitos de idade carbonífera. Já a Formação Del Salto inclui sedimentos continentais permianos (QUARTINO et al., 1971; GUERSTEIN et al., 1965). As rochas vulcânicas pertencem ao Grupo Choiyoi e próximo à localidade de Calingasta, são caracterizadas por andesitos e dacitos na base, por riolitos no intermédio, e por ignimbritos e tufos no topo (VALLECILLO et al., 2010). Estratigrafia triássico - Bacia Cuyo Os depósitos da Bacia Cuyo são controlados por eventos tectônicos extensionais, cujas etapas sin-rifte são reconhecidas na coluna estratigráfica como ciclos granodecrescentes (Figura 12). Esses ciclos ocorrem em distintas escalas e são resultado da atividade diacrônica de cada uma das falhas extensionais que configuram os depocentros (ZENCICH; VIIIAR; BOGGETTI, 2008). No principal depocentro da bacia, Tupungato na província de Mendoza, os sistemas deposicionais basais da Sequência sin-rifte I são depósitos de leques aluviais nas proximidades das falhas normais correspondentes a Formação Rio Mendoza e interdigitações de sistemas fluviais efêmeros e playas (barreal) da Formação Las Cabras, com expressivos depósitos de tufos intercalados (KOKOGIÁN e MANCILLA, 1989; KOKOGIÁN et al., 1993) (Figura 12a). 23 Figura 12 : Coluna cronoestratigráfica da Bacia Cuyo no depocentro Tupungatu (espessuras máximas) (BOGGETTI et al., 1999), a sul, e no depocentro de Rincón Blanco a norte (modificado de BARREDO e RAMOS, 2010); ver Figura 9 para localização. Em seguida, a deposição tem uma tendência transgressiva, granodecrescente, que coincide com as formações Potrerillos e Cacheuta. (ZENCICH; VIIIAR; BOGGETTI, 2008). A Formação Potrerillos compreende depósitos fluviais e fluvio-deltáicos que ocorrem em contato abrupto com sistema lacustre da Formação Cacheuta, caracterizado por folhelhos negros de ambiente restrito (profundo) (KOKOGIÁN e MANCILLA, 1989; KOKOGIÁN et al., 1993). Esses pelitos lacustres são os principais geradores da Bacia Cuyo, com alto teor orgânico (COT: 3-10%) 24 caracterizados por matéria orgânica do tipo I e índice de hidrogênio médio de 600 mgHC/gCOT (ZENCICH; VIIIAR; BOGGETTI, 2008). Essa sequência tradicionalmente foi interpretada como fase pós-rifte ou sag (KOKOGIÁN e MANCILLA, 1989; ULIANA e BIDDLE; CERDÁN, 1989). Porém, com base em dados sísmicas da década de 90, Kokogián et al. (1993) interpretaram que o sistema de falhamentos que originou a bacia esteve ativo até a Sequência Potrerillos-Cacheuta, por isso ela foi denominada sin-rifte II. Apesar disso, alguns autores ainda consideram essa sequência como fase pós-rifte (SPALLETTI, 1999; BOGGETTI et al., 1999). A colmatação da bacia se dá por ciclos sucessivos de depósitos fluviais e lacustres rasos da Formação Río Blanco. (ZENCICH; VIIIAR; BOGGETTI, 2008). Essa etapa é interpretada pela maioria dos autores como sag, quando ocorre deposição sobre os altos do embasamento. Outra interpretação é que essa unidade tenha se formado por reativação transtensional (SPALLETTI, 1999). No depocentro de Rincón Blanco, província de San Juan, apenas na parte sudeste da margem falhada, a seção triássica está completamente preservada e alcança 3000m de espessura. A seção é composta por dois ciclos granodecrescentes, caracterizados por sedimentos aluviais/fluviais na base seguidos por intervalo lacustre no topo. O ciclo basal é interpretado como fase sin-rifte I, com sistema lacustre de caráter raso que evidencia condições de clima semi-árido. O ciclo seguinte é denominado sin-rifte II, com sedimentos lacustres rasos a profundos, constituídos por folhelhos betuminosos (Formação Carrizalito) em contexto climático úmido (BARREDO e RAMOS, 2010). Esses dois ciclos são separados por uma discordância angular na base dos depósitos de leque aluvial da Formação Panul (BARREDO, 2004) (Figura 12b). O empilhamento dos sistemas deposicionais da margem falhada de Rincón Blanco é semelhante ao descrito no depocentro de Tupungato, localizado a cerca de 150km a sul. Distingue apenas com relação à unidade do topo, Marachemill, que é interpretada como uma fase sin-rifte III (BARREDO, 2012). No depocentro de Cerro Puntudo , norte da Província de San Juan, afloram as formações Cerro Puntudo e El Relincho, definidas por Mombrú, C.A., 1974. Esses estratos foram correlacionados por Strelkov e Alvarez, 1984 às formações clássicas do depocentro Tupungato: a base da Formação Cerro Puntudo foi correlacionada às formações Rio Mendoza e Potrerillos e o topo à Formação Cacheuta (sem equivalente da Formação Cerro Las Cabras), enquanto que a Formação El Relincho foi 25 correlacionada à Formação Río Blanco. Esses autores mencionam que a Formação El Relincho estaria vinculada a outro ciclo sedimentar de reativação da bacia, assim como a Formação Río Blanco. Porém, assinalaram que essa correlação é duvidosa, pois os sedimentos de Cerro Puntudo são muito mais proximais e de espessura mais reduzida que os sedimentos triássicos mais próximos, localizados a 50km, no depocentro de Rincón Blanco (STIPANICIC, 2002). Posteriormente, Sessarego (1988) identificou uma faixa de afloramentos de sedimentos triássicos na quebrada del Tigre, de 5km de extensão. Esses afloramentos localizam-se entre Rincón Blanco e Cerro Puntudo e foram datados como neotriássicos, com base em uma pobre microflora, e correlacionados às formações Potrerillos, Cacheuta e Río Blanco. Na Quebrada de Cerro Puntudo, LÓPEZ-GAMUNDÍ e ASTINI, 2004. caracterizaram cerca de 400m de seção aflorante. A porção basal e superior são constituídas por conglomerados e brechas de sistemas de leques aluviais e leques fluviais, respectivamente, e a porção intermediária, de aproximadamente 50m, representa depósitos lacustres rasos, compostos por calcários estromatolíticos, mudstones tufáceos e arenitos finos, com evidências de gretas de dessecação e brechas intraformacionais. As seções conglomerática basal e lacustre correspondem à Formação Cerro Puntudo, e a seção conglomerática superior, à Formação El Relincho (Figura 13b). O intervalo lacustre raso de Cerro Puntudo foi correlacionado por López- Gamundí e Astini (2004) aos intervalos lacustres mais espessos da quebrada del Tigre e do depocentro de Rincón Blanco, ao longo da margem falhada do hemi-graben norte da Bacia Cuyo. Essa correlação ocorreria nas fases de expansão do sistema lacustre devido à subsidência induzida por falhas. Os depósitos carbonáticos de Cerro Puntudo foram considerados equivalentes rasos de fácies mais profundas, folhelhos ricos em matéria orgânica, pois os primeiros pertenceriam à porção terminal da borda falhada, em contexto de menor acomodação, enquanto os últimos localizariam-se no segmento mais profundo da borda falhada, onde há maior acomodação (Figura 13c). 26 Figura 13: a) Mapa geológico com destaque para os depósitos triássicos em cinza; b) seção colunar da quebrada de Cerro Puntudo; c) modelo de preenchimento do hemi- graben norte onde A equivale a fase de contração do lago, e B equivale a fase de expansão do lago, quando é possível correlacionar as três localidades ao longo da margem ativa (modificado de LÓPEZ-GAMUNDÍ e ASTINI, 2004). 27 Bio e cronoestratigrafia Em ambientes sedimentares continentais, a adoção de Pisos de escalas marinhas não é possível, por isso, em bacias continentais utilizam-se pisos locais para bioestratigrafia. Spalletti et al. (1999) definiram três pisos para o Triássico argentino, com base em informações geocronológicas, em biozonas e critérios evolutivos de plantas fósseis, e na evolução do preenchimento sedimentar das bacias. Os três pisos são: Barrealiano (Eo a Mesotriássico), Cortaderitiano (Meso a Neotriássico) e Floriano (Neotriássico). Em Cerro Puntudo, o conteúdo paleontológico inclui restos escassos de flora e rizólitos, traços de invertebrados (icnofósseis) e fragmento de estrutura pélvica de um arcossauro (pelvic girdle) (MANCUSO, 2009). Também ocorrem carófitas da família Porocharaceae (BENAVENTE; MANCUSO; CABALERI, 2012). Os fósseis de planta de Cerro Puntudo são associados à biozona CSD (Dictyophyllum castellanosii, Johnstonia stelzneriana, Saportaea dichotoma) (MANCUSO, 2009), de idade Mesotriássica, piso Barrealiano, e coincide com a biozona das formações Barreal (margem flexural do depocentro Rincón Blanco) e Las Cabras (depocentro Tupungato). Além da bioestratigrafia, atualmente existem várias datações geocronológicas, principalmente pelo método U-Pb SHRIMP, em rochas vulcânicas e vulcanoclásticas da Bacia Cuyo (Tabela 1). O topo da Formação Cerro Puntudo, acima do intervalo carbonático, foi datado em 243,8 + 1,9 Ma, ou seja, no Anisiano (Triássico Médio) (MANCUSO et al., 2010). Considerando a correlação geocronológica, essa idade equivale à da formação Las Cabras (depocentro Tupungato) e possivelmente à da formação Cerro Amarillo (depocentro Rincón Blanco). Tabela 1 : Síntese das idades geocronológicas (Ma) em rochas vulcânicas e vulcanoclásticas dos distintos depocentros da Bacia Cuyo (dados de SPALLETTI; FANNING; RAPELA, 2008; ÁVILA et al., 2006; RAMOS e KAY, 1991; BARREDO et al., 2012; MANCUSO et al., 2010). 28 4. CONTEXTO GEOLÓGICO DA ÁREA DE ESTUDO Os depósitos triássicos estudados, compreendidos pelas formações Cerro Puntudo e El Relincho, apresentam distribuição triangular em mapa devido a limites tectônicos, representados por falhas inversas a leste e a oeste, relacionadas à tectônica compressiva andina (Figura 14, 15a). Esses sedimentos fazem contato a leste com depósitos aluviais quaternários que se distribuem em um baixo topográfico pertencente ao contexto da Falha El Tigre, uma importante falha transcorrente de idade pleistocena e atividade neotectônica (FAZZITO, 2011). A leste dessa falha, ocorre a Sierra del Tigre, que exibe depósitos ordovicianos, por meio de falhas inversas (CARDÓ e DÍAS, 2005). Já a oeste e a norte, o contato dos depósitos triássicos estudados é pela falha de empurrão La Crucecita, que expõe a serra homônima, constituída principalmente por rochas devonianas esverdeadas (CARDÓ e DÍAS, 2005). Correspondem a sequências sedimentares siliciclásticas intrudidas por diversos diques ácidos de direção N-S e localmente com derrames e brechas vulcânicas. Essas rochas vulcânicas pertencem ao Grupo Choiyoi, de idade Permo-triássica. A Sierra La Crucecita é composta por morros, como o Cerro Puntudo, no topo dos quais são preservados sedimentos triássicos. Esses depósitos equivalem à base da sequência triássica estudada e ocorrem com mergulho suave para sudoeste acima dos sedimentos devonianos dobrados, e dos diques/derrames ácidos, por meio de uma discordância angular e erosiva (Figura 15b). A base dessas ocorrências triássicas é constituída por um nível arenoso a conglomerático, composto por grânulos e seixos esverdeados do embasamento devoniano (Figura 15c), seguido por conglomerados contendo seixos e calhaus de rochas vulcânicas permo-triássicas (Figura 15e). O contato entre essas litologias se dá por uma discordância erosiva, e no caso do Cerro Puntudo, o nível arenoso não é observado. Nessa localidade, conglomerados com clastos vulcânicos ocorrem diretamente apoiados sobre uma delgada camada de brecha vulcânica, no topo de sedimentos devonianos (Figura 15d). Na porção sul da área, rochas vulcânicas do Grupo Choiyoi limitam a ocorrência dos estratos triássicos, e afloram também no Cerro Colorado. Essa expressiva montanha é o bloco alto de uma falha normal, de direção WNW-ESE, cujo bloco baixo corresponde aos depósitos triássicos estudados (SESSAREGO,1988). 29 Figura 14: Mapa geológico da área de Cerro Puntudo. A área de estudo compreende os depósitos triássicos da Formação Cerro Puntudo e El Relincho (modificado de LÓPEZ-GAMUNDÍ e ASTINI, 2004; CARDÓ e DÍAS, 2005). 30 Figura 15 : a) Afloramentos triássicos das formações Cerro Puntudo e El Relincho na parte norte da área; b) morros da Sierra La Crucecita, com depósitos triássicos no topo por meio de uma discordância erosiva sobre depósitos devonianos e diques ácidos avermelhados; c) conglomerado arenoso triássico da Sierra La Crucecita com clastos de sedimentos devonianos esverdeados e de rochas vulcânicas; d) Cerro Puntudo no contexto do bloco alto da falha inversa que delimita a área de estudo; no topo ocorrem rochas vulcânicas em discordância angular com o embasamento devoniano, e conglomerados triássicos no cume; e) conglomerado triássico da Sierra La Crucecita com seixos/blocos de rochas vulcânicas. 31 5. MATERIAIS E MÉTODOS 5.1. Sobre a classificação das rochas carbonáticas es tudadas Calcários não marinhos exibem grãos específicos, tramas e microfácies que são difíceis de caracterizar, segundo as classificações consagradas para calcários marinhos (FLÜGEL, 2010), tais como a classificação de Dunham (1962) e de Embry e Klovan (1971). A classificação de Dunham reflete controles hidrodinâmicos e biológicos sobre as texturas carbonáticas e pode ser aplicado a alguns carbonatos lacustres, como, por exemplo, àqueles depositados em ambiente profundo ou infra- litoral. Porém, carbonatos continentais são comumente formados por precipitação carbonática microbial ou inorgânica e são bastante suscetíveis a pedogênese e a diagênese meteórica (FLÜGEL, 2010), de forma que as texturas principais dessas rochas não são contempladas pelas classificações acima. Apenas localmente utilizou-se a nomenclatura de Dunham (1962) e Embry e Klovan (1971). Rochas texturalmente suportadas por lama carbonática foram denominadas de mudstones quando possuem menos de 10% de grãos, e de wackestones, quando possuem mais de 10% de grãos, segundo a definição de Dunham (1962). Rochas carbonáticas texturalmente suportadas por grãos carbonáticos sem matriz micrítica foram denominados grainstones (DUNHAM, 1962). Rochas carbonáticas que contêm mais de 10% de componentes maiores do que 2mm, que “flutuam” em um arcabouço suportado por uma matriz de granulometria mais fina, foram denominadas floatstones, segundo a definição de Embry e Klovan (1971). Na área de estudo, a litologia carbonática predominante é de calcário laminado, que na classificação de Dunham (1962), corresponderia a um boundstone, ou seja, rocha carbonática cujos componentes mostram sinais de terem sido ligados durante a deposição. Sendo de natureza microbiana (RIDING, 2011), optou-se por utilizar uma nomenclatura mais específica. Atualmente existe um estudo avançado na classificação e caracterização dos microbialitos (BURNE e MOORE, 1987; RIDING, 1991, 2011). Essas classificações resultam do conhecimento de registros fósseis, pré-cambrianos e fanerozoicos, quanto de ocorrências atuais, cujas pesquisas foram aprofundadas a partir da descoberta dos depósitos microbiais de Shark Bay, na Austrália em 1954. 32 Segundo Burne & Moore (1987), microbialito é um depósito organo- sedimentar, litificado ou não, resultante de aprisionamento e ligação de sedimento (trapping and binding) e/ou de precipitação mineral in situ por comunidade microbial bentônica. Segundo a classificação de Riding (2011), microbialitos podem ser de quatro tipos principais: estromatólitos, trombólitos, dendrólitos e leiólitos. Dentre os quatro, o calcário laminado se aproxima mais de um estromatólito, que Riding redefiniu, a partir de Kalkowiski (1908), como um depósito microbial bentônico laminado. Porém, esse termo foi por muito tempo associado a depósitos carbonáticos laminados de geometria macroscópica dômica e colunar. Como esse tipo de geometria não é comum na fácies calcário laminado em foco, optou-se por utilizar o termo laminito crenulado para denominá-lo. Esse termo foi definido por Terra et al. (2010), com base em Demmico e Hardie (1994), como rocha carbonática de granulometria fina (lamosa e/ou peloidal) formada pela recorrência de laminações delgadas; as laminações tendem a ser plano-paralelas com superfície crenulada e de origem microbial. As demais fácies carbonáticas da área têm textura bastante particular com evidencia de intensa modificação pedogenética, por isso, nessas fácies, foram adotados termos texturais relacionados a carbonatos palustres (ALONSO-ZARZA e WRIGHT, 2010). Segundo Verrecchia (2007), uma microfácies palustre típica resulta de uma sucessão de texturas relacionadas a flutuações do nível freático. 5.2. Levantamento bibliográfico: área de investigação e tectono- sedimentação Previamente à atividade de campo, foi realizado o levantamento bibliográfico sobre a Bacia Cuyo com ênfase no intervalo estratigráfico de interesse. Destacam-se os trabalhos de Spalletti (1999) sobre a evolução das bacias triássicas do oeste da Argentina, de Zencich; Villar; Boggetti (2008) a respeito da Bacia Cuyo com ênfase no sistema petrolífero, e os de Uliana e Biddle (1988) e Mpodozis e Kay (1992) acerca do contexto tectônico extensional triássico no continente sul americano. Os principais trabalhos sobre sedimentação e sequências deposicionais na Bacia Cuyo são os publicados por Kokogián e Mancila (1988); Kokogián et al. (1993) e Spalletti et al. (2005) no depocentro Tupungato, e os trabalhos de López-Gamundí 33 e Astini, 1992; Spalletti, 2001 e Barredo e Ramos, 2010 no depocentro de Rincón Blanco. Os trabalhos existentes na área de Cerro Puntudo são o de López-Gamundí e Astini (2004), que foi pioneiro na análise sedimentológica da seção aforante, o de Mancuso et al. (2010), que forneceu a primeira datação geocronológica para a área, e o trabalho de Benavente et al. (2015), que detalhou uma das seções carbonáticas com foco no paleoambiente deposicional. Sobre a temática tectono-sedimentação em contexto extensional, os principais trabalhos consultados foram os de Allen e Allen (2005); Gawthorpe e Leeder (2000), Lambiase e Morley (1999), Prosser (1993) e Smith (2013). Destaca-se o trabalho de Gawthorpe e Leeder (2000), que caracteriza o preenchimento sedimentar de bacias extensionais com base na evolução do deslocamento das falhas. Ressalta- se também a abordagem source-to-sink com o trabalho de Smith (2013), que exemplifica a configuração de drenagens na erosão, transporte e sedimentação em bacias rifte continentais. 5.3. Mapas-base e sensoriamento remoto Previamente aos trabalhos de campo, foram confeccionados mapas base a partir de imagens de satélite multiespectral. Para a confecção dos mapas regionais, foram usadas imagens dos satélites Landsat, Astrium e SPOT, disponíveis no software Google Earth® e imagem Aster fornecida pelo laboratório Jet Propulsion da NASA via UNICAMP. O mapa de detalhe da área de Cerro Puntudo foi elaborado com base em imagens multiespectral e pancromática do satélite World View-2, disponibilizadas pela empresa Digital Globe. Essas imagens cobrem uma área de 14 km2 e possuem resolução espacial de 2m. Utilizaram-se ainda informações do modelo digital de elevação do sistema de radar da Missão Topográfica Radar Shuttle (SRTM), com resolução de 30m. As imagens foram analisadas com base em conceitos de fotointerpretação e georreferenciadas no software de SIG (Sistema de Informação Geográfica) Arcgis® 10.3, a partir dos pontos de campo 5.4. Atividades de Campo 34 As atividades de campo ocorreram em duas etapas. A primeira teve duração de quatro dias (16/10/13 e de 22 a 24/10/2013). A segunda etapa foi de 10 dias (12 a 21/10/2013), e incluiu um período de reconhecimento regional na região de Mendoza, com o apoio do geólogo Daniel Boggetti, que apresentou os afloramentos-chave das rochas triássicas da Bacia Cuyo daquela região. 5.4.1. Caracterização de fácies e levantamento de perfi s verticais O conceito de fácies é bastante antigo e foi introduzido por Nicholas Steno em 1669 com uma conotação bastante ampla, se referindo a todos os aspectos de parte da superfície da Terra durante um certo intervalo do tempo geológico. Já o conceito mais moderno foi introduzido por Gressly em 1938, implicando na soma total dos aspectos litológicos e paleontológicos de uma unidade estratigráfica (POSAMENTIER e WALKER, 2006). De forma prática, fácies é definida por um conjunto particular de atributos sedimentares: litologia característica, textura, estruturas sedimentares, conteúdo fóssil, geometria, padrão de paleocorrentes, etc. (WALKER e JAMES, 1992). Algumas fácies podem ser interpretadas diretamente em termos de ambiente deposicional e processos sedimentares atuantes, enquanto outras não são diagnósticas e precisam do contexto com fácies adjacentes. A fim de se obter uma interpretação ambiental das fácies, utiliza-se o método do levantamento de perfis verticais. Isso porque a sucessão vertical de fácies é produzida pela migração lateral de um ambiente sobre outro (Lei das Fácies de Walther 1894). Assim, uma sucessão de fácies concordantes, sem importantes discordâncias, representa fácies que são o produto de ambientes que estavam originalmente adjacentes (WALKER e JAMES, 1992). Para se definir os limites entre sucessões de fácies concordantes, procurou- se agrupar fácies geneticamente associadas, ou seja, compor associação de fácies. Uma associação de fácies se refere às fácies que foram depositadas no mesmo ambiente de sedimentação, no qual há vários processos deposicionais distintos atuantes, com diferentes sub-ambientes ou flutuações nas condições deposicionais (WALKER e JAMES, 1992). Assim, a metodologia adotada no campo e aprofundada nas análises laboratoriais, foi a distinção de fácies, com a definição de suas 35 características específicas e o estabelecimento de limites e agrupamentos de fácies à medida que as informações eram levantadas. Como a área de estudo tem uma excelente preservação dos afloramentos, devido ao clima árido em que está inserida, os grandes agrupamentos de fácies podem ser diferenciados na imagem de satélite multiespectral de alta resolução por cor e textura particulares. Aliado a isso, os perfis verticais levantados em diferentes pontos da área permitiram a confecção de um mapa da associação de fácies, que auxiliou na interpretação dos sistemas deposicionais. Ao longo de todo o trabalho desenvolvido, o foco maior foi dado aos intervalos carbonáticos, pois esses são o alvo principal dessa dissertação. Por isso, nesses intervalos foram realizados levantamentos de seções estratigráficas em escala detalhada (1:20) e com amostragem mais densa das diferentes fácies. Nos intervalos siliciclásticos, o levantamento de seção foi feita em uma escala menor (1:1.000), exceto no intervalo siliciclástico equivalente ao intervalo carbonático basal, que foi analisado em escala de maior detalhe, 1:50, a fim de se caracterizar a transição lateral dos sistemas deposicionais. A amostragem de fácies silicilásticas foi priorizada para a caracterização de proveniência das diferentes associações de fácies. Dessa forma, nessa dissertação, as fácies carbonáticas são descritas em detalhe. Já as fácies siliciclásticas são descritas brevemente dentro da associação de fácies em que estão inseridas. Todas as fácies carbonáticas foram denominadas de acordo com as características macroscópicas em campo. Isso porque, nessas rochas aspectos texturais mais precisos são apenas definidos em lâmina petrográfica. Assim, durante o levantamento dos perfis estratigráficos, utilizou-se o critério de nomenclatura do tipo de rocha sedimentar (calcário) + estrutura sedimentar macroscópica (maciço, laminado, etc). Dessa forma, durante a aquisição dos perfis verticais de fácies, foram descritas espessura, estratificação, geometria, continuidade lateral, tipo de contato, trama/textura, estruturas sedimentares e composição mineralógica das litologias. Para subsidiar essa caracterização, foi utilizada lupa com aumento de 20x; ácido HCl a 10% para distinção de carbonatos; bússola Brunton para medição de acamamento e paleocorrentes; régua métrica para medição das espessuras, caderneta/prancheta para confecção dos perfis, martelo para a retirada de amostras e câmara fotográfica 36 para o registro de feições importantes. Nas fotografias onde o martelo foi utilizado como escala, adotou-se a orientação do cabo apontado para o topo do estrato. Ressalta-se que nesse trabalho a notação utilizada para a orientação dos planos medidos foi a informação de direção, seguida pelo valor do mergulho, e o rumo