tecnologia e gestão pública municipal ricardo césar gonçalves sant’ana mensuração da interação com a sociedade TECNOLOGIA E GESTÃO PÚBLICA MUNICIPAL RICARDO CÉSAR GONÇALVES SANT’ANA TECNOLOGIA E GESTÃO PÚBLICA MUNICIPAL MENSURAÇÃO DA INTERAÇÃO COM A SOCIEDADE Editora afi liada:Editora afi liada: CIP – Brasil. Catalogação na fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ S223t Sant’ana, Ricardo César Gonçalves Tecnologia e gestão pública municipal : mensuração da interação com a sociedade / Ricardo César Gonçalves Sant’ana. – São Paulo : Cultura Acadêmica, 2009. Inclui bibliografi a ISBN 978-85-7983-010-5 1. Administração pública – Brasil. 2. Administração municipal. 3. Serviço público. 4. Ciência da informação. I. Título. 09-6214. CDD: 354.81 CDU: 35(81) Este livro é publicado pelo Programa de Publicações Digitais da Pró-Reitoria de Pós-Graduação da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) © 2009 Editora UNESP Cultura Acadêmica Praça da Sé, 108 01001-900 – São Paulo – SP Tel.: (0xx11) 3242-7171 Fax: (0xx11) 3242-7172 www.editoraunesp.com.br feu@editora.unesp.br Para a minha família que soube compreender os meus momentos de ausências. Em especial para minha esposa Maria Teresa e meus fi lhos Ricardo e Carolina, que tanto se preocuparam comigo. Agradeço a duas professoras muito especiais que tive. Uma, ainda no primeiro ano do primário, mostrou-me que a docência é um ato de amor e foi exemplo de disciplina. A segunda, já na pós-graduação, acreditou no meu potencial e foi exemplo de profi ssionalismo e dedicação. Meu muito obrigado às professoras Shisuka e Plácida. Aos colegas de departamento, pelo companheirismo. Às professoras Mariângela Fujita e Silvana Vidotti pelas importantes contribuições no processo de desenvolvimento deste trabalho e especialmente pelo incentivo nos momentos difíceis. SUMÁRIO Introdução 11 1 Analisando o uso de TICs pelas administrações públicas municipais 35 2 Disponibilização de informações públicas 57 3 Solicitando e acompanhando serviços prestados ou sob responsabilidade das administrações municipais 93 4 Modelo de mensuração de uso das TICs na interação entre administrações municipais e a sociedade 103 Conclusões 123 Referências bibliográfi cas 129 Apêndices 135 INTRODUÇÃO Com efeito, um dia de manhã, estando a pas- sear na chácara, pendurou-se-me uma ideia no trapézio que eu tinha no cérebro. Uma vez pen- durada, entrou a bracejar, a pernear, a fazer as mais arrojadas cabriolas de volatim, que é possível crer. Eu deixei-me a contemplá-la. Súbito, deu um grande salto, estendeu os braços e as pernas, até tomar a forma de um X: decifra-me ou devoro-te. (Brás Cubas, Machado de Assis) O entendimento de que o uso dos recursos das Tecnologias da In- formação e Comunicação tem importância vital para a economia atual permeia todas as áreas do conhecimento e se tornou um dos focos de atenção de gestores públicos e privados (Foray & Lundvall, 1996; Abramowitz & David, 1996). Também importante tem sido o desta- que para a questão do valor do acesso à informação como diferencial competitivo e como variável fundamental para administração, não só na dimensão privada como também na pública (Sant’ana, 2002). Vivemos um momento em que a única constante é a certeza da mudança e as inovações advindas com a Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) têm papel preponderante neste cenário. Mas as principais mudanças não têm ocorrido em função de tecnologias 12 RICARDO CÉSAR GONÇALVES SANT’ANA específi cas, mas antes, da forma como estamos nos relacionando com elas, tanto como indivíduos, como grupos ou organizações (Evans & Wurster, 1999). O incremento constante da capacidade de comunicação, armaze- namento e de processamento das TICs propiciou um aumento nas possibilidades de uso e o volume de usuários atingiu massa crítica tal que os custos destas tecnologias puderam ser reduzidos retroalimen- tando o processo em um ciclo virtuoso que permite o surgimento de novos elementos como: redes sociais mediadas; incremento e viabi- lização da interoperabilidade a níveis crescentes; novos patamares de funcionalidades como a Web 2.0; a ubiquidade da computação e; alta conectividade. Organização 5 8 6 7 1 3 4 Grupo Indivíduo 2 Figura 1. Interações incrementadas pelas TICs. O incremento constante dos recursos de conectividade cria uma série de novas possibilidades, conforme apresentado na Figura 1, quebrando barreiras de espaço e de tempo, propiciando novas for- mas de interação entre indivíduos (seta 1), entre grupos (seta 2), entre os grupos e os indivíduos (seta 3) e até mesmo no fomento da interação dentro dos grupos (seta 4). Já com relação às organizações a interação mediada por recursos oferecidos pelas TICs permite a ampliação entre os seus usuários internos (seta 5), entre os indivíduos e as organizações (seta 6), entre os grupos e as organizações (seta 7) e entre organizações (seta 8). Enquanto nas organizações privadas este processo de interação é permeado por interesses diretos (retorno sobre investimentos, legalidade de operações, transparência interna de processos e etc.) TECNOLOGIA E GESTÃO PÚBLICA MUNICIPAL 13 e por elementos envolvidos claramente defi nidos (gestores, inves- tidores, controle fi scalizador do governo e etc.), na área pública o acompanhamento de como está ocorrendo a utilização das TICs no que diz respeito ao seu uso externo é diluído pelo grande volume de envolvidos e de interesses distintos. Este estudo teve como foco as interações representadas pelas setas 6,7 e 8, mais especifi camente tendo como ponto de concentração a interação entre a Administração Pública Municipal e os indivíduos, os grupos e até mesmo outras organizações. Na seta seis, estão representa- dos os relacionamentos e trocas de informações entre as organizações e os cidadãos, que de forma individual buscam por informações e ou por interação com a administração pública municipal em busca de solicita- ção e acompanhamento de serviços públicos. Na seta sete, este mesmo relacionamento se estende a grupos da sociedade civil e portanto apre- sentam características diferenciadas, já que os interesses e objetivos são, por defi nição, de caráter coletivo. Já na seta oito, temos a possibili- dade de acompanhamento horizontal por outras instituições ou esferas da administração pública que recebem como resultado do esforço gerado para fortalecer as setas 6 e 7 resultados também para seu traba- lho de controle e acompanhamento da administração da coisa pública. No contexto deste estudo, considerou-se informação como um conjunto fi nito de dados dotado de semântica e que tem sua signifi - cação ligada ao contexto do agente que a interpreta ou recolhe e de fatores como tempo, contexto, forma de transmissão e suporte utili- zado, e o valor deste conjunto poderá diferir da soma dos valores dos dados que o compõem, dependendo do processo de contextualização no agente que o recebe (Sant’ana, 2002). O termo sociedade1 foi adotado neste estudo, em seu conceito mais amplo, do ponto de vista sociológico, representando o conjunto de organismos sociais compostos por relações voluntárias entre os 1 Sociedade. 1. Agrupamento de seres que vivem em estado gregário [...] 2. Conjunto de pessoas que vivem em certa faixa de tempo e de espaço, seguindo normas comuns, e que são unidas pelo sentimento de consciência do grupo; corpo social [...] 4. Meio humano em que o individuo se encontra integrado [...] (Ferreira, 1986, p.1602) 14 RICARDO CÉSAR GONÇALVES SANT’ANA homens, em especial os grupos sociais de um município2,3,4, que engloba, assim, o âmbito urbano e rural sob responsabilidade da administração municipal. Já com relação ao conceito de Estado5, considerou-se que para o Estado confi gurar-se e existir, precisa de ele- mentos integrativos que possuem os aspectos materiais: população6 e território; e o aspecto formal: governo7. Com relação ao fi m estatal: 2 Utilizou-se, neste estudo, o termo município em detrimento ao termo cidade em função da necessidade de se relacionar este estudo diretamente com elementos e fatores da administração municipal e também pela necessidade de se consi- derar o território e seus elementos sob responsabilidade de sua administração, englobando área urbana e rural como um todo. 3 Município. 1. Circunscrição administrativa autônoma do estado, governada por um prefeito e uma câmara de vereadores; municipalidade; conselho. 2. O conjunto dos habitantes do município. (Ferreira, 1986,p.1171). Cidade. 1. complexo demográfi co formado, social e economicamente, por uma importante concentração populacional não agrícola, i. e., dedicada a atividades de caráter mercantil, industrial, fi nanceiro e cultural; urbe. 2. Os habitantes da cidade em conjunto. (Ferreira, 1986,p.403) 4 Etimologicamente, a palavra vem do latim municipium, formado pelos termos munus e capere, sendo o primeiro expressando tomar e o segundo exprimindo o tríplice aspecto: dádiv, cargo e ofício, sob o qual pode-se ligar ao signifi cado de função. (Menezes, 2005) 5 A palavra Estado, no sentido hodierno, começou a ter curso na Itália, onde, ante o caráter especial dos Estados existente, império ou regno era demais e citta ou terra era muito pouco, usando-se, pois, aquele termo, que se unia ao nome de uma cidade, por exemplo:statu de Firenze. É provável que, ainda aí, esse vocábulo corresponde ao antigo signifi cado de status, isto é, situação, ordem, condição, havendo algum informe, no entanto, de que no século XIV, já se encontra na Inglaterra a palavra status como equivalente de Estado. [...] do século XVI em diante, o termo italiano stato se incorpora à linguagem correta, adquire toros de universalidade e se generaliza, para designar a todo Estado, na tradução correspondente às demais línguas. (Menezes, 2005) 6 Utilizamos, neste trabalho, o vocábulo população para indicar o número de habitantes do Estado, indicando por isso mesmo um conjunto de homens em sentido quantitativo. É portanto, um conceito aritmético, de caráter demo- gráfi co, de alcance estatístico, de expressão censitária. Quer dizer: massa de indivíduos que, em dado momento vivem dentro da jurisdição de certo Estado. (Menezes, 2005, p.136) 7 Cabe neste ponto destacar a distinção entre governo e administração, sendo que neste trabalho adotou-se, com base nos órgãos que desempenham as funções pú- blicas, sistema formal, governo é toda a atividade exercida pelos representantes, TECNOLOGIA E GESTÃO PÚBLICA MUNICIPAL 15 [...] traduzido pelo bem público, não há como inovar, pois essa fi - nalidade coexiste no Estado, ao qual é coessencial, identifi cando-se, inteira e justamente com os três elementos constitutivos: população, território e governo, que são indispensáveis em conjunto, em virtude de a falta de um, qualquer que seja, acarretar a desfi guração e conse- quente inexistência da sociedade política8. (Menezes, 2005, p.132) No âmbito das empresas privadas percebeu-se que gerir e utilizar- se da melhor maneira possível as TICs como agente de mediação de comunicação e interação é um dos fatores chave de sucesso e tem-se buscado investir neste sentido, sob o olhar atento de gestores e in- vestidores interessados em obter sucesso em seus empreendimentos (Evans & Wurster, 1999). Na esfera pública9, no entanto, a motivação nem sempre é tão clara já que depende do envolvimento dos principais benefi ciários do uso destas tecnologias, o conjunto da sociedade, sendo que ainda existem agentes públicos que utilizam a Internet como quadro de aviso eletrônico, relegando a um segundo plano a busca por uma interação mais efi ciente (Castells, 2003). enquanto que administração é toda a atividade exercida pelos agentes. Com base nas funções que são desempenhadas pelos órgãos públicos, sistema material, governo é toda a ação ligada ao estabelecimento e conservação da ordem pública, como quando se cria a norma, se assegura uma situação de direito e se decide confl ito de interesses, enquanto que administração é tudo que se relaciona com a prestação de serviços públicos. Menezes (2005) destaque em seu texto que “Quando afi rma e garante as normas de direito, quando estabelece e assegura as situações de direito e quando decide os confl itos de direitos e interesses, o Estado exerce a sua função de GOVERNO. O Estado, quando se aplica à prestação de serviços públicos, exerce sua função de ADMINISTRADOR.” 8 Sociedade política é uma unidade de pessoas, em que entram fatores étnicos e psíquicos e uma unidade de ação, conformada entre outros por contingente históricos e econômicos. (Menezes, 2005, p.52) 9 “[…] esfera das pessoas privadas reunidas em um público; elas reivindicam esta esfera pública regulamentada pela autoridade, mas diretamente contra a própria autoridade, afi m de discutir com elas as leis gerais de troca na esfera fundamentalmente privada, mas publicamente relevante, as leis do intercâmbio de mercadorias e do trabalho social.” (Habermas, 1984, apud Minghelli, 2005) 16 RICARDO CÉSAR GONÇALVES SANT’ANA Também interfere neste cenário, conforme destaca Alves (2002), a ordem jurídica que herdamos em que o Estado e o Governo estão no centro e a autoridade se exerce frequentemente em segredo, quase tudo nos governos é secreto, com o maior volume possível de barreiras para o acesso à “informação pública”10. Com relação ao uso das Tecnologias da Informação e Comuni- cação, destacamos, para efeito deste estudo, dois focos de utilização: uso interno e uso externo. • Como uso interno, estamos nos referindo à utilização dos recur- sos da Tecnologia da Informação e Comunicação nos processos internos de administração e gestão da coisa pública11, ou seja, na busca por efi ciência e efi cácia nos processos internos de gestão e controle bem como no contexto da comunicação interna entre os elementos envolvidos nestes processos. Ganha destaque nesta área adoção de sistemas integrados de gestão, desenvolvidos especifi camente ou baseados em processos de verticalização de soluções mais genéricas, geralmente oriundas de soluções inicialmente desenvolvidas para organizações privadas e com fi ns comerciais. Os recursos desta área visam necessariamente a um público interno12; • Já como uso externo, estamos destacando a aplicação de TICs na relação das organizações públicas com entidades externas a elas, sejam elas empresas, o próprio cidadão comum ou grupo destes, ou mesmo outras organizações públicas com a qual interagem. 10 Informação Pública geralmente se refere a toda a documentação em poder de funcionários públicos relativa a atividades ofi ciais: relatórios, regulamentos, gastos, processos decisórios e tudo mais que não esteja nas exceções legais. (Alves, 2002) 11 Coisa pública. Os negócios ou os interesses do Estado; o Estado. (Ferreira,1986, p.427) 12 “[…] os públicos são classifi cados em: interno, misto e externo, que se originam, respectivamente, dos funcionários e seus familiares, da clientela e espectadores, após o estabelecimento de um “diálogo planifi cado e permanente”, entre a insti- tuição e os grupos que estejam ligados a ela, direta ou indiretamente. (Andrade, 1989, p.78) TECNOLOGIA E GESTÃO PÚBLICA MUNICIPAL 17 A distinção dos dois focos, de forma mais específi ca no setor público, se faz mais relevante em função do alto grau de importância que a utilização das TICs podem apresentar na relação entre o poder público e a sociedade como elemento chave na aproximação destes dois contextos, como veremos mais detalhadamente no capítulo 1, no tópico “A relação da sociedade com as administrações municipais”. As vantagens trazidas pelo uso interno das TICs são claros, bastante estudados e discutidos por diversas áreas como a da ad- ministração e mesmo da ciência da computação e fi caram fora do escopo deste estudo. No entanto, o uso externo das TICs, representam um novo de- safi o e podem apresentar um conjunto de características vantajosas no que diz respeito a interação entre a gestão pública e a sociedade, tornando esta relação mais direta e efi ciente, permitindo um com- prometimento de todas as partes envolvidas neste processo, com aumento de transparência e responsabilidade ressonante em cada ação e cada decisão tomada na gestão pública. Neste contexto, este estudo tratou da questão da disponibiliza- ção de informações sobre a Administração Pública municipal e a necessidade de maior interatividade com a sociedade em geral nos processos de solicitação, obtenção e acompanhamento de serviços públicos municipais, levando em conta a utilização de recursos da Tecnologia da Informação e Comunicação e com foco na questão da necessidade de avaliação e acompanhamento do grau de utilização destes recursos. Cabe à Ciência da Informação contribuir nesta área uma vez que, conforme afi rma Hawkins (2001) trata-se de um campo interdiscipli- nar baseado em conceitos teóricos e práticos, bem como aspectos tec- nológicos, legais e sobre as trocas e fontes de conhecimento, geração, organização, representação, processamento, distribuição, comunica- ção e uso de informações, bem como o processo de busca de informa- ções pelos usuários para satisfazer suas necessidades informacionais. Vale destacar também a questão da responsabilidade social ligada ao acompanhamento da forma com que se disponibiliza recursos informacionais, sendo que “o problema da transmissão do conheci- 18 RICARDO CÉSAR GONÇALVES SANT’ANA mento para aqueles que dele precisam é uma responsabilidade social, e esta responsabilidade social parece ser o real fundamento da ‘ciência da informação’” (Wersig & Neveling, 1975 apud Freire, 2004) Assim, ao profi ssional da informação cabe grande responsabilida- de com relação a esta questão de avaliação e acompanhamento destas questões ligadas a disseminação de informação, inclusive no que diz respeito a identifi cação do nível que este processo vem ocorrendo. [...] os cientistas da informação devem acrescentar à reconhecida função de ‘mediadores’ a de ‘facilitadores’ da comunicação do conhe- cimento. Pois embora a informação sempre tenha sido uma poderosa força de transformação, o capital, a tecnologia, a multiplicação dos meios de comunicação de massa e sua infl uência na socialização dos indivíduos deram uma nova dimensão a esse potencial. (Freire, 2004) Espera-se da esfera pública um compromisso urgente na defi - nição de políticas que possibilitem a adequação e modernização do aparelho do Estado inclusive na adequação do uso das mediações de comunicações ao avanço das novas tecnologias. Compromisso este que ganhou particular importância no caso dos municípios, que a partir da Constituição de 1988 receberam maior grau de autonomia e emancipação, passando a desempenhar o papel de mais um ente da Federação, conforme destaca em seu artigo 18 “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil com- preende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” (Brasil, 1988). Ao mesmo tempo em que estabelece este processo de descen- tralização, a Constituição de 88 fortalece a criação de ambientes participativos com destaque especial à participação do usuário na Administração Pública principalmente no que tange ao controle da qualidade dos serviços públicos13 prestados bem como à garantia de acesso dos usuários aos registros administrativos e a informações sobre atos de governo (Brasil, 1988, Art. 37., § 3º). 13 “Os serviços públicos são o conjunto de atividades e obras pelas quais o Estado atende aos interesses gerais, satisfazendo às necessidades coletivas.” (Menezes, 2005) TECNOLOGIA E GESTÃO PÚBLICA MUNICIPAL 19 A adoção de TICs torna viável o processo de criação destes am- bientes participativos, colocando frente a frente a administração municipal e os usuários intensifi cando a demanda por informações e criando uma motivação extra por transparência no fazer dos agentes14 públicos e ainda uma busca por mecanismos de interação e de relação com os serviços públicos mais efi ciente e também transparente, já que a prestação de serviços públicos demanda forte interação nas questões de acesso ao serviço, recepção e respostas a estas demandas. Se quisermos entender a envergadura do tema do acesso à in- formação para a transparência administrativa e governamental e, consequentemente, para uma prática político-administrativa menos suscetível à corrupção, não é sufi ciente termos em vista apenas o processo político-administrativo como tal e as condicionantes de seu controle. É preciso levar em consideração a crescente importância da questão informacional na sociedade contemporânea, o papel do Estado como gestor das informações públicas, as exigências de transparência, assim como a fundamental importância do acesso à informação para o processo de participação democrática. (Frey et al., 2002) Espera-se que o incremento de recursos que propiciem a interação entre os usuários e a Administração Pública amplie as possibili- dades de participação para que se estabeleça um novo patamar de envolvimento dos indivíduos e ou organizações com o poder público fortalecendo um processo recursivo auto-organizador e produtor (Morin, 1990). 14 Os agentes são colocados sob a autoridade e o controle dos órgãos de represen- tação, não têm nenhum caráter de representação, isto é não exprimem a vontade popular, mas só podem atuar nos limites fi xados pela vontade popular expressa pelos órgãos de representação. Já os representantes ou órgãos de representação, por via do fenômeno de representação, atuam como se emanassem diretamen- te da vontade popular, podendo ainda a representação ser de caráter legal e convencional como órgãos estatais não escolhidos pela vontade popular, em eleição aberta, como se verifi ca em governos republicanos com a autoridade de magistrados nomeados. (Menezes, 2005) 20 RICARDO CÉSAR GONÇALVES SANT’ANA Vale destacar ainda que a consolidação do processo democrático15 e a descentralização política tem consolidado uma maior participação dos cidadãos nos poderes estatais, principalmente no que diz respeito às funções políticas, principalmente nas modalidades legislativa e execu- tiva, mas ainda há muito que fazer para que esta participação se efetive nas funções administrativas, sendo que funções políticas são as funções capitais do Estado na linha vertical do governo, ao passo que as funções administrativas expressam as funções acessórias do Estado na linha ho- rizontal, por meio de prestação de serviços públicos (Menezes, 2005). Neste contexto buscou-se identifi car aspectos funcionais desta interação, focando em dois grandes grupos: disponibilização de infor- mações públicas e interação com os serviços públicos. Sendo que estes grupos norteiam iniciativas nesta nova interface da Administração Pública e seus usuários16. O acesso às informações diz respeito à possibilidade de utilização da informação pública para acompanhar e até mesmo controlar as ações do poder público, sendo que, vale destacar o aspecto da dis- ponibilidade voluntária da informação (aquela que está disponível a todos, antecipando-se ou tornada disponível independentemente de solicitações), que é diferente da simples possibilidade de acesso à infor- mação em resposta a eventuais solicitações (que necessitam, portanto, de demanda específi ca) e acesso fácil às informações governamentais é pré-condição para criar confi ança no governo, assim como no processo político (Ecclestone, 1999). O fato de se necessitar de solicitações para acesso à informações sobre a administração pública pode gerar constrangimento nos cidadãos que passariam a estar expondo-se e ainda aumentando o custo (mesmo que só de tempo) para obtenção de tais informações. 15 A palavra democracia, procedente da língua grega, origina-se dos termos demos e kratos, sendo o primeiro ligado a povo e o segundo a autoridade, signifi cando etimo- logicamente governo do povo. Sendo assim defi ne-se democracia como o ambiente em que um governo constitucional garante, com base na liberdade e na igualdade, o funcionamento ativo da vontade popular, através do domínio da maioria em favor do bem público, sob fi scalização e crítica da minoria atuante. (Menezes, 2005) 16 Eleitores, contribuintes, fornecedores, comunidades, políticos e lideranças empresariais. TECNOLOGIA E GESTÃO PÚBLICA MUNICIPAL 21 Por outro lado, o próprio poder público passaria a ter conheci- mento de que estaria sob análise e em que ponto específi co, propician- do então ações que poderiam difi cultar tal análise (quando houvesse realmente um problema) ou mesmo obstruir acesso à informações específi cas, podendo chegar até mesmo a destruir elementos que poderiam ser utilizados na análise. Pelo lado da interação do usuário com o poder público na solici- tação ou acompanhamento de serviços que são de responsabilidade da esfera pública o uso de TICs pode aproximar e tornar transpa- rente a relação usuário e poder público. O entendimento destas duas variáveis funcionais permite estabelecer uma visão do espaço de comunicação, possibilitando analisar e acompanhar o uso e a evolução das TICs nas relações nos ambientes participativos. Vale realçar ainda o crescente interesse das administrações pú- blicas municipais em viabilizar a implantação de seus portais na Internet, seja por força da obrigatoriedade legal seja por força da necessidade de se utilizar desta poderosa ferramenta de divulgação com fi ns políticos. Também corroboraram neste interesse iniciativas em outras esferas como, por exemplo, no âmbito federal o Decreto n. 4.923 de 18 de dezembro de 2003 que criou e dispôs sobre a composição e funcionamento do Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção (Brasil,2003) ou ainda o Decreto n. 5.482 de 30 de junho de 2005 que dispôs sobre a divulgação de dados e informações pelos órgãos e entidades da Administração Pública Federal, por meio da Internet e que criou o Portal da Transparência do Poder Executivo Federal, sítio eletrônico (site) na Internet, administrado pela Contro- ladoria Geral da União (CGU), com a fi nalidade de veicular dados e informações detalhados sobre a execução orçamentária e fi nanceira da União com destaque aos repasses de recursos federais aos Estados, Distrito Federal e Municípios (Brasil, 2005). No entanto, surgem algumas questões neste processo de intera- ção entre usuários e administração municipal mediada pelas TICs, principalmente no que diz respeito ao controle e acompanhamento do nível de efi ciência e efi cácia com que esta interação tem sido pro- piciada pelos agentes públicos: 22 RICARDO CÉSAR GONÇALVES SANT’ANA – Qual o nível de uso das TICs na disponibilização de informa- ções públicas de uma determinada administração municipal? – Como tem sido a evolução do uso das TICs no oferecimento de serviços sob responsabilidade ou controle da administração municipal? – As metas propostas pelos agentes públicos para o uso das TICs estão sendo atingidas? – Qual tem sido o nível de resultados obtidos pela administração municipal neste uso específi co das TICs em comparação com outros municípios? – Qual tem sido o nível de resultados obtidos por projetos de implementação e melhoria do uso de TICs com este fi m espe- cífi co em comparação a projetos do mesmo porte (fi nanceiro) implementados por outras administrações municipais? Responder a estas questões com base em análises feitas pelas pró- prias administrações públicas municipais incorpora o risco da par- cialidade da necessidade política de apresentação de bons resultados. Empresas contratadas especifi camente para tal fi m também cor- reriam o risco de tendenciar resultados em função do vínculo comer- cial. Análises feitas, independentemente, por organizações, mesmo que isentas, trariam a difi culdade de traçar paralelos com outros contextos, outros municípios, excluindo, assim, um dos fatores da análise que é a possibilidade de comparação entre municípios e principalmente entre resultados obtidos em função de investimentos realizados com o mesmo fi m. Este estudo, contextualizado na Ciência da Informação, se dife- rencia de outras17 iniciativas em função de fatores como: 17 Podemos citar como exemplo de iniciativa neste contexto a pesquisa de campo sobre o estágio atual do uso de “websites” pelos Governos municipais do Estado de São Paulo que classifi ca os municípios pelo nível de maturidade de seus sites na Internet, com patrocínio da Software AG, empresa de TI que visa desenvolver o estudo de e-government e realizada por uma parceria entre a TecGov (Eaesp- FGV) e Fundap, com a colaboração da Fundação Seade. (São Paulo, 2008). TECNOLOGIA E GESTÃO PÚBLICA MUNICIPAL 23 • sua característica aberta, ou seja, não visa o desenvolvimento de um produto comercial ou o estabelecimento de modelo proprietário e fechado, que vise retorno comercial aos seus detentores, mas ao contrário, busca uma visão compartilhada do modelo proposto, que possa ser analisado e gerido de forma democrática, incentivando, assim, a ação cidadã; • apesar de ter como proposta a mensuração do uso de recursos de Tecnologias da Informação e Comunicação, tem seu foco nos resultados obtidos, ou seja, não considera a avaliação da tecno- logia e sua peculiaridades, mas sim, as resultantes do processo de disseminação da informação, ganhando independência em relação à característica volátil do modelo tecnológico adotado; • a inserção do profi ssional da informação neste contexto viabi- liza valiosas contribuições daquele que tem como reconhecida função a mediação da informação, e que por seu conjunto de conhecimentos e competências pode, e deve, contribuir para o incremento da disseminação e acesso às informações públicas; • a mensuração, aqui proposta, mantém como foco a avaliação dos indicadores, a autonomia do usuário no processo de in- teração com o recurso disponibilizado, mantendo, assim, a busca pela redução de possibilidades de ingerências por parte dos agentes públicos no acesso às informações, seja por meio de subterfúgios baseados em difi culdades técnicas, seja por meio de pressão política ou social sobre os que buscam as informações; • neste estudo, propõe-se que a aplicação do modelo apresentado seja realizado por instância independente, preferencialmente formada por organizações não governamentais compondo um grupo gestor que, trabalhando em conjunto, possibilitem a obtenção de resultados imparciais; • a atualização, ou seja, a identifi cação de novos possíveis in- dicadores a serem incluídos ao modelo também deve fi car a cargo do grupo gestor mantendo, assim, a dinâmica do modelo de tal forma que este atenda as novas demandas e até mesmo excluindo indicadores tornados obsoletos; 24 RICARDO CÉSAR GONÇALVES SANT’ANA • as próprias administrações municipais também devem ser capazes de se autoavaliar para fi ns, por exemplo, de acompa- nhamento de execução de projetos de melhoria de seus sítios, e para tanto, junto a apresentação deste estudo, já está sendo lançado na Internet um endereço18 contendo informações so- bre o modelo e o próprio arquivo da planilha que contém os indicadores identifi cados, seus respectivos critérios e gráfi cos resultantes de análises a serem digitadas. Uma resposta confi ável à questões apresentadas pode também ser utilizada pelos próprios agentes públicos como recurso de controle e acompanhamento de sua gestão, servindo como referência e feedback sobre o desenvolvimento e execução de projetos na área. Pode ainda ser utilizada como resposta à sociedade sobre a execução e resultados das decisões e ações da administração municipal. Em função da importância e autonomia dada à administração municipal pela Carta de 88 no que tange à transparência da gestão e ainda levando em consideração a crescente viabilidade de acesso e uso de recursos de informática e a necessidade de se obter parâmetros sobre o nível de uso das TICs na transparência das administrações municipais, a partir dos fundamentos de Tecnologias em Informação no âmbito da Ciência da Informação, considerou-se como primeira premissa a possibilidade de se medir o grau de utilização das Novas Tecnologias da Informação e Comunicação no processo de disponi- bilização da informação pública pelas administrações municipais. Da mesma forma, e levando-se em conta a importância dos am- bientes participativos e da viabilidade de implementação de recursos tecnológicos que facilitam a interação dos usuários de serviços públi- cos com as administrações municipais considerou-se como segunda premissa a viabilidade de se medir o grau de utilização das Novas Tecnologias da Informação e Comunicação no processo de solicitação e acompanhamento de serviços oferecidos e ou de responsabilidade das administrações municipais. 18 Endereço para divulgação do projeto: TECNOLOGIA E GESTÃO PÚBLICA MUNICIPAL 25 Considerando-se ainda, a importância do acompanhamento e controle19 pela sociedade bem como por órgãos públicos como, por exemplo, os Tribunais de Contas com relação à contextualização do nível em que se encontra o uso estratégico das TICs pelas adminis- trações municipais em relação aos demais municípios, mantendo-se, assim, o princípio da generalidade, considerou-se como terceira premissa a necessidade de um modelo20 a ser utilizado para se men- surar o uso das TICs, conforme previsto nas premissas anteriores, que seja unifi cado e elaborado de tal forma que possa ser aplicado a qualquer município. Para que seja possível acompanhar a evolução do nível de utili- zação das TICs, com este fi m específi co, pelas administrações mu- nicipais ao longo do tempo, estabelecendo, assim, séries estatísticas, mantendo-se ainda, o princípio da temporalidade, considerou-se a premissa de que é necessário que o conjunto de indicadores que compõem o modelo de análise tenha alto nível de generalização e de independência da plataforma tecnológica adotada, de tal forma que permita relativa estabilidade em função de inovações e surgimento de novos recursos tecnológicos. O que não implica em congelamento de tais indicadores, mas antes, uma preocupação constante por parte dos responsáveis por sua elabo- ração com a compatibilidade de resultados obtidos ao longo do tempo. Para que seja imparcial e agregue confi abilidade aos resultados obtidos, considerou-se a premissa de que é necessário que o modelo de mensuração seja aplicado por instância independente e sem a ne- 19 O controle da ação administrativa, na esfera pública, quanto a legalidade e juridicidade, pode ocorrer internamente (autocontrole) ou externamente (heterocontrole) pelo Poder Legislativo (controle parlamentar direto ou via Tribunal de Contas) ou pelo Poder Judiciário. Neste estudo o termo controle quando aplicado como realizado pela sociedade em complemento a ação de acompanhamento representa a possibilidade de utilização de meios de interação da sociedade junto ao legislativo ou judiciário. 20 “Na busca de novos esclarecimentos e conhecimentos, de novos fenômenos e eventos, o ser humano não os identifi ca somente pelas sensações ou pelas manifestações imediatas, mas recorre à refl exão e ao conhecimento acumulado, através da formulação de hipóteses e da estruturação de modelos” (Sayão, 2001) 26 RICARDO CÉSAR GONÇALVES SANT’ANA cessidade de respostas ou interação direta da própria administração que está sendo analisada, para que seja mantida isenção com relação às partes interessadas bem como de interpretações distintas de con- ceitos utilizados na mensuração. Preferencialmente, a administração municipal que estiver sendo analisada só deve tomar conhecimento que está sob análise após a conclusão do processo. E fi nalmente, considera-se que todas as informações sobre este modelo de mensuração deve ser tratado de forma aberta e transpa- rente, não devendo portanto, ser alvo de controle de propriedade ou registro. Esta premissa baseia-se no fato de que o objeto alvo da aplicação do modelo é de caráter público e os resultados dele obtidos também devem ser tratados de forma pública e transparente. Este caráter aberto e transparente pode agregar maior valor aos re- sultados obtidos e ainda abre a possibilidade para que as administra- ções municipais o apliquem, internamente, e sempre que necessário, utilizando-o como um roteiro e como ferramenta de levantamento de dados para pontos de checagem em processos de melhoria no uso de TICs para interação com a sociedade. Assim, este estudo que se insere na linha de Informação e Tec- nologia do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação propõe a possibilidade, e premente necessidade, de mensurar o uso das Tecnologias da Informação e Comunicação, pelo setor público, e mais especifi camente pelas prefeituras municipais na interação com a sociedade em geral, seja na disponibilização de informações sobre a administração pública, seja na facilitação do processo de solicitação e acompanhamento de serviços públicos que estão sob a responsabilidade desta esfera da administração pública. Lança-se, assim, um olhar da Ciência da Informação sobre a questão da transparência da administração pública municipal, em função da aplicação das TICs no processo de interação entre o poder público municipal e a sociedade pela visibilidade do nível de uso destas tecnologias para este fi m, permitindo que a sociedade acom- panhe, cobre, compare e colabore com este importante aspecto do uso e acesso à informação. TECNOLOGIA E GESTÃO PÚBLICA MUNICIPAL 27 Para tanto, este estudo teve como proposta a elaboração de um modelo de mensuração do nível de utilização de recursos das Novas Tecnologias da Informação e Comunicação para interação com usuá- rios para solicitação e acompanhamento de serviços oferecidos e ou de responsabilidade das administrações municipais e na disponibilização de informação pública das administrações municipais, que permita o acompanhamento e controle desta dimensão do serviço público em função do tempo, bem como em comparação com outras prefeituras. Em resposta à proposta apresentada, formulou-se a hipótese de que é possível identifi car um conjunto de indicadores que permitam mensurar o uso dos recursos oferecidos pelas Tecnologias da Infor- mação e Comunicação para disponibilização de informações públicas e para o incremento da interação entre os cidadãos e a administração municipal na solicitação, obtenção e acompanhamento dos serviços públicos e que a identifi cação destes indicadores pode ser baseada em uma análise de funcionalidades já oferecidas por um conjunto de sítios de administrações públicas municipais. Para a viabilização do modelo aqui proposto, buscou-se identi- fi car indicadores concretos e empíricos, que possam ser utilizados pelo cientista da informação para mensurar e entender na prática os conceitos teóricos e as variáveis envolvidas na temática em questão e espera-se que estes elementos possam ser utilizados como apoio na formulação de políticas públicas para o aumento e melhoria do uso de TICs na interação entre a administração municipal e a sociedade. Para identifi car estes indicadores, realizou-se uma análise de sítios de prefeituras encontrados na Internet, conforme lista apresentada no Apêndice B. Estes sítios foram visitados pelo autor e buscou-se identifi car práticas que pudessem agregar valor às duas dimensões de análise propostas neste estudo e incorporadas ao conjunto de indicadores que compõem o modelo. Não foram consideradas, neste estudo, prefeituras de outros países em função da alta especifi cidade relacionada, principalmen- te, à questão da legislação pertinente ao acesso às informações bem como ao conjunto de documentos que permeiam as administrações municipais e os serviços que prestam. 28 RICARDO CÉSAR GONÇALVES SANT’ANA Intencionalmente, não houve uma identifi cação direta entre os indicadores e o(s) sítio(s) em que foram identifi cados para que não fosse gerada parcialidade em futuros processos de análise ou mesmo uso político de tais contribuições. Contribuiu, ainda, para a não re- lação explícita entre os indicadores identifi cados e os sítios, o fato de não ser possível, no âmbito deste estudo, determinar se a iniciativa original dos referidos aspectos terem sido realmente oriundos deste ou daquele sítio. Portanto, a questão do ineditismo de funcionalidades específi cas, disponibilizadas por parte das administrações municipais, não foi considerada como diferencial para efeito de elaboração modelo de mensuração proposto neste estudo. A escolha dos sítios analisados nesta fase de identifi cação dos indicadores se deu por sorteio entre municípios de diversos tama- nhos (em função do número de habitantes obtidos em listagem dis- ponibilizada pelo IBGE) e por referências encontradas em notícias veiculadas na grande mídia que chamavam a atenção para municípios que se destacavam na busca por utilização diferenciada de recursos de Tecnologia da Informação e Comunicação. Mais especifi camente, na dimensão da questão da disponibili- zação das informações públicas, buscou-se mapear os elementos relevantes no que se refere ao acompanhamento e transparência de atividades ofi ciais: relatórios, regulamentos, gastos, processos deci- sórios e tudo mais que não esteja nas exceções legais. Quais são estas informações, suas respectivas estruturas básicas e possíveis formas de recuperação foram alvo de estudo. Já na dimensão da interação entre os usuários e a Administração Pública Municipal para efeito de acesso, solicitação e acompanha- mento dos serviços sob responsabilidade ou controle da adminis- tração municipal, buscou-se mapear quais são estes serviços, suas respectivas etapas e pontos de controle, identifi cando, assim, pontos de interface passíveis de serem atendidos por recursos de TICs. Com base no mapeamento da dimensão de disponibilização de informações e da dimensão de interação para acesso aos serviços pres- tados ou sob responsabilidade da Administração Pública Municipal, TECNOLOGIA E GESTÃO PÚBLICA MUNICIPAL 29 identifi cou-se um conjunto de indicadores que permitem descrever ou avaliar, quantitativamente, particularidades dos elementos ma- peados em cada uma das dimensões. E para cada indicador propõem-se um conjunto de critérios de avaliação com o objetivo de tornar o mais uniforme possível o pro- cesso de análise e mensuração. O modelo de mensuração do uso externo das TICs pelas admi- nistrações municipais proposto por este estudo teve como objetivos principais: – fornecer uma referência quantitativa do nível de utilização da Tecnologia da Informação e Comunicação por parte das admin- istrações municipais no oferecimento de serviços e disponibi- lização de informações sobre a gestão de recursos públicos e sobre projetos e planos de governo, propiciando, assim, maiores oportunidades de participação da sociedade na administração municipal como essência do dogma constitucional do princípio democrático; – permitir que o agente público tenha meios de acompanhar a efetividade de investimentos realizados em TICs nos ambientes informacionais digitais para interação com a sociedade; – propiciar mecanismo de acompanhamento do nível de aplicação das Tecnologias da Informação e Comunicação na prestação de serviços aos cidadãos21 bem como no acesso amplo e transpar- ente às informações públicas pela sociedade, que pode passar a atuar como parceira no controle de gastos e combate à cor- rupção, tendo, ainda, como subproduto, uma maior visibilidade de projetos públicos e seus resultados. Não foi parte do escopo deste estudo, análises sobre o funcio- namento ou gestão interna do uso da Tecnologia da Informação e Comunicação, mas sim, conhecer seus resultados. Portanto não se 21 Cidadão. 1. Indivíduo no gozo dos direitos civis e políticos de um Estado, ou no desempenho de seus deveres para com este. 2. Habitante da cidade. (Ferreira, 1986), nesta pesquisa, aplicado como habitante do município. 30 RICARDO CÉSAR GONÇALVES SANT’ANA aplicam a esta proposta elementos como a ISO 2000022 que promo- ve a adoção de um processo integrado para interação efi ciente dos requisitos entre os clientes fornecedores de produtos de Tecnologias da Informação (ISO, 2008). Também não coube analisar aqui os sistemas administrativos adotados pelas prefeituras e suas implicações, já que estes aspectos estariam relacionados ao uso interno das TICs. Este estudo não discute diretamente a questão da inclusão digital, mesmo entendendo sua importância, busca focar esforços na questão da disponibilização do recurso, que por si só pode ser uma força mo- tivadora do uso das tecnologias por aqueles que ainda permanecem excluídos do acesso às Tecnologias da Informação e Comunicação, transformando-se, assim, em ponto de interesse para o próprio po- der público que poderá justifi car investimentos em programas de inclusão digital com argumentos mais próximos do dia a dia dos que ainda não se utilizam ou estão excluídos do mundo da Tecnologia da Informação e Comunicação. Quanto à disponibilização de informações pelos portais públicos municipais, o foco deste estudo não abrange informações que não aquelas ligadas diretamente ao funcionamento do poder público local, ou seja, sobre dados sobre as receitas e sobre a aplicação destes recursos, dados sobre contratações e aquisições, bem como, sobre programas e projetos executados ou em execução pela administra- ção municipal, verifi cando ainda a disponibilização da legislação municipal. Com relação à questão da identifi cação de investimentos públicos na disponibilização de infraestrutura em âmbito municipal, como a instalação de infocentros ou de equipamentos em ambientes públi- cos, que auxiliem nos processos de utilização de recursos das TICs 22 Evolução da antiga norma BS 15.000, a ISO/20.000 tem parte de sua origem na Information Technology Infrastructure Library (ITIL). Em que pese existirem processos com a mesma terminologia, a ITIL é voltada para um conjunto de melhores práticas em TI, já a ISO 20.000, como norma de qualidade, é focada na análise de evidência dos controles de processos, sendo, também base para auditorias e certifi cação. (ISO, 2008) TECNOLOGIA E GESTÃO PÚBLICA MUNICIPAL 31 pela sociedade são de relevância inquestionáveis, mas fi cou fora do escopo deste estudo, pois pode ser analisada pelo acompanhamento de políticas públicas voltadas para tal fi m e portanto passíveis de verifi cação e cobrança pela sociedade, inclusive via disponibilização de informações públicas, conforme discutido no capítulo 2, tópico “Divulgando planos, programas e ações”. Coube à Ciência da Informação a base para elaboração deste estudo já que esta ciência tem como seu objeto o estudo das proprie- dades gerais da informação, ou mais especifi camente, a análise dos processos de construção, comunicação e uso da informação além da concepção dos produtos e sistemas que permitem sua construção, armazenamento e uso (Le Coadic, 1996). Colaborou, ainda, a capacidade que a C.I. apresenta de receber fortes aportes de outras áreas23, como no caso deste estudo em que recebeu da Administração, conhecimento sobre o funcionamento e necessidades do processo de gestão pública; da Ciência da Compu- tação e da Ciência da Comunicação, conhecimento sobre os recur- sos que permeiam os processos de disponibilização da informação e de interação, e da Matemática, pela necessidade de utilização e compreensão dos processos estatísticos envolvidos nos modelos de mensuração. Como resultado deste estudo, apresentou-se um modelo de ava- liação do grau de utilização de recursos da Tecnologia da Informação e Comunicação composto por um conjunto de indicadores identifi - cados como relevantes para a disseminação de informação pública e para maior interatividade no processo de solicitação, obtenção e acompanhamento de serviços públicos. Complementando cada um dos indicadores, foi elaborado um conjunto de critérios de análise que auxiliam no processo de avalia- 23 Quanto à ciência da informação: inclui e com ela se identifi cam as neurociências, as ciências cognitivas e psicossociais, as ciências sociais em geral, as ciências do documento no seu sentido mais amplo, as ciências da comunicação, a sociolin- guística, a semântica e a semiótica, a(s) lógica(s), a cibernética e todas as ciências da computação e informática, sem esquecer todos os recursos tecnológicos em que se apoiam o seu desenvolvimento e as suas aplicações. (Robredo, 2003) 32 RICARDO CÉSAR GONÇALVES SANT’ANA ção e ainda permitem uma redução na variabilidade de diferentes análises, tanto de diferentes municípios como de análises realizadas em tempos diferentes. Ainda como resultado, foi elaborada uma planilha que contém todos os indicadores do modelo, de tal forma que o resultado fi nal da análise pode ser acompanhado a cada indicador alterado. A planilha apresenta, também, a título de auxílio no processo de avaliação, a apresentação dos critérios de cada indicador. Esta planilha deverá estar disponível para download em sítio24 ela- borado para o projeto, junto à informações sobre o modelo, garantindo, assim, transparência total sobre o modelo de mensuração proposto. Este sítio objetiva ainda auxiliar no processo de divulgação do modelo contribuindo na busca por instituições que possam colaborar na constituição do grupo gestor do modelo, ou mesmo na aplicação e divulgação dos resultados obtidos. Espera-se que com a disponibilização deste modelo, e sua apli- cação ampla e de forma transparente, contando com iniciativas não governamentais, incentive a participação dos cidadãos no acompa- nhamento do fazer dos governos municipais ampliando a sensação de efetividade desta iniciativas e colaborando, assim, com os próprios agentes públicos na gestão de recursos e serviços, difi cultando a ação daqueles que usurpam do erário público, reduzindo o clientelismo e ampliando a visibilidade da capacidade ou não dos responsáveis pela gestão dos nossos municípios. Obtém-se ainda, como resultado do conjunto de indicadores, um caminho que pode ser utilizado como um roteiro de melhores práticas a serem implementadas pelas gestões municipais na busca por adequação do uso das Tecnologias da Informação e Comunicação na disponibilização de informações e na interação com os munícipes para o fornecimento de serviços públicos. Para efeito de continuidade deste estudo, propõe-se a busca pela divulgação do modelo proposto, que já tem como ponto de partida o 24 Sítio para disponibilização inicial de informações sobre o projeto: TECNOLOGIA E GESTÃO PÚBLICA MUNICIPAL 33 site, e a comunicação com organizações não governamentais que te- nham como foco de atuação a questão da transparência e ou o acompa- nhamento de ações de gestões municipais, para que venham a colabo- rar na divulgação do modelo e até mesmo a fazer parte do grupo gestor a ser formado para aplicação e continuidade do modelo aqui proposto. E como sugestão de melhoria, propõe-se a análise de cada um dos indicadores em função de sua importância no contexto geral para que seja determinado um peso específi co a cada um deles na obtenção do resultado fi nal da dimensão e da análise como um todo. As próprias dimensões podem vir a ter um peso que indique sua importância no resultado fi nal. Este texto esta estruturado de forma a apresentar após esta in- trodução, no capítulo 1 a contextualização da mensuração proposta: “Analisando o Uso de TICs pelas Administrações Públicas Munici- pais” em que se discute a relação da sociedade com as administrações públicas municipais e o papel do uso de recursos tecnológicos nesta interação, colocando, ainda, a questão da mensuração deste uso e a forma como está proposta neste estudo. No capítulo 2 discute-se a questão da Disponibilização de In- formações Públicas e a importância de que este processo seja o mais amigável possível, destacando ainda a importância da antecipação por parte do poder público a eventuais demandas disponibilizando informações sobre a administração pública do município. No capítulo 3 discute-se a interação com o poder público para solicitação e acompanhamento de serviços públicos, destacando a importância de ferramentas de interação com o cidadão e de trans- parência nas fi las e atendimentos às solicitações em andamento e as já atendidas. No capítulo 4 é apresentado o Modelo de Mensuração de uso das TICs na Interação entre administrações municipais e a sociedade e ainda são discutidas características ligadas a cada um dos indicadores utilizados na mensuração. No capítulo 5 são apresentadas as conclusões resultantes deste estudo e ainda são propostas melhorias e possíveis caminhos para a implantação e manutenção deste modelo de mensuração. 1 ANALISANDO O USO DE TICS PELAS ADMINISTRAÇÕES PÚBLICAS MUNICIPAIS O poder democrático deve apoiar-se na busca de um governo baseado na soberania popular, que siga regras transparentes e válidas para todos, viabilizando a participação, acompanhamento e controle das decisões e ações do poder público1. Para tanto, é necessário que o cidadão tenha condições de, no mínimo, acompanhar as ações e decisões de seus governos, por meio de acesso amplo e transparente às informações e serviços públicos permitindo e incentivando, assim, ampla discussão sobre o dia a dia da gestão da coisa pública. O uso das Tecnologias de Comunicação e Informação sempre esteve diretamente ligado às formas de organização econômicas e políticas: O nascimento da escrita está ligado aos primeiros Estados buro- cráticos de hierarquia piramidal e às primeiras formas de administra- ção econômica centralizadas (imposto, gestão de grandes domínios agrícolas etc.). O surgimento do alfabeto na Grécia antiga é contem- 1 O parágrafo único do Art. 1º da Constituição Federal de 88 expressa: Todo poder emana do povo, que exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. 36 RICARDO CÉSAR GONÇALVES SANT’ANA porâneo ao aparecimento da moeda, da cidade antiga e, sobretudo, da invenção da democracia: tendo a prática da leitura se difundido, todos podiam tomar conhecimento das leis e discuti-las. A imprensa tornou possível uma ampla difusão de livros e a existência de jornais, base da opinião pública. Sem elas as democracias modernas não te- riam nascido. [...] A mídia audiovisual do século XX [...] participou do surgimento de uma sociedade do espetáculo, que transformou as regras do jogo tanto na cidade como no mercado (Lévy, 1998) A administração da coisa pública, lida com grandes volumes2 de recursos e de objetivos (geralmente mais objetivos que recursos), o que gera uma série de desafi os no processo de gestão. A sociedade e as formas de governo modernas tornaram-se tão grandes e complexas que a cidadania – isto é, a participação respon- sável – não é mais possível. Tudo o que podemos fazer como cidadãos é votar uma vez a cada tantos anos e pagar impostos o tempo todo. (Drucker, 1999) São muitos interesses e elementos envolvidos neste processo. Acompanhar os níveis de efi ciência e efi cácia da destinação e aplica- ção de recursos bem como da execução de serviços pela administração pública ou sob sua responsabilidade torna-se uma tarefa complexa. [...] ganha corpo a ideia de que as instituições do Estado (o Executivo, o Legislativo e o Judiciário) podem não ser sufi cientes para garantir uma gestão justa e efi ciente dos assuntos públicos. (Capobianco & Abramo, 2003) Vale salientar ainda que além de implementar ferramentas para disponibilização de informações públicas, é preciso também um 2 O Estado tem a cuidar do bem público, em suas feições material e moral ou intelectual. E, quanto mais populoso, maior a quantidade de necessidades a atender. (Menezes, 2005, p.133) TECNOLOGIA E GESTÃO PÚBLICA MUNICIPAL 37 conjunto de políticas que incentive e facilite a participação e o uso de tais recursos pela sociedade como um todo, vencendo assim o distanciamento que tem se percebido entre os interesses do cidadão e da sociedade em geral do poder público. A crise da civilidade e a intensificação do narcisismo levam, assim, a uma emancipação do indivíduo de todo enquadramento normativo, aversão à esfera pública e sua consequente degradação. A liberdade passa a ser percebida como possível unicamente na esfera privada e gera a progressiva privatização da cidadania. (Dupas, 2005) O uso apropriado dos recursos disponibilizados pelas TICs per- mite um processo de ampliação dos canais de interação entre o poder público e os cidadãos, gerando, assim, uma oportunidade de retomada do espaço público3 Na teoria política clássica, incorporada ao inconsciente coleti- vo das sociedades, o espaço público era equivalente ao espaço da liberdade dos cidadãos, no qual estes exerciam sua capacidade de participação crítica na gestão dos assuntos comuns, sob o princí- pio da deliberação; um espaço que se opunha, portanto, ao espaço privado regido pela dominação do poder. Hoje, as corporações apropriaram-se do espaço público e o transformaram em espaço publicitário; os cidadãos que o frequentam não o fazem mais na qualidade de cidadãos, mas como consumidores de informação. (Dupas, 2005) 3 Na sociedade contemporânea, principalmente para os franceses, entre eles Bernard Miège, o espaço público é o que nasce das relações entre o Estado (que não é mais absoluto) e as outras formas de poder que se articulam nessa mesma sociedade. Ele é um espaço assimétrico (as novas tecnologias e os diferentes meios de comunicação ganham relevância e passam a ser o seu canal media- dor), e fragmentado (o crescente número de agentes sociais que participam e se apoderam das técnicas da comunicação promovem o alargamento do espaço), sendo, por conseguinte, o campo de atuação dos “novos” sujeitos-cidadãos. (Resende, 2005) 38 RICARDO CÉSAR GONÇALVES SANT’ANA Estamos, assim, diante de uma oportunidade de se propiciar o fomento da mobilização para que os cidadãos, individualmente ou em grupo, atuem efetivamente em defesa de direitos, não só particulares como da comunidade4, parte importante da cidadania5 que também se compõe do cumprimento de deveres. Segundo Drucker, para os governos, esta oportunidade deve ser encarada como uma necessidade: “O governo pós-capitalista, para poder agir em um mundo de rápidas mudanças e perigoso, precisa recriar a cidadania.” (1999a, p.162). Os cidadãos precisam conhecer seus deveres e direitos, partici- pando intensamente, via acompanhamento, voto, crítica, sugestão e trabalho das atividades e processos da administração pública (An- drade, 1982) Exercer plenamente a cidadania requer comprometimento do cidadão no acompanhamento crítico dos rumos defi nidos pelo poder público e com a forma com que os recursos públicos são utilizados. Garantir que a cidadania seja plenamente exercida implica o comprometimento responsável do cidadão. Com a emergência de uma sociedade avançada tecnologicamente, essa condição de com- prometimento e pertencimento social deixa de ser uma utopia e se transforma em pré-requisito da modernidade, considerando que o conhecimento será o maior capital do desenvolvimento humano. (Guerreiro, 2006) A mobilização do cidadão tem mais chance de sucesso se os resultados de cada ação forem mais diretos e se a interação entre ele o poder público tiver relação com o seu dia a dia criando uma 4 Comunidade considerada aqui como uma área da vida comum, um foco de vida social, o viver em comum de seres sociais. (Menezes, 2005) 5 Como termo legal, “cidadania” indica mais uma identifi cação que uma ação. Como termo político, “cidadania” signifi ca compromisso ativo. Signifi ca res- ponsabilidade. Signifi ca fazer diferença na sua comunidade, na sua sociedade, no seu país. (Drucker, 1999a, p.162) TECNOLOGIA E GESTÃO PÚBLICA MUNICIPAL 39 responsabilidade maior neste processo por parte da esfera pública autônoma da federação mais próxima do cidadão, que é o município. Os municípios têm o papel de agrupar num mesmo território cidadãos que mantenham relações comuns de localidade, trabalho e tradições, sendo ainda submetidos ao domínio de um poder local, que tem por função mais rudimentar tentar solucionar os problemas da comunidade e defender seus interesses comuns. (Gonzaga & Rangel, 1996) Neste estudo, buscou-se identifi car elementos que permitam analisar o uso de recursos da Tecnologia da Informação e Comuni- cação na esfera pública municipal com foco no processo de aumento da transparência, disponibilização de informações e incremento da interação com os cidadãos no processo de acesso aos serviços públi- cos, como parte da modernização e adequação do aparelho do estado na dimensão do desenvolvimento de ambientes que propiciem a ampliação da sua interação com os públicos do cenário municipal. Para tanto, é fundamental que a sociedade participe e utilize das informações disponibilizadas e tenha plena consciência da possibili- dade de acompanhamento dos serviços que são de responsabilidade da administração pública municipal e este é o foco do próximo tópico. A relação da sociedade com as administrações municipais Os entraves para uma participação mais efetiva do cidadão junto ao poder público são muitos e entre eles podemos destacar: a) desconhecimento dos recursos que a Tecnologia da Informa- ção e Comunicação pode oferecer; b) desconhecimento sobre seus direitos previstos na legislação; c) desconhecimento sobre quais são os deveres do poder público; d) falta de defi nição clara sobre a qual esfera da federação (federal, estadual ou municipal) cabe cada um dos deveres do estado; 40 RICARDO CÉSAR GONÇALVES SANT’ANA e) falta de informação sobre o funcionamento dos meandros in- ternos da gestão pública “Em geral, ninguém fora do governo compreende o funcionamento e a complexidade da gestão das informações nos órgãos públicos.” (Frey et al., 2002); f) barreiras impostas pelas próprias administrações públicas com relação a participação da sociedade em suas decisões ou no acompanhamento da execução de suas ações; g) aversão por parte dos cidadão aos assuntos ligados à gestão pública. Tais elementos contribuem para um isolamento do poder públi- co no processo de tomada de decisão, o que se transforma em mais um fator que favorece setores da sociedade que apresentam-se mais articulados e ou com capacidade de organizar e manter instrumentos de pressão, como a utilização de lobistas6, para que as decisões de governo atendam prioritariamente seus interesses. Fazendo parte, de forma mais direta do processo de gestão, os cidadãos e as organizações não governamentais podem ter mais cla- ramente delineada a possibilidade de defi nição de responsabilidades e responsabilização de atos ilícitos ou irregularidades no uso de re- cursos públicos, participando, assim, do controle e acompanhamento dos atos dos agentes públicos, bem como, da fi scalização realizada por outras esferas do poder público. O fato de que os agentes públicos devem ser responsabilizados por suas atividades, ser puníveis por eventuais atos ilícitos e prestar contas de seus atos aos cidadãos e/ou a outras instituições constitui uma característica fundamental dos sistemas democráticos, nos quais os mecanismos de controle se situam em duas esferas interdependen- 6 O tipo tradicional de lobista se comporta como um membro da equipe de um determinado parlamentar, sendo responsável por conseguir levar uma questão ao conhecimento deste parlamentar ou então agendar um encontro entre este e os interessados na questão, podem ainda auxiliar o parlamentar na tomada de posição nas discussões sobre o tema, na redação de um projeto de lei e até mesmo na elaboração de discursos e artigos (ghostwriter). (Cintra, 2005, p.25) TECNOLOGIA E GESTÃO PÚBLICA MUNICIPAL 41 tes de ação: os mecanismos de accountability verticais – da sociedade em relação ao Estado – e os de accountability horizontais, isto é, de um setor a outro da esfera pública. (Fonseca; Antunes; Sanches, 2002 in Speck, 2002. p.30) Apresenta-se, assim, o desafi o de motivar esta participação de todos na administração pública, que pode ser auxiliada pela redução da distância a que se mantêm a administração pública e fomentando sempre a percepção do cidadão das possibilidades de participação e de responsabilidade com relação às decisões e ações do poder público bem como do seu papel como cidadão neste processo de causa e efeito. [...] Georg Simmel mostrou que, nas grandes cidades, a saturação de estímulos sensoriais gera em nós uma espécie de carapaça protetora. Um mecanismo de defesa que se estabelece na forma de uma provi- dencial indiferença a tudo que nos rodeia e parece nos ameaçar e agre- dir. Porém, como consequência inevitável disso, decai igualmente o nível de solidariedade que poderíamos nutrir por nossos semelhantes. Por isso, saber equilibrar e dosar esses estímulos no ambiente urbano é tarefa que se exige de todos os que desejam contribuir para uma melhor organização das nossas cidades. (Malta,2003) Faz-se necessário que os agentes políticos7 atendam as demandas que a reforma do Estado impõem no que diz respeito ao novo fazer 7 “Para Hely Lopes Meirelles, ‘agentes políticos são os componentes do Gov- erno nos seus primeiros escalões, investidos em cargos, funções, mandatos ou comissões, por nomeação, eleição, designação ou delegação para o exercício de atribuições constitucionais’ (grifos nossos). Celso Antônio Bandeira de Mello adota conceito mais restrito: ‘agentes políticos são os titulares dos cargos es- truturais à organização política do país, isto é, são os ocupantes dos cargos que compõem o arcabouço constitucional do Estado e, portanto, o esquema funda- mental do Poder. Sua função é a de formadores da vontade superior do Estado’ (grifos nossos). Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, a ideia de agente político liga-se, indissociavelmente, à de governo e à de função política, a primeira dando ideia de órgão e a segunda, de atividade. Boa parte da doutrina entende que os seguintes postos atendem a esses conceitos de agente político: Presidente da 42 RICARDO CÉSAR GONÇALVES SANT’ANA e interagir da Administração Pública, processo este que tem nas Tecnologias da Informação e Comunicação ferramenta básica de viabilidade. [...] a partir da década passada, iniciou-se, no Brasil, a chamada refor- ma do Estado, dinâmica que alcança a gestão responsável no uso do dinheiro público, o novo modelo de fi nanciamento da previdência, da saúde e da educação, a agilização eletrônica dos procedimentos licita- tórios, as parcerias com segmentos privados da economia, entre outras signifi cativas modifi cações no agir administrativo. (TCESP, 2007. p.6) A relação mais direta de ações-resultados entre o cidadão e as administrações no âmbito dos municípios permite estabelecer neste ente da federação um ponto de partida para o acompanhamento de usos de recursos na interação com as informações públicas e com os serviços públicos, já que os governos locais são bons meios para prover serviços públicos que afetam diretamente os cidadãos e suas comunidades (Hambleton,2000). A legislação estabelece com relação à Administração Municipal importante papel nesta reforma, realizando as tarefas que lhe cabem e com a autonomia que lhe conferiu a Constituição de 1988, em seu artigo 18 que trata da questão da organização político-administrativa, que compreende a União, Estados, o Distrito Federal e os Municí- pios, destacando a autonomia destas esferas entre si: Art. 18. A organização político-administrativa da República Fede- rativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição. (Brasil,1988) República, Governadores, Prefeitos e Vices, Auxiliares imediatos dos chefes do Executivo (Ministros e Secretários), Senadores, Deputados e Vereadores. Tais posições, demais disso, são também reconhecidas constitucionalmente (Art. 39, § 4o). Este Manual alcança, exclusivamente, agentes políticos do Município, ou seja: Prefeito, Vice-Prefeito, Secretários Municipais, Presidentes de Câmaras e Vereadores.” (TCESP,2007. p.9) TECNOLOGIA E GESTÃO PÚBLICA MUNICIPAL 43 A Carta de 1988 destaca ainda, em seu Art. 30, I, II e III, que a autonomia dos municípios apesar de relativa8, subordinada ao poder soberano da Federação, mantêm a competência de instituir e arreca- dar seus tributos e obrigatoriedade de prestar contas: Art. 30. Compete aos Municípios: I – legislar sobre assuntos de interesse local; II – suplementar a legislação federal e a estadual no que couber; III – instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fi xados em lei. (Brasil, 1988) A autonomia dos municípios também é um elemento motivador na adoção do modelo de mensuração proposto, já que permite que diferentes municípios mantenham culturas administrativas distintas e portanto exigindo muito do processo de accountability (prestação de contas) horizontal9, motivando, ainda mais, a participação da sociedade como um todo no processo de acompanhamento das ações dos agentes políticos municipais, reforçando, portanto, a importância do accountability vertical10. Trata-se, na verdade, de uma obrigação da administração pública este esforço na busca pela disponibilização de recursos mais efi cientes e efi cazes para interação com a sociedade civil, como inclusive já 8 “[...] a autonomia pode ser absoluta ou relativa. Absoluta, quando não há qualquer restrição a limitar a ação de quem a possui; eis aqui a soberania da Federação. Já, a autonomia de Estados e dos Municípios é relativa.” (TCESP, 2007) 9 “[...] accountability horizontal implica a existência de agências e instituições estatais possuidoras de poder legal e de fato para realizar ações que vão desde a supervisão de rotina até sansões legais contra atos delituosos de seus congêneres do Estado.” (Fonseca; Antunes; Sanches, 2002 in Speck 2002) 10 A accountability vertical é principalmente, embora de forma não exclusiva, a dimensão eleitoral, o que signifi ca premiar ou punir um governante nas eleições. Essa dimensão requer a existência de liberdade de opinião, de associação e de imprensa, assim como de diversos mecanismos que permitam tanto reivindicar diversas demandas diversas como denunciar certos atos das autoridades públi- cas. (Fonseca; Antunes; Sanches, 2002 in Speck 2002) 44 RICARDO CÉSAR GONÇALVES SANT’ANA preveem algumas leis como a que regulamenta os artigos. 182 e 183 da Constituição Federal estabelecendo diretrizes gerais da política urbana, que determina: Art. 45. Os organismos gestores das regiões metropolitanas e aglo- merações urbanas incluirão obrigatória e signifi cativa participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade, de modo a garantir o controle direto de suas atividades e o pleno exercício da cidadania. (Brasil, 2001) A possibilidade de solicitação e acompanhamento de um de- terminado serviço público, viabilizado, por exemplo, pelo sítio de uma prefeitura, pode ser um elemento motivador e de aproximação, estreitando e reforçando o vínculo e o relacionamento entre estes dois polos básicos da política, os governados e os governantes, seja por ação de indivíduos ou por grupos organizados. Nas democracias representativas, a identifi cação de problemas na própria representatividade do voto e na resposta dos represen- tantes eleitos abriu espaço para uma atuação crescente, nos assuntos públicos, de grupos organizados na sociedade em torno de interesses ou causas específi cas. Organizações de todo tipo têm ocupado esse espaço, e aquelas dedicadas ao combate à corrupção não são exceção. (Capobianco & Abramo, 2003) Como parte da atuação da sociedade, merece destaque, a cons- cientização de que é possível agir e exigir ações de punição e ou reparação em função de atos lesivos ao patrimônio público ou à moralidade administrativa, sem que nem mesmo se corra o risco de se ter de arcar com os custos de processo em caso de não se vencer, conforme desta a CF de 88 em seu Art. 5º inciso LXXIII que se sobrepõe ao Código de Processo Civil, Art. 20. e seguintes. Art. 5º LXXIII – qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou TECNOLOGIA E GESTÃO PÚBLICA MUNICIPAL 45 de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, fi cando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência. (Brasil, 1988) Assim, conforme afi rma Daher (2000), qualquer cidadão do povo pode se valer da ação popular11 para comparecer perante o estado juiz, relatando-lhe a existência de ato lesivo ao patrimônio público, estendendo-se ao ataque à imoralidade administrativa ou que fi ra qualquer outro bem entre os que pertencem ao grupo dos interesses sociais ou individuais indisponíveis, tendo-se como pressuposto que seu autor tenha interesse e legitimidade para agir e exigindo-se apenas que seja comprovadamente eleitor, não sendo necessário, nem mesmo, que tenha obrigatoriamente um representante legal. Portanto, uma vez havendo interesse legitimo de se defender a coisa pública, é constitucionalmente garantido o direito de se buscar ações concretas fazendo prevalecer a boa gestão da coisa pública e o direito dos cidadãos de receberem a contrapartida do que é arrecadado. Para que isso seja possível, é necessário que exista vontade po- lítica e ações efetivas para que sejam desenvolvidos mecanismos, preferencialmente facilitados pelo uso das TICs, para que o cidadão tenha acesso facilitado e até mesmo incentivado aos dados sobre a administração pública e sobre os serviços prestados. Portanto o primeiro passo deve ser acompanhar e cobrar por estas ações, mas para que esta cobrança possa ser embasada em elementos concretos de análise, são necessários dados, preferencialmente quan- 11 “Para instruir o seu pedido, poderá requerer as certidões que precisar, não estan- do contudo, sujeito ao pagamento de nenhuma taxa além de dever ser atendido no prazo da lei. A negativa administrativa não é excluída se implicar em segu- rança nacional. Mas nem neste caso, se esgota o caminho do êxito e obtenção, pois, pode ser requerido ao Juiz que requisite tal prova e este reconhecendo a procedência do motivo, fará com que o processo tramite em segredo de justiça, que só vai cessar com o trânsito em julgado da sentença que for condenatória” (Daher, 2000). 46 RICARDO CÉSAR GONÇALVES SANT’ANA titativos que permitam a percepção da situação atual e sua evolução ao longo do tempo e este é o foco do próximo tópico. O que medir e por quê? Para que se possa participar do “fazer” da gestão da coisa pública de forma adequada, é necessário que se tenha acesso ao maior volume possível de dados sobre o planejamento, decisões e ações dos agentes públicos de forma rápida, simples e sem intermediação de elementos envolvidos diretamente com a administração pública, tornando, assim, esta interação mais próxima e reduzindo para o cidadão os custos desta interação. Custos estes que podem ser considerados em termos de tempo, necessidade de aprendizagem sobre utilização de recursos tecnoló- gicos e desgaste político. Na questão tempo, o cidadão ou organização não governamental interessada em acompanhar o processo de gestão das contas públicas difi cilmente terá disponibilidade de tempo para “investir” em análi- ses que, a princípio, poderiam não levar a nenhum resultado, inibin- do pesquisas mais amplas sobre os dados disponibilizados, portanto, este acesso deve ser rápido e preferencialmente com funcionalidades facilitadoras como drill down12, slice and dice13 ou mesmo consultas livres ad hoc pelos usuários sobre a base de dados disponibilizada. 12 Drill down, muito requisitado em sistemas de apoio a decisão, é a possibilidade de se obter dados cada vez mais detalhados a partir de dados sumarizados em níveis superiores, podendo-se atingir, dependendo da granularidade dos dados disponíveis, os dados mais básicos que geraram o resultado apresentando ini- cialmente de forma totalizada. Por exemplo: sobre um dado que representa o total gasto por um departamento, poder-se-ia listar os totais gastos por projetos daquele departamento, selecionando-se um dos projetos poder-se-ia ter acesso aos valor pagos para cada fornecedor, escolhendo-se um dos fornecedores po- deria ser listadas as notas recebidas daquele fornecedor e escolhendo uma das notas ter acesso aos itens daquela nota. 13 Slice and dice diz respeito a possibilidade de se combinar e ou separar dados resultantes de consultas, pela iniciativa do próprio usuário através da especifi - cação de fatias e rotações (Kinball, 1996) TECNOLOGIA E GESTÃO PÚBLICA MUNICIPAL 47 Com relação à aprendizagem sobre a utilização dos recursos tec- nológicos, é outro custo a ser minimizado, já que a própria necessida- de de interagir com o computador subentende um custo de aquisição ou de acesso a este dispositivo, se o processo de acesso aos dados exigir conhecimentos específi cos sobre determinados aplicativos ou linguagens de consulta, estará sendo incorporado um custo adicional ao acesso às informações que pode ser amenizado pela utilização de elementos de usabilidade que facilitem a interação. Quanto ao desgaste político, torna-se relevante principalmente quando o processo de análise e acompanhamento é mais próximo, como no caso das administrações locais em que os cidadãos estão direta ou indiretamente ligados, seja por vínculos pessoais, fami- liares ou profi ssionais gerando, assim, constrangimentos e podendo ser um fator inibidor do acesso. Para minimizar esta questão, a não exigência de identifi cação no acesso a dados públicos é fundamental, acrescentando valor ainda à questão da não necessidade de solici- tação dos dados que se deseja analisar, exigindo uma postura pró- ativa da administração pública na disponibilização das informações antecipando-se à demanda. A disponibilização de informações em um suporte acessível como as novas TICs oferecem não é sufi ciente para que se incremente a conscientização da importância da participação se não houver ele- mentos mais próximos do cidadão ou mesmo das empresas. Em fun- ção deste argumento é que foi incluído o acesso aos serviços por meio do uso das TICs como um dos elementos que devem ser mensurados. Portanto, a primeira cobrança a ser feita ao poder público é exata- mente com relação a que nível encontra-se a utilização dos recursos da TIC pela administração pública na disponibilização de informações públicas e no acesso e acompanhamento de serviços públicos por ela prestados ou sob sua responsabilidade. O discurso político usado pelos responsáveis pela gestão pública ou mesmo a cobertura da imprensa não oferecem condições para que a sociedade possa acompanhar e/ou controlar, como poderia ou deveria, o que ocorre com a execução do Orçamento ou mesmo tomar conhecimento sobre que nível ou com que qualidade o poder 48 RICARDO CÉSAR GONÇALVES SANT’ANA público está oferecendo recursos tecnológicos de interatividade ou de disponibilização de informação pública, recursos estes que podem já estar viáveis em termos tecnológicos e fi nanceiros, independen- temente, muitas vezes, do porte do município ou de sua capacidade de investimento. Neste estudo, considerou-se como base o contexto das adminis- trações municipais em função de fatores como: a) menor ente da Federação, apresenta menor complexidade se comparado aos demais e pode ser importante ponto de partida para modelos mais complexos aplicados aos estados; b) a proximidade com os indivíduos propicia uma interação mais perceptível em que os agentes públicos estão mais acessíveis; c) a proximidade também pode reduzir o tempo de resposta de ações de ambos os lados, transmitindo maior efetividade a participação e seus resultados; d) os benefícios da interação são mais perceptíveis com resultados podendo ser sentidos em eventos ligados a comunidades locais ou mesmo diretamente aos indivíduos; e) divulgação, conscientização e motivação para interação fa- cilitada pelo tamanho do público alvo das campanhas de divulgação. A proximidade dos agentes políticos municipais em relação aos cidadãos e ao seu dia a dia, bem como a sensibilidade imediata dos resultados de políticas e ações destes agentes políticos, podem ser utilizadas como elementos facilitadores da conscientização da im- portância da participação de todos no processo da Administração Pública. Um morador de Brasília, apesar de estar próximo ao governo federal, não tem, necessariamente, a percepção direta de resultados de ações ou decisões dos agentes políticos federais. Incrementar o uso de TICs no âmbito dos municípios pode ser um ponto de partida de um movimento maior de mobilização para participação da sociedade como um todo no acompanhamento das TECNOLOGIA E GESTÃO PÚBLICA MUNICIPAL 49 ações dos agentes políticos em outras esferas, bem como das insti- tuições14 públicas em geral. O que busca-se medir por meio do modelo proposto neste estudo é, a partir de um conjunto de indicadores, o quanto cada adminis- tração municipal tem utilizado de cada um deles e em que nível, indicadores estes que foram obtidos pela análise de funcionalidades oferecidas por outros sítios de administrações públicas municipais. Portanto, mensurar o quanto já foi feito e em que nível a ad- ministração pública municipal promove o incremento de espaços públicos15, com a utilização de TICs, realmente democráticos, seja para acesso a informações, seja para incremento no processo de acesso e acompanhamento dos serviços públicos disponibilizados, pode garantir mecanismos de acompanhamento e cobrança para que esta interação seja disponibilizada da melhor maneira possível, já que a análise de dados quantitativos reduz divergências e desvincula os resultados de parcialidades oriundas de pontos de vista pessoais ou políticos de quem analisa. Reduz também a possibilidade de utiliza- ção do discurso político do agente público como único recurso para percepção da situação atual do uso das TICs. No entanto, fatores ligados a forma com que cada aspecto men- surável é realizado pode ser infl uenciado por um conjunto grande de fatores o que nos leva a questão da defi nição de quem poderia realizar esta tarefa com maior imparcialidade, conforme discutido no próximo tópico. A quem deve caber a tarefa de medir? 14 O termo instituição adotado aqui como forma estabelecida de relação entre os seres sociais a respeito de si mesmo ou a respeito de um objeto exterior, isto é, formas organizadas de atividade social, com aspecto exterior, no tempo e no espaço. (Menezes, 2005) 15 Espaço público é o comum, o que é compartilhado por todos, isto é, aquele es- paço que teoricamente deve pertencer a todos os habitantes de um lugar. Dessa forma, tanto uma praça, quanto uma simples calçada, ou uma igreja, ou ainda uma escola pública, podem ser chamados de espaço público. (Paiva,2001) 50 RICARDO CÉSAR GONÇALVES SANT’ANA Fundamentar uma análise sobre uso de TICs em dados fornecidos pela própria Administração Pública pode não ter a imparcialidade ne- cessária para que se obtenham resultados úteis, em função de aspectos como o fato de que assim como na pesquisa em geral, análises reali- zadas pelos próprios responsáveis pelo processo de gestão ou ligados diretamente a eles podem ser infl uenciados pelo efeito Rosenthal16. Deve-se levar em conta também que o uso de parâmetros pró- prios da administração que está sendo analisada podem divergir dos objetivos de quem realiza a análise e que a busca pela manutenção de índices de popularidade, para efeitos eleitoreiros ou não, também podem interferir nos resultados obtidos. Assim, a tarefa de mensurar os diversos indicadores envolvidos no modelo aqui proposto deve ser realizado de forma totalmente inde- pendente de interações com a própria administração pública ou com qualquer dos agentes políticos direta ou indiretamente envolvidos na questão, e esta foi uma das preocupações originárias da identifi cação de um dos pré-requisitos para o estabelecimento dos indicadores que seriam utilizados, ou seja, deveriam ser baseados em um processo que pudesse ser realizado de forma autônoma pelo pesquisador, e identifi cada no simples contato com os recursos disponibilizados na Internet pela administração municipal. Desta forma, para que um determinado recurso seja considerado disponível para o cidadão, deverá estar de tal forma acessível que o responsável pela análise tenha como identifi cá-lo sem auxílio externo, já que se o recurso está disponível, mas a forma para que se obtenha tal recurso difi culta o acesso de tal forma que nem mesmo o pesqui- sador possa encontrá-lo seguindo passos naturais de uma navegação pelo sítio da prefeitura ou mesmo de terceiros mas indicado em seu sítio principal, então o recurso não poderá ser considerado como efetivamente disponibilizado para o cidadão. 16 Também conhecido como efeito Pigmalião descrito nos anos 60 por dois pes- quisadores americanos, Robert Rosenthal e Lenore Jacobson que utilizaram este mito para identifi car a infl uência das expectativas prévias de pessoas envolvidas em avaliações nos resultados obtidos, com a tendência de provar as hipóteses iniciais dos avaliadores (Draper, 2007) TECNOLOGIA E GESTÃO PÚBLICA MUNICIPAL 51 Portanto a aplicação dos critérios para análise do uso das TICs, aqui proposto pode ser realizado fora do âmbito da administração municipal, já que não estará baseado em respostas obtidas da própria administração ou de qualquer interação mais direta. Outra questão que surge diz respeito à forma com que os diversos indicadores serão analisados, já que para que seja possível utilizar os resultados para efeito de comparação entre diferentes municípios (contextos), deve-se evitar as discrepâncias geradas pela interpreta- ção de quem realiza a análise. Para minimizar estas possíveis divergências, o modelo proposto apresenta um conjunto de critérios para embasar e nortear a análise de cada indicador a ser analisado. Somente o uso dos critérios pode não ser sufi ciente para eliminar totalmente eventuais interpretações dos dados obtidos sendo, então, sugerido que a análise seja realizada por um grupo predefi nido que pela interação e troca de experiências mantenha coerência nas aná- lises realizadas. A comparação entre diferentes municípios não é o único uso dos resultados obtidos, já que se pode realizar uma análise ao longo do tempo gerando a possibilidade de verifi cação de evolução ou retro- cesso nos resultados obtidos em determinado município, bem como aferindo se promessas realizadas pelos agentes públicos com relação à busca de transparência estão sendo realmente cumpridas. Reforça-se, assim, a importância do fato da aplicação do modelo de medição ser realizado por uma instância independente, o que pode contribuir para a coerência de resultados obtidos ao longo do tempo. Assim, em função destes aspectos e das discussões sobre a ques- tão da necessidade de coerência na aplicação do modelo em função de diferentes contextos e ao longo do tempo, fi ca claro que deve ser realizado por instância independente e sem a utilização de res- postas ou interação direta da própria administração que está sendo analisada. Já com relação à gestão dos indicadores que devem fazer parte do índice, deve-se levar em conta que esta proposta é apenas um ponto de partida e que devem surgir novos indicadores, oriundos 52 RICARDO CÉSAR GONÇALVES SANT’ANA de necessidades reais identifi cadas por aqueles que já participam, acompanham e necessitam de acesso aos dados de contas públicas e ou acompanham o oferecimento de serviços públicos e que devem ser incorporados ao modelo sempre que se mostrarem pertinentes e de características perenes. As inovações tecnológicas também devem trazer, ao longo do tempo, novas características e funcionalidades não previstas até então e que devem, se relevantes aos objetivos deste índice, ser incorporadas. As duas situações citadas podem ainda levar a adaptação ou mesmo exclusão de indicadores ou de critérios do modelo, sempre levando em conta a necessidade de se manter a isonomia de compa- rações a serem realizadas ao longo do tempo. Portanto, além do grupo responsável pela aplicação do índice, deve-se buscar a colaboração do maior número possível de cidadãos e de entidades organizadas que atuem na busca por transparência e participação da sociedade nas administrações municipais, bem como de grupos de pesquisa ou qualquer outra instância que possa colabo- rar no acompanhamento das implicações impactos que as inovações tecnológicas podem trazer no acesso e trato das informações. Neste ponto, mais uma vez se faz imprescindível um olhar da Ciência da Informação que pode contribuir com seus estudos e pesquisas sobre os diversos aspectos envolvidos na interação das TICs nos processos de seleção, armazenamento, disponibilização e recuperação de informação. No próximo tópico, discute-se como estruturar os elementos relevantes identifi cados neste estudo para que se obtenha um ín- dice de mensuração do nível de uso das TICs pelas administrações municipais. Dimensões, indicadores e critérios de avaliação Como base para a identifi cação e análise do nível de utilização da Tecnologia da Informação e Comunicação pelas administrações TECNOLOGIA E GESTÃO PÚBLICA MUNICIPAL 53 municipais no oferecimento de serviços e na disponibilização de informações públicas, é proposto um conjunto de indicadores17,18 e seus respectivos critérios de análise. Indicadores são aspectos (quantitativos e qualitativos) que pos- sibilitam obterem evidências concretas que, de forma simples ou complexa, caracterizam a realidade dos múltiplos elementos ins- titucionais que retratam. Critérios são os padrões que servem de base para comparação, julgamento ou apreciação de um indicador. (Inep, 2006) Estes indicadores tem como objetivo apresentar o grau de utiliza- ção de recursos de Tecnologia da Informação e Comunicação como ferramenta na disponibilização de informações públicas municipais e para interação da sociedade com a prefeitura na solicitação, obtenção e acompanhamento de serviços públicos oferecidos, cobrindo aspec- tos diversos envolvidos no ser e no fazer dos cidadãos e organizações, e respectivas necessidades e possibilidades de interação com a admi- nistração municipal, englobando os principais espaços públicos dos municípios conforme apresentado na Figura 2. Os espaços das cidades podem ser entendidos como constituintes de seis “mundos” distintos e complementares, a saber: o mundo do trabalho, o da moradia, o do lazer, o da cultura laica e religiosa, o da saúde e, por fi m, o do ir-e-voltar entre esses vários “mundos”, por meio dos sistemas de circulação – que são em si próprios, um mundo também à parte. (Malta, 2003) 17 1. Fenômeno ou grupo de fenômenos, suscetível de observação e medição, que possa ser usado para indicar a presença de outro fenômeno que não pode ser medido de forma direta e conveniente. Notas: [...] 2. Os indicadores revelam aspectos de determinada realidade, podendo qualifi cá-los. (Indicador, 2008) 18 Expressão (numérica, simbólica ou verbal) empregada para caracterizar as atividades (eventos, objetos, pessoas), em termos quantitativos e qualitativos, com o objetivo de determinar o valor. (ISO, 1998) 54 RICARDO CÉSAR GONÇALVES SANT’ANA Trabalho Lazer Moradia Saúde Cultura Sistemas de Circulação Figura 2. Mundos constituídos pelos espaços das cidades. (Baseado em Malta, 2003) A cada indicador proposto neste modelo de avaliação estão asso- ciados os critérios de avaliação que tem como objetivo uniformizar a interpretação de cada indicador e dos elementos utilizados para análise, buscando-se, assim, uniformidade nos resultados obtidos. Os critérios de avaliação dos indicadores apresentam graus dis- tintos de complexidade e aprofundamento nas questões de uso das TICs, de forma a retratar coerentemente as características de uso da Tecnologia da Informação e Comunicação em função das situações passíveis de serem encontradas nos diferentes contextos. Buscou-se um número de opções para avaliar cada um dos indi- cadores que: não deve ser pequeno a ponto de não denotar diferen- ças relevantes entre contextos ou momentos de uma análise; e nem grande o sufi ciente para tornar a defi nição entre um nível e outro sutil a ponto exigir do responsável pela análise uma decisão subjetiva ou difícil em função da pequena diferença entre eles. Os indicadores propostos estão divididos em duas dimensões, que permitem que a análise e mensuração seja feita de forma parcial ou completa, em função da necessidade ou mesmo da viabilidade, sendo que cada dimensão representa um fator importante na questão do uso das TICs na interação da administração municipal com a sociedade. Apresenta-se a seguir uma descrição de cada uma das dimensões propostas: TECNOLOGIA E GESTÃO PÚBLICA MUNICIPAL 55 Disponibilização de informações públicas Agrupa os indicadores responsáveis pela mensuração do uso das TICs na disponibilização de informações públicas da área fi nanceira (receitas, Orçamento, pagamentos, licitações e contratos); sobre oportunidades de emprego na administração pública (concursos e contratação); sobre o próprio município (estrutura e calendário); sobre a legislação municipal e pertinente, e ainda, sobre informações geradas pelos usuários (reclamações e sugestões). Detalhes sobre esta dimensão encontram-se na capítulo 2 “Dis- ponibilização de Informações Públicas” Solicitação e acompanhamento de serviços públicos Identifi ca elementos relativos ao acesso, demanda e acompanha- mento de serviços públicos realizados pelas prefeituras ou sob sua responsabilidade, tais como: a) solicitação e emissão de documentos cadastrais ou referentes aos processos de pagamento de tributos municipais; b) solicitação e acompanhamento de serviços básicos como água, energia, coleta de lixo ou manutenções diversas em áreas públicas; interação para envio de reclamações, denuncias ou sugestões. Nos serviços, será sempre esperado que tenha um conjunto de informações acessíveis sobre os serviços oferecidos (cronogramas, itinerários, formas, características e tempo estimado de execução, capacidade atual de operação etc.), possíveis custos, departamentos ou empresas responsáveis pela execução, tempo estimado de resposta à execução. Importante também que haja transparência no processo de acom- panhamento dos serviços em execução, com suas respectivas fases e pontos de controle estabelecidos e situação atual de serviços em execução. 56 RICARDO CÉSAR GONÇALVES SANT’ANA Espera-se também transparência nas fi las de solicitações, tornan- do claro o processo de decisão por quais serviços serão executados, em que ordem e respectivos motivos. Detalhes sobre esta dimensão encontram-se na capítulo 3 “Soli- citando e acompanhado serviços públicos” Tem-se como resultado da análise, utilizando o modelo acima descrito, a possibilidade de identifi car não só o resultado global da mensuração, mas também dois fatores principais que o compõem, permitindo que se tenha a percepção de onde deve ser empregado maior esforço para obtenção de melhores resultados ou mesmo utilizar esta análise dimensional para estabelecer focos de atuação em função de políticas próprias e adequadas a cada realidade, por exemplo, estabelecendo uma maior atenção no acesso à informações ou aos serviços disponibilizados. Das duas dimensões do modelo aqui proposto, a primeira refl ete o uso das TICs na disponibilização das informações públicas e este é o foco da próximo capítulo. 2 DISPONIBILIZAÇÃO DE INFORMAÇÕES PÚBLICAS A sociedade tem difi culdade em relacionar o dever de pagar im- postos e o direito a ter uma administração efi ciente como contrapar- tida, ou mesmo de estabelecer uma correlação direta entre os valores que recolhe aos cofres públicos e o direito de exigir prestação de contas dos agentes políticos sobre como estes recursos estão sendo utilizados. Percebe-se que há uma confi ança generalizada de que o aumento da transparência pode aumentar de forma signifi cativa o controle social por parte da sociedade civil e de cidadãos, e de forma mais efi caz em termos de custo (Eigen, 2002) Não basta, no entanto, simplesmente criar mecanismos de res- posta a questões e necessidades de informações que venham a ser encaminhadas à administração pública; deve-se buscar minimizar os custos de obtenção destas informações (ver capítulo 1, no tópico “O que medir e por quê”), gerando a necessidade de vontade política por parte dos agentes públicos municipais na adoção de políticas e ações efetivas que antecipem a disponibilização das informações às eventuais solicitações. Tornou-se cada vez mais evidente que os órgãos públicos não podem mais se restringir a reagir – de forma passiva – às demandas de informação, mas precisam assumir uma postura pró-ativa, consi- 58 RICARDO CÉSAR GONÇALVES SANT’ANA derando a gerência e a disponibilização de informações uma função essencial do serviço público. (Frey et al., 2002) Quanto à responsabilidade em relação à gestão da informação pública a Lei 8.159 de 1991 estabelece que, com relação aos con- juntos de documentos produzidos e recebidos por órgãos públicos, instituições de caráter público e entidades privadas, em decorrência do exercício de atividades específi cas, bem como por pessoa física, qualquer que seja o suporte da informação ou a natureza dos docu- mentos, cabe ao Poder Público a responsabilidade pelo conjunto de procedimentos e operações técnicas à sua produção, tramitação, uso, avaliação e arquivamento em fase corrente e intermediária, visando a sua eliminação ou recolhimento para guarda permanente com o objetivo, entre outros, como elementos de prova e “informação”: Art. 1º É dever do Poder Público a gestão documental e a de prote- ção especial a documentos de arquivos, como instrumento de apoio à administração, à cultura, ao desenvolvimento científi co e como elementos de prova e informação. Art. 14. O acesso aos documentos de arquivos privados identifi cados como de interesse público e social poderá ser franqueado mediante autorização de seu proprietário ou possuidor. Art. 17. A administração da documentação pública ou de caráter público compete às instituições arquivísticas federais, estaduais, do Distrito Federal e municipais. § 4º São Arquivos Municipais o arquivo do Poder Exe