UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE ODONTOLOGIA DE ARAÇATUBA FLÁVIA SIMÃO RIBAS Implicações Clínicas Relacionadas à Reabsorção Cervical Externa: relato de caso clínico ARAÇATUBA – SP 2014 FLÁVIA SIMÃO RIBAS Implicações Clínicas Relacionadas à Reabsorção Cervical Externa: relato de caso clínico Trabalho de Conclusão de Curso como parte dos requisitos para a obtenção do título de Graduação em Odontologia da Faculdade de Odontologia de Araçatuba, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. Orientadora: Prof.ª Ass. Dr.ª Ticiane Cestari Fagundes ARAÇATUBA – SP 2014 DEDICATÓRIA Com carinho, aos meus pais e avós, que iluminaram os caminhos obscuros com afeto e dedicação para que eu os trilhasse sem medo. A vocês, que se doaram inteiros e renunciaram aos seus sonhos, para que, muitas vezes, pudesse realizar os meus. AGRADECIMENTOS Primeiramente a Deus, que se faz presente em todos os momentos da minha vida. Aos meus pais, Fábio e Rima, pela força, motivação e apoio incondicional. Aos meus avós que amo tanto, Celso e Laude, pelo carinho, paciência e dedicação ao longo da minha caminhada. Àqueles que já partiram, meus avós paternos Rubens e Inês, que sempre sonharam em fazer parte deste momento. Aos meus irmãos, Léo e Ricardo, por tudo o que representam em minha vida. Ao meu namorado Caio, por toda ajuda, apoio e companheirismo. À minha irmã de coração, Elimary, com quem dividi inúmeros momentos e aprendizados durante esses cinco anos de convivência. À minha querida amiga, Nathália Januário, pela cumplicidade, ajuda incondicional e amizade verdadeira. Aos meus professores, por todos os ensinamentos. Em especial, às professoras Sandra Rahal Mestrener e Ticiane Cestari Fagundes. Aos meus amigos e a todos que de alguma forma fizeram e fazem parte da minha vida, o meu muito obrigada. EPÍGRAFE “Precisamos dar um sentido humano às nossas construções. E, quando o amor ao dinheiro, ao sucesso nos estiver deixando cegos, saibamos fazer pausas para olhar os lírios do campo e as aves do céu.” (Érico Veríssimo) RIBAS, F.S. Implicações clínicas relacionadas à reabsorção cervical externa: relato de caso clínico. 2014. 26 f. Trabalho de Conclusão de Curso - Faculdade de Odontologia de Araçatuba, Universidade Estadual Paulista, Araçatuba, SP, Brasil, 2014. RESUMO A reabsorção cervical externa caracteriza-se por um evento fisiológico ou patológico no qual ocorre um processo de reabsorção asséptico, assintomático e pobre em sinais clínicos em suas fases iniciais e intermediárias. O processo de reabsorção se faz exclusivamente na interface entre os muitos clastos e a dentina, sem qualquer infiltração de ácidos e enzimas em profundidade, determinando limites nítidos. A identificação das relações causa-efeito também pode auxiliar na diferenciação clínica e radiográfica; assim como, as características encontradas na abordagem operatória e restauradora das lesões cervicais, como a relação do tecido gengival com a cavidade formada. Devido à ausência de sintomas, a reabsorção cervical externa é geralmente detectada como um achado radiográfico, durante o exame de rotina. O diagnóstico precoce é difícil, porém de grande importância para um prognóstico favorável. No presente caso clínico, paciente de 55 anos procurou o consultório odontológico para exames de rotina. Nada foi detectado durante o exame clínico. Através do exame radiográfico, foi observado um quadro de reabsorção cervical externa entre o cemento e a dentina, na junção cemento-esmalte do dente 36. Devido ao diagnóstico precoce e confirmação do comprometimento pulpar no teste de vitalidade, a conduta tomada foi o tratamento endodôntico seguido de aumento de coroa clínica para remoção do tecido de granulação e exposição da área de reabsorção, para posterior restauração. Palavras-chave: Reabsorção. Diagnóstico precoce. Radiografia. RIBAS, F.S. Clinical implications related to external cervical resorption: a case report. 2014. 26f. Trabalho de Conclusão de Curso - Faculdade de Odontologia de Araçatuba, Universidade Estadual Paulista, Araçatuba, SP, Brasil, 2014. ABSTRACT The external cervical resorption is characterized by a physiological or pathological event in which a process of aseptic resorption, asymptomatic and poor clinical signs in its early and intermediate phases occurs. The resorption process is done solely on the interface between the dentin and the various osteoclasts, without any deep acid and enzyme infiltration, which determines clear boundaries. Cause and effect relationships identification can also assist in clinical and radiographic differentiation; as well as the characteristics found on cervical lesions surgical and restorative approach, such as the relationship between the gingival tissue and formed cavity. Due to the absence of symptoms, external cervical resorption is usually detected as a radiographic finding during routine examination. Early diagnosis is difficult, but of great importance to a favorable prognosis. In this clinical case, 55-year-old patient came to the dentist's office for routine checkups. Nothing was detected during clinical examination. Through radiographic examination, external cervical resorption was observed between cementum and dentin, on tooth 36 cementum-enamel junction. Due to early diagnosis and confirmation of pulp involvement in vitality testing, the procedure taken was endodontic treatment followed by increase of clinical crown to remove granulation tissue and expose the resorption area for later restoration. Keywords: Resorption. Early diagnosis. Radiography. LISTA DE FIGURAS Figura 1. Exame clínico inicial e diagnóstico 12 Figura 2. Teste de vitalidade pulpar 13 Figura 3. Abertura coronária e exposição dos canais radiculares 13 Figura 4. Cirurgia periodontal – procedimentos iniciais 14 Figura 5. Cirurgia periodontal – procedimentos finais 15 Figura 6. Isolamento absoluto para tratamento endodôntico 16 Figura 7. Tratamento restaurador e acompanhamento 17 Figura 8. Preparo dental, Rx periapical e moldagem 18 Figura 9. Cimentação e radiografia final 19 LISTA DE SIGLAS RCE = reabsorção cervical externa TCCB = tomografia computadorizada cone beam SUMÁRIO 1 Introdução ............................................................................................................. 10 2 Relato de caso ...................................................................................................... 12 3 Discussão .............................................................................................................. 20 4 Conclusão ............................................................................................................. 23 Referências .............................................................................................................. 24 10 1 INTRODUÇÃO As reabsorções dentárias são alterações locais e adquiridas que ocorrem quando determinadas estruturas de proteção do dente, como os cementoblastos e os restos epiteliais de Malassez, são eliminados. Apresentam uma origem multifatorial envolvendo variáveis anatômicas, fisiológicas e genéticas (TORRES, RONQUI, VILLAR, 2010). Podem ser estabelecidos dois tipos básicos de reabsorção dentária: as reabsorções fisiológicas, que ocorrem em dentes decíduos como parte do processo de esfoliação e as reabsorções patológicas, que ocorrem em dentes permanentes. A reabsorção radicular da dentição permanente é geralmente desfavorável, pois pode resultar em danos irreversíveis e/ou eventual perda do dente. Pode ser classificada quanto a sua localização, em relação à superfície da raiz, em reabsorção interna ou externa (PATEL, 2009). As reabsorções externas podem ter início em qualquer ponto da superfície radicular dos dentes completamente irrompidos. Ao iniciar-se na região correspondente à junção amelocementária, é denominada Reabsorção Cervical Externa (RCE) (CONSOLARO, 2005). A RCE é uma forma progressiva e agressiva de destruição da estrutura dental, que ocorre através da ação de células clásticas, caracterizada pela invasão da região cervical por tecido fibrovascular (MACALOSSI, 2012). Podem levar à perda de cemento, dentina e osso, em dentes vitais e não vitais (ANDREASEN, 1981; TRONSTAD, 1988). O cemento tem a função de proteger a dentina radicular subjacente de ser reabsorvida. É amplamente aceito que o dano ou a deficiência desta camada protetora de cemento, abaixo do anexo epitelial, expõe a superfície da raiz aos osteoclastos, os quais, em seguida, reabsorvem a dentina (MACALOSSI, 2012). Vários fatores etiológicos têm sido sugeridos como agentes que podem danificar a região cervical da superfície da raiz e, por conseguinte, dar início a RCE. Estes incluem trauma dental, tratamento ortodôntico, clareamento interno, terapia periodontal, ou de origem idiopática. Quando a reabsorção é de origem idiopática, significa que é desconhecida a causa que a desencadeou (MACALOSSI, 2012). Uma evidência clínica notada pelo profissional ou paciente é uma pigmentação de tonalidade rosa na região cervical do dente. Esta descoloração é o 11 resultado da grande granulação vascular do tecido no interior elemento dental (PATEL, 2009). Geralmente são indolores, porque a região pulpar permanece protegida pela camada de dentina e pré-dentina que a circundam. Devido à ausência de sintomas, a reabsorção cervical externa acaba se tornando um achado radiográfico, sendo detectada em exames de rotina. No entanto, com o desenvolvimento da lesão, pode ocorrer a comunicação com o canal radicular e surgirem sintomas associados à pulpite (MACALOSSI, 2012). A gravidade da reabsorção determina sua aparência radiográfica. As lesões iniciais são mais susceptíveis de serem detectadas quando estão presentes na superfície proximal do dente. Quando em estágios mais avançados, podem ter um aspecto manchado causado pela natureza óssea da lesão (PATEL, 2009). Para facilitar o diagnóstico da lesão, atualmente, é mais indicado o uso de tomografia computadorizada cone beam (TCCB) (MACALOSSI, 2012). Através da TCCB é possível detectar a exata extensão e localização da lesão, viabilizando um prognóstico mais favorável. Os tratamentos que podem ser empregados vão depender da extensão da reabsorção. Nos períodos iniciais da reabsorção cervical externa, a indução de uma discreta extrusão dentária expõe a pequena abertura, levando-a na luz do sulco gengival. Dessa forma, a reabsorção cervical é paralisada e realizam-se os procedimentos terapêuticos para o preenchimento e restabelecimento da função e estética (CONSOLARO, 2005). Outra opção terapêutica é a exposição cirúrgica da área afetada, a eliminação do tecido de granulação da cavidade, o preparo das paredes cavitárias e o preenchimento com material restaurador biocompatível. Em alguns casos, medidas mais radicais são necessárias, requerendo-se o tratamento endodôntico ou exodontia (CONSOLARO, 2005). O tratamento bem sucedido de pacientes deve envolver o monitoramento em longo prazo de lesões pré-existentes e restauradas (AHMED, 2014). Diante do exposto, o objetivo deste trabalho foi apresentar um caso clínico referente ao tratamento de uma reabsorção cervical externa através de acesso cirúrgico, restauração com resina composta e acompanhamento clínico e radiográfico pelo período de 12 meses. 12 2 RELATO DE CASO 2.1 Exame Clínico Inicial e Diagnóstico: Paciente do gênero masculino, 55 anos, procurou o consultório odontológico para tratamento de rotina. Durante o exame clínico, foi observado um escurecimento coronário do dente 36 (Figura 1B). O paciente não relatava dor ou qualquer outro incômodo no dente em questão. Como procedimento de rotina, após o exame clínico, foi realizado exame radiográfico periapical. No dente 36, observou-se uma radiolucidez na região cervical distal e espessamento apical do ligamento periodontal (Figura 1A). Devido às características específicas da lesão cavitada, constatadas clinicamente e na radiografia, foi estabelecido o diagnóstico de reabsorção cervical externa. O paciente relatou não ter histórico de trauma, clareamento ou qualquer outra injúria que pudesse ter acometido o dente, o que juntamente com o exame clínico levou a concluir que a RCE seria de natureza idiopática. As limitações de visualização radiográfica não possibilitaram certificar o contato da reabsorção com a polpa dentária. A fim de verificar a possível ligação da reabsorção com o canal radicular, foi realizado teste de vitalidade pulpar com gelo seco (Endo-Frost, Roeko-Wilcos do Brasil Ind. e Com. Ltda, Rio de Janeiro, RJ) (Figura 2), no qual o dente respondeu de forma negativa. Devido à ausência de lesão no periápice, localização cervical da Figura 1. Exame clínico inicial e diagnóstico. A: Radiografia periapical inicial mostrando área radiolúcida cervical na face distal do dente 36; Figura B: Exame clínico inicial mostrando o escurecimento coronário do dente. A B B 13 reabsorção e não comprometimento direto da reabsorção com o tecido pulpar compreendeu-se que o dente estava em processo de necrose. Ou seja, a porção apical da polpa dentária ainda se tratava de uma biopulpectomia. 2.2 Plano de Tratamento: O paciente foi informado do diagnóstico, plano de tratamento e prognóstico do caso. A fim de evitar a contaminação do conduto radicular, realizou-se abertura coronária e exposição dos canais radiculares para extirpação pulpar, seguida da colocação da pasta de hidróxido de cálcio como curativo de demora (Figura 3). Figura 2. Teste de vitalidade pulpar. Figura 3. Abertura coronária e exposição dos canais radiculares. 14 2.3 Cirurgia Periodontal: Na mesma sessão, realizou-se a intervenção cirúrgica periodontal por meio da técnica de retalho dividido. Com lâmina de bisturi nº15C, foi feita a incisão intrasulcular gengival nas faces vestibular (Figura 4A) e lingual, respectivamente, envolvendo desde a porção mesial do dente 35 até a distal do dente 37. A partir do rebatimento do retalho, fez-se a exposição e remoção de todo o tecido de granulação que recobria a cavidade (Figura 4B). Foi realizada osteotomia na região distal do dente 36 para delimitação do defeito da reabsorção e reestabelecimento das distâncias biológicas (Figura 4C). Em seguida, fez-se irrigação com soro fisiológico para auxílio da limpeza e hemostasia da área. A fim de estabelecer um reposicionamento mais apical do retalho, foi realizada sutura em oito, utilizando fio de seda agulhado 4-0, e selamento provisório da cavidade com Coltosol (Vigodent, Rio de Janeiro, Brazil) (Figura 5). O Figura 4. Cirurgia Periodontal – procedimentos iniciais. A: Incisão inicial por vestibular; B: Remoção do tecido de granulação; C: Regularização das margens da área de reabsorção. B C A C A 15 procedimento cirúrgico visou o aumento da coroa clínica do dente para restabelecimento das distâncias biológicas com finalidade restauradora. 2.4 Tratamento Endodôntico: Após 20 dias, foi possível dar continuidade ao tratamento endodôntico. Fez-se a anestesia com a técnica de bloqueio dos nervos bucal, lingual e alveolar inferior, isolamento absoluto do campo operatório, remoção do selamento temporário e da medicação intracanal (Figura 6). A seguir, foram realizadas limpeza e irrigação dos canais radiculares com Hipoclorito de Sódio 2,5%. A instrumentação com limas até o comprimento de trabalho foi intercalada com irrigação, aspiração e inundação do canal. Com a confecção do batente apical e secagem do conduto, foi possível realizar a prova dos cones principais. Uma nova tomada radiográfica foi necessária para certificar os limites dos cones em relação ao Figura 5. Cirurgia Periodontal – procedimentos finais. A: Vista oclusal logo após remoção da área de reabsorção; B: Sutura do retalho; C: Retalho em posição; D: Um mês de pós- operatório. C D C D A B 16 periápice do dente, possibilitando a obturação dos canais radiculares com cones acessórios B1 e B2 e cimento endodôntico. O selamento hermético do canal impediu a reinfecção do mesmo e promoveu o reparo tecidual da região apical. 2.5 Tratamento Restaurador e Acompanhamento: Durante os retornos para acompanhamento do caso, o dente manteve-se sem sinais clínicos e radiográficos de recidiva da reabsorção, permitindo a finalização do tratamento restaurador. Na Figura 7A, pode-se observar o acompanhamento radiográfico após um ano da realização do tratamento endodôntico. O elemento dentário foi reconstruído com cimento de ionômero de vidro fotopolimerizável (Fuji II LC, GC América Corporation, Tokyo, Japan), realizado com auxílio de seringa Centrix (Centrix Incorporated, Shelton, USA), sistema adesivo de três passos (Scotchbond Multi- Purpose Adhesive, 3M ESPE, St. Paul, MN, USA) e resina composta (Filtek P60, 3M ESPE, St. Paul, MN, USA) (Figura 7B). Devido ao comprometimento de grande parte da estrutura dentária e sucesso dos tratamentos multidisciplinares realizados, o paciente foi informado da necessidade da substituição da presente restauração em ionômero de vidro e resina composta por uma coroa total. Figura 6. Isolamento absoluto para tratamento endodôntico. 17 2.6 Preparo Dental, Rx Periapical e Moldagem Devido às propriedades mecânicas adequadas e estéticas, optou-se pela realização de uma coroa em cerâmica de dissilicato de lítio (IPS e.max, Ivoclar Vivadent, Schaan/Liechtenstein). Realizou-se remoção da resina composta e ionômero de vidro para dar início ao preparo dentário, que consistiu na redução oclusal, desgastes das paredes axiais, vestibular e lingual, com ponta diamantada tronco-cônica de extremidade arredondada, formando um término em forma de chanfro (Figura 8A). Uma radiografia periapical foi realizada para identificação dos limites do preparo (Figura 8B). Em seguida, fez-se a moldagem do dente para reprodução do preparo dental e regiões vizinhas, utilizando a técnica do duplo fio e silicone de adição (Express, 3M ESPE, St. Paul, MN, USA). A técnica escolhida foi a do reembasamento, que consiste em duas moldagens: uma realizada com o material pesado e outra, posteriormente, com o material leve (Figura 8C), seguida de confecção de uma restauração provisória. Figura 7. Tratamento Restaurador e Acompanhamento. A: Radiografia periapical após um ano, mostrando a conclusão do tratamento endodôntico realizado após intervenção cirúrgica; B: Restauração com ionômero de vidro e resina composta, após um ano de acompanhamento. A B 18 2.7 Cimentação e Radiografia Final: Após confecção da coroa metal-free, foi realizada a remoção do provisório, limpeza completa do preparo dental e prova da coroa. Foi realizado o condicionamento interno da peça com ácido fluorídrico a 10% (Dentsply, Petrópolis, RJ, Brasil) por 20 segundos. Após esta etapa, a peça foi lavada até a total remoção do produto e secada com jatos de ar, apresentando então um aspecto opaco, característico do correto padrão de condicionamento. Na sequência, foi aplicado um agente silano (Monobond Plus, Ivoclair Vivadent, Schaan/Liechtenstein, Alemanha), por 1 minuto, seguido de secagem com leve jato de ar por 5 segundos. Procedeu-se a escolha do cimento resinoso autoadesivo, de cor universal, Relyx U200 (3M ESPE, St. Paul, MN, USA) e o mesmo foi inserido no interior da peça. A coroa de cerâmica foi cimentada, os excessos foram removidos e a polimerização foi realizada com o auxílio de um aparelho fotopolimerizador (Figura B C Figura 8. Preparo Dental, Rx Periapical e Moldagem. A: Preparo dental com término em chanfro para coroa metal- free. B: Radiografia periapical após realização do preparo; C: Moldagem com silicone de adição para confecção do modelo. A 19 9A). Em seguida à cimentação, fez-se uma radiografia periapical final para verificação e acompanhamento (Figura 9B). Figura 9. Cimentação e Radiografia Final. A: Coroa cerâmica cimentada. B: Radiografia periapical final após cimentação. A B 20 3 DISCUSSÃO A reabsorção radicular cervical é frequentemente diagnosticada como um achado radiográfico. No exame clínico mostra-se revestida por tecidos moles, e quando explorada com uma sonda, produz um som de raspagem afiada. O que diferencia este tipo de reabsorção da cárie radicular, é que esta última está geralmente associada à recessão gengival, além de apresentar-se radiograficamente com limites mal definidos e aspecto amolecido a sondagem (AHMED, 2014). Com o avanço da reabsorção, é possível observar calcificações ectópicas tanto dentro do tecido fibroso, no espaço da reabsorção, como depositados sobre a dentina reabsorvida (MACALOSSI, 2012). O tecido fibroso presente é altamente vascularizado e facilmente visível através da fina camada de esmalte. Clinicamente, pode aparecer uma mancha rosa na região cervical do dente acometido. Esta descoloração esteve presente no caso clínico descrito, levando a suspeita, posteriormente confirmada pelo exame radiográfico, de uma reabsorção cervical externa (MACALOSSI, 2012). A localização da lesão interfere diretamente na visualização e interpretação radiográfica, posto que quando localizadas nas faces vestibular e lingual da raiz, podem ser facilmente confundidas com lesões de reabsorção interna. Lesões localizadas nas áreas interproximais são facilmente detectáveis radiograficamente (GOLDBERG, DE SILVIO, DREYER, 1998). O exame radiográfico no presente caso clínico foi essencial para fechamento de diagnóstico, porém insuficiente para confirmar o comprometimento pulpar do dente. As reabsorções cervicais externas são relativamente incomuns e de etiologia desconhecida. No entanto, muitos autores citam fatores pré disponentes que contribuem para que esse processo de reabsorção ocorra (MACALOSSI, 2012). Heithersay et al. investigou os possíveis fatores predisponentes de 257 lesões de RCE em 222 pacientes. Os autores concluíram que história de tratamento ortodôntico, trauma e clareamento dental foram os fatores mais comumente associados (PATEL, 2009). Outros fatores de predisposição relatados na literatura são os procedimentos cirúrgicos que resultam em danos para a junção cemento esmalte, bruxismo, 21 restaurações intracoronárias e defeitos de desenvolvimento, tais como hipoplasia ou hipomineralização de cemento (PATEL, 2009). A ausência dos fatores predisponentes citados contribuiu para a conclusão diagnóstica de causa idiopática no caso descrito. A polpa dental do dente acometido pela reabsorção cervical externa, em estágios iniciais e intermediários, geralmente apresenta vitalidade, devido às células clásticas não aderirem ao tecido não mineralizado. No presente caso clínico, o dente apresentou-se em processo de necrose pulpar decorrente da suposta comunicação da RCE com o canal radicular. Como muitas das reabsorções, a cervical externa normalmente é assintomática, a não ser que atinja a região pulpar ou periodontal. Porém, para Bergmans et al. em alguns casos pode ocorrer sensibilidade com a mudança de temperatura, devido à proximidade da cavidade reabsorvida com a polpa dental. As opções terapêuticas para este tipo de reabsorção vão depender da extensão da reabsorção. Nos períodos iniciais da reabsorção cervical externa, uma discreta extrusão dentária induzida coloca a pequena abertura fora do compartimento periodontal, levando-a na luz do sulco gengival. Dessa forma, a reabsorção cervical é paralisada e fazem-se os procedimentos terapêuticos para o preenchimento e restabelecimento da função e estética (CONSOLARO, 2005). Outra opção terapêutica é a exposição cirúrgica da área superficial afetada, eliminação do tecido localizado na cavidade formada, preparo das paredes cavitárias e preenchimento com o material restaurador mais biocompatível possível. Em alguns casos, medidas mais radicais são necessárias, requerendo-se o tratamento endodôntico ou exodontia (CONSOLARO, 2005). No presente caso, houve a combinação dos tratamentos endodôntico, cirúrgico e restaurador. O tratamento endodôntico é muitas vezes necessário nos estágios avançados de reabsorção, em que há comunicação com a câmara pulpar ou canal radicular. Nestes casos, a endodontia é fundamental, não só devido à extensão da reabsorção, mas também em função da contaminação bacteriana intracanal (ESTEVEZ, 2010). O tratamento necessitou de extirpação da polpa dentária, exposição da reabsorção, remoção de tecido de granulação e restauração do defeito radicular, 22 respectivamente. Vários materiais têm sido usados para restaurar este tipo de cavidade, como o cimento de ionômero de vidro, agregado trióxido mineral, amálgama de prata e resina composta (FRANK, TORABINEJAD, 1998). Neste caso, após a remoção do tecido de granulação, foi utilizado cimento de ionômero de vidro e resina composta para restauração, devido ao fato de apresentarem baixa toxicidade, serem bem tolerados pelos tecidos periodontais, além de apresentarem boa adesão à estrutura dentária e estética adequada (AL-SABEK, SHOSTAD, KIRWOOD, 2005). O tratamento endodôntico pôde ser concluído posteriormente sem risco de extravasamento de solução irrigadora, cimento ou cones de guta percha através da cavidade. O acompanhamento clínico e radiográfico nos casos de reabsorção cervical externa é fundamental para avaliar o sucesso da terapia proposta. Doze meses após a realização do tratamento, o dente apresentou-se assintomático e com características de normalidade, como ausência de bolsas periodontais e sangramento à sondagem, permitindo a conclusão da fase restauradora. 23 4 CONCLUSÃO A RCE apresenta etiologia multifatorial, o que justifica a necessidade de um criterioso diagnóstico através de anamnese, exame clínico e radiográfico para sua constatação. A detecção precoce é essencial para um tratamento bem sucedido e bom prognóstico do caso. Pacientes que já apresentaram este tipo de lesão ou possuem fatores predisponentes, devem ser acompanhados regularmente pelo cirurgião dentista. No presente caso, após tratamento cirúrgico, endodôntico e restaurador, houve a paralisação da RCE e acompanhamento por um período de 12 meses. 24 REFERÊNCIAS AHMED, Nizar et al. External cervical resorption case report and a brief review of literature. Journal of Natural Science, Biology and Medicine, v.5, nº1, p.210-4, Jan. 2014. AL-SABEK, F.; SHOSTAD, S.; KIRKWOOD, K. Preferential attachment of human gingival fibroblast to the resin ionomer Geristore. Journal Endodontics, v.31, nº 3, p.205-8, Mar.2005. ALVES, TP et al. Multidisciplinary Approach for the Treatment of Extensive External Cervical Resorption After Dental Trauma. Operative Dentistry, v.38, nº 4, p. 349-57, Dec. 2012. ANDREASEN, J.O. Interrelation between alveolar bone and periodontal ligament repair after replantation of mature permanent incisors in monkeys. Journal of Periodontal Research, v.16, nº2, p.228-235, Mar. 1981. BERGMANS, L. et al. Cervical external root resorption in vital teeth: X-ray microfocus-tomographical and histopathological study. Journal of Clinical Periodontology, Copenhagen, v.29, nº6, p. 580-5, June. 2002. CONSOLARO, A. Importância clínica das reabsorções dentárias e os caminhos para seu controle. In: CONSOLARO, A. Reabsorções dentárias nas especialidades clínicas. Dental Press, 2005. p.23-37. CONSOLARO, A. Nomenclatura e classificação das reabsorções dentárias. In: CONSOLARO, A. Reabsorções dentárias nas especialidades clínicas. Dental Press, 2005. p.33-63. 25 CONSOLARO, A. Junção amelocementária: o ponto frágil. In: CONSOLARO, A. Reabsorções dentárias nas especialidades clínicas. Dental Press, 2005. p.113- 130. ESTEVEZ, R. et al. Invasive cervical resorption class III in a maxillary central incisor: diagnosis and follow-up by means of cone-beam computed tomography. Journal Endodontics, v.36, nº12, p.2012-2015, Dec. 2010. FRANK, A.L.; TORABINEJAD, M. Diagnosis and treatment of external invasive resorption. Journal Endodontics, v.24, nº7, p.500-4, Jul. 1998. GOLDBERG, F.; DE SILVIO, A.; DREYER, C. Radiographic assessment of simulated external root resorption cavities in maxillary incisors. Endodontics Dental Traumatology, v.14, nº3, p.133-6, Jun. 1998. GUNST, V. et al. External cervical resorption: an analysis using cone beam and microfocus computed tomography and scanning electron microscopy. International Endodontic Journal, v.46, nº9, p.877-87, May 2013. GUNST, V. et al. Playing wind instruments as a potential aetiologic cofactor in external cervical resorption: two case reports. International Endodontic Journal, v.44, nº3, p. 268-82, Mar. 2011 HEITHERSAY, GS. Invasive cervical resorption: an analysis of potential predisposing factors. Quintessence International, v.30, nº2, p.83-95, Feb.1999. HEITHERSAY, G.S. Clinical, radiologic and histopathologic features of invasive cervical resorption. Quintessence International, v.30, nº2, p.83-95, Feb.1999. HEITHERSAY, G.S. Invasive cervical resorption. Endodontic Topics, v.7, p.73-92, Jul. 2004. 26 IKHAR, A. et al. Management of external invasive cervical resorption tooth with mineral trioxide aggregate: a case report hindawi. Case Reports in Medicine, article ID 139805, 5 pages, Feb. 2013. KANDALGAONKAR, S.D. et al. Invasive cervical resorption: a review. Journal of International Oral Health, v5, nº6, p.124-130, Dec. 2013. LIN, Y.P. et al. Expression of Toll-like receptors 2 and 4 and the OPG–RANKL– RANK system in inflammatory external root resorption and external cervical resorption. International Endodontic Journal, v.46, nº10, p.971-81, Mar. 2013. PATEL, S.; KANAGASINGAM, S.; PITT FORD, T. External Cervical Resorption: A Review. Journal Endodontics, v.35, nº5, p. 616-25, May 2009. PATEL, S.; PITT FORD, T. Is the resorption external or internal. Dent Update, v.34, nº4, p.218-29, May 2007. SATO, S. et al. Invasive cervical root resorption 15 years after modified Widman flap surgery. Journal of Oral Science, v. 55, nº2, p.183-5, Jun. 2013. TORRES, E. A. D.; RONQUI, L.; VILLAR, L.S.V. Reabsorção Radicular: Revisão de Literatura. Revista Científica Facimed, v.2, p.90-103, Jun. 2010. TRONSTAD, L. Root resorption – etiology, terminology and clinical manifestations. Endodontics Dental Traumatology, v.4, nº6, p.241-52, Dec. 1988.