JOÃO PAULO DE OLIVEIRA PIMENTA APROPRIAÇÃO DO RELEVO NO PONTAL DO PARANAPANEMA – SÃO PAULO: SUBSÍDIOS PARA UM REORDENAMENTO TERRITORIAL, SOCIOAMBIENTALMENTE SUSTENTÁVEL Presidente Prudente – SP 2024 JOÃO PAULO DE OLIVEIRA PIMENTA APROPRIAÇÃO DO RELEVO NO PONTAL DO PARANAPANEMA – SÃO PAULO: SUBSÍDIOS PARA UM REORDENAMENTO TERRITORIAL, SOCIOAMBIENTALMENTE SUSTENTÁVEL Tese de Doutorado, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual Paulista (UNESP) “Júlio de Mesquita Filho”, campus de Presidente Prudente – SP, como parte dos requisitos para obtenção do título de “Doutor em Geografia”. Orientador: Paulo Cesar Rocha Linha de Pesquisa: Trabalho, Saúde Ambiental e Movimentos Socioterritoriais Presidente Prudente – SP 2024 P644a Pimenta, João Paulo de Oliveira Apropriação do relevo no Pontal do Paranapanema - São Paulo : Subsídios para um reordenamento territorial, socioambientalmente sustentável / João Paulo de Oliveira Pimenta. -- Presidente Prudente, 2024 222 p. Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências e Tecnologia, Presidente Prudente Orientador: Paulo Cesar Rocha 1. Fragilidade Ambiental. 2. Apropriação do relevo. 3. Pontal do Paranapanema. 4. Questão agrária. 5. Meio ambiente. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências e Tecnologia, Presidente Prudente. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. https://v3.camscanner.com/user/download 4 Dedico este trabalho a ANA DE OLIVEIRA PIMENTA (1937 – 2021) (in memoriam) 5 AGRADECIMENTOS O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – código de Financiamento 001. Agradeço a todas as companheiras e companheiros de jornada dentro do curso de Geografia da FCT/UNESP, colegas discentes da Turma 56, Mestrado, professores, funcionários administrativos, manutenção, enfim, todos que de alguma forma tornaram possível minha história dentro dessa universidade. Agradeço pela ajuda e pelo companheirismo dos colegas do Laboratório de Geologia, Geomorfologia e Recursos Hídricos da FCT/UNESP, que dividiram comigo tantos momentos de estudos e trabalhos de campo. Em especial, rendo homenagens aos amigos Jhonatan, Nani, Aline, Gleice e Renata, que me auxiliaram disponibilizando dados, auxiliando nos mapeamentos, ajudando com softwares ou mesmo tomando um cafezinho nos momentos de descanso. Obrigado a cada um de vocês. Suas contribuições jamais serão esquecidas. Também agradeço aos companheiros do CEETAS (Centro de Estudos da Educação, Trabalho, Ambiente e Saúde), com quem dividi bons momentos de conversas e trocas de experiências. Especialmente, grato aqueles que me ajudaram dando dicas importantes ao longo dos estudos: Diógenes, Sidney, Guilherme, Fredi. Grato, também, a tantos bons amigos que passaram pela minha vida e que tanto significam: Thiagão, Di, André, Jaguar, pessoal do grupo “Curintia Comunista”, “Brasil Conserva”, “Galpão da Lua”, “Futebol Arte do Morumba”, “Abya Yala”, Grupo de Estudos “Gilmar Mascarenhas”, obrigado pelos bons momentos. Agradeço também ao pessoal do partido que me ajudou a evoluir nas discussões políticas e que tanto me ensinaram sobre a complexa estrutura do poder em nosso país. Nossas conversas me ensinaram e ensinam muito. Obrigado aos professores que, de alguma forma, fortaleceram minhas pesquisas na pós- graduação, dando importantes contribuições, fazendo importantes apontamentos para a melhoria dos meus trabalhos. Assim, muito obrigado à professora Eliane Tomiasi Paulino (Depto. de Geociências – UEL), e aos professores Carlos Alberto Feliciano (Cacá) e João Osvaldo Rodrigues Nunes (Depto. de Geografia – FCT/UNESP). Agradeço também aos professores que estiveram comigo de maneira mais próxima e que me ajudaram nessa caminhada, seja na pesquisa, seja na extensão, mas também em momentos de dor e de alegria, professores estes com quem pude estabelecer relações muito 6 próximas e que, hoje, me dão a satisfação de ter como amigos: professora Yoshie Ussami Ferrari Leite, professor, Divino José da Silva (Depto. de Educação), professores José Mariano Caccia Gouveia, Isabel Moroz Cristina Caccia Gouveia, Raul Borges Guimarães e Antônio Thomaz Júnior (Depto. de Geografia – FCT/UNESP). Obrigado pela contribuição de vocês, pelas vezes que precisei e vocês estavam lá para me ajudar. Faço um agradecimento mais do que especial ao professor Paulo Cesar Rocha, meu orientador no Mestrado e Doutorado, que sempre confiou em mim e que soube respeitar minhas ideias, minha forma de trabalhar e, principalmente, pela compreensão durante os difíceis momentos passados durante essa jornada. Obrigado, Paulo! Beatles e Corinthians, sempre! Agradeço aos meus companheiros de banda que, durante essa jornada, foram responsáveis por proporcionarem momentos de prazer e relaxamento, permitindo que, junto com eles, eu pudesse encontrar na música o prazer necessário para seguir adiante: muito obrigado Fernando Heck, Ian Damaceno e Danilo Carvalho (muito rock and roll e longa vida aos Stereonatos). Por fim, quero lembrar aqui de todos aqueles que são o meu chão, aqueles que me permitem ficar de pé para seguir adiante. Obrigado Tia Fran (minha madrinha/mãe) que me deu toda a força necessária durante este que foi o período mais difícil de minha vida, obrigado Tia Rosária pelas mensagens diárias e pelos quibes deliciosos, Tio Tonico pelos livros e contribuições científicas e Tio Luiz pelas piadas e espírito sempre jovem. Obrigado a minha companheira Karina que, após tantos anos de amizade, de idas e vindas, hoje está ao meu lado, juntamente com Pedro e Manuel, me ajudando a seguir em frente, com extremo amor e dedicação. Obrigado, eu te amo muito! Agradeço ao meu irmão Marcos Pimenta e sua família (minha cunhada Lane e meus amados sobrinhos Enzo e Maria Flor), que hoje são o que tenho de mais importante no mundo, que não me deixam sozinho e que são aqueles a quem sempre recorro nos momentos de dor e desespero. Não poderia terminar esses agradecimentos sem antes agradecer a três entes mais do que especiais e que se tornaram fundamentais durante todo o doutorado. O decorrer dessa jornada me reservou o mais doloroso e triste momento da minha vida pela perda de uma pessoa tão amada, minha mãe Ana. Ainda que ela não esteja mais no mundo dos vivos, quero agradecer a ela e ao meu também falecido pai pelo esforço, pelo amor, pela dedicação e pelo sonho de ver seus filhos formados e doutores. Hoje, eu e meu irmão, Marcos, somos a materialização do 7 sonho de uma camponesa desterritorializada aos dez anos de idade, que se tornou babá e depois costureira; e de um retirante nordestino, que se tornou garçom e vendedor ambulante. Meu amor por vocês é e sempre será eterno. Este trabalho é de vocês, é sobre vocês e é para vocês. Finalmente, um agradecimento a alguém que jamais será capaz de ler estas palavras, tampouco entender o que este estudo propõe, mas que durante absolutamente todo esse processo esteve incansavelmente ao meu lado, me encheu de carinho e se tornou minha única e inseparável companhia do dia-dia, meu “anjo-da-guarda de quatro patas”. Obrigado, Inezita! Papai te ama e jamais esquecerá que, se cheguei a ser doutor, também foi porque tive o seu amor! 8 And in the end The love you take Is equal to the love you make Lennon / McCartney 9 RESUMO Este trabalho tem por objetivo discutir de que forma as condições ambientais do território do Pontal do Paranapanema influenciam na distribuição de suas terras, acarretando impactos produtivos e ambientais para toda a população. Partindo de um histórico de conflitos agrários, luta pela terra e decisões jurídicas sobre a destinação de terras devolutas, observamos a forma desigual como as terras desta região estão distribuídas, levando-se em conta seu aspecto qualitativo. A partir de dados ambientais, analisados sob a perspectiva do conceito de Fragilidade Ambiental, associados a uma perspectiva territorial acerca da constituição fundiária desta região, buscamos apresentar quais categorias fundiárias estão mais sujeitas a problemas com processos erosivos, bem como a forma como o uso da terra praticado em cada tipo de imóvel impacta o ambiente. Por fim, buscamos apresentar alternativas de ordenamento territorial comprometidas com uma distribuição fundiária mais justa e socioambientalmente menos degradante. Os resultados apontaram que as condições ambientais configuram um importante elemento na destinação das terras, direcionando territórios mais degradados para políticas de reforma agrária, enquanto mantém terrenos mais planos e, portanto, menos sujeitos a processos erosivos, em poder do latifúndio. A pesquisa apontou, ainda, que as práticas agrícolas desenvolvidas em assentamentos rurais e pequenos imóveis, embora disponham de terras menos privilegiadas, representaram um menor índice de impacto sobre esse território. Palavras-chave: Fragilidade Ambiental; Apropriação do Relevo; Pontal do Paranapanema ABSTRACT This work aims to discuss how the environmental conditions of the Pontal do Paranapanema territory influence the distribution of its lands, carrying productive and environmental impacts for the entire population. Starting from a history of agrarian conflicts, land disputes and legal decisions on the allocation of returned lands, we observe unequally how the lands in this region are distributed, taking into account their qualitative aspect. Starting from environmental data, analyzed from the perspective of the concept of Environmental Fragility, associated with a territorial perspective regarding the land constitution of this region, we seek to present which land categories are more subject to problems with erosive processes, as well as the way in which they are used. terra practiced in each type of vehicle impacts the environment. Finally, we seek to present territorial planning alternatives committed to a fairer and less socio-environmentally degrading land distribution. The results suggest that environmental conditions configure an important element in the destination of lands, directing more degraded territories for agrarian reform policies, while maintaining lands that are flatter and, therefore, less subject to erosive processes, in the power of the latifúndio. The research suggests, furthermore, that agricultural practices carried out in rural settlements and small properties, where less privileged land is available, represent a lower rate of impact on that territory. Keywords: Environmental Fragility; Relief Appropriation; Pontal do Paranapanema 10 RESUMEN Este trabajo tiene como objetivo discutir que la forma en que las condiciones ambientales del territorio del Pontal de Paranapanema influyen en la distribución de sus tierras, acarreando impactos productivos y ambientales para toda la población. Partindo de um histórico de conflictos agrários, luta pela terra e decisões jurídicas sobre a destinação de terras devolutas, observamos una forma desigual como as terras desta região estão distribuídas, levando-se em conta su aspecto cualitativo. A partir de datos ambientales, analizados desde la perspectiva del concepto de fragilidad ambiental, asociados a una perspectiva territorial acerca de la constituição fundiária de esta región, buscamos presentar quais categorías fundiárias están más sujetas a problemas con procesos erosivos, bem como a forma como o uso da terra practicado em cada tipo de imóvel impacta o ambiente. Por fin, buscamos presentar alternativas de ordenamiento territorial comprometido con una distribución fundiária más justa y socioambientalmente menos degradante. Los resultados indican que las condiciones ambientales configuran un elemento importante en el destino de la tierra, dirigiendo territorios más degradados para políticas de reforma agraria, en cuanto mantenemos terrenos más planos y, por tanto, menos sujetos a procesos erosivos, en poder de latifúndio. A pesquisa apontou, ainda, que as prácticas agrícolas desenvolvidas em assentamentos rurales e pequeños imóveis, embora disponham de terras menos privilegiadas, representanam um menor índice de impacto sobre ese territorio. Palabras clave: Fragilidad Ambiental; Asignación de Ayuda; Pontal de Paranapanema 11 ÍNDICE GERAL ÍNDICE DE FIGURAS Figura 1- Regiões Administrativas – Zoneamento Ecológico-Econômico ............................. 31 Figura 2 – São Paulo - Regiões Administrativas – Zoneamento Ecológico-Econômico ........ 32 Figura 3 – Zoneamento Agroambiental para o Setor Sucroalcooleirono estado de São Paulo .................................................................................................................................................. 35 Figura 4 - Susceptibilidade a processos erosivos na Unidade de Gerenciamento de Recursos Hídricos – Pontal do Paranapanema ......................................................................................... 37 Figura 5 - Proposta taxonômica para as unidades morfoestruturais e morfoesculturais do relevo .................................................................................................................................................. 47 Figura 6 – Perfil de Elevação da Bacia Sedimentar do Paraná ............................................... 48 Figura 7 – Tentativa de classificação climática do estado de São Paulo................................. 52 Figura 8 – Mapa Pedológico do estado de São Paulo ............................................................. 56 Figura 9 – Atributos químicos dos solos do estado de São Paulo ........................................... 57 Figura 10 – Classes de profundidade de solos no estado de São Paulo .................................. 58 Figura 11 - População indígena no Brasil ............................................................................... 69 Figura 12 – Mapa Etno-Histórico de Curt Nimeandaju (1944) .............................................. 70 Figura 13 - Mapa da Província de São Paulo (1886)............................................................... 75 Figura 14 - Planta do Rio Paranapanema (1886). ................................................................... 76 Figura 15 – O Vale do Paranapanema ..................................................................................... 79 Figura 16 – A penetração e a posse dos mineiros no Vale do Paranapanema em meados do século XIX ................................................................................................................................ 80 Figura 17 - Limites da Fazenda “Pirapó-Santo Anastácio”..................................................... 81 Figura 18 - Sistema de demarcação de terras em “aguadas” ................................................... 82 Figura 19 - Plantações de café no estado de São Paulo às vésperas da crise de 1929 ............ 86 Figura 20 - Estrada de Ferro “Alta Sorocabana” ..................................................................... 88 Figura 21 - Estrada de Ferro “Ramal de Dourados”................................................................ 91 Figura 22 - Fotografia da "Estação Guarucaia", futuro distrito de Presidente Bernardes (1920) .................................................................................................................................................. 92 12 Figura 23 - Evolução dos municípios do Pontal do Paranapanema ........................................ 96 Figura 24 – Mapa da “Grande Reserva” do Pontal do Paranapanema .................................. 100 Figura 25 – Estrutura fundiária no Brasil .............................................................................. 106 Figura 26 – Venda de veículos movidos à etanol .................................................................. 116 Figura 27 – Expansão das plantações de cana-de-açúcar no Brasil (2003-2014) ................. 117 Figura 28 – Polígono do Agrohidronegócio – Brasil, 2008 .................................................. 121 Figura 29 – Índice de mecanização da colheita de cana-de-açúcar no Estado de São Paulo (por EDR) ....................................................................................................................................... 122 Figura 30 – Índice de mecanização da colheita de cana-de-açúcar na RA de Presidente Prudente no ano de 2016/2017 .............................................................................................................. 124 Figura 31 – Área plantada por classe de área do ZAA (%) ................................................... 125 Figura 32 - Exemplos extremos para atribuição de Índice de Dissecação do Relevo ........... 137 ÍNDICE DE TABELAS Tabela 1 – Avaliação de tendência aos processos erosivos na UGRHI-22 (%) ...................... 37 Tabela 2 – Número de contratos de crédito rural Safras – 2018/2019 e 2019/2020 ............. 115 Tabela 3 – Área plantada no estado de São Paulo por ano base e por classe de área do Zoneamento Agroambiental (ZAA) - ha ................................................................................ 126 Tabela 4 – Distribuição fundiária das terras do Pontal do Paranapanema – SP .................... 149 Tabela 5 – Fragilidade Ambiental Emergente e estrutura fundiária no Pontal do Paranapanema – SP (%) .................................................................................................................................. 165 Tabela 6 – Diferença entre os índices de Fragilidades Ambiental Potencial e Emergente no Pontal do Paranapanema – SP (%) ......................................................................................... 167 Tabela 7 – Usos médios de água: Tipologia do Processo Industrial da Usina de cana-de-açúcar ................................................................................................................................................ 180 SIGLAS E ABREVIATURAS ANFAVEA – Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores ANTT – Agência Nacional de Transporte Terrestre Apf – Agradacional de planície fluvial 13 APA – Área de Proteção Ambiental Apl – Agradacional de Planície Lacustre Apm – Agradacional de Planícies Marinhas AR – Assentamento rural Atf – Agradacional deterraço fluvial Aw – Tropical úmido CAGED – Cadastro Geral de Empregados e Desempregados CAR/INCRA – Cadastro Ambiental Rural CEB – Comunidades Eclesiais de Base CCU – Contrato de Concessão CDRU – Concessão de Direito Real de Uso CEETAS – Centro de EStdudos de Educação, Trabalho Ambiente e Saúde CEGeT – Centro de Estudos de Geografia do Trabalho CESP – Companhia Energética de São Paulo CETESB – Companhia Ambiental do Estado de São Paulo CONTAG - Confederação Nacional dos Trabalhadores Agrícolas CPT – Comissão Pastoral da Terra CRAPP – Centro de Referência em Agroecologia do Pontal do Paranapanema Cwa – Mesotérmica de Inverno Seco Da – Denudacional Aguçado DAEE – Departamento de Água e Energia Elétrica Dc – Denudacional convexo Dp – Denudacional Plano DOT – Diretoria de Ordenamento Territorial Dt – Denudacional tabular EDR – Escritório de Desenvolvimento Rural EF - |Estrutura Fundiária EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária ESALQ – Escola de Agronomia Luís de Queirós FAE – Fragilidade Ambiental Emergente FAP – Fragilidade Ambiental Potencial FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Espado de São Paulo 14 GADIS - Grupo de Gestão Ambiental e Dinâmica Socioespacial GI – Grande Imóvel ha – hectare IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IFSP – Instituto Florestal de São Paulo IG – Instituto de Geociências INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais IPAM – Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia ITESP – Instituto de Terras do Estado de São Paulo MI – Médio Imóvel MIRAD - Ministério da Reforma e do Desenvolvimento Agrário MMA – Ministério do Meio Ambiente MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra NNE – Nor-Nordeste PCB – Partido Comunista Brasileiro PI – Pequeno Imóvel PNOT – Política Nacional de Ordenamento Territorial PNRA - Plano Nacional de Reforma Agrária PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente PRONAF – Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar PRONAMP – Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor RA – Região Administrativa RAIS – Relação Anual de Informações Sociais SAE – Secretaria de Assuntos Estratégicos SEI – Sistema Eletrônico de Informações SICOR - Sistema de Operações do Crédito Rural e do Proagro SIMA – Sistema Integrado de Monitoramento Agrícola SPA – Secretaria de Política Agrícola SRTM - Shuttle Radar Topography Mission SSW – Sul-Sudoeste TD – Terras Devolutas 15 TD* – Título de Domínio UCPI – Unidade de Conservação de Proteção Integral UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais UFPA – Universidade Federal do Pará UGRHI – Unidade de Gerenciamento de Recursos Hídricos UHE – Usina Hidrelétrica UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas USP - Universidade de São Paulo ZAA - Zoneamento Agroambiental para o Setor Sucroalcooleiro ZEE - Zoneamento Ecológico-Econômico do Estado de São Paulo ÍNDICE DE MAPAS Mapa 1 – Mapa de Localização do Pontal do Paranapanema - SP .......................................... 23 Mapa 2 – Padrões de formas semelhantes do Pontal do Paranapanema.................................. 49 Mapa 3 – Mapa Pedológico do Pontal do Paranapanema - SP ................................................ 55 Mapa 4 – Cobertura florestal do Pontal do Paranapanema...................................................... 62 Mapa 5 – Mapa Uso da Terra do Pontal do Paranapanema - SP ........................................... 102 Mapa 6 – Evolução das áreas de plantações de cana-de-açúcar no Pontal do Paranapanema – SP (2002/2017) ....................................................................................................................... 119 Mapa 7 – Índices de fragilidade dos padrões de dissecação do relevo do Pontal do Paranapanema - SP ................................................................................................................. 140 Mapa 8 – Fragilidade Ambiental Potencial do Pontal do Paranapanema - SP ...................... 144 Mapa 9 – Mapa da Estrutura Fundiária do Pontal do Paranapanema - SP ............................ 148 Mapa 10 – Fragilidade Ambiental Emergente do Pontal do Paranapanema - SP ................. 152 Mapa 11 – Fragilidade Ambiental Potencial e Estrutura Fundiária do Pontal do Paranapanema – SP ......................................................................................................................................... 158 Mapa 12 – Fragilidade Ambiental Emergente e Estrutura Fundiária do Pontal do Paranapanema – SP ......................................................................................................................................... 164 Mapa 13 – Territorialização de Terras Devolutas no Pontal do Paranapanema .................... 173 Mapa 14 – Declividade e mecanização da produção canavieira no Pontal do Paranapanema - SP ............................................................................................................................................ 177 16 Mapa 15 – Declividade e produção canavieira no Pontal do Paranapanema – SP (2022) .... 178 Mapa 16 – Fragilidade Ambiental Potencial, territorialização de terras devolutas e unidades processadoras .......................................................................................................................... 181 Mapa 17 – Simulação de Fragilidade Ambiental Emergente e Terras Retomadas do Pontal do Paranapanema - SP ................................................................................................................. 199 Mapa 18 – Comparação entre mapas de Fragilidade Ambiental Emergente e Fragilidade Ambiental Emergente X Terras Retomadas do Pontal do Paranapanema - SP ...................... 200 ÍNDICE DE FOTOS Foto 1 – Vegetação do Parque Estadual “Morro do Diabo” .................................................... 60 Foto 2 – Cotia no Parque Estadual “Morro do Diabo” ............................................................ 60 Foto 3 – Ariranha no Parque Estadual “Rio do Peixe” ............................................................ 61 Foto 4 – Entrada de Conceição do Monte Alegre (Distrito de Paraguaçu Paulista - SP) ........ 93 Foto 5 – Placa comemorativa de cem anos da criação do distrito de Conceição do Monte Alegre (Distrito de Paraguaçu Paulista - SP) ....................................................................................... 94 Foto 6 – Praça da igreja matriz do distrito de Conceição do Monte Alegre (Distrito de Paraguaçu Paulista - SP) ............................................................................................................................ 94 Foto 7 – Igreja matriz do distrito de Conceição do Monte Alegre (Distrito de Paraguaçu Paulista - SP) .......................................................................................................................................... 95 Foto 8 – Ravinas no Pontal do Paranapanema-SP ................................................................. 154 Foto 9 – Voçorocas no Pontal do Paranapanema-SP ............................................................. 154 Foto 10 – Voçorocas no Pontal do Paranapanema-SP ........................................................... 155 Foto 11 – Processos erosivos no Pontal do Paranapanema-SP .............................................. 155 Foto 12 – Morte de bicho-da-seda em assentamento do Pontal do Paranapanema ............... 195 ÍNDICE DE IMAGENS Imagem 1 – Perfil de Elevação da Bacia Sedimentar do Paraná ............................................. 48 Imagem 2 – Imagem raster (SRTM) do Pontal do Paranapanema ........................................ 139 17 Imagem 3 – Hipsometria do Pontal do Paranapanema .......................................................... 139 Imagem 4 – Localização da Usina Decasa, em Marabá Paulista - SP .................................. 182 Imagem 5 – Localização da Destilaria Alcídia, em Teorodoro Sampaio - SP ...................... 182 Imagem 6 – Prática agroecológica da família Araújo - Assentamento Dom Tomás Balduíno (Sandovalina-SP) .................................................................................................................... 192 Imagem 7 - Prática agroecológica da família Ribeiro - Assentamento Dom Tomás Balduíno (Sandovalina-SP) .................................................................................................................... 193 Imagem 8 – Sistema agroflorestal da família Gomes - Assentamento São Bento (Mirante do Paranapanema - SP) ................................................................................................................ 193 Imagem 9 – Comercialização de tomate-cereja orgânico (Sandovalina-SP)......................... 194 ÍNDICE DE GRÁFICOS Gráfico 1 – Evolução das áreas com plantações de cana-de-açúcar no Pontal do Paranapanema – SP – 2002/2017 (ha) ............................................................................................................ 120 Gráfico 2 – Fragilidade Ambiental Potencial no Pontal do Paranapanema – SP (%) ........... 145 Gráfico 3 – Distribuição fundiária das terras do Pontal do Paranapanema - SP ................... 150 Gráfico 4 – Distribuição fundiária e Fragilidade Ambiental Potencial no Pontal do Paranapanema – SP (%) ......................................................................................................... 160 Gráfico 5 – Distribuição fundiária e Fragilidade Ambiental Emergente no Pontal do Paranapanema – SP (%) ......................................................................................................... 166 Gráfico 6 – Variação entre os índices de Fragilidade Ambiental Potencial e Emergente nas categorias fundiárias do Pontal do Paranapanema – SP (%) .................................................. 169 Gráfico 7 – Fragilidade Ambiental Potencial em Assentamentos Rurais e Terras Devolutas no Pontal do Paranapanema – SP (%) ......................................................................................... 174 Gráfico 8 – Fragilidade Ambiental Potencial em Assentamentos Rurais, Grandes Imóveis e Terras Devolutas no Pontal do Paranapanema – SP (%) ........................................................ 175 ÍNDICE DE QUADROS Quadro 1 – Assentamentos Rurais no Pontal do Paranapanema ........................................... 112 Quadro 2 – Classes de declividade ........................................................................................ 135 18 Quadro 3 - Modelo de Fragilidade ........................................................................................ 135 Quadro 4 – Matriz dos Índices de Dissecação do Relevo (1:250.000) ................................. 136 Quadro 5 – Níveis de fragilidade das categorias morfométricas dos Índices de Dissecação do Relevo ..................................................................................................................................... 137 Quadro 6 – Atribuição de níveis de fragilidade para a variável “solos” no Pontal do Paranapanema - SP ................................................................................................................. 141 Quadro 7 – Atribuição de níveis de fragilidade para a variável “uso da terra” no Pontal do Paranapanema - SP ................................................................................................................. 141 Quadro 8 – Fragilidade Ambiental Potencial e estrutura fundiária no Pontal do Paranapanema – SP (%) .................................................................................................................................. 159 19 SUMÁRIO PARTE I ÍNDICE GERAL .................................................................................................................... 11 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 22 HIPÓTESE .............................................................................................................................. 24 OBJETIVOS GERAIS ........................................................................................................... 25 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ............................................................................................... 25 JUSTIFICATIVA ................................................................................................................... 25 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA .............................................................................................. 26 I – POLÍTICAS DE ORDENAMENTO TERRITORIAL ................................................. 26 1.1 - Histórico das políticas de Ordenamento Territorial no Brasil.......................................... 27 1.2 – Zoneamento Ecológico-Econômico do Estado de São Paulo .......................................... 32 1.3 – Zoneamento Agroambiental para o Setor Sucroalcooleiro ............................................. 33 II – MEIO FÍSICO-NATURAL DO PONTAL DO PARANAPANEMA ......................... 39 2.1 – A natureza do Pontal do Paranapanema .......................................................................... 40 2.1.1 – Geologia e Relevo do Pontal do Paranapanema ........................................................... 45 2.1.2 – Clima do Pontal do Paranapanema ............................................................................... 50 2.1.3 – Solos do Pontal do Paranapanema ................................................................................ 54 2.1.4 – Cobertura florestal do Pontal do Paranapanema........................................................... 59 III - PONTAL DO PARANAPANEMA: HISTÓRICO DE OCUPAÇÃO ....................... 64 3.1 – Ocupação do Pontal do Paranapanema: perspectiva territorial ....................................... 65 3.2 – Pontal do Paranapanema, terras (des)povoadas? ............................................................. 67 3.3 – Gênese fundiária do Pontal do Paranapanema: posses e grilagens ................................. 71 3.4 – Construção e expansão da Estrada de Ferro “Alta Sorocabana”: gênese dos municípios do Pontal do Paranapanema ........................................................................................................... 85 20 3.5 – Uso da terra no Pontal do Paranapanema ........................................................................ 97 3.5.1 – Chegada da fronteira agrícola e fortalecimento da elite agrária do Pontal do Paranapanema ........................................................................................................................... 98 3.6 – Estrutura fundiária e luta pela terra ............................................................................... 103 Não podemos compreender o processo de territorialização do Pontal do Paranapanema sem voltarmos nossos olhares para a atuação do campesinato. Embora as lavouras de monocultura canavieira e pastagens se prolonguem no horizonte, é preciso compreender a atuação dos movimentos de luta pela terra nesta região, pois a consolidação dos assentamentos não se deu por acaso, muito menos sem luta. ........................................................................................... 112 3.7 – Regularização: uma ameaça às conquistas .................................................................... 113 3.8 – Monocultura de cana-de-açúcar no Pontal do Paranapanema ....................................... 115 METODOLOGIA................................................................................................................. 128 IV – FRAGILIDADE AMBIENTAL – PROPOSTA METODOLÓGICA PARA ANÁLISE AMBIENTAL ..................................................................................................... 128 4.1 – “Fragilidade Ambiental”................................................................................................ 129 4.2 – Raízes sistêmicas e aspectos técnicos da “Fragilidade Ambiental” .............................. 129 4.3 – Procedimentos metodológicos para mapeamento da “Fragilidade Ambiental” ............ 138 RESULTADOS E DISCUSSÕES ....................................................................................... 142 V – FRAGILIDADE AMBIENTAL NAS TERRAS DO PONTAL DO PARANAPANEMA: UMA CRÍTICA AO ORDENAMENTO TERRITORIAL VIGENTE .............................................................................................................................. 142 5.1 – Fragilidade Ambiental Potencial nas terras do Pontal do Paranapanema ..................... 143 5.2 – Ordenamento territorial do Pontal do Paranapanema .................................................... 146 5.3 – Fragilidade Ambiental Emergente nas terras do Pontal do Paranapanema ................... 150 5.4 – Fragilidade Ambiental e estrutura fundiária do Pontal do Paranapanema .................... 153 5.4.1 – Fragilidade Ambiental Potencial e Estrutura Fundiária do Pontal do Paranapanema 157 5.4.2 – Fragilidade Ambiental Emergente e Estrutura Fundiária do Pontal do Paranapanema 162 5.5 – Fragilidade Ambiental e terras devolutas do Pontal do Paranapanema ........................ 170 21 5.6 – Recursos hídricos e a busca por uma territorialização estratégica ................................ 179 VI – REORDENAMENTO TERRITORIAL DO PONTAL DO PARANAPANEMA . 185 6.1 – Reordenamento territorial no Pontal do Paranapanema: uma questão ambiental ......... 186 6.2 – Agroecologia: uma possibilidade .................................................................................. 187 6.3 – Agroecologia no Pontal do Paranapanema: experiências inspiradoras ......................... 191 6.4 – Proposta para um Pontal do Paranapanema socioambeintalmente mais sustentável .... 195 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 202 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 207 ANEXOS ............................................................................................................................... 215 22 INTRODUÇÃO A Geografia, pela potência do seu caráter holístico e multidisciplinar, nos oferece a possibilidade de diversas perspectivas de análise na busca pela explicação dos fenômenos, sejam eles de origem física-natural ou histórico-social. Historicamente, a Geografia busca entender a correlação entre os fenômenos naturais e sociais, e de que forma essa interação transforma a realidade em que vivemos. Portanto, a terra e suas características são elementos que exercem grandes influências nas relações sociais existentes. Porém, dentro do modo capitalista de produção, no qual a terra se configura como mercadoria, não podemos falar em “terra” sem abordarmos as “relações de poder”. A perspectiva geográfica, através do conceito de território, nos oferece a possibilidade de entendermos as relações de poder que são, ao mesmo tempo, produtos e produtoras de territórios. Assim, subsidiados por estudos de Raffestin (1993), Andrade (1995) e Fernandes (1999), buscaremos compreender de maneira mais aprofundada, a partir de uma perspectiva territorial, o histórico de ocupação territorial, bem como os conflitos que moldam tal território. Por outro lado, a qualidade das terras também se configura como um elemento chave para entendermos a forma como os territórios são ocupados. Assim, a “Fragilidade Ambiental”, conceito desenvolvido por Ross (1994), a partir das interações naturais e sociais do ambiente, nos permite observar e entender como as dinâmicas naturais agem entre si e em relação ao uso da terra. A Fragilidade Ambiental traz informações acerca da susceptibilidade de um ambiente a processos erosivos, levando em consideração variáveis como declividade e tipo de solo. O Ordenamento Territorial é fruto de um histórico de disputas através dos tempos, materializando-se em uma organização que traz em si as marcas que constituíram sua formação, sejam elas de caráter físico, sejam elas de caráter cultural. Não à toa, a expressão “ordenamento territorial” está presente pela primeira vez neste trabalho logo em seu início, pois carrega na palavra “territorial” uma das bases sobre quais este estudo se encontra fundamentado. O Zoneamento Ambiental para o Setor Sucroalcooleiro (ZAA) e o Zoneamento Ecológico- Econômico (ZEE) trazem políticas de ordenamento territorial que entendem a região do Pontal do Pontal do Paranapanema como uma região potencialmente apta a receber vastas áreas de monocultivo canavieiro. A região do Pontal do Paranapanema (Mapa 1), localizada no extremo-oeste do estado de São Paulo, traz na gênese de sua formação um processo disputas pela posse da terra, muitas 23 vezes marcadas pela violência e pela opressão sobre camadas menos favorecidas de camponeses, cujas terras foram tomadas e incorporadas a grandes latifúndios. Para além disso, o poder público estadual, por meio de políticas de ordenamento territorial, traz propostas de uso da terra baseadas em um modelo produtivo que tem o latifúndio e a monocultura como alicerces. Portanto, estudar o Pontal do Paranapanema é mergulhar profundamente em duas das grandes questões que ainda carecem de serem resolvidas no Brasil: a questão ambiental e a questão agrária. Ao observarmos as interações entre a configuração fundiária do Pontal do Paranapanema e a qualidade de suas terras, alguns questionamentos foram fomentados, levando-nos a refletir sobre as correlações existentes entre esses dois aspectos, bem como sobre a capacidade de um influenciar nas características do outro. Mapa 1 – Mapa de Localização do Pontal do Paranapanema - SP Fonte: IBGE. Org.: PIMENTA, 2020. 24 Durante mais de dez anos, pudemos percorrer as terras desse recorte de estudo, contribuindo com o levantamento de informações referentes aos aspectos físicos e sociais, momentos em que foi possível conhecer de maneira direta as contradições existentes na territorialização do Pontal do Paranapanema. Para além disso, as desigualdades de acesso à terra sempre fizeram parte da vida deste pesquisador, dada a origem camponesa desterritorializada de nossa família. Outro aspecto bastante relevante foi o contexto de desenvolvimento da presente pesquisa, a qual se deu em um ambiente de profundas incertezas devido à pandemia de COVID-19 que assolou o mundo durante os anos de 2019, 2020 e 2021, trazendo profundos prejuízos sociais e econômicos, principalmente no Brasil, devido à política negacionista adotada pelo Governo Federal. Assim, apontar as contradições territoriais do Pontal do Paranapanema não apenas representou vencer dificuldades estruturais, relacionadas ao ambiente político, mas também vencer dificuldades pessoais. HIPÓTESE Partindo do trabalho elaborado por Feliciano (2009), através de mapeamentos acerca da configuração fundiária do Pontal do Paranapanema, associados aos dados referentes à Fragilidade Ambiental da região, levantamos a hipótese de que a susceptibilidade à erosão poderia exercer uma importante influência nos direcionamentos responsáveis pela destinação das terras que compõem esse território. Ou seja, entendemos que, potencialmente, as características ambientais do Pontal do Paranapanema são capazes de oferecer elementos que nos ajudem a entender seu processo desigual de territorialização, no qual camponeses e latifundiários têm acessos a territórios com distintas características do ponto de vista não apenas quantitativo, mas também qualitativo. Com base em dados fundiários, buscaremos traçar um histórico de ocupação do Pontal do Paranapanema e, a partir de dados ambientais, entender como cada tipo de imóvel está disposto no território de acordo com suas características físicas-naturais. Para isso, analisaremos a configuração fundiária da região, dividindo as terras em “categorias fundiárias”, de acordo com o tamanho; levantaremos as características ambientais do território de acordo com os índices de Fragilidade Ambiental; estabeleceremos correlações entre características 25 fundiárias e ambientais; e, a partir do diagnóstico obtido, buscaremos propor novas formas de uso desse território. OBJETIVOS GERAIS Entender o processo de territorialização do Pontal do Paranapanema – SP a partir dos elementos físico-naturais e sociais, abrangendo as últimas décadas, buscando propor alternativas viáveis para um reordenamento territorial que torne possível um sistema produtivo mais sustentável. OBJETIVOS ESPECÍFICOS • Entender e analisar aspectos ambientais do Pontal do Paranapanema; • Analisar a constituição fundiária do Pontal do Paranapanema – SP, as disputas e conflitos que constituíram esse processo; • Análise dos processos de apropriação e de uso e cobertura da terra; • Elaborar mapeamento ambiental do Pontal do Paranapanema com base nas propostas do modelo de Fragilidade Ambiental (ROSS, 1994); • Apresentar um diagnóstico do ordenamento territorial presente, correlacionando a estrutura fundiária da área estudada e o uso da terra; • Propor um novo ordenamento territorial com base em possibilidades econômicas, sociais e jurídicas. JUSTIFICATIVA Justifica-se o presente estudo com base em seu histórico de concentração de terras e a forma como essa lógica impõe a perpetuação da falta de acesso à terra de forma mais justa e igualitária. Diversos são os fatores que influenciam no preço da terra e na sua condição de mercadoria. Este trabalho pretende analisar um desses fatores, uma vez que entendemos serem as condições naturais um elemento importantíssimo dentro dos demais necessários ao exercício de posse, permanência e produção da terra e na terra. 26 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA I – POLÍTICAS DE ORDENAMENTO TERRITORIAL 27 1.1 - Histórico das políticas de Ordenamento Territorial no Brasil A ideia de “ordenamento territorial” é um fenômeno social contemporâneo, que tem suas raízes atreladas ao fim da Segunda Guerra Mundial, período em que o mundo necessitava repensar suas formas de ocupação do território, a fim de, ao mesmo tempo, garantir o domínio conquistado após as batalhas e recuperar a devastação deixada após anos de destruição em escalas jamais vistas. Em princípio, o ordenamento territorial buscava repensar uma nova organização para a reprodução do modo capitalista de produção, com o objetivo de mitigar as desigualdades econômicas regionais. De acordo com Amendola (2011), Consideramos o ordenamento territorial como uma função essencialmente pública e política, que lança mão de variáveis que contribuem para maior amplitude conceitual da referida categoria, que se mostra bastante complexa. Ao passo dos novos conceitos de desenvolvimento e das influências internacionais, o ordenamento territorial foi agregando variáveis no âmbito político, tecnológico e cultural, sem se desfazer de sua concepção original. A princípio, o ordenamento territorial apoiar-se-ia sobre o quadro natural que constituiu o espaço geográfico em escala local, sobre os processos sociais, culturais, ambientais e econômicos que produziriam formas concretas de ocupação e utilização do espaço; sobre análise e interpretação de informações estatísticas locais, sobre representações do espaço multiescalar; sobre a relação do comportamento humano com as potencialidades naturais e suas repercussões; sobre a integração de manifestações ou fenômenos locais em cenários naturais, sociais e econômicos de maior escala; sobre instrumentos jurídicos (acordos internacionais, constituições, leis, normas e decretos) que condicionam a dinâmica do território; sobre práticas administrativas e princípios consolidados (planejamento, participação etc.) e sobretudo na prática científica multidisciplinar (porque permite interagir interesses entre atores em busca de conciliá-los), sem, contudo deixar de ser disciplinar enquanto técnica com bases científicas. (AMENDOLA, 2011, p.42) Pensar em políticas de Ordenamento Territorial, no Brasil, significa nos remetermos anos da década de 1980, quando este tema passou a integrar propostas que viriam compor a Carta Magna de 1988. Neste período, o país se preparava para deixar para trás vinte anos de governos totalitários que, em 1964, tomaram o poder por meio de um golpe de Estado, mergulhando o Brasil em um período marcado, dentre outras coisas, pelo significativo crescimento econômico, impulsionado principalmente pelo investimento do Estado (com recursos oriundos de empréstimos internacionais) em infraestrutura, porém, às custas de uma abissal concentração de renda, de terras e de poder nas mãos de uma elite agrária que, de forma indiscriminada, avançava sobre áreas de preservação, florestas nativas, desterritorializando povos e acentuando 28 ainda mais as desigualdades. Quem a esse modelo se opusesse, deveria ser calado, fosse pela prisão, fosse pela tortura, fosse pela morte. Pensar a organização do território a partir da criação de um zoneamento é fruto de uma concepção idealizada para organização urbana e sua gênese está associada à cidade moderna, oriunda das transformações geradas pela revolução industrial. De acordo com Antunes (1996) apud (Ceddia (2000), A ideia de Zoneamento é contemporânea à ideia de urbanismo (século XIX) e, de fato, foi com o planejamento das modernas cidades industriais que surgiu a concepção de definir espaços urbanos voltados para determinados fins. Na verdade esse conceito se fundou em uma intervenção estatal sobre as atividades industriais visando diminuir ou manter sob controle os efeitos negativos que, inevitavelmente, são gerados pelo processo de crescimento econômico (ANTUNES, 1996). As zonas industriais resultantes da intervenção do poder público tiveram sua origem na Inglaterra em 1897, na região de Manchester. No Brasil, o maior projeto urbanístico, jamais empreendido, foi a construção de Brasília, que não obstante o seu alto custo e as projeções de crescimento urbano, econômico e social que, foram realizados, está completamente superado e passa pelas mesmas dificuldades vividas por cidades que não foram planejadas (ANTUNES, 1996 apud CEDDIA, 2000, p.44). Ainda conforme Antunes (1996) apud (Ceddia (2000), O Zoneamento existe de fato quando são estabelecidos critérios legais e regulamentares para que determinadas parcelas do solo, ou mesmo de cursos d’água doce ou do mar, sejam utilizadas ou não, segundo critérios preestabelecidos. Os critérios a serem utilizados para o Zoneamento são fixados unilateralmente pela Administração Pública através de ato próprio, e tornam-se obrigatórios, seja para o particular como para a Administração Pública, constituindo-se em limitação administrativa incidente sobre o direito de propriedade. O estabelecimento de zonas especiais destinadas a determinados fins integra o poder discricionário da Administração Pública e, uma vez estabelecidas as zonas especiais, toda e qualquer atividade a ser exercida na região submetida a essa norma de Zoneamento passa a ser vinculada, isto é, não poderão ser admitidas pela Administração Pública atividades que contrariem as normas de Zoneamento. Somente por mecanismo legal de hierarquia superior ou igual àquele que tenha estabelecido o Zoneamento é que se poderá alterá-lo. (ANTUNES, 1996 apud CEDDIA, 2000, p.44). No Brasil, com o movimento “Diretas Já” e a abertura de um governo de transição (Tancredo Neves / José Sarney – 1985-1989), passou-se a pensar de que forma o Estado poderia direcionar o Ordenamento Territorial do país. O debate sobre a necessidade de o Governo Federal assumir de forma coordenada ações referentes ao ordenamento do território nacional remonta aos anos oitenta, quando foi concebido o Programa Nossa Natureza, um programa desenvolvido pela 29 Secretaria de Assessoramento da Defesa Nacional, subordinada ao Gabinete Militar da Presidência da República. A ideia viria a se tornar preceito constitucional em 1988, cujo texto da Carta Magna estabelece, em seu Artigo 21, parágrafo IX: “Compete à União elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social”. Em 1990, com a reestruturação da Presidência da República, foi criada a Secretaria de Assuntos Estratégicos – SAE e, a ela subordinada, a Diretoria de Ordenação Territorial – DOT, que tinha como atribuições cumprir aquele preceito constitucional. A estratégia básica da DOT, contudo, limitou- se a elaboração de zoneamentos ecológico-econômicos (ZEE), nos planos nacional, regional e estadual, que se constituem, certamente, em um dos principais instrumentos de ordenamento do território. (MIN, 2006, p.08) Ainda segundo o Ministério da Integração Nacional (2006), dentre os trabalhos realizados pela DOT, estão a eleição e adequação de conceitos e métodos de orientação do Zoneamento Ecológico-Econômico e de Ordenamento Territorial; Plano de Zoneamento Ecológico da Amazônia. Em 1999, mediante a Medida Provisória 1.795/99, a SAE foi extinta e as suas atribuições referentes ao ZEE transferidas para o Ministério do Meio Ambiente pela Medida Provisória 1.911- 8/99, e, a partir de então, os ZEEs vêm sendo realizados de forma sistematizada e continuada, em parceria com os estados e diversos órgãos do Governo federal. A coordenação das ações de ordenamento territorial não teve, contudo, uma clara definição de responsabilidades, no âmbito do Governo Federal, sendo por muitos considerada coincidente com as atribuições do Zoneamento Ecológico-Econômico. (MIN, 2006, p.08) Em 2003, com a entrada do governo Luís Inácio Lula da Silva, a Lei 10.683/03, que estabeleceu as atribuições de cada ministério, atribuiu as responsabilidades referentes ao Ordenamento Territorial aos Ministérios da Integração Nacional e da Defesa. Desse modo, em 2004, o Ministério da Integração Nacional, fazendo valer o que determina a Constituição Federal, e em cumprimento às suas atribuições, decidiu elaborar uma proposta de Política Nacional de Ordenamento Territorial. Elaborou os Termos de Referência e procedeu a realização de processo licitatório para a contratação de serviços de consultoria para a realização dos estudos. (MIN, 2006, p.08) Conceitualmente, os estudos coordenados pelo Ministério da Integração Nacional trazem o Ordenamento Territorial como uma “questão política associada à mudança de natureza do Estado e do território, e da relação do Estado com seu território (MIN. 2006, p.12).” O documento ainda traz o conceito de “sujeito territorial”, composto pelo Estado, sociedade civil e os agentes privados. O documento, logo em seu início, estabelece conceitualmente as bases em que se sustenta, definindo “território como 30 [...] identificado com o espaço do Estado-Nação, sustentáculo físico da soberania nacional. Território associa-se, portanto, à noção de soberania, poder e controle, além de conter uma dimensão simbólica, um sentido de enraizamento, uma evidência de construção compartilhada e um papel na construção das identidades sociais. (MIN, 2006, p.13) Além disso, apresenta os objetivos da política de Ordenamento Territorial. No Brasil, a decisão governamental de promover a formulação de bases para uma Política Nacional de Ordenamento Territorial – PNOT representa uma preocupação com a retomada do território como quadro ativo de integração do arcabouço produtivo, social e ambiental. Diante das tendências e limitações vigentes, a construção de uma política de ordenamento do território configura-se, acima de tudo, como um enorme desafio. Em um quadro de fortes disputas por recursos limitados, o papel regulador do Estado e a capacidade de governança, como articulação de atores e ações, passam a ter importância estratégica. Ao mesmo tempo em que as possibilidades de ação governamental passam por um redirecionamento, grandes desigualdades entre ramos produtivos, entre grupos sociais e entre diferentes regiões do país, associadas a um nível crescente de degradação ambiental, exercem pressões em larga medida conflitantes. Na medida em que tanto os condicionantes, como os problemas e potencialidades revestem-se de um cunho espacial, políticas voltadas para essa dimensão podem contribuir não apenas para equilibrar pressões diferenciadas, mas para integrar e promover objetivos nacionais. (MIN. 2006, p.23) Os temas analisados para que as políticas de Ordenamento Territorial propostas tivessem êxito foram os principais padrões de uso e ocupação do território nacional e suas principais tendências de transformação; a situação das terras em poder da União; as experiências nacionais e internacionais; as principais ações e instrumentos setoriais e multissetoriais; análise do aparato institucional e jurídico-legal. As iniciativas tomadas em 2003, porém, não significaram um efetivo avanço no debate sobre Ordenamento Territorial, ao menos tomando como base a escala nacional. De acordo com Coutinho (2019), a consolidação dessas políticas esbarra em alguns fatores como o avanço do mercado de terras para a produção de commodities e especulação financeira, principalmente no Cerrado; crescimento econômico desigual das regiões brasileiras, causando uma relação de dependência dos estados do Norte/Nordeste em relação aos estados do Centro-Sul; falta de uma maior integração, o que favoreceria o fortalecimento do mercado interno. A autora ainda lembra que A falta de uma política pública nacional, estabelecendo diretrizes sobre o ordenamento territorial no Brasil e considerando os aspectos citados acima, dificulta que os outros entes, dentro de suas esferas de competência, tenham diretrizes gerais 31 para a definição, implantação, acompanhamento, ajustes e avaliação de suas políticas de uso da terra e do solo urbano. (COUTINHO, 2019, s/p.) Conforme nos aponta Moroz-Caccia Gouveia e Gouveia (2020), a Lei Complementar n° 140, de 8 de dezembro de 2011, fixa normas para cooperação entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios em relação às normativas administrativas comuns para proteção de paisagens naturais notáveis, proteção do meio ambiente e combate à poluição. Moroz-Caccia Gouveia e Gouveia (2020) ainda destacam, dentre as ações administrativas dos Estados, os itens I e IX: I - executar e fazer cumprir, em âmbito estadual, a Política Nacional do Meio Ambiente e demais políticas nacionais relacionadas à proteção ambiental; IX - elaborar o zoneamento ambiental de âmbito estadual, em conformidade com os zoneamentos de âmbito nacional e regional. Entretanto, nas escalas municipais e estaduais existe a discussão sobre Ordenamento Territorial por meio da construção dos Planos Diretores e dos Zoneamentos Ecológicos- Econômicos (ZEE’s) ou até mesmo propostas de zoneamentos para setores específicos da economia agrícola, como é o caso do Zoneamento Agroambiental para o Setor Sucroalcooleiro no Estado de São Paulo (ZAA), este proposto em 2008. Para a elaboração dos ZEE’s, algumas diretrizes foram elaboradas. (Figura 1) Figura 1- Regiões Administrativas – Zoneamento Ecológico-Econômico Fonte: MMA (2006), adaptado por SIMA (2022). 32 1.2 – Zoneamento Ecológico-Econômico do Estado de São Paulo O atual Zoneamento Ecológico Econômico do Estado de São Paulo (Figura 2), dividindo o estado em Regiões Administrativas, foi instituído por meio do Decreto Estadual n° 67.430, de 30 de dezembro de 2022 e que, segundo o documento, é um instrumento de planejamento e gestão do território, com objetivo de orientar o desenvolvimento ambiental, social e econômico do estado, considerando suas potencialidades e vulnerabilidades naturais e socioeconômicas (ZEE, 2022). Segundo o documento, O Zoneamento Ecológico-Econômico é um instrumento técnico e político de planejamento e ordenamento territorial, previsto na Política Nacional e Estadual do Meio Ambiente (Lei Federal nº 6.938/1981 e Lei Estadual nº 9.509/1997) e na Política Estadual de Mudanças Climáticas (Lei Estadual nº 13.798/2009), que estabelece diretrizes de ordenamento e gestão do território, considerando as características ambientais e a dinâmica socioeconômica das diferentes regiões do território. No estado de São Paulo, sua elaboração é norteada por cinco diretrizes estratégicas, que foram estabelecidas com base em uma análise das principais demandas e desafios ambientais e socioeconômicos enfrentados no estado, bem como na identificação de oportunidades de desenvolvimento. São elas: Resiliência às Mudanças Climáticas (D1), Segurança Hídrica (D2), Salvaguarda da Biodiversidade (D3), Economia Competitiva e Sustentável (D4) e Redução das Desigualdades Regionais (D5). (SIMA, 2022, p.02) Figura 2 – São Paulo - Regiões Administrativas – Zoneamento Ecológico-Econômico Fonte: SIMA, 2022. 33 O documento do ZEE ainda dispõe de um conjunto de relatórios e notas técnicas sobre cartas síntese para o estado de São Paulo, levantamento socioeconômico para o ZEE, nota técnica sobre cenários para o estado de São Paulo, tendo o ano de 2040 como horizonte, nota técnica sobre projeções climáticas para o estado de São Paulo, tendo 2040 como ano base, e nota técnica sobre análise integrada do estado de São Paulo. Este ZEE voltará a ser abordado no quinto capítulo deste estudo, quando o colocaremos como objeto de análise crítica em correlação ao atual modelo de estrutura fundiária e os níveis de Fragilidade” Ambiental apresentados. 1.3 – Zoneamento Agroambiental para o Setor Sucroalcooleiro O Zoneamento Agroambiental para o Setor Sucroalcooleiro (ZAA) foi elaborado em 2008 a partir de uma parceria com a Secretaria da Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, que teve por objetivo organizar a expansão e ocupação do solo pelas unidades agroindustriais, além de subsidiar a elaboração de políticas públicas. Os dados utilizados são referentes às condições climáticas, qualidade do ar, relevo, solo, qualidade da água, áreas de proteção ambiental e unidades de conservação existentes e indicadas, e fragmentos de manutenção da conectividade (SIMA, 2008). De acordo com a SIMA (2008), para classificação territorial do estado (Figura 3), foram estabelecidas quatro classes de áreas com diferentes graus de aptidão agroambiental: • áreas adequadas: correspondem ao território com aptidão edafoclimática favorável para o desenvolvimento da cultura da cana-de-açúcar e sem restrições ambientais específicas; • áreas adequadas com limitação ambiental: correspondem ao território com aptidão edafoclimática favorável para cultura da cana-de-açúcar e incidência de Áreas de Proteção Ambiental (APA); áreas de média prioridade para incremento da conectividade, conforme indicação do Projeto BIOTA-FAPESP; e as bacias hidrográficas consideradas críticas; • áreas adequadas com restrições ambientais: correspondem ao território com aptidão edafoclimática favorável para a cultura da cana-de-açúcar e com incidência de zonas de amortecimento das Unidades de Conservação de Proteção Integral – UCPI; as áreas de 34 alta prioridade para incremento de conectividade indicadas pelo Projeto BIOTA- FAPESP; e áreas de alta vulnerabilidade de águas subterrâneas do Estado de São Paulo, conforme publicação IG-CETESB-DAEE – 1997; • áreas inadequadas: correspondem às Unidades de Conservação de Proteção Integral – UCPI Estaduais e Federais; aos fragmentos classificados como de extrema importância biológica para conservação, indicados pelo projeto BIOTA-FAPESP para a criação de Unidades de Conservação de Proteção Integral – UCPI; às Zonas de Vida Silvestre das Áreas de Proteção Ambiental – APAs; às áreas com restrições edafoclimáticas para cultura da cana-de-açúcar e às áreas com declividade superior a 20%. 35 Figura 3 – Zoneamento Agroambiental para o Setor Sucroalcooleirono estado de São Paulo Fonte: SIMA, 2008. 36 Observa-se, no mapa da Figura 3, a categorização do Oeste do estado de São Paulo como “adequada” para o plantio de cana-de-açúcar”, em sua grande maioria. Excetuando-se a grande reserva do Parque Estadual “Morro do Diabo” e algumas áreas que margeiam rios como o Santo Anastácio e o Rio do Peixe, praticamente toda a região é considerada apta ao desenvolvimento do agronegócio canavieiro. Porém, de acordo Moroz-Caccia Gouveia e Gouveia (2020), [...] os componentes do meio físico (clima, solos e relevo) foram considerados apenas em relação à suas potencialidades para a cultura da cana-de-açúcar (aptidão edafoclimática e restrições à mecanização). Em nenhum momento consideraram-se as fragilidades desses componentes, como indicado na Política Nacional do Meio Ambiente, em especial no Decreto 4.297/2002, que estabelece as diretrizes do Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE). Em relação ao clima, não se considerou a erosividade das chuvas. Tommaselli et al. (1999), a partir da análise de dados de 40 estações pluviométricas no oeste paulista (1973-1996), obtiveram valores de erosividade entre 6.587 MJ mm ha-1 h -1 (Estação Laranja Doce) e 7.614 mm ha-1 h -1 (Estação Iepê). De acordo com Santos (2008), esses valores situam-se nas classes de erosividade média e alta. (MOROZ-CACCIA GOUVEIA; GOUVEIA, 2020, p.22) Ainda conforme Moroz-Caccia Gouveia e Gouveia (2020), Conforme o Boletim de Recomendações Gerais para Conservação do Solo na Cultura da Cana-de-açúcar (MARIA, 2016, p. 28), o ZAA “não considerou os fatores de solo relacionados à resistência à erosão e também questões como declividade. Por isso, a esse mapa (Figura 3) é preciso associar o risco de erosão para definições de escolha de sistemas de manejo e dimensionamento de práticas conservacionistas.” (MOROZ- CACCIA GOUVEIA; GOUVEIA, 2020, p.22) Já Ross (2009), ao tratar da fragilidade dos ambientes naturais, nos lembra que ela [...] deve ser avaliada quando se pretende considerá-la no planejamento territorial ambiental, tomando-se o conceito de unidade ecodinâmicas preconizadas por Tricart (1977), segundo o qual, o ambiente é analisado sob o prisma da teoria dos sistemas, que pressupõe que na natureza as trocas de energia e matéria se processam por relações de equilíbrio dinâmico. Esse equilíbrio, entretanto, é frequentemente alterado pelas intervenções do homem nos diversos componentes da natureza, gerando um estado de desequilíbrio temporário ou permanente. Diante disso, Tricart (1977) definiu que os ambientes, quando estão em equilíbrio dinâmico, são estáveis; quando em desequilíbrio, são instáveis. (ROSS, 2009, p.150) 37 A fim de verificar os índices de susceptibilidade a processos erosivos, Moroz-Caccia- Gouveia e Gouveia (2020) elaboraram um mapeamento (Figura 4) que permite observarmos a susceptibilidade a processos erosivos na Unidade de Gerenciamento de Recursos Hídricos do Pontal do Paranapanema (UGRHI-22). Segundo os autores, os dados apontam que 21% da área apresenta baixa susceptibilidade, 38% média, 31% alta e 9% muito alta. Figura 4 - Susceptibilidade a processos erosivos na Unidade de Gerenciamento de Recursos Hídricos – Pontal do Paranapanema Fonte: MOROZ CACCIA-GOUVEIA; GOUVEIA, 2020. Em relação aos índices de susceptibilidade a processos erosivos, tanto linear quanto laminar, os autores apresentam os seguintes dados. (Tabela 1) Tabela 1 – Avaliação de tendência aos processos erosivos na UGRHI-22 (%) Níveis Erosão laminar Erosão linear Susceptibilidade à erosão (laminar e linear) Muito baixo 24 0 0 Baixo 19 8 21 Médio 26 53 38 Alto 16 36 32 Muito alto 15 3 9 Fonte: MOROZ CACCIA-GOUVEIA; GOUVEIA, 2020. Os dados apresentados por Moroz Caccia-Gouveia e Gouveia (2020), portanto, apresentam elementos para uma necessária discussão em relação ao uso da terra no território do Pontal do Paranapanema, uma vez que a principal atividade econômica da região (avalizada 38 e impulsionada pelo Estado) se instalou sem que houvesse uma análise crítica acerca dos pontos negativos que esse modelo produtivo poderia acarretar. Para nos aprofundarmos neste tema, é necessário entendermos melhor algumas características naturais deste território, bem como suas fragilidades. 39 II – MEIO FÍSICO-NATURAL DO PONTAL DO PARANAPANEMA 40 2.1 – A natureza do Pontal do Paranapanema As características físicas-naturais do Pontal do Paranapanema, ao lado de sua estrutura fundiária, são os dois grandes pilares sobre os quais este estudo se sustenta e a partir dos quais construiremos nossa proposta final, ou seja, uma nova perspectiva de ordenamento territorial. Assim, tal ordenamento só se faz possível quando analisamos dois elementos essenciais deste território: as características naturais, elementos que, em primeira instância, nos são dados independentes de nossas ações; e características socialmente construídas, ou seja, a forma como esse espaço é organizado, as relações de poder que nele se estabelecem e de que forma essa dinâmica pode interferir nas características dadas pelo elemento “natureza”. A opção do recorte do Pontal do Paranapanema correspondente à região administrativa de Presidente Prudente e se deu pelo fato de que o mapeamento da estrutura fundiária foi elaborado a partir do mapeamento disponível na base de dados do Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (SICAR). O sistema apresenta a divisão dos imóveis de cada município e, portanto, corresponde à divisão territorial dos municípios. O conceito de “natureza”, socialmente compartilhado, não se apresenta como único e definitivo, pois possui tantos significados quanto diferentes são as formas de organização social. Entretanto, não podemos ignorar o fato de que a natureza, tal como conhecemos, é uma visão baseada em uma perspectiva eurocentralizada, patriarcal e capitalista. Apesar disso, é importante que outras perspectivas sejam consideradas, pois a dualidade “sociedade X natureza”, inserida dentro do modo capitalista de produção, já nos apresenta sinais de que precisamos, de forma urgente, rever nossa relação com o meio natural. Aliás, a partir disso, com base em outras cosmologias, por que não rever nossa relação com nós mesmos? Essa dualidade (por que não dizer “dialética”?) humanidade-natureza nos é apresentada por Porto- Gonçalves (2002) como [...] uma característica marcante do pensamento que tem dominado o chamado mundo ocidental, cuja matriz filosófica se encontra na Grécia e Roma clássicas. Quando afirmamos que é o pensamento dominante no Ocidente, queremos deixar claro que a afirmação desse pensamento – que opõe homem e natureza – constitui-se contra outras formas de pensar. Não devemos ter a ingenuidade de acreditar que ele se afirmou perante as outras concepções porque era superior ou mais racional e, assim, desbancou-as. Não, a afirmação desta oposição homem-natureza se deu, no corpo da complexa história do Ocidente, em luta com outras formas de pensamento e práticas sociais. Ter isso em conta é importante não só para compreender o processo histórico passado, mas, sobretudo, para compreender o momento presente. Isso porque o movimento ecológico coloca hoje em questão o conceito de natureza que tem 41 vigorado e, como ele perpassa o sentir, o pensar e o agir de nossa sociedade, no fundo coloca em questão o modo de ser, de produzir e de viver dessa sociedade. (PORTO- GONÇALVES, 2002, p.28) Entendemos a dificuldade de se adotar uma forma de relação com a natureza baseada em cosmologias tão distantes, do ponto de vista cultural. O bombardeio publicitário diário e as necessidades impostas pela sociedade capitalista nos torna reféns não apenas das mercadorias, mas principalmente dos modos de vida hegemonicamente organizados, nos quais somos obrigados a vender nossa força de trabalho, nos quais a acumulação de riquezas é vista como legítima (ainda que proporcione distorções sociais como “fome” e “violência”) e nos quais a natureza tem a função única de servir como fonte de recursos para a manutenção dessa lógica, baseada no consumo e na exploração. Por isso, assumimos neste estudo uma concepção crítica em relação aos conceitos e perspectivas que subsidiam este trabalho. Assim, partindo de uma visão crítica, entendemos a natureza com base na perspectiva marxiana, trazida por Casseti (1991). Segundo o autor Para Marx, a natureza separada da sociedade não possui significado. A natureza sempre é relacionada material e idealmente com a atividade social. A “primeira natureza” é entendida como aquela que precede a história humana. Portanto, onde as propriedades geológicas encontram-se caracterizadas por um equilíbrio climáxico, entre o potencial ecológico e a exploração biológica. E todas as alterações acontecidas resultam dos próprios efeitos naturais – alterações climáticas, atividades tectônicas... – onde as próprias “leis da natureza” respondem pelo reequilíbrio de fases resistáticas1. Essa natureza deve ser entendida ao longo do tempo geológico, desde o pré-cambriano até o “alvorecer” da existência humana. Portanto, toda transformação e modificação acontecida encontra-se inserida numa escala de tempo geológico, normalmente imperceptível numa escala de tempo humana. (CASSETI, 1991, p.12) A partir do surgimento da humanidade, a natureza passa por um processo de transformação, tomando novas formas tanto do ponto de vista físico, como também carregando, a partir de então, um entendimento, um significado a ela atribuído por esses novos seres que passam a habitar o planeta. A natureza começa, assim, a ter um caráter “utilitário”, ou seja, transforma-se em fonte de suporte para a vida dessa nova espécie. Casseti (1991) nos traz o conceito de “segunda natureza”, proposto por Karl Marx, o qual se configura como um habitat artificial criado pelo ser-humano. Entretanto, este usufruto não se dá de maneira homogênea. O autor ainda nos lembra que A produção material, a atividade do homem influi poderosamente na biosfera e, em geral, no próprio habitat do homem, não só de maneira positiva, como também 1 Resistasia: Segundo Erhart (1966), caracteriza-se como própria de ambientes instáveis onde prevalecem as atividades erosivas laterais sobre as verticais, com destruição das vegetações e do solo, em oposição a ambientes em estado de “biostasia”, onde há maior estabilidade. (N.A.) 42 negativa. A chave da solução científica está na análise dos fatores sociais, nos fatos específicos da produção determinada por estes fatores. A natureza é, pois, para o homem, um depósito inesgotável de objetos de trabalho. (CASSETI, 1991, p. 15) Passamos, portanto, de uma condição de natureza “pura”, “intocada”, para uma natureza modificada, onde existe interferência humana, a qual pode ser responsável pela aceleração ou atraso de processos que, anteriormente, obedeciam a tempos naturalmente dados. Os atributos cognitivos da humanidade serão responsáveis pelo advento de diferentes formas de organização social e, portanto, diferentes formas de relação com a natureza, mesmo porque essa humanidade ocupará diferentes territórios, os quais possuem características naturais específicas. Leff (2010), acerca da relação entre natureza e sociedade, diz que Natureza e sociedade são duas categorias ontológicas; não são nem conceitos nem objetos de nenhuma ciência fundada e, portanto, não constituem os termos de uma articulação científica. Essas categorias estão presentes tanto na ciência biológica como no materialismo histórico. Na primeira, o processo evolutivo se produz pela determinação genética das populações biológicas e de seu processo de seleção- adaptação-transformação em sua interação com seu meio ambiente; na ciência da história, a natureza aparece como os objetos de trabalho e os potenciais da natureza que se integram ao processo global de produção capitalista e, em geral, os processos produtivos de toda formação social, como um efeito do processo de reprodução/transformação social. (LEFF, 2010, p.49-50) Sendo “natureza” e “sociedade” duas categorias que independem da existência de qualquer ciência fundada, como afirma Leff, as relações culturais passam a ser o grande fator de transformação da natureza. Segundo Casseti (1991), Partindo do princípio de que “a principal relação homem-homem é justamente a relação de propriedade das forças produtivas” (Moreira, 1987), conclui-se que é a relação homem-homem que dá a direção geral à relação homem-meio. Como a relação homem-meio contém em si duplo aspecto, ou seja, é a relação ecológica e é a relação histórico-social, tem-se que a questão ambiental encontra-se fundamentada na relação de propriedade das forças produtivas, determinada pelas relações homem-homem. Portanto, a forma como os homens se relacionam com a natureza depende fundamentalmente da relação de propriedade das forças produtivas. Rousseau, em 1755, já observava que a corrupção das sociedades civilizadas começa no momento em que surge a propriedade privada, momento esse que se refere à conversão do espaço em “mercadoria” (expressão formal do valor de troca). À medida que o caráter da propriedade privada é desenvolvido (apropriação privada da natureza), o acúmulo de capital se torna consequência, o que além de responder pelo processo de degradação ambiental, responde pelo antagonismo de classe. (CASSETI, 1991, p.25) Uma vez que as relações sociais e os aspectos culturais se tornaram o principal fator de transformação da natureza, devido à intensa aceleração de processos, adotar uma perspectiva 43 crítica nos permite entender como o modo capitalista de produção, hoje hegemônico em todo o mundo, é o principal agente a interferir nas dinâmicas naturais, dada sua necessidade de recursos naturais para se reproduzir. Essa hegemonia se consolida, acima de tudo, através do que Milton Santos (2013) denomina de “unicidade técnica. O desenvolvimento da história vai de par com o desenvolvimento das técnicas. Kant dizia que a história é um progresso sem fim; acrescentamos que é também um progresso sem fim das técnicas. A cada evolução técnica, uma nova etapa histórica se torna possível. As técnicas se dão como famílias. Nunca, na história do homem, aparece uma técnica isolada; o que se instala são grupos de técnicas, verdadeiros sistemas. Um exemplo banal pode ser dado com a foice, a enxada, o ancinho, que constituem, num dado momento, uma família de técnicas. Essas famílias transportam uma história, cada sistema técnico representa uma época. Em nossa época, o que é representativo do sistema de técnicas atual é a chegada da técnica da informação, por meio da cibernética, da informática, da eletrônica. Ela vai permitir duas grandes coisas: a primeira é que as diversas formas existentes passam a se comunicar entre elas. A técnica da informação assegura esse comércio, que antes não era possível. Por outro lado, ela tem um papel determinante sobre o uso do tempo, permitindo, em todos os lugares, a convergência dos momentos, assegurando a simultaneidade das ações e, por conseguinte, acelerando o processo histórico. Ao surgir uma nova família de técnicas, as outras não desaparecem. Continuam existindo, mas o novo conjunto de instrumentos passa a ser usado pelos novos agentes hegemônicos, enquanto os não hegemônicos continuam usando conjuntos menos atuais e menos poderosos. Quando um determinado ator não tem mais condições para mobilizar as técnicas consideradas mais avançadas, torna-se, por isso mesmo, um ator de menor importância no período atual. (SANTOS, 2013, p.24-25) Portanto, a unicidade técnica é responsável pelo processo de homogeneização da produção, submetendo o sistema produtivo global a um conjunto de ações determinadas por agentes detentores de uma hegemonia tanto econômica quanto política. Dentro dessa lógica, o mundo passa a ser dividido em territórios diferentes em relação à sua participação dentro desse processo produtivo. Neste sentido, cabe refletirmos acerca da natureza presente no Pontal do Paranapanema, nosso recorte de estudo, local cujas características atuais são absolutamente diferentes das características de pouco mais de um século atrás, um território que era classificado como “terrenos despovoados”, onde a natureza deveria ser modificada para o atendimento das necessidades do mercado internacional, especialmente na produção de café e carne bovina. Hoje, o Pontal do Paranapanema se configura como um território produtor de cana-de- açúcar, totalmente alinhado a uma lógica produtiva internacional, com a presença de usinas canavieiras de capital nacional e internacional. Nas palavras de Santos (2012), 44 Eis que os territórios nacionais se transformam num espaço nacional da economia internacional e os sistemas de engenharia mais modernos, criados em cada país, são mais bem utilizados por firmas transnacionais que pela própria sociedade nacional. Em tais condições, a noção de territorialidade é posta em xeque e não falta quem fale em desterritorialização. (SANTOS, 2012, p.244) Padecendo de uma má colocação entre as regiões do estado de São Paulo quanto à dinâmica econômica, o Pontal do Paranapanema tornou-se atrativo para a instalação da indústria sucroalcooleira, reunindo características favoráveis, principalmente pela propensão ao processo de produção mecanizado devido aos baixos índices de declividade, bem como a disponibilidade de terras para o plantio. Barreto e Thomaz Júnior (2012) afirmam que [...] é relevante destacar que estas estratégias diferenciam de região para região. E de modo geral, tendem a ser utilizadas de acordo com as particularidades de cada região e as necessidades do capital. Ou seja, as estratégias utilizadas para a implantação da unidade canavieira, diferem daquelas que se utilizam para manter as unidades agroprocessadoras atuantes no mercado, e para expandir canaviais sob seu raio de ação/atuação. Desse modo, foi possível observar que dentre as estratégias utilizadas pelo agronegócio canavieiro, o discurso da geração de emprego e renda, do desenvolvimento regional/local, se destaca por encontrar-se inserido em todos os processos de territorialização, que amparados nas fragilidades empregatícias de cada região ou município, e valendo-se dos interesses econômicos e políticos que regem o poder público municipal tem implantado novas agroindústrias e expandido seus canaviais pelo território nacional. Quanto ao processo de implantação das agroindústrias agroprocessadoras em si, foi observado que, estrategicamente o agronegócio canavieiro, personificado na figura de seus representantes, inicialmente realiza levantamento averiguando quais municípios da região atende os pré-requisitos necessários para a implantação da referida unidade. Entre os quais se destaca, disponibilidades de terras, acessibilidade e logística para o escoamento da matéria- prima e produção. Além desse levantamento quanto aos pré-requisitos necessários, o capital canavieiro ainda busca apoio/acordos junto ao poder público municipal (prefeituras), quanto à isenção de impostos, contribuição com serviços de terraplanagem, adequação de estradas, construção de pontes etc. (BARRETO, THOMAZ JÚNIOR, 2012, p.51) Temos, portanto, uma natureza completamente transformada, cuja atual configuração denota as relações produtivas dos tempos atuais. Temos uma terra completamente modificada, respeitando tempos ditados pelo mercado internacional, e não mais o tempo da própria natureza. 45 2.1.1 – Geologia e Relevo do Pontal do Paranapanema O Pontal do Paranapanema está localizado no extremo Oeste do estado de São Paulo e sua composição geomorfológica está inserida dentro da morfoestrutura (ROSS, 1992) denominada “Bacia Sedimentar do Paraná”. Segundo Ross e Moroz (1997), A Bacia Sedimentar do Paraná abrange uma área de cerca de 1.600.000 Km². Representa uma complexa fossa tectônica de forma elipsoidal com eixo maior na direção NNE-SSW e acha-se encravada no escudo pré-cambriano em Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio grande do Sul e no Uruguai, Paraguai e Argentina. Seu embasamento constitui-se principalmente de rochas cristalinas précambrianas e subordinadamente por rochas eopaleozóicas afossilíferas. Esta enorme bacia rasa encontra-se preenchida por sedimentos na maior parte continentais e alguns marinhos, do Siluriano Superior, Devoniano Inferior, Carbonífero Superior, Permiano, Triássico, Jurássico (?) e Cretáceo e ocorrem também lavas basálticas de idade mesozoica. (ROSS; MOROZ, 1997, p. 49) Em relação às características morfoesculturais, Ross (2009) aponta que As formas de relevo e as litologias são muito diferenciadas. Generalizando, pode-se afirmar que nas partes mais centrais da bacia sedimentar, tanto em terrenos sedimentares de arenitos como nos de basalto, prevalecem as colinas de topos convexos amplos nos arenitos e medianas nos basaltos. Nas proximidades das bordas nas partes mais elevadas, aparecem relevos planos constituindo as chapadas (Goiás, Triângulo Mineiro e Mato Grosso), superfícies estruturais ligeiramente convexizadas (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul) alternando formas de patamares e escarpas sobretudo no sul do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, onde aflora o basalto. (ROSS, 2009, p. 76) Ross (2009) ainda nos aponta que a Floresta Semidecidual da Bacia do Paraná [...]ocorria nos terrenos mantidos por rochas sedimentares da bacia do Paraná e secundariamente sobre as rochas vulcânicas básicas (basaltos e diabásios). Estendia- se do norte do estado do Paraná, pelo interior do estado de São Paulo, parte do Triângulo Mineiro, extremo sul de Goiás e Mato Grosso do Sul. Recobria os relevos marcados por colinas amplas de topos convexos com declividades médias oscilando entre 10% e 20% e altitudes entre 400 e 800m. (ROSS, 2009, p. 93) Para tratarmos especificamente da Fragilidade Ambiental do Pontal do Paranapanema, é importante que, inicialmente, abordemos os pressupostos teóricos que embasam nossa perspectiva sobre este conceito e, assim, primeiramente, apoiamo-nos na proposta de taxonomia do relevo apresentada por Ross (1992). Segundo o autor, essa proposta está baseada nas raízes conceituais de Walter Penk (1953), que trata das formas do relevo terrestre como o resultado do antagonismo existente entre as forças endógenas, responsáveis pela estruturação da superfície e oriundas da energia produzida pelo próprio interior do planeta (tectonismo, 46 vulcanismo etc.) e as forças exógenas, impulsionadas pela ação climática, responsáveis pela esculturação desta mesma superfície. Ainda segundo Ross (1992), partindo deste antagonismo entre forças endógenas e exógenas, Guerasimov (1946) e Mecerjakov (1968) apresentaram os conceitos de “morfoestrutura” e “morfoescultura”. Portanto, toda superfície terrestre tem sua gênese em uma estrutura e suas condições atuais são o resultado, ou seja, são a escultura resultante da ação climática através dos tempos sobre a estrutura pretérita. (Figuras 5) Tomando como exemplo concreto a morfoestrutura da bacia sedimentar do Paraná, pode-se encontrar nela várias unidades morfoesculturais. De imediato já se tem, baseando-se na interpretação genética, dois níveis de entendimento. O primeiro, que se caracteriza por um táxon maior, ou seja, a morfoestrutura da bacia sedimentar que pelas suas características estruturais, define um determinado padrão de formas grandes do relevo. O segundo, definido por um táxon menor que são as unidades morfoesculturais, geradas pela ação climática ao longo do tempo geológico, no seio da morfoestrutura. Assim, em uma unidade morfoestrutural como a bacia do Paraná pode-se ter várias unidades morfoestculturais como por exemplo depressões periféricas, depressões monoclinais, planaltos em patamares intermediários, planaltos e chapadas superfícies de cimeira, planaltos residuais entre outros. (ROSS, 1992, p.19) Os elementos morfoesculturais são modelados, principalmente, pelos processos erosivos, os quais ocorrem durante todo o tempo na natureza. Isto porque a erosão é diretamente dependente da força da gravidade, elemento constante na dinâmica do planeta Terra. Segundo Araujo et al (2005), a natureza da erosão superficial se dá pela ação de alguns agentes. Os agentes primários da erosão incluem a água, o vento e o gelo, além de poderem erodir e remover partículas de solo como resultado do fluxo e do impacto sobre a superfície de um solo. Cada agente também pode erodir um solo de forma bem diferente. A erosão pluvial, por exemplo, pode ocorrer na forma de erosão por impacto (efeito splash), laminar, por ravinas ou voçorocas. (ARAUJO et al, 2005, p.80) 47 Figura 5 - Proposta taxonômica para as unidades morfoestruturais e morfoesculturais do relevo Fonte: ROSS, 1992. 48 O Pontal do Paranapanema apresenta poucas variações de declividade, evidenciando um território mais monótono em relação à paisagem, sem grandes morros ou vales muito profundos (Figura 6), tendo a maioria do seu território composta apenas por áreas com colinas de topos convexos (Dc - padrão Denudacional convexo) e Tabulares (Dt - padrão Denudacional tabular), além das poucas áreas de Planície de inundação (Apf) (Mapa 2). Figura 6 – Perfil de Elevação da Bacia Sedimentar do Paraná Fonte: Google Earth Imagem 1 – Perfil de Elevação da Bacia Sedimentar do Paraná Fonte: Google Earth 49 Mapa 2 – Padrões de formas semelhantes do Pontal do Paranapanema Fonte: ROSS, MOROZ, 1997. Org.: Pimenta, 2020. 50 2.1.2 – Clima do Pontal do Paranapanema O clima se apresenta como importante elemento a ser analisado devido à grande influência que o regime de precipitações exerce em relação, principalmente, aos processos erosivos, assim influenciando no manejo do solo. No Pontal do Paranapanema, o clima apresenta, basicamente, duas estações bastante definidas ao longo do ano, sendo uma marcadamente úmida, com chuvas torrenciais, principalmente entre os meses de novembro e março, e outra com baixos índices de umidade, correspondente ao período entre os meses de abril e setembro. Esta diferença climática é apresentada por Monteiro (1973) apud Boin (2000) como um período seco (inverno), influenciado predominantemente pelos sistemas polares, e o período chuvoso (verão), predominantemente influenciado pelos sistemas tropicais, apresentando médias de precipitação anual entre 1200 e 1500mm, e temperatura média de 22°C. De acordo com Boin, Como o Oeste do estado de São Paulo encontra-se numa área de transição climática, compartilhada pelos sistemas atmosféricos inter e extratropicais, nele ocorre conflito entre as massas Tropical Atlântica e Tropical Continental, e a massa Polar Atlântica, havendo ainda participação esporádica da massa Equatorial Continental. O estudo das características da circulação atmosférica e dos sistemas atmosféricos geradores dos tipos de tempo, nesta região, permite análises capazes de traçar um quadro preciso da distribuição temporal e espacial das chuvas no Oeste paulista. (BOIN, 2000, p.23) O menor índice pluviométrico registrado na região nas últimas décadas foi de 990,2mm, em 1985, e o maior registrado foi de 1787,5mm, em 2015. Nesse período, foi registrada a média de 1323,4mm. (SANTOS; ROCHA, 2017) As características pluviométricas têm uma importância fundamental quando são consideradas as suas relações com os solos e o relevo existente na região, bem como com os tipos de atividade de uso do solo, particularmente no que diz respeito às precipitações excepcionais, face à capacidade de saturação hídrica do solo na época de sua preparação para o plantio. (BOIN, 2000, p.23) Na tentativa de sintetizar uma tipologia climática do estado de São Paulo, Monteiro (1973) propõe material cartográfico (Figura 7) baseado na dinâmica atmosférica aferida por meios de circulação continental, lhe permitindo avaliar sua participação genética no estado de São Paulo. (MARTINELLI, 2010) 51 Conforme a proposta de classificação elaborada por Monteiro (1973), o Pontal do Paranapanema está sob a influência de duas faixas climáticas, divididas diagonalmente no sentido SE/NW. Segundo o mapa da Figura 7, o setor VIII (mais ao Norte) apresenta como característica principal a participação das massas de Oeste-Noroeste. Segundo Boin (2000), no inverno há um aquecimento pré-frontal provocado por essas correntes, reduzindo as chuvas no período de inverno, causando, assim, um período seco. Entretanto, apesar da redução no volume de chuvas, estas se mostram mais intensas nessa área em comparação ao setor Centro-Norte. Já no setor IX existe uma interferência das massas continentais, assim como na área anterior. Porém, sua localização mais ao Sul expõe essa área a maiores influências de massas polares durante o inverno, ainda que isso não interfira no caráter seco desta estação. Mesmo assim, esta área apresenta maiores índices pluviométricos do que a área constante no setor VIII (BOIN, 2000). Segundo Antônio e Antônio (2007), a caracterização do clima do Pontal do Paranapanema também pode ser feita com base na classificação de Köppen, a qual destaca dois tipos climáticos para essa região: Aw - Tropical úmido: numa faixa estreita junto ao Rio Paraná – caracteriza-se por seca no inverno e estação chuvosa no verão, com temperatura média anual entre 22º e 24º C, e precipitação pluviométrica da ordem de 1500 mm. Cwa – Mesotérmica de Inverno Seco: abrange o restante da região – caracteriza-se por chuvas típicas de clima tropical, de maior frequência no verão, e temperaturas médias anuais pouco abaixo de 22º C. Conforme nos diz Antônio e Antônio (2007), O clima apresenta uma variação entre períodos secos e frios (15º - 20º C), no inverno, e quentes e úmidos (até 40º C) no verão. A maior ocorrência de chuvas ocorre entre setembro e abril, com maior concentração de dezembro a fevereiro, com valores médios anuais de 1100 mm a 1700 mm (SÃO PAULO, 1999). Os indícios de alteração no regime de chuvas do Pontal foram apresentados por ANTONIO e ANTONIO (2007), onde verificaram que o total de chuvas no setor oeste de São Paulo diminuiu de 10-12% após o enchimento da barragem em 1998, quando comparado com a média histórica dos postos pluviométricos da região do Pontal do Paranapanema. (ANTÔNIO; ANTÔNIO, 2007, p.04) 52 Figura 7 – Tentativa de classificação climática do estado de São Paulo Fonte: MONTEIRO, 1973 53 As características climáticas do Pontal do Paranapanema, para além da classificação esboçada por Monteiro (1973), também deve ser analisada com base em uma modificação de porte significativo na paisagem dessa região, que é a presença, a partir do final da década de 1990, da Usina Hidrelétrica “Sérgio Motta”, em Rosana – SP. Este empreendimento tem uma relevante contribuição para a alteração no regime de chuvas de parte da região do Pontal devido à extensão do espelho d’água formado pelo represamento do Rio Paraná, o qual possui entre 10 e 12 km de largura; e cerca de 120 km de extensão. Segundo Antônio e Antônio (2007), Com observações do radar de Presidente Prudente, pode-se verificar que em algumas situações os ecos de radar das células de chuva, se organizavam formando linhas de aguaceiros que atuavam na região do Pontal do Paranapanema no período da tarde, durando algumas horas. Quando associadas a outros sistemas meteorológicos atuantes na região, as células de precipitação formadas junto ao lago da UHE se desenvolviam mais em extensão se transformando em aglomerados de precipitação que se deslocavam para outras áreas, penetrando no Estado de São Paulo ou adentrando o Estado do Paraná. Uma análise nos dados do radar de Presidente Prudente nos meses de janeiro e fevereiro do período 1995 a 2002 e depois, em 2007, mostrou que essas linhas de aguaceiros passaram a ocorrer a partir de 1999, coincidindo com o período posterior ao fechamento da barragem e formação do lago. (ANTÔNIO; ANTÔNIO, 2007, p. 02) De acordo com os autores supracitados, antes do período de enchimento do lago da UHE de Porto Primavera (Usina Hidrelétrica “Sérgio Motta”), os meses de janeiro e fevereiro contribuíam com cerca de 26% do total médio de precipitações ao ano. O lago da usina hidrelétrica “Sérgio Motta”, localizado no Rio Paraná (extremo Oeste do estado de São Paulo) compreende uma área alagada de 225.000,00 ha, aumentando o leito do Rio Paraná em nove vezes. Seu tamanho ultrapassa em 25.000,00 ha o lago da Usina Hidrelétrica de Itaipu. Ou seja, trata-se de um volume de água gigantesco, disponível para a formação de chuvas convectivas. Os sete postos analisados apresentavam, em janeiro e fevereiro, 180mm e 151mm de precipitação, respectivamente. Após 1998, com o enchimento do lago, os meses de janeiro e fevereiro passaram a contribuir com cerca de 30% do total médio de precipitação ao ano, sendo que o mês de janeiro passou a apresentar em média 220mm e o mês de fevereiro 176 mm, aumentando respectivamente em 22,6% e 16,7% o total médio do período histórico. Ou seja, embora o regime de chuvas na região analisada tenha diminuído, os meses de janeiro e fevereiro passaram a ter maior protagonismo em relação à distribuição anual das precipitações. 54 2.1.3 – Solos do Pontal do Paranapanema Os solos presentes no Pontal do Paranapanema são, predominantemente, solos arenosos, formados a partir do arenito, composição rochosa que compõe o embasamento dessa região. Segundo Rossi (2017), “prevalecem os latossolos vermelho-amarelos e latossolos vermelhos de textura arenoargilosa associados a Argissolos Vermelho-Amarelos” (Mapa 3 e Figura 8). Argissolos, segundo o Manual de Pedologia do IBGE (2015), apresentam características como o aumento de argila do horizonte “A” para o subsuperficial “B”, do tipo “textural” (Bt). As cores do solo presente no horizonte “Bt” podem ser avermelhadas ou acinzentadas, enquanto o horizonte “A” apresenta cores mais escuras. Trata-se de um dos tipos de solo mais presentes em todo o território brasileiro, ocorrendo em praticamente todas as regiões do país (IBGE, 2015). Os Latossolos ocorrem predominantemente em relevos que