1 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “Júlio de Mesquita Filho” Instituto de Geociências e Ciências Exatas Câmpus de Rio Claro HERMES DIAS BRITO MAPEAMENTO GEOAMBIENTAL COMO SUBSÍDIO À SELEÇÃO DE ÁREAS PARA IMPLANTAÇÃO DE CENTRAIS DE TRATAMENTO DE RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS: APLICAÇÃO AO MUNICÍPIO DE SANTA CRUZ DA CONCEIÇÃO-SP Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas do Câmpus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Geociências e Meio Ambiente. Orientador: Prof. Dr. Fábio A. G. V. Reis Rio Claro - SP 2016 2 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “Júlio de Mesquita Filho” Instituto de Geociências e Ciências Exatas Câmpus de Rio Claro HERMES DIAS BRITO MAPEAMENTO GEOAMBIENTAL COMO SUBSÍDIO À SELEÇÃO DE ÁREAS PARA IMPLANTAÇÃO DE CENTRAIS DE TRATAMENTO DE RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS: APLICAÇÃO AO MUNICÍPIO DE SANTA CRUZ DA CONCEIÇÃO-SP Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas do Câmpus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Geociências e Meio Ambiente. Orientador: Prof. Dr. Fábio A. G. V. Reis Rio Claro - SP 2016 Brito, Hermes Dias Mapeamento geoambiental como subsídio à seleção de áreas para implantação de centrais de tratamento de resíduos sólidos urbanos: aplicação ao município de Santa Cruz da Conceição-SP / Hermes Dias Brito. - Rio Claro, 2016 156 f. : il., figs., gráfs., quadros Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista, Instituto de Geociências e Ciências Exatas Orientador: Fábio Augusto Gomes Vieira Reis 1. Geologia de engenharia. 2. Ordenamento territorial sustentável. 3. Análise multicriterial. 4. Estudo de alternativas locacionais. I. Título. 624.151 B862m Ficha Catalográfica elaborada pela STATI - Biblioteca da UNESP Campus de Rio Claro/SP 3 HERMES DIAS BRITO MAPEAMENTO GEOAMBIENTAL COMO SUBSÍDIO À SELEÇÃO DE ÁREAS PARA IMPLANTAÇÃO DE CENTRAIS DE TRATAMENTO DE RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS: APLICAÇÃO AO MUNICÍPIO DE SANTA CRUZ DA CONCEIÇÃO-SP Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas do Câmpus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Geociências e Meio Ambiente. Comissão Examinadora Fábio Augusto Gomes Vieira Reis Vania Silvia Rosolen Wilson José De Oliveira Rio Claro (SP), 7 de Dezembro de 2016 Resultado: APROVADO 4 AGRADECIMENTOS Meus agradecimentos à Universidade Estadual Paulista, ao Programa de Pós- Graduação em Geociências e Meio Ambiente e aos professores Dr. Juércio Tavares de Mattos, Dr. José Ricardo Sturaro, Dr. José Eduardo Zaine, Dra. Paulina Setti Riedel, Dr. George Luiz Luvizotto, Dr. Edgardo Manuel Latrubesse, Dr. Paulo Milton Barbosa Landim e Dr. Andréia Medinilha Pancher, com os quais tive a honra de aprender e conviver durante as disciplinas cursadas. Agradeço à Rosângela Vacello e a toda equipe da seção técnica de pós-graduação da Unesp de Rio Claro. Agradeço ao meu orientador Prof. Dr. Fábio Augusto Gomes Vieira Reis pela paciência e auxílio prestado desde a etapa de delimitação do tema da pesquisa até a fase de obtenção dos resultados e discussões finais do trabalho. Agradeço aos professores Dr. Marcus Cesar Avezum Alves de Castro e Dra. Vânia Silvia Rosolen por contribuições fundamentais na fase de qualificação. Agradeço à minha querida Claudia Vanessa dos Santos Corrêa, Mestre e Ecóloga, pela colaboração na realização desta dissertação, incluindo discussões, auxílio com a fundamentação teórica, dicas de geoprocessamento e nas correções ortográficas e gramaticais. Agradeço ao meu pai Dimas Dias Brito pelo auxílio na melhora da comunicação científica do trabalho. Agradeço ao Centro de Geociências Aplicadas ao Petróleo (UNESP-IGCE- UNESPetro) por ter cedido toda a infraestrutura necessária para a realização desta pesquisa e a equipe da administração do centro: José Maria Cazonatto, Rodrigo Goya, Fabiana Ruiz Y. Garcia Rissi e Deryk Biotto. Agradeço ao amigo Flávio Henrique Rodrigues, Engenheiro Ambiental, pelos dados disponibilizados referentes à Bacia do Ribeirão do Roque. Ao Prof. Dr. Sérgio dos Anjos Ferreira Pinto e ao Geólogo Dr. Wilson José de Oliveira por terem colaborado na definição do objeto de pesquisa. Agradeço ao amigo Deryk Willyan Biotto e ao geólogo Filipe Giovanini Varejão que me auxiliaram, respectivamente, na aquisição das imagens de satélite da área de estudo e na geração do diagrama de roseta com frequências e direções dos ventos. Agradeço por fim, à minha mãe Ana, às minhas irmãs Luisa e Nara, ao meu irmão Túlio. À Ivonete do Espírito Santo pelo auxílio essencial com as tarefas domésticas. E a todos os meus amigos. A todos sou grato pelos auxílios e amizade inestimáveis, com os quais tenho a honra do convívio. Deixo registrado, ainda, minha gratidão à cidade de Rio Claro, onde, desde 1989, tenho tido oportunidades de aprendizagem e de grandes amizades. 5 RESUMO O desenvolvimento tecnológico e a implantação de Centrais de Tratamento de Resíduos Sólidos (CTRSs), incluindo aterros sanitários, podem conduzir a soluções favoráveis ao processo de tratamento e recuperação de resíduos sólidos urbanos e disposição final de rejeitos. Estas instalações podem agrupar diversas tecnologias em um único sistema, cujo funcionamento leva à economia de energia e redução de gastos com transporte, o que pode redundar em um balanço energético positivo. Todavia, se mal planejada, a implantação e funcionamento das CTRSs podem causar impactos ambientais negativos aos recursos hídricos, ar atmosférico e à saúde dos seres vivos, em particular da população humana. Por isso, as fases de planejamento e implantação devem estar em consonância com o processo de Avaliação de Impacto Ambiental, sendo indispensável a realização de estudos para a seleção de áreas ambientalmente compatíveis com o seu funcionamento. Este trabalho tem como objetivo apresentar e discutir o desenvolvimento de um mapeamento geoambiental voltado à seleção adequada de áreas para a implantação de CTRSs, tendo como foco de aplicação o pequeno município paulista de Santa Cruz da Conceição, que apresenta expressiva inconformidade ambiental em relação à gestão dos resíduos sólidos e destinação final dos rejeitos; em torno dele, num raio de 100 km, vive uma população de cerca de 7,4 milhões de pessoas. A integração de informações obtidas com o levantamento bibliográfico efetuado, a geração de banco de dados (incluindo fatores físicos, biológicos e sócio-econômicos) e a análise multicriterial em ambiente SIG conduziram à elaboração do referido mapeamento. Este teve como base fundamental estudo prévio de compartimentação fisiográfica da região do município, levando-se em conta principalmente os aspectos de permeabilidade, resistência a erosão e estabilidade a movimentos gravitacionais, que foram integrados com dados de fragmentos de vegetação, declividade, áreas de gerenciamento de risco aviário de aeródromos regionais, informações do plano diretor municipal e normas técnicas e legais. Entre os resultados obtidos com o trabalho, destaca-se, centralmente, a definição de áreas propícias à implantação de CTRSs, incluindo incineradores, e de aterros sanitários em valas e em camadas. Áreas incompatíveis para estas ações também foram reconhecidas. Este estudo oferece elementos para discussões e tomadas de decisão ligadas ao processo de implantação de Centrais de Tratamento de Resíduos e empreendimentos a elas associados, sendo aplicável a outros municípios brasileiros. É, portanto, contribuição para a estruturação de um ordenamento territorial sustentável. Palavras-chave: Ordenamento Territorial Sustentável, Central de Tratamento de Resíduos Sólidos, Mapeamento Geoambiental, Análise Multicriterial, Estudo de Alternativas Locacionais. 6 ABSTRACT Technological development and Solid Waste Treatment Plants (SWTPs), including landfills, may lead to good solutions to the process of treatment and recovery of urban solid waste. These facilities can group various technologies into a single system, whose operation leads to energy savings and reduction of transportation costs, which may result in a positive energy balance. However, if not properly planned, the setting up and operation of SWTPs can cause negative environmental impacts to water resources, atmospheric air and the health of living beings, in particular the human population. Therefore, the phases of planning and setting up of a SWTP should be in line with the process of Environmental Impact Assessment, and it is essential to carry out studies for the selection of environmentally compatible areas of functioning. This study presents and discusses the development of a geo-environmental mapping focused on the proper selection of areas for the implementation of SWTPs, with the application focus on the municipality of Santa Cruz da Conceição, a small town in the state of São Paulo, which presents significant environmental nonconformity in relation to management solid waste and disposal of waste; around it, within a radius of 100 km, lives a population of about 7.4 million people. The integration of information obtained from the literature performed, the generation of database (including physical, biological and socio-economic elements) and multi-criteria analysis in GIS environment led to the preparation of this mapping. This work had as fundamental element a previously established physiographic subdivision of the area, and took into account mainly the aspects of permeability, erosion resistance and stability to gravitational movements; these parameters have been integrated with information on fragments of vegetation, declivity, poultry risk management areas in regional aerodromes, information on director municipal plan, and legal and technical standards. Among the results obtained from this work, there is, centrally, the definition of areas for setting up a SWTP, including incinerators and landfills (in ditches and in layers). Incompatible areas for these actions were also recognized. This study provides elements for discussion and decision-making related to the implementation process of waste treatment plants and projects associated with them, being applicable to other municipalities. It is therefore contributing to the structuring of a sustainable land use. Keywords: Sustainable Land Management, Solid Waste Treatment Center, Geoenvironmental mapping, Multicriteria Analysis, Locational Alternatives Study. 7 LISTA DE SIGLAS AGRA – Área de Gerenciamento do Risco Aviário AHP – Analitical Hierarchy Process AIA – Avaliação de Impacto Ambiental APA – Área de Proteção Ambiental APP – Áreas de Preservação Permanente BIT - Binary digit (dígito binário) CAR - Cadastro Ambiental Rural CEPAGRI - Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura da Universidade Estadual de Campinas CETESB - Companhia Ambiental do Estado de São Paulo CNUC – Cadastro Nacional de Unidades de Conservação CONAMA – Conselho Nacional de Meio Ambiente CTRS – Central de Tratamento de Resíduos Sólidos DATUM – dado (latim) DBO – Demanda Bioquímica de Oxigênio EIA – Estudo de Impacto Ambiental FIESP - Federação das Indústrias do Estado de São Paulo GEE – Gases de Efeito Estufa IAC – Instituto Agronômico de Campinas IAP - Índice de qualidade das águas brutas para fins de abastecimento público IB - Índice de balneabilidade relacionado à qualidade das águas para lazer IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ICB - Índice de Comunidade Bentônica ICF - Índice de Comunidade Fitoplanctônica ICTEM - Indicador de coleta e proporção de tratamento de esgoto da população urbana ICZ - Índice de Comunidade Zooplanctônica IDHM - Índice Desenvolvimento Humano IET - Índice do Estado Trófico IG – Instituto Geológico IGR – Índice de Gestão de Resíduos INPE - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais IPCC - International Panel on Climate Change IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas IQA – Índice de Qualidade das Águas 8 IQC – Índice de Qualidade de Usinas de Compostagem IQG – Índice de Qualidade de Gestão de Resíduos Sólidos IQR - Índice de Qualidade de Aterro de Resíduos IVA - Índice de qualidade das águas para proteção da vida aquática LI – Licença de Instalação LO – Licença de Operação LP – Licença Prévia MMA – Ministério do Meio Ambiente MNT - Modelo Numérico do Terreno NASA - National Aeronautics and Space Administration NEPA – National Environmental Policy Act PBGRA – Plano Básico de Gerenciamento de Risco Aviário PIXEL - Picture e Element PNLT – Plano Nacional de Logística e Transportes PNMA – Política Nacional do Meio Ambiente PROINFA - Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica RASTER – Mapa de bits RIMA – Relatório de Impacto Ambiental RSU – Resíduos Sólidos Urbanos SIG – Sistemas de Informação Geográfica SMA – Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação SRTM - Shuttle Radar Topography Mission TMB - Tratamento Mecânico Biológico UC – Unidade de Conservação UNEP – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (United Nations Environment Programme) UNESP – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” UTM – Universal Transversa de Mercator 9 LISTA DE FIGURAS Figura 1. Índice de Gestão de Resíduos dos Municípios do Estado de São Paulo. .. 16 Figura 2. Aspectos demográficos e localização de Santa Cruz da Conceição ........... 18 Figura 3. Modelo conceitual para coleta e transporte de resíduos. ............................ 26 Figura 4. Exemplo de sistema de triagem ocorrido no local de geração do resíduo... 27 Figura 5. Central de triagem de resíduos sólidos urbanos em uma unidade de reciclagem em Madri, Espanha ................................................................................... 27 Figura 6. Triagem manual de resíduos sólidos urbanos. ............................................ 28 Figura 7. Central de triagem para o manejo de resíduos de construção civil em Santo Ângelo, no Rio Grande do Sul.. ................................................................................... 28 Figura 8. Ilustração das opções potenciais no Tratamento Mecânico-Biológico (TMB). .................................................................................................................................... 30 Figura 9. Digestão anaeróbia da matéria orgânica. .................................................... 33 Figura 10. Principais etapas do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) ......................... 45 Figura 11. Interações técnicas entre o aterro sanitário e o meio ambiente ................ 50 Figura 12. Metodologia do IG (1999) para seleção de áreas aptas para a implantação de aterros sanitários. ................................................................................................... 58 Figura 13. Fluxograma das etapas deste trabalho. .................................................... 59 Figura 14. Representação matemática da declividade. .............................................. 67 Figura 15. Exemplos de delimitação de fragmentos de vegetação ............................ 70 Figura 16. Corredores dos ventos principais que sopram na região de Santa Cruz da Conceição (área central da figura) e núcleos populacionais próximos, que foram levados em conta na escolha de áreas para implantação do incinerador e demais módulos da central de tratamento de resíduos sólidos. .............................................. 78 Figura 17. Metodologia para seleção de áreas destinadas à implantação de aterros sanitários em valas e em camadas ............................................................................. 80 Figura 18. Metodologia para seleção de áreas destinadas a implantação de incineradores e demais módulos da CTRSs. .............................................................. 81 Figura 19. Localização da área de estudo. ................................................................. 83 Figura 20. Mapa de uso e ocupação da Bacia do Ribeirão do Roque. ....................... 86 Figura 21. Mapa dos remanescentes florestais de Santa Cruz da Conceição.. ......... 87 Figura 22. Áreas de Preservação Permanente voltadas à proteção dos recursos hídricos. ....................................................................................................................... 88 Figura 23. Malha de transporte terrestre no município de Santa Cruz da Conceição. 90 Figura 24. Aeródromos mais próximos de Santa Cruz da Conceição e suas respectivas áreas de gerenciamento de risco aviário (AGRA). ................................... 91 Figura 25. Macrozonas Urbana e Rural de Santa Cruz da Conceição. ...................... 93 Figura 26. Área destinada à expansão urbana do município de Santa Cruz da Conceição (SP). .......................................................................................................... 94 Figura 27. Áreas de interesse especial ambiental, turístico e de paisagem edificada do município de Santa Cruz da Conceição (SP). ........................................................ 95 file:///G:/Hermes/Mestrado/Projeto%20Word/Projeto%20Mestrado%20Hermes.docx%23_Toc465343224 10 Figura 28. Zonas especiais de interesse industrial do município de Santa Cruz da Conceição (SP). .......................................................................................................... 96 Figura 29. Temperaturas e pluviosidade ao longo do ano no município de Santa Cruz da Conceição (SP). ..................................................................................................... 98 Figura 30. Ponto de monitoramento de qualidade de água da Cetesb na foz do Ribeirão do Roque..................................................................................................... 101 Figura 31. Represa Euclydes Morelli e a área urbana de Santa Cruz da Conceição. .................................................................................................................................. 103 Figura 32. Unidades aquíferas do Estado de São Paulo. ......................................... 104 Figura 33. Mapa das Áreas de Recarga de Aquíferos local.. ................................... 106 Figura 34. Mapa geológico da Bacia do Ribeirão do Roque. .................................... 108 Figura 35. Formas de relevo da Bacia do Ribeirão do Roque. ................................. 110 Figura 36. Mapa com classes de declividade município de Santa Cruz da Conceição (SP) ........................................................................................................................... 111 Figura 37. Mapa hipsométrico do município de Santa Cruz da Conceição (SP). ..... 112 Figura 38. Mapa Pedológico do Município de Santa Cruz da Conceição (SP) – Escala 1:150.000. Conforme IAC (2005). ............................................................................. 113 Figura 39. Unidades de compartimentação fisiográfica. Legenda com informações pedológicas para algumas unidades fisiográficas do município de Santa Cruz da Conceição (SP). Escala de mapeamento 1:50.000. .................................................. 115 Figura 40. Mapa de Permeabilidade de Santa Cruz da Conceição (SP). ................. 116 Figura 41. Mapa de resistência à erosão da região do município de Santa Cruz da Conceição (SP). ........................................................................................................ 117 Figura 42. Mapa de processos de dinâmica superficial ocorrentes no município de Santa Cruz da Conceição (SP).. ............................................................................... 118 Figura 43. Mapa de Compartimentação Fisiográfica da Bacia do Ribeirão do Roque. .................................................................................................................................. 119 Figura 44. Caracterização da unidade fisiográfica I. ................................................. 121 Figura 45. Caracterização da unidade fisiográfica III. ............................................... 122 Figura 46. Caracterização da unidade fisiográfica VI. .............................................. 123 Figura 47. Caracterização da unidade fisiográfica VII. ............................................. 124 Figura 48. Caracterização da unidade fisiográfica VIII. ............................................ 125 Figura 49. Caracterização da unidade fisiográfica IX. .............................................. 126 Figura 50. Caracterização da unidade fisiográfica X.. .............................................. 127 Figura 51. Mapa de potencial de aptidão para implantação de Aterro em Camadas no município de Santa Cruz da Conceição (SP). ........................................................... 136 Figura 52. Mapa de potencial de aptidão para implantação de Aterro em Valas no município de Santa Cruz da Conceição (SP). ........................................................... 137 Figura 53. Mapa de potencial de aptidão para implantação de Incineradores no município de Santa Cruz da Conceição (SP). ........................................................... 138 Figura 54. Mapa de potencial de aptidão para implantação de Incineradores e direção dos ventos no município de Santa Cruz da Conceição (SP). .................................... 139 Figura 55. Locais preferenciais para implantação de aterros e unidades da CTRS. 140 11 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1. Distribuição dos projetos por tipo de resíduo e principais tecnologias utilizadas para o tratamento e recuperação dos resíduos sólidos urbanos no mundo.. .................................................................................................................................... 24 Gráfico 2. Evolução Média do IDHM de Santa Cruz da Conceição perante outros IDHM entre 1991 e 2010 ............................................................................................. 84 Gráfico 3. Distribuição das classes de uso e ocupação da terra no município de Santa Cruz da Conceição - SP no ano 2000. ........................................................................ 85 Gráfico 4. Diagrama de rosetas com frequências de direção de ventos.. .................. 99 12 LISTA DE QUADROS Quadro 1. Composição média do biogás proveniente de resíduos orgânicos. ........... 31 Quadro 2. Equivalência energética entre 1 m3 de biogás e outras fontes energéticas. .................................................................................................................................... 32 Quadro 3. Principais características dos reatores anaeróbios .................................... 34 Quadro 4. Principais características das tecnologias de conversão energética do biogás.. ........................................................................................................................ 34 Quadro 5. Problemas socioambientais induzidos pela instalação não-criteriosa de aterros sanitários. ........................................................................................................ 47 Quadro 6. Critérios técnicos para instalação de incineradores ................................... 52 Quadro 7. Critérios adotados para análise, fotointerpretação geomorfológica e geológica e delimitação das unidades fisiográficas. .................................................... 65 Quadro 8. Valoração numérica para análise multicriterial das unidades de compartimentação fisiográfica. .................................................................................... 74 Quadro 9. Valoração numérica para as áreas de gerenciamento de risco aviário. .... 75 Quadro 10. Valores dos planos de informação dos mapas com fragmentos de vegetação, com a declividade para aterro em camadas e em valas, de APP, Área Urbana e de Interesse Ambiental, Turístico, da Zona Industrial e da Paisagem Edificada. ..................................................................................................................... 75 Quadro 11. Valoração das classes dos planos de informação para análise multicriterial voltada à escolha de locais para implantação de incineradores e demais módulos da CTRS. ...................................................................................................... 76 Quadro 12. Descrição de Índices de Qualidade das Águas. .................................... 101 Quadro 13. Variáveis monitoradas no Ribeirão do Roque entre 2009 e 2014. ......... 102 Quadro 14. Categorias e faixas de classificação dos índices de qualidade de água. Em destaque (retângulo preto) as categorias registradas em 2013 e 2014 no Ribeirão do Roque. .................................................................................................................. 102 Quadro 15. Descrição da legenda do Mapa Pedológico (Figura 38).. ...................... 114 Quadro 16. Caracterização geológica-geotécnica das unidades fisiográficas da Bacia hidrográfica do Ribeirão do Roque. ........................................................................... 120 Quadro 17. Potencialidade de aptidão das classes frente aos diferentes empreendimentos possivelmente existentes na CTRS. ............................................ 131 file:///G:/Hermes/Mestrado/Projeto%20Word/Projeto%20Mestrado%20Hermes.docx%23_Toc465343288 file:///G:/Hermes/Mestrado/Projeto%20Word/Projeto%20Mestrado%20Hermes.docx%23_Toc465343288 13 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ................................................................................................... 15 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ............................................................................ 20 2.1. Política Nacional dos Resíduos Sólidos .......................................................... 20 2.2. Panorama Mundial das tecnologias de tratamento e recuperação dos resíduos sólidos e aterramento final de rejeitos .................................................................... 23 2.2.1. Tecnologias aplicadas ao tratamento e recuperação de resíduos sólidos e disposição final de rejeitos .................................................................................. 24 2.3. A Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) ........................................................ 41 2.3.1. Estudos de alternativas locacionais para implantação de aterros sanitários e incineradores ................................................................................................... 46 2.3.2. Metodologias para seleção de áreas para implantação de aterros sanitários ............................................................................................................ 53 3. MÉTODOS E ETAPAS DA PESQUISA ................................................................ 59 3.1. Definição do tema de pesquisa e seleção da área de estudo ......................... 59 3.2. Revisão bibliográfica ....................................................................................... 60 3.3. Análise da área de estudo .............................................................................. 61 3.4. Levantamento e aquisição dos materiais cartográficos e de Sensoriamento Remoto .................................................................................................................. 61 3.5. Geração de banco de dados georreferenciados ............................................. 61 3.5.1. Compartimentação fisiográfica ................................................................. 63 3.5.2. Mapa Pedológico ...................................................................................... 67 3.5.3. Mapa de declividade ................................................................................. 67 3.5.4. Mapa hipsométrico .................................................................................... 68 3.5.5. Mapa hidrográfico ..................................................................................... 69 3.5.6. Mapa das áreas de recarga de aquíferos .............................................. 69 3.5.7. Áreas de Preservação Permanente ....................................................... 69 3.5.8. Mapa dos remanescentes florestais do ano de 2015 ............................ 70 3.5.9. Infraestrutura de Transporte e Áreas de Gerenciamento de Risco Aviário.... ............................................................................................................. 71 3.5.10. Avaliação do uso e cobertura do solo................................................. 71 3.5.11. Mapa da atual área urbana e de expansão urbana de Santa Cruz da Conceição e de aglomerados humanos regionais .............................................. 71 14 3.5.12. Mapa com áreas de interesse expressas no Plano Diretor Municipal 72 3.5.13. Mapa Regional de Densidade Demográfica ....................................... 72 3.5.14. Mapa da qualidade da gestão dos resíduos sólidos do Estado de São Paulo......... .......................................................................................................... 72 3.6. Avaliação da potencialidade de aptidão das áreas ...................................... 72 3.7. Análise Multicriterial ..................................................................................... 73 3.7.1. Ambiente SIG (Sistema de Informação Geográfica – Esri ArcMap 10.1) ..... 73 3.7.2. Avaliação dos resultados e reestruturação de critérios ................................ 77 3.8. Geração de Mapas de Potencialidade para Aterros e Incineradores ........... 77 3.9. Avaliação do Uso e Ocupação dos Solos, Indicação de Locais Preferenciais para Implantação de Aterros e Avaliação das Direções Principais dos Ventos ..... 77 3.10. Mapas Geoambientais Finais e Indicação de Locais Preferenciais para Implantação de aterros e CTRSs ........................................................................... 79 4. CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO ................................................... 82 4.1.1. Localização ............................................................................................ 82 4.1.2. Socioeconomia ...................................................................................... 84 4.1.3. Uso e cobertura da terra de trabalhos anteriores. ................................. 85 4.1.4. Remanescentes Florestais e Áreas de Preservação Permanente......... 87 4.1.5. Infraestrutura de Transporte e Gerenciamento de Risco Aviário ........... 89 4.1.6. Plano Diretor .......................................................................................... 92 4.1.7. Resíduos Sólidos Urbanos (RSU) ......................................................... 96 4.1.8. Clima ..................................................................................................... 97 4.1.9. Águas Superficiais ................................................................................. 99 4.1.10. Águas Subterrâneas (Hidrogeologia) ............................................... 104 4.1.11. Geologia ........................................................................................... 107 4.1.12. Geomorfologia .................................................................................. 109 4.1.13. Pedologia ......................................................................................... 112 4.1.14. Compartimentação Fisiográfica ........................................................ 119 5. RESULTADOS FINAIS E DISCUSSÕES ......................................................... 128 5.1. Avaliação do Potencial de Aptidão das Áreas ............................................ 128 5.2. Análise Multicriterial e Geração de Mapas Finais ...................................... 133 6. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES ........................................................... 141 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................ 143 15 1. INTRODUÇÃO A Lei Federal nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, que implementou a nova Política Nacional de Resíduos Sólidos, estabeleceu diretrizes que devem ser adotadas para o gerenciamento dos resíduos sólidos no Brasil; tais diretrizes passaram, então, a ter aplicação obrigatória. A legislação ressalta a importância da hierarquização das ações de manejo. Não gerar resíduos, reduzir sua produção, reutilizar, reciclar, tratar e realizar a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos deve ser a sequência hierárquica conduzida em todos os projetos vinculados ao gerenciamento dos resíduos sólidos (BRASIL, 2010). O Brasil colecionou, ao longo da história, péssimas experiências relacionadas à gestão de resíduos sólidos e, ainda hoje, está distante das condições ideais. Levando-se em consideração apenas os resíduos sólidos urbanos (RSU), 81 mil toneladas desses resíduos foram encaminhados para lixões espalhados pelo território brasileiro apenas no ano de 2014 (ABRELPE, 2015). De acordo com Perez (2013), em uma visão panorâmica sobre a gestão dos resíduos sólidos em todo o Estado de São Paulo, 54% dos municípios apresentaram qualidade ineficiente de gestão de resíduos (Índice de Gestão de Resíduos – IGR ≤ 6,0), 44% qualidade de gestão mediana (6,0 < IGR ≤ 8,0) e apenas 2% (9 municípios) apresentam boas práticas de gestão (8,0 < IGR ≤ 10,0) (Figura 1). Este estudo é referente ao ano de 2012, onde considerando apenas o montante dos resíduos sólidos urbanos, 20% do total gerado em todo o Estado de São Paulo foram submetidos a práticas ineficientes de gestão, 64% práticas medianas e apenas 5% do percentual gerado foi submetido a práticas de gestão eficiente. A avaliação do IGR abrange noções sobre o reaproveitamento de resíduos, coleta seletiva, a adequabilidade dos sistemas de aterramento de rejeitos e a contaminação de áreas por ausência de adequadas práticas de gestão: considera, ainda, aspectos de políticas, de administração pública, e de programas dos municípios e do Estado, levando em conta os resíduos sólidos urbanos, os resíduos da construção civil, resíduos oriundos do saneamento básico, dos serviços de saúde, transporte, agrossilvopastoris, resíduos industriais e de mineração. Neste cenário, para aquele ano, o município de Santa Cruz da Conceição (SP) encontrava-se entre aqueles municípios com IGR ineficiente, assim como a maioria de seus vizinhos próximos. 16 Figura 1. Índice de Gestão de Resíduos dos Municípios do Estado de São Paulo. Fonte: Perez (2013). Considerando-se apenas a questão da qualidade da disposição final de RSU, o índice de qualidade de aterro de resíduos (IQR) do referido município ficou com valor igual a 3,4 apresentando-se juntamente com o município vizinho de Leme, um dos piores valores do Estado de São Paulo. O IQR, que varia de 0 a 10, avalia a adequabilidade do monitoramento geotécnico do aterro, a ocorrência de episódio de queima de resíduos a céu aberto, a análise de sua vida útil e a ocorrência de restrições legais ao uso do solo. Este índice compõe o cálculo final do IGR e auxilia a compreensão da qualidade da gestão de resíduos. Para o caso específico dos municípios de Leme e Santa Cruz da Conceição, fica explicitada a necessidade de melhorias e adequação ao processo de gestão e disposição final de rejeitos. Numa visão mais ampla, o município de Santa Cruz da Conceição localiza-se em uma das regiões mais populosas do Brasil, que também se caracteriza por 17 apresentar elevada renda per capta e alto nível de geração de resíduos. Em um raio de 100 km, partindo-se do centro de Santa Cruz da Conceição, a região tem um conjunto populacional de cerca de 7,4 milhões de habitantes (IBGE, 2014). Campinas, Ribeirão Preto, Piracicaba, Limeira, Sumaré e São Carlos são alguns dos principais centros urbanos deste contexto regional. Assim, Santa Cruz da Conceição poderia ser uma das alternativas para possíveis projetos consorciados, no qual municípios, em cooperação federativa, articulariam a gestão integrada dos resíduos sólidos gerados podendo esta ser fonte importante de geração de recursos financeiros para o município (SCHNEIDER et al., 2013). O mapa da figura 2 ilustra a localização do município de Santa Cruz da Conceição, apresentando a densidade demográfica regional, a infraestrutura rodoviária e os círculos com raios de 100, 200 e 300 km, além de indicar a relação de distância entre as regiões mais próximas. Diante deste cenário, para auxiliar no cumprimento da legislação por parte dos agentes públicos e privados, estão inseridas as Centrais de Tratamento de Resíduos Sólidos (CTRSs), que podem ser definidas como complexos industriais, formados por um conjunto de instalações com diferentes funções, capazes de transformar matéria-prima (resíduos sólidos) em produtos comercializáveis após tratamento específico. Este sistema, integrado com diferentes unidades, favorece a economia de energia e reduz gastos com transporte, realizando o aterramento dos rejeitos de forma ambientalmente adequada, quando inclui em seu projeto um aterro sanitário. Estas centrais utilizam força humana, maquinário específico e energia, podendo em muitos casos, de acordo com o projeto, apresentar balanço energético positivo. Ademais, apresentam diferentes níveis de complexidades de acordo com a demanda atendida. Nos últimos anos, as técnicas mais implantadas para a recuperação, tratamento e disposição final de resíduos sólidos urbanos são os incineradores, plantas de gaseificação, usinas de reciclagem, biodigestores anaeróbicos, sistemas de tratamento mecânico biológico e aterros sanitários, que podem fazer parte de uma CTRS (WILSON, 2015). As Centrais de Tratamento de Resíduos Sólidos devem ter sua estrutura, técnica e organização em consonância com as diretrizes da Política Nacional de Resíduos Sólidos, realizando esforços para que a maioria absoluta dos resíduos retorne à cadeia produtiva e as menores quantidades sejam rejeitadas e colocadas em aterros sanitários. 18 Figura 2. Aspectos demográficos e localização de Santa Cruz da Conceição – SP, com base em dados de IBGE (2010). Tais empreendimentos devem apresentar coerência com o processo de Avaliação de Impacto Ambiental (AIA). Em vista da demanda por estas instalações, 19 para que os municípios brasileiros se adequem às exigências legais, é necessário que os empreendedores executem estudos prévios à implantação das centrais, visando escolher, sob a perspectiva ambiental, os melhores locais para as suas implantações. Em função de cada município apresentar em seu espaço geográfico características distintas e heterogêneas em relação aos meios físico, biótico e antrópico, é necessária a realização de estudos ambientais que classifiquem as partes territoriais segundo suas aptidões, norteando a iniciativa pública e privada na escolha das melhores áreas para determinada atividade. O estudo de alternativas locacionais diminui os possíveis danos ambientais e amplia o alcance dos benefícios, fazendo prevalecer maior harmonia entre o meio ambiente e diversos empreendimentos. O objetivo do presente trabalho foi apresentar e discutir o desenvolvimento de um mapeamento geoambiental, em escala 1:50.000, com a finalidade de avaliar a potencialidade de aptidão de áreas municipais passíveis de receber uma Central de Tratamento de Resíduos Sólidos Urbanos, tendo como referência o município de Santa Cruz da Conceição. A utilização do mapeamento geoambiental tem por objetivo, de forma genérica, a compartimentação do território com base nas características do meio físico, suas inter-relações com o meio biológico e com as atividades antrópicas, colocando em evidência as suas potencialidades ou restrições de uso (FIORI, 2004). Para tal, foi considerado a possibilidade de implantação da um aterro sanitário, um incinerador, uma central de reciclagem, uma planta de gaseificação, um sistema de tratamento mecânico biológico e um biodigestor anaeróbico, como unidades que possam fazer parte da CTRS, por se tratar das técnicas mais adotadas para tratamento e recuperação de resíduos sólidos urbanos em escala global nos últimos anos. Assim, este estudo irá oferecer subsídios a futuros projetos que venham a discutir e encontrar alternativas locacionais para CTRSs no respectivo município. O município de Santa Cruz da Conceição foi escolhido como área de estudo por apresentar uma expressiva deficiência quanto à gestão de resíduos sólidos, por estar localizado em uma região com altíssima demanda por tecnologias que realizem o tratamento e recuperação de resíduos sólidos e disposição final de rejeitos, e por ter sido contemplado previamente por estudo de compartimentação fisiográfica, fundamental para a realização deste trabalho. 20 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 2.1. Política Nacional dos Resíduos Sólidos Após cerca de 20 anos de discussões e trâmites burocráticos, foi sancionada, em 02 de Agosto de 2010, a Lei Federal nº 12.305, que instituiu a atual Política Nacional de Resíduos Sólidos; nela, estão expostos princípios e marcos importantes para a implantação de uma nova mentalidade em relação aos resíduos gerados no Brasil (LEITE, 2015). O descaso com a gestão de resíduos sólidos pode originar consequências severas para a sociedade e para a economia global. Na ausência de regulamentos e rigorosa aplicação normativa, o gerador de resíduos tende a optar por ações de menor custo financeiro, implicando em prejuízos para a saúde pública e para o meio ambiente (WILSON, 2015). Assim, o encaminhamento de resíduos sólidos para locais inadequados configura-se um dos piores impactos ao meio ambiente, pois a decomposição dos materiais gera substâncias altamente tóxicas que contaminam diretamente o solo, as águas, o ar, a fauna, a flora e a população humana. Trata-se de uma prática ilegal, cujos efeitos danosos não são controláveis e que, com o passar dos anos, apresenta custos cada vez mais elevados para adoção de medidas de controle e remediação (ABRELPE, 2015). Com objetivo de implantar uma nova cultura no país e romper com as terríveis condições ainda existentes nos dias atuais, a Política Nacional de Resíduos Sólidos trouxe conceitos inovadores à realidade brasileira. O conceito de “resíduo sólido” substituiu o antigo conceito de “lixo”, entendido por longo período apenas como o fim de um ciclo, algo sem utilidade. Neste novo contexto, o resíduo sólido é visto como uma nova oportunidade, o início de uma nova cadeia produtiva, um novo produto ou a matéria-prima para produção de novos produtos (LEITE, 2015). Assim, a nova legislação definiu o termo “resíduos sólidos” como: ‘material, substância, objeto ou bem descartado resultante de atividades humanas em sociedade, a cuja destinação final se procede, se propõe proceder ou se está obrigado a proceder, nos estados sólido ou semissólido, bem como gases contidos em recipientes e líquidos cujas particularidades tornem inviável o seu lançamento na rede pública de esgotos ou em corpos d’água, ou 21 exijam para isso soluções técnicas ou economicamente inviáveis em face da melhor tecnologia disponível (BRASIL, 2010).’ De forma complementar “rejeitos” foram definidos como: ‘resíduos sólidos que, depois de esgotadas todas as possibilidades de tratamento e recuperação por processos tecnológicos disponíveis e economicamente viáveis, não apresentem outra possibilidade que não a disposição final ambientalmente adequada (BRASIL, 2010).’ No artigo 6o da Lei 12.305 são apresentados os princípios fundamentais da Política Nacional dos Resíduos Sólidos: Art. 6o São princípios da Política Nacional de Resíduos Sólidos: I - a prevenção e a precaução; II - o poluidor-pagador e o protetor-recebedor; III - a visão sistêmica, na gestão dos resíduos sólidos, que considere as variáveis ambiental, social, cultural, econômica, tecnológica e de saúde pública; IV - o desenvolvimento sustentável; V - a ecoeficiência, mediante a compatibilização entre o fornecimento, a preços competitivos, de bens e serviços qualificados que satisfaçam as necessidades humanas e tragam qualidade de vida e a redução do impacto ambiental e do consumo de recursos naturais a um nível, no mínimo, equivalente à capacidade de sustentação estimada do planeta; VI - a cooperação entre as diferentes esferas do poder público, o setor empresarial e demais segmentos da sociedade; VII - a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos; VIII - o reconhecimento do resíduo sólido reutilizável e reciclável como um bem econômico e de valor social, gerador de trabalho e renda e promotor de cidadania; IX - o respeito às diversidades locais e regionais; X - o direito da sociedade à informação e ao controle social; XI - a razoabilidade e a proporcionalidade. (BRASIL, 2010). O artigo 7o da mencionada lei disserta sobre os objetivos da Política Nacional de Resíduos Sólidos: Art. 7o São objetivos da Política Nacional de Resíduos Sólidos: I - proteção da saúde pública e da qualidade ambiental; II - não geração, redução, reutilização, reciclagem e tratamento dos resíduos sólidos, bem como disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos; III - estímulo à adoção de padrões sustentáveis de produção e consumo de bens e serviços; IV - adoção, desenvolvimento e aprimoramento de tecnologias limpas como forma de minimizar impactos ambientais; 22 V - redução do volume e da periculosidade dos resíduos perigosos; VI - incentivo à indústria da reciclagem, tendo em vista fomentar o uso de matérias-primas e insumos derivados de materiais recicláveis e reciclados; VII - gestão integrada de resíduos sólidos; VIII - articulação entre as diferentes esferas do poder público, e destas com o setor empresarial, com vistas à cooperação técnica e financeira para a gestão integrada de resíduos sólidos; IX - capacitação técnica continuada na área de resíduos sólidos; X - regularidade, continuidade, funcionalidade e universalização da prestação dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos, com adoção de mecanismos gerenciais e econômicos que assegurem a recuperação dos custos dos serviços prestados, como forma de garantir sua sustentabilidade operacional e financeira, observada a Lei nº 11.445, de 2007; XI - prioridade, nas aquisições e contratações governamentais, para: a) produtos reciclados e recicláveis; b) bens, serviços e obras que considerem critérios compatíveis com padrões de consumo social e ambientalmente sustentáveis; XII - integração dos catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis nas ações que envolvam a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos; XIII - estímulo à implementação da avaliação do ciclo de vida do produto; XIV - incentivo ao desenvolvimento de sistemas de gestão ambiental e empresarial voltados para a melhoria dos processos produtivos e ao reaproveitamento dos resíduos sólidos, incluídos a recuperação e o aproveitamento energético; XV - estímulo à rotulagem ambiental e ao consumo sustentável. (BRASIL, 2010). Ainda, de forma a nortear todos os atores envolvidos com a gestão dos resíduos sólidos, o artigo 9o estabelece que todo o processo de gestão e gerenciamento de resíduos sólidos deve ser pautado pela seguinte ordem de prioridade: a não geração, redução, reutilização, reciclagem, tratamento dos resíduos sólidos e a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos (BRASIL, 2010). Neste contexto, a lei define que a “disposição ambientalmente adequada” é a distribuição ordenada de rejeitos em aterros, observando normas operacionais específicas de modo a evitar danos ou riscos à saúde pública e à segurança e a minimizar os impactos ambientais adversos (BRASIL, 2010). A lei permite ainda a utilização de tecnologias visando a recuperação energética dos resíduos sólidos urbanos, desde que tenha sido comprovada sua viabilidade técnica e ambiental e com a implantação de programa de monitoramento de emissão de gases tóxicos aprovado pelo órgão ambiental (BRASIL, 2010). 23 Observando estes princípios, objetivos e diretrizes, fica evidenciada a intenção da nova política, que busca estimular esforços máximos para que o mínimo dos resíduos produzidos nas atividades humanas seja categorizado como rejeitos e, por consequência, sejam dispostos em aterros sanitários. O ideal é que a maioria restante dos resíduos retorne à cadeia produtiva (BRASIL, 2010). 2.2. Panorama Mundial das tecnologias de tratamento e recuperação dos resíduos sólidos e aterramento final de rejeitos Um estudo publicado em 2015 pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP) apresentou dados sobre o desenvolvimento de novos projetos para tratamento e recuperação de resíduos sólidos e disposição final de rejeitos no mundo (Gráfico 1). A pesquisa envolveu um universo de 93 países e catalogou projetos totalizados em 309 bilhões de dólares durante os anos de 2013 e 2014. Segundo o estudo, 85 bilhões de dólares (28% dos recursos) foram direcionados ao tratamento e recuperação de Resíduos Sólidos Urbanos (RSU). Destes, a maior parte (44%) utilizaria tecnologias de incineração com aproveitamento energético em seu sistema. Destaca-se ainda que 9% dos investimentos foram direcionados para implantar Centrais de Tratamento de Resíduos Sólidos Urbanos, sistemas mistos com diferentes tecnologias integradas. Como principais tecnologias apresentadas também se destacaram o processamento de resíduos, a gaseificação, a reciclagem, os aterros sanitários, a biodigestão anaeróbica e o tratamento mecânico biológico (WILSON, 2015). Os resíduos sólidos passam por diferentes etapas até a sua chegada às instalações de tratamento, recuperação e disposição final. Nas diferentes unidades serão transformados em novas matérias primas ou serão dispostos em aterro sanitário. Estas principais etapas e tecnologias de tratamento e disposição final são descritas nos subcapítulos sequentes. 24 Gráfico 1. Distribuição dos projetos por tipo de resíduo e principais tecnologias utilizadas para o tratamento e recuperação dos resíduos sólidos urbanos no mundo. Fonte: Wilson (2015). 2.2.1. Tecnologias aplicadas ao tratamento e recuperação de resíduos sólidos e disposição final de rejeitos Para que a Política Nacional dos Resíduos Sólidos cumpra seus objetivos, os gestores de resíduos podem utilizar diferentes tecnologias de tratamento e recuperação e de disposição final de rejeitos. Em diversas partes do mundo, tecnologias vêm sendo utilizadas, como a incineração com aproveitamento energético, a gaseificação, a reciclagem, os aterros sanitários, os biodigestores anaeróbicos e o tratamento mecânico biológico, entre outros. 2.2.1.1. Acondicionamento Após a geração dos resíduos e decisão de descarte por parte do usuário, a primeira etapa que antecede o processo de remoção dos resíduos sólidos corresponde à atividade de acondicionamento (CUNHA; FILHO, 2002). Os diferentes tipos de resíduos sólidos, sejam industriais, da construção civil, resíduos dos 25 serviços de saúde, ou urbanos, devem ser guardados e armazenados pelos consumidores, que devem adequar o tipo de acondicionamento conforme as características de cada resíduo, disponibilizando os reutilizáveis e recicláveis para coleta ou devolução (BRASIL, 2010). 2.2.1.2. Coleta e Transporte de Resíduos A coleta de resíduos sólidos na maioria das cidades é feita por caminhões, que variam de caminhões abertos, velhos e mal conservados, até veículos altamente especializados, que possuem sistema de compactação e compartimentos para mais de um tipo de resíduos (LARSEN et al., 2009). A operação de coleta engloba desde a partida do veículo de sua garagem, compreendendo todo o percurso gasto na viagem para remoção dos resíduos acondicionados na área de coleta, o transporte aos locais de descarga, até o retorno do veículo ao ponto de partida (CUNHA; FILHO, 2002). Os pontos de descargas podem ser diferentes unidades de tratamento ou disposição. A figura 3 ilustra o sistema de coleta de resíduos. Os impactos ambientais relacionados à coleta se devem principalmente à queima de combustíveis ocorridos nos motores dos veículos. Em um contexto mais amplo, os impactos também estão relacionados ao desgaste de freios e pneus, vazamentos de óleo, ruído, odor e a construção e manutenção de caminhões e caixas de coleta (LARSEN et al., 2009). 26 Figura 3. Modelo conceitual para coleta e transporte de resíduos. A partir de Larsen et al. (2009). 2.2.1.3. Triagem A triagem é o processo de separação dos resíduos conforme a sua classificação. Desta forma, os resíduos são preparados para os processos produtivos ou para os tratamentos sequentes. A triagem é uma etapa importante do processo, pois é uma das que mais agrega valor ao produto (LOBATO; LIMA, 2010). O processo de triagem pode ser realizado na própria fonte geradora ou em centrais de triagem, que recebem resíduos diversos e fazem a separação de forma manual, automática ou mista. Assim, podem ser utilizadas esteiras mecânicas, sensores óticos, tecnologias de separação por densidade, equipamentos eletromagnéticos, entre outros como ilustrados pelas figuras 4, 5, 6 e 7 (ANASTASSAKIS, 2007). 27 Figura 4. Exemplo de sistema de triagem ocorrido no local de geração do resíduo. Fonte: Pensamento Verde (2015). Figura 5. Central de triagem de resíduos sólidos urbanos em uma unidade de reciclagem em Madri, Espanha. Fonte: Wilson (2015). 28 Figura 6. Triagem manual de resíduos sólidos urbanos. Fonte: Ambiente Legal (2014). Figura 7. Central de triagem para o manejo de resíduos de construção civil em Santo Ângelo, no Rio Grande do Sul. Fonte: Reciclar SA Santo Ângelo (2015). 29 2.2.1.4. Reciclagem Após a separação dos materiais no processo de triagem, cada material, conforme a sua classificação, é encaminhado para o tratamento posterior, e parte significativa dos resíduos pode ser reciclada. A reciclagem é o processo de transformação dos resíduos sólidos; envolve a alteração de suas propriedades físicas, físico-químicas ou biológicas, com vistas à transformação em insumos ou novos produtos (BRASIL, 2010). 2.2.1.5. Tratamento Mecânico Biológico O sistema de Tratamento Mecânico-Biológico (TMB) é um processo de tratamento de resíduos urbanos aplicados aos resíduos que não foram separados na fonte geradora (COSTA, 2010). O TMB utiliza uma série de processos biológicos e mecânicos combinados, visando o tratamento biológico e a separação mecânica dos resíduos que ainda possam ser reciclados, ricos em frações orgânicas ou ricos em combustível. Cada unidade de tratamento mecânico-biológico é projetada com uma finalidade específica, lavando em consideração um específico fluxo de entrada de resíduos e um fluxo de saída, que visa atender a determinadas especificações (WILSON, 2015). A figura 8 ilustra as opções potenciais no tratamento mecânico-biológico (TMB). 30 Figura 8. Ilustração das opções potenciais no Tratamento Mecânico-Biológico (TMB). A partir de Defra (2013). 2.2.1.6. Digestão Anaeróbica de Matéria Orgânica (Biodigestores Anaeróbicos) A digestão anaeróbia, especialmente da fração orgânica putrescível dos resíduos sólidos urbanos (RSU), é de grande importância no tratamento dos resíduos sólidos. Também conhecida como biometanização ou biogaseificação, a digestão anaeróbica é um processo natural que ocorre na ausência de oxigênio e envolve a decomposição bioquímica da matéria orgânica que é realizada por um grupo específico de microrganismos. Esse processo resulta na produção do biogás (rico em energia) e um efluente rico em nutrientes. Trata-se de uma alternativa viável e que vem sendo aceita com relevante aplicabilidade, visando a estabilização da matéria orgânica e o aproveitamento energético desses resíduos (REIS, 2012). No ano de 2002, o governo brasileiro, criou o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica – PROINFA. Tal programa teve como principais objetivos a diversificação da matriz energética brasileira, o aumento e a 31 segurança no abastecimento de eletricidade, a valorização das características e potencialidades regionais e locais, a criação de empregos, a capacitação e formação de mão-de-obra, e a redução de emissão de gases de efeito estufa. Neste contexto, ocorreu a valorização da energia fornecida pela biomassa (SALOMON, 2007). A digestão anaeróbia começa pela degradação dos compostos orgânicos (carboidratos, proteínas e lipídios) a ácidos orgânicos seguidos da transformação desses ácidos em produtos gasosos, nos quais predominam o metano e gás carbônico (FERNANDES-JÚNIOR, 1989). O processo é bastante complexo e um elevado número de espécies de bactérias, produtoras ou não de metano, contribuem de algum modo para a formação deste gás (RODRÍGUEZ et al., 1997). O biogás proveniente da digestão anaeróbia de resíduos sólidos ou líquidos constitui uma fonte de energia alternativa, bem como contribui em muito na questão ambiental, pois reduz potencialmente os impactos ambientais da fonte poluidora. Este é composto por uma mistura de gases, onde o metano e o dióxido de carbono estão em maiores proporções (Quadro 1). A biodigestão pode reduzir o potencial poluidor do descarte de resíduos orgânicos, com alto teor de DBO (Demanda Bioquímica de Oxigênio) e, ao mesmo tempo, produzir gás metano e um fertilizante como resíduo (PUNA; BAPTISTA, 2008). Quadro 1. Composição média do biogás proveniente de resíduos orgânicos. Fonte: Cortez et al. (1996). O biogás corresponde somente de 2 a 4% do peso da matéria orgânica usada no processo. Seu poder calorífico é variável e depende de sua quantidade de metano. Levando-se em conta todas as frações, o poder calorífico do biogás é de aproximadamente 22.500 a 25.000 kJ m-3, e o do metano de 35.800 kJ m-3. De 32 acordo com Jordão e Pessoa (1995), isto significa um aproveitamento de 6,25 a 10 kWh m-3. Sua potencialidade é demonstrada quando tratado (remoção do CO2), pois o seu poder calorífico pode chegar a 60% do poder calorífico do gás natural (Quadro 2). Quadro 2. Equivalência energética entre 1 m3 de biogás e outras fontes energéticas. Fonte: Pompermayer (2000). Segundo o IPCC (1996), os aterros sanitários são responsáveis por cerca de 5 a 20% do total de metano liberado por fontes antropogênicas. Os danos causados por estas emissões não somente intensificariam o efeito estufa, mas também causariam graves efeitos na vegetação e na saúde humana, através da formação de ozônio a baixas altitudes e da exposição a outros gases contaminantes, podendo causar doenças como câncer e outras afetações (IPCC, 1996). Nesse sentido, a mitigação das mudanças climáticas, ocasionadas pelo crescimento das emissões gasosas dos chamados gases de efeito estufa (GEE), é um assunto que vem sendo bastante discutido em todo mundo. Entre os principais gases de efeito estufa estão: o dióxido de carbono (CO2) e o metano (CH4), sendo que este último age mais agressivamente na atmosfera (cerca de 23 vezes mais que o CO2), requerendo, assim, uma maior atenção em relação ao seu controle. As principais fontes antropogênicas do metano estão representadas pela queima de combustíveis fósseis, a digestão anaeróbia de resíduos orgânicos e dejetos animais, o tratamento de esgotos domésticos etc (RUSSO, 2005). O processo de digestão anaeróbia apresenta-se como uma interessante opção de tratamento dos resíduos sólidos. O grande volume de gases, matéria orgânica, bactérias e outras substâncias geradas pela decomposição do lixo 33 constituem, efetivamente, um fator de risco para a contaminação do ar, do solo e da água. Desta maneira, a biodigestão anaeróbia tem como objetivo reduzir o potencial poluidor da decomposição dos resíduos sólidos e ao mesmo tempo produzir um gás e um fertilizante como resíduo (SALOMON; LORA, 2005). Para ter máxima eficiência no processo de tratamento e aproveitamento energético, são utilizados reatores de digestão anaeróbica ou também chamados de biodigestores anaeróbicos. Um reator de digestão anaeróbia pode ser considerado como um ecossistema onde diversos grupos de microorganismos trabalham conjuntamente na conversão da matéria orgânica complexa em metano, gás carbônico, água, gás sulfídrico e amônia, além de novas células bacterianas. O consórcio de microrganismos ativos no tratamento anaeróbio, para remoção de matéria orgânica, realiza um processo complexo envolvendo muitas espécies de bactérias, atuando de forma simbiótica, evidenciando algumas etapas intermediárias (LETTINGA; RINZEMA, 1985). As reações bioquímicas principais que ocorrem no processo caracterizam os grupos de microorganismos predominantes, podendo o mesmo ser dividido em quatro etapas: hidrólise, acidogênese, acetogênese e metanogênese, conforme descreve Lettinga e Rinzema (1985) (Figura 9). Figura 9. Digestão anaeróbia da matéria orgânica. Fonte: Lettinga e Rinzema (1985). 34 Geralmente os reatores biológicos podem ser divididos em dois grupos distintos: os reatores de biomassa em suspensão e os reatores de biomassa fixa a um suporte inerte. Segundo Rizzo e Leite, (2004), os reatores anaeróbios mais atuais são os do tipo onde microrganismos encontram-se aderidos a um suporte que pode ser expandido ou fluidizado (reatores de biomassa fixa). O material normalmente empregado como suporte deve possuir uma grande área superficial para adesão dos microrganismos e manter boas características de sedimentação para assegurar a retenção da biomassa no reator. O quadro a seguir apresenta os sistemas anaeróbicos de reatores mais atuais. Quadro 3. Principais características dos reatores anaeróbios (Rizzo e Leite, 2004). Tipo de reator anaeróbio Principais características Reator Anaeróbio de Leito Expandido - Microrganismos aderidos a um suporte inerte de baixo peso específico (areia, antracito ou material plástico) Reator Anaeróbio de Leito Fluidizado - Equipamentos são de pequeno porte e a produção de resíduo é pequena Após a etapa da biodigestão, o gás originado passa por processos tecnológicos para sua conversão energética. Algumas dessas tecnologias são o Motor de Combustão Interna Alternativo, as caldeiras, os Motores Stirling, as Microturbinas a gás e as Células a Combustível, descritas resumidamente no quadro a seguir. Quadro 4. Principais características das tecnologias de conversão energética do biogás. Fonte: Liss (1999), Lombard e Khairallah (2004), USEPA (1991), Podesser et al. (2000) e Willis e Scott (2000). Tecnologia de conversão energética do biogás Principais características Motor de Combustão Interna Alternativo - Energia química do combustível se transforma em trabalho mecânico; - Tecnologia mais difundida dentre as máquinas térmicas, devido a sua simplicidade, robustez e alta relação potência/peso; - Utilizados para pequenas e médias demandas elétricas, de 35 centenas de kW até dezenas de MW; - Relação energia térmica/energia mecânica é menor que os outros acionadores primários, o que pode ser interessante para cogeração no setor terciário; - As instalações são modulares e flexíveis, com isto o tempo de construção de uma central é curto e a entrada em operação é rápida. Caldeiras - A corrosão devido à umidade e o ácido sulfídrico presentes no biogás são um problema para sua operação; - Os níveis de umidade do gás devem ser controlados com a instalação de purgadores e linhas de condensado para impedir danos aos equipamentos e problemas em sua operação. Motores Stirling - Caracterizado por ser um sistema fechado, onde a expansão de um gás de trabalho é aproveitada para obter potência mecânica; - Eficiência global boa, na faixa dos 30 %; - Baixo nível de ruído e operação segura; - Podem utilizar uma grade variedade de combustíveis; - Possibilidade de cogeração; - Vida útil de 25000 horas. Microturbinas a gás - Turbinas a gás com alta e variável velocidade de rotação na faixa de potência de 15 a 300 kW; - Facilidade de instalação e flexibilidade para trabalhar em diversos locais; - Boa eficiência (30 a 33%). Células a combustível - Dispositivos eletroquímicos que convertem diretamente a energia química da mistura combustível/agente oxidante em eletricidade, permitindo elevadas eficiências; - Atual crescimento no mercado. 2.2.1.7. Gaseificação De acordo com Belgiorno et al. (2003), a gaseificação é um processo de conversão térmica, com mudança de estado sólido dos resíduos para o estado gasoso, através da elevação da temperatura, produzindo assim um gás combustível ou um gás de síntese, a partir de uma biomassa, para posterior utilização. Juniper Continuação do quadro 4. 36 (2000) salienta que a biomassa de entrada podem ser os resíduos produzidos por um município ou ainda oriundos da agricultura e das grandes e pequenas indústrias. No processo podem ser utilizados diferentes tipos de agentes de gaseificação, entre eles ar, O2 e vapor d’água. O uso de uma mistura de ar e vapor d’água aumenta a concentração de hidrogênio (H2) no gás combustível. Desta forma o gás combustível produzido pode ser utilizado para a produção de energia, em turbinas a gás, motores ou ainda em caldeiras, ao passo que o gás de síntese pode ser destinado para a produção de diversos produtos, dentre eles amônia e etanol (GODINHO, 2006). As cinzas geradas neste processo podem ser valorizadas e utilizadas na construção civil, como fertilizantes ou ainda na fabricação de vidro (BELGIORNO et al., 2003). Os mesmos autores salientam que esta técnica é energeticamente eficaz para reduzir o volume dos resíduos sólidos urbanos e recupera a energia gasta no processo de produção destes materiais. Apesar do alto custo em comparação com outras tecnologias de tratamento de resíduos existentes, a gaseificação possui as seguintes vantagens, de acordo com Young (2010), Circeo (2010) e Furlan (2007):  Não necessita prévio tratamento da matéria prima recebida após a coleta dos materiais recicláveis;  Maior taxa de conversão de energia por resíduo tratado;  Maior abrangência dos resíduos a serem tratados;  Liberação do gás de síntese de maneira mais uniforme, requerendo menor investimento para sua limpeza;  Reduz a necessidade de aterros, devido ao fato dos resíduos gerados no processo poderem ser aproveitados como agregado ou convertidos em outros produtos com valor comercial. 2.2.1.8. Incineração De acordo com a ABNT (1990), a incineração consiste em uma combustão controlada, com temperaturas variando de 800 a 1300 °C, através de equipamentos especiais denominados incineradores; é considerado um método de tratamento de resíduos sólidos, semissólidos e líquidos. Nessas temperaturas e com excesso de 37 oxigênio, por se tratar de uma atmosfera fortemente oxidante, ocorre a destruição térmica dos resíduos orgânicos, com a consequente redução de volume e de toxicidade do material incinerado. Em geral, a incineração não é usada com o intuito único de redução de volume, pois, se comparada com outros processos, para esta finalidade, ela se torna economicamente inviável. A incineração está associada à eliminação de contaminantes altamente persistentes, tóxicos e inflamáveis. Estão incluídos aqui solventes e óleos não passíveis de recuperação, defensivos agrícolas, produtos farmacêuticos e resíduos hospitalares. A NBR n. 11.175, que normatiza a incineração de resíduos perigosos, define os requisitos de operação e os padrões de emissão de HCl, HF, CO, SO2, NO2 e materiais particulados, estabelecendo o monitoramento contínuo e orientando sobre o chamado teste de queima (ABNT, 1990). Desta forma, é imprescindível que os incineradores contenham, além da câmara de combustão, equipamentos complementares, como filtros destinados ao tratamento de gases e agregados leves resultantes da combustão dos resíduos (CETESB, 1997). Outra obrigatoriedade dos incineradores é de que sejam dotados de sistemas de lavagem de gases, para controlar a emissão de gases ácidos também formados durante o processo de queima dos resíduos (SCHALCH et al., 2002). Os mesmos autores ressaltam que uma série de informações a respeito dos resíduos a serem incinerados deverão direcionar o projeto, como:  Tipo, quantidade e composição dos resíduos a serem incinerados;  Poder calorífico inferior (PCI), que indica a quantidade de calor liberado por uma determinada quantidade de resíduos durante o processo de queima;  Quantidade de ar necessário para a combustão completa dos resíduos;  Quantidade e natureza das cinzas, eventualmente geradas no processo (SCHALCH et al., 2002). De acordo com IPT (2000), as principais vantagens da incineração são:  Redução dos resíduos em até 5% do volume e 15% do peso original, transformando-os em cinzas e escória;  Eliminação satisfatória, sob o ponto de vista sanitário, de resíduos de serviços de saúde, alimentos, medicamentos vencidos, sobras de laboratórios e animais mortos; 38  Diminuição de distância de transporte, devido à possibilidade de localização da instalação em áreas próximas aos centros urbanos;  - Bom funcionamento, independentemente das condições meteorológicas;  - Possibilidade de recuperação de energia contida nos resíduos (IPT, 2000). Entretanto, Jaramillo (1991) e IPT (2000) ressaltam que as principais desvantagens desse método são: investimento elevado, o alto custo de operação e manutenção; possibilidade de causar poluição atmosférica quando o incinerador é mal projetado ou mal operado; exigência de mão-de-obra especializada na operação. 2.2.1.9. Aterro Sanitário Segundo a ABNT (2010), aterro sanitário é: ‘técnica de disposição de resíduos sólidos urbanos no solo, sem causar danos à saúde pública e à sua segurança, minimizando os impactos ambientais, método este que utiliza princípios de engenharia para confinar os resíduos sólidos à menor área possível e reduzi-los ao menor volume permissível, cobrindo-os com uma camada de terra na conclusão de cada jornada de trabalho, ou a intervalos menores, se necessário (ABNT, 2010).’ Desta forma, o aterro sanitário é considerado o melhor local para dispor os rejeitos, seja pelo baixo custo, seja pela relativa simplicidade de operação (MASSUKADO, 2004). Serra et al. (1998) salientam que antes de se projetar um aterro sanitário devem ser realizados estudos geológicos e topográficos para a seleção da área e verificação do tipo de substrato. Também deve ser feita a impermeabilização do solo, os líquidos percolados devem ser captados por drenos horizontais para tratamento e os gases liberados durante a decomposição captados por drenos verticais. Nesta técnica de disposição de resíduos, os rejeitos são compactados e cobertos diariamente com camada de terra de 20 a 40 cm (SERRA et al., 1998). Segundo Braga et al. (2002), no aterro sanitário, o rejeito é lançado sobre o terreno e recoberto com solo do local, de forma a isolá-lo do ambiente, formando “câmaras”. Os resíduos sólidos dessas “câmaras” são compactados na 39 terraplanagem durante a movimentação das máquinas. Nessas, cessada a biodegradação aeróbia com o esgotamento do oxigênio, processa-se a biodegradação anaeróbia, com liberação de gás e do lixiviado. A fração gasosa é predominantemente formada por gás metano, que tende a acumular-se nas porções superiores das câmaras, devendo ser drenado para queima ou aproveitamento. O lixiviado, por sua vez, tende a acumular-se no fundo. Por isso, utiliza-se uma camada de solo e revestimento suficientemente espesso ou de baixa permeabilidade, evitando assim a contaminação do lençol freático (BRAGA et al., 2002). A técnica de disposição de resíduos sólidos urbanos no solo em aterros sanitários pode ser executada de diversas maneiras, como na forma de valas e trincheiras escavadas abaixo do nível natural do terreno e na forma de camadas que usa o perfil natural sobre o solo. Para municípios de pequeno porte, é aceitável, e até aconselhável, o uso da técnica dos aterros sanitários na forma de valas (CETESB, 2010). Schalch et al. (2002) ressaltam que na construção dos aterros, independentemente da técnica empregada, o risco de contaminação das águas superficiais e subterrâneas existe, devido à infiltração do líquido produzido pela decomposição do material, denominado de chorume. Ademais, outros riscos pertinentes à implantação deste método de disposição dos resíduos podem ocorrer, como a infiltração das águas pluviais, que aumentam consideravelmente a quantidade de percolado (SCHALCH et al., 2002) e alguns processos relacionados ao meio físico, como a ocorrência de erosão pela água, escorregamentos, escoamento das águas em superfície e sua movimentação (BITAR; ORTEGA, 1998). Desta forma, os principais cuidados na operação do aterro são a captação dos gases gerados pelo processo de decomposição dos resíduos e a drenagem das águas pluviais e outros percolados, além do monitoramento de alguns processos geológicos, como erosões e movimentos de massa (SCHALCH et al., 2002). De acordo com o IPT (2000), os critérios a serem observados para construção e operação de um aterro sanitário são:  adequação ambiental, considerando-se a legislação ambiental em vigor;  aptidão natural do terreno, avaliada em função de características como geologia, geotecnia, hidrogeologia, biota, tendências de uso e ocupação do solo nos entornos da área, conflitos de uso do solo existentes; 40  vida útil remanescente, determinada com base no volume do resíduo sólido a ser disposto, área efetiva disponível (considerando-se restrições de uso e as áreas já utilizadas) e projeto geométrico mais adequado à utilização do local;  histórico de operação, incluindo-se aspectos como volume e, principalmente, tipos de rejeitos recebidos, infraestrutura existente (impermeabilização de base, drenagens, sistemas de tratamento de percolado e biogás, isolamento), e condições de operação praticadas no passado (compactação, cobertura)  distância aos centros produtores de rejeitos e estado de conservação das vias de acesso;  infraestrutura, mão-de-obra e equipamentos necessários à adequada operação do local;  possibilidade de expansão em áreas contígua ao atual local de disposição;  existência de áreas alternativas e tempo necessário para viabilizar o novo aterro;  disponibilidade de recursos financeiros (IPT, 2000). Para Massukado (2004), as principais vantagens da disposição final dos resíduos sólidos em aterros sanitários são:  em sua execução e operação utilizam-se de equipamentos normalmente usados em serviços de terraplanagem;  é controlada proliferação de vetores, tais como ratos e artrópodes;  os custos normalmente são inferiores aos das usinas de compostagem e das instalações de incineração (MASSUKADO, 2004). Em contrapartida, para Schalch et al. (2002) as principais desvantagens dos aterros se resumem em:  desvalorização imobiliária das áreas destinadas ao aterro, caso elas não necessitem de recuperação topográfica;  poderá ser necessário o transporte de resíduos a longa distância;  produção de águas residuárias;  possibilidade de poluição do lençol freático quando planejado ou operado de forma inadequada;  período longo para a estabilização do solo do aterro; e  produção de ruídos e poeiras durante a fase de execução e operação (SCHALCH et al., 2002, p. 71). 41 A partir das diferentes técnicas de tratamento e recuperação dos resíduos sólidos apresentados, os capítulos posteriores irão se dedicar à discussão dos estudos de alternativas locacionais que antecedem a implantação das tecnologias com maior potencial de impacto (aterros sanitários e incineradores). Serão expostas também as exigências legais para a instalação desses empreendimentos e as diferentes metodologias empregadas para estes estudos ambientais. 2.3. A Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) Ao final da década de 60, nos países industrializados e em alguns países em desenvolvimento, o crescimento da conscientização quanto à rápida degradação ambiental e aos problemas sociais decorrentes levou as comunidades a demandar uma qualidade ambiental melhor e a exigir que os fatores ambientais fossem expressamente considerados pelos governos ao aprovarem programas de investimento e projetos de grande porte. Os métodos tradicionais de avaliação de projeto, baseados tão somente em critérios econômicos, mostram-se inadequados para auxiliar as decisões. Quase sempre limitados a análises de custo e benefício, sem considerar fatores ambientais, os estudos de viabilidade levam a aprovação de projetos cuja implantação pode resultar em danos inesperados à saúde, ao bem-estar social e aos recursos naturais, reduzindo assim os benefícios previstos (MOREIRA, 1985). A busca de meios que promovessem a incorporação de fatores ambientais à tomada de decisão resultou na formulação de políticas específicas e fez surgir uma série de instrumentos para a execução dessas políticas. Assim, foram feitas reorganizações administrativas e reformas institucionais, criaram-se incentivos econômicos para o controle da poluição, foram implantados sistemas de gestão ambiental e abertos canais para que os cidadãos pudessem participar das decisões. Dos instrumentos gerados, o processo de Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) foi aquele que maiores atenções atraiu, tendo sido amplamente discutido e adotado, por sua adaptabilidade a diferentes esquemas institucionais e por suas possibilidades de atender ao mesmo tempo a requisitos técnicos e políticos (OLIVEIRA, 2004b). Assim, a Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) pode ser definida como uma série de procedimentos legais, institucionais e técnico-científicos, 42 com o objetivo de caracterizar e identificar impactos potenciais da futura instalação de um empreendimento, prevendo a magnitude e a importância desses impactos (BITAR; ORTEGA, 1998). Do ponto de vista histórico, a primeira manifestação institucionalizada de uma política voltada para a temática de impactos ambientais ocorreu com o advento da NEPA (National Environmental Policy Act), nos Estados Unidos da América, em 1969, que traçou as diretrizes da política ambiental americana e formalizou a avaliação de impacto ambiental (CARSON, 1992; CANTER, 1996). Posteriormente, o emprego da AIA se disseminou pelo mundo, tanto em países desenvolvidos quanto naqueles em desenvolvimento, de modo que atualmente inúmeras jurisdições a adotam como um instrumento de política ambiental (SÁNCHEZ, 2008). No Brasil apenas em 1981, através da Lei 6.938, foram estabelecidos os objetivos, ações e instrumentos legais da Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), de modo que passou a compor a lista de países que possuíam legislação relacionada ao processo de AIA. Cinco anos depois, a primeira normativa relacionada à AIA foi publicada (Resolução Conama n.1/1986), que regulamentou e estabeleceu orientações e diretrizes gerais para a realização de um Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e seu respectivo Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), principais procedimentos do processo de AIA no Brasil (SÁNCHEZ, 2008). Ademais, a Constituição Federal de 1988 dedica um capítulo específico para a temática Meio Ambiente e explicita a necessidade do EIA: Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade (BRASIL, 1988, grifo nosso). Desta maneira, Bitar e Ortega (1988) destacam que o instrumento de Avaliação de Impacto Ambiental deve ser elaborado para qualquer empreendimento que possa acarretar danos ou impactos ambientais futuros, sendo executado antes da instalação do empreendimento. Com este enfoque, tem sido utilizado principalmente nos seguintes empreendimentos: minerações, hidrelétricas, rodovias, 43 aterros sanitários, oleodutos, indústrias, estações de tratamento de esgoto e loteamentos (BITAR; ORTEGA, op.cit.). Entre os instrumentos previstos na Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, é um dos mais bem-sucedidos e disseminados na gestão ambiental brasileira (CETESB, 2014). De acordo com Sánchez (2008) o processo de Avaliação de Impacto Ambiental é dividido em 3 etapas, com diferentes atividades: A Etapa Inicial tem a função de determinar se é necessário avaliar os impactos ambientais de maneira detalhada através de estudos específicos, como o EIA/ RIMA. Em caso positivo, o nível de abordagem do estudo deverá ser definido pelo órgão ambiental competente. Em caso negativo, serão utilizados outros instrumentos que permitam um controle legal das atividades do empreendimento. Na dúvida, o órgão ambiental exigirá uma avaliação prévia da área de influência do empreendimento. A segunda etapa (Etapa de Análise Detalhada) é aplicada apenas aos empreendimentos em que foram exigidos estudos detalhados de impacto ambiental (por exemplo, o EIA/RIMA). Este processo vai desde a definição do conteúdo a ser abordado pelo estudo até a sua aprovação (ou não), através do processo de licenciamento ambiental. Desta forma, esta etapa apenas é aplicada nos casos de atividades que tenham o potencial de causar impactos significativos (BITAR; ORTEGA, 1998). No caso de aprovação do projeto, será aplicada a terceira etapa, pós-aprovação do processo de AIA. Nesta etapa, o órgão ambiental competente, através de uma equipe técnica, irá acompanhar e fiscalizar as atividades do empreendimento e as medidas impostas pela licença ambiental concedida (SÁNCHEZ, op.cit.). Em suma, Oliveira et al. (2009) destacam que os principais instrumentos que estruturam o processo de AIA são: o Estudo de Impacto Ambiental (EIA), o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) e a Licença Ambiental. No EIA são detalhadas as condições ambientais da área a ser afetada pela localização, instalação, operação e ampliação de um empreendimento com atividades potencialmente degradadoras do ambiente. Este estudo é exigido, em muitas situações, pelo órgão licenciador como um requisito para o pedido de licença ambiental pelo empreendedor da atividade (OLIVEIRA et al., 2009). Segundo o artigo 6º da resolução Conama de 1986, o Estudo de Impacto Ambiental deve contemplar: 44 I - Diagnóstico ambiental da área de influência do projeto completa descrição e análise dos recursos ambientais e suas interações, tal como existem, de modo a caracterizar a situação ambiental da área, antes da implantação do projeto, considerando: a) o meio físico - o subsolo, as águas, o ar e o clima, destacando os recursos minerais, a topografia, os tipos e aptidões do solo, os corpos d'água, o regime hidrológico, as correntes marinhas, as correntes atmosféricas; b) o meio biológico e os ecossistemas naturais - a fauna e a flora, destacando as espécies indicadoras da qualidade ambiental, de valor científico e econômico, raras e ameaçadas de extinção e as áreas de preservação permanente; c) o meio socioeconômico - o uso e ocupação do solo, os usos da água e a sócio economia, destacando os sítios e monumentos arqueológicos, históricos e culturais da comunidade, as relações de dependência entre a sociedade local, os recursos ambientais e a potencial utilização futura desses recursos. II - Análise dos impactos ambientais do projeto e de suas alternativas, através de identificação, previsão da magnitude e interpretação da importância dos prováveis impactos relevantes, discriminando: os impactos positivos e negativos (benéficos e adversos), diretos e indiretos, imediatos e a médio e longo prazos, temporários e permanentes; seu grau de reversibilidade; suas propriedades cumulativas e sinérgicas; a distribuição dos ônus e benefícios sociais. III - Definição das medidas mitigadoras dos impactos negativos, entre elas os equipamentos de controle e sistemas de tratamento de despejos, avaliando a eficiência de cada uma delas. lV - Elaboração do programa de acompanhamento e monitoramento (os impactos positivos e negativos, indicando os fatores e parâmetros a serem considerados) (BRASIL, 1986). Portanto, de maneira geral, o EIA deve considerar todas as alternativas tecnológicas e de localização de projeto, identificar e avaliar os impactos ambientais gerados nas fases de implantação e operação da atividade, definir os limites da área geográfica a ser direta ou indiretamente afetada pelos impactos (área de influência do projeto) e considerar os planos e programas governamentais que existem no local (BRASIL, 1986). A figura a seguir esquematiza as principais etapas envolvidas na elaboração do EIA. 45 Figura 10. Principais etapas do Estudo de Impacto Ambiental (EIA), conforme Furlanetto (2012). O Relatório de Impacto Ambiental apresenta as informações técnicas geradas no EIA em um documento em linguagem acessível ao público. Segundo as orientações do parágrafo único do artigo 6º da Resolução Conama (1986), ‘o RIMA deve ser apresentado de forma objetiva e adequada à sua compreensão. As informações devem ser traduzidas em linguagem acessível, ilustradas por mapas, cartas, quadros, gráficos e demais técnicas de comunicação visual, de modo que se possam entender as vantagens e desvantagens do projeto, bem como todas as consequências ambientais de sua implementação (CONAMA, 1986).’ Na sequência, para a localização, instalação, operação e ampliação de um empreendimento é necessário que o empreendedor adquira, perante órgão licenciador competente, uma licença ambiental, através da qual serão estipuladas condições, restrições e métodos de controle ambiental das atividades. Todas as diretrizes impostas pela licença deverão ser realizadas pelo empreendedor, que estará sujeito a penalidades e ao cancelamento da licença no caso de não cumprimento ou inadequações das atividades. Esta etapa, denominada de Licenciamento Ambiental, é constituída por 3 fases, segundo a Resolução SMA 46 42/94: 1-) Licença prévia (LP); 2-) Licença de instalação (LI) e 3-) Licença de operação (LO) (SMA, 1994). De acordo com Araújo (2002), a LP é concedida na fase preliminar do empreendimento e contém os requisitos básicos a serem atendidos nas fases de localização, instalação e operação, os quais deverão orientar o projeto executivo. A LI, por sua vez, é concedida com base no projeto executivo aprovado e autoriza o início de implantação do empreendimento. A última fase – a LO – é concedida após a verificação da compatibilidade da instalação com o previsto na LP e na LI, que autoriza a operação do empreendimento (ARAÚJO, 2002). 2.3.1. Estudos de alternativas locacionais para implantação de aterros sanitários e incineradores Dentre as atividades modificadoras do ambiente que necessitam submeter-se ao processo de Avaliação de Impacto Ambiental destacam-se os aterros sanitários, unidades que podem compor as CTRSs. Bitar e Ortega (1998) apontam que: ‘O Instrumento de Avaliação de Impacto Ambiental deve ser elaborado para qualquer empreendimento que possa acarretar danos ou impactos ambientais futuros, sendo executado antes da instalação do empreendimento. Com este enfoque, tem sido utilizado principalmente nos seguintes empreendimentos: minerações, hidrelétricas, rodovias, aterros sanitários, oleodutos, indústrias, estações de tratamento de esgoto e loteamentos. (grifo nosso).’ Esta obrigatoriedade está prevista na Resolução Conama n.1 de 1986, que estabelece os critérios básicos e as diretrizes gerais para uso e aplicação da Avaliação de Impacto Ambiental. Artigo 2º - Dependerá de elaboração de estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto ambiental - RIMA, a serem submetidos à aprovação do órgão estadual competente, e do IBAMA em caráter supletivo, o licenciamento de atividades modificadoras do meio ambiente, tais como: [...] X - Aterros sanitários, processamento e destino final de resíduos tóxicos ou perigosos (BRASIL, 1986, grifo nosso). Cunha e Consoni (1995) salientam a importância da realização do AIA para projetos envolvendo a disposição de resíduos sólidos. Nesse sentido, segundo os autores, a instalação de aterros sanitários sem critérios técnicos adequados e bem 47 definidos podem acarretar uma série de problemas ambientais posteriores, envolvendo as águas subterrâneas e a potencialização de processos do meio físico, além de conflitos no uso e ocupação do solo (Quadro 5). Quadro 5. Problemas socioambientais induzidos pela instalação não-criteriosa de aterros sanitários. Fonte: Cunha e Consoni (1995). CONTAMINAÇÃO DAS ÁGUAS SUBTERRÂNEAS ORIGEM CAUSAS Falha na Impermeabilização da Base (Aterro/Lagoa de Tratamento de Chorume) - Impermeabilização (solo/rocha) incompatível com os percolados - Má compactação Recalques (Aterro/Lagoa de Tratamento de Chorume) - Solo natural com propriedade inadequada - Recalques devido às alterações (carga, aumento da umidade, agressão ao solo, etc.) Elevação do Nível d´Água Acima da Base do Aterro - Dados de projeto insuficientes (nível piezométrico, pluviometria, vazões, etc.) - Dimensionamento inadequado do sistema de drenagem POTENCIALIZAÇÃO DE PROCESSOS DO MEIO FÍSICO ORIGEM CAUSAS Escorregamentos/ erosão linear - Cortes com altos ângulos nas encostas; - Não consideração da atitude de estruturas (por ex., foliação ou fraturamento); - Supressão da vegetação; - Má compactação dos aterros e má disposição dos resíduos. Assoreamento - Erosão dos locais de solos expostos - Carreamento de partículas em razão de insuficiências dos sistemas de drenagem; - Supressão da vegetação. CONFLITOS DE USO E OCUPAÇÃO ORIGEM CAUSAS Restrições Ambientais - Utilização de áreas com restrições ambientais diversas (APA’s, áreas de mananciais e outras Unidades de Conservação). Desconforto à População - Proximidades de núcleos populacionais / habitações; - Problemas advindos de má operação (odores, moscas, etc.); - Sobrecarga da infraestrutura local; - Subestimação da expansão urbana. Ademais, de maneira geral, a má disposição dos resíduos sólidos, sem a observação e cumprimento dos critérios técnicos, pode comprometer a qualidade do solo, da água e do ar, por serem fontes de compostos orgânicos voláteis, pesticidas, 48 solventes e metais pesados (GIUSTI, 2009). A decomposição da matéria orgânica presente no lixo resulta na formação do chorume, que pode contaminar o solo e as águas superficiais ou subterrâneas pela contaminação do lençol freático. Pode ocorrer também a formação de gases tóxicos, asfixiantes e explosivos que se acumulam no subsolo ou são lançados na atmosfera (GOUVEIA; PRADO, 2010). Os locais de armazenamento e de disposição final tornam-se ambientes propícios para a proliferação de vetores e de outros agentes transmissores de doenças. Pode haver também a emissão de partículas e outros poluentes atmosféricos, diretamente pela queima de lixo ao ar livre ou pela incineração de dejetos sem o uso de equipamentos de controle adequados. De modo geral, os impactos dessa degradação estendem-se para além das áreas de disposição final dos resíduos, afetando toda a população (GOUVEIA, 2012). Além desses impactos mais imediatos no ambiente, a disposição de resíduos sólidos de maneira inadequada e indiscriminada pode contribuir de maneira significativa para o processo de mudanças climáticas. A decomposição anaeróbica da matéria orgânica presente nos resíduos gera grandes quantidades de GEE (Gases de Efeito Estufa), principalmente o metano (CH4), segundo gás em importância dentre os considerados responsáveis pelo aquecimento global (PEREIRA et al., 1999). Com o objetivo de evitar e atenuar estes impactos, a Resolução Conama n.1 de 1986, torna obrigatório a realização de estudos de alternativas locacionais para a implantação de empreendimentos com tal potencial de impacto, a necessidade de avaliar alternativas tecnológicas ao empreendimento, ou até mesmo avaliar os benefícios da não execução do projeto. Artigo 5º - O estudo de impacto ambiental, além de atender à legislação, em especial os princípios e objetivos expressos na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, obedecerá às seguintes diretrizes gerais: I - Contemplar todas as alternativas tecnológicas e de localização de (projeto, confrontando-as com a hipótese de não execução do projeto BRASIL, 1986). Neste contexto, Carson (1992), McCold e Saulsbury (1998) e Valve (1999) destacam que a busca por alternativas locacionais e sua comparação representam um dos pilares da Avaliação de Impacto Ambiental, pois procura assegurar que o 49 proponente considere outras abordagens factíveis, tanto para o projeto quanto para os meios de prevenir danos ambientais. Assim, é possível ampliar o leque de alternativas viáveis, conduzindo àquelas que se mostram mais adequadas para análises mais profundas no escopo dos Estudos de Impacto Ambiental (SOUZA, 2006). Furlanetto (2012) complementa esta assertiva, ressaltando que nos estudos de alternativas locacionais o empreendedor busca responder aos interessados sobre a viabilidade ambiental de seu empreendimento. Segundo o mesmo autor, este tipo de investigação integra o Estudo de Impacto Ambiental e necessita considerar de maneira mais adequada possível as questões socioambientais e a participação da sociedade. Moreira (2002) salienta que a implantação de um aterro passa por várias etapas e o processo completo de seleção é constituído por um sistema complexo que integra aspectos relacionados à engenharia, economia, à avaliação ambiental, a legislação vigente e a opinião pública. Nesse sentido, para a realização de estudos de alternativas locacionais de aterros sanitários Cunha e Consoni (1995) definiram 5 etapas a serem seguidas:  diagnóstico da situação atual dos resíduos sólidos na região de estudo e prognóstico da situação futura;  estudo geológico-geotécnico e ambiental para seleção de áreas;  Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e respectivo Relatório de Impacto Ambiental (RIMA);  projeto de viabilidade técnica e econômica do aterro; e,  estudo e definição de órgão gestor do empreendimento (CUNHA; CONSONI, 1995). Ademais, a norma ABNT/ NBR n. 15849 (2010) define as diretrizes para a implementação do respectivo empreendimento para destinação de resíduos sólidos urbanos, a saber: O local utilizado para a implantação de aterros sanitários [...] para resíduos sólidos urbanos deve ser tal que: a-) minimize o potencial de impacto ambiental e sanitário associado à instalação, operação e encerramento do aterro, em consonância com a legislação ambiental; b-) minimize os custos envolvidos; c-) maximize a aceitação da instalação pela população; e 50 d-) esteja de acordo com a legislação de uso e ocupação do solo, com a legislação ambiental e demais normas pertinentes (ABNT, 2010). Portanto, de maneira geral, os objetivos dos estudos locacionais de aterros sanitários devem estar voltados para a identificação de sítios nos quais os resíduos possam ser dispostos economicamente e com o menor custo ambiental possível (O’LEARY; CANTER, 1986). As diretrizes do IPT (1995) para a seleção de locais adequados para a implantação destes empreendimentos orientam que sejam analisados os meios físico, biológico, socioeconômico, a legislação vigente e o gerenciamento dos resíduos. Em relação aos aspectos técnicos da seleção de locais para implantação e planejamento de aterros sanitários, Zuquette et al. (1997) destacam que é imprescindível o seu conhecimento e que as interações entre os componentes deste empreendimento e o meio ambiente têm sido alvo de inúmeros estudos no Brasil e no cenário mundial. Nesse sentido, diversos escritórios de engenharia e órgãos públicos têm estabelecido seus critérios e procedimentos, buscando sistematizar e objetivar o processo de seleção de áreas para aterros sanitários. Em âmbito nacional, destaca-se a resolução NBR 15849 (ABNT, 2010), que enumera os principais critérios para a seleção de áreas passíveis a implantação de aterros sanitários de pequeno porte: Figura 11. Interações técnicas entre o aterro sanitário e o meio ambiente, conforme Zuquette et al. (1997) 51 Para a avaliação da área a ser utilizada [...] devem ser observados no mínimo os seguintes fatores de análise: a-) para tipo consistência e gran