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unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
“JÚLIO DE MESQUITA FILHO”
Faculdade de Ciências e Letras
Campus de Araraquara - SP
MARCELO UBIALI FERRACIOLI
determinantes pedagógicos para a educação escolar
ARARAQUARA - SP
2018
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MARCELO UBIALI FERRACIOLI
determinantes pedagógicos para a educação escolar
Tese de Doutorado apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Educação Escolar da
Faculdade de Ciências e Letras –
Unesp/Araraquara, como requisito para
obtenção do título de Doutor em Educação
Escolar.
Linha de pesquisa: Teorias pedagógicas,
trabalho educativo e sociedade.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Lígia Márcia Martins.
ARARAQUARA - SP
2018
Ficha catalográfica elaborada pelo sistema automatizado
com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).
Ferracioli, Marcelo Ubiali
Desenvolvimento da atenção voluntária em crianças
do anos iniciais do Ensino Fundamental:
determinantes pedagógicos para a educação escolar /
Marcelo Ubiali Ferracioli — 2018
231 f.
Tese (Doutorado em Educação Escolar) — Universidade
Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho",
Faculdade de Ciências e Letras (Campus Araraquara)
Orientador: Lígia Márcia Martins
1. Desenvolvimento psíquico. 2. Atenção voluntária. 3.
Internalização de signos. 4. Educação escolar. 5.
Ensino. I. Título.
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MARCELO UBIALI FERRACIOLI
determinantes pedagógicos para a educação escolar
Tese de Doutorado apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Educação Escolar da
Faculdade de Ciências e Letras –
Unesp/Araraquara, como requisito para
obtenção do título de Doutor em Educação
Escolar.
Linha de pesquisa: Teorias pedagógicas,
trabalho educativo e sociedade.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Lígia Márcia Martins.
Data da defesa: 28/08/2018
MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA:
Presidente e Orientadora: Doutora Lígia Márcia Martins
UNESP / Araraquara-SP.
Membra Titular: Doutora Juliana Campregher Pasqualini
UNESP / Araraquara-SP.
Membra Titular: Doutora Silvana Calvo Tuleski
UEM / Maringá-PR.
Membro Titular: Doutor Tiago Nicola Lavoura
UESC / Ilhéus-BA.
Membra Titular: Doutora Marilene Proença Rebello de Souza
USP / São Paulo-SP.
Local: Universidade Estadual Paulista
Faculdade de Ciências e Letras
UNESP – Campus de Araraquara
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À professora Salete da Silva Alberti, sábia e
querida Saletinha, por me ensinar a questionar o
óbvio, uma vez que tudo é não sendo; e não
sendo, é. Exemplo de vida e de profissão.
Obrigado, muito obrigado!
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AGRADECIMENTOS
À minha família nuclear: minha mãe Lúcia, meu pai Wagner, meus irmãos Cláudia e Renato,
minhas sobrinhas Clara e Yasmin e meu cunhado Rogério, por suportarem com tanto amor
minha ausência e sempre me darem o apoio para seguir adiante.
Ao restante da minha numerosa e festiva família: tias, tios, primas, primos e, sobretudo,
minhas queridas avós Maria e Terezinha, em memória, pelos exemplos de luta e carinho,
que me comoverão eternamente.
À minha orientadora, professora Lígia Márcia Martins, uma referência para mim como
intelectual e docente, a quem desde o início desejei compartilhar a realização desta
pesquisa.
Aos professores Juliana Campregher Pasqualini, Silvana Calvo Tuleski, Tiago Nicola Lavoura e
Marilene Proença Rebello de Souza, por aceitarem o convite para a banca e contribuírem
com tanto compromisso ao desenvolvimento deste estudo.
À professora Bruna Carvalho e às psicólogas Marília Alves dos Santos e Amili Martins Ellaro,
pela colaboração e apoio essenciais para a realização desta pesquisa, sem os quais ela não se
concluiria da forma que aqui está.
Aos sujeitos de pesquisa, alunos e professoras, assim como às famílias que consentiram a
participação das crianças e à gestão da instituição escolar onde realizei a coleta de dados,
que criaram condições necessárias para que ela ocorresse a contento. Um agradecimento
especial à Professora D, pelo envolvimento neste estudo e por me permitir acompanhar sua
atuação docente, que provocou tantas mudanças no desenvolvimento de seus alunos.
À Laís Sandi Foganholo, Raquel Gomes Ferreira Nunes e Helder Alves Borges Faria, pelo amor
de todas as horas e por viverem junto a mim o que pouca gente se arriscaria.
À professora Ana Carolina Galvão Marsiglia e aos membros do Grupo de Pesquisa Pedagogia
histórico-crítica e Educação escolar, Adalgiza Gobbi, Jamildo Almeida, Juliana Gomes, Míriam
Henrique, Pauliane Moraes, Thuany Zambon e Vinicius Machado, por me receberem e
colaborarem com preciosas correções de aspectos didáticos do estudo.
Aos amigos e companheiros do GEPCO (Grupo de Estudos em Psicologia Concreta), Afonso
Mancuso de Mesquita, Angelina Pandita Pereira, Célia Regina da Silva, Giselle Modé
Magalhães e Rafaela Gabani Trindade, por caminharmos ombro a ombro contra a forma
produtivista de fazer pesquisa, trazendo para primeiro plano o estudo e o compromisso
social transformador da ciência psicológica.
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Aos colegas do GPCATE (Grupo de Pesquisa Capital, Trabalho, Estado, Educação e Políticas
Educacionais), em especial às professoras Carina Alves da Silva Darcoleto, Gisele Masson e
Simone de Fátima Flach, pelos estudos e militância aguerrida no sindicato e outros espaços
universitários.
Aos colegas de pesquisa do Projeto “Retrato da medicalização da infância no Estado do
Paraná”, em especial aos professores Adriana de Fátima Franco, Fernando Wolff Mendonça,
Hilusca Alves Leite e Nádia Mara Eidt, além da professora Silvana já citada, pelo convite e
parceria neste estudo tão necessário.
Aos professores da equipe de pesquisa em Ponta Grossa, Camila Sabatoski, Eliss de Castro,
Fabiane Paulitsch, Giuliano Borek Ribeiro, Helen Carolina Jensen, Helena Flávia de Mello
Pistune, Isaias Holowate, Poliana Cristine Aureliano Guilouski e Vanessa Janoni do
Nascimento, por toda dedicação e compromisso na luta contra a medicalização.
Aos professores Alvaro Palomo Alves, Angelo Antonio Abrantes, Ari Fernando Maia, Elenita
de Rício Tanamachi, Erika Pessanha D’Oliveira, Flávia da Silva Ferreira Asbahr, Lidiane
Teixeira, Marisa Eugênia Melillo Meira, Nilma Renildes da Silva e Priscila Larocca, pela
amizade e confiança em minha capacidade, assim como pelas trocas fecundas de
conhecimentos em diferentes momentos da minha trajetória acadêmica.
Aos amigos de Franca, Alex Constantino, Aluísio Capela, Ana Paula Boto, Antônio Bartocci,
Antônio Felipe Cechi Neto, Fábio Capela, Murilo Coelho Naldi e Ruy Cunha, por serem
extensões de mim mesmo, pelos incontáveis encontros de “nerdiação” e companheirismo.
Agradecimento póstumo ao amigo Daniel Franco, guerreiro que travou o maior dos
combates e deu-nos preciosa lição de vida.
Aos companheiros da Casinha, Alvaro Zanini Netto, Denise Amorim, Jéssica Mendes,
Repolho e Valdir, além dos já mencionados Afonso e Laís, minha família nestes últimos dois
anos e meio; obrigado por serem tão amáveis com o moço que só ficava dentro do quarto
quase todos os dias.
Aos amigos “homo zueiros”, Julia Rosa, Tiago Xavier e Vanessa Rabatini, além das já citadas
Célia e Giselle, pelas interlocuções acadêmicas e “evidências”, por compartilharem angústias
e “memes” que suavizaram esta jornada.
Aos amigos de Ponta Grossa, Aline Lopes, Angelo Bonateli Neto, Bruna Fornazari, Camila
Marques, Heloiza Lopes, Gisah Salloum, Guilherme Borgo, Paula Miranda, Pedro Miranda e
Thaysa Valente, pelos sambas, pela consideração e pelo amparo no meu novo lar.
Aos amigos espalhados por aí, André Luiz, Beto Sakaki, Daneile Duarte, Ettore Medina,
Fabiana Vissoto, Fernanda Bitondi, Giovanna Facchini, Iza Taccolini, Juliane Bueno, Lays
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Fernandes, Mariana Ligo, Nathalia Botura, Nicholas de Araujo, Poliana Muniz, Sara Sallieri,
Suzana Marcolino e Wellington Menezes, em especial à Aléssio Esteves, Fábio Kawakami,
Janaina Cabello e Melina Paludeto, por todas as histórias aventuradas ou desventuradas,
que hoje fazem parte de quem sou. Agradecimento póstumo à amiga Tais Ribeiro Silva, pelas
risadas com a “marvada pinga”.
À Camila Blum, Elisa Bauer e Lauren Mennocchi, pelas conversas acolhedoras e pelo
incentivo na reta final da pesquisa.
Ao Jeff Vasques, pela revisão da escrita deste texto e pela inspiração de sua arte.
À Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) e, sobretudo, ao Departamento de
Educação (DEED), por fazerem valer o direito de afastamento de seus docentes, para que
tenham condições adequadas de se capacitar e desempenhar com excelência suas funções
institucionais e sociais, cumprindo o papel político da universidade pública, postura cada dia
mais rara e que deve ser reconhecida e garantida por todos nós.
7
A fonte da degradação da personalidade
das pessoas, na forma capitalista de
produção, também contém, em si
mesma, o potencial para um infinito
crescimento da personalidade humana.
(VIGOTSKI, 2006, p. 5)
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RESUMO
Diante de diagnósticos controversos, estudantes da Educação Básica recebem tratamentos
medicamentosos para supostos transtornos neurobiológicos relacionados à não
aprendizagem, como o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Através
da crítica histórico-cultural à medicalização da educação e ao TDAH, assume-se que a
alternativa às propostas organicistas reside na possibilidade de gerar desenvolvimento
através de processos de ensino, incluindo a atenção e o autocontrole da conduta.
Considerando a necessidade de instrumentalização pedagógica de professores para
enfrentar esta questão, o objeto de estudo desta pesquisa é a relação entre o processo de
ensino escolar e o desenvolvimento da atenção voluntária. A tese afirma que o
desenvolvimento desta função ocorre por demanda da própria atividade, por meio de
tarefas de ensino planejadas e executadas pelo professor de modo a conduzir o educando à
internalização de signos que passam a mediar internamente sua atenção, tornando-a
crescentemente autocontrolada por motivos ligados ao estudo, em uma educação escolar
que, ao ensinar os conteúdos sistemático-científicos, promova intencionalmente tal
desenvolvimento. Sendo assim, seu objetivo é identificar determinantes pedagógicos
responsáveis por melhor promover o desenvolvimento da atenção voluntária de crianças
dos anos iniciais do Ensino Fundamental, tendo em vista o processo de ensino sob
responsabilidade do professor. Os principais referenciais teóricos utilizados são o
Materialismo Histórico Dialético, a Psicologia Histórico-Cultural e a Pedagogia Histórico-
Crítica, assim como de estudos sobre a produção social do fracasso escolar e a medicalização
da educação. Esta é uma pesquisa interventiva com coleta de dados em campo. Os sujeitos
são 95 crianças de 4 turmas do segundo ano do Ensino Fundamental de uma escola
municipal e suas respectivas professoras. O pesquisador conduziu Verificações do
Desempenho Atencional na Tarefa no início e fim do ano letivo de 2016, e ministrou
Intervenções de Ensino Escolar durante 16 semanas entre as duas Verificações mencionadas,
com registros presenciais (realizados por auxiliar de pesquisa) e em vídeo, observando o
tempo de atenção na tarefa das crianças, entre outros fatores. Os resultados empíricos
indicaram que as turmas ampliaram, ao longo do ano, suas capacidades escolares, incluindo
seus desempenhos nas tarefas, autocontrole da conduta e volumes atencionais voluntários.
No cerne deste movimento está justamente o processo de internalização de
signos/conteúdos escolares na atividade de estudo, demonstrando a tese antes exposta. O
objetivo de pesquisa foi realizado através de síntese teórico-concreta superadora dos
resultados empíricos, esclarecendo que os principais determinantes pedagógicos destas
mudanças estão, sobretudo, nas formas como os conteúdos são ensinados, com destaque
para o número de fases de uma tarefa e suas durações em aula, assim como para o
movimento de intercalar oportunidades centralizadas e descentralizadas de ensino, de
acordo com os recursos atencionais atuais e iminentes dos educandos, com vistas à coesão
interna da tríade conteúdo-forma-destinatário. Por fim, exploram-se alguns
desdobramentos pedagógicos dos resultados teóricos de pesquisa, em alternativa a medidas
medicalizantes em contexto escolar, sinalizando a necessidade de aprofundamento de tais
implicações em projetos futuros.
Palavras-chave: Desenvolvimento psíquico; Atenção voluntária; Internalização de signos;
Educação Escolar; Ensino.
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ABSTRACT
Facing contentious diagnosis, elementary school students receive medical treatment for
alleged neurobiological learning disabilities such as Attention Deficit Hyperactivity Disorder
(ADHD). By means of historical-cultural critical view of education medicalization and ADHD,
we stand that the alternative to organicist solutions to this problem lies on developing
attention e behavioral self-control through teaching processes. Whereas it is necessary
prepare teachers to deal with this matter, this study object is the relation between school
teaching and voluntary attention development. The main idea is that this psychological
function development occurs depending on child’s own activity, by means of teaching tasks,
planned and executed by teachers towards students internalization of signs, that start to
internally mediate their attention processes, turning it to be progressively self-controlled
and tied to study motivation, considering that school education, as teaches its own
systematic and scientific contents, intentionally promotes psychic development. Thus, this
study goal is to identify the pedagogical determinants responsible for the best promotion of
voluntary attention development in the early ages of primary school. The theoretical
references were Historical-Dialectical Materialism, Cultural-Historical Psychology and
Critical-Historical Pedagogy, aside from studies about school failure social production and
education medicalization. This is a interventional research with field data collection. The
participant subjects are 95 second grade elementary school students of 4 different classes
and their respective teachers. The researcher applied Attention Performance Assessment in
Tasks at the beginning and by the end of the school year of 2016 and presented School
Teaching Interventions along 16 weeks between the two mentioned Assessment, registered
in notes (taken by research assistant) and video, observing time of attention during child’s
tasks, among other factors. Empirical results indicate that during the year children amplified
their school abilities, including task performance, behavioral self-control and voluntary
attention. At the core of this movement is exactly the sign/school contents internalization
process, demonstrating the previously exposed thesis. The research goal has been achieved
by means of concrete-theoretical synthesis, which has overcome the empirical results and
has shown that the main pedagogical determinants are, above all, in the ways how contents
are taught, with emphasis to the number of phases and length of the task, aside the
movement of intersperse centralized and decentralizes teaching opportunities, according to
students current and imminent attention resources, aiming internal cohesion of the triad
content-form-recipient. Finally, we prospect some pedagogical developments of the
research theoretical results, alternatively to medicalizant measures in school context,
pointing to the need of deepening of such implications in future projects.
Keywords: Psychic development, voluntary attention, sign internalization, school education,
teaching.
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
A: Amplitude (Propriedade da atenção);
Ab: Abandono da tarefa;
Ax Id: Auxílio Pedagógico Individual;
Ax: Auxílio Pedagógico;
C: Chave (Pista da VI);
Cd: Código do sujeito;
D: Distribuição (Propriedade da
atenção);
F1 a F6: Fases 1 a 6 do Caderno de
Aplicação ou das Intervenções de
Ensino Escolar;
FPE: Função Psíquica Elementar;
FPS: Função Psíquica Superior;
IE: Intervenção de Ensino Escolar;
IE1 a IE16: Intervenções de Ensino
Escolar de número 1 a 16;
LF: Leitura Final do Caderno de
Aplicação;
LI: Leitura Inicial do Caderno da
Aplicação;
M: Mochila (Pista da VF);
NDA: Nível de Desenvolvimento Atual;
Nm: Iniciais do nome do sujeito;
PIC: Programa Intensivo no Ciclo;
Sp: Suspensão da tarefa;
T: Tenacidade (Propriedade da
atenção);
TAT: Tempo de atenção na tarefa;
TAT-Pré-auxílio: Tempo de atenção na
tarefa antes do primeiro auxílio
pedagógico individual;
TAT-Total: Tempo total de atenção na
tarefa (tempo de atenção antes do
primeiro auxílio pedagógico individual
somado ao tempo a partir deste);
TCLE: Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido;
TDAH: Transtorno do Déficit de
Atenção e Hiperatividade;
V: Vigilância (Propriedade da atenção);
VF: Verificação Final do Desempenho
Atencional na Tarefa;
VI: Verificação Inicial do Desempenho
Atencional na Tarefa;
ZDI: Zona de Desenvolvimento
Iminente;
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LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1: Plano de coleta de dados em campo................................................................. 33
FIGURA 2: Posição central do TAT e cruzamentos possíveis entre os principais aspectos
da atividade observados na coleta de dados................................................................... 76
FIGURA 3: Primeira página da Leitura Inicial (LI) do Caderno de Aplicação da VI,
impressa em papel branco............................................................................................... 82
FIGURA 4: Segunda página da Leitura Inicial (LI) do Caderno de Aplicação da VI,
impressa em papel branco............................................................................................... 82
FIGURA 5: Primeira página da Leitura Inicial (LI) do Caderno de Aplicação da VF,
impressa em papel branco............................................................................................... 83
FIGURA 6: Segunda página da Leitura Inicial (LI) do Caderno de Aplicação da VF,
impressa em papel branco............................................................................................... 83
FIGURA 7: Fase 1 (F1) do Caderno de Aplicação da VI, impressa em papel azul................ 84
FIGURA 8: Fase 1 (F1) do Caderno de Aplicação da VF, impressa em papel azul............... 84
FIGURA 9: Fase 2 (F2) do Caderno de Aplicação da VI, impressa em papel amarelo......... 86
FIGURA 10: Fase 2 (F2) do Caderno de Aplicação da VF, impressa em papel amarelo...... 86
FIGURA 11: Fase 3 (F3) do Caderno de Aplicação da VI, impressa em papel verde........... 88
FIGURA 12: Fase 3 (F3) do Caderno de Aplicação da VF, impressa em papel verde.......... 88
FIGURA 13: Fase 4 (F4) do Caderno de Aplicação da VI, impressa em papel rosa.............. 89
FIGURA 14: Fase 4 (F4) do Caderno de Aplicação da VF, impressa em papel rosa............. 89
FIGURA 15: Fase 5 (F5) do Caderno de Aplicação da VI, impressa em papel reciclado...... 90
FIGURA 16: Fase 5 (F5) do Caderno de Aplicação da VF, impressa em papel reciclado..... 90
FIGURA 17: Fase 6 (F6) do Caderno de Aplicação da VI, impressa em papel branco......... 92
FIGURA 18: Fase 6 (F6) do Caderno de Aplicação da VF, impressa em papel branco........ 92
FIGURA 19: Pista (Chave) do Caderno de Aplicação da VI, impressa em papel branco...... 94
FIGURA 20: Pista (Mochila) do Caderno de Aplicação da VF, impressa em papel branco.. 94
FIGURA 21: Leitura Final (LF) do Caderno de Aplicação da VI, impressa em papel branco 96
FIGURA 22: Leitura Final (LF) do Caderno de Aplicação da VF, impressa em papel
branco.............................................................................................................................. 96
FIGURA 23: “Coisas de Peludo e Lisinho” (APÊNDICE 3.1.3)............................................... 102
FIGURA 24: “O presente de Lisinho para Peludo” (APÊNDICE 3.2.3).................................. 103
12
FIGURAS 25 e 26: “O quarto de Felipe” (APÊNDICE 3.3.3) e personagens para colar
(APÊNDICE 3.3.4), respectivamente................................................................................. 104
FIGURA 27: “Por que Vitória não foi?” (APÊNDICE 3.4.3)................................................... 105
FIGURA 28: “A árvore genealógica do Luan” (APÊNDICE 3.5.3)......................................... 106
FIGURA 29: “A árvore genealógica do Luan” ampliada (APÊNDICE 3.6.3).......................... 107
FIGURA 30: Sequências lógicas e cálculos mentais (APÊNDICE 3.7.3)................................ 108
FIGURAS 31, 32 e 33: Texto fonte “Tenha calma, Harry Potter” (APÊNDICE 3.8.3), folha
pautada para reescrita (APÊNDICE 3.8.4) e folha pautada complementar (APÊNDICE
3.8.5), respectivamente................................................................................................... 109
FIGURAS 34 e 35: “Compras de Theresa e Vitória” (APÊNDICE 3.9.3) frente e verso,
respectivamente.............................................................................................................. 110
FIGURAS 36 e 37: Operações matemáticas (APÊNDICE 3.10.3) e cartões de duas cores
(APÊNDICE 3.10.4), respectivamente............................................................................... 111
FIGURAS 38 e 39: Impresso individual “O Lobo nem sempre foi mau” (APÊNDICE
3.11.3), frente e verso, respectivamente......................................................................... 112
FIGURAS 40 e 41: Texto ampliado “O Lobo nem sempre foi mau” (APÊNDICE 3.12.3) e
perguntas interpretativas (APÊNDICE 3.12.4), respectivamente..................................... 113
FIGURAS 42 e 43: Filipetas para fixar na lousa (APÊNDICE 3.13.3) e “Quadro de palavras
com ‘C’” (APÊNDICE 3.13.4)............................................................................................. 114
FIGURA 44: Impresso com contagens e multiplicações (APÊNDICE 3.14.3)....................... 115
FIGURAS 45 e 46: Texto “Uma carta para o Lobinho” (APÊNDICE 3.15.3) e folha pautada
individual (APÊNDICE 3.15.4)........................................................................................... 116
FIGURAS 47 e 48: “Endereço do Lobinho” (APÊNDICE 3.16.3) e impresso individual
“Dividindo as pegadas” (APÊNDICE 3.16.4)...................................................................... 117
FIGURA 49: Movimento de concreção da singularidade-particular do objeto................... 141
13
LISTA DE GRÁFICOS
GRÁFICO 1: Percentuais das Médias TAT-Pré-aux. e TAT-Total (em minutos) de cada
turma para VI e VF............................................................................................................ 143
GRÁFICO 2: Percentual de registros positivos das 4 propriedades da atenção
observadas na tarefa (tenacidade, vigilância, amplitude e distribuição) de cada turma
para VI e VF...................................................................................................................... 152
GRÁFICO 3: Percentual de registros positivos de conclusão e correção da tarefa de
cada turma para VI e VF................................................................................................... 153
GRÁFICO 4: Percentual de sujeitos de cada turma que receberam auxílios pedagógicos
individuais ao menos uma vez para VI e VF........................................................................ 158
GRÁFICO 5: Média de auxílios pedagógicos individuais por sujeito de cada turma para
VI e VF.............................................................................................................................. 159
GRÁFICO 6: Percentual de sujeitos de cada turma que suspenderam ao menos uma vez
a tarefa para VI e VF......................................................................................................... 165
GRÁFICO 7: Média de suspensões da tarefa por sujeito de cada turma para VI e VF........ 165
GRÁFICO 8: Curva com o percentual das Médias TAT-Pré-aux. e TAT-Total da Turma D
em cada uma das IE.......................................................................................................... 171
GRÁFICO 9: Curva com o percentual de sujeitos da Turma D que receberam auxílios
pedagógicos individuais ao menos uma vez em cada uma das IE.................................... 173
GRÁFICO 10: Curva com o percentual de sujeitos da Turma D que suspenderam a
tarefa ao menos uma vez em cada uma das IE................................................................ 174
GRÁFICO 11: Curvas com os percentuais de registros positivos de conclusão e correção
da tarefa da Turma D em cada uma das IE....................................................................... 175
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LISTA DE PLANILHAS
PLANILHA 1: Intervenção de Ensino Escolar 1 (IE1), realizada na Turma D em
09/06/2016 (APÊNDICES 3.1.1 a 3.1.7)............................................................................ 102
PLANILHA 2: Intervenção de Ensino Escolar 2 (IE2), realizada na Turma D em
16/06/2016 (APÊNDICES 3.1.1 a 3.1.7)............................................................................ 103
PLANILHA 3: Intervenção de Ensino Escolar 3 (IE3), realizada na Turma D em
23/06/2016 (APÊNDICES 3.1.1 a 3.1.8)............................................................................ 104
PLANILHA 4: Intervenção de Ensino Escolar 4 (IE4), realizada na Turma D em
30/06/2016 (APÊNDICES 3.1.1 a 3.1.7)............................................................................ 105
PLANILHA 5: Intervenção de Ensino Escolar 5 (IE5), realizada na Turma D em
18/08/2016 (APÊNDICES 3.1.1 a 3.1.7)............................................................................ 106
PLANILHA 6: Intervenção de Ensino Escolar 6 (IE6), realizada na Turma D em
25/08/2016 (APÊNDICES 3.1.1 a 3.1.7)............................................................................ 107
PLANILHA 7: Intervenção de Ensino Escolar 7 (IE7), realizada na Turma D em
01/09/2016 (APÊNDICES 3.1.1 a 3.1.9)............................................................................ 108
PLANILHA 8: Intervenção de Ensino Escolar 8 (IE8), realizada na Turma D em
08/09/2016 (APÊNDICES 3.1.1 a 3.1.9)............................................................................ 109
PLANILHA 9: Intervenção de Ensino Escolar 9 (IE9), realizada na Turma D em
15/09/2016 (APÊNDICES 3.1.1 a 3.1.8)............................................................................ 110
PLANILHA 10: Intervenção de Ensino Escolar 10 (IE10), realizada na Turma D em
22/09/2016 (APÊNDICES 3.1.1 a 3.1.8)............................................................................ 111
PLANILHA 11: Intervenção de Ensino Escolar 11 (IE11), realizada na Turma D em
29/09/2016 (APÊNDICES 3.1.1 a 3.1.7)............................................................................ 112
PLANILHA 12: Intervenção de Ensino Escolar 12 (IE12), realizada na Turma D em
06/10/2016 (APÊNDICES 3.1.1 a 3.1.8)............................................................................ 113
PLANILHA 13: Intervenção de Ensino Escolar 13 (IE13), realizada na Turma D em
13/10/2016 (APÊNDICES 3.1.1 a 3.1.8)............................................................................ 114
PLANILHA 14: Intervenção de Ensino Escolar 14 (IE14), realizada na Turma D em
20/10/2016 (APÊNDICES 3.1.1 a 3.1.8)............................................................................ 115
PLANILHA 1: Intervenção de Ensino Escolar 15 (IE15), realizada na Turma D em
27/10/2016 (APÊNDICES 3.1.1 a 3.1.8)............................................................................ 116
PLANILHA 16: Intervenção de Ensino Escolar 16 (IE16), realizada na Turma D em
03/11/2016 (APÊNDICES 3.1.1 a 3.1.9)............................................................................ 117
PLANILHA 17: Desvio padrão dos percentuais das Médias TAT-Pré-aux. e TAT-Total de
cada turma para VI e VF................................................................................................... 149
15
PLANILHA 18: Classificação das IE segundo seus resultados empíricos gerais, na qual os
índices de um mesmo indicador quantitativo foram, de forma comparativa entre as
sessões, divididos meio-a-meio entre seus resultados mais bem avaliados (sinalizados
por “●”) e menos bem avaliados (sinalizados por “○”), referentes aos 4 aspectos
principais observados em campo..................................................................................... 180
PLANILHA 19: Relação de tipos de procedimentos de ensino que foram aplicados nas IE
comparativamente mais e menos bem avaliadas, com indicação do número total de
fases das tarefas em que cada um deles fora utilizado, seus detalhamentos e
respectivas Planilhas de aula para consulta..................................................................... 190
16
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO .............................................................................................................. 18
INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 22
CAPÍTULO 1 – PROCESSO DE INTERNALIZAÇÃO DE SIGNOS E DESENVOLVIMENTO DA
ATENÇÃO VOLUNTÁRIA .............................................................................................. 39
1.1 - Internalização de signos, psiquismo e desenvolvimento humano........................ 40
1.2 - Internalização de signos e desenvolvimento da atenção voluntária .................... 53
1.3 - Diretrizes teóricas para o estudo da atenção voluntária em contexto escolar ..... 67
CAPÍTULO 2 – ESTUDO DA ATENÇÃO VOLUNTÁRIA EM CONTEXTO ESCOLAR: CRITÉRIOS E
PROCEDIMENTOS DE COLETA ..................................................................................... 69
2.1 - Caracterização do campo e sujeitos de pesquisa ................................................. 71
2.2 - Principais aspectos acerca do volume atencional e desempenho escolar
observados na atividade dos sujeitos ................................................................. 73
2.3 - Cadernos de Aplicação das Verificações do Desempenho Atencional na Tarefa ... 76
2.4 - Papel das Intervenções de Ensino Escolar na pesquisa e suas Planilhas de aula ... 98
2.5 - Critérios de seleção da turma para as Intervenções de Ensino Escolar ................ 118
2.6 - Protocolo de observação e registro das Verificações do Desempenho Atencional
na Tarefa e das Intervenções de Ensino Escolar ................................................... 122
2.7 - Indicadores quantitativos do volume atencional e desempenho escolar ............ 133
CAPÍTULO 3 – MEDIAÇÕES CONCRETAS ENTRE PROCESSO DE ENSINO ESCOLAR E
DESENVOLVIMENTO DA ATENÇÃO VOLUNTÁRIA ....................................................... 138
3.1 - Mediações acerca das Verificações do Desempenho Atencional na Tarefa ........ 142
3.2 - Mediações acerca das Intervenções de Ensino Escolar ....................................... 169
3.3 - Síntese teórico-concreta acerca da relação entre processo de ensino escolar e
desenvolvimento da atenção voluntária .............................................................. 210
17
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 215
REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 223
APÊNDICES .................................................................................................................... 231
18
APRESENTAÇÃO
Em minha trajetória de formação e atuação profissional como psicólogo da educação
e professor em cursos de psicologia e licenciaturas diversas, questões relacionadas a
dificuldades pedagógicas de estudantes escolares sempre estiveram entre minhas principais
preocupações desde que conheci o fenômeno caracterizado por Patto (1999) como
produção social do fracasso escolar, que veio ao encontro daquilo que estava estudando
sobre o desenvolvimento humano a partir da Psicologia Histórico-Cultural.
Ficava cada vez mais claro que as explicações individualizantes, naturalizantes,
patologizantes, unideterminadas e preconceituosas de tais dificuldades, especialmente na
forma como elas figuravam (e ainda figuram) hegemônicas no senso comum das redes de
ensino formal, eram signatárias de questões socioeconômicas mais amplas e historicamente
justificadas, que davam o tom à atuação docente, à gestão e políticas educacionais e à
compreensão ideológica dominante que imperava (e ainda impera) nas numerosas
expressões particulares destas dificuldades pedagógicas.
Ao mesmo tempo, também crescia para mim a convicção, cientificamente
fundamentada e politicamente orientada, de que a ação pedagógica de ensino era o
principal recurso teórico-prático de enfrentamento da questão das dificuldades pedagógicas
nestes contextos1. Contudo, uma série de condições objetivas e subjetivas de ensino e de
aprendizagem deveriam ser minimamente garantidas para que essa tarefa se cumprisse o
melhor possível, apesar de vivermos tempos de acirrada exploração e desumanização que
impõem largos limites à educação.
Sigo convencido de que, mesmo diante dos incessantes ataques à escola e das
severas condições em que ela existe, estudantes, docentes e gestores em tantas redes de
ensino e em tantas localidades se mantêm resistindo e, naquilo que lhes é possível,
realizando belos trabalhos de formação humanizadora, promotora de desenvolvimento
humano. Ao contrário de reproduzir o discurso naturalizado de desqualificação da escola
(em especial da escola pública) e da culpabilização de suas comunidades e seus profissionais
1
Não estou com isso reforçando o jargão liberal de que a educação e seus agentes têm em si condições de
transformar todas as mazelas oriundas da contradição capital/trabalho, que sabemos depende de radical
subversão determinantemente político-econômica da sociedade de classes.
19
pelas dificuldades que enfrentam, junto-me ao grupo daqueles que procuram entender as
contradições deste processo e, isto sim, investir nas possibilidades de superação de
dificuldades pedagógicas através da instrumentalização do “como fazer” da docência2, na
relação educacional indissociável entre conteúdo-forma-destinatário, como esclareceu
Martins (2013). É evidente que apenas isso não basta e pensar desta maneira seria mais uma
forma de unideterminar aquilo que é multideterminado; são muitas as demandas afetas à
educação escolar que extrapolam seus limites pedagógicos. Por outro lado, sem tal
instrumentalização bem fundamentada e politicamente demarcada seria igualmente
impossível avançar.
O tema do desenvolvimento da atenção voluntária, para mim, derivou das frequentes
queixas de desatenção e hiperatividade/impulsividade com as quais tive contato durante 15
anos de atuação em cursos de formação inicial e continuada de professores, que não raro
justificavam dificuldades pedagógicas de estudantes em aprender e de docentes em ensinar.
Isso não significa que esta seja a única ou mesmo a principal questão relacionada a tais
dificuldades, contudo, como demonstrarei na introdução a seguir, afirma-se cada vez mais
relevante.
Sendo assim, vi-me diante da necessidade de colaborar com o enfrentamento deste
cenário no momento em que elaborava o projeto da presente pesquisa, colocando-me a
favor destes estudantes e profissionais escolares que resistem. Mais precisamente, o
empenho foi contribuir ao “como fazer” para considerar e promover a atenção voluntária de
forma integrada ao processo de ensino escolar, distante da tendência medicalizante que
vem solapando a Educação Básica.
Entretanto, a realidade se faz mais complexa e contraditória do que revela um
primeiro contato. Por isso este estudo foi pensado e realizado para melhor enfrentar tais
vicissitudes, possibilitando que o conhecimento aqui produzido sobre a relação entre o
processo de ensino escolar e o desenvolvimento da atenção voluntária tivesse potencial
para realmente atingir a atuação de professoras e professores que vivenciam situações
consideradas como de desatenção e hiperatividade/impulsividade em suas aulas. Dito de
outra forma, método e metodologia foram intencionalmente executados para gerar
2
Esta posição não tem qualquer vínculo com concepções pedagógicas tecnicistas e seus desdobramentos
atuais que, ao contrário do que estou afirmando, esvaziam a docência de seu sentido humanizador,
mecanizando e impregnando de lógica mercantil a educação escolar que em nada deveria assemelhar-se a isso
(SAVIANI, 2007).
20
resultados compreensíveis, mobilizadores e aplicáveis à docência na forma como lhe é viável
nas condições hoje existentes.
Em vista disso, mais importante do que versar sobre o método materialista dialético,
neste estudo me esforcei por realizá-lo, entendendo que desta maneira me aproximaria da
concreticidade do fenômeno estudado, sua singularidade-particular, dando-lhe contornos
essenciais, para que fosse possível pensar como agir de forma transformadora sobre ele. O
texto que segue é, na medida do que pude alcançar, a consumação do movimento de
concreção do objeto: a apresentação do estudo sobre a relação entre processo de ensino
escolar e desenvolvimento da atenção a partir da internalização de signos como sua unidade
mínima de análise, elucidada e gradualmente saturada de determinações particulares, até se
chegar à síntese complexa e concreta do que se objetivou conhecer. Alcançar este ponto só
foi possível porque antes realizei o movimento inverso ao da síntese, ou seja, fiz a análise da
totalidade caótica ao pensamento em direção às abstrações mais simples do fenômeno, que
busquei objetivar no texto para o exame de qualificação, agora reestruturado e
desenvolvido como apresentação.
Além disso, também foi pelas preocupações citadas que escolhi realizar uma pesquisa
de campo interventiva e colaborativa, que procurasse não reduzir a complexidade da
maneira como a educação escolar se realiza todos os dias nas salas de aula, colocando-me
na condição de um professor que se depara com dificuldades pedagógicas relacionadas ao
autocontrole da conduta dos estudantes em situações reais de ensino de conteúdos
curriculares. Para tanto foi necessário criar uma metodologia de coleta em muitos aspectos
original, que fosse objetiva e coerente com uma investigação que atendesse às exigências
científicas do Materialismo Histórico-Dialético e da Psicologia Histórico-Cultural, ao mesmo
tempo em que se mostrasse suficientemente clara, fidedigna e convincente para docentes
da Educação Básica e para pesquisadores desta teoria ou de outras vertentes. Fazê-lo foi um
grande desafio cujo resultado será, assim espero, rigorosamente avaliado por pares e
adversários teóricos e/ou políticos daqui em diante.
Para encerrar esta apresentação, quero registrar minha intenção de converter este
texto acadêmico em caderno pedagógico que, pelos motivos mencionados, contenha os
principais fundamentos, resultados e orientações para o ensino, organizado de forma
didática, pensando no docente como seu destinatário. Claro que tal caderno pedagógico
derivará desta tese e fará referência a ela no caso de leitores que desejem aprofundar seus
21
conhecimentos sobre a relação entre o processo de ensino escolar e o desenvolvimento da
atenção voluntária. A intenção é que tese acadêmica e caderno pedagógico funcionem como
duas faces da mesma moeda.
Esta seria uma ação para que a compreensão alcançada sobre o objeto tenha
melhores chances de ir além dos congressos acadêmicos e grupos de pesquisadores da área,
uma das estratégias para que o conteúdo da tese vá ao encontro da necessidade que, como
mencionei incialmente, motivou sua produção. Meu maior desejo é compartilhar seus
resultados com todas estas pessoas que resistem, comprometidas em converter o
conhecimento científico em prática social e vice-versa.
Bom estudo!
22
INTRODUÇÃO
O processo de medicalização da sociedade tem criado reflexos no cotidiano escolar e
motivado pesquisas na área da educação. Há publicações científicas que consideram a
existência de transtornos mentais relacionados a não aprendizagem de crianças e
adolescentes. Estes estudos apontam bases neurobiológicas para as causas destes
transtornos e tratamentos medicamentosos como principais maneiras de se enfrentar tais
problemas (APA, 2014; BARKLEY, 2008; BARKLEY; MURPHY, 2008; BROWN, 2007; MATTOS et
al., 2006; MORAES; SILVA; ANDRADE, 2007; ROTTA; OHLWEILER; RIESGO, 2006).
Com postura crítica a esta concepção organicista acerca da não aprendizagem e de
dificuldades enfrentadas por indivíduos na sociedade como um todo, estudiosos3 vem
sistematicamente se opondo a tais formas de se entender e encaminhar a questão, tanto na
esfera científica quanto na esfera política, considerando-a como mais uma forma de
individualização e patologização de questões sociais mais amplas, relacionadas ao modo de
produção da vida na sociedade capitalista contemporânea e às relações de poder e
exploração (MOYSÉS; COLLARES, 2011; MOYSÉS; GARRIDO, 2010).
Parte deste movimento de crítica tem como fundamento a perspectiva marxista de
ser humano e de mundo4, em que a gênese de comportamentos, pensamentos e
sentimentos de indivíduos em estado de sofrimento psicofísico, dentre outras dificuldades,
só pode ser compreendida a partir da análise da totalidade social concreta, o que no caso do
atual momento histórico significa entendê-la nas contradições da sociedade de classes
capitalista (EIDT; TULESKI, 2007). Em seus estudos sobre a atividade humana, Leontiev
(1978) esclareceu que o trabalho alienado como forma de produção e reprodução da vida
3
O mais representativo exemplo brasileiro desta mobilização é o “Fórum sobre Medicalização da Educação e
da Sociedade”, fundado em 2010 e composto por indivíduos, grupos e organizações contra o processo de
medicalização social. Mais informações no endereço eletrônico: .
4
É preciso ressalvar que a crítica marxista e vigotskiana à medicalização não é a única existente e nem mesmo
a mais presente no enfrentamento às concepções e políticas de caráter organicista sobre o tema no país. Por
exemplo, perspectivas foucaultiana, deleuziana e freudiana, epistemologicamente divergentes da marxista, são
mais recorrentes nos estudos e embates políticos contemporâneos. Ilustram este quadro dois importantes
eventos sobre o assunto realizados no Brasil, o “III Seminário Internacional: A Educação Medicalizada”,
ocorrido em julho de 2013 na cidade de São Paulo/SP (Programação e Anais disponíveis em
) e o “IV Seminário Internacional: A
Educação Medicalizada”, ocorrido em setembro de 2015 na cidade de Salvador/BA (Programação e Anais
disponíveis em ).
http://medicalizacao.org.br/
http://seminario.medicalizacao.org.br/index.php/2013-04-02-22-15-14
http://anais.medicalizacao.org.br/index.php/educacaomedicalizada/issue/view/2
23
causa consequências na estrutura das demais atividades realizadas pelos indivíduos e, por
isso, cria determinadas formas historicamente engendradas de consciência e personalidade.
Como este modo de produção da vida social existe em detrimento de necessidades
efetivamente humanas, o sofrimento e o adoecimento psicofísico abundam, mesmo que os
sujeitos não tenham clareza destas relações.
No caso da medicalização da educação, este problema se faz especialmente
preocupante, pois crianças e adolescentes nos bancos escolares são diagnosticados como
portadores de transtornos mentais em função, entre outros fatores, de seus desempenhos
escolares considerados inadequados e/ou insuficientes. Diante de diagnósticos aligeirados e
controversos, estudantes da Educação Básica recebem, em número cada vez maior,
tratamentos medicamentosos para supostos transtornos relacionados à aprendizagem
(COLAÇO, 2016; FERRACIOLI et al., 2016; LUCENA, 2016).
Como demonstrou Eidt (2004), um dos exemplos mais marcantes destes diagnósticos
é o chamado Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), em que
comportamentos e pensamentos desatentos e hiperativos/impulsivos sinalizariam, para os
organicistas, um problema neurobiológico de origem genética, que provavelmente
acompanhará estes indivíduos por toda a vida, cujo tratamento principal é o uso da
substância psicotrópica denominada cloridrato de metilfenidato5.
Professores nem sempre bem preparados para compreender a situação e, acima de
tudo, com poucas condições de enfrentar individualmente tais dificuldades podem aderir
acriticamente às explicações de tipo organicista, que acabam usando de justificativas
relacionadas a características orgânicas de estudantes para afastar das condições concretas
de ensino escolar a responsabilidade sobre a não aprendizagem. Eidt e Ferracioli (2007)
argumentaram que a consequência prática disso é que nesta situação professores e gestores
educacionais não têm que repensar/transformar suas atuações e princípios pedagógicos ou
condições mais amplas de ensino e gestão, pois os problemas destes “alunos difíceis” são
inatos e, portanto, tem pouca ou nenhuma relação com a docência, deixando qualquer
intervenção significativa a cargo de profissionais da saúde e familiares. É assim que, em
muitos casos, crianças e adolescentes são recomendados pelas escolas ou por demais
5
O cloridrato de metilfenidato é o princípio ativo de medicamentos normalmente indicados para o tratamento
do TDAH, como é o caso de fármacos encontrados no mercado com o nome comercial de Ritalina® e
Concerta®.
24
agentes das redes de educação aos questionáveis diagnósticos, retroalimentando
indiretamente o fenômeno da medicalização da educação.
Com base nos fundamentos marxistas, na Psicologia Histórico-Cultural e nos estudos
sobre a produção social do fracasso escolar como proposta por Patto (1999), a crítica à
questão do TDAH, entre outros transtornos, afirma que na verdade não são pessoas
individualmente que têm determinados problemas orgânicos que afetam suas capacidades
de se concentrar e de autocontrolar suas condutas. Retomando a discussão anteriormente
apontada acerca da alienação em uma sociedade excludente e cada dia mais acelerada, as
atividades desumanizadas que nela se realizam não possibilitam apropriações no sentido do
pleno desenvolvimento individual da maioria das pessoas (EIDT; TULESKI, 2007).
Isso não significa dizer, como salientaram Eidt e Ferracioli (2007), que determinados
sujeitos não enfrentem dificuldades pedagógicas na escola e que estas situações não
demandem soluções; significa apenas que estas dificuldades derivam de um
desenvolvimento apenas inicial de funções psíquicas superiores, que não possibilitaram
ainda um esperado autocontrole da conduta e que poderá ocorrer desde que o ensino
qualitativo volte a promovê-las na atividade destes sujeitos. Esta realidade se aplica
também, com peculiar importância, ao caso do desenvolvimento da atenção voluntária,
função psíquica superior de especial interesse neste estudo e que se tratará com mais
detalhe adiante. Aqui duas situações diferentes podem ocorrer, de maneira combinada ou
não: por um lado, um conhecimento equivocado do desenvolvimento que faz com que o
educador espere de seus alunos um desempenho atencional além de suas possibilidades
atuais e iminentes; e/ou, por outro lado, um verdadeiro atraso no nível atencional voluntário
de um ou mais alunos em comparação ao que já poderiam ter conquistado, que demandaria
intervenção interpsíquica adequada para uma retomada do processo desenvolvimental.
Em quaisquer dos casos, a alternativa histórico-cultural concreta à medicalização e às
possíveis dificuldades pedagógicas enfrentadas por professores e estudantes nas escolas
reside justamente na possibilidade de gerar desenvolvimento através de processos de
ensino, ou seja, pela apropriação/objetivação dos signos da cultura que mediarão
conscientemente a conduta por parte dos sujeitos que aprendem (CHAVES et al., 2014; EIDT;
FERRACIOLI, 2007; FERRACIOLI; TULESKI, 2013; LEITE, 2010; 2015; LUCENA, 2016; MEIRA,
2011; RABATINI, 2016).
25
Diante do fenômeno da medicalização e sua crítica, há docentes e escolas que
buscam, de diferentes formas, alternativas pedagógicas para as dificuldades de desatenção e
hiperatividade/impulsividade enfrentadas em sala de aula. Entretanto, é tarefa difícil para
professores e gestores efetivamente implementarem em suas atividades alternativas em
uma perspectiva histórico-cultural porque ainda são incipientes, nesta abordagem da
psicologia, formulações sistemáticas que transformem o conhecimento sobre a função
superior da atenção e seu desenvolvimento em proposição pedagógica exequível dentro do
processo de ensino escolar.
O “Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade” tem buscado de
diferentes formas sanar esta lacuna do “que fazer” através da formulação de materiais com
orientações não medicalizantes para diversos profissionais, entre eles professores, cujo
principal exemplo são as “Recomendações de práticas não medicalizantes para profissionais
e serviços de educação e saúde” (GRUPO DE TRABALHO EDUCAÇÃO E SAÚDE, 2015). Este
material se posiciona e traz de forma pertinente a crítica à medicalização e à produção social
do fracasso escolar, sinalizando possibilidades de atuação em perspectivas mais coletivas e
contextuais. Porém, em função de seus fundamentos teóricos e posturas em relação ao
papel social da escola e do professor, acaba por não ir ao encontro da demanda
anteriormente explicitada de organização do ensino sistemático com vistas ao
enfrentamento de queixas como a desatenção e a hiperatividade/impulsividade6,
especialmente levando-se em consideração a importância dos conteúdos científicos a serem
ensinados e os elementos sociais e psíquicos que permeiam o desenvolvimento atencional
voluntário de crianças e adolescentes, em condições geralmente precárias de ensino-
aprendizagem.
Como dito, há também estudos com base na Psicologia Histórico-Cultural que vem
investigando e discutindo a medicalização social e da educação em diversos âmbitos,
6
Faz-se necessária uma análise vigotskiana mais detalhada dos fundamentos do material em questão e seus
desdobramentos sobre o papel da escola e do professor, para com isso se identificar avanços e limites das
recomendações nele contidas. Contudo, a título de exemplificação das limitações antes referidas, mais
especificamente na parte destinada às sugestões não medicalizantes para profissionais da educação, os autores
deste material fizeram referência aos chamados “quatro pilares da educação” elaborados por Delors (1998) no
“Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI”, quais sejam: aprender
a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver junto e aprender a ser. Como analisado por Duarte (2003; 2006),
tais lemas enquadram-se no ideário das pedagogias do “aprender a aprender”, que apesar dos discursos
aparentemente progressistas, de fato acabam por legitimar o esvaziamento da educação escolar de seus
conhecimentos sistemático-científicos, desempenhando papel de reprodução ideológica neoliberal.
26
inclusive na busca de contribuições para a prática docente, na maior parte dos casos
articuladas à Pedagogia Histórico-Crítica (CHAVES et al., 2014; EIDT; FERRACIOLI, 2007;
FERRACIOLI; TULESKI, 2013; LEITE, 2010; 2015; LUCENA, 2016; RABATINI, 2016).
Diferentemente do exemplo anterior, aqui há a clareza das determinações estruturais e
políticas advindas da sociedade de classes acerca da educação e seus efeitos
empobrecedores sobre as teorias pedagógicas, o papel da escola e do professor, assim como
sobre o desenvolvimento psíquico. Da mesma maneira, com maior ou menor ênfase, tais
estudos trazem a importância da educação escolar para o desenvolvimento, dando foco ao
processo pedagógico e ao ensino sistemático de conceitos científicos como principal forma
de enfrentamento às queixas de desatenção e hiperatividade/impulsividade, numa
perspectiva de valorização da docência, firmemente não patologizantes, individualizante ou
medicalizante. Porém, apesar de seus avanços teóricos, críticas totalizantes e sistematização
de princípios passíveis de se converterem em práticas educativas escolares, tais resultados
ainda não chegaram à identificação de determinantes pedagógicos que possam
instrumentalizar de forma direta a ação docente, sem desconsiderar suas possibilidades e
insuficiências advindas de condições precárias de formação e atuação de professores da
educação básica. Em suma, são pesquisas necessárias e serão fundamentos importantes do
presente estudo, mas a lacuna antes explicitada persiste.
Sem alternativas didático-pedagógicas satisfatórias, é possível que professores e
gestores omitam-se diante da medicalização ou até colaborem com ela, já que não sabem ao
certo o que podem ou devem fazer, não encontram saída aplicável em sala de aula ou ação
ao seu alcance que colabore para o enfrentamento do problema sem recorrer às explicações
médicas patologizantes. Daí a necessidade de elucidação acerca de um tipo de prática
pedagógica que contribua para que estes profissionais tenham a oportunidade de se
apropriarem destes conhecimentos e recursos teórico-práticos para melhor orientarem o
processo de desenvolvimento da atenção voluntária de seus alunos.
Não se está afirmando que o professor ou outros membros da equipe pedagógica
irão solucionar todos os problemas escolares relativos à desatenção e
hiperatividade/impulsividade. Há determinantes mais amplos que impõem certos limites à
prática educativa7. O que se propõe é ampliar ao máximo as chances de desenvolvimento
7
São questões socioeconômicas de classe, de gênero, de raça/etnia, de políticas educacionais e de histórias de
vida que não estão sob controle direto do docente, mas interferem no modo como ele interpreta e age sobre o
27
dentro das condições educacionais reais postas a estes profissionais, sem subestimar ou
superestimar as possibilidades de nenhum dos envolvidos.
A partir da análise deste cenário, chega-se ao objeto desta investigação, qual seja: a
relação entre o processo de ensino escolar e o desenvolvimento da atenção voluntária. Da
mesma forma, enuncia-se o problema de pesquisa que se propôs responder: por meio de
quais princípios e modos pedagógicos professores e gestores da Educação Básica poderiam
melhor promover o desenvolvimento da atenção voluntária de seus estudantes através do
ensino escolar, consideradas as condições reais da docência?
Esclarecidos estes pontos, estabelece-se o seguinte objetivo de pesquisa: identificar
determinantes pedagógicos responsáveis por melhor promover o desenvolvimento da
atenção voluntária de crianças dos anos iniciais do Ensino Fundamental, tendo em vista o
processo de ensino dos conteúdos escolares sob responsabilidade do professor.
Apresentados objeto, justificativa, problema e objetivo, resta explicitar a tese que se
pretende demonstrar. Conforme Severino (2002), a tese ou hipótese geral da investigação é
a ideia central do estudo, que se expressa como uma posição lógica prospectiva diante do
tema e que necessariamente deve avançar para além do que se sabe ou já foi demonstrado
sobre o assunto, indo ao encontro tanto do problema de pesquisa quanto do objetivo que
deste se desdobrou. A hipótese geral desta investigação deve ser, assim, a chave conceitual
sobre como promover o desenvolvimento da atenção voluntária nas condições reais de
ensino escolar, uma vez que, a partir da Psicologia Histórico-Cultural, a afirmação de que o
ensino sistemático é capaz de fazê-lo é algo sabido e suficientemente demonstrado.
Portanto, a tese desta pesquisa é: o desenvolvimento da atenção voluntária em
contexto escolar ocorre por demanda da própria atividade, por meio de tarefas de ensino
planejadas e executadas pelo professor de modo a conduzir o educando à internalização de
signos que passam a mediar internamente sua atenção, tornando-a crescentemente
autocontrolada por motivos ligados ao estudo, em uma educação escolar que, ao ensinar os
conteúdos sistemático-científicos, promova intencionalmente o desenvolvimento desta
função superior.
que ocorre na sala de aula, na escola ou na comunidade atendida. Cada um destes aspectos demandaria
estudos específicos que melhor desvelassem seus impactos sobre queixas de desatenção e
hiperatividade/impulsividade no ensino formal, o que não foi o objetivo deste texto, ficando desde já sinalizada
a necessidade de pesquisas marxistas e vigotskianos que os abordem diretamente.
28
Mesmo que esta chave conceitual não seja exatamente nova, ela é a linha condutora
de toda a pesquisa, desde a coleta empírica até as análises e sínteses que lhe sucederam.
Por conseguinte, o conhecimento teórico-prático que a partir da tese se
demonstrará/produzirá será sim um avanço científico sobre o tema, atendendo ao problema
e objetivo enunciados. Ainda que tenha sofrido modificações ao longo do percurso de
pesquisa, sem ela não seria possível delinear um caminho a seguir, pois não haveria um
ponto de chegada a se buscar.
Como já se fez notar, esta pesquisa se desenvolveu com base nos fundamentos do
Materialismo Histórico Dialético de Marx e os princípios gerais de seu método8. Nestes
termos, a verificação da tese veio como resultado de dois movimentos contrários e
complementares entre si. Primeiro o movimento inicial de análise da totalidade, ainda
caótica ao pensamento, acerca dos dados empíricos singulares em articulação com o
instrumental conceitual utilizado, levando à identificação da unidade mínima de análise do
objeto em pauta: a internalização de signos. No caso desta pesquisa, tal unidade é a
expressão abstrata mais simples que manteve as características essenciais/universais da
relação complexa entre o processo de ensino escolar e o desenvolvimento da atenção
voluntária, como se evidenciará pormenorizadamente no capítulo 1.
Encontrada tal unidade, seguiu-se ao segundo movimento de pesquisa, a
reconstrução do objeto em sua apreensão concreta ao pensamento, isto é, um retorno ao
real como concreto pensado, uma singularidade-particular conhecida de forma sintético-
sistemática e mais verdadeira9 do que sua aparência revelava no início, o que só foi possível
à luz da unidade mínima de análise extraída deste mesmo fenômeno. A enunciação acima da
tese foi apenas um primeiro passo. Seu sentido se afirmará ao longo do texto e será no
8
O leitor não encontrará um capítulo ou item destinado ao método materialista dialético em geral, pois a
intenção não foi dissertar sobre ele, mas realizá-lo em relação ao objeto deste estudo, como dito na
apresentação. Desta forma, o pesquisador procurou demonstrar domínio satisfatório do método ao se valer
corretamente de suas categorias, como no caso desta passagem da introdução e no texto como um todo.
Apesar disso, é mister registrar alguns dos principais materiais estudados que apresentam e/ou usam o
método, constituindo a base teórico-conceitual das análises e sínteses aqui realizadas: Duarte (2000), Kosik
(1976), Lukács (1978), Marx (1982; 1985), Marx e Engels (2002), Pasqualini e Martins (2015), Oliveira (2001),
Paulo Netto (2011), Vygotski (1997) e Vigotski (2000).
9
O conceito de verdade utilizado aqui é bem diferente da ideia de uma verdade absoluta e naturalizada, nem
compactua com uma rejeição à possibilidade de um conhecimento verdadeiro sobre o real. Aqui, verdade é
entendida em sentido histórico, dentro dos pressupostos marxistas, ou seja, a “[...] verdade não é inatingível,
nem alcançável de uma vez para sempre, mas que ela se faz; logo, se desenvolve e se realiza” (KOSIK, 1976, p.
19).
29
momento culminante da síntese que a tese voltará ao foco, ao mesmo tempo em que nunca
saiu absolutamente deste, e somente naquele momento ela enfim se realizará
concretamente como tese, esclarecida em seus aspectos essenciais, que indicam caminhos
para a superação das contradições nas quais o fenômeno em questão existe.
Apesar do caráter sequencial destes dois momentos, uma pesquisa dialética não se
realiza uma única vez e nem de maneira linear, como talvez tenha transparecido na
colocação acima. A cada nova aproximação do pensamento ao real, mais determinantes
foram identificados em suas contradições e, por consequência, os resultados se alteravam
em maior ou menor grau, já que todo fenômeno concreto é dinâmico e mutável. Ou seja,
apesar de existirem dois movimentos distintos de estudo, ambos não são estanques ou
cindidos, podendo se intercruzar em idas e vindas de aproximações sucessivas ao objeto,
desde que não se perca de vista a finalidade traçada pela tese.
Portanto, deve ficar claro que este texto consiste apenas no segundo movimento
mencionado do método, uma vez que conteúdo e forma final de uma pesquisa deve se
configurar como apresentação sintética de resultados, que advêm de análises anteriores
subjacentes ao concreto pensado. Dito de outra forma, o movimento inicial de investigação
não figura como uma parte em si do texto, mas o subjaz integralmente, sendo superado por
incorporação pelo movimento final de exposição da pesquisa.
Ciente de todos estes elementos e com tal tarefa metodológica em vista, esta foi uma
pesquisa de campo interventiva e colaborativa, conforme se esclarecerá melhor ainda na
introdução. Contudo, antes de se apresentar os sujeitos, locais e plano de coleta pelos quais
os dados empíricos foram levantados, assim como suas subsequentes análises e sínteses, é
importante caracterizar as fontes teóricas fundamentais da investigação, que compuseram a
revisão de literatura e de onde se extraíram categorias conceituais necessárias ao
movimento de apresentação em curso.
A primeira e mais medular fonte teórica foram os fundamentos epistemológicos do
Materialismo Histórico Dialético e seu método de investigação científica, como se discorreu
anteriormente. A segunda fonte básica da revisão foram estudos da Psicologia Histórico-
Cultural, com ênfase nas temáticas das Funções Psíquicas Superiores (principalmente a
questão da atenção voluntária e sua relação com o autocontrole da conduta), da atividade
consciente, do pensamento verbal, do papel do ensino sobre o desenvolvimento e dos níveis
e periodização do desenvolvimento. A terceira fonte foi a Pedagogia Histórico-Crítica, em
30
especial seus estudos sobre os princípios do processo educativo, que colaborou para o
planejamento da coleta de dados e também instrumentalizou a pesquisa quanto a
implicações pedagógicas afeitas ao desenvolvimento da atenção voluntária em contexto
escolar. A quarta fonte foi a discussão relativa à crítica ao fenômeno da medicalização e suas
atuais proposições alternativas voltadas à educação escolar, não apenas na perspectiva
histórico-cultural. Por fim, a quinta fonte teórica foram estudos existentes no campo da
Psicologia Escolar/Educacional sobre a produção social do fracasso escolar e as alternativas
de ação do professor em relação às situações de não aprendizagem.
Voltando à questão da pesquisa de campo, em coerência com os fundamentos do
método, os dados empíricos foram coletados no contexto da prática social da educação
escolar junto a professores e estudantes. Isso se justificou porque se pretendeu identificar a
unidade mínima de análise relativa ao fenômeno do desenvolvimento da atenção voluntária
a partir do complexo social da educação escolar, de forma interventiva e colaborativa, como
dito. Tal postura tem lastro na tradição experimental da Psicologia Histórico-Cultural, mais
especificamente nos chamados experimentos formativos, sistematizados por Davidov
(1988). Diferentemente de um experimento de constatação, que visaria retratar o estado já
formado de estruturas psíquicas, o experimento formativo “[...] pressupõe a projeção e
modelação do conteúdo das neoformações psíquicas a constituir, dos meios
psicopedagógicos e das vias de sua formação”, buscando assim “[...] estudar
simultaneamente as condições e as leis de origem, de gênese da correspondente
neoformação psíquica” (DAVIDOV, 1988, p. 196, tradução nossa).
Estudar o desenvolvimento da atenção voluntária ao mesmo tempo em que ela é
engendrada pela ação do próprio pesquisador em campo se enquadra nesta definição,
contudo vale ressalvar que a forma particular como se realizou esta tarefa não foi uma
reprodução dos experimentos formativos feitos de Davidov ou de outras pesquisas dentro
desta matriz teórica. Existiram peculiaridades e preocupações específicas na captação do
real, com vistas a se atingir o objetivo de pesquisa, que demandaram a elaboração de
critérios e procedimentos autorais, que serão expostos em linhas gerais nesta introdução e
detalhados no capítulo 2.
Os sujeitos participantes do estudo foram crianças regularmente matriculadas, em
2016, no segundo ano do Ensino Fundamental (6 e 7 anos de idade), e suas respectivas
professoras. Fizeram parte da coleta 4 salas de aula distintas, totalizando 95 sujeitos de
31
pesquisa, oriundos de uma mesma escola municipal localizada em cidade do interior do
estado de São Paulo. Contudo, nem todas as 4 salas participaram de todas as etapas da
coleta, como constará no plano que segue (vide FIGURA 1, p. 33).
Ainda sobre o recorte de sujeitos contido no objetivo de pesquisa, a escolha do
segundo ano do Ensino Fundamental para a coleta de dados se justificou não apenas pela
necessidade de definição do universo de sujeitos investigados, mas também pelo seu
momento do desenvolvimento ontogenético. Segundo Elkonin (1987), estudioso que
aprofundou os conhecimentos sobre a periodização do desenvolvimento numa perspectiva
vigotskiana, é esperado que nesta fase, denominada por ele de “idade escolar”, a atividade
de estudo se torne guia do desenvolvimento e a relação da criança com os objetos sociais
passe a ser majoritariamente intelectual-cognitiva (não por acaso este é o início do processo
de alfabetização propriamente dito). Considerou-se, então, que as mudanças qualitativas no
desenvolvimento das funções psíquicas esperadas para este período criassem condições
propícias para a busca do papel do processo de ensino escolar em relação à atenção
voluntária, que trouxessem elementos essenciais para a posterior identificação de
determinantes pedagógicos que considerassem o desenvolvimento desta função neste
importante momento do Ensino Fundamental.
Outro motivo foi que a medicalização de escolares se multiplica drasticamente a
partir do terceiro ano do Ensino Fundamental, sendo o TDAH o diagnóstico mais frequente
(FERRACIOLI et al., 2018). Isso sugere que as queixas de desatenção e
hiperatividade/impulsividade, que levam crianças a serem medicalizadas em maior
quantidade neste momento, tenham surgido e/ou se intensificado justamente no segundo
ano deste nível do ensino formal, quando as exigências de alfabetização crescem nos
currículos e, possivelmente, as expectativas de professores e famílias também aumentem
sobre os desempenhos escolares das crianças. Sendo assim, a investigação específica acerca
do desenvolvimento da atenção voluntária no segundo ano se faz ainda mais pertinente, já
que a identificação de seus determinantes pedagógicos, objetivada neste estudo, caso
realmente instrumentalize professores para a superação destas queixas, pode colaborar na
prevenção ao crescimento acentuado da medicalização nos anos imediatamente posteriores
da escolarização.
Apesar deste recorte no ano de escolarização/idade dos sujeitos, ponderou-se que os
resultados desta pesquisa não dirão respeito apenas a crianças do segundo ano do Ensino
32
Fundamental, mas sim poderão se generalizar aos demais anos iniciais desta etapa da
Educação Básica. Na relação indissociável entre as dimensões universal, particular e singular
de um determinado fenômeno (PASQUALINI; MARTINS, 2015), sua expressão singular
aparente guarda na essência aspectos universais alcançáveis pelo pensamento teórico-
conceitual que podem iluminar outras circunstâncias particulares que tiverem similaridades
essenciais com a primeira, mesmo que com adequações acessórias a cada caso. Sendo
assim, a identificação de determinantes pedagógicos fruto da pesquisa, caso tenham
alcançado o cerne da relação entre processo de ensino escolar e o desenvolvimento da
atenção voluntária, poderão ser generalizáveis aos demais anos iniciais do Ensino
Fundamental, uma vez que existem semelhanças internas nas formas, conteúdos,
destinatários e finalidades educacionais desta etapa da formação escolar.
A postura do pesquisador em campo foi interventiva e colaborativa porque ocorreu
através da realização direta de processos de ensino junto aos estudantes participantes, com
planejamentos pedagógicos feitos conjuntamente com as professoras envolvidas,
articulando princípios do desenvolvimento da atenção voluntária aos conteúdos escolares
previstos no currículo daquele ano do Ensino Fundamental. A escolha desta postura se
justificou pela necessidade de acompanhar/efetivar um processo escolar de ensino e
registrá-lo objetiva e sistematicamente, verificando assim o quanto aquele ano de
escolarização foi capaz de promover ou não a atenção voluntária dos educandos nas
atividades de estudo ali realizadas. Foram destas verificações do desempenho atencional e
intervenções de ensino que se extraíram os dados empíricos que foram base para a
identificação de determinantes pedagógicos responsáveis por melhor promover esta função
voluntária. Tal procedimento está em consonância com o estudo histórico-cultural concreto
da atenção, uma vez que esta função se realiza na atividade social em inter-relação com
outras funções, como se elucidará melhor no próximo capítulo.
O plano de coleta de campo está esquematizado na FIGURA 1 e, então, explicado
passo a passo10. Como já sinalizado, o detalhamento dos procedimentos, instrumentos e
critérios de coleta constará ulteriormente no capítulo 2.
10
Todos os apêndices da pesquisa, incluindo os dados brutos e os relatórios das sessões de coleta constam em
mídia física (CD) apensada ao item “APÊNDICES” indicado no sumário, já que são numerosos demais para
serem impressos junto com este texto. O mesmo material pode ser consultado pela internet por meio do link:
.
https://drive.google.com/drive/folders/1QPGvquZlQdPjpcM8-ckdG4r_BRChw4HW?usp=sharing
33
FIGURA 1: Plano de coleta de dados em campo. (Fonte: Elaborado pelo autor).
Após reuniões de apresentação e convite para participação na pesquisa, realizadas
com gestoras, professoras, crianças e suas famílias, assim como após a assinatura dos
Termos de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)11, deu-se início à fase da coleta
denominada de preparação do campo, realizada no mês de março de 2016. Os encontros
Os apêndices foram divididos em 4 pastas de arquivos: APÊNDICE 1... - Documentos e modelos de
instrumentos; APÊNDICE 2... - Verificações Iniciais do Desempenho Atencional na Tarefa (VI); APÊNDICE 3... -
Intervenções de Ensino Escolar (IE); e APÊNDICE 4... - Verificações Finais do Desempenho Atencional na Tarefa
(VF), que foram subdivididas em pastas por sessões de coleta. Todos os materiais foram devidamente
numerados sequencialmente para simples e rápida identificação. Ao longo do texto, fez-se referências
constantes aos dados anexados, de onde foram extraídos os números absolutos e relativos dos resultados
empíricos. Não é imprescindível a consulta destes para a compreensão dos resultados. Contudo, se o leitor
considerar pertinente ir ao detalhamento dos dados, estes foram assim organizados: para cada sessão de VI e
VF constaram, separados por turma e organizados cronologicamente, Folha de Registro, Mapa de sala,
Cadernos de Aplicação preenchidos pelos sujeitos e Relatório do encontro. Por sua vez, para cada sessão de IE
constaram, da mesma forma, Planejamento da escola dos conteúdos a serem ensinados naquela semana,
Planilha de aula elaborada pelos pesquisadores após reunião de planejamento com a professora da turma,
Modelos dos materiais didáticos preparados para a sessão, Mapa de Sala, Folha de Registro, Relatório do
encontro e Materiais didáticos preenchidos pelos sujeitos. Destaca-se a importância dos Relatórios, pois são
neles que constaram os ocorridos nas sessões, dando conteúdo concreto aos processos psíquicos analisados,
com as avaliações iniciais do pesquisador e os cálculos iniciais dos indicadores quantitativos.
11
Salienta-se que se realizou a pesquisa tomando-se todos os cuidados éticos necessários à investigação
científica, garantindo a participação voluntária, esclarecida, sigilosa e segura dos sujeitos, formalizada através
de Termos de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) assinados por estes ou seus responsáveis legais (vide
modelos de TCLE nos APÊNDICES 1.1.2 e 1.1.3), com parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa em
Seres Humanos da Faculdade de Ciências e Letras do Campus de Araraquara – UNESP (CAAE:
51000215.1.0000.5400, vide APÊNDICE 1.1.1).
34
foram empreendidos com as 4 turmas (identificadas na pesquisa como Turmas A, B, C e D; e
suas respectivas docentes como Professoras A, B, C e D). Seu propósito foi criar condições
adequadas para a coleta de dados que se seguiu, especialmente em relação aos vínculos dos
pesquisadores com os sujeitos, à dessensibilização destes aos equipamentos de registro e à
identificação de significados associados às tarefas de ensino para as crianças, que serviriam
também como parte do conteúdo para a elaboração dos instrumentos de coleta da fase
seguinte em campo.
Concluída a preparação, deu-se início à fase de coleta de dados propriamente dita,
organizada em 3 etapas:
A 1ª etapa, chamada de Verificação Inicial do Desempenho Atencional na Tarefa (VI),
foi efetuada nos dias 14 e 15 de abril de 2016, consistindo de investigação inicial da atenção
voluntária das crianças participantes, através da realização de uma aula com tarefas de tipo
escolar atencionalmente exigentes, ministrada pelo pesquisador, cujo instrumental e
protocolos de coleta passaram por pré-testes12 em sua elaboração, até se chegar ao seu
formato definitivo (vide item do capítulo 2 sobre os Cadernos da Aplicação das Verificações,
p. 76, e seu modelo completo para a VI no APÊNDICE 1.3.3). Nesta oportunidade, foi
estabelecida uma linha de base do nível de desenvolvimento dos sujeitos antes do processo
de ensino que ocorreu ao longo do ano. Participaram da 1ª etapa as 4 turmas que passaram
pela preparação (Turmas A, B, C e D), de forma que houvesse um número de sujeitos
suficientes para futuras análises quantitativas comparativas dos dados empíricos.
A 2ª etapa, denominada de Intervenções de Ensino Escolar (IE), ocorrida apenas na
Turma D, de junho a novembro de 201613, consistiu em 16 aulas semanais planejadas
conjuntamente com a Professora D e ministradas pelo pesquisador, que demandaram em
suas tarefas atenção voluntária dos estudantes (vide planejamentos das IE nas PLANILHAS 1
12
Foram 3 pré-testes, realizados de novembro de 2015 a março de 2016 em salas de segundo ano da mesma
escola onde ocorreu a coleta de dados, distintas entre si, experimentalmente ingênuas e que não compuseram
as turmas de sujeitos de pesquisa. Consistiram em formatos preliminares de Cadernos de Aplicação e Folhas de
Registro, nos quais os instrumentos, critérios e protocolos de observação foram avaliados em situação real de
aplicação em campo. Em cada oportunidade, os resultados dos pré-testes colaboraram para o aprimoramento
dos procedimentos segundo diretrizes para o estudo da atenção voluntária em contexto escolar, que serão
expostas no próximo capítulo. Os modelos de Cadernos de Aplicação preliminares estão disponíveis nos
APÊNDICES 1.2.1, 1.2.2 e 1.2.3.
13
Houve, no cronograma de coleta, um salto de abril a junho de 2016, como se nada tivesse ocorrido no mês
de maio daquele ano. O motivo disso foram dificuldades no expediente de campo, que exigiram do
pesquisador algumas mudanças de planos e o manejo de parte dos sujeitos de pesquisa, que serão mais bem
explicadas no item sobre a turma de sujeitos selecionada para as Intervenções de Ensino Escolar (p. 118).
35
a 16, p. 102-117). Nas IE também se observou a atenção voluntária dos sujeitos na realização
das tarefas, para se acompanhar e entender como o processo de ensino agiria sobre esta
função naquele contexto.
Por fim, a 3ª etapa, chamada de Verificação Final do Desempenho Atencional na
Tarefa (VF), foi executada no fim do ano letivo, após o término da 2ª etapa, nos dias 23 e 24
de novembro de 2016. Apesar de diferentes em forma, a VF foi equivalente em conteúdos,
complexidade e extensão à VI (vide item do capítulo 2 sobre os Cadernos da Aplicação das
Verificações, p. 76, e seu modelo completo para a VF no APÊNDICE 1.3.4), verificando
possíveis ganhos atencionais dos sujeitos após o ano letivo, tendo como comparação a linha
de base traçada na 1ª etapa. Aqui, novamente as 4 turmas (Turma A, B, C e D) da 1ª etapa
participaram, incluindo aquela em que se realizaram as IE.
Antes de seguir com a descrição do expediente de campo, fazem-se necessárias duas
considerações adicionais sobre a forma como a realidade foi observada e codificada nestas
etapas. Primeiramente, não houve qualquer intenção de discutir o comportamento e o
desenvolvimento psíquico na atividade individual de um determinado sujeito em
comparação aos demais, muito menos observar este ou aquele sujeito que tivesse alguma
queixa e/ou diagnóstico de desatenção e hiperatividade/impulsividade. O estudo não versou
especificamente sobre indivíduos com diagnóstico de TDAH ou queixas constantes
associadas a isso, mas sim sobre o desenvolvimento da atenção de qualquer criança em
escolarização formal, mais especificamente no segundo ano do Ensino Fundamental, sem e
com estas queixas.
Já que este projeto se posiciona de forma crítica aos diagnósticos e à medicalização, e
enfoca o processo pedagógico como o melhor caminho para o desenvolvimento da atenção
voluntária e para o enfrentamento de queixas associadas, identificar determinantes
pedagógicos sobre esta função que tragam luz à ação de ensino docente pode colaborar
para o desenvolvimento de todos os educandos de uma determinada sala de aula, incluindo
os que por ventura sejam taxados e/ou diagnosticados como desatentos e
hiperativos/impulsivos.
O segundo ponto refere-se à atividade dos sujeitos, que foi inicialmente observada
individualmente para a maior parte dos indicadores associados ao desempenho escolar e
atenção nas tarefas de ensino. Entretanto o enfoque não foi em seus dados individuais, mas
sim buscar caracterizar os resultados médios das turmas, ou seja, um esforço de síntese dos
36
desempenhos escolares e atencionais destas como um todo, uma vez que professores que
lidam com dificuldades ligadas à atenção de seus alunos não o fazem com cada um deles
isoladamente, mas com turmas inteiras nas quais precisam cumprir seus objetivos de ensino.
Por isso a importância de imprimir nos dados empíricos os limites e possibilidades da ação
pedagógica em relação à questão da atenção voluntária com as turmas como elas realmente
são.
Isso porque a identificação de determinantes pedagógicos elaborada não visa o
ensino de uma ou duas crianças em uma sala separada, com um profissional à disposição e
um sem número de materiais pedagógicos ao redor; mas, sim, turmas inteiras, no dia-a-dia
do ensino dos conteúdos curriculares, nos quais o professor ou a professora está quase
sempre sozinha. Reside aí uma das grandes dificuldades da educação escolar que se quer
enfrentar: como ensinar a todos em uma sala de aula numerosa e heterogênea, na qual as
condições objetivas e subjetivas de ensino frequentemente não são as melhores. Interessa à
pesquisa aqueles princípios e ações pedagógicas que surtiram efeito para toda uma turma
de sujeitos, promovendo a atenção voluntária e o autocontrole da conduta de todos ao
mesmo tempo. Isso não quer dizer que não existam exceções e que casos difíceis não
demandem também análises e intervenções individuais. Porém esta preocupação está mais
próxima à subárea de orientação às queixas escolares, própria da Psicologia
Escolar/Educacional. Mesmo que esta questão seja pertinente e faça parte das fontes
teóricas utilizadas, não foi o objetivo deste estudo.
Voltando ao plano de coleta de campo, os dados brutos foram organizados em 19
indicadores quantitativos considerados pertinentes ao objetivo de pesquisa, a partir de
critérios e protocolos que serão apresentados e esclarecidos, como dito, no capítulo 2. Estes
foram anotados em Folhas de Registro próprias (vide modelos das Folhas de Registro nos
APÊNDICES 1.3.1 e 1.3.2) durante cada encontro com as crianças. Para o preenchimento
destes dados nas folhas, o pesquisador contou com a colaboração da psicóloga e
pesquisadora Marília Alves dos Santos na condição de auxiliar de pesquisa em sala de aula.
Esta fez as anotações enquanto aquele realizou os processos de ensino junto às turmas.
Além disso, todas as sessões de intervenção foram gravadas em vídeo, como uma forma de
registro objetivo que possibilitou posterior recuperação dos ocorridos durante as análises e
sínteses, quando necessário.
37
Desta maneira será possível realizar os seguintes processos analíticos: (1) a
comparação dos desempenhos atencionais e escolares médios das turmas entre si no início
(VI) e no final do ano letivo (VF); (2) a comparação dos desempenhos atencionais e escolares
médios de uma mesma turma no início (VI) e no fim do ano (VF); (3) a interpretação das
possíveis mudanças identificadas nas comparações anteriores com base na Turma D, por
meio dos dados processuais colhidos durante as IE; e (4) a identificação nas IE na Turma D
das formas pedagógicas que foram mais e menos fecundas para a promoção da atenção
voluntária dos sujeitos em sala.
Após o término da coleta, os dados brutos foram tratados estatisticamente14,
agrupados e cruzados segundo o objetivo da pesquisa, produzindo assim informações
quantitativas gerais na forma de gráficos, interpretadas através dos planejamentos e
relatórios das sessões de coleta.
Os resultados empíricos não serão agrupados em um único item ou capítulo do texto
para só depois serem analisados/sintetizados à luz da teoria. Diferente disso, no próprio
movimento de concreção do objeto, os resultados empíricos singulares serão mobilizados na
medida em que forem pertinentes às sínteses particulares da pesquisa, ou seja, serão
articulados ao movimento teórico de saturação de determinações concretas do objeto a
partir da universalidade de sua unidade mínima de análise em articulação com a literatura
sobre o tema, rumo a um entendimento superior da relação entre o processo de ensino
escolar e o desenvolvimento da atenção voluntária.
Posto isto, o texto está assim organizado. No primeiro capítulo se iniciará a discussão
do objeto a partir da unidade mínima de análise, a internalização de signos, articulada a
conhecimentos da Psicologia Histórico-Cultural sobre o desenvolvimento humano e seu
sistema interpsíquico, com ênfase na função atenção. Ao fim do capítulo, como
desdobramento da discussão teórica, buscar-se-á sintetizar diretrizes para o estudo do
desenvolvimento da atenção voluntária em contexto escolar.
No segundo capítulo, a partir destas diretrizes, apresentar-se-ão em detalhes os
instrumentos, critérios e protocolos da coleta de campo, permitindo ao leitor compreender
14
Para esta tarefa o pesquisador foi assessorado pelo Prof. Dr. Murilo Coelho Naldi, do Departamento de
Ciências da Computação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), pesquisador na área de
agrupamentos de dados e inteligência artificial, bastante familiarizado com os procedimentos estatísticos
utilizados na análise quantitativa dos dados.
38
como foram produzidos os dados empíricos singulares que sustentaram a identificação da
unidade de análise15.
No terceiro capítulo, buscar-se-á fazer avançar a síntese concreta sobre o fenômeno,
superando a apreensão ainda aparente dos dados empíricos. Neste momento do texto,
serão dinamizadas as dimensões universal, particular e singular da relação entre o processo
de ensino escolar e o desenvolvimento da atenção voluntária da seguinte forma:
inicialmente demonstrando os avanços ocorridos no desenvolvimento dos sujeitos com base
nas Verificações do Desempenho Atencional na Tarefa e, na sequência, identificando os
determinantes pedagógicos que melhor promoveram a atenção voluntária dos alunos a
partir das Intervenções de Ensino Escolar, com o propósito de se chegar à síntese teórica
sobre o objeto como concreto pensado, realizando assim o objetivo de pesquisa.
Por fim, nas considerações finais, buscar-se-á sistematizar algumas orientações
pedagógicas que se desdobraram da realização do objetivo de pesquisa, não de forma
exaustiva, mas sim com o propósito de trazer contribuições iniciais para a prática docente
solidamente alicerçadas nos resultados concretos desta investigação, que servirão de base a
futuras produções científicas focadas mais diretamente nestas orientações, como sinalizado
na apresentação do texto.
15
O pesquisador está ciente de que o capítulo destinado aos instrumentos, critérios e protocolos da coleta de
campo está minucioso e extenso. A escolha de manter estas explicações detalhadas no corpo do texto adveio
do reconhecimento da complexidade e originalidade de boa parte dos procedimentos e instrumentos de
coleta, sem precedentes na literatura, cujo desconhecimento inviabilizaria ao leitor apreender como aqueles
dados empíricos foram produzidos. Portanto, para que haja entendimento satisfatório dos resultados, foi
necessário antes apresentar as diretrizes teóricas para o estudo da atenção voluntária em contexto escolar e os
detalhes dos procedimentos de campo que delas se desdobraram. Somente assim, professores e pesquisadores
terão condições de compreender, replicar e avaliar criticamente os resultados empíricos e teóricos deste
estudo.
39
CAPÍTULO 1 – PROCESSO DE INTERNALIZAÇÃO DE SIGNOS E DESENVOLVIMENTO DA
ATENÇÃO VOLUNTÁRIA
A internalização de signos é unidade mínima de análise da relação entre o processo
de ensino escolar e o desenvolvimento da atenção voluntária porque a condição volitiva
desta só existe se, segundo Vygotski16 (1995), na ação psicofísica humana sobre objetos
houver a interposição de signos, o que caracteriza o próprio processo de ensino-
aprendizagem promotor de desenvolvimento, que lhe é absolutamente indispensável. A
internalização constitui-se, portanto, como a essência do processo de ensino, uma vez que
através deste se transmite socialmente signos que, ao serem aprendidos, passam a cumprir
função mediadora que instaura capacidades voluntárias ao sistema interpsíquico,
caracterizando-se como traço comum a todas as funções superiores, incluindo atenção,
como se explicará melhor adiante.
Este capítulo inaugura a movimento de concreção do objeto, caracterizando sua
unidade mínima de análise, demonstrando a centralidade desta e carregando-a de
determinações que gradativamente a desvelem de sua expressão aparente, oportunizando
que tal compreensão crie as bases nucleares das sínteses teórico-práticas que lhe seguirão.
No primeiro item se tratará da internalização de signos em relação ao psiquismo e ao
desenvolvimento humano em geral; e no segundo se fará o mesmo em relação ao processo
funcional da atenção em específico, procurando recuperar aspectos pertinentes a este
estudo encontrados na literatura. Ao final do capítulo serão expostos de forma condensada
os principais fundamentos que orientaram o planejamento e realização da coleta de campo
descrita no capítulo 2 e utilizada nas análises e sínteses do capítulo 3, na forma de diretrizes
teóricas para o estudo da atenção voluntária em contexto escolar.
16
Neste texto se encontrará o nome deste autor com a grafia “Vygotski”, “Vigotskii” e “Vigotski”, respeitando-
se as diferentes traduções das fontes originais, com preferência à última forma para referências indiretas.
40
1.1 - Internalização de signos, psiquismo e desenvolvimento humano
Para se entender as afirmações anteriores sobre o papel central da internalização de
signos neste estudo é preciso reconhecer, antes, que o caráter mais geral do conceito
vigotskiano de internalização veio no lastro da concepção filosófica marxiana de que as
características humanas próprias e tão identitárias de uma pessoa, “os órgãos da sua
individualidade”, foram antes apropriadas das/nas suas relações com o mundo.
[...] Cada uma das relações humanas com o mundo, ver, ouvir, cheirar,
degustar, sentir, pensar, intuir, perceber, querer, ser ativo, amar, enfim
todos os órgãos da sua individualidade, assim como os órgãos que são
imediatamente em sua forma como órgãos comunitários, [...] são no seu
comportamento objetivo ou no seu comportamento para com o objeto a
apropriação do mesmo, a apropriação da efetividade humana [...]. (MARX,
2006, p. 108, grifo do autor).
Cheirar, pensar ou outras possibilidades de relação com o mundo são humanamente
possíveis17 a alguém porque já existiam na “efetividade humana”, ou seja, nas relações
externas e coletivas que processualmente passam a compor quem é a pessoa; para todos os
efeitos se tornam “órgãos da sua individualidade”, no sentido metafórico de que um
organismo é a composição integralizada de seus órgãos.
O propósito da metáfora de Marx foi afirmar que, primeiro, tais capacidades
especificamente humanas não são inatas (tal qual apregoam juízos místicos ou
pseudocientíficos, como no caso de justificativas bioquímicas ensimesmadas), mas sim se
tratam de apropriações individuais de instrumentos, habilidades, conhecimentos que
existem socialmente independentemente do sujeito singular que delas se apropria, como
patrimônio humano; e, segundo, assim que a apropriação individual efetivamente ocorre,
tais capacidades adquiridas se tornam parte de quem ele é de maneira tão imbrincada que
não se lhe distinguem mais, inseparáveis de sua forma de ser. Este processo é tão profundo
e precoce na vida de alguém que pode parecer natural em sua expressão
17
Evidentemente que “cheirar”, na condição de função sensorial inata do olfato, ou mesmo “pensar”, como
função cognitiva prévia à mediação de signos, têm existências concretas nos momentos iniciais do
desenvolvimento ontogenético, anteriores às suas expressões conscientes/simbólicas que lhes transformarão
completamente, como se explicará adiante. Contudo Marx não está se referindo a estes estados primevos do
psiquismo nesta citação, mas sim à “efetividade humana” possível apenas ao ser social, desde que existam as
condições também sociais necessárias para que o desenvolvimento de um indivíduo galgue a esta esfera
ontológica.
41
fenomênica/singular, o que explicaria em parte porque esta concepção equivocada é tão
presente no senso-comum ou mesmo em teorias supostamente científicas.
Tal ideia filosófica está na base dos estudos de Vigotski acerca dos fundamentos
conceituais e metodológicos sobre o desenvolvimento psíquico. Este autor, ao criar uma
ciência psicológica com base nos pressupostos marxistas, estabeleceu como objeto de
estudo desta a consciência, entendendo-a como fenômeno complexo e concreto através do
qual a psicologia poderia contribuir ao estudo do ser social e sua efetiva emancipação.
Segundo Martins (2013, p. 29), opondo-se a concepções subjetivistas e dualistas em
psicologia, Vigotski defendeu que “[...] a consciência não pode ser identificada
exclusivamente com o mundo das vivências internas, mas apreendida como ato psíquico
experienciado pelo indivíduo e, ao mesmo tempo, expressão de suas relações com os outros
e com o mundo”. A partir deste entendimento, a condição consciente do psiquismo está
vinculada ao próprio processo de desenvolvimento, que opera uma transformação radical na
relação entre sujeito cognoscente e objeto cognoscível, permitindo o “[...] afastamento do
aspecto externo aparente da realidade dada imediatamente na percepção primária, a
possibilidade de processos cada vez mais complexos, com a ajuda dos quais a cognição da
realidade se complica e se enriquece” (VYGOTSKI, 2001, p. 438, tradução nossa).
Vygotski (1995) definiu que este processo ocorre segundo o que chamou de lei
genética18 geral do desenvolvimento, na qual toda capacidade humana intrapsíquica
(próprias de uma pessoa) existiu primeiro nas relações interpsíquicas (entre pessoas/sociais)
e que, portanto, os signos mediadores dos fenômenos e processos psíquicos, que estão na
base da atividade autocontrolada, eram inicialmente externos ao sujeito que se desenvolve,
como significados socialmente compartilhados. Quando internalizados, os signos permitem
uma gradativa superação de capacidades psicofísicas imediatas e involuntárias em direção
ao autocontrole consciente da conduta. Assim, o autor desvendou o cerne científico-
psicológico do princípio da “apropriação da efetividade humana” defendido por Marx,
esclarecendo que manifestações conscientes como cheirar, pensar, intuir, amar respeitam à
mencionada lei, tendo o signo como instrumento.
Os signos são, à vista disso, representações simbólicas de objetos cognoscíveis, que
por definição carregam consigo significados socialmente compartilhados e internalizados
18
Para evitar dúvidas, aqui a palavra “genética” se refere à gênese em sentido amplo (origem) e não no sentido
específico das ciências biológicas, como mais comumente é empregada.
42
pelo sujeito no bojo destas mesmas relações, compondo um sistema social de comunicação
que possibilita a orientação consciente do indivíduo no mundo. Vygotski (1995, p. 94,
tradução nossa) explicou que “[...] O signo não modifica nada no objeto da operação
psíquica: ele é meio de que se vale o homem para influir psicologicamente em sua própria
conduta, assim como na dos outros; é um meio para sua atividade interior, dirigida a
dominar o próprio ser humano: o signo está orientado para dentro”. A ideia de que o signo
está “orientado para dentro” não quer dizer que ele tenha do nada “surgido dentro” de
alguém, mas sim que se internalizou, uma vez que o objeto/significante conquistou para o
sujeito a condição de representação simbólica.
Com base em Vigotski, Martins utilizou o conceito de ato instrumental para
caracterizar a conduta mediada por signos:
[...] o ato instrumental introduz mudanças no comportamento humano,
posto que entre a resposta da pessoa e o estímulo do ambiente se interpõe
o novo elemento designado signo. O signo, então, opera como estímulo de
segunda ordem que, retroagindo sobre as funções psíquicas, transforma
suas expressões espontâneas em expressões volitivas. As operações que
atendem aos estímulos de segunda ordem conferem novos atributos às
funções psíquicas, e por meio deles o psiquismo humano adquire um
funcionamento qualitativamente superior e liberto tanto dos
determinismos biológicos quanto do contexto imediato de ação. (MARTINS,
2013, p. 44, grifos da autora).
A transformação de “expressões espontâneas em expressões volitivas” por meio da
internalização de estímulos de segunda ordem19 se caracteriza como momento fulcral da lei
genética geral do desenvolvimento, que se manifesta em aprendizagens na relação com
outros mais desenvolvidos, tornando-se agora parte inseparável de quem os internalizou.
Nas palavras do próprio autor, as características internas propriamente humanas “[...] foram
em tempos passados relações reais entre os humanos” (VYGOTSKI, 1995, p. 147, tradução
nossa).
Martins sintetiza bem a questão quando usa o conceito de transmutação para
explicar a essência do processo de internalização de signos. Referindo-se mais uma vez a
Vigotski, a autora esclarece:
19
Diferentemente dos signos, estímulos de primeira ordem são aqueles imediatos, eliciadores de atos reflexos
em relação aos quais (ainda) não há qualquer significado associado (MARTINS, 2013).
43
O autor evidenciou a indissolúvel unidade entre atividade individual,
externa e interna, e atividade social (ou coletiva), postulando a dinâmica de
internalização como processo de transmutação dos processos
interpsíquicos