Guilherme Henrique Poli de Oliveira TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO Araçatuba 2016 ii TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO Araçatuba 2016 Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, campus de Araçatuba, para obtenção do grau de Médico Veterinário. Aluno: Guilherme Henrique Poli de Oliveira. Supervisora: Prof.ª Ass. Dr.ª Adelina Maria da Silva. iii ENCAMINHAMENTO Encaminhamos o presente Trabalho de Conclusão de Curso, para que o Conselho de Estágios Curriculares tome as providências cabíveis. _______________________________________ Guilherme Henrique Poli de Oliveira ________________________________________ Adelina Maria da Silva ARAÇATUBA Novembro de 2016 iv SUMÁRIO TRABALHO CIENTÍFICO 1. RESUMO ............................................................................................................... 1 2. INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 2 3. MATERIAL E MÉTODOS ...................................................................................... 5 4. RESULTADOS ...................................................................................................... 6 5. DISCUSSÃO ........................................................................................................ 10 5.1 EFICÁCIA DOS MÉTODOS DE DIAGNÓSTICO ......................................... 10 5.2 EFICÁCIA DOS MÉTODOS TERAPÊUTICOS ............................................ 13 6. CONCLUSÃO ...................................................................................................... 17 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................... 18 RELATÓRIO DE ESTÁGIO SUPERVISIONADO 1. DESCRIÇÃO DOS LOCAIS DE ESTÁGIO E ATIVIDADES DESENVOLVIDAS.....................................................................................................21 HOSPITAL VETERINÁRIO ANHEMBI MORUMBI ........................................ 21 HOSPITAL VETERINÁRIO DA FACULDADE DE MEDICINA VETERINÁRIA E ZOOTECNIA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ........................................... 23 HOSPITAL VETERINÁRIO ARCA DE NOÉ .................................................. 27 2. RELATOS DE CASO ............................................................................................ 30 CASO CLÍNICO 1 .......................................................................................... 30 CASO CLÍNICO 2 .......................................................................................... 37 CASO CLÍNICO 3 .......................................................................................... 46 v CASO CLÍNICO 4 .......................................................................................... 54 CASO CLÍNICO 5 .......................................................................................... 61 3. RECOMENDAÇÕES E CONCLUSÕES ............................................................... 66 4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................... 67 1 EFICÁCIA DOS MÉTODOS DE DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO NO DESLOCAMENTO DE RETINA EM CÃES: REVISÃO SISTEMÁTICA OLIVEIRA, G. H. P., SILVA, A. M. 1. RESUMO Objetivos: esta revisão sistemática tem como objetivo avaliar e comparar a eficácia dos diferentes métodos de diagnóstico e tratamento do descolamento de retina em cães. Material e métodos: análise e comparação de artigos científicos retrospectivos e prospectivos sobre métodos de diagnóstico e tratamento do descolamento de retina em cães, publicados nas bases de dados informatizadas PubMed, LILACS, SciELO e no Portal de Periódicos da CAPES. Resultados: foram selecionados dez artigos que eram adequados a elucidar o tema proposto, seis sobre métodos diagnósticos e quatro sobre métodos terapêuticos, publicados a partir de 2007 nas línguas inglesa e portuguesa para compor a discussão e a conclusão desta revisão. Conclusão: a associação da oftalmoscopia com a tomografia de coerência óptica ou com o teste de reflexo pupilar à luz cromática é o padrão ouro para o diagnóstico de descolamento de retina em cães e a resolução da doença é exclusivamente cirúrgica, com o tamponamento com óleo de silicone e perfluoroctano líquido (PFO) através da vitrectomia via “pars plana”. PALAVRAS-CHAVE: retinopatia, diagnóstico oftálmico, oftalmologia veterinária. 2 2. INTRODUÇÃO A retina é a estrutura ocular primariamente responsável pela visão. Nos mamíferos ela é histologicamente dividida em 10 camadas: epitélio pigmentado, camada de fotorreceptores (cones e bastonetes), membrana limiante externa, camada nuclear externa, camada plexiforme externa, camada nuclear interna, camada plexiforme interna, camada de células ganglionares, camada de fibras nervosas ópticas e membrana limiante interna, do exterior ao centro do vítreo respectivamente. Ela possui uma rede de fotorreceptores, neurônios e células da glia que, conjuntamente, possibilitam a transformação da informação luminosa em impulso nervoso (SLATTER, 2005). Como a maioria dos tecidos neurais, a retina tem capacidade de regeneração diminuída ou mesmo inexistente, limitando o tratamento de muitas afecções, o que constitui um grande risco à sua integridade e consequente perda da visão (SLATTER, 2005; VEIGA et al., 2012). O descolamento de retina é comum em cães e apresenta grandes desafios para o oftalmologista veterinário (VAINISI E WOLFER, 2004). O descolamento de retina é definido pela separação da retina neurossensorial de seu epitélio pigmentado (VAINISI E WOLFER, 2004). Esse afastamento geralmente ocorre entre a camada fotorreceptora e o epitélio pigmentado, e este último da sua fonte de nutrição na coroide (SLATTER, 2005), ficando esse espaço preenchido por líquido subretiniano, que migra através de uma descontinuidade da camada neurossensorial (MAIA et al., 2007). Há dois tipos de descolamento de retina em relação à sua fisiopatologia, o regmatogênico primário ou secundário e o não-regmatogênico, que é subdividido em seroso e tracional (ITOH et al., 2010; VAINISI E WOLFER, 2004). O regmatogênico ocorre através da entrada de humor vítreo no espaço subretiniano, através de roturas presentes na retina (ITOH et al., 2010; VAINISI E WOLFER, 2004), sendo que, o primário é geralmente precedido por alterações ou degenerações vítreas e o secundário é resultado principalmente de traumas ou glaucoma (GELATT et al., 2007). No descolamento de retina não-regmatogênico não há roturas retinianas, sendo que no tipo seroso, há acúmulo de fluido decorrente de doenças na barreira hemato-retiniana ou decorrente de hipertensão vascular (VAINISI E WOLFER, 2004). Forças de tração exercidas sobre a retina, ocasionadas pela presença de 3 tecido fibrovascular ou componentes inflamatórios dentro da cavidade vítrea podem levar à formação do descolamento do tipo tracional (ITOH et al., 2010). Em cães com distúrbios congênitos (displasia retiniana, anomalia do olho do Collie e anomalias congênitas múltiplas), neoplasia intraorbitária com aumento da pressão extraocular, inflamação intraocular grave, uveíte lente-induzida, endoftalmite, submetidos a procedimentos de facoemulsificação ou crioablação do corpo ciliar, pode ocorrer, em segunda instância, o descolamento de retina (GELATT et al., 2007; SLATTER, 2005). Não há predisposição racial, porém é muito frequente encontrar na literatura artigos que relatam a doença em Shih-Tzu, Bichon Frisê, Labrador Retriver e em Boston Terrier (ITOH et al., 2010; PRYOR et al., 2015; SPATOLA et al., 2015). Quando o descolamento de retina é extenso ou total, o sinal clínico predominante é a perda da visão repentina (SLATTER, 2005). Aumento da pressão sistólica, aumento da pressão intraocular e sinais clínicos do glaucoma como a buftalmia, são alterações comumente associadas ao descolamento de retina (SLATTER, 2005; VEIGA et al., 2012). Aderência da retina à lente (VEIGA et al., 2012), aparência de uma estrutura branca e móvel por trás da lente e vasos retinianos claramente evidentes através da pupila (SLATTER, 2005), são outros sinais relacionados ao descolamento de retina em cães. Itoh et al. (2010) relataram que degeneração vítrea e degeneração retiniana com hiperrefletividade do fundo tapetal com ou sem atenuação dos vasos retinianos, são alterações facilmente observáveis através da oftalmoscopia em cães com essa enfermidade. A oftalmoscopia direta ou indireta está entre os principais métodos usados no dia-a-dia para o diagnóstico do descolamento de retina em cães (GALLHOEFER et al., 2013; GRAHN et al., 2008; ITOH et al., 2010; LABRUYERE et al., 2011). Mesmo não estando comumente ligados à prática clínica, a histopatologia (GALLHOEFER et al., 2013; LABRUYERE et al., 2011), a tomografia de coerência óptica (SAFATLE et al., 2015) e o teste de reflexo pupilar à luz cromática (GROZDANIC et al., 2013) também são eficazes no diagnóstico do descolamento de retina em cães. O tratamento clínico consiste na administração de corticoides com alta atividade glicocorticoide e baixa atividade mineralocorticoide (GRAHN et al., 2007; SLATTER, 2005), antibioticoterapia sistêmica de amplo espectro e medicamentos 4 que possam tratar sintomas que porventura venham a surgir com a cronicidade do descolamento (SLATTER, 2005). A vitrectomia via “pars plana” e a retinopexia com endolaser são os principais procedimentos cirúrgicos utilizados no tratamento do descolamento de retina em cães (PRYOR et al., 2015; SPATOLA et al., 2015; STEELE et al. 2012). Esta revisão sistemática tem como objetivo avaliar e comparar a eficácia dos diferentes métodos de diagnóstico e tratamento do descolamento de retina em cães. 5 3. MATERIAL E MÉTODOS A presente revisão sistemática foi realizada pela análise e comparação de artigos científicos com o objetivo de responder a pergunta: Qual a eficácia dos métodos de diagnóstico e tratamento no descolamento de retina em cães? O levantamento bibliográfico ocorreu no período de janeiro a abril de 2016, em banco de dados informatizados PubMed, LILACS, SciELO e no Portal de Periódicos da CAPES. Os descritores utilizados para a seleção dos artigos foram (retinal detachment) AND (diagnosis OR treatment) AND (dogs), na língua inglesa e (descolamento de retina) AND (cães), na língua portuguesa. A partir da busca, foram encontrados 182 artigos relacionados ao tema. A inclusão dos artigos nesta revisão foi definida através da análise dos títulos e resumos que abordassem o tema principal. Foram selecionados 10 artigos que descreviam estudos retrospectivos ou prospectivos sobre métodos diagnósticos ou terapêuticos do descolamento de retina em cães para compor os resultados, redigidos em inglês ou em português, datando de 2007 a 2015. A confiabilidade metodológica dos artigos que compõem os resultados foi definida com base nos critérios utilizados por Cook et al. (1995). Ainda, com o objetivo de enriquecer a introdução e a discussão, textos de revisão de literatura e livros foram consultados e incluídos nesta revisão. 6 4. RESULTADOS Dos artigos selecionados, dez eram adequados a elucidar o tema proposto da eficácia dos métodos de diagnóstico e tratamento do descolamento de retina em cães. As informações sobre esses trabalhos foram dispostos nas tabelas 1 e 2. Tabela 1. Relação dos artigos que abordaram métodos diagnósticos no descolamento de retina em cães. Autor Ano País Tipo de estudo Confiabilidade Metodológica Objetivo do estudo Número de animais e sexo Número de olhos Idade (anos) Tipo de descolamento Método(s) diagnóstico(s) Conclusão Grahn et al. 2008 Canadá Prospectivo V (estudo caso controle) Documentar as manifestações clínicas, desenvolvimento, progressão e modo de herança da retinopatia em cães Coton de Tulear. 30 cães (7 machos e 23 fêmeas). 60 0 - 7 Seroso Eletrorretinografia (ERG), angiofluoresceinografia, angiografia com indocianina verde, ultrassonografia e tomografia de coerência óptica (OCT). Na ERG não houve diferença estatística entre os animais controle e os afetados; angiofluoresceinografia e angiografia com indocianina verde foram ineficazes e a ultrassonografia e OCT mostraram-se eficazes. Itoh et al. 2010 Japão Prospectivo V (estudo caso controle) Investigar alterações oculares e relacionar com o descolamento de retina regmatogênico em Shih-Tzu. 49 cães (27 machos e 22 fêmeas). 49 1 – 14 Regmatogênico Oftalmoscopia, ultrassonografia e ERG. A oftalmoscopia e a eletrorretinografia mostram ser eficazes no diagnóstico de cães com descolamento de retina e degeneração retiniana, respectivamente. Labruyere et al. 2011 França Prospectivo V (estudo caso controle) Avaliar a ultrassonografia contrastada e Doppler colorido para a detecção de vascularização persistente em descolamento de retina. 14 (12 cães e 2 gatos)* 22 - - Oftalmoscopia, histopatologia após enucleação, ultrassonografia contrastada, Doppler colorido e ultrassonografia modo B em escala de cinza. A ultrassonografia modo B em escala de cinza pode ser utilizada na maior parte dos casos para diagnosticar o descolamento de retina. 7 Tabela 1. Continuação - Relação dos artigos que abordaram métodos diagnósticos no descolamento de retina em cães. Autor Ano País Tipo de estudo Confiabilidade metodológica Objetivo do estudo Número de animais e sexo Número de olhos Idade (anos) Tipo de descolament o Método(s) diagnóstico(s) Conclusão Grozdanic et al. 2013 Estados Unidos da América Prospectivo V (estudo caso controle) Desenvolver teste rápido e confiável de rotina para o diagnóstico de doenças retinianas e do nervo óptico com base na resposta do reflexo pupilar à luz cromática 13 cães * 26 - - Oftalmoscopia, ERG, ultrassonografia e teste de reflexo pupilar à luz cromática. A avaliação do reflexo pupilar à luz cromática mostrou ser um teste rápido e preciso para o diagnóstico de doenças da retina e do nervo óptico em cães. Gallhoefer et al. 2013 Suiça e Estados Unidos da América Retrospectivo VI (série de casos) Comparar a ultrassonografia e o histopatológico no diagnóstico de doenças oculares. 113 (77 cães, 19 equinos e 17 gatos)* 116 - - Ultrassonografia e histopatologia O descolamento de retina não foi identificado através de ultrassonografia para 15 de 71 olhos, para a qual o diagnóstico havia sido determinado através de exame histopatológico. Safatle et al. 2015 Brasil Prospectivo V (estudo caso controle) Descrever a técnica de tomografia de coerência óptica e sua utilização em cães com retinopatias. 9 cães ( 3 machos e 6 fêmeas). 18 olhos 3 – 15 anos Seroso Tomografia de coerência óptica A OCT mostrou-se uma ferramenta útil no diagnóstico de descolamento de retina em cães. * O sexo dos animais não foi informado. 8 Tabela 2. Relação dos artigos que abordaram métodos terapêuticos no descolamento de retina em cães. Autor Ano País Tipo de estudo Confiabilidade Metodológica Objetivo do estudo Número de animais e sexo Número de olhos Idade (anos) Tipo de descolamento Método(s) terapêutico(s) Conclusão Grahn et al. 2007 Canadá Retrospectivo V (estudo caso controle) Documentar o percentual de olhos que desenvolveram complicações (uveíte e glaucoma), após descolamento de retina completo sem terapia médica, com medicação tópica e com terapia cirúrgica. 34 cães ( 20 machos e 14 fêmeas) 41 7,2 Regmatogênico Esteroides tópicos, medicamentos antiglaucomatosos, vitrectomia via “pars plana” com tamponamento de óleo de silicone e retinopexia com endolaser. Os olhos da maioria dos cães com descolamento de retina desenvolveram uveíte não responsiva e glaucoma secundário recebendo ou não terapia tópica. Steele et al. 2012 Estados Unidos da América Retrospectivo VI (série de casos) Agrupar resultados clínicos e complicações da vitrectomia via “pars plana” com PFO – óleo de silicone e retinopexia com endolaser. 145 cães* 168 - Regmatogênico Vitrectomia via “pars plana” com PFO – óleo de silicone e retinopexia com endolaser. A vitrectomia via “pars plana” e a retinopexia com endolaser. para o tratamento de descolamento de retina em cães foram altamente bem sucedidas. Pryor et al. 2015 Estados Unidos da América Retrospectivo V (estudo caso controle) Comparar as taxas de descolamento de retina pós- facoemulsificação em cães Bichon Frisê com e sem retinopexia profilática. 54 cães (24 machos e 30 fêmeas) 108 1 - 13 - Retinopexia Não há diferença estatística entre o uso ou não da retinopexia profilática em cães da raça Bichon Frisê. 9 Tabela 2. Continuação - Relação dos artigos que abordaram métodos terapêuticos no descolamento de retina em cães. Autor Ano País Tipo de estudo Confiabilidade Metodológica Objetivo do estudo Número de animais e sexo Número de olhos Idade (anos) Tipo de descolamento Método(s) terapêutico(s) Conclusão Spatola et al. 2015 Estados Unidos da América Retrospectivo VI (série de casos) Relatar a correlação de achados pré- operatórios com o retorno visual de cães submetidos a cirurgia de descolamento de retina. 217 cães (111 machos e 106 fêmeas). 275 0,3 – 15,8 - Vitrectomia via “pars plana” com óleo de silicone e retinopexia com endolaser. A vitrectomia via “pars plana” com óleo de silicone e retinopexia com endolaser mostraram-se eficientes no tratamento do descolamento de retina, mantendo em longo prazo a visão dos cães tratados. * O sexo dos animais não foi informado. 10 5. DISCUSSÃO 5.1 Eficácia dos métodos de diagnóstico Itoh et al. (2010), ao analisarem alterações oculares em Shih-Tzu com descolamento de retina regmatogênico, concluíram que a oftalmoscopia utilizando aparelho fundoscópico (TRC-50IX) foi eficaz no diagnóstico do descolamento de retina nesta raça. Grozdanic et al. (2013) e Labruyere et al. (2011) também mostram em seus trabalhos que a oftalmoscopia mostrou-se eficaz por ser uma técnica rápida e pouco invasiva. Entretanto, em pacientes que apresentam opacificação dos meios oculares, muitas vezes causada pela instalação de catarata, este método é inócuo. Grozdanic et al. (2013), Itoh et al. (2010) e Labruyere et al. (2011) relatam, em seus artigos, a presença de 17%, 29% e 53% respectivamente, de presença de algum tipo de catarata, sendo necessária a utilização de outros métodos diagnósticos para o descolamento de retina. A oftalmoscopia foi eficiente na diferenciação e no consequente diagnóstico final do descolamento de retina e descolamento posterior do vítreo em alguns casos onde a ultrassonografia mostrou-se duvidosa (LABRUYERE et al., 2011). Para a oftalmoscopia, é necessária a utilização de fármacos midriáticos, sendo a mais utilizada a tropicamida 0,5-1% (ITOH et al., 2010; LABRUYERE et al., 2011). Dos seis trabalhos selecionados que abordam métodos diagnósticos, cinco trazem a ultrassonografia como um excelente método para detectar o descolamento de retina em cães. A ultrassonografia modo B em escala de cinza é útil na maioria dos casos de descolamento de retina completo, onde é vista uma estrutura em forma de “V” (imagem de gaivota) com alta ecogenicidade (figura 1) e no descolamento parcial é visualizada uma estrutura ecogênica convexa afastada da porção anterior do olho (LABRUYERE et al., 2011). Três resultados falso-positivos foram obtidos em casos de descolamento vítreo posterior diagnosticados como descolamento de retina completo e um resultado falso-negativo foi obtido em um caso de descolamento de retina parcial diagnosticado como membrana vítrea. Portanto, para melhorar a sensibilidade e a especificidade é indicada a associação da ultrassonografia em escala de cinza com a ultrassonografia contrastada e com a oftalmoscopia (LABRUYERE et al., 2011). 11 Figura 1. Imagem ultrassonográfica em modo B do globo ocular esquerdo com a visualização de uma banda em forma de gaivota com alta ecogenicidade. Fonte: Veiga et al. (2012). Ao compararem a ultrassonografia com a histopatologia no diagnóstico do descolamento de retina em cães, Gallhoefer et al., (2013) concluíram que 14 de 38 olhos (37%) não foram diagnosticados através da ultrassonografia e somente através do exame histopatológico após enucleação ou exenteração do olho afetado, onde pelo exame ultrassonográfico, em cinco olhos o diagnóstico foi de ruptura escleral, três olhos como hemorragia vítrea, dois olhos como descolamento focal de retina e em outros quatro olhos a retina não pode ser observado no exame ultrassonográfico. Em contrapartida, apenas dois de vinte e sete olhos (7%) que foram diagnosticados na ultrassonografia como descolamento de retina , não foram diagnosticados na histopatologia. Por fim, os autores concluem que a ultrassonografia apresenta acurácia moderada e que métodos adicionais são necessários para um melhor diagnóstico do descolamento de retina em cães. A ultrassonografia contrastada é de grande valia para predizer o sucesso ou o fracasso de cirurgias vitreorretinianas, pois ela determina o tempo da persistência da vascularização patente em descolamentos crônicos de retina (LABRUYERE et al., 2011). A tomografia de coerência óptica (OCT - do inglês “Optical Coherence Tomography”) é um método recente que permite avaliar a constituição da retina e sua integridade estrutural (NARFSTRÖM E PETERSEN-JONES, 2007), por um 12 sistema de interferometria que produz imagens seccionais da retina ao emitir feixes luminosos semelhantes ao infravermelho (KLOIZMAN et al., 1998). Ao ampliar as possibilidades de diagnóstico através da imagem em oftalmologia, propiciar alta confiabilidade ao diagnóstico e tratamento de doenças oculares, ser um exame não invasivo e de alta resolução (MALERBI et al., 2010), a OCT apresenta-se como uma ferramenta útil e inovadora na avaliação da retina, permitindo um diagnóstico acurado das retinopatias (SAFATLE et al., 2015). Por outro lado, por ser um exame recente e ainda pouco difundido na medicina veterinária, a OCT não está difundida na maioria dos centros veterinários, sendo ainda necessário realizar adequações específicas por se tratar de um aparelho desenvolvido para humanos (SAFATLE et al., 2015). A avaliação retiniana pela OCT pode ser útil por revelar fluídos intra ou sub-retinianos indicando a atividade da lesão, não evidenciados por meio de outras técnicas, como a oftalmoscopia (ZANOTELE et al., 2010). Para Grahn et al. (2008), a tomografia de coerência óptica também mostrou ser eficaz no diagnóstico e na avaliação da progressão do descolamento de retina em cães da raça Coton de Tulear (figura 2). Figura 2. OCT de uma cadela com descolamento de retina (evidenciado entre os dois sinais azuis). O gráfico revela que a superfície do descolamento adentrou cerca de 200 micrometros o vítreo. Fonte: Grahn et al. (2008). 13 O teste de reflexo pupilar à luz cromática é um procedimento rápido e não invasivo usado há décadas para detectar doenças da retina e do nervo óptico (BREAZILE E HOWARD, 1970). Este método consiste na aplicação de fontes luminosas brancas e fontes com comprimento de onda entre o azul e o vermelho e, posteriormente, à incidência da fonte, é mensurado o diâmetro pupilar (GROZDANIC et al., 2013). Grozdanic et al., (2013), ao desenvolverem um teste rápido e confiável de rotina para o diagnóstico de doenças retinianas e do nervo óptico com base na resposta pupilar à luz cromática, concluíram que ao associar a eletrorretinografia com a análise da resposta pupilar usando a fonte luminosa vermelha, a sensibilidade e a especificidade chegam próximas aos 100%, tornando essa combinação o método diagnóstico mais confiável para doenças degenerativas retinianas e para o descolamento de retina em cães. Todavia, para Grahn et al., (2008), a utilização unicamente da eletrorretinografia para o diagnóstico de descolamento de retina em cães deve ser banida da prática clínica, uma vez que não houve diferença estatística ao comparar as curvas dos animais do grupo controle com o grupo afetado pela retinopatia. 5.2 Eficácia dos métodos terapêuticos O tratamento do descolamento de retina em cães de forma conservadora é realizado pela utilização de medicamentos antiglaucomatosos, corticosteroides, antibioticoterapia, cicloplégicos e midriáticos, todos de forma paliativa, ou seja, apenas para abrandarem, de forma temporária, as alterações oculares que podem decorrer dessa retinopatia, tais como, uveíte, glaucoma e hifema (Grahn, et al., 2007). Ao comparar diversos métodos terapêuticos do descolamento de retina em cães, Grahn et al. (2007), inferiram que a utilização de acetato de prednisolona a 1% em suspensão oftálmica (a cada 6 horas), sulfato de atropina a 1% ou tropicamida a 1% (instilados durante 1-2 semanas como terapia inicial), não impediram o desenvolvimento de membranas neovasculares secundárias à degeneração retiniana no segmento anterior. Apenas um de dezenove olhos (5,3%) apresentou a uveíte minimizada, nove de dezenove olhos (47%) tiveram que ser enucleados ou eviscerados em decorrência do glaucoma e, por fim, os autores arrematam que o grupo tratado com terapia tópica não diferiu daquele sem tratamento, quando levado em consideração a progressão da uveíte anterior e do glaucoma. Os procedimentos cirúrgicos para o tratamento do descolamento de retina em 14 cães tornaram-se mais importantes para a medicina veterinária, representando as últimas fronteiras que ainda permanecem entre a oftalmologia veterinária e a humana (HAYASHI et al., 2000; VAINISI E WOLFER, 2004). As principais técnicas realizadas são: vitrectomia via “pars plana” com a colocação de óleo de silicone e perfluoroctano líquido (PFO) - que deve ser removido dentro de 48 horas pela possibilidade de causar reações tóxicas na retina (figura 3), ou através da retinopexia com uso de endolaser transpupilar. A maioria dos cirurgiões oftálmicos aconselha que, para garantir algum retorno da visão do olho afetado, a cirurgia para o tratamento do descolamento de retina deva ser realizada entre 1-4 semanas após o desprendimento do epitélio pigmentado da retina neurossensorial. Em muitos casos, recomenda-se o tratamento cirúrgico profilático com a utilização de laser transpupilar ou transescleral (em casos de opacificação da lente) ou criopexia transescleral em animais que apresentam algum estágio de catarata, uveíte lente induzida, luxação posterior da lente, degeneração vítrea, displasia retiniana ou anomalia do olho do Collie, uma vez que o descolamento de retina em determinadas raças pode ocorrer secundariamente a essas enfermidades (HENDRIX et al., 1993). Todavia, ao comparar as taxas de descolamento de retina pós-facoemulsificação em cães da raça Bichon Frisê, Pryor et al., (2015) concluíram que a taxa de desprendimento não é significativamente maior em cães que não receberam algum tipo de retinopexia antes do procedimento cirúrgico da lente quando comparado àqueles que receberam terapia endolaser ou criopexia profilática. Os insucessos da retinopexia profilática estão relacionados a um descolamento de retina pré-existente ou energia do laser aplicada de forma insuficiente ou excessiva (VAINISI E WOLFER, 2004). Mesmo com um número pequeno de animais submetidos ao procedimento cirúrgico em seu estudo, Grahn et al., (2007) obtiveram grande facilidade ao realizar a colocação do óleo de silicone através da vitrectomia via “pars plana”, mesmo com a presença de degeneração e membrana fibrosa vítrea presentes em alguns animais. Para eles, o tratamento cirúrgico em descolamentos de retina crônicos (acima de um mês de desenvolvimento), apresenta resultados positivos e na maioria dos animais com ausência de complicações no pós-cirúrgico, o retorno da visão foi restaurado. Esses mesmos resultados são fundamentados por Spatola et al. (2015), ao utilizarem a vitrectomia via “pars plana” com tamponamento com óleo de silicone em 217 cães (275 olhos) de diversas raças. 15 Figura 3. Procedimento cirúrgico no tratamento do descolamento completo de retina. Seguindo da esquerda para a direita, no plano superior: vitrectomia via “pars plana” para remoção da banda de tração da retina descolada, à esquerda encontra-se a cânula de vitrectomia e a direita a fonte luminosa; PFO é colocado dentro da cavidade vítrea; após a colocação do PFO, a retina volta à sua posição anatômica; tachas de aço inoxidável são colocadas dentro do vítreo e transpassadas através da retina, coroide e esclera para manter a retina no lugar. No plano inferior: criocirurgia ou endolaser são utilizados para auxiliar na fixação da retina; ar é infundido na cavidade vítrea para promover a saída do PFO; óleo de silicone é colocado para promover um tamponamento permanente da retina e consequentemente o ar é removido através da abertura na esclera. Fonte: Vainisi et al. (1995). As principais complicações dos procedimentos cirúrgicos no tratamento do descolamento de retina estão relacionadas à excessiva exposição da córnea, o que provoca ressecamento e ceratite ulcerativa, destacamento das tachas de aço inoxidável (VAINISI E PACKO, 1995), aumento da pressão ocular ocasionado pela migração do óleo de silicone para câmara anterior (figura 4) e consequente obstrução do ângulo de drenagem (GRAHN et al., 2007; VAINISI E PACKO, 1995), uveíte, degeneração retiniana, perda da visão e prolapso subconjuntival do silicone podem ocorrer (STEELE et al., 2012). É relatada alta taxa de catarata em animais submetidos a procedimentos cirúrgicos no tratamento do descolamento de retina, porém não é possível afirmar que é decorrente da técnica, dado que pode ocorrer o desenvolvimento de ambas as doenças em animais com predisposição genética, como ocorre na raça Bichon Frisê com catarata juvenil (STEELE et al., 2012). 16 Figura 4. Óleo de silicone na câmara anterior após cirurgia de descolamento de retina. Nota- se também a presença de óleo subconjuntival devido a um vazamento a partir da abertura na esclera. Fonte: Vainisi et al. (2004). Deve-se ter em mente que um procedimento cirúrgico bem sucedido não implica necessariamente em um retorno visual. Em animais com descolamento de retina regmatogênico, secundários à degeneração vítrea, se submetidos a um procedimento cirúrgico em menos de quatro semanas, a taxa de retorno visual pode chegar a 85%. Por outro lado, em casos mais complicados, secundários à displasia de retina ou após facoemulsificação, a taxa de retorno visual não ultrapassa 70%. A média de retorno visual nestes casos está entre 10-14 dias. Por fim, em todos os casos, quanto mais cedo a religação é feita, maiores as chances de uma boa visão (VAINISI E WOLFER, 2004). 17 6. CONCLUSÃO A oftalmoscopia mostra-se como o método diagnóstico do descolamento de retina mais eficaz quando levado em consideração o custo-benefício para a realização desta técnica, todavia, para desviar dos contras que a oftalmoscopia traz, torna-se vantajoso sua associação com a tomografia de coerência óptica ou com o teste de reflexo pupilar à luz cromática, que apresentam elevada sensibilidade e especificidade. Na terapêutica do descolamento de retina, a única forma de rescindir a doença é submeter animal ao procedimento cirúrgico, que pode ser realizado através da vitrectomia via “pars plana” com tamponamento de óleo de silicone associado ao PFO, entretanto, ainda é necessário o estabelecimento de protocolos para driblar as complicações que ocorrem com a utilização desta técnica. 18 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BREAZILE, J. E.; HOWARD, D. R. The pupillary light reflex. Its clinical significance. Veterinary Medicine Small Animal Clinician, v. 65, p. 770-773, 1970. COOK, D. 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Descolamento do epitélio pigmentado da retina. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2010. p.101- 106. 21 RELATÓRIO DE ESTÁGIO SUPERVISIONADO DESCRIÇÃO DOS LOCAIS DE ESTÁGIO E ATIVIDADES DESENVOLVIDAS 1. HOSPITAL VETERINÁRIO ANHEMBI MORUMBI 1.1 INTRODUÇÃO As atividades de estágio supervisionado, realizadas na área de Clínica Cirúrgica de Pequenos Animais do Hospital Veterinário Anhembi Morumbi, foram realizadas no período de 1 a 29 de julho de 2016, sob supervisão da médica veterinária Danielle Almeida Zanini. A escolha deste local foi fundamentada na necessidade de acompanhar uma rotina e condutas diferentes daquelas previamente conhecidas, a fim de ampliar o conhecimento principalmente na área de oncologia veterinária, uma vez que a casuística de pacientes oncológicos é elevada neste hospital. O atendimento ambulatorial e os procedimentos cirúrgicos são realizados por quatro médicos veterinários, sendo três em programa de aprimoramento profissional e uma médica veterinária contratada do setor de Clínica Cirúrgica de Pequenos Animais, com auxílio de três enfermeiros e acompanhamento da rotina geral pelos estagiários curriculares e extracurriculares. O hospital contém seis ambulatórios para atendimento médico e cirúrgico, cada um com uma mesa de aço inoxidável para realização dos exames físicos e procedimentos ambulatoriais de cães, uma mesa para fazer a anamnese, e duas cadeiras para os proprietários se acomodarem durante a consulta. Há um ambulatório de uso exclusivo de felinos e um ambulatório de uso exclusivo para pacientes oncológicos, cada qual contendo três mesas de aço inoxidável, um armário contendo medicamentos e produtos veterinários destinados a doação e uma câmara de fluxo laminar vertical, respectivamente. Todas as salas possuem pia para higienização das mãos antes e após os atendimentos. Há ainda, um espaço com mais nove mesas de aço inoxidável para atendimento médico-cirúrgico, sendo três de uso exclusivo para urgências e emergências e as outras seis para atendimento geral. As cirurgias são realizadas em três centros cirúrgicos, nos quais somente é permitida a entrada após o uso adequado de pijama cirúrgico, gorro e máscara descartáveis. Cada centro possui uma mesa cirúrgica central com colchão térmico, 22 aparelho de anestesia inalatória, duas mesas para instrumentos, dois focos articulados de teto, e um armário contendo materiais auxiliares para a cirurgia (bisturi elétrico, sugador, produtos para antissepsia, fios de sutura e materiais para curativos, bandagens, etc). Um dos três centros cirúrgicos é de uso exclusivo dos serviços de odontologia e oftalmologia veterinária e os outros dois para as cirurgias de tecidos moles e ortopedia. 1.2 ATIVIDADES DESENVOLVIDAS Os estagiários curriculares acompanham a rotina de forma ativa, com a possibilidade de realizar e acompanhar as consultas, anamnese, exame físico, coleta e envio de exames laboratoriais, aplicação de medicações, auxílio nos exames de imagem e procedimentos anestésicos. No centro cirúrgico há a possibilidade de acompanhar as cirurgias, auxiliando o cirurgião ou participando como volante. Dois grupos de estagiários foram feitos para que revezassem diariamente entre centro cirúrgico e rotina ambulatorial a fim de otimizar a participação de todos os indivíduos, em todas as funções na área. Encontram-se descrito na Tabela 1 todos os casos acompanhados no ambulatório e no centro cirúrgico durante o período de estágio. Tabela 1. Relação de todos os casos clínicos atendidos no Hospital Veterinário Anhembi Morumbi, no serviço de Cirurgia de Pequenos Animais, no período de 1 de julho de 2016 a 31 de julho de 2016. Diagnóstico Canina Felina % M F M F Sistema ototegumentar Neoformação mamária 4 5,26 Neoformação cutânea - mastocitoma 3 4 1 10,52 Neoformação cutânea - sarcoma 3 2 2 9,21 Gangrena úmida 1 1 2,63 Neoformação cutânea - mixossarcoma 2 1 3,95 Subtotal 8 11 1 4 31,57 23 Sistema digestório Neoformação hepática 1 1,32 Corpo estranho gástrico 1 1 1 1 5,26 Neoformação esplênica 1 1 2,63 Subtotal 3 2 1 1 9,21 Sistema gênito-urinário Hiperplasia prostática benigna 4 5,26 Neoformação testicular 2 2,63 Orquiectomia eletiva 2 4 7,89 Obstrução uretral 1 1,32 Piometra 3 3,95 Subtotal 8 3 5 0 21,05 Sistema respiratório Hérnia de hiato 1 1,32 Subtotal 0 1 0 0 1,32 Sistema neurológico Doença do disco intervertebral 5 4 11,86 Subtotal 5 4 0 0 11,86 Sistema músculo-esquelético Instabilidade da articulação úmero- rádio-ulnar 1 1 2,63 Displasia Coxo-femoral 6 4 13,15 Ruptura do ligamento cruzado cranial 3 4 9,21 Subtotal 10 9 0 0 24,99 Total de casos 34 30 7 5 100,00 2. HOSPITAL VETERINÁRIO DA FACULDADE DE MEDICINA VETERINÁRIA E ZOOTECNIA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO 2.1 INTRODUÇÃO As atividades de estágio supervisionado, realizadas na área de Clínica Cirúrgica de Pequenos Animais, no setor de Tecidos Moles, do Hospital Veterinário da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo, 24 foram realizadas no período de 1 de agosto a 30 de setembro de 2016, sob supervisão da Professora Titular Júlia Maria Matera. A opção por este lugar fundamenta-se na necessidade de aprender e aplicar outros tipos de condutas durante as consultas clínicas, bem como durante os procedimentos cirúrgicos, levando em consideração a reputação positiva que o HOVET-USP possui na região em que se situa. Tanto o atendimento ambulatorial quanto os procedimentos cirúrgicos são realizados por três médicas veterinárias contratadas para o Setor de Tecidos Moles, dois veterinários em Programa de Residência Multiprofissional da Saúde e dois veterinários aprimorandos, os quais fazem rodízio entre os setores de pequenos animais. Com o objetivo de auxiliar os procedimentos, no setor há quatro enfermeiros, sendo três do bloco cirúrgico e um do atendimento ambulatorial e seis estagiários curriculares. No Setor de Cirurgia, há oito ambulatórios, sendo quatro para atendimento do Setor de Tecidos Moles e quatro para o Setor de Ortopedia e Traumatologia. Todas as salas possuem uma mesa de aço inoxidável para a realização do exame clínico de cães e gatos, uma bancada com computador para a realização da anamnese, pia para higienização das mãos e acessórios para auxiliar na realização dos exames (agulhas, seringas, faixa de crepe, compressa de gaze, tubos coletores, etc). Há ainda uma sala anexa com uma câmara de fluxo laminar vertical, para uso exclusivo de pacientes oncológicos. As cirurgias são realizadas em três centros cirúrgicos, sendo um de uso do Setor de Ortopedia e Traumatologia e Setor de Oftalmologia, outro para o Setor de Tecidos Moles e o terceiro para o Setor de Odontologia Veterinária. No centro cirúrgico do Setor de Tecidos Moles, há uma mesa cirúrgica central e uma mesa para os materiais cirúrgicos, foco cirúrgico articulado de teto, aparelho de anestesia inalatória e um armário contendo materiais auxiliares para a cirurgia (bisturi elétrico, sugador, produtos para antissepsia, fios de sutura e materiais para curativos e bandagens). 2.2 ATIVIDADES DESENVOLVIDAS 25 Os estagiários curriculares têm a possibilidade de realizar anamnese, exame físico e procedimentos básicos de enfermagem, tal como, tricotomia, bandagens, aplicação de medicamentos e monitoramento de pacientes debilitados. No centro cirúrgico há a possibilidade de auxiliar nas cirurgias ou no atendimento pré- anestésico. Encontram-se descrito na Tabela 2 todos os casos acompanhados no ambulatório e no centro cirúrgico durante o período de estágio. Tabela 2. Relação de todos os casos clínicos atendidos no Hospital Veterinário da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, no setor de Tecidos Moles, no período de 1 de agosto a 30 de setembro de 2016. Diagnóstico Canina Felina % M F M F Sistema ototegumentar Ferida lacerativa 1 1 2,57 Flegmão 1 1,28 Otohematoma 1 1 1 3,85 Neoformação cutânea - mastocitoma 3 1 1 6,41 Neoformação cutânea - sarcoma tecidos moles 2 1 2 6,41 Neoformação cutânea - melanoma 1 1 1 3,85 Neoformação cutânea - carcinoma células escamosas 1 1,28 Neoformação cutânea - hemangiossarcoma 1 1,28 Higroma 1 1,28 Abcesso 1 1,28 Acantose 1 1,28 Subtotal 11 6 3 4 30,77 Sistema digestório Shunt portossistêmico 1 1,28 Sialodenite 1 1,28 Prolapso de reto 2 2 5,14 Doença intestinal inflamatória 1 1,28 26 Carcinoma gástrico 1 1,28 Corpo estranho intestinal 1 1,28 Subtotal 3 1 3 2 11,54 Sistema gênito-urinário Cistolitíase 2 1 3,85 Neoformação vesical 1 1,28 Litíase uretral 1 3 5,14 Hiperplasia prostática benigna 3 3,85 Neoformação testicular 1 1,28 Criptorquidismo 1 1,28 Tumor venéreo transmissível 3 3,85 Plasmocitoma bulbo peniano 1 1,28 Subtotal 11 2 3 1 21,80 Sistema respiratório Torção de lobo pulmonar 1 1,28 Mastocitoma traqueal 1 1,28 Contusão pulmonar 1 1 2,57 Subtotal 3 1 0 0 5,13 Sistema neurológico Doença do disco intervertebral 2 2 5,12 Paraparesia 1 1 2,57 Tetraparesia 1 1,28 Subtotal 3 4 0 0 8,97 Sistema músculo-esquelético Fratura rádio-ulna 1 1,28 Disjunção sacro-ilíaca 1 1 2,57 Fratura de mandíbula 1 1,28 Subtotal 3 1 0 0 5,13 Paratopias Hérnia perineal 5 6,41 Ruptura diafragmática 1 1 2,57 Hérnia umbilical 2 2,57 Eventração 1 1 2,57 27 Subtotal 9 1 0 1 14,10 Sistema reticuloendotelial Hemangiosssarcoma esplênico 2 2,56 Subtotal 2 0 0 0 2,56 Total de casos 45 16 9 8 100,00 3. HOSPITAL VETERINÁRIO ARCA DE NOÉ 3.1 INTRODUÇÃO As atividades de estágio curricular, realizadas no Serviço de Internação do Hospital Veterinário Arca de Nóe, foram realizadas no período de 3 a 31 de outubro de 2016, sob supervisão do médico veterinário Adriano Barile Dora. A opção por este local fundamentou-se no anseio de aperfeiçoar o conhecimento na área de intensivismo veterinário, bem como conhecer os suportes avançados de vida a pacientes com desarranjo agudo de alguma função vital. Na internação do Hospital Veterinário Arca de Noé há quatro médicas veterinárias responsáveis pelo setor, sendo duas de atuação no período diurno e duas no período noturno, sendo o revezamento realizado a cada doze horas. Há ainda, com o objetivo de auxiliar nos procedimentos de enfermagem, duas estagiárias remuneradas. O Serviço de Internação conta com duas salas, uma dedicada a pacientes portadores de enfermidades infecciosas e a outra para os demais tipos de afecções. A primeira é equipada com seis gaiolas de aço inoxidável, pia para higienização das mãos, geladeira para armazenamento de medicações e alimentos e uma mesa de aço inoxidável para contenção dos animais. A segunda possui doze gaiolas de aço inoxidável, mesa com computador (para realização da anamnese, consulta de exames, etc), armário contendo materiais hospitalares (agulhas, seringas, faixa de crepe, compressa de gaze, equipos, soluções para fluidoterapia, medicações, materiais para reanimação cardio-pulmonar, etc) e uma mesa de aço inoxidável para contenção e realização de procedimentos médicos. Todas as gaiolas são equipadas com aquecedores, colchão e bomba de infusão. 3.2 ATIVIDADES DESENVOLVIDAS 28 Os estagiários curriculares têm a possibilidade de realizar atividades básicas de enfermagem, como tricotomia, aplicação de medicações, monitoramento de pacientes debilitados, sondagem vesical, bem com, participar ativamente dos procedimentos de reanimação cardio-pulmonar. Quando necessário, há a possibilidade de auxiliar em alguns procedimentos cirúrgicos. Encontra-se descrito na Tabela 3 todos os casos acompanhados no Hospital Veterinário Arca de Noé durante o período de estágio. Tabela 3. Relação de todos os casos clínicos atendidos no Hospital Veterinário Arca de Noé, no período de 3 de outubro a 31 de outubro de 2016. Diagnóstico Canina Felina % M F M F Sistema digestório Megaesôfago 1 1 2,90 Corpo estranho intestinal 1 2 4,35 Gastroenterites a esclarecer 4 5 1 1 15,94 Subtotal 6 8 1 1 23,19 Sistema gênito-urinário Piometra 2 2,90 Mumificação fetal 1 1 2,90 Subtotal 0 3 0 1 5,80 Sistema respiratório Broncopneumonia a esclarcer 1 2 1 5,80 Subtotal 1 2 1 0 5,80 Sistema circulatório Anemia hemolítica autoimune 1 1,45 Hemoparasitose a esclarecer 3 5 11,59 Subtotal 3 6 0 0 13,04 Enfermidades infecciosas Erliquiose 5 2 10,14 Cinomose 2 3 7,25 Parvovirose 2 4 8,69 29 Leptospirose 1 1 2,90 Subtotal 10 10 0 0 28,98 Intoxicações Intoxicação por carbamato 2 1 2 3 11,59 Intoxicação por dicumarínico 1 1 2,90 Intoxicação medicamentosa 1 1 2,90 Subtotal 4 3 2 3 17,39 Paratopias Eventração 2 2,90 Subtotal 0 0 2 0 2,90 Sistema reticuloendotelial Neoformação esplênica 2 2,90 Subtotal 0 2 0 0 2,90 Total de casos 24 34 6 5 100,00 30 4. RELATOS DE CASOS DE CLÍNICOS 4.1 CASO CLÍNICO 1 Resenha Nome do animal: Amarelo Espécie: felina Raça: SRD Idade: 3 anos Sexo: macho Peso: 3,7 kg Anamnese – queixa principal Animal chegou ao Hospital Veterinário Anhembi Morumbi no dia 18 de julho de 2016 com queixa de prostração, anúria, anorexia e vômitos ocasionais de coloração amarelada há 2 dias. Animal apresentava imunoprofilaxia e vermifugação atualizadas. Nega presença de ectoparasitas. Exame físico Frequência cardíaca: 140 batimentos por minuto; bulhas cardíacas normorrítimicas e normofonéticas; Frequência respiratória: 36 movimentos por minuto; campos limpos; T °C: 36,0; TPC: 2 segundos; Mucosas: rósea clara; Hidratação: 5%; Pulso: forte e regular; Linfonodos: sem alterações à palpação; 31 Nível de consciência: apático. Observação: vesícula urinária repleta e ocupando região mesogástrica. Exames complementares No dia em que deu entrada no Hospital Veterinário da Anhembi Morumbi, foram solicitados hemogasometria, hemograma completo e exame bioquímico (tabelas 4, 5 e 6). Tabela 4. Hemogasometria do dia 18 de julho de 2016. Hemogasometria Parâmetros pH 7,3 7,28 - 7,40 pCO2 45 32,7 - 44,7 mmHg pO2 40 47,9 - 56,3 mmHg Na 145 145-157 mEq/L K 8 3,6 - 5,5 mEq/L iCa 0,75 1,07 - 1,5 mmol/L HCO3 23 18 - 23 mm/L SO2 90 > 95% (arterial) Tabela 5. Hemograma completo do dia 18 de julho de 2016. Hemograma Eritrograma Referências Hemácias 8,3 5,0 - 10 x 106 / uL Hemoglobina 12 8 - 15 g/dL Hematócrito 35 25-45% RDW (red cell distribution width) 18 17 - 22% VCM (volume corpuscular médio) 40 40 - 60 fL CHCM (concentração de hemoglobina corpuscular média) 34 31-35 % Plaquetas 300 200 - 600 x 103/uL Proteínas Plasmáticas Totais 6,4 6,0 – 8,0 g/dL Leucograma 32 Leucócitos Totais 32380 5000 - 19000/uL Neutrófilos segmentados 27830 3000 - 11500/uL Eosinófilos 850 100 - 1500/uL Basófilos 0 raros Monócitos 2000 100 - 850/uL Linfócitos 1700 1500 - 8000/uL Observações Tabela 6. Exame bioquímico do dia 18 de julho de 2016. Bioquímico Sérico Referência ALT (alanina aminotransferase) 50 <83 U/L FA (fostatase alcalina) 230 < 93 U/L Creatinina 12 0,8 - 1,8 mg/dL Ureia 70 43 - 64 mg/dL Albumina 35 21 - 33 g/L Ainda no dia 18 de julho de 2016, a partir da observação no exame físico que a vesícula urinária estava repleta, foi realizada cistocentese de alívio e o conteúdo foi enviado para urinálise (tabela 7). Tabela 7. Urinálise do dia 18 de julho de 2016. Urinálise Exame químico Exame físico pH ( 5,5 – 6,5) 7,5 Cor (amarela) vermelha Corpos cetônicos (ausente) - Odor (sui generis) sui generis Glicose (ausente) - Aspecto (límpido) turvo Pigmentos biliares (ausente) - Densidade (1,015 - 1,045) 1,020 Proteína (ausente) ++ Hemoglobina (ausente) - Sangue (ausente) +++ 33 Sedimentos (número de elementos/ campo de 400x) Células epiteliais (ocasionais) transição Hemácias (0 a 5) > 100 Leucócitos (0 a 5) 20 Bactérias (ausente) moderada Tratamento e evolução No dia em que o animal deu entrada no hospital veterinário, foi realizada sedação com acepromazina 0,1 mg/kg e meperidina 4 mg/kg ambos intramuscular. Levando em consideração o histórico e os achados de exame físico, a suspeita foi de obstrução uretral. Desta forma, após a sedação, foi realizada a tentativa de desobstrução da uretra, inicialmente com a parte flexível de um cateter e em um segundo momento com uma sonda uretral nº 4, porém não foi obtido sucesso. Na sequência optou-se por realizar cistocentese de alívio e a urina foi encaminhada para análise (tabela 7). O animal ficou internado e foi colocado na fluidoterapia com ringer lactato (5 mL/kg/hora), administrado cloridrato de tramadol (2mg/kg no subcutâneo), dipirona sódica (25mg/kg no subcutâneo) e prazosina (0,25 mg/animal por via oral) as três medicações sendo administradas a cada 8 horas. Já que o hospital não dispõe de serviço de internação noturno, o animal foi encaminhado para casa e foi proposto para retornar no dia seguinte. No dia 19 de julho de 2016, após a administração da prazosina foi realizada cateterismo vesical e lavagem da vesícula urinária com solução fisiológica 0,9%. Neste mesmo dia, o animal passou a urinar sozinho, porém em pequena quantidade. A coloração continuava avermelhada e a medicação prescrita no dia anterior foi mantida. No terceiro dia após a entrada do animal, a tutora referia novamente anúria, porém desta vez a vesícula urinária não se apresentava repleta. Foi realizado teste da integridade vesical, onde foi possível detectar uma possível ruptura vesical. Animal foi encaminhado para o setor de imagem para realização de uretrocistografia, onde foi encontrada a vesícula urinária repleta com contraste, formato anatômico, 34 com área de escape de contraste em região cranioventral. Perda da definição de imagem de vísceras, compatível com a presença de líquido livre abdominal. Houve suspeita de uroperitônio e o animal foi encaminhado para o centro cirúrgico para a realização de cistorrafia. Durante a laparotomia, foi colhido o líquido livre e enviado para a análise química (tabela 8). Na avaliação citológica foi possível observar população celular composta por eritrócitos, macrófagos ativados, e neutrófilos degenerados. Tabela 8. Análise química do fluído cavitário. Análise química do líquido cavitário pH 7,5 Creatinina do fluído (mg/dL) 11,5 Creatinina sanguínea (mg/dL) 4,5 As medicações prescritas após a cistorrafia foram: amoxicilina com clavulanato de potássio (22mg/kg por via oral, durante 10 dias), meloxicam (0,1mg/kg por via oral, durante 3 dias), cloridrato de tramadol (2mg/kg por via oral, durante 5 dias), dipirona sódica (25mg/kg por via oral, durante 5 dias). O animal permaneceu sondado no pós-cirúrgico durante mais 3 dias. Após a retirada da sonda, o animal urinou sozinho durante toda a parte do dia. Foi realizada ultrassonografia abdominal para verificar a integridade da vesícula urinária e a possível presença de líquido livre. Como não houve alterações, o animal recebeu alta médica, sendo necessário retorno apenas para a retirada dos pontos. Discussão A obstrução uretral em felinos é mais comum em machos, pois o tamanho e o diâmetro da uretra desempenham um papel importante neste caso. Muitas obstruções são causadas por muco (produzidas e secretadas pelos túbulos renais) e/ou tampões (como de estruvita ou oxalato de cálcio). Resposta inflamatória local, que se desenvolve em consequência dos tampões pode exacerbar a obstrução através da formação de edemas uretrais (GRAUER, 2010). 35 Pode-se afirmar que em felinos obstruídos há ao menos 36-48 horas, os sinais clínicos de azotemia pós-renal, incluindo anorexia, vômitos, desidratação, depressão, fraqueza, hipotermia e bradicardia podem ocorrer, tais sinais foram encontrados no animal atendido no hospital veterinário. O diagnóstico baseia-se no histórico descrito pelo tutor e em muitos casos é direto, sendo necessário apenas os achados do exame clínico (GRAUER, 2010). Na obstrução uretral ocorre falha na excreção renal de potássio, justificando a hipercalemia que o animal apresentava. O aumento de potássio causa diminuição do potencial da membrana muscular, afetando a repolarização e diminuindo a excitabilidade do músculo, podendo ser observadas arritmias cardíacas, bradicardia e fraqueza muscular (GONZÁLEZ et al., 2014). Na análise do leucograma é possível observar leucocitose por neutrofilia, sugestivo de resposta inflamatória aguda. A partir desta alteração, foi questionado a possibilidade do animal ter desenvolvido infecção do trato urinário, uma vez que a ITU pode ocorrer secundariamente a condições alteradas nos mecanismos de defesa do hospedeiro, condições que possibilita a colonização bacteriana da vesícula urinária e/ou uretra, neste caso a obstrução uretral. Porém, esta alteração só poderia ser confirmada através da realização de urocultura (GRAUER, 2010). A ureia e a creatinina apresentaram valores acima dos valores de referência, o que é chamado de azotemia. Ela pode ser justificada em um primeiro momento pela desidratação do animal, pois como o fluxo sanguíneo renal está diminuído, haverá menor excreção destas substâncias, caracterizando a azotemia pré-renal (NAVARRO, 2005). Porém, o maior contribuinte para o quadro de azotemia foi a obstrução uretral, onde se tem a azotemia pós-renal. A obstrução uretral causa a liberação de substâncias vasoativas que fazem a vasoconstrição das arteríolas glomerulares, reduzindo o fluxo plasmático dos rins e a taxa de filtração glomerular, o que também irá diminuir a taxa de eliminação da creatinina e ureia. O aumento isolado da fosfatase alcalina pode ser justificado pela liberação de corticosteroides endógenos, causados pelo estresse no animal, ou mesmo pela presença de dor (THRALL et al., 2006). 36 A avaliação citológica e química do fluído cavitário indica que a efusão trata-se de uroperitônio, justificada principalmente pelos níveis de creatinina maiores que o do plasma. A hematúria pode ter sido causada por lesão da parede pelo aumento da pressão intravesical, por distensão ou inflamação do tecido, gerados pelo fato de a vesícula urinária estar repleta. A turbidez, nesse caso, indica presença de elementos formados como células inflamatórias (leucócitos) e epiteliais e bactérias. O pH está levemente alcalino para a espécie felina, o que pode indicar, com alta probabilidade, uma infecção de trato urinário, justificada também, pela presença de bactérias e leucócitos. A proteinúria pós-renal se explica pela presença das células inflamatórias e epiteliais, uma vez que na urina normal não deve haver proteína. Ainda, a proteinúria sem cilindros no sedimento sugere ser de origem pós-renal (NAVARRO, 2005). Em felinos azotêmicos e apáticos deve-se em um primeiro momento administrar solução salina 0,9% e mensurar a quantidade de potássio e/ou realizar eletrocardiograma antes da administração de fármacos sedativos (GRAUER, 2010). Torna-se necessário a urocultura para estimar o antibiótico mais apropriado para o caso, devendo ser repetida a cada cinco a sete dias, pois gatos que tenham sido cateterizados para aliviar a obstrução uretral são sujeitos a desenvolverem ou agravarem as infecções do trato urinário, uma vez que as defesas normais do animal são transpostas quando uma sonda é introduzida até a vesícula urinária. (GRAUER, 2010). A tutora foi orientada sobre o manejo adequado (número adequado de caixas de areia, bebedouros, etc), a fim de evitar recidivas. Ela foi instruída a reconhecer previamente os sinais clínicos da obstrução uretral, bem como a palpar a vesícula urinária em casos onde ela esta repleta. 37 4.2 CASO CLÍNICO 2 Resenha Nome do animal: Mile Espécie: felina Raça: SRD Idade: 14 anos Sexo: fêmea Peso: 3,6 kg Anamnese – queixa principal Animal foi levado ao Hospital Veterinário da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo no dia 15 de agosto de 2016, com histórico de neoformação em região lateral esquerda na transição tóraco-abdominal, com tempo de evolução de aproximadamente um ano. A lesão apresentava-se ulcerada e com sangramento ativo, a qual apresentou miíase há dois meses, tratada com eficácia em outro veterinário com Capstar™ (nitenpiram). Tutora refere vermifugação há dois meses e vacinação atualizada. Nega presença de ectoparasitas. Relata que animal recebeu medicação no subcutâneo há mais de um ano (vacinação?). Exame físico Frequência cardíaca: 200 batimentos por minuto; bulhas cardíacas normorrítimicas e normofonéticas; Frequência respiratória: 68 movimentos por minuto; campos limpos; T °C: 38,5; TPC: 2 segundos; Mucosas: róseas; Hidratação: adequada; 38 Pulso: forte e regular; Linfonodos: sem alterações à palpação; Nível de consciência: alerta; Observação: a neoformação media cerca de sete centímetros de diâmetro, estava localizada em região lateral tóraco-abdominal esquerda (imagem 1), de consistência firme, superfície irregular, totalmente aderida a planos profundos, com alopecia, eritema, ulceração, hiperpigmentação e sensibilidade, apresentava temperatura local aumentada sendo a base de inserção séssil. Imagem 1. Neoformação localizada em região lateral na transição tóraco-abdominal esquerda. Observação: fotografia foi tirada no pré-cirúrgico (dia 12 de setembro), nota-se ausência de ulceração e sangramento. Foto cedida pela Professora Júlia Maria Matera. Exames complementares No dia em que o animal deu entrada no hospital veterinário, foi solicitada radiografia torácica para pesquisa de metástase, onde foi descartada esta possibilidade, e realizada punção aspirativa com agulha fina da neoformação, onde o resultado foi inconclusivo devido a grande presença de sangue. Foram solicitados ainda hemograma completo e exame bioquímico (tabelas 9 e 10). Tabela 9. Hemograma completo do dia 15 de agosto de 2016. Hemograma Eritrograma Referências Hemácias 7,8 5,0 - 10,0 x 106 / uL 39 Hemoglobina 11,8 9,8 - 16 g/dL Hematócrito 35,3 30-45% RDW (red cell distribution width) - 14-17% VCM (volume corpuscular médio) 45,3 39-55 fL CHCM (concentração de hemoglobina corpuscular média) 33,5 30-36 % Plaquetas 355 300 - 800 x 103/uL Proteínas Plasmáticas Totais 7,8 5,5 -7,7 g/dL Leucograma Leucócitos Totais 12530 5500 - 19000/uL Neutrófilos segmentados 10125 2500 - 12800/uL Eosinófilos 125 0 - 800/uL Basófilos 0 0 - 900/uL Monócitos 1000 0 - 900/uL Linfócitos 1250 1500 - 7000/uL Observações poiquilocitose + Tabela 10. Exame bioquímico do dia 15 de agosto de 2016. Bioquímico Sérico Referência ALT (alanina aminotransferase) 8,9 <75 U/L AST (aspartato aminotransferase) 30,5 < 60 U/L Albumina 2,2 2,7 - 3,9 g/L FA (fostatase alcalina) 230 < 93 U/L Triglicérides 38,9 27 - 94 mg/dL Colesterol 186,8 75 - 250 mg/dL Creatinina 1,49 1,0 - 1,6 mg/dL Ureia 54 30 - 65 mg/dL Em retorno no dia 22 de agosto de 2016, foi realizada nova punção aspirativa com agulha fina, onde o resultado foi sugestivo de sarcoma. Com base nisso, uma vez que não havia alterações nos exames sanguíneos, a cirurgia foi agendada para o dia 12 de setembro. 40 Tratamento e evolução No dia em que o animal deu entrada no hospital veterinário foi prescrito limpeza da ferida com Soapex® e rifamicina spray, a cada 12 horas, controle da dor com cloridrato de tramadol 2 mg/kg a cada 8 horas durante 5 dias. No retorno do dia 22 de agosto de 2016, a ferida se apresentava com uma ulceração menor e com ausência de sangramento. No dia 12 de setembro foi realizado o procedimento cirúrgico. A medicação pré- anestésica foi realizada com dexmedetomidina 13 mg/kg e meperidina 3 mg/kg ambas por via intramuscular, a indução com propofol 6mg/kg intravenoso e a manutenção com isoflurano. A antissepsia foi realizada com álcool e iodo povidine e o animal foi colocado em decúbito lateral direito. Foi realizada incisão quadrangular ao redor da neoformação, com margem cirúrgica de segurança de três centímetros. Uma vez que a neoformação estava aderida a planos profundos, foi necessária a realização de excisão de parte da musculatura abdominal, bem como de toracotomia e posterior ressecção em bloco da oitava a décima terceira costela do antímero esquerdo. O diafragma foi desinserido e reposicionado na sétima costela com náilon 4-0, utilizando ponto simples separado. Na sequência foram realizadas as aproximações da musculatura abdominal e uma tela sintética de polipropileno foi utilizada para preencher o espaço da parede torácica defeituosa e da musculatura abdominal (imagem 2). O material foi enviado para análise histopatológica. No pós-operatório imediato foi administrado dipirona sódica 25mg/kg, metadona 0,2mg/kg, meloxicam 0,1 mg/kg, todos por via intravenosa. A tutora ficou encarregada de levar em colega para a administração de Convenia®. Foi prescrito a administração de dipirona sódica 25 mg/kg a cada 12 horas durante 5 dias, cloridrato de tramadol 2 mg/kg a cada 6 horas durante 5 dias, amitriptilina em gel com aplicação no pavilhão auricular, para controle da dor neuropática e limpeza da ferida cirúrgica com água, sabão neutro e aplicação de rifamicina spray. No retorno após 7 dias da realização do procedimento cirúrgico, a tutora se queixava de alguns episódios de êmese e anorexia, sendo assim foi prescrito omeprazol 1mg/kg a cada doze horas até novas recomendações e cloridrato de 41 ranitidina 2 mg/kg a cada doze horas até novas recomendações. Ainda, foram solicitados hemograma completo e exame bioquímico para controle clínico (tabelas 11 e 12). Por fim, agendado outro retorno em uma semana para acompanhamento clínico e retirada dos pontos. Imagem 2. A – Divulsão do tecido subcutâneo antes da abertura da cavidade abdominal e torácica. B – Aplicação da tela de polipropileno com o objetivo de diminuir o defeito da caixa torácica e da musculatura abdominal. C – Aspecto da biópsia excisional. D – Aspecto final da ferida cirúrgica após a cirurgia reconstrutiva. Foto cedida pela Professora Júlia Maria Matera. Tabela 11. Hemograma do dia 19 de setembro de 2016. Hemograma Eritrograma Referências Hemácias 6,52 5,0 - 10,0 x 106 / uL A B D C 42 Hemoglobina 9,3 9,8 - 16 g/dL Hematócrito 27,1 30-45% RDW (red cell distribution width) - 14-17% VCM (volume corpuscular médio) 41,6 39-55 fL CHCM (concentração de hemoglobina corpuscular média) 34,2 30-36 % Plaquetas 341 300 - 800 x 103/uL Proteínas Plasmáticas Totais 6,33 5,5 -7,7 g/dL Leucograma Leucócitos Totais 19600 5500 - 19000/uL Neutrófilos segmentados 16666 2500 - 12800/uL Eosinófilos 326 0 - 800/uL Basófilos 0 0 - 900/uL Monócitos 1304 0 - 900/uL Linfócitos 1304 1500 - 7000/uL Observações Neutrófilos tóxicos. Tabela 12. Exame bioquímico do dia 19 de setembro de 2016. Bioquímico Sérico Referência ALT (alanina aminotransferase) 7,9 <75 U/L AST (aspartato aminotransferase) 18,7 < 60 U/L Albumina 1,94 2,7 - 3,9 g/L FA (fostatase alcalina) 2,5 < 93 U/L Triglicérides 66,2 27 - 94 mg/dL Colesterol 233,8 75 - 250 mg/dL Creatinina 1,36 1,0 - 1,6 mg/dL Ureia 67 30 - 65 mg/dL No dia 26 de agosto o paciente retornou para reavaliação. Como a ferida estava cicatrizada e sem secreções os pontos foram retirados (imagem 3). O resultado do histopatológico confirmou a suspeita prévia de sarcoma de tecidos moles grau II/V e indicou que as margens cutâneas e profundas do fragmento encaminhado estavam livres de processo neoplásico. Com base nisso, o paciente recebeu alta clínica e foi sugerido retornos periódicos para reavaliação. 43 Imagem 3. Aspecto da ferida cirúrgica cicatrizada no dia em que o animal recebeu alta clínica. Foto cedida pela Professora Júlia Maria Matera. Discussão Com base no resultado do histopatológico e do histórico de administração subcutânea de fármaco, conclui-se que possivelmente trata-se de uma neoformação denominada sarcoma de aplicação ou sarcoma de injeção. Embora a aplicação das vacinas antirrábicas e contra o vírus da leucemia felina, sejam as mais implicadas com o aparecimento do tumor, existem relatos que citam a ocorrência destes após a aplicação subcutânea e intramuscular da vacina tríplice felina (parvovírus, herpesvírus-1 e calicivírus) e de fármacos como antibióticos, dexametasona, metoclopramida, corticosteróides, fluidoterapia subcutânea e antipulgas injetáveis (AMORIM, 2007). A presença de uma massa em um local comumente utilizado para injeções subcutâneas e intramusculares deve alertar o clínico para a possibilidade de um sarcoma de aplicação (áreas interescapular, paralombar ou do flanco, torácica dorsolateral, dorsal do pescoço ou tórax e femoral). Essa neoplasia pode se desenvolver até três anos depois no local que foi utilizado para vacinação, com média de aproximadamente um ano após a aplicação, o que coincide com o tempo do caso descrito. Os sarcomas de locais de injeção são muito invasivos localmente e a presença de metástases é rara, quando pesquisada durante o estadiamento clínico do paciente. (HENDRICK et al., 1994). Antes do processo cirúrgico, a veterinária responsável pelo caso achava que não seria necessário realizar uma cirurgia tão invasiva, entretanto, na maioria dos 44 casos de sarcoma de aplicação o volume tumoral detectado é o dobro daquele estimado durante o exame físico do paciente, por isso torna-se necessário que a avaliação do volume tumoral seja realizada através de tomografia computadorizada ou ressonância magnética para realizar o planejamento cirúrgico previamente (MCENTEE, 2001). O tratamento de escolha é o cirúrgico, porém em muitos casos mesmo quando a excisão cirúrgica é agressiva utilizando-se amplas margens de segurança, ela normalmente é incompleta (AMORIM, 2007). Ainda, os sarcomas são considerados pouco responsivos à quimioterapia. Entretanto, ela pode ser utilizada no pré ou pós- operatório, quando a cirurgia não é efetiva, nos casos de recidiva, metástases ou quando o tumor não por passível de ressecção cirúrgica. Como no caso descrito, o histopatológico indicou margens livres de processos neoplásicos, optou-se por não submeter o animal a sessões de quimioterapia. A prevenção pode ser feita através da avaliação do risco versus benefício sobre qualquer medicação injetável e todos os tipos de vacinas para felinos, devendo estes serem considerados cuidadosamente. Os gatos que necessitem de aplicações injetáveis devem ter a localização, via de aplicação, o nome do medicamento/vacina, fabricante e o lote anotados na ficha clínica, para que este local seja evitado em novas aplicações, bem como possam ser observadas alterações nestes determinados locais, principalmente em aplicações subcutâneas (MONTANHA, 2013). Em suma, o sarcoma pós-vacinal felino é um desafio para os médicos veterinários, pois são difíceis de tratar e potencialmente inevitáveis. Ele se desenvolve após a aplicação de substâncias injetáveis, incluindo a vacinação. Por esses motivos, deve-se evitar as aplicações de medicações subcutâneas em excesso e realizar uma revisão dos procedimentos vacinais, objetivando um menor número de casos da doença no futuro. Entretanto, a decisão de vacinar ou não os gatos não é uma escolha entre um procedimento seguro e outro não. Ambos trazem um risco, mas esse não é mutuamente exclusivo. A decisão de não vacinar o gato não elimina a chance de esse animal desenvolver o sarcoma, mas aumenta o risco dele contrair doenças que lhe oferecem risco de vida. Esse problema está longe de 45 ser resolvido por si só e, por isso, é importante que os veterinários participem ativamente na prevenção, monitorizarão e tratamento desta doença. 46 4.3 Caso clínico 3 Resenha Nome do animal: Bob Espécie: canina Raça: SRD Idade: 11 anos Sexo: macho Peso: 12,0 kg Anamnese – queixa principal Animal foi levado ao Hospital Veterinário da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo no dia 12 de agosto de 2016, com histórico de tosse há dois meses, supostamente responsiva a corticoterapia. Tutora refere piora progressiva no quadro clínico (síncope, mucosas cianóticas e hematêmese) há 2 semanas. Refere imunoprofilaxia e vermifugação atualizadas. Exame físico Frequência cardíaca: 160 batimentos por minuto; bulhas cardíacas normorrítimicas e normofonéticas; Frequência respiratória: animal taquipneico; campos limpos; T °C: 40,6; TPC: 2 segundos; Mucosas: cianóticas; Hidratação: adequada; Pulso: forte e regular; Linfonodos: sem alterações à palpação; 47 Nível de consciência: apático. Exames complementares No dia em que o animal deu entrada no hospital veterinário, foi realizado radiografia da região cervical e torácica, a qual foi indicativa de compressão traqueal, com pequena irregularidade da mucosa (com área de extensão de aproximadamente dois centímetros de comprimento e estreitamento do lúmen traqueal em cerca de 50%) em região torácica, próxima ao primeiro espaço intercostal. Foi solicitado hemograma completo urgente (tabela 13) em decorrência da possibilidade de procedimento cirúrgico no dia seguinte. Tabela 13. Hemograma completo do dia 12 de agosto de 2016. Hemograma Eritrograma Referências Hemácias 5 5,5 - 8,5 x 106 / uL Hemoglobina 11,5 12 - 18 g/dL Hematócrito 30 37-55% RDW (red cell distribution width) - 14-17% VCM (volume corpuscular médio) 65 60-77 fL CHCM (concentração de hemoglobina corpuscular média) 34 31 - 36% Plaquetas 300 200 - 600 x 103/uL Proteínas Plasmáticas Totais 6,5 6,0 - 8,0 g/dL Leucograma Leucócitos Totais 19185 6000 - 17000/uL Neutrófilos segmentados 14500 3000 - 11500/uL Eosinófilos 1950 100 - 1250/uL Basófilos 300 raros Monócitos 1235 150 - 1350/uL Linfócitos 1200 1000 - 4800/uL Observações Tratamento e evolução 48 No dia em que deu entrada no hospital veterinário, o animal foi encaminhado para o Pronto Atendimento Crítico onde foi fornecido oxigênioterapia e administrado meperidina 5 mg/kg intramuscular. Em decorrência do agravamento no quadro de dispneia, no mesmo dia em que deu entrada, o animal foi encaminhado ao centro cirúrgico para realização de traqueostomia terapêutica, com passagem de sonda endotraqueal de número 6 e coleta de secreção traqueal para cultura e antibiograma, onde houve crescimento de Staphylococcus spp coagulase positivo, sensível somente à amoxicilina com clavulanato de potássio, doxiciclina e gentamicina. Foi prescrito para o pós-cirúrgico amoxicilina com clavulanato de potássio 22 mg/kg a cada doze horas durante 10 dias, cloridrato de ranitidina 2 mg/kg a cada doze horas durante 10 dias e cloridrato de tramadol 3 mg/kg a cada 8 horas durante 5 dias. Após a traqueostomia, o animal apresentou-se estável e retornou para casa. A tutora foi orientada a retornar no dia seguinte para a realização da biópsia excisional da neoformação. Levando em consideração que a neoformação se encontrava na porção torácica da traqueia, para a realização da biópsia excisional foi necessário acesso cirúrgico através de esternotomia mediana. Sendo assim, o animal foi posicionado em decúbito dorsal e após incisão da pele, subcutâneo e divulsão da musculatura do esterno, com auxílio de uma serra de esterno foi realizada incisão longitudinal na linha mediana desde a cartilagem do manúbrio até a segunda esternébra (com objetivo de manter as esternébras caudais para reduzir a dor no pós-operatório e evitar o prolongamento da cicatrização do esterno). As bordas do esterno foram afastadas com afastador de Finochietto e foi realizada divulsão da musculatura cervical, com o propósito de colocar dois pontos de reparo (um cranialmente à neoformação e o outro caudalmente) antes de realizar a biópsia excisional. Posteriormente, foi realizada incisão entre os anéis traqueais, cranialmente e caudalmente à neoformação, e por fim ressecção de doze anéis traqueais deixando margem de segurança ampla para evitar recidivas. O material medindo 4,9 x 2,5 x 2,4 centímetros foi encaminhado para o setor de Patologia Animal para análise histopatológica. A anastomose traqueal terminoterminal foi realizada em dois planos de sutura simples (com Caprofyl e Nylon 3-0) e com o auxílio de quatro suturas 49 aliviadoras de tensão ao redor das cartilagens. A esternorrafia com realizada com fios de Nylon 0 em padrão simples isolado. A síntese do subcutâneo e da pele foi efetuada com padrão de Cushing e ponto simples isolado respectivamente, ambas com Nylon 2-0. Após uma semana o resultado do histopatológico indicou mastocitoma de grau II (PATNAIK et al., 1984) e mastocitoma de alto grau (KIUPEL et al., 2011). No dia 25 de agosto foi iniciada a quimioterapia com sulfato de vimblastina 2 mg/m2 (com quatro aplicações a cada 7 dias e quatro aplicações a cada 14 dias), lomustina 3 mg/m2 (por via oral, a cada 24 horas, até novas recomendações) e prednisona (2 mg/kg a cada 24 horas durante 7 dias, após 1 mg/kg a cada 24 horas durante 15 dias e por fim 0,5 mg/kg a cada 24 horas até novas recomendações). Para amenizar os efeitos colaterais dos quimioterápicos foi solicitado manter o cloridrato de ranitidina 2 mg/kg a cada doze horas até o final do tratamento. No retorno no dia 1 de setembro de 2016, para a realização da segunda sessão de aplicação de sulfato de vimblastina, tutora referia anorexia e episódios isolados de vômitos. Foi prescrito ondansetrona 1mg/kg a cada 24 horas e metronidazol 30mg/kg a cada 12 horas até novas recomendações. Foi solicitado contagem leucocitária, a qual indicou severa leucopenia (800 leucócitos/uL), sendo assim a veterinária responsável suspendeu a lomustina e neste dia não foi realizada a administração do sulfato de vimblastina. Foi prescrito Leucogen xarope (5mL a cada 24 horas até novas recomendações) e marcado retorno para o dia 5 de setembro para avaliar a possibilidade de administrar a segunda sessão de sulfato de vimblastina. No dia 5 de setembro a tutora referia piora no quadro do animal (prostação, anorexia e aquezia), foi realizado hemograma completo (tabela 14). Tabela 14. Hemograma completo do dia 5 de setembro de 2016. Hemograma Eritrograma Referências Hemácias 4,2 5,5 - 8,5 x 106 / uL Hemoglobina 6,4 12 - 18 g/dL Hematócrito 20 37-55% 50 RDW (red cell distribution width) - 14-17% VCM (volume corpuscular médio) 73 60-77 fL CHCM (concentração de hemoglobina corpuscular média) 32 31 - 36% Plaquetas 8 200 - 600 x 103/uL Proteínas Plasmáticas Totais - 6,0 - 8,0 g/dL Leucograma Leucócitos Totais 200 6000 - 17000/uL Neutrófilos segmentados - 3000 - 11500/uL Eosinófilos - 100 - 1250/uL Basófilos - raros Monócitos - 150 - 1350/uL Linfócitos - 1000 - 4800/uL Observações Anisocitose + Diferencial não realizado devido à leucopenia A D C B 51 Imagem 4. A – C – Aspecto do material que foi enviado ao exame histopatológico após a biópsia excisional. B – Aspecto do campo cirúrgico após esternotomia. D – Realização da síntese do esterno. Ainda no dia 5 de setembro o animal teve agravamento no quadro e foi encaminhado ao Pronto Atendimento Crítico aonde veio a óbito devido à parada cardiorrespiratória. Discussão Os tumores traqueais são incomuns em cães, ocorrendo apenas relatos de condromas, condrossarcomas, osteossarcomas e adenocarcinomas. (MACPHAIL, 2014). Há descrito na literatura ainda: plasmocitoma, leiomioma, fibrosarcoma e rabdomiossarcoma (RAMÍREZ et al., 2015). Com base no resultado do exame histopatológico, trata-se de mastocitoma traqueal. Desta forma, os sinais clínicos que o animal apresentava estão relacionados à localização da neoformação na traqueia. Sendo assim, a tosse é justificada pelo insulto mecânico e químico que a neoformação causava, uma vez que o epitélio traqueal é rico em receptores da tosse. A dispneia esta relacionada à compressão mecânica (segundo laudo patológico, existia formação polipoide invadindo o lúmen traqueal medindo aproximadamente 1 centímetro de diâmetro e na radiografia era possível observar estreitamento de 50% do lúmen em decorrência da neoformação extraluminal) e a broncoconstrição causada pela liberação de histamina (os brônquios possuem receptores H1). Da mesma forma, a hematêmese possivelmente ocorria em decorrência da degranulação dos mastócitos e liberação de histamina. A histamina possui ação em receptores H2 presentes no estômago, onde é uma das responsáveis pela secreção de suco gástrico. Com o aumento da liberação de histamina e consequentemente de suco gástrico, haverá formação de úlceras pépticas, justificando a hematêmese. A acentuação da dispneia no dia em que o animal deu entrada no hospital veterinário possivelmente está fundamentada na administração de meperidina quando o animal se encontrava no Pronto Atendimento Crítico. Alguns medicamentos, em especial os opioides (meperidina, morfina e codeína) em alguns casos, podem induzir a degranulação mastocitária e consequentemente aumentar os níveis de histamina (FONSECA, 2013). 52 As alterações encontradas no primeiro hemograma são justificadas pela presença do mastocitoma, aonde, leucocitose pela presença de neutrofilia e eosinofilia marcante, bem com anemia discreta são comumente encontradas em animais com tumores de mastócitos (COUTO, 2010). Para o diagnóstico de neoplasias traqueais, além da radiografia (onde em muitos casos as neoformações podem ter a densificação radiográfica semelhante a dos tecidos moles ao redor e confundir o clínico), a traqueoscopia com a utilização de broncoscópio flexível pode ser útil não só para o diagnóstico, como também para a realização de biópsias incisionais (MACPHAIL, 2014). Ainda, torna-se fundamental avaliar as radiografias torácicas para ver a possível presença de metástase. A tomografia computadorizada e/ou ressonância magnética são importantes para mostrar a invasibilidade mais precisa da neoformação, auxiliando desta forma o planejamento cirúrgico (MACPHAIL, 2014). O comportamento clínico e biológico do mastocitoma é bastante variável, podendo se apresentar como uma lesão de caráter pouco agressivo a lesões localmente infiltrativas e com alto potencial metastático. Sendo assim, optou-se no primeiro momento pelo tratamento cirúrgico uma vez que improvavelmente a neoplasia iria regredir apenas com a quimioterapia. Vale ressaltar que dependendo do grau de elasticidade e tensão traqueal, pode-se resseccionar e anastomosar aproximadamente 20 a 50% da traqueia de um cão adulto, o que diz respeito a aproximadamente oito a dez aneis traqueais. As suturas aliviadoras de tensão utilizadas na anastomose traqueal são fundamentais para prevenir anastomose imprecisa e tensão no local de sutura, além de facilitar o cirurgião e evitar a ocorrência de estenose traqueal (MACPHAIL, 2014). Existem outras opções cirúrgicas que poderiam ser utilizadas, com o objetivo de reparar defeitos traqueais causadas pela presença de neoformações, tais como a restauração com o músculo esterno-hioideo (BRAGA et al., 2004) ou a traqueoplastia com transplante autógeno ou homógeno de cartilagem da pina (CONTESINI, 2001). Entretanto, as veterinárias não optaram por esta opção uma vez que neste caso a traqueia apresentava grau de elasticidade e tensão favoráveis para a anastomose terminoterminal. 53 O tratamento mais comumente utilizado em mastocitomas envolve a ressecção cirúrgica seguida de quimioterapia antineoplásica. Apesar de a cirurgia ser o tratamento de eleição, em alguns casos devido à localização e o tamanho do tumor é necessária a utilização de quimioterapia neoadjuvante na tentativa de reduzir o tamanho da lesão facilitando a ressecção com margens adequadas de segurança (JARK, 2013). Neste caso, optou-se por realizar o tratamento em dois passos distintos, primeiro o cirúrgico e na sequência o medicamentoso, através da quimioterapia. Em casos de mastocitoma com grau 1 ou 2, solitários, com ausência de metástase e onde através de ressecção cirúrgica é possível remover toda a neoformação com margem de segurança, como é o que ocorre neste paciente, geralmente não há necessidade de tratamento adicional com quimioterapia (MACPHAIL, 2014). De uma forma geral, os protocolos de mastocitoma canino abrangem os três fármacos utilizados neste animal, ou seja, o sulfato de vimblastina, a lomustina e a prednisona. Entretanto, diferentemente da posologia utilizada neste paciente, com o objetivo de prevenir hipoplasia e/ou aplasia medular causada pela lomustina, a mesma tem que ser administrada na dose média de 60mg/m2 por via oral a cada 6 semanas, alternando as doses com vimblastina 2mg/m2 intravenoso a cada 6 semanas (o animal deveria receber lomustina, 3 semanas após vimblastina, 3 semanas após lomustina novamente e assim sucessivamente). Desta forma, a intensa linfopenia e trombocitopenia encontrada no hemograma do dia 5 de setembro podem ser explicadas pela administração excessiva dos quimioterápicos prescritos. 54 4.4 CASO CLÍNICO 4 Resenha Nome do animal: Bob Espécie: canina Raça: SRD Idade: 2 anos Sexo: macho Peso: 13,3 kg Anamnese – queixa principal Animal foi levado ao Hospital Veterinário Arca de Noé no dia 11 de outubro de 2016, com histórico de apatia, anorexia, hipodipsia e urina com coloração escura. Tutor refere vermifugação há 2 meses e vacinação somente quando filhote. Nega presença de ectoparasitas e refere possível contato com roedores. Exame físico Frequência cardíaca: 180 batimentos por minuto; bulhas cardíacas normorrítimicas e normofonéticas; Frequência respiratória: animal taquipneico; campos limpos; T °C: 40,0; TPC: 2 segundos; Mucosas: ictéricas (imagem 5); Hidratação: 7%; Pulso: forte e regular; Linfonodos: sem alterações à palpação; Nível de consciência: apático. 55 Imagem 5. Conjuntiva escleral apresentando-se ictérica. Arquivo pessoal. Exames complementares No dia que o animal deu entrada no hospital, foram realizados hemograma, exames de bioquímicos, (tabelas 15 e 16 respectivamente) e ultrassonografia abdominal. Tabela 15. Hemograma completo do dia 11 de outubro de 2016. Hemograma Eritrograma Referências Hemácias 5,03 5,5 - 8,5 x 106 / uL Hemoglobina 12,1 12 - 18 g/dL Hematócrito 34 37-55% RDW (red cell distribution width) 151 14-17% VCM (volume corpuscular médio) 67,6 60-77 fL CHCM (concentração de hemoglobina corpuscular média) 35,58 32-36 % Plaquetas 200 200 - 500 x 103/uL Proteínas Plasmáticas Totais 7,8 6,0 – 8,0 g/dL Leucograma Leucócitos Totais 25500 6000 - 17000/uL Neutrófilos segmentados 22450 3000 - 11500/uL Eosinófilos 120 100 - 1250/uL Basófilos 0 raros Monócitos 800 150 - 1350/uL 56 Linfócitos 2180 1000 - 4800/uL Observações Plasma ictérico, neutrófilos tóxicos e monócitos ativados. Tabela 16. Exame bioquímico do dia 11 de outubro de 2016. Bioquímico Sérico Referência ALT (alanina aminotransferase) 210 <102 U/L Creatinina 7,13 0,5 - 1,5 mg/dL Ureia 301, 5 21 - 60 mg/dL O exame ultrassonográfico evidenciou o fígado hipoecogênico, heterogêneo e levemente aumentado. A vesícula biliar apresentou depósito ecogênico (lama biliar). Presença de nefromegalia. Tento em vista a queixa do tutor de a urina estar escurecida, foi solicitada urinálise (tabela 17), após cateterismo vesical. Tabela 17. Urinálise do dia 12 de outubro de 2016. Urinálise Exame químico Exame físico pH ( 5,5 - 7,5) 6 Cor (amarela) amarelo escuro Corpos cetônicos (ausente) - Odor (sui generis) sui generis Glicose (ausente) - Aspecto (límpido) turvo Pigmentos biliares (ausente) +++ Densidade (1,015 - 1,045) 1,013 Proteína (ausente) ++ Hemoglobina (ausente) +++ Sangue oculto (ausente) + Sedimentos (número de elementos/ campo de 400x) Células epiteliais (ocasionais) 0-3 Hemácias (0 a 5) < 5 Leucócitos (0 a 5) 05-20 Bactérias (ausente) severa 57 A partir do histórico, sinais clínicos e exames complementares, o diagnóstico presuntivo foi de leptospirose. Desta forma, foi solicitado no dia 12 de outubro teste de soro-aglutinação para diagnóstico de leptospirose, o qual apresentou resultado positivo para os sorovares Lepstospira canicola (1:400), L. djasiman (1:400), L. javanica (1:200), L. copenhageni (1:800), L. icterohaemorragiae (1:1600). Tratamento e evolução No dia de entrada no hospital veterinário o animal passou a receber fluidoterapia com ringer lactato (3mL/kg/hora) e iniciado o tratamento com doxiciclina (5mg/kg a cada 12 horas, intravenoso), omeprazol (1mg/kg a cada 24 horas, intravenoso), sucralfato (500mg/kg a cada 12 horas, via oral). Dois dias após a entrada do animal no hospital houve piora progressiva no quadro clínico, com acentuação da apatia e persistência da leucocitose (tabela 18). Tabela 18. Leucograma realizado no dia 13 de outubro de 2016. Leucograma Referências Leucócitos Totais 47350 6000 - 17000/uL Neutrófilos segmentados 42150 3000 - 11500/uL Eosinófilos 120 100 - 1250/uL Basófilos 0 raros Monócitos 1230 150 - 1350/uL Linfócitos 3850 1000 - 4800/uL Em decorrência do agravamento no quadro clínico, foram realizadas alterações no protocolo terapêutico, com substituição da doxiciclina pela ampicilina sódica (22mg/kg a cada 8 horas) e, após 5 dias da utilização desta, foi realizado um outro hemograma completo onde foi possível observar redução do número de leucócitos totais e neutrófilos segmentados (tabela 19), o que possivelmente é indicativo da efetividade da ampicilina sódica no tratamento. Tabela 19. Leucograma realizado no dia 18 de outubro de 2016. Hemograma Eritrograma Referências Hemácias 5,07 5,5 - 8,5 x 106 / uL 58 Hemoglobina 12,3 12 - 18 g/dL Hematócrito 36 37-55% RDW (red cell distribution width) 14,9 14-17% VCM (volume corpuscular médio) 71 60-77 fL CHCM (concentração de hemoglobina corpuscular média) 34,2 32-36 % Plaquetas 250 200 - 500 x 103/uL Proteínas Plasmáticas Totais 72 60 - 80 g/dL Leucograma Leucócitos Totais 19800 6000 - 17000/uL Neutrófilos segmentados 14750 3000 - 11500/uL Eosinófilos 430 100 - 1250/uL Basófilos 0 raros Monócitos 1300 150 - 1350/uL Linfócitos 3320 1000 - 4800/uL Observações Plasma ictérico Após o uso da ampicilina sódica, a qual foi utilizada até a normalização da contagem leucocitária (10º dia de tratamento), com o objetivo de eliminar a fase de portador renal foi prescrito o tratamento com doxiciclina na dose de 5 mg/kg a cada 12 horas durante 14 dias. Discussão A leptospirose é uma doença infectocontagiosa que acometem animais e seres humanos, podendo ser causada por diferentes sorovares de Leptospira interrogans e L. kirschneri. No ambiente urbano, o cão e os ratos são os principais reservatórios da doença, sendo que o primeiro tem um papel importante na transmissão ao homem, uma vez que os cães possuem a capacidade de manter a bactérias em seus rins, podendo eliminá-las na urina sem apresentar sinais clínicos (LAPPIN, 2010). Na análise do primeiro eritrograma, é possível observar anemia normocítica normocrômica (redução dos valores de hemácias, hemoglobina, hematócrito e valores de VCM e CHCM dentro da normalidade, respectivamente), possivelmente 59 caracterizando uma anemia não regenerativa, a qual poderia ser confirmada com a contagem de reticulócitos. O plasma ictérico é explicado pela hemólise intravascular, pois a destruição de eritrócitos, causada pela bacteremia, provoca a liberação de hemoglobina que se divide em porção globina e grupo heme. A globina sofre proteólise com reaproveitamento dos aminoácidos, e o grupo heme, após a extração da molécula de ferro, é convertido em bilirrubina não conjugada que circula ligada a albumina plasmática para a conjugação nos hepatócitos. Desta forma, o aumento nos níveis de bilirrubina dá ao plasma a coloração amarelada, característico da icterícia (THRALL et al., 2006). No primeiro leucograma observa-se leucocitose pelo aumento da contagem de neutrófilos (neutrofilia), neutrófilos tóxicos e monócitos ativados, onde todas essas alterações são indicativas de uma resposta do organismo do animal à agressão sofrida pela infecção (NAVARRO, 2005). Os exames bioquímicos mostraram uma elevação dos níveis de ureia e creatinina sanguíneas caracterizando um quadro de azotemia. A ureia é excretada principalmente pela urina e a excreção de creatinina só se realiza por via renal, assim, altos níveis desses metabólitos indicam uma deficiência na funcionalidade renal que, neste caso, é característica de insuficiência renal aguda por glomerulonefrite que, em geral, se deve a doença infecciosa. A ALT é um bom indicador de hepatopatias agudas em cães principalmente em doenças hepatocelulares de causas infecciosas, e o aumento dos níveis plasmáticos desta enzima está relacionado com o número de células envolvidas, ou seja, com a extensão, e não com a gravidade da lesão, portanto quanto mais altos forem os níveis de ALT plasmática maior a quantidade de hepatócitos afetados (THRALL et al., 2006). O baixo valor da densidade urinária pode indicar menor capacidade dos túbulos renais em concentrar a urina ou simplesmente pode ter ocorrido uma maior diluição da mesma em decorrência da fluidoterapia. O aspecto turvo é justificado pela presença de células epiteliais, eritrócitos, leucócitos e bactérias na amostra. A cor amarelo-escura foi devido à bilirrubinúria intensa. A hemoglobinúria ocorre devido a hemólise intravascular e a proteinúria pode ser resultado da lesão glomerular ou devido ao sangue oculto presente na amostra. Por fim, a presença de leucócitos 60 sugere uma infecção, e a presença de células epiteliais em associação a leucosúria, hematúria e bacteriúria severa constatam um quadro de cistite (NAVARRO, 2005). O teste de soro-aglutinação para leptospirose deve ser interpretado cuidadosamente, uma vez que os títulos positivos podem ser decorrentes de infecção ativa, infecção prévia ou mesmo vacinação. Ainda, o sorovar com título mais alto geralmente é considerado o sorovar infectante, neste caso L. icterohaemorragiae. Em contrapartida, o diagnóstico definitivo deve ser estabelecido através da demonstração do organismo na urina (microscopia de campo escuro), sangue ou tecidos (LAPPIN, 2010). O primeiro ponto do tratamento é restabelecer a volemia, através de fluidoterapia com isotônicos. Em muitos casos é necessária à administração de diuréticos devido ao envolvimento renal, principalmente naqueles onde os níveis de ureia e creatinina estão aumentados. A ampicilina é o antibiótico de escolha no tratamento inicial e a doxiciclina geralmente é utilizada somente na fase final do tratamento, com o objetivo de eliminar a fase de portador renal (LAPPIN, 2010). O tutor foi orientado sobre restringir a ingestão de água potencialmente contaminada pelo seu cão, bem como sobre a importância da atualização das vacinações, com o objetivo de diminuir o risco de exposição e prevenção de uma nova infecção, respectivamente. Ao reunir os achados do exame clínico, anamnese e exames complementares, bem como o resultado da sorologia, concluiu-se que se trata de um caso de leptospirose canina. 61 4.5 CASO CLÍNICO 5 Resenha Nome do animal: Marley Espécie: canina Raça: Labrador Idade: 8 meses Sexo: macho Peso: 23,7 kg Anamnese – queixa principal Animal foi levado ao Hospital Veterinário Arca de Noé no dia 20 de outubro de 2016, com histórico de tosse, dispneia, hematêmese – sangramento p