UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITAFILHO” FACULDADE DE ARQUITETURA, ARTES, COMUNICAÇÃO E DESIGN DEPARTAMENTO DE ARTES E REPRESENTAÇÃO GRÁFICA CAMPUS DE BAURU NATHÁLIA DOS SANTOS FERREIRA ARTE TUMULAR NO INTERIOR DO ESTADO DE SÃO PAULO: ARARAQUARA. BAURU 2021 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITAFILHO” FACULDADE DE ARQUITETURA, ARTES, COMUNICAÇÃO E DESIGN DEPARTAMENTO DE ARTES E REPRESENTAÇÃO GRÁFICA CAMPUS DE BAURU NATHÁLIA DOS SANTOS FERREIRA ARTE TUMULAR NO INTERIOR DO ESTADO DE SÃO PAULO: ARARAQUARA. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Artes Visuais, Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação UNESP/Campus Bauru, como requisito parcial para conclusão da graduação, sob orientação da Profª Drª Regilene A. Sarzi Ribeiro. BAURU 2021 NATHÁLIA DOS SANTOS FERREIRA ARTE TUMULAR NO INTERIOR DO ESTADO DE SÃO PAULO: ARARAQUARA. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Artes Visuais, Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação UNESP/Campus Bauru, como requisito parcial para conclusão da graduação, sob orientação da Profª Drª Regilene A. Sarzi Ribeiro. F383a Ferreira, Nathália dos Santos ARTE TUMULAR NO INTERIOR DO ESTADO DE SÃO PAULO: ARARAQUARA. / Nathália dos Santos Ferreira. -- Bauru, 2021 83 p. : fotos Trabalho de conclusão de curso (Bacharelado - Artes Visuais) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design, Bauru Orientadora: Regilene Sarzi Ribeiro 1. Arte tumular. 2. Patrimônio nacional. 3. Fenomenologia. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca da Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design, Bauru. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. BANCA EXAMINADORA: ____________________________________ Profa. Dra. Regilene Sarzi Ribeiro FAAC UNESP Bauru - Orientadora ____________________________________ Profa. Dra. Eliane Patrícia Grandini Serrano FAAC UNESP Bauru - Membro da banca ____________________________________ Prof. Dr. José Marcos Romão da Silva FAAC UNESP Bauru - Membro da banca Bauru, Outubro de 2021. AGRADECIMENTOS. Em primeiro lugar gostaria de agradecer a minha professora e orientadora Regilene Sarzi Ribeiro, a qual sempre levarei em alta estima. Dentro desses quase cinco anos de graduação ela foi uma das poucas pessoas que realmente mostraram preocupação com o tipo de profissional que seremos no futuro e a se importar com seus alunos enquanto indivíduos não somente como puramente trabalho. Sempre dedicada às suas aulas a fim de garantir que tiramos toda a bagagem necessária para nosso futuro profissional. Nossa parceria começou com uma iniciação científica, que me tirou da zona de conforto e me ajudou muito no meu desenvolvimento pessoal e intelectual. Se não fosse pelo convite e pela confiança dela, provavelmente seria muito diferente da pessoa que sou hoje. Agradeço aos deuses por ter tido uma professora na graduação como ela, gostaria que todos pudessem ter um professor com o mesmo grau de comprometimento e amor para com os alunos que ela tem. Gostaria também de agradecer as pessoas que cruzaram meu caminho e que levarei para sempre em meu coração, amigas imprescindíveis que sempre me estimulam a me superar. Evelyn, Sofia, Emily e Jaqueline, marcaram minha história e meu amor, obrigada! Uma menção especial a minha mãe Rosa, que sempre me respeitou enquanto indivíduo e também as minhas escolhas, pois entende e me ensinou que o amor pelo que se faz e a satisfação com que se faz são imprescindíveis para uma boa vida. Agradeço também a Profa. Dra. Eliane Patricia Grandini Serrano e ao Prof. Dr. José Marcos Romão da Silva por aceitarem fazer parte da minha banca de TCC. RESUMO Este trabalho tem como objetivo o estudo e entendimento da arte tumular como patrimônio artístico nacional, e do cemitério como um órgão protetor dessa arte – como uma discussão sobre o trabalho dos órgão de preservação patrimonial. Para tanto, além de um breve percurso sobre a arte tumular e suas origens, a pesquisa investigou questões como memória e patrimônio cultural e fez um estudo de caso sobre a arte tumular do estado de São Paulo em particular da cidade de Araraquara. O objetivo foi buscar uma reflexão dessas obras como elementos de ordem artística, discorrendo sobre o efeito que exercem no espectador, assim como as funções sociais adicionadas a elas e o resgate de suas simbologias. Palavras-chave: arte tumular, patrimônio nacional, fenomenologia, Araraquara. ABSTRACT This study have as objetive the understanding of tumular art how national artistic heritage, and the cemetery as a protective organ of this kind of art – as a discussion on the work of heritage preservation organs. Therefore, in addition to a brief journey on tomb art and its origins, the research investigated issues such as memory and cultural heritage and made a case study on tumular art in the state of São Paulo, particularly in the city of Araraquara. The objective was to seek a reflection on these works as elements of an artistic order, discussing the effect they exert on the viewer, as well as the social functions added to them and the rescue of their symbologies. Keywords: tumular art, national heritege, phenomrnology, Araraquara. LISTA DE FIGURAS Figura 1- Calímaco, o escultor; Estela tumular de Hegeso, c. -400. Estela com cena em relevo de mármore pentélico, 147 cm. Atenas, Museu Arqueológico Nacional. Fonte: https://greciantiga.org/img.asp?num=0608 Figura 2- Catacumba de São Calixto, séc II ao V. Via Ápia, Roma. Fonte: https://www.travelblog.org/Photos/5706609 Figura 3- Lápide de Lanfranco Beccaria, 1439. Basílica de Sant'Ambrogio, Milão. Fonte: https://c8.alamy.com/compit/rc08e1/una-delle-lapidi-medioevali-su-pareti-di-ansperto-atrio-della- basilica-di-sant-ambrogio-milano-lombardia-italia-rc08e1.jpg . Figura 4- Théodore Hoffbauer. O Cemitério dos Inocentes em 1550, final do séc XIX. Gravura . Paris, Museu Carnavalet. Fonte: https://de.wikipedia.org/wiki/Datei:Saints_Innocents_1550_Hoffbauer.jpg Figura5: Cripta da Catacumba de Domitila, séc. I. Via Ardeatina, Roma. Fonte: https://www.historiadasartes.com/nomundo/arte-na-antiguidade/arte-paleocrista/ Figura 6- Igreja de Santa Maria, séc XII. Saxton, Reino Unido. Fonte: https://bitaboutbritain.com/lead-chapel/ Figura 7- Tumba de Sancho d'Avila, séc XV. Catedral em Ávila, Espanha. Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Sepulcro_de_Sancho_D%C3%A1vila,_Catedral_de_% C3%81vila.jpg Figura 8- Sarcófago de D. João Afonso de Albuquerque, 1304. Mosteiro de Santa Maria de Pombeiro. Felgueiras, Portugal. Fonte: https://www.flickr.com/photos/vribeiro/4655497986 Figura 9- Túmulo de Martín Vázquez de Arce, 1486. Catedral de Siguença, Siguença, Espanha. Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Sig%C3%BCenza_-_Sepulcro_del_Doncel.jpg Figura 10- Monolito em estilo gótico, 1892. Cemitério São Bento de Araraquara. Fonte: Acervo Pessoal. Figura 11- Detalhes do monolito em estilo gótico, 1892. Cemitério São Bento de Araraquara. Fonte: Acervo Pessoal. Figura 12- Monolito em estilo neoclássico, 1897. Cemitério São Bento de Araraquara. Fonte: Acervo Pessoal. Figura 13- Detalhes do monolito em estilo neoclássico, 1897. Cemitério São Bento de Araraquara. Fonte: Acervo Pessoal. Figura 14- Representações de chamas acesas. Cemitério São Bento de Araraquara. Fonte: Acervo Pessoal. Figura 15- Jazigo ao estilo Art Déco, 1936. Cemitério São Bento de Araraquara. Fonte: Acervo Pessoal. Figura 16- Detalhes do jazigo ao estilo Art Déco, 1936. Cemitério São Bento de Araraquara. Fonte: Acervo Pessoal. Figura 17- Pranteadora com laurel, 1942. Cemitério São Bento de Araraquara. Fonte: Acervo Pessoal. Figura 18- Painel dourado com relevo, 1942. Cemitério São Bento de Araraquara. Fonte: Acervo Pessoal. Figura 19- Anjo representando a alegoria da saudade, 1921. Cemitério São Bento de Araraquara. Fonte: Acervo Pessoal. Figura 20- Anjo representando a alegoria da saudade, 1929. Cemitério São Bento de Araraquara. Fonte: Acervo Pessoal. Figura 21- Pranteadora adormecida sobre uma coroa de flores, 1925. Cemitério São Bento de Araraquara. Fonte: Acervo Pessoal. Figura 22- Anjos ascendendo ao céu carregando um corpo, 1925. Cemitério São Bento de Araraquara. Fonte: Acervo Pessoal. Figura 23- Anjo abraçado a urna, 1912.Cemitério São Bento de Araraquara. Fonte: Acervo Pessoal. Figura 24- Urna. Cemitério São Bento de Araraquara. Fonte: Acervo Pessoal. Figura 25- Anjo munido de flores, 1995. Cemitério São Bento de Araraquara. Fonte: Acervo Pessoal. Figura 26- Querubim em pé, 1971. Cemitério São Bento de Araraquara. Fonte: Acervo Pessoal. Figura 27- Querubim sentado, 1920.Cemitério São Bento de Araraquara. Fonte: Acervo Pessoal. Figura 28- Ampulheta, 1963. Cemitério São Bento de Araraquara. Fonte: Acervo Pessoal. Figura 29- Detalhe floral 1. Cemitério São Bento de Araraquara. Fonte: Acervo Pessoal. Figura 30- Detalhe floral 2. Cemitério São Bento de Araraquara. Fonte: Acervo Pessoal. SUMÁRIO INTRODUÇÃO………………………………………………………………………...6 CAPÍTULO 1. A HISTÓRIA DA ARTE FUNERÁRIA……………………………..9 1.1. Na antiguidade clássica……………………………………………………...10 1.2. No período da idade média………………………………………………….13 1.3. Idade Moderna( no século XV até o século XVIII).................................14 1.4. Modernidade e contemporaneidade (sociedades industriais- XVIII a XXI)....................................................................................................................16 1.5. Evolução da forma de sepultamento……………………………………....18 1.6. A relação entre o jazente e o orante……………………………………….26 1.7. Da capela funerária ao jazigo de família…………………………………..27 CAPÍTULO 2. A ARTE TUMULAR NO BRASIL………………………………...28 2.1. Início do cemitério e da arte cemiterial brasileira……………………….29 2.2. Durante a Belle Époque ( 1871 à 1914)...................................................31 2.3. Os responsáveis pela Arte Tumular no Brasil…………………………...32 2.4. Estado de São Paulo………………………………………………………….33 CAPÍTULO 3. A ARTE E O PATRIMÔNIO CULTURAL………………………...35 3.1. Patrimônio cultural…………………………………………………………....36 3.2. Patrimônio cultural no Brasil………………………………………………..37 3.3. IPHAN…………………………………………………………………………....39 3.4. Arte cemiterial como patrimônio cultural no Brasil…………………….40 CAPÍTULO 4. FENOMENOLOGIA DA EXPERIÊNCIA ESTÉTICA…………..42 4.1. Fenomenologia e a experiência estética………………………………....43 4.2. A teoria…………………………………………………………………………..44 4.3. Percepção estética…………………………………………………………....47 4.4. Objeto estético………………………………………………………………...50 4.5. A fenomenologia da experiência estética e a arte tumular…………....52 CAPÍTULO 5. ANÁLISE DAS SIMBOLOGIAS…………………………………..54 5.1. Cemitério São Bento de Araraquara……………………………………….55 5.2. As simbologias………………………………………………………………...56 CONSIDERAÇÕES FINAIS………………………………………………………...71 REFERÊNCIAS……………………………………………………………………...74 INTRODUÇÃO Nas tardes ensolaradas a população vivente visita os mortos e decifra os próprios nomes nas Lajes de pedra: da mesma forma que a cidade dos vivos, esta comunica uma história de sofrimentos, irritações, ilusões, sentimentos; só que aqui tudo se tornou necessário, livre do acaso, arquivado, posto em ordem. E, para se sentir segura, a Laudômia vivia precisa procurar na Laudômia dos mortos a explicação de si própria, não obstante o risco de encontrar explicações a mais ou menos: explicações para mais de uma Laudômia, para cidade diferentes que poderiam ter existido mas não existiram, ou razões parciais, contraditórias, enganosas. (CALVINO, 2001, p.127) Por conta do valor histórico empregado aos cemitérios seculares, por serem entendidos como um arquivo para a humanidade, seja tanto por guardarem informações referentes a história do desenvolvimento dessas cidades e as pessoas que compunham sua população ao longo desse tempo, mas também por serem detentores de uma arte específica de um tempo e construção social que já não mais presente nos movimentos artísticos atuais. O primeiro capítulo que compõe o presente trabalho traz a evolução da arte funerária no ocidente, tendo como ponto de partida a arte funerária produzida pelos gregos e romanos e desembocando na arte tumular da forma como se configura no século XIX até a primeira metade do século XX. O segundo capítulo aborda arte tumular em território brasileiro, discorrendo sobre quais influências ela se desenvolveu e traçando um panorama geral do desenvolvimento e valor social referentes a esse tipo de expressão artística. Patrimônio cultural é o assunto abordado no terceiro capítulo. Trazendo uma conceitualização do que seria patrimônio cultural, assim como o seu desenvolvimento no Brasil, e também como as obras de arte tumulares brasileiras, presentes nos cemitérios seculares, ganham a importância do patrimônio cultural nacional. No quarto capítulo pretende uma análise da arte tumular pautada pela teoria da experiência da fenomenologia estética de Mikel Dufrenne. 6 No quinto e último capítulo consiste em uma análise das simbologias presentes nas obras tumulares, a partir de fotos coletadas no cemitério São Bento, localizado na cidade de Araraquara. Levando em conta as instâncias metodológicas da pesquisa no campo das artes visuais e análise bibliográfica. O método escolhido foi a pesquisa sobre arte, e apresenta um diálogo entre os campos da sociologia e história, sendo qualificada como quantitativa. Em linhas gerais este trabalho busca traçar um percurso histórico da arte tumular, articular e entender os caminhos feito pela arte cemiterial para que esta fosse entendida como patrimônio cultural no contexto brasilero, assim como explicitar seu valor artístico ao buscar entendê-la através da ótica da teoria da fenomenologia da experiência estética de Mikel Dufrenne. Para entender e levantar dados sobre a relação do homem ocidental, com enfoque no contexto europeu, com os temas relacionados à morte e principalmente sua relação com a arte dedicada aos falecidos foi usado como base as teorias e pensamentos de Phillipe Ariés (1977 e 1982). Para entender como essa arte surgiu e para onde caminhou em território brasieiro tomei como parâmetro teórico os escritos sobre arte tumular no Brasil de Maria Elizia Borges (1991, 1997 e 2001) e de Clarival do Padro Valladares (1972). Para embasar o capítulo sobre patrimônio cultural, para a conceitualização do termo foram usados os escritos da historiadora Françoise Choay (2001) e para compreender o patrimônio cultural no contexto brasileiro o auxílio teórico usado veio da pesquisadora Maria Cecília Londres Fonseca (1997). A construção do pensamento da arte tumular como objeto de arte, portanto objeto estético, tem como apoio teórico a teoria de fenomenologia da experiência estética de Mikel Dufrenne (2008). Em relação a pesquisa prática sobre simbologias contei com o auxílio teórico da compilação de símbolos e significados na arte tumular de autoria de Douglas Keister (2004), o campo de estudo escolhido foi o Cemitério São 7 Bento, fundado em 1873 na cidade de Araraquara, interior de estado de São Paulo. No cemitério São Bento coletei fotos dos exemplares de arte tumular, que passaram por uma seleção a fim de coletar as imagens de estatuária cemiterial com as obras mais expressivas e pertinentes, em relação ao estudo e identificação das simbologias. 8 9 CAPÍTULO 1. ARTE FUNERÁRIA – ARTE CEMITERIAL Este capítulo se baseia nas teorias e escritos de Philippe Ariés, que foi um importante historiador francês, seus estudos contribuíram de forma importante para a área de estudo da arte tumular, tornando-se um autor essencial para a pesquisa em arte funerária. A arte funerária se refere a um conceito mais amplo, diz respeito a toda uma arte que faz referência direta a pessoas já falecidas, tendo ou não a função de acomodar o corpo, e podem ser encontradas para além dos cemitérios. Dentro da arte funerária encontram-se expressões da arte cemiterial, aquela contida dentro dos cemitérios, podendo não ter relação com um túmulo específico, mas está presente na localidade do cemitério. Já a arte tumular faz menção direta a obras que se encontram nos locais de sepultamento, onde há um corpo de fato. (AIRÈS, 1977) 1. Na antiguidade clássica. Os túmulos romanos pagãos, datados do século II até IV, eram comemorativos e ricamente ornamentados. Acreditava-se que o descanso eterno dependia não somente das oferendas e rituais dedicados aos mortos, mas também do renome que este preservava na terra. Seu descanso dependia da manutenção de sua memória. A forma mais comum de sepultamento era o sarcófago de pedra. Sobre esses sarcófagos geralmente tinha-se esculturas em mármore, estelas entalhadas com cenas ilustrativas referentes aos eventos marcantes da vida do falecido, poderiam conter também estátuas e retratos. (AIRÈS, 1977) 10 Figura 1: Calímaco, o escultor; Estela tumular de Hegeso, c. -400. Estela com cena em relevo de mármore pentélico, 147 cm. Atenas, Museu Arqueológico Nacional. Fonte: https://greciantiga.org/img.asp?num=0608 As estelas funerárias foram amplamente usadas nesse período da história que corresponde a Antiguidade Clássica, século VIII a.C. ao século V d.C. Retratavam o morto de forma que ficasse evidente sua ocupação e status social. Com o decorrer do tempo outros membros da família passaram a ser incluídos nesses relevos. Os mortos eram enterrados em cemitérios, situados ao decorrer das estradas que levam para fora da cidade (AIRES, 1977). Contemporânea a esta cultura mortuária greco-romana temos o surgimento do Cristianismo. O período conhecido como paleocristão durou do século II ao V. Devido a proibição do cristianimo, os cultos aconteciam de forma ilegal em catacumbas, onde também aconteciam os sepultamentos dos fiéis. Os sepultamentos eram feitos em lóculos, que eram escavações nas paredes das catacumbas em formato de nichos empilhados uns em cima dos outros, por motivos espaciais. Eles apresentavam dimensões pequenas, neles eram depositados os corpos, e depois eram selados com uma placa de pedra. 11 Nesse período os túmulos apresentavam pequenas decorações florais e de símbolos religiosos, algumas catacumbas tinham suas paredes ricamente decoradas com pinturas referentes à mitologia cristã. Figura 2: Catacumba de São Calixto, séc II ao V. Via Ápia, Roma. Fonte: https://www.travelblog.org/Photos/5706609 Em meados do século V, ocorreu o rompimento com a unidade cultural romana, o que consequentemente promoveu o anonimato dos túmulos. Por conta das crenças cristãs, tanto a identificação quanto a localização dos túmulos já não eram importantes. O motivo do anonimato vem da noção cristã, onde para se garantir o descanso eterno daqueles que se foram, o sepultamento em terras sagradas era suficiente. Somente os túmulos dos considerados santos fugiam à regra do anonimato. Os corpos das pessoas santas eram vistos como um canal de ligação com o divino, sinalizados por serem uma peça fundamental para o culto. Era de suma importância que esses túmulos fossem sinalizados e sua localização conhecida. Com a ascensão do cristianismo a partir do século V, os sepultamentos que antes eram feitos em catacumbas e nas necrópoles, agora passa a ser feitos dentro e ao redor das igrejas como forma de fortalecimento da convicção de solo sagrado. Os enterros que ocorriam dentro das igrejas, por 12 mais que fossem anônimos, eram altamente prestigiados. A prática permaneceu comum até meados do século XVIII. 2. No período da Idade Média. Uma característica geral dos sepultamentos durante a Idade Média é o anonimato. Somente nos séculos finais da Idade Média notasse uma movimentação por parte dos nobres e da burguesia em direção ao restabelecimento dos túmulos visíveis e comemorativos. Segundo o historiador francês Philippe Ariés sua investigação o levou: [...] a descobrir a antiga prática funerária, tão diferente da nossa: a exiguidade e o anonimato das sepulturas, o amontoamento dos corpos, o emprego das fossas, o acúmulo dos ossos nos ossários - signos que interpretei como marcas da indiferença em relação aos corpos. A partir de então, podia dar uma resposta ao problema em questão: os cultos funerários da antiguidade, mesmo aqueles com alguns traços remanescentes no folclore, haviam seguramente desaparecido. O cristianismo livrar-se dos corpos abandonado-os à Igreja, onde eram esquecidos. Foi apenas no final do século XVIII que uma nova sensibilidade não mais tolerou a indiferença tradicional, e que uma devoção foi inventada, tendo sido tão popularizada e difundida na época romântica que acreditaram-na imemorial. (ARIÈS, p.19, 1974) No início da Baixa Idade Média o túmulo visível começa de forma gradativa e lenta a se tornar cada vez mais frequente. No século XII aconteceu o reaparecimento das inscrições nos túmulos, que durante a Alta Idade Média tinham desaparecido - processo que se inicia durante a era paleocristã. Ainda conforme Ariès: A partir do século XI começa pelo contrário, este novo período longo e contínuo durante o qual o costume do túmulo visível, e muitas vezes dissociado do corpo, torna-se mais frequente. À vontade de comemoração estende-se então dos grandes personagens ao mais comum dos mortais que, muito discretamente e muito progressivamente, procura sair do 13 anonimato ao mesmo tempo que, entretanto, lhe repugna ultrapassar um certo limite de ostentação, da presença realista - cujo limite será variável de acordo com as épocas. (ARIÈS, p. 278, 1977) As inscrições, conhecidas também como epitáfio , tinham como intuito1 reafirmar a identidade na morte, limitavam-se a informações sobre a identidade do defunto e por vezes algumas palavras de elogio. (ARIÈS, 1977) Do século XII o anonimato dos sepultamentos começa a dissipar-se lentamente, movimento que inicia-se com a nobreza e os indivíduos mais ilustre e socialmente influentes, e estende-se até o século até XVIII, quando os túmulos individuais e visíveis atingem as camadas mais populares, como os pequenos burgueses e artesões. As pessoas pobres, eram enterradas em vala comum somente como sua mortalha ou por vezes nem isso. A elas até os sepultamentos anônimos nas dependências das igrejas eram negados, sem surpresa, também ficam de fora do processo de ressurgimento dos túmulos comemorativos. 3. Idade Moderna ( no século XV até o século XVIII) De acordo com Ariès (1977) o esvanecimento do costume do anonimato que inicia-se no século XII e completa seu ciclo no século XVIII, fomenta durante o seu desenvolvimento uma nova maneira do homem se relacionar com a morte, que modifica a sua ideia de salvação, que por sua vez tem consequências na arte tumular. Do século XVI ao século XVIII, nota-se uma mudança de pensamento em relação à escatologia cristã. Para a salvação do morto era preciso mais do que o enterro em solo sagrado, como se acreditava nos séculos anteriores, a salvação passou a depender também do renome deixado na terra. A memória e a glória eram complementares, então era comum que os feitos de caridade fossem amplamente divulgados, juntamente com os feitos heróicos, Como condição para se alcançar a glória nos céus, o falecido teria 1 Derivado do latim epitaphius que significa discurso fúnebre. (REZENDE, 2014, p.204) 14 que ter gozado de glória em vida e esta teria que perdurar na memória dos vivos, o que deixa a salvação da alma dependente das lembrança deixada na terra. A partir do século XVI, se juntam aos piedosos epitáfios as informações que indicavam a idade em que morrera e a data de falecimento do defunto. No século seguinte ocorre o fenômeno do desenvolvimento literário desses epitáfios, que consistia em uma pequena bibliografia adicionada a literatura convencional encontrada em epitáfios. Nesse recorte temporal percebe-se que havia uma vontade, por parte da família ou do próprio morto, de perpetuação da memória de vida e de seus atos gloriosos. Porque para além dos motivos religiosos essa manutenção da memória também servia para endossar a moral, o respeito e a importância social do nome da família a qual a morte pertencia, impulsionando o prestígio social (ARIÈS, 1977). Figura 3: Lápide de Lanfranco Beccaria, 1439. Basílica de Sant'Ambrogio, Milão. Fonte: https://c8.alamy.com/compit/rc08e1/una-delle-lapidi-medioevali-su-pareti-di-ansperto-atrio-della- basilica-di-sant-ambrogio-milano-lombardia-italia-rc08e1.jpg . 15 4. Modernidade e Contemporaneidade (sociedades industriais - XVIII a XXI). A era moderna tem seu início marcado pela migração dos sepultamentos. Uma vez que os sepultamentos em igrejas passam a ser ilegais, devido a questões legislativas, no caso da França, sanitárias e espaciais. Esse local foi reduzido e desapareceu na Idade Média, como vimos, quando os túmulos se agruparam ao lado das igrejas ou as encheram. Nas topografias urbanas, o cemitério já não era mais visível ou já perderam a identidade; confundindo-se com as dependências da igreja e os espaços públicos. (ARIES, p.638, 1977) O cemitério que antes era o destino dos menos afortunados, apresentava monumentos coletivos, sendo eles grandes cruzes, púlpitos de pregação ou oratórios. Os enterros aconteciam em volta dessas construções, que muitas vezes eram doadas com o objetivo de engrandecer o nome do benfeitor. 16 Figura 4. Théodore Hoffbauer. O Cemitério dos Inocentes em 1550, final do séc XIX. Gravura . Paris, Museu Carnavalet. Fonte: https://de.wikipedia.org/wiki/Datei:Saints_Innocents_1550_Hoffbauer.jpg No século XVII, o tipo de túmulo mais frequente era bastante simples. O modelo era composto por uma laje nua acompanhada de uma estela ou cruz e uma breve inscrição sobre a pessoa que jazia na tumba. Com a popularização dos cemitérios ao ar livre, as cruzes coletivas pouco a pouco se tornaram individuais. Outros monumentos, que se inspiravam na estatuária e ornamentação das grandes artes das igrejas, começaram a surgir. Pessoas com condições modestas começaram a adquirir túmulos nos cemitérios, imitando de forma reduzida as grandes obras da arte funerária. Esses túmulos serviam também como um indicativo das condições financeiras do falecido e sua família. Ora, a partir do início do século XIX, o cemitério volta à topografia. Hoje, uma vista panorâmicas das cidades e mesmo 17 dos campos nos permite observar nas malhas dos tecidos urbanos manchas vazias, mais ou menos verdes, imensas necrópoles de grandes cidades, pequenos cemitérios das aldeias, algumas vezes em torno da igreja, muitas vezes fora da aglomeração. Sem dúvida, o cemitério de hoje não é mais a reprodução subterrânea do mundo dos vivos que era na Antiguidade, mas notamos bem que ele tem um sentido. A paisagem medieval e moderna organizou-se em torno dos campanários. A paisagem mais urbanizada do século XIX e no início do século XX tentou dar ao cemitério ou aos monumentos o papel preenchido anteriormente pelo campanário. O cemitério foi (e é ainda?) o sinal de uma cultura. (ARIES, p.638, 1977) 5. Evolução da forma de sepultamento. As inumações em túmulos, independente de qual natureza, durante2 grande parte da história da arte tumular esteve fora do alcance dos cidadãos de classes sociais mais baixas, periféricos. A eles eram reservados enterrados em valas comuns praticamente descobertas, o que expunha os cadáveres às pessoas, e também animais que se alimentavam desses corpos. Eram envolvidos mortalhas, ou por vezes nem isso. Durante os séculos III ao IV, por parte dos romanos não cristãos, era muito comum o sepultamento em sarcófagos, que eram grandes caixas com tampas esculpidas em pedra. No túmulo dos importantes e mais abastados continham inscrições, retratos, esculturas e relevos sobre passagens de mitos greco-romanos que se relacionavam com o falecido, ou os eventos mais marcantes de sua vida. Esses sarcófagos eram ricamente decorados, continham identificações sobre o falecido e sua localização era de conhecimento público. Para demais cidadãos romanos, no período de transição dos antigos ritos politeístas para a religião cristã, os enterros aconteciam nas necrópoles, onde se encontravam sarcófagos de pedra mais simples. Na era paleocristã os fiéis somente podiam manifestar sua religiosidade dentro de locais escondidos como as catacumbas, toda a vida 2 Sepultar; enterrar (BUENO, 2000, p.446). 18 religiosa acontecia naqueles espaços, desde os ritos de nascimento até o enterro dos mortos. Como já mencionado anteriormente a inumação corria nos loculi, os sepultamentos em sarcófagos eram destinados aos homens considerados santos. Os sarcófagos dos santos estavam unidos aos altares utilizados nas celebrações e rituais. Em algumas ocasiões, dentro das catacumbas, ocorriam também o sepultamento sobre arcosolium , onde a forma de um arco era esculpida na3 parede, e embaixo dele tinha-se um pequeno sarcófago. Figura 5: Cripta da Catacumba de Domitila, séc. I. Via Ardeatina, Roma. Fonte: https://www.historiadasartes.com/nomundo/arte-na-antiguidade/arte-paleocrista/ Quando o cristinaimo toma o lugar do paganismo na Roma antiga, as práticas cristãs, que antes ocorriam nas catacumbas, passam a ser feitas dentro de templos, chamados de igrejas. Assim como toda a prática cristã começou a ser feita dentro das igrejas, os enterros também eram feitos dentro delas ( nos chãos e paredes) e no terreno nos arredores do templo. Por volta do século XI, dentro das igrejas se tinha os túmulos epitáfios, que eram buracos pequenos na estrutura física da igreja (paredes, colunas e o chão), onde se depositavam somente os ossos, transferidos de sepulturas 3 Termo advindo da junção das palavras latinas arcus (dar forma de arco) e solium (sarcofago) (REZENDE, 2014, p.49 e p. 702). 19 provisórias. Esses buracos recebiam uma tampa de pedra ou cobre, e todo o espaço dessas tampas eram usados para a gravação do epitáfio. Outro tipo de inumação comuns dentro de igrejas era a tumba rasa, normalmente apresentavam pinturas ou relevos baixos a fins de identificação. Figura 6. Igreja de Santa Maria, séc XII. Saxton, Reino Unido. Fonte: https://bitaboutbritain.com/lead-chapel/ A partir do século XIII o alto relevo na arte funerária passa a substituir as pinturas e os relevos leves, que eram comumente usados em inumações mais rudimentares dentro das igrejas. Essa substituição teria influência sobre a estatuaria dos pedestais que viriam a ser empregados nos túmulos murais. Com o tempo as inumações dentro das igrejas perderam o caráter de acolhimento dos corpos dos fiéis, e passou a ser restrita a esfera dos nobres e ricos. Outra forma de túmulo medieval e moderno encontrados dentro das igrejas são os túmulos verticais e murais, classificados dessa forma pois se encontravam próximos aos muros. Consistiam em um tipo de sarcófago colocado contra a parede, que apresentavam três faces decoradas e estavam posicionados embaixo de um arco feito na parede da igreja, chamado também de sepultamento sobre arcosolium. 20 Figura 7. Tumba de Sancho d'Avila, séc XV. Catedral em Ávila, Espanha. Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Sepulcro_de_Sancho_D%C3%A1vila,_Catedral_de_% C3%81vila.jpg Segundo Philippe Aries, um dos maiores estudiosos do tema, os túmulos murais se assemelham em forma aos sarcófagos paleo-cristões, que não eram tão ricamente ornamentados. Já as inumações sobre arcosolium da Idade Média e modernidade eram monumentais e visíveis, apresentavam efígies e inscrições para a identificação dos defuntos. Com o passar do tempo, mais precisamente ao longo do período que se estende do século XV até o século XVII, os túmulos murais vão ganhando dimensões cada vez mais vastas, ocupando cada vez mais os muros das igrejas, principalmente em altura. Nos sepultamentos em arcosolium as três faces que ficavam aparentes eram decoradas com grande riqueza de detalhes. Poderiam haver pinturas ao fundo dos jazigos, baixo relevo nas paredes laterais e alguns desses sarcófagos eram posicionados sobre pedestais. A monumentalidade na arte funerária alcança seu ápice durante os séculos XIV, XV e XVI. A suntuosidade dos túmulos servia como uma forma de garantir a sobrevivência da memória do morto, e também que os serviços necessários para a manutenção dessa memória fossem feitos. Nas tampas dos sarcófagos 21 eram comuns esculturas de figuras humanas deitadas, que eram efígies do tipo jazente. O hábito de acrescentar efígies sobre as tampas dos sarcófagos com4 jazigo começa por volta de XII e XIII. Essas figuras usadas para representar os mortos possuíam os olhos abertos, aparentavam estar em pé, porém posicionadas na vertical, o que despertava nos vivos a sensação de que o jazente apenas repousava. Figura 8. Sarcófago de D. João Afonso de Albuquerque, 1304. Mosteiro de Santa Maria de Pombeiro. Felgueiras, Portugal. Fonte: https://www.flickr.com/photos/vribeiro/4655497986 No século XIV as efígies passaram a ter seus olhos fechados e a serem dotadas de uma maior verossimilhança em relação a anatomia humana. A escultura também é acrescida de uma almofada de apoio para a cabeça. Em XV a XVII os túmulos com efígies tornam-se mais frequentes, popularizando-se dentre as demais classes sociais. As efígies mais populares conservaram o caráter artificial das estátuas dos séculos XI e XII, eram produzidas em série deixando somente o rosto para ser customizado de acordo com as feições dos jazentes. Os túmulos com efígie comuns apresentam estabilidade estilística na representação das formas, já os túmulos de pessoas mais ricas apresentavam 4 Representação de uma pessoa em forma de estátua, pintura ou relevo. 22 muitas variantes. Um exemplo de variante é o jazente parcial, onde a estátua está escorada em um de seus braços, surge durante o século XVI . No século XV, o morto exposto em repouso reage por sua vez, sobre o jazente, seu modelo. O jazente italiano do século XV e XVI é de fato um morto exposto, e não um vivo bem aventurado: repousa num caixão ou no leito solene; acaba de morrer. Todavia, não é realista: seu corpo, que a vida terrestre abandonou, não representa qualquer sinal da dissolução - pelo contrário, reveste a atitude e a calma do repouso eterno, na espera pacífica do último dia. (ARIÈS, p.327, 1977) Essas variações também tinham a função de evidenciar traços bibliográficos através de imagens. Adicionando animais que através de suas simbologias indicariam traços da personalidade do sepultado, ou até objetos que distinguiam patentes militares ou religiosas. Comunicavam aos vivos de forma visual quem eram esses jazentes e sua ocupação, como um registro da personalidade. De acordo com Ariès “Cabia a efígie expressar a plenitude da função da mesma forma que cabia a inscrição fornecer os dados do estado civil.” (ARIÈS, p.343, 1977). 23 Figura 9. Túmulo de Martín Vázquez de Arce, 1486. Catedral de Siguença, Siguença, Espanha. Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Sig%C3%BCenza_-_Sepulcro_del_Doncel.jpg Nos túmulos mais audaciosos e monumentais, por meados do século XVI, a efígie repartida se faz presente. Ela consiste na representação do falecido tanto na forma de jazente como na de orante, uma modalidade de efígie onde o morto era apresentado ajoelhado em posição de oração. Essas grandes obras traduzem a tendência à monumentalidade e ao grandioso que caracteriza os túmulos do final da Idade Média e início dos tempos modernos. (ARIES, p.336, 1977) A dupla representação, frequente nas necrópoles reais, seria o último modelo de arte funerária da Idade Média. Essa configuração não dura muito tempo, e o jazente perde espaço para o orante, que agora ganha o protagonismo das sepulturas. Foi na Itália que a efígie do tipo orante se desenvolveu de forma mais expressiva, seguindo as noções de movimento e dramaticidade do Barroco italiano. Depois do jazente o orante se tornou a imagem convencional da morte, tendo seu declínio no séc XVIII. De acordo com Ariés. Um dos traços dominantes do monumento comemorativo é o retrato parecido do grande homem. O monumento transformou-se numa estátua. Na mesma época, isso é, do século XVI ao XVIII, o retrato, com a inscrição também se tornou elemento capital do túmulo banal. Não a estátua de pé, privilégio da elite, mas o busto ou mesmo apenas a cabeça. Os caracteres fundamentais da personalidade estão cada vez mais concentrados no rosto, a ponto das outras partes do corpo interessarem menos e serem negligenciados: já não é necessário representá-las. Assim, o orante ficou reduzido apenas à cabeça. (ARIÈS, p.350, 1977) A grandiosidade e monumentalidade caracterizam a arte funerária no final da Idade Média e início dos Tempos Modernos, e alguns túmulos renunciavam aos temas religiosos. Os túmulos, que antes possuíam as funções escatológica e comemorativa, passaram a ser predominantemente comemorativos. Os cemitérios, do século XV até o início do século XIX, nos espaços que poderiam ser ocupados por decoração e iconografia eram basicamente 24 povoados por grandes cruzes. As classes sociais que até então não tinham tido acesso a túmulos visíveis, começam a ter. No começo do século XIX eram comuns nos cemitérios dois grupos de construções. O primeiro composto por monumentos pequenos e o segundo por grandes edificações. O grupo dos pequenos monumentos tinha como base o modelo de sepultura do tipo quadro, sendo este a junção do túmulo mural e o orante. No segundo grupo se enquadram os jazigos de família. Os jazigos de família recriam as capelas funerárias. Composto de uma estrutura que comportava todos os requisitos necessários para culto religioso em homenagem aos mortos. Em um primeiro momento os jazigos eram esteticamente inspirados nas capelas góticas, modelo que foi abandonado no final do século. Com a popularização dos jazigos seu tamanho foi reduzido, transformando-se em um pequeno oratório privado, restrito a membros da família. Diferente da arte tumular da Idade Média e Moderna, que eram regidas por modelos definidos, a arte tumular do século XIX e XX é bastante eclética. Percebe-se a influência da arte funerária da Antiguidade Clássica e do Neoclassicismo. Era também comum de se encontrar nos cemitérios elementos como estelas com urna, colunas quebradas ou completas, pseudos sarcófagos, pirâmides e obeliscos. O túmulo não detém mais de um carácter comemorativo, a partir desse momento é visto como um local de visita e peregrinação. O cemitério tornou-se uma instituição cultural. Lugar que abrigava eventos sociais e propiciava interações entre os demais membros de uma sociedade. Frequentar os cemitérios era visto como um passeio comum, principalmente durante o séc. XIX. Homens do século XX, preservemos nos aqui um grande contrassenso. O passante não é, como ficaríamos tentados a imaginar de acordo com nossa própria prática, um parente, um amigo, um familiar de defunto, que o conheceu, daria sua morte chora por ele e vem visitar seu túmulo. Esse sentimento é absolutamente desconhecido até o fim do século XVIII. O interlocutor do morto é 25 realmente um passante ( "que por aqui passarem ", qui transis), um estranho que atravessa cemitério ou entra na igreja para fazer suas emoções ou porque seu caminho ou porque a igreja cemitério são locais públicos e de encontro. É por essa razão que os testadores procuram para sua sepultura os locais ao mesmo tempo mais sagrados e mais frequentados. (ARIES, p.292, 1977) No séc. XX a importância da estatuária diminui, ao mesmo passo em que se tem cada vez mais túmulos lisos adornados por uma foto, ou somente uma placa de identificação. a. Por motivos espaciais e econômicos, os grandes monumentos funerários caem em desuso. Por esses motivos a arte tumular, aos moldes da contemporaneidade, é tida como um tipo de arte que não é mais produzida, restrita ao período que compreende o século XIX e a primeira metade do século XX. 6. A relação entre o jazente e o orante. Para um melhor entendimento do que seriam os jazentes e os orantes, precisamos nos atentar ao pensamento referente à morte por trás dessas representações. O jazente está ligado à ideia de corpo em repouso que espera o fim dos tempos, onde se teria a ressurreição dos corpos para se submeterem ao juízo final. Até o século XII não se concebia a ideia de separação entre alma e corpo. Por esse motivo a divulgação da localização dos sepultamentos e sua identificação não eram tidos como necessários, somente que o corpo fosse sepultado em ad sancto .5 Após o século XII o pensamento que permeia a escatologia cristã seria a de emancipação do corpo em relação com a alma. Após a morte a alma deixaria o corpo, e esta passaria por um julgamento particular. O orante representa essa antecipação da salvação, representa uma figura da eternidade, e não o homem mundano como o jazente. Com isso o homem toma consciência sobre a individualidade do ser diante da morte, o que se desdobra em uma vontade de identificar os túmulos e 5 Ad sanctos é um termo em latim que significa aos santos, fazendo referência aos enterros próximos ou em templos religiosos, próximos aos santos. 26 preservar a individualidade no pós-morte. Vontade que desencadeou o lento processo de resgate dos túmulos visíveis, que durante a baixa Idade Média eram anônimos. A pretensão por túmulos visíveis foi gradativamente se espalhando para as demais classes sociais. Como acabamos de ver, a individualização da sepultura aparece entre os personagens mais importantes no final do século XI. Em compensação, talvez seja preciso esperar pelo fim do século XIII e, com toda certeza, meados do século XIV, para que as efígies funerárias sejam verdadeiros retratos. (ARIES, p.343, 1977) 7. De capela funerária a Jazigo de Família. Na Idade Média as capelas tinham uma dupla função, a de culto, executada pelo capelão, e a funerária, de catacumba. Essas capelas podiam ser de caráter particular, usada somente pelos membros de uma mesma família, ou confrarias, onde eram compartilhadas por duas ou mais famílias. Era comum também que fossem as capelas laterais das igrejas. Os jazigos de família, frequentes nos séculos XIX e XX, são uma evolução das capelas funerárias, em proporções menores, mantendo somente as funções referentes ao sepultamento. 27 28 CAPÍTULO 2. ARTE TUMULAR NO BRASIL 1. Início dos cemitérios e da Arte Cemiterial Brasileira. A arte cemiterial no Brasil inicia-se e tem o seu auge durante a Primeira República, que acontece entre os anos de 1889 até 1930. Mas antes disso, durante o Brasil Colônia os sepultamentos eram de responsabilidade da Igreja católica, que realizava as inumações dentro das igrejas e em seu entorno, assim como era feito nos países europeus. Nas décadas finais do Brasil Colônia e durante o Brasil Império, que inicia-se em 1822 e encerra-se em 1889, registra-se uma certa movimentação em prol da secularização e da construção de cemitérios convencionais ao ar livre. O termo cemitério convencional ao ar livre refere-se a espaços afastados dos centros urbanos destinados ao sepultamento. Cercado por muros com suas entradas fechadas por um ou mais portões, o que passa a ideia de ser uma instituição fechada. A secularização dos cemitérios, ou seja, a estatização desses espaços, na época, conferia mais como uma disputa de poder com a igreja, do que uma preocupação genuína com o destino dado aos mortos. No ano de 1789 foram feitas recomendações impulsionadas por ideais higienistas que começaram a surgir na Europa, por parte de Dona Maria de Portugal direcionadas ao Bispo do Rio de Janeiro, para que houvesse a separação entre cemitérios e igrejas. A questão voltou a ser comentada somente em 1801, quando o Príncipe Regente Dom João reitera a necessidade dos cemitérios serem instalados em locais apropriados, onde não causem problemas de ordem sanitária. 29 Dom Pedro I promulgou a Lei de 1 de outubro de 1828, onde no Título III, na sessão de Posturas Policiaes, no segundo parágrafo do Art. 66 instaura a obrigatoriedade dos cemitérios serem do tipo convencional e a céu aberto. A decisão foi recebida com muitos protestos pela elite que controlava os jornais da época. Sobre o estabelecimento de cemiterios fóra do recinto dos templos, conferindo a esse fim com a principal autoridade ecclesiastica do lugar; sobre o esgotamento de pantanos, e qualquer estagnação de aguas infectas; sobre a economia e asseio dos curraes, e matadouros publicos, sobre a collocação de cortumes, sobre os depositos de immundices, e quanto possa alterar, e corromper a salubridade da atmosphera. (DOM PEDRO I, 1828) A secularização dos cemitérios só vai ocorrer de maneira definitiva com a instauração da Primeira República. Mesmo com a construção de cemitérios ao ar livre de administração pública, como o caso do Cemitério da Consolação, fundado em 1858, algumas inumações continuavam acontecendo dentro das Igrejas. Em sua origem, a arte tumular brasileira consistia na reprodução de modelos de túmulos europeus, acessados por meio de catálogos vinculados entre as marmorarias da época, que eram especializadas nesse tipo de obra. Então esta tem como base e desenvolveu-se simultaneamente a arte tumular nos países europeus. Segundo Valladares ( 1972), os primeiros túmulos tinham inspiração nos modelos neoclássicos vindos de Portugal, o que se mantém até 1870. Depois passaram a ser importados da Itália e França, dentre outros países europeus o que conferia as obras caráter romântico ou eclético, no estado de São Paulo a importação acontecia majoritariamente da Itália. A partir de 1905, houve a predominância da influência do estilo de art nouveau. Porém os estilos neoclássico, neogótico, art déco, eclético, romântico, modernista e realista também mostram sua influência sobre a arte funerária, tanto na estatuária como na arquitetura, difundidos pelas mãos dos artistas-artesões. 30 De acordo com Borges (2002) a arte funerária era ricamente ornamentada, o que traduzia o gosto da elite burguesa brasileira, já que a arte funerária “ [...] reflete a mentalidade e o gosto dominante do grupo social que de que se procede [...]” (BORGES, 2002, p.162). Os cemitérios costumam ser os locais mais visitados de uma cidade, o que interferia na forma com que os cemitérios eram organizados. Os lotes mais procurados eram aqueles onde se concentrava o maior fluxo de passageiros, nas vias principais dos cemitérios. Os lotes que ficam virados para as vias de passagem eram reservados para os mortos das famílias mais abastadas da cidade. Os túmulos tinham o sentido de preservação da memória do falecido e de suas boas qualidades. Essas mensagens eram transmitidas de forma visual através da simbologia impregnada nas imagens, ou em forma verbal através dos epitáfios. 2. Durante a Belle Époque ( 1871 à 1914). Durante o período histórico que antecede a primeira guerra mundial, conhecido como Belle Époque, a arte tumular tanto no Brasil como em países europeus, adquire representação mais realista. Os artistas-artesãos passaram a imprimir nas imagens dos anjos com uma aparência mais comum, de pessoas do cotidiano. Os anjos passaram a ser amplamente usados na arte tumular, agindo como uma espécie de sentinela dos túmulos da burguesia. Nesse momento também se nota uma nova espiritualidade lírica, a qual fundamenta-se no romantismo, o que tem grande influência sobre as obras e símbolos da arte funerária, mas sem que se abandone o realismo das representações. Segundo Borges (2002) as principais características desse tipo de arte, durante a Belle Époque, eram o retratismo do indivíduo e familiar, símbolos de fortuna e a influência da art nouveau. O retratismo, como o nome já explicita, era a tendência de adicionar o retrato do falecido ao túmulo, muitas vezes essas representações assumem o 31 protagonismo do túmulo. O retratismo familiar consistia em colocar junto com o retrato do falecido retratos de outros membros da família do morto. O símbolo de fortuna, que aparecia nos túmulos da elite e burgueses, eram elementos que indicavam as condições financeiras e as propriedades da família. Esses símbolos apareciam em bustos, inscrições bibliográficas, listas das ações filantrópicas do falecido, e em adornos e ornamentos. A influência da Art nouveau na arte funerária atingiu a arquitetura e conferiu à estatuária tumular uma certa sensualidade na maneira de retratar as figuras. Mesmo os artistas-artesãos tendo formação acadêmica acabaram por absorver traços da art nouveau nas obras de arte tumular. Segundo o historiador da arte Clarival do Prado Valladares: É na arte tumulária que o art nouveau se denuncia como um estilo capaz de representar o nu através de uma nova linguagem plástica, diferente e inovadora. É quase certo ser esta a característica da atitude reação antiacadêmica. Sem perder a conotação de realismo figurativo, conduziu a figura a uma nova metáfora. A estatuária do art nouveau dispensou o planejamento de inspiração classista e inventou um outro de considerável riqueza plástica. É mais o pretexto para mostrar o corpo humano na plenitude de seus atrativos ainda mesmo, e talvez, sobretudo, quando a serviço da arte tumulária. O enlevo, o êxtase e a resolução se expressam plenamente nas alegorias conduzidas aos túmulos, na temática de consagração, desolação e integração.Há figuras que parecem revelar a dor e o prazer, o amor e o morrer (VALLADERES, 1972, p. 603). 3. Os responsáveis pela arte tumular no Brasil. Segundo Borges (1991) as obras de arte tumular no Brasil tinham suas origens, em sua maioria, em quatro grupos. O primeiro grupo é o das esculturas importadas da Itália, o segundo das obras produzidas por escultores acadêmicos brasileiros, o terceiro faz referência às esculturas de autoria dos escultores modernistas brasileiros e o último grupo abrange as obras em produzidas pelos artistas-artesãos, que é a origem mais comum dentre as obras de arte tumular brasileira. No estado de São Paulo as importações desse tipo de obra vinham da Itália, diferente do Rio de Janeiro, onde as importações ocorrem 32 predominantemente da França. As esculturas tumulares italianas tinham forte influência na estética da art nouveau. As obras produzidas pelos escultores acadêmicos brasileiros tinham grande influência de movimentos artísticos como art déco, art nouveau e simbolismo. Entre os principais artistas acadêmicos brasileiros que trabalharam com esse tipo de arte encontram-se Antelo Del Débbio, Eugenio Pratte, Luigi Brizzolara e Galileo Emendabili (BORGES, 1991). Alguns escultores modernistas brasileiros produziram obras de arte tumular. Uma forte característica dessas esculturas é o uso de uma linguagem plástica que se opunha aos gostos burgueses da época. Dentre os modernistas contribuintes para a arte tumular brasileira os mais notórios foram: Victor Brecheret, Celso Antonio, Bruno Giorgi e Antonio Garcia Moya (BORGES, 1991). Os artistas-artesãos eram diretamente ligados a marmorarias, que realizavam a confecção das esculturas para túmulos. Esses empreendimentos alcançaram seu auge durante o período que compreende a arte tumular. Os artistas trabalhavam de forma anônima, e o crédito das obras ficava para as marmorarias. As imagens devocionais eram produzidas através de modelos de catálogos europeus (BORGES, 1991). 4. Estado de São Paulo. Especificamente no Estado de São Paulo houve uma maior influência da arte funerária produzida na Itália, pois as marmorarias que atuavam pelo Estado de São Paulo eram de sua maioria de origem italiana, e utilizavam como base de suas obras catálogos de esculturas devocionais italianas (BORGES, 2002). Geralmente os cemitérios secularizados atendiam a determinados grupos sociais dependendo do local em que estavam localizados, isso acontecia em sua maioria nos grandes centros urbanos da época (BORGES, 2002). Nas cidades interioranas era comum que tivesse apenas um cemitério para atender a toda população, a exemplo da cidade de Araraquara. 33 Nessas cidades, onde se tinha apenas um cemitério, ele era responsável por atender a todas as classes sociais, dentre aquelas que poderiam custear um túmulo no cemitério, então a divisão entre classes sociais ocorria dentro do próprio cemitério por questões geográficas. Os locais onde os túmulos teriam mais destaque, que tinham um preço maior, seriam destinados aos mais abastados, geralmente eram os túmulos que ladeavam as avenidas do cemitério (VALLADARES, 1972). 34 35 CAPÍTULO 3. A ARTE E O PATRIMÔNIO CULTURAL 1. Patrimônio Cultural. Ao se pensar em patrimônio cultural se faz necessário pensar também sobre a memória, pois os bens considerados como patrimônio cultural, segundo a historiadora Françoise Choay (2001), fazem parte da memória coletiva de um determinado grupo social. Patrimônio histórico. A expressão que designa um bem destinado ao usufruto de uma comunidade que se ampliou a dimensões planetárias, constituído pela acumulação contínua de uma diversidade de objetos que se congregam por seu passado comum: obras e obras-primas das belas artes e das artes aplicadas, trabalhos e produtos de todos os saberes dos seres humanos. (CHOAY, 2001, p.11) Os bens culturais têm o poder de evocar lembranças de tempos passados, que se relacionam com o presente, atuam como fonte de pesquisas que contribuem para o entendimento da atualidade. De acordo com a historiadora Sandra Jatahy Pesavento (2002), cada monumento tem atrelado a si uma pluralidade de significados, associados a eles pelo contexto histórico e como foram sendo entendidos ao longo do tempo. Com a subsequência das gerações os significados dados a esses monumentos históricos se modificam, pois cada geração absorve e entende esses espaços de maneira própria e singular, inserindo-os em novas narrativas culturais (PESAVENTO, 2002). O patrimônio cultural, seguindo o que diz Choay (2001), é tudo aquilo que é comum a todos os membros de uma mesma sociedade. A preservação da memória histórica e cultural comum está atrelada de forma indissociável à preservação do patrimônio cultural, que são os meios pelos quais essas memórias se manifestam. 36 Preservar o patrimônio cultural não significa apenas proteger relíquias antigas da ação do tempo, esses objetos são veículos para memórias e saberes que implicam na diversidade e também em desdobramentos no contexto atual. É preservar toda uma história e percurso social. O patrimônio cultural é dividido entre três grandes grupos. O refere-se aos bens que são de ordem natural, ligados à natureza e ao meio ambiente. A também o grupo dos bens imateriais, que são os conhecimentos, práticas e manifestações sociais intangíveis. E o grupo dos bens materiais, que abarca tudo aquilo que é material, que pode ser visto e tocado. Esse último grupo ainda se subdivide entre os bens materiais imóveis, como edificações e composições arquitetônicas, e móveis, que compreende os demais bens materiais que podem ser transferidos de lugar, como artefatos, esculturas e pinturas. A escultura de arte tumular é um patrimônio cultural material móvel. As noções sobre patrimônio e preservação patrimonial surgem na Revolução Francesa, em uma iniciativa de pensar o que poderia ser útil para a manutenção da soberania do novo estado Francês (CHOAY, 2001). A preservação dos patrimônios históricos, bens geradores de memória, garante que esses não sejam destruídos por questões espaciais e econômicas, em prol de um suposto desenvolvimento e evolução da malha urbana. Assim como acontecia na cidade dos vivos, a cidade dos mortos por muito também sofreu com a destruição de túmulos e consequentemente de arte tumular, para que aquele espaço fosse reaproveitado para a instalação de novos túmulos (BORGES, 2002). 2. Patrimônio cultural no Brasil. Em território brasileiro as questões referentes ao patrimônio cultural só ganham mais atenção a partir de 1920, por meio de uma mobilização dos intelectuais, muitos deles relacionados com o modernismo, que assolados pelas péssimas condições com que se encontravam os patrimônios históricos nacionais na época, a exemplo dos casarões das fazendas cafeeiras (FONSECA, 1997). Toda a problemática e discussão relativa ao patrimônio 37 cultural teve grande influência dos ideais modernistas, já que as discussões eram encabeçadas por adeptos do movimento. A temática do patrimônio surge, portanto, no Brasil assentada em dois pressupostos do modernismo enquanto expressão da modernidade: o caráter ao mesmo tempo universal e particular das autênticas expressões artísticas e a autonomia relativa da esfera cultural em relação às outras esferas da vida social. (FONSECA, 1997, p.98) Outro marco importante para a trajetória ocorreu no governo de Getúlio Vargas, onde o presidente colocou em vigor o Decreto de Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937. Nesse documento se estabelece parâmetros para a determinação do que poderia ser classificado como patrimônio cultural, e também instaura a política de tombamento, que é a ferramenta legal para se assegurar a preservação do patrimônio cultural material. Sobre o tombamento a pesquisadora Maria Cecília Londres Fonseca afirma: O tombamento surge assim como uma forma realista de compromisso entre o direito individual à propriedade e a defesa do interesse público relativamente à preservação de valores culturais. Essa solução se tornou possível na medida em que a constituição de 1934 estabeleceu limites ao direito de propriedade definindo o conceito de função social por outro lado, em termos econômicos, ao garantir ao proprietário não só o uso como a posse do bem material, o instituto do tombamento dispensava, para a finalidade de preservação, a onerosa e praticamente inviável figura da desapropriação. (FONSECA, 1997, p.115) Logo no primeiro artigo se tem a definição do que poderia ser classificado como patrimônio artístico, onde nota-se a ausência de referência acerca do patrimônio imaterial, que será visto como parte importante para os referenciais históricos, artísticos e sociais décadas mais tarde. Art. 1º. Constitui o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico. (BRASIL, 1937, p. 1) Apenas na constituição promulgada de 1988, a que vigora atualmente, formaliza-se a expansão do que era visto como patrimônio cultural. A 38 ampliação do que seria patrimônio é decorrente das discussões que se iniciam nos anos 70, que propunham reflexões sobre o que seria o patrimônio cultural imaterial, e também como esse tipo de patrimônio se articula como parte da história nacional e de construção cultural do país (FONSECA, 1997). Na constituição de 1988, seção dois de cultura no artigo 216, é integrado ao patrimônio cultural a modalidade dos patrimônios imateriais, assim como suas necessidades em relação à preservação: Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. (BRASIL, 1988, p.1) 3. IPHAN. Associado com o Decreto de Lei nº25 de 1937, está o exercício e a criação do órgão federal IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), que no momento de sua criação atendia pelo nome de SPHAN ( Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). A equipe de governo de Getúlio Vargas solicita ao poeta e escritor Mário de Andrade o anteprojeto de criação do SPHAN, órgão federal que seria responsável pela preservação do patrimônio histórico. Criado em 1934, porém só iniciou suas atividades em 1937. O SPHAN, quando criado, fazia parte do ministério da educação (FONSECA, 1997). O projeto de Mário de Andrade tinha grande influência do movimento modernista, o documento dava importância não somente as manifestações eruditas, mas também as tidas como populares. Diferentemente do que ocorria no continente europeu, onde segmentou-se em vários órgãos estatais a responsabilidade acerca da preservação dos bens de cultura. O anteprojeto de Mário de Andrade reunia 39 em uma única instituição toda a incumbência de preservar todo e qualquer tipo de bem cultural. A princípio, a criação do SPHAN enfrentou muita oposição referente a limitação do direito à propriedade privada e do uso de bens tombados. 4. Arte Cemiterial como patrimônio cultural no Brasil. A arte cemiterial só foi oficialmente reconhecida como patrimônio cultural nos anos 70, juntamente com o encabeçamento de discussões sobre a necessidade de uma expansão sobre o que deveria ser reconhecido como bens culturais, com ênfase para os patrimônios culturais imateriais. A resolução de integrar as obras de arte tumular como patrimônio cultural ocorreu em decorrência de um encontro entre governadores de estados e de instituições culturais, promovido pelo Ministério da Educação e Cultura, que acontece no ano de 1970. A reunião resultou num documento que ficou conhecido como Compromisso de Brasília. O item número 19, dos 23 que integram este documento, discorre sobre a preservação dos antigos cemitérios é o número, que diz “Urge legislação defensiva dos antigos cemitérios e especialmente dos túmulos históricos e artísticos e monumentos funerários.” (BRASÍLIA, 1970, p.1) A história da arte tumular brasileira está atrelada a das marmorarias, que em sua maioria eram empreendimentos de imigrantes e seus descendentes, geralmente de origens italiana ou germânica (BORGES, 2002). Esta referida expressão artística é testemunha da história e cultura dos imigrantes, assim como suas influências e contribuição para a construção da história do Brasil. As discussões de 1970 acerca dos patrimônios culturais levantaram uma problemática sobre as ações brasileiras em termos de preservação patrimonial, que até então privilegiavam os grandes monumentos, que explicitam poucos aspectos memorais referentes à história brasileira e que se ligam predominantemente às elites. Atitude que acaba negligenciando outras modalidades de manifestações culturais, que se originam de classes mais populares como os 40 negos, povos indígenas e imigrantes, que funcionam como registro das contribuições desses demais grupos sociais para a formação do país. Portanto a preservação e o entendimento da arte tumular brasileira como patrimônio cultural, preserva tanto os testemunhos históricos, culturais e sociais da sociedade brasileira do século XIX e início do XX, quanto a história dos artesões imigrantes por trás das obras. 41 42 CAPÍTULO 4. FENOMENOLOGIA DA EXPERIÊNCIA ESTÉTICA. 1. Fenomenologia e a experiência estética. A fenomenologia origina-se na Alemanha no início do século XX, debruça-se sobre o estudo do fenômeno das experiências humanas, a análise da maneira com que as experiências vividas se apresentam à consciência. Segundo o pesquisador Antônio Balbino Marçal Lima “a fenomenologia é o estudo das essências, e todos os problemas, segundo ela, resume-se em definir em ciências: a essência da percepção a essência da consciência, por exemplo” . (LIMA, p. 11, 2014). Mesmo que não tenha elaborado formalmente uma teoria estética, os elementos base para se pensar uma fenomenologia estética encontram-se nos escritos de Edmund Husserl, filósofo e matemático alemão, que foi uns dos pioneiros com o rompimento da corrente de pensamento positivista que assolava os campos de estudos científicos (LIMA, 2014). Na tradição da fenomenologia francesa, Sartre e Merlaut Ponty configuram como os grandes nomes envolvidos no estabelecimento dessa linha de pensamento. Ambos são os mais expressivos quando se busca entender a estética dentro da fenomenologia, suas contribuições desdobraram-se na Estética da Expressão, onde a arte, assim como os demais eventos de ordem expressiva, nasce da percepção sensível do mundo. Na estética de expressão, que culminará no estabelecimento da fenomenologia da experiência estética, a arte não seria uma representação fiel do mundo, como afirmava a estética da representação, que teve seu auge no Renascimento, mas sim uma expressão criativa do mesmo. Dentro da fenomenologia da experiência, identificamos um grande contingente de pensadores dedicados à estética fenomenologia como W. 43 Conrad, N. Hartmann, Alois Fischer, Roman Ingarden, M. Geiger, dentre outros nomes. Porém o principal representante dos estudos que relacionam fenomenologia, estética e arte é o esteticista francês Mikel Dufrenne. Dufrenne foi um filósofo e renomado professor universitário francês. Sua produção acadêmica recebeu muita influência da visão sobre a estética de Jean Paul Sartre e Merlaut Ponty, na questão de entender o corpo como base para a formação de conhecimento, vendo o corpo como um agente ativo na construção deste conhecimentos (LIMA, 2014) . Sua teoria herda de Husserl a ideia de intencionalidade, o filósofo alega que é em estudos de ordem estética que o de intencionalidade, que seria a consciência que se direciona a algo, pode ser interpretada com mais clareza. As obras mais importantes de Dufrenne são Phénoménologie de l’experiénce esthétique ( Fenomenologia da experiência estética), lançado originalmente em 1953, e a coletânea Estética e Filosofia, traduzida para o português em no ano de 2004. 2. A Teoria. A estética não é universal, varia de uma cultura para outra. Uma determinada estética refere-se a uma possibilidade de interpretação da existência humana, levando em conta a pluralidade de configurar as formas de existência humana, o que leva a diferentes maneiras de percepção das experiências. A percepção se constitui na relação entre três campos: 1) dos estímulos sensoriais, 2) das cargas psicológicas e 3) dos referenciais culturais, que são comuns a indivíduos de uma mesma sociedade. A experiência estética não pode ser considerada pura, tampouco um simples resultado de sensações de ordem puramente individual, ela não é somente mediada pela cultura, referências culturais são parte constituinte e indissociáveis da experiência estética (BERLEANT, 2010). O campo da experiência estética não engloba somente o universo das artes, ela se expande e atinge outros setores correspondentes às demais 44 experiências culturais e ambientais vivenciadas pelos indivíduos (DUFRENNE, 2004). Nesta dinâmica, o resultado buscado é o que de fato diz o objeto, e não somente como ele diz. Referindo-se a arte percebida e não somente a área estudada, destacando o que é de puramente humano na relação entre espectador e obra. Pertencente a ordem do sensível, a experiência estética é uma experiência de percepção, na qual o espectador utiliza seu corpo, sua carga emocional, intelectual, e sua sensibilidade, de forma ativa sobre o objeto da arte, entendendo-o de forma sensível. Como afirma Dufrenne: Ninguém põe em dúvida que a experiência estética diga respeito primariamente à sensibilidade... Nós nos confiamos sempre ao veredicto da sensibilidade: o criador para julgar a obra acabada; o espectador para julgá-la bela (DUFRENNE, 2004, p. 90). A experiência estética é o resultado do encontro sensível entre o sujeito e o objeto estético, onde as interpretações não vem exclusivamente de um dos dois pólos, que dentro da percepção estética seriam o indivíduo e o objeto, mas sim da relação entre eles (DUFRENNE, 2004). Dufrenne defende uma participação mais ativa do sujeito em sua relação com o objeto, que necessitaria do espectador para validar sua existência, completando-se através de nosso olhar, sendo o sujeito, através da percepção, que torna um objeto ordinário em um objeto estético, consagrando-o através da percepção sensível. De acordo com o filósofo Dufrene: A relação entre o sujeito e o objeto, denotada por essa noção, pressupõe não somente que o sujeito se abra ao objeto ou se transcenda para ele, mas também que algo do objeto esteja presente no sujeito antes de toda experiência e que, em troca, algo do sujeito pertença à estrutura do objeto anteriormente a qualquer projeto de sujeito. (DUFRENNE, 2004, p. 87) Na teoria da fenomenologia da experiência estética, objeto e sujeito são indissociáveis. Não há independência do objeto em relação ao sujeito, 45 sendo este quem atribui significado ao objeto, em uma busca pela verdade do objeto, e não sobre o objeto. Esse processo ocorre na ordem do sensível, através da percepção estética, que de uma maneira simplificada pode ser entendida como um fluxo de consciência que parte tanto do espectador, quanto do objeto em questão. A consciência está sempre se direcionando a algo, ela é doadora de sentido e fonte de significado. O ato da consciência na teoria de Dufrenne seria entendido como a percepção estética em si. Yolanda Forghieri, doutora em ciências psicológicas afirma que: A consciência é sempre intencional, está constantemente voltada para um objeto, enquanto este é sempre objeto para uma consciência; há entre ambos uma correlação essencial, que só se dá na intuição originária da vivência. A intencionalidade é, essencialmente, o ato de atribuir um sentido; ela é que unifica a consciência e o objeto, o sujeito e o mundo. Com a intencionalidade há o reconhecimento de que o mundo não é pura exterioridade e o sujeito não é pura interioridade, mas a saída de si para um mundo que tem uma significação para ele. (FORGHIERI, 2000, p.15) O livro The Phenomenology of Aesthetic Experience (1973), divide-se em duas partes que se subdividem em duas sessões cada. Na primeira sessão da primeira parte o autor discorre sobre a fenomenologia do objeto estético; a segunda seção da primeira parte propõe uma análise das obras de arte. Já na segunda parte, na primeira seção traz esclarecimentos sobre a fenomenologia da percepção estética e na sessão que encerra as discussões contidas nos livros Dufrenne, propõe uma crítica a experiência estética. A fim de buscar um caminho mais fácil para a compreensão da teoria da fenomenologia da experiência estética de Dufrene, o presente estudo se dedicou aos dois pontos centrais da teoria, que seriam a percepção estética e o objeto estético. A percepção estética subdivide-se em três atos da percepção ou níveis de consciência: a presença, a representação, e o sentimento. A percepção 46 ocorre em relação ao espectador, no pensamento, o filósofo também usa a palavra noesis para fazer referência a essas vivências da consciência.6 O objeto estético, também entendido como noema, é correlato da consciência, e é aquele que será percebido. É composto por três planos noemáticos: o sensível, o objeto representado e o mundo expresso. Os três atos da percepção e os três planos noemáticos ligam-se por meio da intencionalidade. O nível do sensível relaciona-se com a presença, o objeto representado com a representação e o mundo expresso ao sentimento. A intencionalidade, conceito que Dufrenne importa dos escritos de Husserl, seria o exercício da consciência em direcionar-se objeto por uma busca pela atribuição de sentido, uma consciência intencional que está sempre direcionando-se a algo. A relação específica e singular que se dá entre o sujeito e o objeto durante a experiência estética, o que norteia a relação entre a percepção estética e o objeto estético, a intencionalidade, que é definida por Dufrenne como: A intencionalidade significa, no fundo, a intenção do Ser que se revela –a qual não é outra coisa senão que sua revelação –e suscita o sujeito e o objeto para se revelar. O objeto e o sujeito, que só existem no seio da mediação que os une, são, destarte, as condições do advento de um sentido, os instrumentos de um Logos. Heidegger, embora sem integrar a dialética na ontologia, identifica o Logos com o Ser. (DUFRENNE, 2004, p.79) 3. Percepção Estética. Na teoria de Dufrenne a percepção estética diz respeito sobre o que é percebido pelo espectador e como essas impressões desdobram-se na construção de um sentido. Ela é caracterizada por três instâncias: a presença, a representação, o sentimento. 6 Em filosofia, noesis ou noese significa compreensão imediata, habilidade de sentir, perceber ou saber algo imediatamente, contrastando com dianóia, o pensar discursivo. 47 A presença configura-se como a primeira etapa no processo da percepção estética, traz a ideia do corpo como responsável pela reflexão acerca do sentido do objeto ao qual se direciona. É nessa reflexão primordial que se reúne a diversidade do sensível, é o corpo que responde aos estímulos de forma rápida e imediata. O objeto é experienciado na ordem do mundo vivido, em um nível pré-reflexivo (DUFRENNE, 1973). A quem primeiramente o objeto se apresenta e quem o descobre, por assim dizer, é o corpo. A compreensão do sentido inerente ao objeto vem de forma clara e sucinta através das impressões sensíveis que este compartilha com o sujeito. As impressões sensíveis, lidas pelo corpo, só se revelaram ao entendimento de forma consciente na etapa da representação. A presença antecipa o processo de reflexão. Segundo Dufrenne o corpo vivido, aquele que está em contato e interação direta com o mundo material e que se abre para absorver os estímulos pertencentes a ele, tem a habilidade de conhecer e identificar. O objeto se comunica com o corpo, pois mesmo antes de nos darmos conta de que estamos em meio a um processo reflexivo é possível que se tenha consciência. O corpo delega significado ao ter contato com o mundo, e isso se dá em um nível pré reflexivo. Na percepção estética o corpo é o primeiro a ser afetado pelo objeto estético, pois o objeto estético exerce uma espécie de sedução sobre o corpo que se volta e entrega-se a ele, o que permite que o corpo fique suscetível a sua significação sensível. Dufrenne (2004) entendia todo espectador como um intérprete nato; interpretação que ocorre a despeito de qualquer erudição ou conhecimento aprofundado acerca do objeto envolvido na relação, uma vez que toda raiz de conhecimento é fundada sempre no corpo. Nesse estágio da percepção estética o objeto se funde ao espectador tornando-se um com ele. A presença em suma fala sobre a “presença originária” do objeto estético, o momento inicial da percepção, a forma imediatista com a qual o corpo capta toda a diversidade sensível do objeto estético. 48 A etapa seguinte da percepção estética é a representação que alia-se com os frutos da etapa da presença, não sobrepondo-se a ela. Dufrenne (1973) afirma que em alguns casos ocorre a evolução da percepção para além do nível pré-reflexivo, onde o vivido, as impressões que foram captadas pelo corpo, desdobra-se no pensamento. É por meio da imaginação que os estímulos entendidos pelo corpo desdobram-se em pensamentos, porque a imaginação abre precedentes para a formulação de pensamentos, abrindo um campo de possibilidades. A imaginação apresenta uma dupla natureza, a empírica e a transcendental. Sua transcendentalidade lhe confere visualidade, que é ação antecipadora de dados adivinhados de experiências anteriores que foram registradas na bagagem emocional do espectador. Já a imaginação empirista dota os dados de sentido. A imaginação trabalha na ordem do pré-real, pois antecipa o real (DUFRENNE, 1973). A etapa final do processo de percepção estética tem o nome de sentimento. Etapa em que compõe-se um questionamento sobre o sentido do objeto estético. O sentido que inicia seu percurso pela consciência do indivíduo na presença, onde o objeto e sujeito se torna um em um nível pré-reflexivo, evoluindo para a etapa da representação, onde o indivíduo dá conta de forma consciente da existência do objeto, e termina sua trajetória no sentimento, o momento da interpretação das impressões por meio da reflexão a fim de se apurar um sentido que pertença a obra. O sentido já está contido na obra desde o início, presente no cerne do objeto estético, o que faz com que a obra demande um sentido que seja apropriado e condizente com o discurso pretendido pelo artista feitor da obra, conduzindo à reflexão para que ela extraia um sentido comunicado pela obra de forma sensível. Seguindo a linha de pensamento de Dufrenne (1973), a reflexão pode se dar de duas maneiras distintas, uma que associa-se ao sentido da obra e outra que dissocia-se deste sentido. A reflexão dissociativa configura-se na busca pelo sentido da obra mediante ao contexto em que o objeto está inserido, referenciais externos. Esta 49 reflexão quebra a unidade obra e espectador, sendo classificada como uma reflexão objetificante. Na reflexão associativa, o espectador permite que a obra deposite seu sentido nele. Essa reflexão, que dá origem ao sentimento, é a de maior importância para a percepção estética. Classificada como reflexão simpática, a unidade estabelecida entre obra e espectador, caminho pelo qual se estabelece o sentimento, será o fator qualificatório da experiência como uma experiência estética. Tal reflexão acessa um conhecimento estético que não é objetificante como o conhecimento contextualizante. O conhecimento estético é adquirido na relação entre o homem e o mundo em uma espécie de acordo mútuo, um saber baseado em impressões sensíveis que o indivíduo acumula através da relação de intimidade com o mundo vivido. Esse tipo específico de conhecimento recebe influência da bagagem emocional e sensível adquiridas por meio da interação entre espectador e a unidade cultural está inserido. 4. Objeto Estético. O objeto estético, por outro lado, é o objeto esteticamente percebido, isto é, percebido como estético. E isso se dá à medida da diferença. O objeto estético é a obra de arte percebida como obra de arte, ou seja, aquela que recebe a percepção merecida e que se cumpre na consciência dócil do espectador. (DUFRENNE, 1973, p. LII) Objeto estético é tudo aquilo que é entendido como estético pelo observador. O conceito não limita-se somente a obras de arte, mas também engloba objetos do cotidiano e ambientes naturais. Uma obra de arte somente se tornará um objeto estético se esta receber a devida atenção embebida em percepção estética, pois não existe objeto estético sem a percepção estética pois objeto estético precisa de um olhar que o valide enquanto estético. Para Dufrenne: Isto significa, em primeiro lugar, que o objeto estético só se realiza na percepção, uma percepção que esteja atenta a lhe fazer justiça: 50 diante do béocio que só lhe concede um olhar indiferente, a obra de arte ainda não existe como objeto estético. O espectador não é somente testemunha que consagra a obra, ele é, à sua maneira, o executante que a realiza (DUFRENNE, 2004, p. 82). Ou seja, nem todo objeto artístico pode vir a ser encarado como objeto estético, e dessa forma não proporcionará ao espectador uma experiência de ordem estética. O objeto estético é duplamente ligado à subjetividade, uma vez pela via do espectador que depende da percepção para a construção de sentido, e também pela via do criador, do qual necessita do sensível para executar o processo de criação. O objeto é capaz de expressar-se de forma autônoma, o que propicia o entendimento do objeto estético como um quase sujeito, detentor de um mundo próprio. Quando o objeto artístico entendido quanto estético é feito por um ser humano inevitavelmente nele estará contida a subjetividade de seu criador, contudo a obra não é arquitetada somente na subjetividade do artista, mas sim na interação dessa subjetividade com o mundo (MERLEAU-PONTY, 2004). O objeto estético envolve três planos neomáticos: o sensível, o objeto representado, e o mundo expresso (DUFRENNE, 1973). É no plano do sensível que todo o sentido o objeto estético é dado, o sensível precisa ser aceito pelo corpo, no nível da presença. É nessa relação entre o sensível e a presença que o objeto e o espectador torna-se um. O objeto depende de sua carga sensível para que possa expressar ao sujeito a sua essência em um nível pré-reflexivo, possibilitando a formação da já mencionada unidade. Quando pensamos o objeto estético no plano neomático do sensível, leva-se em consideração que em um primeiro momento as interações entre objeto e espectador estão em um plano pré-reflexivo, no qual o objeto expressa seu sentido, sentido este que é para o objeto o que o corpo é para o indivíduo (DUFRENNE, 2004). O objeto representado faz menção a quando o objeto experienciado impõe sua presença e faz com que seus sentidos sejam percebidos de forma 51 consciente pelo espectador, momento em que o espectador se dá conta de forma racional da sua relação com o objeto estético. O mundo expressado, relaciona-se à última etapa da percepção estética: o sentimento. Esse plano neomático faz alusão ao processo no qual o sentido do objeto estético se expressa na relação com o mundo, e dessa forma pode ser depreendido pelo espectador. 5. A Fenomenologia da Experiência Estética e a Arte Tumular. A maneira como o indivíduo se comporta diante da morte, seu relacionamento sensível com as simbologias e iconografias empregadas na arte funerária - que também serviam de ferramentas pelas quais os artistas expressavam suas subjetividades e visões sensível sobre a morte- são partes constituintes e indissociáveis da percepção estética das obras artísticas presentes nos cemitérios. As obras contidas dentro dos cemitérios não agem somente como um registro socioeconômico de um determinado período, mas também como um arquivo de valores sensíveis e estéticos, expressados através da unidade formada entre obra, enquanto objeto estético, e espectador. Ao assumir as obras contidas dentro dos cemitérios como patrimônio artístico e cultural, se instala sobre elas uma aura, que pode ser percebida num estágio pré-reflexivo da consciência, porque se funde às demais impressões cedidas pelo objeto estético ao espectador, quando ambos relacionam-se a ponto de formarem uma unidade. Essa aura interfere e induz a maneira como o espectador se relaciona com a obra, o estimula a dedicar um olhar capaz de perceber esteticamente aquela obra, um olhar que tem o poder de sensibilizar o corpo para que ele absorva o sentido sensível expressado pela obra. A visita ao cemitério é uma ação dotada de experiências estéticas singulares, onde nosso corpo movido pelo sensível, pelas emoções, nos guiam 52 através das formas e simbologias, nos fornecendo um entendimento artístico que não parte de uma reflexão objetificante. A forma com que a arte tumular é produzida, as iconografias e simbologias adotadas, refletem pensamentos e sensações sobre a morte e como era interpretada pela religiosidade vigente de determinada época. Essas interpretações geram noções, que permeiam os mais diversos campos culturais a ponto de se tornaram referências culturais. Tais conjuntos de ideias alojam-se no inconsciente dos indivíduos e são despertados durante o processo da percepção estética. No caso da arte tumular, a carga religiosa torna-se muitas vezes indissociável do sentido sensível das obras, principalmente quando pensamos num nível pré-reflexivo, que foge da racionalidade que busca classificar a obra de arte, deixando pouco ou nenhum espaço para as interpretações advindas da emoção. A religiosidade, sendo uns dos referenciais culturais que atuam na forma como que o indivíduo se relaciona com o mundo, é parte integrante da percepção estética que envolve uma obra presente dentro de um cemitério. Ela será parte do sentido dado pelo objeto estético ao indivíduo e também servirá de guia para a reflexão que se seguirá. As simbologias e iconografias das obras tumulares possuem forte carga cristã, principalmente no caso dos cemitérios seculares do interior do estado de São Paulo. Em grande parte dos casos o sentido sensível dessas obras está atrelada à moral cristã, por conta disso, os indivíduos que seguem esta religião podem vir a experienciar o sagrado por meio dessas obras. Com a combinação entre as simbologias, a iconografia e a própria localidade do cemitério -que devido a forma com que estes espaços são lidos pela sociedade, acabam agindo como um agente sensibilizador sobre o passante, predispondo o indivíduo a ter uma relação sensível com as obras tumulares-, possibilita com que as experiências estéticas nas quais o sujeito se envolverá sejam entendida por ele como parte de um fenômeno religioso. O espectador ao se deparar com uma obra de arte funerária entendida enquanto objeto estético, que foram pensadas pelos artistas para se ligam de 53 maneira emocional com aqueles que visitam os cemitérios, participa de uma relação de união, que só é possível se de maneira não intencional, onde um depende do outro para reforçar suas identidades no âmbito das coisas vividas, que se desprendem das percepções utilitaristas do cotidiano. 54 55 CAPÍTULO 5. ANÁLISE DAS SIMBOLOGIAS. 1. Cemitério São Bento de Araraquara. O presente estudo tem como campo de pesquisa o Cemitério São Bento, fundado em 1873 e localizado na cidade de Araraquara, São Paulo. Por se tratar de uma cidade pequena e de interior, em que na época da construção deste cemitério não havia muitos recursos, ele tinha a função de abrigar tanto os túmulos de famílias com maior disponibilidade financeira como o de pessoas com rendas mais modestas. Fenômeno que não acontecia tanto nas grandes metrópoles como São Paulo, onde durante o século XIX, notou-se o surgimento de cemitérios em vários pontos da cidade, o que ocasionou uma distribuição por condições econômicas das famílias. O cemitério hoje é entendido como um lugar lúgubre, difícil de se visitar, e a arte presente nele, com o tempo foi perdendo seu status como arte e acabando por ser inviabilizada. Seu valor e prestígio social foi diminuído ao ponto da maior parte da população não entendê-la mais como arte, deixando de consumi-la, o que aliado a negligência a cerca sua preservação, ameaça a sobrevivência dessa expressão artística. Assim como a perda do entendimento do estatuário cemiterial como arte, houve também o esquecimento das simbologias próprias dessa arte por conta de mudanças sociais. Uma vez que a arte cemiterial era entendida como pertencente a elite, por ser custosa e também pelo fato de que para se ter o domínio dos significados dos símbolos era necessário tempo para se decorar suas definições, tempo que a massa trabalhadora não tinha, restringindo seu entendimento mais profundo as pessoas mais ricas, por mais que algumas 56 simbologias fossem bem populares, grande parte dela era desconhecida pela maior parte da população (VALLADARES, 1972). 2. As simbologias. A primeira obra, datada de aproximadamente 1892, a ser analisada por este presente trabalho é um monólito de dimensões grandiosas esculpido em mármore ao estilo gótico, que em seu interior carrega uma estátua devocional, e que apresenta adornos florais em sua base. Figura 10. Monólito em estilo gótico, 1892. Cemitério São Bento de Araraquara. Fonte: Acervo Pessoal. 57 Figura 11. Detalhes do monólito em estilo gótico, 1892. Cemitério São Bento de Araraquara. Fonte: Acervo Pessoal. As flores no geral trazem a ideia de beleza e brevidade da vida. O arranjo floral presente nas quinas do monolito é composto por quatro tipos de flores, uma folhagem e um laço de fita. A última flor é um girassol, mais comumente encontrado em cemitérios católicos pois significa uma devoção à igreja católica, e quando graficamente representa a luz divina do Deus cristão. Onagra, ou Evening Primrose, representa a juventude, a esperança, o amor eterno e a tristeza. A primeira e penúltima flor é uma Viola tricolor, que simboliza a lembrança, em um sentido em que como se quase pudesse ouvir os pensamentos daquele ser amado que se foi (KEISTER, 2004). O túmulo é a homenagem de mãe para seu filho que faleceu aos 22 anos de idade, e o arranjo de flor traz o tom de saudade daquele ser amado que se foi muito jovem e que agora habita o reino dos céus, reforçando a mensagem do epitáfio. A imagem devocional, abrigada dentro do monolito, consiste em um ser andrógeno que está lendo uma bíblia e apontando a mão para o céu em um gesto que simboliza o reino celestial, reforçando o tom em relação a devoção católica trazida pela flor de girassol. Dentre as obras abrigadas pelo cemitério São Bento, outro monólito se destaca, por sua qualidade estética, preservação e por ter sido uns dos 58 primeiros a serem instalados no cemitério, a obra é produzida por meados do ano de 1897, esculpida a mão em mármore branco. Figura 12. Monólito em estilo neoclássico , 1897. Cemitério São Bento de Araraquara. Fonte: Acervo Pessoal. Figura 13. Detalhes do monólito em estilo neoclássico, 1897. Cemitério São Bento de Araraquara. Fonte: Acervo Pessoal. O monólito tem estilo neoclássico e abriga em uma espécie de pórtico um anjo com as mãos juntas à frente de seu peito. No topo do monolito tem uma cruz com arranjo floral coberto por um tecido, em cada ponta do topo do 59 monolito é possível ver que existem quatro representações de tochas acesas (KEISTER, 2004). Os anjos nos cemitérios do século XIX e XX atuam como protetores dos túmulos. Quando o anjo apresenta as mãos a modo de parecer que está orando, anjo orante, em uma pode como que se caminha-se com a cabeça inclinada para o lado representa a alegoria da desolação. (BORGES, 2002). A cruz presente no topo do monolito é uma cruz latina, um símbolo comum do cristianismo que representa a santíssima Trindade e a ressurreição. Junto a cruz atada por um tecido nota-se a representação de um Lilium candidum ou Madonna lily, que é uma variação de lírio que representa castidade, pureza e coisas que tenham qualidade espiritual e celestiais (KEISTER, 2004). Segundo a coletânea de simbologias funerárias de Douglas Keister (2004) as quatro tochas acesas posicionadas ao redor da cruz latina representam a vida e a vigilância eterna, na iconografia cristã as chamas representam o fervor religioso. Outros exemplos de tochas acesas no cemitério São Bento: Figura 14: Representações de chamas acesas. Cemitério São Bento de Araraquara. Fonte: Acervo Pessoal. O cemitério em questão apresenta uma quantidade reduzida de jazigos, em sua grande maioria bastante depredados. Em uma estética que 60 representa bastante a estética da Belle Époque na arte funerária, o jazigo revestido em granito e com um portão de ferro com vidros coloridos teve a sua conclusão por volta de 1936. Figura 15: Jazigo ao estilo Art Déco, 1936. Cemitério São Bento de Araraquara. Fonte: Acervo Pessoal. Negligenciada e depredada, a terceira obra será analisada é o jazigo em estilo Art déco, bastante claro e característico da época. O interior do jazigo é composto por um altar, onde o corpo está inumado, e acima dele encontram-se elementos utilizados em cultos religiosos. 61 Figura 16: Detalhes do jazigo ao estilo Art Déco, 1936. Cemitério São Bento de Araraquara. Fonte: Acervo Pessoal. A única ornamentação que contém algum simbolismo é a representação de um relógio com as indicações das horas em números romanos. No centro desse relógio tem-se a foto do falecido que descansa nesse jazigo. O relógio é um símbolo que traz a ideia de brevidade da vida, da passagem do tempo e dá certeza da morte (KEISTER, 2004). Prosseguindo com o passeio pelo Cemitério São Bentos nos deparamos com um túmulo de aproximadamente 1942, onde nossos olhos são, em um primeiro momento, seduzidos por uma figura feminina em tamanho natural. Figura 17: Pranteadora com laurel, 1942. Cemitério São Bento de Araraquara. Fonte: Acervo Pessoal. Neste túmulo temos uma figura feminina usando uma vestimenta bastante fluida e segura um laurel. A lápide na qual a figura se apoia é adornada de um painel dourado com relevos de cenas alegóricas que ilustram as ideias de educação, família, caridade e trabalho (labor). A figura feminina é uma pranteadora uma peça composta por alegorias femininas que interpretam a dor da perda, o lamento e o choro (BORGES, 2002). Em suas mãos ela traz consigo um laurel, que na simbologia funerária e 62 pode vir a representar a eternidade a imortalidade e a vitória e castidade (KEISTER, 2004). Figura 18: Painel dourado com relevo, 1942. Cemitério São Bento de Araraquara. Fonte: Acervo Pessoal. A cena registrada no relevo do Adorno tem uma clara inspiração na antiguidade clássica. Neste adornos estão representadas quatro cenas que fazem alusão a moral dos indivíduos desta família que dividem o túmulo. Mais adiante nos deparamos com a figura imponente de um anjo em tamanho natural, que tem a sua origem em meados de 1921, usando um adorno de cabeça típico dos anos 20, evidenciando o contexto que foi criado, dando um ar mais exótico e singular para a figura. Figura 19. Anjo representando a alegoria da saudade, 1921. Cemitério São Bento de Araraquara. Fonte: Acervo Pessoal. 63 Neste túmulo o protagonismo está inteiramente no anjo de cabelos longos e soltos e uma aparência andrógina, mas ao mesmo tempo bastante humana. A figura escora-se em uma rocha com suas asas em posição de descanso e sua mão direita apoiada sobre um arranjo de flores, e a esquerda se posiciona sobre o peito. Tanto o cabelo como o trabalho de drapeado bastante rico que dá ao tecido a sensação de ser esvoaçante totam a obra de muita sensualidade. Nesta obra específico o anjo encarna a alegoria da Saudade, pois apresenta em seu semblante uma expressão triste e serena, encontra-se apoiado em alguma coisa - em algumas variações desse tipo de alegoria o anjo pode ser encontrado sentado ou deitado sobre o túmulo, nesse tipo de alegoria é muito comum e que os anjos estejam com algo em suas mãos como láureos e arranjo de flores (BORGES, 2002). O arranjo de flores é composto por Peônias - que simbolizam cura e compaixão-, Rosas - que foram incorporadas pelo cristianismo como um de seus símbolos, quando vermelha simboliza martírio e quando branca simboliza a pureza, sendo frequentemente usada em túmulos femininos-, Margaridas - simbolizam a inocência e fazem referência ao menino Jesus -, e a última flor que é possível identificar no arranjo é a Onagra - que como já dito anteriormente, simbolizam memórias, juventude, esperança, amor eterno e tristeza (KEISTER, 2004). Outro anjo de grandes proporções impõe sua presença dentre os milhares de túmulos e peças de arte funerárias abrigadas pelo São Bento, também em mármore, de acordo com a data de primeira inumação nesta lápide, o anjo data de aproximadamente do ano de 1929. 64 Figura 20. Anjo representando a alegoria da saudade, 1929. Cemitério São Bento de Araraquara. Fonte: Acervo Pessoal. O anjo presente nesta lápide está sentado sobre um túmulo segurando um arranjo de flores, analisando a forma das asas a expressão e a pose que se encontra sobre o túmulo, este anjo representa a alegoria da saudade. Vestindo uma espécie de camisola com laço na gola, o anjo se apresenta como uma figura feminina, com cabelos presos e uma expressão de pesar. No arranjo de flores é possível identificar Rosas, Peônias e folhagem de Carvalho. As rosas são frequentemente usadas em túmulos femininos dependendo de sua cor, os sentidos variam de martilho a pureza; As Peonias representam compaixão e cura; E a folhagem de Carvalho significa, dentre os seus muitos significados, principalmente força, liberdade, virtude e fé. Datado de 1925, o túmulo feito em granito preto, com o formato de um caixão, tem deitada sobre si uma figura feminina de tamanho natural e feita de mármore esculpida a mão. Neste túmulo a escultura representa uma pranteadora, que parece ter adormecido durante o lamento sobre uma coroa de flores. 65 Figura 21. Pranteadora adormecida sobre uma coroa de flores, 1925. Cemitério São Bento de Araraquara. Fonte: Acervo Pessoal. O relevo presente atrás da imagem em uma espécie de mural traz a imagem de dois anjos carregando um corpo em direção aos céus. Os anjos têm uma anatomia feminina, usam vestes esvoaçantes que deixam os seios completamente expostos. Na única aplicação que restou intacta na moldura do mural traz talhada em si o símbolo Chi-Rho, que é um antigo símbolo cristão, formado pela junção das duas primeiras letras da escrita do nome Cristo em grego. Figura 22. Anjos ascendendo ao céu carregando um corpo, 1925. Cemitério São Bento de Araraquara. Fonte: Acervo Pessoal. No arranjo de flores é possível identificar Rosas - que podem simbolizar tanto martírio ou pureza-, Madonna Lily ou Lilium candidum - símbolo de pureza e criatividade-, Glória da manhã - que simboliza a ressurreição -, Crisântemos - que simbolizam tanto a morte quanto a vida -, e 66 algumas folhagens que não foram possíveis identificar devido a deterioração da escultura ( KEISTER, 2004). A próxima obra a qual nos debruçamos sobre sua significação simbólica, é aproximadamente do ano de 1912, em proporções mais modestas em relação às outras esculturas já analisadas, mas ainda assim uma estátua de grande porte, feita em mármore. Figura 23. Anjo abraçado a urna, 1912.Cemitério São Bento de Araraquara. Fonte: Acervo Pessoal. O anjo abraçado com uma urna, que está em cima de um pedestal e aos pés do pedestal uma coroa de flores. Com fartos cabelos e vestido longo encara o passante, intimando aquele que passa por ela a devolver o mesmo olhar intenso e atento que ela lhe dedica. Esse anjo apresenta uma pose peculiar, sendo o único a se importar desta maneira dentre o contingente de outros anjos abrigados pelo cemitério São Bento de Araraquara. A guirlanda de flores apresentam Onagras, Glórias da manhã, Narcisos - que na simbologia funerária e visto como um tributo ao triunfo do amor e do sacrifício divino sobre a morte a verdade e o egoísmo -, e uma folhagem que se assemelham muito a philodendron - que tem mais uma função estética do que simbólica (KEISTER, 2004). 67 Dentro da arte funerária as urnas são motivos decorativos, que simbolizam as urnas que eram usadas para se armazenar os restos de cremação de corpos humanos, e serviram como substituto para símbolos mais viscerais da morte, como caveiras e efígies de almas (KEISTER, 2004). Outro exemplo de urna encontrada no Cemitério São Bento: Figura 24. Urna. Cemitério São Bento de Araraquara. Fonte: Acervo Pessoal. Feita em bronze e apresentando dimensões medianas, o anjo de longa asas é munido de muitas flores. Posicionado de pé sobre a lápide, o anjo posa de maneira a insinuar um próximo passo. A escura foi produzida por volta do ano de 1995, um remanescente tardio da arte funerária. 68 Figura 25. Anjo munido de flores, 1995. Cemitério São Bento de Araraquara. Fon