UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA "JÚLIO DE MESQUITA FILHO" CAMPUS DE GUARATINGUETÁ PEDRO JERONIMO SANTOS DA SILVA Uma Análise Detalhada do Evento GW170817 pela Ótica da Astronomia Multimensageira Guaratinguetá 2024 PEDRO JERONIMO SANTOS DA SILVA Uma Análise Detalhada do Evento GW170817 pela Ótica da Astronomia Multimensageira Trabalho de Pós-Graduação apresentado ao Conselho de Curso de Pós-Graduação em Física da Faculdade de Enge- nharia e Ciências do Campus de Guaratinguetá, Universidade Estadual Paulista, como parte dos requisitos para obtenção do diploma de Mestre em Física. Orientador: Prof. Dr. Márcio Eduardo da Silva Alves. Co-orientadora: Profa. Dra. Iara Tosta e Melo. Guaratinguetá 2024 S586a Silva, Pedro Jeronimo Santos da Uma Análise detalhada do evento GW170817 pela ótica da astronomia multimensageira / Pedro Jeronimo Santos da Silva. - Guaratinguetá, 2024. 87 f : il. Bibliografia: f. 74-80 Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Engenharia e Ciências de Guaratinguetá, 2024. Orientador: Prof. Dr. Márcio Eduardo da Silva Alves. Coorientadora: Profª. Drª. Iara Tosta e Melo 1. Ondas gravitacionais. 2. Astronomia. 3. Estrelas de nêutrons. I. Título. CDU 52(043) Luciana Máximo Bibliotecária/CRB-8 3595 DADOS CURRICULARES PEDRO JERONIMO SANTOS DA SILVA NASCIMENTO 21/01/1997 - São Paulo / SP FILIAÇÃO Valdir Reis da Silva Diana Santos dos Reis 2016/2021 Bacharelado em Física Universidade Estadual de Feira de San- tana 2022/2024 Mestrado em Física AGRADECIMENTOS Em primeiro lugar, agradeço à Deus, fonte de vida e da graça. Se não fosse por Tua vontade, eu não estaria aqui. Expresso minha mais profunda gratidão ao meu orientador, Professor Dr. Márcio Alves, e à minha coorientadora, Dra. Iara Melo, por sua inestimável orientação, paciência e apoio incondicional ao longo deste processo. Agradeço pela confiança depositada em meu trabalho e pela oportunidade de explorar meu potencial em diferentes momentos desta jornada, o que foi fundamental para meu crescimento acadêmico e pessoal. Aos meus pais, Valdir e Diana, dedico um agradecimento especial por sempre acreditarem no meu potencial e me incentivarem a seguir meus sonhos. Mesmo diante das dificuldades e dos inúme- ros obstáculos encontrados, mostraram-me, com seu exemplo e apoio incondicional, como perseverar, fortalecendo-me para enfrentar qualquer desafio. Agradeço também às minhas irmãs, Mariana e Maria Rita, por serem companheiras indispensáveis nesta caminhada, sempre me apoiando e compartilhando comigo momentos de alegria. Manifesto minha profunda gratidão à Ana Carla, minha companheira, por sua paciência e pelo encorajamento contínuo. Sua presença constante, independentemente das circunstâncias, foi essencial para transmitir-me a confiança necessária para enfrentar os desafios. Sou especialmente grato pelos inúmeros momentos que dedicou ao meu lado, sem hesitar diante de prazos ou dificuldades. Sua dedicação e apoio foram fundamentais para a concretização deste trabalho; sem eles, esta conquista não teria sido possível. Agradeço a todos os meus amigos de longa data, especialmente Valdinei (Popo), Genildo, Gabriel (terça), Henrique, Filipe, Rodrigo (Dinho), Ediogenes, Emily, Edmo, Sidney, Jukinaldo, Lucas Ferreira e Thamis, que me ofereceram apoio em todos os momentos, incentivando-me a enfrentar meus medos e a não temer o desconhecido. Vocês são uma parte fundamental das razões que me motivam e dos caminhos que escolho trilhar. Esses diversos caminhos foram possíveis porque, desde sempre, vocês estiveram ao meu lado. Deixo aqui meu sincero ’Obrigado!’. Também agradeço aos novos amigos que tive a alegria de conhecer nesta etapa, especialmente Kelvin, Lucas Brito, Bruno (Cachoeira), Rafa do Plasma, Rafael Ribeiro, Odeilson, Vitor, Tiaguinho, Edwin Santiago, Juan, Raí e tantos outros que, graças a Deus, tornariam esta lista interminável. Cada um contribuiu de maneira única para tornar essa jornada mais leve e enriquecedora. Em particular, a monitoria e os ensinamentos de Kelvin foram fundamentais para transformar conteúdos que, a princípio, eram nebulosos em algo mais acessível. Sem ele, a Relatividade Geral e os Buracos Negros teriam se tornado menos ’calorosos’, como sistemas com baixa entropia, privados da energia necessária para se desenvolverem. Gostaria também de agradecer ao Luiz Gustavo Revolucionário Quântico, que, desde o primeiro dia na FEG/Unesp, compartilhou conhecimentos e discussões. Apesar de opiniões divergentes, esses momentos proporcionaram grandes aprendizados. Agradeço aos membros da banca avaliadora, Prof. Dr. Odylio Aguiar (INPE) e Prof. Dr. Rogério Cavalcanti, cujas contribuições foram essenciais para a realização deste estudo. Os apontamentos e discussões ao longo deste processo enriqueceram significativamente este trabalho e minha formação. A colaboração de ambos foi indispensável para o aperfeiçoamento deste projeto, e sou profundamente grato por isso. Por fim, expresso minha gratidão aos professores do programa de pós-graduação, aos funcionários e aos amigos que me acompanharam durante minha trajetória na UNESP. Cada um contribuiu de maneira única para que este trabalho se tornasse realidade. A todos vocês, o meu mais sincero obrigado. Este trabalho contou com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoa de Nível Superior - CAPES - 88887.798214/2022-00 "É preciso ter coragem para navegar em águas desconhecidas." Snoopy Resumo Neste trabalho, são analisadas as metodologias e ferramentas aplicadas na caracterização do evento GW170817, que marcou a primeira detecção de uma fusão de um sistema biná- rio de estrelas de nêutrons (BNS) associada a emissões multimensageiras. Utilizando as bibliotecas GWpy e PyCBC, foram exploradas técnicas de tratamento e análise de dados gravitacionais, incluindo a seleção e verificação da qualidade dos dados e a aplicação da Q-transform para a inspeção visual de glitches no sinal. Além disso, foram realizadas análises sobre como as formas de onda variam em função de parâmetros como massas e distâncias, permitindo visualizar a influência de cada um na forma do sinal gravitacional e possibilitando a construção de uma base de comparação para futuras inferências de pa- râmetros físicos. Observou-se, no entanto, que o GWpy apresenta limitações na análise de eventos de longa duração, como o GW170817, restringindo o tratamento de frequên- cias abaixo de 15 Hz. A abordagem multimensageira permitiu aprofundar o entendimento sobre a relação entre as emissões gravitacionais e eletromagnéticas associadas ao evento, servindo como base para a análise de futuras observações com características semelhantes. Palavras Chaves: GWpy, PyCBC, Ondas Gravitacionais, Astronomia Multimensageira ABSTRACT This work explores methodologies and tools used in the characterization of event GW170817, which marked the first detection of a binary neutron star (BNS) merger associated with multimessenger emis- sions. Utilizing the GWpy and PyCBC libraries, we examined gravitational wave data processing and analysis techniques, including data selection, quality verification, and the application of Q-transform to visually inspect and address signal glitches. Additionally, we conducted analyses to observe how waveform structures vary with parameters such as mass and distance, allowing for visualization of each parameter’s influence on the gravitational signal and providing a comparative basis for future para- meter inference. It was observed, however, that GWpy has limitations when analyzing long-duration events like GW170817, restricting the treatment of frequencies below 15 Hz. The multimessenger approach deepened our understanding of the relationship between gravitational and electromagnetic emissions associated with the event, laying a foundation for the analysis of future observations with similar characteristics. KEYWORDS: GWpy, PyCBC, Gravitational Waves, Multi-messenger Astronomy. Lista de Figuras 2.1 A órbita de Mercúrio ao redor do Sol. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6 2.2 A ilustração representa o fenômeno da deflexão de um raio de luz proveniente de uma estrela distante devido ao campo gravitacional do Sol. A direção aparente da estrela vista da Terra é representada pela trajetória TSE’. É importante ressaltar que o desenho está fora de escala, com a deflexão θ exagerada para melhor visualização. . . . . . . . . 6 2.3 O efeito de uma onda gravitacional com modos de polarizações h+ e h× distorcendo um círculo de partículas teste no módulo de rotação de 45o no plano. T = 2π ω é o período da onda gravitacional. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10 2.4 Um sistema binário de duas estrelas com massa M , orbitando um centro de massa, com distância R, no plano x1 − x2. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 2.5 Decaimento orbital do sistema binário de estrelas de nêutrons PSR B1913+16. Os pontos de dados indicam a mudança observada na época do periastro com a data, enquanto a parábola ilustra a mudança teoricamente esperada na época para um sistema que emite radiação gravitacional, conforme a relatividade geral. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 2.6 Configuração básica de um interferômetro de Michelson para a detecção de ondas gra- vitacionais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14 2.7 Efeito de uma onda gravitacional em um anel de partículas livres para uma polarização específica. O círculo se alterna entre alongamentos verticais e compressões horizontais, e vice-versa, com a frequência da onda gravitacional. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15 2.8 O gráfico apresenta as fontes de ruído que afetam a Densidade Espectral de Amplitude do detector. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16 2.9 Canto superior esquerdo: blips são transientes de curta duração com grande largura de banda e podem imitar um sinal de onda gravitacional de binários compactos de alta massa. Canto superior direito: um exemplo de loud trigger, classificado como Extre- mely_Loud pelo GravitySpy. Esses triggers de SNR altos geralmente causam grandes quedas na faixa astrofísica e afetam negativamente a sensibilidade do detector. Inferior esquerdo: slow scattering causado pelo movimento do solo na banda de microssismo (0, 1 − 0, 3 Hz). Múltiplas reflexões entre a massa de teste e a superfície móvel podem gerar harmônicos de frequência mais alta, como visto aqui. Canto inferior direito: fast scattering causados pelo movimento do solo na banda de 1 − 6 Hz. Trens, atividade humana e exploração madeireira perto do local são as causas mais comuns de ruído de dispersão rápida. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18 3.1 Linha do tempo da Astronomia Multimensageira. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 3.2 Descoberta multimensageira simultânea do LIGO, Virgo e Fermi da fusão binária de estrelas de nêutrons GW/GRB 170817. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21 3.3 Uma amostra de telescópios operando em diferentes comprimentos de onda do espectro eletromagnético. Os observatórios são posicionados acima ou abaixo da porção do es- pectro eletromagnético que seus instrumentos principais observam. . . . . . . . . . . . 24 i 4.1 Representações tempo-frequência dos dados processados, sem a presença do glitch, con- tendo o evento de ondas gravitacionais GW170817, observados pelos detectores LIGO- Hanford (cima), LIGO-Livingston (meio) e Virgo (baixo). Os tempos estão mostrados em relação a 17 de agosto de 2017, 12:41:04 UTC. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26 4.2 No painel superior, uma representação tempo-frequência dos dados brutos usados na identificação inicial do GW170817 mostra a trilha do evento, apesar do glitch, que ocorre 1,1 s antes do tempo de coalescência, marcado em 0,4 s. No painel inferior, os dados de strain brutos (curva laranja) exibem o glitch no domínio do tempo. . . . . . . . . . . . 27 4.3 O contorno de 90% para o mapa final de localização no céu do LIGO-Virgo é mostrado em verde. A localização de busca direcionada de 90% do Fermi/GBM é sobreposta em roxo. O anel de 90% determinado com informações de sincronização do Fermi e INTEGRAL é sombreado em cinza. O recorte ampliado também mostra a posição do transiente óptico, marcado como uma estrela amarela. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28 4.4 Distribuição posterior bidimensional das massas m1 e m2 no referencial do sistema para cenários de baixa rotação (|χ| < 0.05, azul) e alta rotação (|χ| < 0.89, vermelho). Os contornos coloridos representam 90% da probabilidade da função densidade de probabi- lidade posterior conjunta. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29 4.5 Dados observados do Fermi-GBM. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30 4.6 Dados observados do INTEGRAL. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31 4.7 Detecção conjunta e multimensageira de GW170817 e GRB 170817A: acima, curva de luz somada do GBM para os detectores de GRB 170817A entre 10 e 50 keV, com estimativa de fundo sobreposta em vermelho; segundo, mesma curva, mas na faixa de energia de 50-300 keV; terceiro, curva de luz do SPI-ACS com energia iniciando em cerca de 100 keV e limite de alta energia de pelo menos 80 MeV. Abaixo, mapa tempo-frequência de GW170817, combinando dados de LIGO-Hanford e LIGO-Livingston, referenciado ao tempo de gatilho de GW170817, TGW 0 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32 4.8 Representação das contrapartes eletromagnéticas de fusões entre BNS e entre BHNS, e sua dependência em relação ao ângulo de observação em relação ao eixo do jato do GRB. A kilonova, em contraste com o GRB e seu pós-brilho, é relativamente isotrópica, representando assim a contraparte mais promissora para a maioria das fusões detectadas por ondas gravitacionais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34 4.9 A figura apresenta as informações para cada banda/mensageiro. As linhas tracejadas sombreadas indicam os momentos relatados em um Circular GCN, com os nomes dos instrumentos ou equipes de observação no início da linha. Observações representativas em cada banda são mostradas como círculos sólidos, com áreas proporcionais à lumi- nosidade, e as linhas sólidas indicam quando a fonte era detectável por pelo menos um telescópio. Ampliações fornecem as primeiras detecções nas bandas de ondas gravitaci- onais, raios gama, óptica, raios X e rádio. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36 4.10 Na figura à esquerda (A) é mostrada a imagem da região observada 4 meses antes do evento GW170817. Na figura à direita (B) é apresentada uma imagem do Swope de SSS17a. O transiente SSS17a é marcado com uma seta vermelha. Nenhum objeto está presente na imagem do Hubble na posição de SSS17a. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37 ii 4.11 A imagem à esquerda mostra a última não detecção do objeto SSS17a/AT 2017gfo/- DLT17CK. A imagem do centro é a detecção do objeto. À direita, é observada a dife- rença entre as duas imagens, onde o DLT17ck é claramente visível. . . . . . . . . . . . 37 4.12 Curvas de luz UVOIR de AT2017gfo a partir do conjunto de dados compilado. . . . . . 38 4.13 Medição de H0 para GW170817. Densidade posterior marginalizada para H0 (curva azul). As restrições a 1 e 2σ dos dados do Planck e do SHoES são mostradas em verde e laranja, respectivamente. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40 5.1 Diagrama mostrando a diferença metodológica entre a inferência Frequentista e Bayesiana. 44 5.2 PSD obtida a partir dos dados do evento GW150914, com um segmento de 200 s simé- trico em torno do trigger. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49 5.3 ASD obtida a partir dos dados do evento GW150914, com um segmento de 200 s simé- trico em torno do trigger. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49 5.4 Gráfico da SNR obtida pela correlação do sinal registrado em LIGO-Hanford com uma waveform gerada a partir de parâmetros estimados para o evento GW150914. O pico da razão sinal-ruído ocorre em TGW 0 = 1126259462.427 s, destacando o momento em que a correspondência entre o modelo e o sinal observado é máxima. . . . . . . . . . . . . . . 54 5.5 Grafo de dependências mostrando como o pacote GWpy depende da NumPy. . . . . . 57 5.6 Segmento gerado a partir dos dados obtidos pelo LIGO-Livingston para o evento GW170817, abrangendo um intervalo de ±512 segundos a partir do tempo GPS do evento. . . . . . 58 5.7 Representação gráfica da FFT aplicada aos dados da observação GW170817. . . . . . . 60 5.8 Resultado do processamento do segmento observado pelo LIGO-Livingston da onda gravitacional GW170817, incluindo a aplicação de uma mudança de escala para melhor visualização do espaço desejado. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61 5.9 Análise comparativa da sensibilidade dos observatórios de ondas gravitacionais para o evento GW170817, destacando em amarelo as regiões onde os sensores são mais sensíveis. 62 5.10 Representações tempo-frequência dos dados contendo o evento de onda gravitacional GW170817, observado pelos detectores LIGO-Hanford (topo), LIGO-Livingston (meio) e Virgo (baixo). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63 5.11 Espectro obtido por meio da Q-transform da observação GW170817 utilizando os dados do LIGO-Hanford, enfatizando as propriedades de frequência em relação à energia e ao tempo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64 5.12 Espectro obtido com uso da Q-transform nos dados do LIGO-Livingston. . . . . . . . . 65 5.13 Efeito Window Planck Inverse padrão sobre os dados observacionais, com remoção sig- nificativa ao redor do glitch. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66 5.14 Resultado da aplicação do gate com parâmetros tzero=0.1 e tpad=0.2, minimizando a perda de dados enquanto ainda elimina o glitch. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66 5.15 Variação da perturbação (Strain) em função do tempo, considerando diferentes valores de massa. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69 5.16 Variação da amplitude da perturbação em função da fase da onda gravitacional. Como na figura anterior, as cores indicam as massas dos buracos negros: azul para 5 M⊙, laranja para 10 M⊙ e verde para 30 M⊙. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69 5.17 Evolução da onda gravitacional ao longo do tempo considerando diferentes valores de distância da fonte ao observador, medida em megaparsecs. . . . . . . . . . . . . . . . . 70 iii 5.18 Representação da perturbação em relação ao tempo, gerada com base nos dados de massa, frequência e tempo da observação GW170817. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71 5.19 Amplitude observada em função da fase da onda gravitacional utilizando os parâmetros da observação GW170817, variando também os integradores. . . . . . . . . . . . . . . . 71 iv Lista de Abreviaturas e Siglas ASD Amplitude Spectral Density AT Astronomical Transient BBH Binary Black Hole BH Black Hole BNS Binary Neutron Star CBC Compact Binary Coalescence CERN Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire CMB Cosmic Microwave Background CR Cosmic Ray DFT Discrete Fourier Transform EM Electromagnetic FFT Fast Fourier Transform GRB Gamma-Ray Burst GW Gravitational Waves GWOSC Gravitational Wave Open Science Center IAU International Astronomical Union IGWN International Gravitational-Wave Network IR Infrared LHO LIGO Hanford Observatory LIGO Laser Interferometer Gravitational-wave Observatory LLO LIGO Livingston Observatory LVK LIGO-Virgo-KAGRA Collaboration MMA Multi-Messenger Astronomy NIR Near Infrared NS Neutron Star PSD Power Spectral Density RF Radio Frequency SNR Signal-to-Noise Ratio sGRB Short Gamma-Ray Burst SSS17a Swope Supernovae Source 2017 UV Ultraviolet v Sumário 1 Introdução 1 1.1 Objetivos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 1.1.1 Objetivos gerais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 1.1.2 Objetivos específicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 2 Introdução para Astronomia de Ondas Gravitacionais 3 2.1 Teoria da Relatividade Geral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 2.2 Ondas gravitacionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 2.2.1 Linearização da equação de Einstein . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 2.2.2 Efeitos físicos da onda gravitacional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8 2.2.3 Natureza Quadrupolar da onda gravitacional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10 2.2.4 Detectores de ondas gravitacionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 2.2.5 Interferômetros de Michelson . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14 2.2.6 Ruído dos interferômetros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15 3 Astronomia Multimensageira 19 3.1 Astronomia tradicional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21 3.1.1 Princípio eletromagnético . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21 3.1.2 Observações eletromagnéticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22 4 O evento GW170817 25 4.1 Fonte gravitacional - GW170817 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25 4.2 GRB170817a . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29 4.3 Kilonovae e r-process . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33 4.4 Contraparte eletromagnética . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 4.5 Medição da constante de Hubble utilizando o GW170917 . . . . . . . . . . . . . . . . . 40 5 Análise dos dados de ondas gravitacionais 42 5.1 Estatística Bayesiana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43 5.1.1 O teorema de Bayes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44 5.1.2 Marginalização de parâmetros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45 5.2 Processos Aleatórios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46 5.2.1 Densidade espectral de potência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47 5.3 Matched Filtering . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50 5.4 Parâmetros da detecção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53 5.5 Acesso aos dados observacionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55 5.6 Detecção de ondas gravitacionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67 5.6.1 Modelos de waveforms gravitacionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67 5.6.2 Gerando waveforms de ondas gravitacionais de sistemas binários de buracos negros 68 6 Conclusão 73 A Transformações de Calibre 81 vi B Acesso aos dados observacionais utilizando GWpy e calculo da ASD 82 C Espectro de tempo-frequência com a utilização da Q-transform e remoção do Glitch usando a Window Planck Inverse 84 D Forma de onda gerada com os parâmetros do GW170817 no PyCBC 86 vii 1 Introdução Em 17 de agosto de 2017, às 12h41min04s UTC, os detectores de ondas gravitacionais Advanced LIGO e Advanced Virgo fizeram uma descoberta histórica: a primeira observação de uma fusão de estrelas de nêutrons binárias (ABBOTT et al., 2017b). O sinal detectado, conhecido como GW170817, foi seguido por um short gamma-ray burst (sGRB) — GRB170817A — e um transiente óptico brilhante (SSS17a/AT 2017gfo) (ABBOTT et al., 2017e). Esta observação foi um marco na Astronomia, sendo a primeira detecção de um mensageiro gravitacional e eletromagnético provenientes do mesmo objeto. O evento GW170817 fornece não apenas insights sobre o sistema binário de estrelas de nêutrons, mas também uma nova perspectiva multimensageira na Astronomia (ABBOTT et al., 2017e). A detecção de ondas gravitacionais é um desafio significativo, enfrentado por meio de soluções computacionais específicas (MACLEOD et al., 2021). Para entender a origem, evolução e física das fontes de ondas gravitacionais, ferramentas de software como GWpy e PyCBC foram empregadas. O evento GW170817, com particularidades como a presença de um glitch, tempo prolongado para fusão e baixas massas, foi selecionado para demonstrar a aplicação dessas ferramentas computacionais e explorar suas capacidades. Este trabalho, portanto, visa investigar em detalhe o evento GW170817 e suas implicações, por meio da análise dos dados observacionais e teóricos disponíveis. A estrutura deste trabalho é organizada em seis capítulos. O Capítulo 1 delineia os objetivos da pesquisa, incluindo objetivos gerais e específicos, proporcionando uma visão do que se espera alcançar com esta investigação. O Capítulo 2 é dedicado à introdução à Astronomia de Ondas Gravitacionais, onde se discutem os fundamentos da Teoria da Relatividade Geral de Einstein, as propriedades das ondas gravitacionais e os conceitos fundamentais que sustentam a detecção dessas ondas, incluindo a linearização da equação de Einstein, os efeitos físicos das ondas gravitacionais e a natureza quadrupolar que caracteriza essas ondas. Serão apresentados também os detectores de ondas gravitacionais e os interferômetros de Michelson, abordando os desafios relacionados aos ruídos associados. O Capítulo 3 aborda a Astronomia Multimensageira, discutindo a evolução da astronomia tra- dicional e as características de cada comprimento de onda no espectro eletromagnético no contexto das observações astronômicas. O Capítulo 4 apresenta uma análise detalhada do evento GW170817, incluindo a fonte de ondas gravitacionais, a conexão com o GRB170817A, as kilonovas e o r-process, além da contraparte eletromagnética observada, culminando na discussão sobre a kilonova associada e suas implicações para a medição da constante de Hubble. O Capítulo 5 foca na análise dos dados de ondas gravitacionais, com ênfase em métodos estatísticos Bayesianos, processos aleatórios, matched filtering e parâmetros de detecção, além da discussão sobre as ferramentas disponíveis no GWpy e PyCBC, que viabilizam essas análises. Por fim, o Capítulo 6 apresenta as conclusões da pesquisa e suas perspectivas futuras. 1.1 Objetivos 1.1.1 Objetivos gerais Este trabalho visa compreender em detalhes o evento GW170817, bem como suas implicações, por meio da análise dos dados observacionais e teóricos disponíveis. Para isso, rotinas computacionais em linguagem Python foram estudadas e os dados provenientes da colaboração LIGO-Virgo-KAGRA (LVK) foram utilizados. Dentre as ferramentas, far-se-á utilização dos pacotes de software GWpy, 1 para obtenção e tratamento dos dados observados, e o PyCBC, para detecção de ondas gravitacionais utilizando métodos provenientes da estatística Bayesiana. 1.1.2 Objetivos específicos • Desenvolver uma metodologia que permita compreender e utilizar ferramentas computacionais de forma acessível, criando uma base que possa futuramente ser aplicada por outros pesquisadores; • Realizar um levantamento teórico sobre ondas gravitacionais e os principais métodos de detecção; • Revisar a bibliografia sobre eventos multimensageiros; • Conduzir uma revisão bibliográfica sobre o evento GW170817, incluindo as contrapartes eletro- magnéticas provenientes do gamma-ray burst e da kilonova oriundos a esse evento; • Estudar métodos computacionais para a obtenção e o tratamento de dados brutos, utilizando ferramentas que permitam visualizar, processar e caracterizar o sinal observado; • Investigar métodos computacionais para a detecção de ondas gravitacionais a partir de dados de transientes, utilizando waveforms e matched filtering ; 2 2 Introdução para Astronomia de Ondas Gravitacionais 2.1 Teoria da Relatividade Geral No ano de 1687, Isaac Newton formulou os princípios fundamentais matemáticos e físicos que descrevem as leis do movimento da mecânica clássica (NEWTON, 1687). São eles (LEMOS, 2013): 1. Existem sistemas de referência, chamados inerciais, em relação aos quais toda partícula isolada descreve um movimento retilíneo uniforme. 2. Em qualquer referencial inercial, o movimento de uma partícula é regido pela equação: F = ma , (2.1) onde a é a aceleração da partícula, m é a massa e F é a força total à qual ela está sujeita. 3. A cada ação corresponde uma reação igual e oposta, ou seja, se Fij é a força sobre a partícula i exercida pela partícula j, então: Fij = −Fji . (2.2) Newton também descreveu a gravidade como a força resultante entre partículas; a força entre dois objetos F de massas m e M , separados por um vetor r = re(r), juntamente com a lei do inverso do quadrado. A formulação matemática da lei da gravitação universal é expressa pela seguinte equação (NEWTON, 1687; CARROLL, 2019): F = −GNmM r2 e(r) , (2.3) onde GN é a constante gravitacional universal. Dentre as investigações sobre a constante GN , Henry Cavendish, em seu trabalho Experiments to determine the density of the Earth de 1798, determinou o valor para essa constante (CAVENDISH, 1798; LALLY, 1999). Utilizando uma balança de torção com duas esferas pequenas fixadas em uma barra leve suspensa, ele observou a movimentação das esferas menores ao aproximar esferas maiores de cerca de 160 kg cada. Com base nessas observações e nas formulações newtonianas, Cavendish pôde determinar a densidade média da Terra e um valor para a constante GN (CAVENDISH, 1798; LALLY, 1999). Atualmente, o valor aproximado para essa constante é de aproximadamente 6.674×10−11 m3 kg−1 s−2 (LI et al., 2018), que representa a constante de gravitação universal de Newton. Utilizando as expressões (2.1) e (2.3), é possível denotar o vetor de campo gravitacional (g): g = F m . (2.4) O vetor do campo gravitacional g é o que representa a força por unidade de massa exercida em uma partícula no campo de um corpo da massa M . Como g varia proporcionalmente com o inverso de r2, a condição que ∇× g = 0 é satisfeita, permitindo que g seja descrito como o gradiente de uma função escalar (THORNTON; MARION, 2019) de modo que: g ≡ −∇ϕ . (2.5) 3 Portanto, a lei da gravitação pode ser escrita em termos do potencial escalar (ϕ): F = −m∇ϕ . (2.6) Alternativamente, é possível expressar essa lei como: ∇2ϕ = 4πGNρ, (2.7) onde o potencial está relacionado com a densidade de massa (ρ). A equação (2.7) é conhecida como equação de Poisson, sendo formulada por Poisson & Garnier (1838). Dentre as vantagens da utilização da equação de Poisson, estão: eliminar a complexidade de tra- balhar com componentes vetoriais, além da possibilidade do uso de vários sistemas de coordenadas (THORNTON; MARION, 2019) A utilização das equações (2.1) e (2.3), ou (2.5) e (2.7), permite definir a gravidade Newtoniana (CARROLL, 2019). Durante muitos anos, a formulação da gravidade Newtoniana foi a mais aceita como descrição da força gravitacional. Entretanto, nesse cenário, a gravidade age instantaneamente, independentemente da distância, uma vez que as equações não dependem explicitamente do tempo. Baseando-se nas formulações do eletromagnetismo de Maxwell e no princípio da covariância de Lorentz (LORENTZ, 1897), Einstein, em 1905, publicou o trabalho To the Electrodynamics of Moving Bodies onde formulou os princípios da relatividade restrita, estabelecendo que a velocidade da luz é a mesma para todos os observadores, independentemente do movimento da fonte ou do observador (EINSTEIN, 1905). Após desenvolver a Relatividade Restrita, que se aplica a referenciais inerciais, Einstein começou a se questionar se seria possível estender esses princípios para referenciais acelerados, de forma a criar uma teoria mais abrangente que também considerasse a gravitação (PAIS, 1982). Foi então que, em 1915, publicou a atual teoria da gravidade, conhecida como a Teoria da Relatividade Geral. Esta nova teoria, apresentada em seus trabalhos (EINSTEIN, 1915a; EINSTEIN, 1915c), descreve que a curvatura do espaço-tempo, apresentada no tensor de Einstein Gµν , está relacionada com o tensor energia-momento da matéria presente Tµν , através das equações: Gµν = 8πGN c4 Tµν . (2.8) O tensor de Einstein é definido em termos de outros dois tensores essenciais: o tensor de Ricci e o escalar de Ricci. Gµν = Rµν − 1 2 gµνR . (2.9) O tensor de Ricci (Rµν), é denotado na expressão a seguir: Rµν ≡ Rσ µσν = ∂σΓ σ µν − ∂νΓ σ µσ + Γσ σλΓ λ µν − Γσ µλΓ λ σν . (2.10) Este tensor expressa a curvatura do espaço-tempo em relação à distribuição de massa e energia. O escalar de Ricci, representado por R, é definido como: R = gµνRµν = gµν(∂λΓ λ νµ − ∂νΓ σ µσ + Γλ λµΓ σ νσ − Γλ λνΓ σ µσ) , (2.11) 4 também conhecido como escalar de curvatura. Ambos são definidos em termos dos símbolos de Chris- toffel, representado na equação a seguir, que descrevem as conexões métricas do espaço-temporal: Γλ µν = 1 2 gλσ (∂µgνσ + ∂νgµσ − ∂σgµν) . (2.12) Conforme a Relatividade Geral de Einstein, os efeitos gravitacionais são incorporados aos sistemas físicos por meio da métrica gµν . Uma vez conhecida a distribuição de matéria e energia, a equação fundamental que possibilita determinar essa métrica é denominada equação de Einstein (2.8) (RAMOS; MALUF, 2018). Uma abordagem interessante para deduzir a equação de Einstein fundamenta-se no princípio da ação mínima. A ação total (S) é definida como a soma da ação devida à gravitação (Sg) com a ação devida à matéria (Sm) (BAMBI, 2018): S = Sg + Sm. (2.13) A ação devida à parte gravitacional pode ser obtida através da ação de Einstein-Hilbert, apresentada na expressão a seguir: SEH = c3 16πGN ∫ R √ −g d4x . (2.14) Ao realizar a variação da ação, obtém-se: δS = c3 16πGN ∫ ( 1 2 gµνR−Rµν )√ −g(δgµν) d 4x+ δSm . (2.15) A variação da ação relacionada a matéria é apresentada como: δSm = 1 2c ∫ Tµν√−g(δgµν) d 4x . (2.16) Eventualmente, a variação da ação total é apresentada como: δS = c3 16πGN ∫ ( 1 2 gµνR−Rµν + 8πG c4 Tµν )√ −g(δgµν) d 4x , (2.17) com δS = 0 independente da escolha do δgµν . Resultando na equação de Einstein, expressa em (2.8). No limite de campo fraco, as equações de Einstein convergem para as equações da gravitação newtoniana, evidenciando que ambas descrevem o mesmo comportamento gravitacional nesse regime. Dessa forma, as diferenças entre as teorias tornam-se irrelevantes, mostrando-se equivalentes para sistemas de baixa intensidade gravitacional. Entretanto, ao considerar campos gravitacionais mais fortes, como a região próxima ao Sol, as previsões apresentam distinção. Dentre alguns exemplos, pode ser mencionado um problema que já era conhecido na época envolvendo a precessão do periélio de Mercúrio (EINSTEIN, 1915b). 5 Figura 2.1: A órbita de Mercúrio ao redor do Sol. Fonte: Miranda (2019). Este fenômeno é principalmente resultado das interações gravitacionais dos outros planetas, que causam uma leve perturbação na órbita de Mercúrio. No entanto, quando essas interações são calcu- ladas usando as leis de Newton, elas explicam apenas uma parte da mudança no periélio de Mercúrio, representando 574 segundos de arco dos 617 segundos de arco observados(MIRANDA, 2019). Na descri- ção de sua teoria gravitacional, Einstein demonstra que essa discrepância, conhecida como ‘anomalia’, de 43 segundos de arco por século na precessão do periélio de Mercúrio, pode ser completamente ex- plicada com base em sua teoria (EINSTEIN, 1915b; MIRANDA, 2019). Posteriormente, outra previsão assertivamente realizada pela nova Teoria da Gravitação refere-se ao seu efeito sobre os raios de luz, ilustrado na Figura (2.2). Quando um raio de luz passa próximo a um corpo massivo, sua trajetória sofre uma distorção. Einstein calculou e previu um efeito muito pequeno, de apenas alguns segundos de arco, para a passagem de um raio de luz próximo à superfície do Sol, indicando que este desviaria a luz gravitacionalmente em dobro do previsto pelos argumentos newtonianos. Figura 2.2: A ilustração representa o fenômeno da deflexão de um raio de luz proveniente de uma estrela distante devido ao campo gravitacional do Sol. A direção aparente da estrela vista da Terra é representada pela trajetória TSE’. É importante ressaltar que o desenho está fora de escala, com a deflexão θ exagerada para melhor visualização. Fonte: Zylbersztajn (1989). Um experimento foi realizado por Arthur Eddington e colaboradores para medir a quantidade de desvio gravitacional da luz causado pelo Sol (DYSON; EDDINGTON; DAVIDSON, 1920; DORRINGTON, 2019). Para isso, eles mediram as posições das estrelas cuja luz passava perto do Sol durante o eclipse solar de 1919. A quantidade de desvio medida durante o experimento correspondeu à previsão da teoria da relatividade geral. 6 Na Astronomia moderna, com o avanço dos instrumentos observacionais dotados de maior precisão ao mensurar as trajetórias, possibilitou-se a observação de outro fenômeno decorrente da Relatividade Geral. Esse fenômeno, conhecido como lente gravitacional, refere-se à curvatura dos raios de luz provenientes de fontes situadas atrás de um objeto massivo. Ao longo das últimas décadas, essa técnica se estabeleceu como uma das ferramentas mais poderosas da Astronomia, com aplicações abrangentes em diversas escalas: desde a detecção de exoplanetas (TSAPRAS, 2018) até a investigação da matéria escura e da energia escura (HOEKSTRA; JAIN, 2008; ELLIS, 2010), entre outros exemplos. Os resultados destes experimentos, juntamente com outros, contribuíram para a rápida aceitação da teoria da relatividade geral pela comunidade científica (DORRINGTON, 2019). 2.2 Ondas gravitacionais Com todos os avanços e comprovações da teoria da Relatividade, uma última e importante previsão ainda tardaria: a comprovação experimental da existência de Ondas Gravitacionais. Partindo das equações da Relatividade Geral, Einstein demonstrou que os campos gravitacionais variáveis no tempo emanam da aceleração de massas e se propagam para longe de suas fontes como uma distorção do espaço-tempo, viajando à velocidade da luz (EINSTEIN, 1918). 2.2.1 Linearização da equação de Einstein A teoria linearizada da gravitação presume que em regiões do espaço-tempo suficientemente dis- tantes de quaisquer fontes gravitacionais, o campo é fraco e a métrica se afasta levemente da métrica de Minkowski. Esta suposição é válida quando se observa que em regiões de distribuição de matéria cercadas por vácuo, com corpos mais próximos estando suficientemente distantes, o que permite que o campo gravitacional seja fraco. Este domínio é conhecido como zona de campo distante (ou far field), e, geralmente, o estudo das soluções ondulatórias das equações de campo restringe-se às soluções que exibem tal região (RAMOS; MALUF, 2018). Para tal demonstração, considera-se a métrica como a soma de uma pequena perturbação hµν à métrica de fundo ou, nesse caso, à métrica de Minkowski (ηµν = diag(−1, 1, 1, 1) (RAMOS; MALUF, 2018; DORRINGTON, 2019). Na gravidade linearizada, negligenciamos termos de segunda ordem ou superiores em hµν . Os índices dos tensores de ordem hµν são elevados e abaixados usando a métrica de Minkowski ηµν (BAMBI, 2018). A métrica e sua inversa gµν são apresentadas a seguir: gµν = ηµν + hµν , (2.18) gµν = ηµν − hµν . (2.19) A partir da substituição de (2.18) e (2.19) em (2.12) e desprezando termos de segunda ordem, os símbolos de Christoffel perturbados são dados pela expressão: Γρ µν = 1 2 ηρσ(∂µhνσ + ∂νhσµ − ∂σhµν) . (2.20) Utilizando a métrica perturbada e a expressão (2.20) na equação (2.10), obtém-se a expressão do tensor de Ricci perturbado: Rσ µσν = Rµν = 1 2 (∂σ∂µh σ ν − ∂ν∂µh−□hµν + ∂σ∂νh σ µ) . (2.21) 7 O traço de h é expresso como h = ηµνhµν = hµµ. O D’Alembertiano ∂µ∂ µ é representado por □η. Recorrendo às expressões (2.19) e (2.21), encontra-se a expressão que descreve o escalar de Ricci perturbado: R = gµνRµν = ∂µ∂νh µν −□h . (2.22) Vis-à-vis as equações dos tensores que descrevem a equação de Einstein, Tensor de Ricci e Escalar de Ricci em suas formulações perturbadas, a expressão da equação de Einstein perturbada será obtida substituindo-se na equação (2.8): Gµν = 1 2 (∂σ∂µh σ ν + ∂σ∂νh σ µ − ∂ν∂µh−□ηhµν − ηµν∂ρ∂λh ρλ + ηµν□h) (2.23) Para simplificar a equação (2.23), defini-se perturbação de traço-reverso (h̃µν) como expresso em: h̃µν ≡ hµν − ηµν h 2 (2.24) Sendo esse nome justificado pelo fato de h̃ = −h (RAMOS; MALUF, 2018). Aplicando o traço-reverso à equação (2.23), obtém-se: ∂σ∂ν h̃σµ + ∂σ∂µh̃σν −□ηh̃µν − ηµν∂ρ∂λh̃ ρλ = 16πGN c4 Tµν (2.25) A métrica apresentada na equação (2.18) não determina de forma única um sistema de coordenadas, pois há diversas coordenadas nas quais a métrica é expressa pela métrica de Minkowski mais alguma pequena perturbação. Isso nos dá a liberdade de escolher coordenadas que tornem as equações lineares de Einstein mais simples (RAMOS; MALUF, 2018). Portanto, opta-se pelo sistema de coordenadas xµ de modo a garantir a satisfação da condição de fixação do calibre harmônico (∂µh̃µν=0) (conferir anexo A). Assim, a equação (2.25) adquire a forma simplificada: □ηh̃µν = 16πGN c4 Tµν , (2.26) onde cada componente da perturbação corresponde a uma equação do tipo onda. Nesse contexto, considera-se um tensor de energia-momento efetivo, uma vez que, devido à natureza das ondas gravi- tacionais, a energia não está concentrada em um único ponto, mas sim distribuída ao longo de toda a forma de onda, considerada uma região macroscópica (uma região com várias vezes o tamanho de um comprimento de onda), como descrito por Thorne, Misner & Wheeler (2000). 2.2.2 Efeitos físicos da onda gravitacional Como h̃µν é simétrico, possui dez graus de liberdade. A condição de calibre harmônico, apresentado no anexo A, provê quatro condições e reduz o número de componentes independentes para seis (BAMBI, 2018). No entanto, ainda há liberdade de escolher quatro funções arbitrárias ξµ que satisfaçam a equação □ηξ µ = 0. Escolhe-se ξ0 de modo que o traço de h̃µν se anule, ou seja, h̃ = 0. Tal escolha implica que a perturbação de traço-reverso h̃µν e a perturbação da métrica hµν tornam-se iguais (BAMBI, 2018). Posteriormente, é possível escolher as três funções ξi de modo que h0i = 0. Fixando a condição de 8 h0i = 0, a componente temporal calibre harmônico torna-se: ∂0h00 = 0. (2.27) Portanto, as condições expressas nas equações (2.28), (2.29) e da (2.30) definem o calibre transverse- traceless (TT). h0µ = 0 , (2.28) h = 0 , (2.29) ∂ih ij = 0 . (2.30) A condição do calibre transverso sem traço só é possível no vácuo, ou seja, quando Tµν = 0 (BAMBI, 2018). A equação do vácuo □ηh TT µν = 0 possui soluções de ondas planas (DORRINGTON, 2019): hTT ij = εije ikµxµ (2.31) onde o tensor de polarização para a onda gravitacional εij é simétrico e constante, kµ = (ω/c,k), ω = |k|c é a frequência angular da onda gravitacional e k é o vetor de onda (BAMBI, 2018; DORRINGTON, 2019). Para uma onda gravitacional se propagando ao longo da direção z obtém-se: hTT µν =  0 0 0 0 0 h+ h× 0 0 h× −h+ 0 0 0 0 0  eiω(t−z/c), (2.32) onde h+ e h× são as amplitudes da onda gravitacional nas duas polarizações. Para ilustração do efeito da passagem de uma onda gravitacional, considera-se duas partículas pontuais livres em repouso, respectivamente, com coordenadas espaciais (x0, 0, 0) e (−x0, 0, 0). A distância dada pelo referencial próprio das partículas, conhecida como distância própria, entre as duas partículas é: L(t) = ∫ x0 −x0 √ gxx dx = ∫ x0 −x0 √ 1 + hxx dx ≈ L0 ( 1 + 1 2 h+ cos(ωt) ) , (2.33) onde L0 = 2x0 é a distância própria entre elas na ausência de ondas gravitacionais (BAMBI, 2018). Se as duas partículas tiverem, em vez disso, respectivamente, coordenadas (0, x0, 0) e (0,−x0, 0), adquire- se: L(t) ≈ L0 ( 1− 1 2 h+ cos(ωt) ) . (2.34) Portanto, a distância própria entre as duas partículas muda periodicamente com o tempo e a variação é proporcional à amplitude da onda gravitacional. Considerando uma rotação de 45o no plano xy, obtêm-se as expressões (2.33) e (2.34) com h+ substituído por h× (BAMBI, 2018). Logo, observa- se que a passagem de uma onda gravitacional propagando-se ao longo da direção z em um anel de partículas no plano xy é como ilustrado na Figura (2.3) (BAMBI, 2018). 9 Figura 2.3: O efeito de uma onda gravitacional com modos de polarizações h+ e h× distorcendo um círculo de partículas teste no módulo de rotação de 45o no plano. T = 2π ω é o período da onda gravitacional. Fonte: Bambi (2018). 2.2.3 Natureza Quadrupolar da onda gravitacional No tópico anterior foi apresentada uma versão de frente de onda para compreensão do efeito da passagem de uma onda gravitacional sobre um corpo. Partindo da equação (2.26) a solução formal para as equações de ondas gravitacionais é dada por: h̃µν(t,x) = 4GN c4 ∫ Tµν(t− |x - x’|/c,x’) |x - x’| d3x’ , (2.35) onde t = x0 (BAMBI, 2018). O termo ‘tempo retardo’ é usado para referir-se à quantidade tr = t − |x - x’|. Restringindo o caso onde a radiação gravitacional é emitida por uma fonte isolada, suficientemente distante e sendo composta apenas por matéria não relativística (CARROLL, 2019) permite realizar aproximações suficientes para um estudo sobre a radiação emitida por um sistema binário em órbita circular. Além dessas considerações, colocando a origem do sistema de coordenadas próximo à fonte, possibilita a troca de |x - x’| por |x-x’| ≃ r. Com essas configurações (FERRARI; GUALTIERI; PANI, 2020), é possível definir o tensor momento de quadrupolo (Iij), referente ao espaço de Minkowski, expresso por: Iij(t) = 1 c2 ∫ T 00(t,x)xixjd3x . (2.36) Vale ressaltar que o tensor de energia-momento satisfaz a lei de conservação da Relatividade Res- trita, ou seja, ∇µT µν = 0 (FERRARI; GUALTIERI; PANI, 2020). Aplicando as considerações na solução do tensor de Einstein perturbado, apresentado na equação (2.35), obtêm-se as seguintes equações: h̃µ0 = 0 , (2.37) h̃ij = 2GN c4r Ïij(tr) . (2.38) A equação (2.38) é denominada como equação de quadrupolo (FERRARI; GUALTIERI; PANI, 2020) 10 que descreve a onda gravitacional produzida por um sistema gravitacional isolado e não relativístico evoluindo no tempo (CARROLL, 2019). Com base nessas considerações, é observado que quaisquer sistemas cuja derivada segunda em relação ao tempo do momento quadrupolo do sistema difira de zero, podem ser uma fonte de ondas gravitacionais (FERRARI; GUALTIERI; PANI, 2020). Observe que o fator 2GN c4r afeta diretamente a intensidade da fonte, como mostrado na equação (2.38), de tal forma que: GN c4 ∼ 10−55 s kg m , demonstrando o porquê das ondas gravitacionais serem extremamente fracas (FERRARI; GUALTIERI; PANI, 2020). Um caso particular de interesse é a emissão de ondas gravitacionais emitidos por um sistema binário de objetos compactos. Assumindo que ambas as estrelas possuem massa M e orbitam o plano x1 − x2, com distância R das massas até o centro de massa, como mostrado na Figura 2.4, possibilita caracterizar as órbitas circulares utilizando aproximações newtonianas para descrever o movimento. Figura 2.4: Um sistema binário de duas estrelas com massa M , orbitando um centro de massa, com distância R, no plano x1 − x2. Fonte: Próprio autor. A força gravitacional entre duas massas M separadas por 2R igualada à força centrípeta necessária para mantê-las em órbita resulta em: GM2 (2R)2 = Mv2 R . (2.39) Utilizando a expressão (2.39), na qual é possível determinar o termo de velocidade por: v = ( GM 4R ) 1 2 . (2.40) O período e a frequência angular do sistema são dadas pelas expressões: T = 2πR v , (2.41) Ω = 2π T = ( GM 4R3 ) 1 2 . (2.42) Em termos de Ω, o trajeto das estrelas, designadas como a e b, pode ser expresso como (CARROLL, 11 2019): x1a = −x1b = R cos Ωt , (2.43) x2a = −x2b = R sin Ωt . (2.44) A densidade de energia correspondente ao sistema é dada por: T 00(t,x) = Mc2 δ(x3)[ δ(x1 −R cos Ωt) δ(x2 −R sin Ωt) + δ(x1 −R cos Ωt) δ(x2 −R sin Ωt) (2.45) Calculando as componentes do tensor de momento quadrupolo, apresentado na equação 2.36, adquirem- se as seguintes expressões: I11 = 2M R2 cos2 Ωt = M R2(1 + cos 2Ωt) , (2.46) I22 = 2M R2 sin2 Ωt = M R2(1− cos 2Ωt) (2.47) I12 = I21 = 2M R2(cos Ωt) (sin Ωt) = M R2(sin 2Ωt) (2.48) Ii3 = 0. (2.49) Portanto, as componentes da pertubação da métrica, dada pela equação (2.38), tomam a forma (BAMBI, 2018; CARROLL, 2019): h̃ij = 8GM c4r Ω2R2 −cos 2Ωtr −sin 2Ωtr 0 −sin 2Ωtr cos 2Ωtr 0 0 0 0  . (2.50) Para um sistema com uma inclinação arbitrária relacionada ao eixo axial x3, representado por ι, a onda gravitacional é representada por: h̃ij = 8GM c4r Ω2R2  − ( 1+cos2 ι 2 ) cos 2Ωtr − cos ι sin 2Ωtr 0 − cos ι sin 2Ωtr ( 1+cos2 ι 2 ) cos 2Ωtr 0 0 0 0  . (2.51) A luminosidade (−dE/dt) radiada por um sistema binário também pode ser determinada a partir do momento de quadrupolo. Entretanto, para essa determinação, faz-se necessária a derivada temporal de terceira ordem e a utilização do momento quadrupolo reduzido. A dedução para a relação da luminosi- dade pode ser encontrada na literatura (MAGGIORE, 2007; BAMBI, 2018; CARROLL, 2019; FERRARI; GUALTIERI; PANI, 2020), todavia, para o presente trabalho, será utilizada apenas a expressão final, dado que o interesse é compreender a fonte física relacionada à emissão das ondas gravitacionais, nesse caso, em um sistema binário. L = −dE dt = −2 5 G4M5 R5 (2.52) Em 1974, Hulse & Taylor (1975) registraram pela primeira vez um sistema binário composto por um pulsar e uma estrela de nêutrons. Nos anos seguintes, Russell Hulse e Joseph Taylor detectaram a perda de energia nesse sistema devido à emissão de radiação gravitacional, conforme descrevem em Measurements of General Relativistic Effects in the Binary Pulsar PSR1913+16 (Taylor; Fowler; McCulloch, 1979). Os resíduos temporais medidos para o PSR1913+16, de 1974 até 2004, representados 12 por pontos na Figura 2.5, corroboram a previsão da Relatividade Geral (WEISBERG; TAYLOR, 2004). Figura 2.5: Decaimento orbital do sistema binário de estrelas de nêutrons PSR B1913+16. Os pontos de dados indicam a mudança observada na época do periastro com a data, enquanto a parábola ilustra a mudança teoricamente esperada na época para um sistema que emite radiação gravitacional, conforme a relatividade geral. Fonte: Weisberg & Taylor (2004). Além das mudanças seculares no período orbital induzidas pela emissão de ondas gravitacionais, a variação observada em L no PSR1913+16 também é afetada por efeitos cinemáticos devido à aceleração do centro de massa ao longo da linha de visão e à variação da inclinação orbital. (WEISBERG; TAYLOR, 2004) Esse resultado representou a primeira evidência indireta da existência de ondas gravitacionais (Taylor; Fowler; McCulloch, 1979). Pela descoberta do pulsar binário, Hulse e Taylor foram agraciados com o Prêmio Nobel de Física em 1993 (HULSE; TAYLOR, 1975; WEISBERG; TAYLOR, 2004; FERRARI; GUALTIERI; PANI, 2020). 2.2.4 Detectores de ondas gravitacionais Nas subseções anteriores foram abordadas as fundamentações teóricas necessárias para análises de ondas gravitacionais. Como fora discutido, devido à natureza gravitacional do evento, as pertuba- ções são extremamente pequenas e de difícil detecção. sistemas binários com estrelas massivas e altas frequências orbitais emitem ondas gravitacionais detectáveis. Em sistemas binários de estrelas massi- vas, como estrelas de nêutrons (NS) e buracos negros (BH), os campos gravitacionais intensos resultam em altas acelerações orbitais. Essas altas acelerações, por sua vez, geram variações significativas no campo gravitacional, produzindo transientes gravitacionais suficientemente fortes para serem detec- tados. Esses sistemas são conhecidos como sistemas de coalescência de sistemas binários compactos (MAGGIORE, 2007). 13 Espera-se que nessas condições as ondas gravitacionais sejam medidas com amplitudes de apro- ximadamente 10−22 na Terra. Com a passagem das ondas gravitacionais, a variação observada nas massas testes separadas a uma distância L, terão suas distâncias afetadas no fator de escala da pertu- bação, de forma que: δL L ∼ h. (2.53) Considerando um observatório com as massas de teste separadas por uma distância da ordem de quilômetros. Então, uma onda com uma amplitude da ordem de h ∼ 10−22 requer uma sensibilidade de mudanças, conforme a expressão adaptada de Carroll (2019): δL ∼ 10−17 ( h 10−22 )( L km ) cm. (2.54) 2.2.5 Interferômetros de Michelson Proposto inicialmente por Albert Michelson e seu colaborador Edward Morley em 1887, o interferô- metro de Michelson foi utilizado pela primeira vez com o intuito de investigar a influência do éter sobre a velocidade da luz, por ser altamente preciso para a medição de comprimentos de onda (MICHELSON; MORLEY, 1887). O experimento de Michelson-Morley, como ficou conhecido, foi de suma importância para a conclusão de que a luz não necessita de um meio para propagar-se, o que rendeu o Prêmio Nobel de 1907. Devido à versatilidade desses interferômetros na natureza ondulatória, o mesmo, operando com configurações de massas suspensas, mostrou-se ideal para detectar as distorções induzidas pelas ondas gravitacionais, como ilustrado na Figura 2.6 (BARISH, 2001). Considerando um sistema inter- ferométrico baseado no interferômetro de Michelson, utiliza-se luz monocromática e braços de mesmo comprimento e tempo de armazenamento de luz (BARISH, 2001). Figura 2.6: Configuração básica de um interferômetro de Michelson para a detecção de ondas gravita- cionais. Fonte: https://www.ligo.caltech.edu/page/what-is-interferometer. 14 https://www.ligo.caltech.edu/page/what-is-interferometer Como mostra a Figura 2.6, um laser emite um feixe de luz em direção a um espelho parcialmente reflexivo, que o divide igualmente e direciona as partes para os braços perpendiculares do interferô- metro. Cada feixe percorre um braço distinto e é refletido por um espelho ao final de cada trajeto (BARISH, 2001). Esses espelhos, que atuam como massas de teste, podem se mover levemente quando uma onda gravitacional passa, gerando uma alteração no comprimento efetivo dos braços (ABBOTT et al., 2016a). Após a reflexão, os feixes retornam ao divisor de feixe, onde se combinam e geram uma interferência. Em condições normais de operação, a interferência entre os feixes refletidos é ajustada para ser completamente destrutiva na saída, de forma que nenhuma luz seja detectada pelo fotodetector (parte inferior da Figura 2.6, representada em preto). Quando uma onda gravitacional incide perpendicu- larmente ao plano do interferômetro, ela provoca uma dilatação em um dos braços e uma contração no outro, criando uma variação diferencial nos comprimentos dos braços. Isso altera a condição de interferência na saída e permite que uma pequena quantidade de luz escape e seja detectada pelo fo- todetector, indicando a presença de uma onda gravitacional. A deformação causada pela onda gravitacional pode ser expressa como uma diferença de compri- mento entre os braços ortogonais (ABBOTT et al., 2016a). Com ambos os braços possuindo compri- mento L (onde L = LX = LY ), a variação diferencial é dada por ∆L = δLX − δLY = h(t)L, onde h(t) é a amplitude da deformação da onda projetada no detector. Esse efeito é ilustrado na Figura 2.7. Figura 2.7: Efeito de uma onda gravitacional em um anel de partículas livres para uma polarização específica. O círculo se alterna entre alongamentos verticais e compressões horizontais, e vice-versa, com a frequência da onda gravitacional. Fonte: Barish & Weiss (1999). 2.2.6 Ruído dos interferômetros Uma onda gravitacional deve causar um sinal no detector, manifestando-se como uma diferença de comprimento entre os braços do detector, medida como flutuações na intensidade do laser na saída do detector. Esse sinal é digitalizado em um canal chamado differential arm length (DARM) (EFFLER et al., 2015). Diversos tipos de ruído podem afetar os detectores, como ilustrado na Figura 2.8, diminuindo 15 a sensibilidade a sinais de ondas gravitacionais astrofísicas e gerando transientes de deformação (DAVIS et al., 2021). Figura 2.8: O gráfico apresenta as fontes de ruído que afetam a Densidade Espectral de Amplitude do detector. Fonte: Dorrington (2019). Os detectores são projetados para serem isolados de influências externas não relacionadas à as- trofísica. No entanto, perturbações ambientais, chamadas de ruídos, podem temporariamente, ou permanentemente, distorcer o sinal de leitura e, consequentemente, reduzir a sensibilidade do detector (EFFLER et al., 2015). Dentre esses ruídos, pode-se destacar ruídos ambientais (EFFLER et al., 2015) e os ruídos instrumentais (DAVIS et al., 2021). Os ruídos ambientais podem ser divididos em perturbações eletromagnéticas, sísmicas, acústicas, magnéticas ou de radiofrequência (RF). Para contornar essa situação, sensores ambientais são usados para validar eventos astrofísicos, vetando sinais GW falsos positivos, ou seja, sinais que tenham sido produzidos por alguma perturbação ambiental. Exemplos de sensores utilizados são: acelerômetros, sismômetros, microfones, magnetômetros, receptores de rádio para rastrear campos de RF e sensores de temperatura para rastrear mudanças de temperatura (EFFLER et al., 2015). As fontes de ruído sísmico incluem eventos como terremotos, ventos fortes, tráfego terrestre e aéreo. Os sistemas de isolamento sísmico LIGO são eficazes na redução do ruído acima de 10 Hz, porém eles amplificam o ruído em ressonâncias específicas. Os sistemas de controle mantêm as cavidades do inter- ferômetro na ressonância, com o movimento sísmico de baixa frequência sendo o principal contribuinte para os sinais de controle. Terremotos distantes e tempestades nos oceanos geram ruídos sísmicos em frequências baixas, afetando diretamente o detector. Um sistema feedforward é usado para reduzir o acoplamento do ruído sísmico ao sinal de ondas gravitacionais, ou seja, o feedforward atua antecipando e tentando neutralizar as perturbações antes que elas aconteçam. As marés terrestres causam mu- danças na distância entre as ópticas do detector, assim, os detectores são corrigidos antecipadamente, garantindo que ele permaneça operando mesmo diante das influências gravitacionais da Lua e do Sol (EFFLER et al., 2015). Os ruídos acústicos são ondas sonoras que se propagam pelo ar e podem afetar os componentes vibratórios do detector. As fontes comuns desses ruídos são ventiladores eletrônicos (acima de 50 Hz), movimentação de veículos próximos (50–150 Hz), vibrações causadas pelo vento (banda larga) 16 ou mesmo aeronaves movidas a hélice que podem causar vibrações na faixa de 50-100 Hz, se voarem perto do detector. Para amenizar esses ruídos, dentro do interferômetro, os fotodiodos que leem o sinal de ondas gravitacionais são isolados em vários graus da propagação do som no vácuo. No entanto, o ruído acústico pode fazer vibrar os pontos de suspensão externos do sistema no vácuo, acoplados às ressonâncias de alta frequência do isolamento sísmico (EFFLER et al., 2015). As fontes de ruído magnético relevantes para os detectores LIGO são principalmente de origem elétrica, como aquecedores, motores grandes e linhas de energia de alta tensão próximas, até 4 km de distância. Esses picos de ruído não são fixos em frequência ou amplitude, gerando ruído em uma faixa de frequência mais ampla. Os harmônicos de 60 Hz das linhas de energia em corrente alternada podem modular o sinal de ondas gravitacionais, gerando bandas laterais em torno desses picos. Os principais mecanismos de acoplamento para o ruído magnético e eletromagnético envolvem módulos eletrônicos, cabos e ímãs na óptica do interferômetro. Os ímãs na óptica, acionados por bobinas, alternam a polaridade para evitar deslocamentos diretos na óptica, mas gradientes de campo magnético podem introduzir ruído na medição do comprimento (EFFLER et al., 2015). Durante as observações, também existe uma preocupação de que o ruído de radiofrequência do ambiente interfira nas frequências de modulação do interferômetro, resultando em ruído no sinal de saída na faixa de frequência relevante para as ondas gravitacionais. Para atenuar esse problema, o LIGO utiliza um método de modulação-desmodulação para criar sinais de erro que controlam o comprimento e os graus angulares de liberdade do interferômetro (EFFLER et al., 2015). Além dos ruídos ambientais, os ruídos instrumentais também podem interferir nos dados observa- cionais. Alguns dos ruídos transitórios que ocorrem com mais frequência são os blips, light scattering e loud triggers. Essas falhas (glitches) são normalmente categorizadas com base em sua evolução de frequência ao longo do tempo, e são mostradas na Figura 2.9 (DAVIS et al., 2021). Os glitches de blip são falhas muito rápidas e de alta frequência que não têm uma causa conhecida. No plano tempo-frequência, como mostrado na figura (2.9), elas podem parecer sinais de ondas gravi- tacionais de fusões de objetos massivos. Durante a segunda fase de observação, esses blips ocorreram cerca de 2 vezes por hora nos observatórios LIGO Hanford (LHO) e LIGO Livingston (LLO). Os blips têm várias subcategorias, possivelmente causadas por diferentes fatores físicos, mas é difícil diferenciá- los devido à sua curta duração e simplicidade (DAVIS et al., 2021). Os Loud triggers no LIGO são transientes de curta duração com SNR muito alto (acima de 100), que causam grandes quedas na sensibilidade do detector. Eles geralmente saturam o espectrograma na faixa de 10–500 Hz e são frequentemente registrados por alguns canais de detecção e controle de comprimento, apresentado na figura (2.9). A ferramenta HVeto (sistema usado pelo LIGO para identificar e vetar transientes de ruído alto que podem ser confundidos com sinais reais de ondas gravitacionais) encontra correlações consistentes entre esses canais e os loud triggers (DAVIS et al., 2021). No LIGO, uma classe comum de ruído acontece quando parte da luz laser é desviada pela massa de teste, atingindo uma superfície móvel (espalhador) e retornando ao feixe principal. Esse trajeto cria ruído no canal da onda gravitacional, visível como arcos nos espectrogramas. A intensidade do ruído depende da quantidade de luz desviada, enquanto a frequência máxima é determinada pelo movimento relativo entre as superfícies. Durante a terceira fase de observação (O3), foram observados dois tipos de ruído de dispersão: lenta e rápida, figura (2.9) (DAVIS et al., 2021). A slow scattering aparece como arcos de longa duração nos espectrogramas durante o movimento 17 Figura 2.9: Canto superior esquerdo: blips são transientes de curta duração com grande largura de banda e podem imitar um sinal de onda gravitacional de binários compactos de alta massa. Canto superior direito: um exemplo de loud trigger, classificado como Extremely_Loud pelo GravitySpy. Esses triggers de SNR altos geralmente causam grandes quedas na faixa astrofísica e afetam negativamente a sensibilidade do detector. Inferior esquerdo: slow scattering causado pelo movimento do solo na banda de microssismo (0, 1− 0, 3 Hz). Múltiplas reflexões entre a massa de teste e a superfície móvel podem gerar harmônicos de frequência mais alta, como visto aqui. Canto inferior direito: fast scattering causados pelo movimento do solo na banda de 1 − 6 Hz. Trens, atividade humana e exploração madeireira perto do local são as causas mais comuns de ruído de dispersão rápida. Fonte: Davis et al. (2021). do solo na faixa de microssismo (0,1–0,3 Hz), afetando a sensibilidade a ondas gravitacionais na faixa de 20–120 Hz. Harmônicas de maior frequência podem surgir durante alta atividade microssísmica. A fast scattering, relacionada à atividade do solo na faixa de 1 a 6 Hz, é influenciada por fatores como atividade humana, trens e tempestades. Este tipo de ruído tem frequências de pico mais altas, menor SNR e duração mais curta, sendo mais comum no LLO do que no LHO (DAVIS et al., 2021). 18 3 Astronomia Multimensageira Até meados do século XX, o conhecimento astronômico foi fundamentado em observações de si- nais eletromagnéticos, especificamente na forma de fótons ópticos. Posteriormente, com os avanços tecnológicos, outros comprimentos de ondas foram adicionados às observações: rádio, infravermelho (IR), ultravioleta (UV), raios X e raios gama (MÉSZÁROS et al., 2019). Nas últimas décadas, houve avanços no campo da observação astronômica, com a detecção de outros mensageiros astronômicos, associados às outras três forças fundamentais: a força forte, força fraca e a gravitação. Além dos já bem estabelecidos fótons da observação eletromagnética, foram realizadas novas observações por meio de raios cósmicos (CRs), neutrinos e ondas gravitacionais. A Figura 3.1 apresenta a linha temporal das descobertas dos novos mensageiros no eixo y, enquanto no eixo x são exibidas suas frequências e energias associadas. Figura 3.1: Linha do tempo da Astronomia Multimensageira. Fonte: Neronov (2019). Esses mensageiros não fotônicos são mais difíceis de detectar, estando muitas vezes associados a configurações de massa extremamente altas, como sistemas binários de estrelas compactas (ABBOTT et al., 2017b), ou alta densidade de energia, como explosões estelares que ocorrem em decorrência do fim das reações de fusão nuclear que ocorrem no núcleo das estrelas massivas (KOSHIBA, 2003; MÉSZÁROS et al., 2019). A descoberta de novos mensageiros astronômicos deu origem a um novo campo na astronomia (NERONOV, 2019). Essa abordagem multidisciplinar envolve a detecção simultânea de diversos sinais provenientes do mesmo evento, é denominada Astronomia Multimensageira (MMA) (ANDO et al., 2013). A observação simultânea de diferentes mensageiros astronômicos, como ondas gravitacionais e neu- trinos, oferece percepções mais profundas sobre fenômenos cósmicos, como supernovas e fusões de estrelas de nêutrons (GUIDRY, 2019). Por exemplo, a detecção combinada de ondas gravitacionais e neutrinos de uma supernova, ou a observação simultânea de ondas gravitacionais e explosões de raios gama de curta duração (sGRB) de uma fusão de estrelas de nêutrons, amplia nossa compreensão desses eventos celestes (GUIDRY, 2019). A Astronomia Multimensageira não é apenas vantajosa, mas pode ser essencial para resolver pro- blemas ainda não resolvidos na astronomia de altas energias, como a identificação das fontes dos raios 19 cósmicos, os mecanismos por trás das explosões de raios gama e a natureza da matéria escura (PARE- DES; REIMER; TORRES, 2007; HALZEN, 2007) A primeira observação utilizando múltiplos mensageiros envolveu neutrinos solares na faixa de MeV e fótons. Em meados de 1960, Davis e colaboradores detectaram os neutrinos produzidos pelas reações nucleares. Davis (2003) descreve em seu trabalho: “O Sol obtém sua energia a partir de reações de fusão no qual o hidrogênio é transformado em hélio. Cada vez que quatro prótons são convertidos em um núcleo de hélio, dois neutrinos são produzidos”. A detecção desses neutrinos foi realizada utilizando um tanque de 600 toneladas de percloroetileno, localizado subterrâneo da mina de Homestake, em Dakota do Sul, EUA (DAVIS, 2003; MÉSZÁROS et al., 2019). Esse fluxo de neutrinos foi confirmado por vários outros experimentos, incluindo um na mina de Kamioka, no Japão, realizado por Koshiba e colaboradores (KOSHIBA, 2003). Prosseguinte, após a observação óptica da supernova SN1987A (SCHWARZ et al., 1987), foi feita uma busca de neutrinos associados a esse colapso nuclear resultante de um decaimento beta inverso, no qual os prótons são convertidos em nêutrons (HIRATA et al., 1987). Esses foram detectados por três diferentes detectores subterrâneos: Kamiokande no Japão, Baksan na União Soviética e Irvine- Michigan-Brookhaven nos EUA (MÉSZÁROS et al., 2019). Tais observações renderam o Prêmio Nobel de Física de 2002 para Davis e Koshiba (DAVIS, 2003; KOSHIBA, 2003; MÉSZÁROS et al., 2019). Como descrito por Mészáros et al. (2019), as medições do espectro de energia espalhada de raios cósmicos de ultra alta energia pelo observatório Pierre Auger, iniciadas em 2008, estabeleceram de forma sólida a detecção de um corte espectral acima de 1019.5 eV, compatível com as perdas de energia de GZK (Greisen, Zatsepin, Kuz’min) devido aos fótons da radiação cósmica de fundo em microondas (UNGER, 2017). A partir de 2012-2013, o IceCube descobriu, com detalhes crescentes, um fundo difuso de neutrinos de alta energia de origem astrofísica em energias multi-TeV até PeV (MÉSZÁROS et al., 2019). Esses neutrinos possuem energias que são quinze ordens de magnitude mais altas, superando as energias de partículas aceleradas no Grande Colisor de Hádrons do CERN(NERONOV, 2019). Até o momento, não há identificação firme das fontes dos fundos difusos de raios cósmicos de ultra alta energia, neutrinos de alta energia ou raios gama(MÉSZÁROS et al., 2019). O fato de a energia desses três mensageiros ser comparável levou à ideia de uma unificação de partículas cósmicas de alta energia. Em 17 de agosto de 2017, a detecção conjunta de ondas gravitacionais e eletromagnéticas, res- pectivamente transientes GW/GRB 170817, veja Figura 3.2, foi a primeira prova de alta significância da eficácia da técnica conjunta de multimensageiros no âmbito das ondas gravitacionais (MÉSZÁROS et al., 2019). As ondas gravitacionais demonstraram que se tratava da fusão de estrelas de nêutrons (BNS), fornecendo uma medição de suas massas, a distância e fornecendo limites para a equação de estado das estrelas de nêutrons (ABBOTT et al., 2018), enquanto as medições de raios gama e raios X por Fermi e Swift mostraram que era um GRB curto fora do eixo (MÉSZÁROS et al., 2019; TROJA et al., 2017). 20 Figura 3.2: Descoberta multimensageira simultânea do LIGO, Virgo e Fermi da fusão binária de estrelas de nêutrons GW/GRB 170817. Fonte: Mészáros et al. (2019). As observações ópticas com vários telescópios detectaram também a presença da kilonova (SSS17a, agora com a identificação da IAU como AT2017gfo) descoberta na NGC4993, a cerca de 40 Mpc, pela equipe 1M2H menos de 11 horas após a fusão (ABBOTT et al., 2017e). Todos os detalhes referentes a observação do transiente gravitacional GW170817 e as contrapartes eletromagnéticas relacionadas a esse evento serão abordados em um capítulo a parte. Todavia, para uma compreensão mais abrangente do evento, a seguir, será discutida a importância das observações astronômicas realizadas no eletro- magnetismo. 3.1 Astronomia tradicional 3.1.1 Princípio eletromagnético Até meados do século XIX, pesquisas importantes envolvendo eletricidade e magnetismo já tinham sido realizadas, no entanto, com a perspectiva de que eram teorias distintas. Foi então que em 1820, Hans Christian Oersted demonstrou que a corrente elétrica de um fio podia afetar a agulha magnética de uma bússola (GRIFFITHS, 2023). Ele notou que toda vez que a corrente era ligada, a bússola se movia. Após isso, André-Marie Ampère mostrou que a interação entre a corrente em dois fios paralelos é magnética, postulando que todos os fenômenos magnéticos são decorrentes do movimento de cargas elétricas (VUKOVIC, 2014). Então, em 1831, Michael Faraday descobriu que um magneto em movi- mento gera uma corrente elétrica (GRIFFITHS, 2023). Faraday também realizou vários experimentos, determinou o comportamento de fenômenos elétricos e magnéticos, corrente elétrica e estabeleceu a ideia de campo eletromagnético e linhas de força (VUKOVIC, 2014; BYRNE, 2012). Por volta de 1800, William Herschel usou um prisma e um termômetro para medir a temperatura da luz colorida. Ele descobriu que a luz vermelha era mais quente do que a luz violeta no outro extremo do espectro visível. Ele também observou haver calor mensurável além da luz vermelha, mesmo que nenhuma luz visível estivesse presente. Ele havia descoberto a parte infravermelha do espectro eletromagnético (BYRNE, 2012). Por volta da mesma época, J. W. Ritter descobriu que o cloreto de prata reagia quando exposto à luz violeta, assim como ao que estava presente além da luz violeta visível; ele havia descoberto a luz ultravioleta (BYRNE, 2012). Em 1819, David Brewster descobriu que, ao colocar uma tensão em alguns tipos de vidro, era possível polarizar a luz. 21 Faraday, acreditando que tudo estava conectado de alguma forma, se perguntou se a luz também poderia ser afetada pela eletricidade. Seus experimentos com eletricidade falharam, então ele se voltou para o magnetismo. Em 1845, ele descobriu o efeito Faraday, ou o efeito magneto-óptico, de que o plano de polarização da luz poderia ser modificado por um campo magnético próximo (BYRNE, 2012). Faraday lançou as bases para o surgimento da teoria do eletromagnetismo de Maxwell (VUKOVIC, 2014). Maxwell raciocinou que, uma vez que uma corrente elétrica estabelece um campo magnético (B⃗) e um campo magnético em mudança cria um campo elétrico (E⃗), deveriam existir o que agora chamamos de ondas eletromagnéticas, à medida que esses dois tipos de campos avançam pelo espaço. Essas ondas obedeceriam a equações diferenciais parciais, chamadas de equações de Maxwell, expressas em por(VUKOVIC, 2014; BYRNE, 2012): ∇⃗ . E⃗ = ρ ϵ0 , (3.1) ∇⃗ . B⃗ = 0 , (3.2) ∇⃗ × B⃗ = µ0J⃗ + 1 c2 ∂ ∂t E⃗ , (3.3) ∇⃗ × E⃗ = − ∂ ∂t B⃗ , (3.4) onde ϵ0 é a constante de permissividade elétrica, µ0 é a permeabilidade magnética e J⃗ é a densidade de corrente. Encorajado por essas descobertas, Maxwell analisou as propriedades matemáticas das ondas eletro- magnéticas e descobriu que a velocidade de propagação dessas ondas era a mesma que a da luz, levando à conclusão de que a luz visível em si é um fenômeno eletromagnético, distinto de outras radiações eletromagnéticas apenas por sua frequência(BYRNE, 2012). A confirmação final da teoria do eletromagnetismo foi principalmente atribuída a Heinrich Hertz, um físico alemão, que aplicou as teorias de Maxwell à produção e recepção de ondas de rádio em 1888. 3.1.2 Observações eletromagnéticas As observações do fenômeno eletromagnético eram realizadas por meio de observação direta, sem instrumentos. Foi então que Galileu Galilei, em 1609, utilizou dispositivos ópticos conhecidos como telescópios, o que melhorou significativamente a capacidade de observação astronômica (CARROLL; OSTLIE, 2017). Posteriormente, houve evoluções nessas observações, como a utilização de espelhos ao invés de lentes, a utilização do designer de Ritchey-Chrétien (que utiliza um espelho primário hiperbólico ao invés de um parabólico), além de outras mudanças significativas na construção dos telescópios (CAR- ROLL; OSTLIE, 2017). Com os avanços no design de telescópios, e auxiliados pelo desenvolvimento de computadores de alta velocidade, permitiu-se construir telescópios de grande abertura. Além dos longos tempos de integração, os grandes tamanhos de abertura desempenham um papel importante na obtenção de um número suficiente de fótons para estudar uma fonte fraca (CARROLL; OSTLIE, 2017). Tradicionalmente, o olho humano e as placas fotográficas eram ferramentas utilizadas pelos as- trônomos para registro de imagens e espectros. Com o avanço tecnológico, o detector semicondutor conhecido como charge coupled device (CCD) revolucionou a maneira de como os fótons são contados. 22 Enquanto o olho humano tem uma eficiência quântica muito baixa de apro- ximadamente 1% (um fóton em cem é detectado), e as placas fotográficas têm desempenho apenas ligeiramente melhor, os CCDs são capazes de de- tectar quase 100% dos fótons incidentes. Além disso, os CCDs são capazes de detectar uma ampla gama de comprimentos de onda.(CARROLL; OS- TLIE, 2017) Visando contornar os problemas observacionais devido à interferência imposta pela atmosfera da Terra, a astronomia observacional também passou a ser realizada do espaço com uso de telescópios espaciais como o telescópio espacial Hubble e James Webb. Como mencionado anteriormente, a luz infravermelha foi descoberta em 1800, mas a primeira observação astronômica no espectro infravermelho foi realizada em 1856 por Charles Piazzi Smyth que detectou a lua cheia no infravermelho utilizando um termopar. Thomas Alva Edison também investigou o infravermelho, utilizando um instrumento chamado de Tasímetro, no qual tentou medir a temperatura da coroa solar (WALKER, 2000). As ondas infravermelhas possuem comprimentos de onda mais longos que a luz visível, podendo passar por regiões com altas densidades de gás e poeira no espaço com menos perdas de informações, revelando objetos no universo que não podem ser vistos na luz visível por meio de telescópios ópticos. Entretanto, apenas uma parte da região do infravermelho pode ser observada a partir solo (WALKER, 2000). O Telescópio Espacial James Webb possui três instrumentos infravermelhos: Near-IR Camera, a Near-IR Spectrograph e a near-IR Tunable Filter Imager e visa estudar o fim da era das trevas, identificar as primeiras fontes luminosas a se formarem e determinar a história de ionização do universo primitivo (GARDNER et al., 2006). Em 1931, Karl Jansky estava conduzindo experimentos relacionados à produção de estática em comprimentos de onda de rádio provenientes de tempestade. Durante o experimento, Jansky percebeu que parte da estática em seu receptor era proveniente de fontes externas e em 1935 concluiu que grande parte do sinal que estava medindo tinha origem no plano da Via Láctea. O trabalho de Jansky representou o nascimento da radioastronomia (CARROLL; OSTLIE, 2017). Uma das descobertas mais famosas da radioastronomia ocorreu em 1967, quando Jocelyn Bell realizou a primeira observação de um pulsar com a utilização de um radiotelescópio (BURNELL, 2017). Em comprimentos de onda cada vez menores, as astronomias de raios-X e gama fornecem informa- ções sobre fenômenos muito energéticos, como processos de reações nucleares e os ambientes ao redor de buracos negros (CARROLL; OSTLIE, 2017). A primeira indicação de que os raios-X cósmicos existem surgiu em 1949, quando detectores de radiação a bordo de foguetes foram brevemente levados acima da atmosfera, onde detectaram raios-X provenientes do Sol. Levou mais uma década até que um detector aprimorado descobrisse raios-X vindos de origem extra-solar, provenientes de estrelas de nêutrons e buracos negros (GIACCONI, 1974). O primeiro telescópio imageador de raios-X foi construído por uma equipe de cientistas sob a direção de Riccardo Giacconi na American Science and Engineering. Como descrito por Giacconi (1974), ele foi lançado em um pequeno foguete de sondagem em 1963 e fez imagens rudimentares de pontos quentes na atmosfera superior do Sol. Por fim, os raios gama têm os comprimentos de onda mais curtos e a maior energia de qualquer onda no espectro eletromagnético. Eles são produzidos pelos objetos mais quentes e energéticos do universo, como estrelas de nêutrons e pulsares, explosões de supernovas e regiões ao redor de buracos negros. Dentre as fontes da radiação gama está o Gamma-Ray Burst (GRB). Os GRBs são os eventos 23 Figura 3.3: Uma amostra de telescópios operando em diferentes comprimentos de onda do espectro eletromagnético. Os observatórios são posicionados acima ou abaixo da porção do espectro eletromag- nético que seus instrumentos principais observam. Fonte: https://imagine.gsfc.nasa.gov/science/toolbox/emspectrumobservatories1.html. eletromagnéticos mais energéticos e luminosos do universo. Esses eventos podem perdurar alguns segundos, apresentam curvas de luminosidade altamente variáveis e, enquanto ativos, ofuscam todas as outras fontes de raios gama no céu, inclusive o Sol (MESZAROS, 2006). O evento GRB 170817A foi fundamental na observação do evento GW170817 pela ótica astronomia multimensageira. Sua detecção simultânea com as ondas gravitacionais forneceu a oportunidade de estudar um único evento astronômico por meio de diferentes mensageiros. Os instrumentos que examinam todas as partes do espectro eletromagnético estiveram disponíveis apenas no século XX, pois a era da exploração se faz necessária para obter instrumentos sensíveis aos comprimentos de onda do infravermelho, ultravioleta, raios X e raios gama acima da Terra (CARROLL; OSTLIE, 2017). Na Figura 3.3, é apresentado cada observatório com seu respectivo comprimento de onda. Os observatórios representados são: HESS, Fermi e Swift para raios gama; NuSTAR e Chandra para raios X; GALEX para ultravioleta; Kepler, Hubble, Keck (I e II), SALT e Gemini (Sul) para visível; Spitzer, Herschel e Sofia para infravermelho; Planck e CARMA para micro-ondas; Spektr-R, Greenbank e VLA para rádio. 24 https://imagine.gsfc.nasa.gov/science/toolbox/emspectrum_observatories1.html 4 O evento GW170817 Em 17 de agosto de 2017, às 12h41min04s UTC, os detectores de ondas gravitacionais Advanced LIGO e Advanced Virgo fizeram sua primeira observação de uma fusão de estrelas de nêutrons (AB- BOTT et al., 2017b). O sinal detectado de ondas gravitacionais (GW170817), com uma duração de aproximadamente 100 segundos, foi seguido por um short Gamma-Ray Burst (sGRB) (GRB170817A) e um transiente óptico brilhante (SSS17a/AT 2017gfo) (ABBOTT et al., 2017e). A associação do GW170817 com o GRB170817A, detectado de forma independente pelo Fermi-GBM e INTEGRAL em aproximadamente 1,7 s após a coalescência, forneceu a primeira evidência direta de uma ligação entre essas fusões e os short GRBs (ABBOTT et al., 2017b; MESZAROS, 2006). A identificação subsequente de outras contrapartes eletromagnéticas em várias faixas espectrais corroborou com essa interpretação. A fonte foi detectada em todo o espectro eletromagnético - nas bandas de raios-X, ultravioleta, óptica, infravermelho e rádio - provenientes da galáxia NGC4993, localizada dentro de uma região do céu de 28 deg2 (90% de probabilidade) e com uma distância de luminosidade de 40+8 −14Mpc (ABBOTT et al., 2017b). Essas observações apoiam a hipótese de que o GW170817 foi produzido pela fusão de duas estrelas de nêutrons em NGC4993, seguido por um short Gamma-ray burst (GRB 170817A) e uma kilonova/macronova (ABBOTT et al., 2017e). 4.1 Fonte gravitacional - GW170817 Em 1º de agosto de 2017, o interferômetro Advanced Virgo se uniu aos dois detectores Advanced LIGO perto do final da janela de observação O2, permitindo a primeira observação de uma coalescência de buracos negros (BBH) com três detectores, realizada em 14 de agosto (ABBOTT et al., 2017d). Nessa ocasião, os detectores operantes eram os dois detectores LIGO com 4 km de braço, localizados nos EUA – um em Livingston, Louisiana, e outro em Hanford, Washington – enquanto o Virgo, um detector com braços de 3 km localizado próximo a Pisa, na Itália (ABBOTT et al., 2017d). Poucos dias depois, em 17 de agosto, outro marco importante na história da pesquisa de ondas gravitacionais ocorreu: três interferômetros detectaram um sinal de ondas gravitacionais proveniente de dois objetos compactos de baixa massa, sendo a primeira observação direta de ondas gravitacionais consistente com a coalescência de estrelas de nêutrons (ABBOTT et al., 2017b). O sinal gravitacional foi inicialmente identificado no detector LIGO-Hanford, por meio de uma busca de baixa latência utilizando o matched-filtering, método que será discutido na seção 5.3, com formas de onda pós-newtonianas (ABBOTT et al., 2017b). O evento não gerou um trigger online no detector LIGO-Livingston, devido à proximidade temporal de um glitch, que pôde ser removido utilizando técnicas de filtragem na análise offline. Será discutido como removê-lo na seção 5.5. Em Abbott et al. (2017b), foi afirmado que a distância máxima de detecção em 2017 era de 218 Mpc para o LIGO-Livingston, 107 Mpc para o LIGO-Hanford e 58 Mpc para o Virgo, considerando um SNR = 8. Os resultados obtidos por Abbott et al. (2017b) mostram que o evento GW170817 foi localizado a aproximadamente 40 Mpc, estando, portanto, dentro do horizonte de detecção dos três interferômetros. Os valores de SNR nos detectores LIGO-Livingston, LIGO-Hanford e Virgo foram, respectivamente, 26,4, 18,8 e 2,0 (ABBOTT et al., 2017b; ABBOTT et al., 2017c). Como descrito em Abbott et al. (2017b), o SNR combinado entre os três detectores foi de 32.4, tornando-o o sinal mais forte observado até então. O detector GEO600 estava operando na época, mas apresentava sensibilidade insuficiente para contribuir com a análise da inspiral (ABBOTT et al., 2017b). 25 É possível realizar uma inspeção visual utilizando uma representação tempo-frequência dos dados já processados dos três detectores próximos ao momento do trigger, conforme mostrado na Figura 4.1. O tempo GPS da coalescência (TGW 0 ), correspondente ao trigger do evento GW170817, foi estimado em 1187008882.430+0.002 −0.002 s (ABBOTT et al., 2017b). Figura 4.1: Representações tempo-frequência dos dados processados, sem a presença do glitch, contendo o evento de ondas gravitacionais GW170817, observados pelos detectores LIGO-Hanford (cima), LIGO- Livingston (meio) e Virgo (baixo). Os tempos estão mostrados em relação a 17 de agosto de 2017, 12:41:04 UTC. Fonte: Abbott et al. (2017b). Note que, pela Figura 4.1, o sinal é visível nos dados do LIGO-Hanford e do LIGO-Livingston. O sinal varreu a largura de banda dos interferômetros por cerca de 100 s, entrando na faixa de detecção dos detectores a uma frequência de cerca de 24 Hz, e é visível até cerca de 400 Hz (vide Figura 4.1) (ABBOTT et al., 2017b). Entretanto, o sinal não é visível nos dados do Virgo porque o sinal chegou próximo a uma direção cega do detector. Como descrito por Abbott et al. (2017b): “O sinal não é visível nos dados do Virgo devido ao horizonte BNS menor e à direção da fonte em relação ao padrão da antena 26 (resposta angular) do detector”. O baixo valor do SNR no Virgo, em comparação com sua distância de horizonte para um sinal desse tipo, forneceram informações que melhoraram significativamente a localização do evento (ABBOTT et al., 2017b; MAGGIORE, 2018). Um breve transiente de ruído instrumental foi observado no detector LIGO-Livingston 1,1 segundos antes do tempo de coalescência do evento GW170817, como mostrado na Figura 4.2. Esse transiente, conhecido como glitch, causou uma saturação muito breve (menos de 5 ms) no conversor digital- analógico do sinal de feedback que controla a posição das massas de teste, e sua causa permanece desconhecida (ABBOTT et al., 2017b). Figura 4.2: No painel superior, uma representação tempo-frequência dos dados brutos usados na identificação inicial do GW170817 mostra a trilha do evento, apesar do glitch, que ocorre 1,1 s antes do tempo de coalescência, marcado em 0,4 s. No painel inferior, os dados de strain brutos (curva laranja) exibem o glitch no domínio do tempo. Fonte: Abbott et al. (2017b). Para mitigar os efeitos desse glitch nos resultados, os dados foram corrigidos multiplicando-os por uma janela inversa de Tukey, que zerou as informações ao redor do glitch (USMAN et al., 2016). Em seguida, uma filtragem adicional removeu contribuições terrestres, como os harmônicos de 60 Hz da rede elétrica e ruídos de calibração. Para determinar com precisão as propriedades do GW170817, o glitch foi modelado e subtraído dos dados por meio de uma reconstrução por wavelet, mostrado na Figura 4.2 em azul, no domínio tempo-frequência (ABBOTT et al., 2017b). A combinação dos dados do LIGO e Virgo permitiu uma localização precisa da fonte, dentro de uma região de 28 deg2 (região de credibilidade de 90%), mostrada em verde na Figura 4.3 , enquanto 27 uma primeira localização rápida, utilizando apenas os dois detectores LIGO, resultou em uma área de 190 deg2. Figura 4.3: O contorno de 90% para o mapa final de localização no céu do LIGO-Virgo é mostrado em verde. A localização de busca direcionada de 90% do Fermi/GBM é sobreposta em roxo. O anel de 90% determinado com informações de sincronização do Fermi e INTEGRAL é sombreado em cinza. O recorte ampliado também mostra a posição do transiente óptico, marcado como uma estrela amarela. Fonte: Abbott et al. (2017c). O grande número de ciclos de inspiral permitiu a determinação precisa da massa chirp (M). A massa chirp determina a forma de onda gravitacional durante a fase de inspiral da coalescência da binária (FINN; CHERNOFF, 1993; ABBOTT et al., 2017b), expressa como M = (m1 ·m2) 3/5 (m1 +m2)1/5 . (4.1) onde m1 e m2 são as respectivas massas de cada corpo no sistema. A partir do sinal do GW170817, a massa chirp do sistema foi medida no referencial do detector como M = 1.1977+0.0003 −0.0008M⊙ (ABBOTT et al., 2017c). Além disso, a energia irradiada em ondas gravitacionais durante o inspiral foi estimada em 0.025M⊙c 2 (ABBOTT et al., 2017b). Com os dados observados, foi possível inferir, com um intervalo de credibilidade de 90%, as massas dos componentes. Considerando m1 ≥ m2 (por convenção) e o parâmetro admensional de rotação (χ) com magnitudes de até 0.89 (priori de alta rotação) (ABBOTT et al., 2017e), adquiriu-se: m1 ∈ (1.36, 2.26)M⊙ e m2 ∈ (0.86, 1.36)M⊙, com uma massa total 2.82+0.09 −0.47M⊙. Quando a priori de rotação adimensional é restrita a χ ≤ 0.05 (priori de baixa rotação), as mas- sas dos componentes medidas são m1 ∈ (1.36, 1.60)M⊙ e m2 ∈ (1.17, 1.36)M⊙, e a massa total é 2.74+0.01 −0.04M⊙. A partir das inferências de M e χ, a medida das massas dos componentes é mostrada na Figura 4.4. Este resultado é consistente com as massas de NS conhecidas. 28 Figura 4.4: Distribuição posterior bidimensional das massas m1 e m2 no referencial do sistema para cenários de baixa rotação (|χ| < 0.05, azul) e alta rotação (|χ| < 0.89, vermelho). Os contornos coloridos representam 90% da probabilidade da função densidade de probabilidade posterior conjunta. Fonte: Abbott et al. (2017b). A distância até a galáxia onde ocorreu o evento GW170817 é obtida através da lei de Hubble, que relaciona a velocidade de recuo da galáxia à sua distância. A equação de Hubble pode ser expressa como: v = H0 · d (4.2) onde v é a velocidade do fluxo de Hubble da galáxia hospedeira (3017± 166 km s−1), H0 é a constante de Hubble e d é a distância até a galáxia. Utilizando as duas medições atuais da constante de Hubble, H0 = 67.4 ± 0.5 km s−1Mpc−1 (inferida a partir das observações de anisotropias da radiação cósmica de fundo em microondas pelo Planck, assumindo o modelo ΛCDM) e H0 = 73.5 ± 1.4 km s−1Mpc−1 (medição pelo projeto SH0ES, que estendeu a escada de distância local usando supernovas tipo Ia) (RAMEEZ; SARKAR, 2021; HU; WANG, 2023), obtemos uma faixa combinada de (42.9±3.2)Mpc para a distância até a galáxia hospedeira. Essa faixa é consistente com a distância de 40+14 −8 Mpc determinada apenas com dados de GW, o que torna o GW170817 o evento GWmais próximo já observado (ABBOTT et al., 2017b; ABBOTT et al., 2017c; ABBOTT et al., 2017e; ABBOTT et al., 2019). 4.2 GRB170817a Às 12:41:06 UTC, Fermi Gamma-ray Burst Monitor (GBM) detectou o GRB170817A, observado na Figura 4.5 (GOLDSTEIN et al., 2017). Em seguida, os resultados foram transmitidos para as co- laborações em questão de segundos, por meio da General Coordinates Network (GCN), seguindo o procedimento padrão para as outras observações de GRB (GOLDSTEIN et al., 2017). Entretanto, esta observação, em particular, foi diferente em um aspecto importante: a observação de um transiente de GW coincidente detectada pelo Advanced LIGO e Advanced Virgo ocorrendo aproximadamente 1.7s 29 antes do disparo do Fermi GBM (ABBOTT et al., 2017b), marcando a primeira observação conjunta de mensageiros eletromagnéticos e gravitacionais (EM-GW) na história (ABBOTT et al., 2017e). Figura 4.5: Dados observados do Fermi-GBM. Fonte: Goldstein et al. (2017). Para detecção, o Fermi GBM capta fótons por meio de tubos fotomultiplicadores, convertendo os sinais de luz em sinais eletrônicos, conhecidos como contagens, que podem corresponder tanto a raios gama quanto a partículas carregadas, sendo fundamentais para a análise desses eventos astrofísicos (GOLDSTEIN et al., 2017). Na Figura 4.5, é apresentada a curva de luz do GRB 170817A, com intervalos de 256 ms, na faixa de energia de 50 a 300 keV, observada pelo Fermi GBM. A linha azul ilustra a taxa de contagem de fótons (raios gama) ao longo do tempo durante o evento, enquanto a faixa vermelha representa a estimativa de máxima verossimilhança de Poisson para o nível de fundo do detector, sem binagem (GOLDSTEIN et al., 2017). Como é possível visualizar na Figura 4.5, a detecção de um pico acentuado nas contagens por segundo, seguido por uma rápida queda, o que é característico da presença de um GRB, confirmando sua ocorrência (GOLDSTEIN et al., 2017) Outro instrumento de detecção de raios gama, o International Gamma-Ray Astrophysics Laboratory (INTEGRAL/SPI-ACS), também detectou o GRB170817, pesquisando a curva de luz do SPI-ACS usando cinco escalas de tempo de 0.1 a 10 segundos, dentro de uma janela de 30 segundos antes e depois do tempo de GW170817. Em uma escala de tempo de 100 milissegundos, foi detectado apenas um excesso significativo com uma razão sinal-ruído de 4.6. Esse excesso começou a ser registrado em TGW 0 + 1.9 s, onde TGW 0 representa o momento exato da fusão do sistema binário, indicando que o sinal foi detectado 1,9 segundos após o evento de GW170817, conforme apresentado na Figura 4.6 (SAVCHENKO et al., 2017; MÉSZÁROS et al., 2019). A correção para o sistema geocêntrico assume a localização do transitório óptico, resultando em um atraso na chegada do sinal ao INTEGRAL de 148.96 ms (SAVCHENKO et al., 2017). 30 Figura 4.6: Dados observados do INTEGRAL. Fonte: Savchenko et al. (2017). As análises do gatilho do Fermi-GBM determinaram que a duração do GRB 170817A foi de T90 = 2.0 ± 0.5 segundos, definido como o intervalo em que 90% da fluência total é detectada, entre 5% e 95%, na faixa de 50 − 300 keV. O T90 é uma métrica usada para descrever a duração de um GRB, definida como o intervalo de tempo durante o qual 90% da energia total emitida é detectada, sendo utilizada para classificar GRBs como curtos(sGRB) ou longos(long GRB) (GOLDSTEIN et al., 2017). Esse valor, calculado a partir de 0,192 segundos antes do tempo do TGW 0 , classificou o GRB 170817A como um sGRB (ABBOTT et al., 2017e; GOLDSTEIN et al., 2017). O GRB teve um pico de fluxo de fótons medido em uma escala de tempo de 64 ms de 3.7±0.9 fótons s−1cm−2 e uma fluência durante o intervalo T90 de (2.8±0.2)×10−7 erg cm−2 (10-1000 keV). Usando os parâmetros espectrais do pico principal do Fermi-GBM e o intervalo T90, a fluência integrada medida pelo INTEGRAL SPI-ACS é (1.4 ± 0.4) × 10−7 erg cm−2 (75-2000 keV), compatível com o espectro Fermi-GBM. Como o SPI-ACS é mais sensível acima de 100 keV, ele detecta apenas a parte de maior energia do pico principal perto do início do sinal Fermi-GBM mais longo (ABBOTT et al., 2017c). A detecção do Fermi GBMmostrou dois componentes aparentemente distintos. O pulso de disparo, que durou cerca de meio segundo e está dentro das distribuições usuais de observadores para sGRBs do Fermi GBM, é mais curto e espectralmente mais rígido do que a subsequente emissão mais suave e mais fraca, que dura alguns segundos (GOLDSTEIN et al., 2017). As curvas de luz somadas do Fermi GBM dos detectores relevantes em dois intervalos de energia, selecionados para mostrar os dois componentes distintos, são mostradas na Figura 4.7, assim como a representação tempo-frequência dos dados do LIGO contendo GW170817 (ABBOTT et al., 2017e).A detecção de GRB170817A desencadeou uma campanha de observações de contrapartes EM que levaram à identificação de NGC4993 como a galáxia hospedeira de GW170817/GRB 170817A (ABBOTT et al., 2017e). 31 Figura 4.7: Detecção conjunta e multimensageira de GW170817 e GRB 170817A: acima, curva de luz somada do GBM para os detectores de GRB 170817A entre 10 e 50 keV, com estimativa de fundo sobreposta em vermelho; segundo, mesma curva, mas na faixa de energia de 50-300 keV; terceiro, curva de luz do SPI-ACS com energia iniciando em cerca de 100 keV e limite de alta energia de pelo menos 80 MeV. Abaixo, mapa tempo-frequência de GW170817, combinando dados de LIGO-Hanford e LIGO-Livingston, referenciado ao tempo de gatilho de GW170817, TGW 0 . Fonte: Abbott et al. (2017c). Análises físicas subsequentes às observações permitiram restringir a diferença entre as velocidades das ondas gravitacionais (vGW ) e das ondas eletromagnéticas (vEM ). Considerando a distância percor- rida pelo sinal, estimada em 26Mpc, que corresponde ao limite inferior do intervalo de credibilidade de 90% para a distância de luminosidade derivada do sinal de ondas gravitacionais, segundo ??), e assumindo que o pico do sinal de ondas gravitacionais e os primeiros fótons foram emitidos simulta- neamente, a diferença de tempo observada de +1.74 ± 0.05 s foi utilizada para determinar um limite superior para ∆v. Por outro lado, admitindo que o sinal eletromagnético foi emitido até 10 segundos após o sinal de ondas gravitacionais, um limite inferior para ∆v foi estabelecido. Assim, a diferença fracional de velocidade foi restringida ao intervalo: −3× 10−15 ≤ ∆v vEM ≤ +7× 10−16, (4.3) onde ∆v = vGW − vEM (ABBOTT et al., 2017c). Conforme descrito por Abbott et al. (2017c), esse 32 resultado demonstra a consistência entre as velocidades da gravidade e da luz em uma precisão ex- tremamente alta (ABBOTT et al., 2017c). Além disso, o impacto da dispersão no meio intergaláctico sobre a velocidade dos fótons de raios gama foi considerado insignificante, com atrasos de propagação muitas ordens de magnitude menores do que os erros associados a vGW (ABBOTT et al., 2017c). 4.3 Kilonovae e r-process A fusão de binárias de estrelas de nêutrons (BNS) e buraco negro-estrela de nêutrons (BHNS) também podem ser acompanhadas por um contraponto mais isotrópico, comumente conhecido como kilonova (ou, menos comumente, macronova) (METZGER, 2020). Kilonovas são transientes térmicos semelhantes a supernovas, com duração de dias a semanas, alimentados pela decomposição radioativa de elementos pesados ricos em nêutrons sintetizados na expansão da matéria ejetada pela fusão (ejecta) (METZGER, 2020). A primeira constatação refere-se à forma como os elementos ainda mais pesados são sintetizados. Esse processo ocorre por meio de uma sequência de capturas de nêutrons, seguido por decaimento beta (β). Os primeiros trabalhos que evidenciaram a necessidade de um evento que proporcionasse esse tipo de ambiente rico em nêutrons foram realizados por Burbidge et al. (1956) e Cameron (1957). Ambos notaram que aproximadamente metade dos elementos mais pesados que o ferro são formados pela captura de nêutrons por núcleos de elementos mais leves, como o próprio ferro, em um ambiente denso onde esses nêutrons são abundantes e a taxa de captura supera o tempo de decaimento β. Esse processo é conhecido como r-process (METZGER, 2020). Como descrito por Metzger & Berger (2012), embora o r-process em si dure apenas alguns segundos, e