1 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA – UNESP CENTRO DE AQUICULTURA DA UNESP O papel do Amh na diferenciação sexual e na gametogênese de peixes teleósteos Marcos Antonio de Oliveira Doutorando Jaboticabal, São Paulo 2019 2 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA – UNESP CENTRO DE AQUICULTURA DA UNESP O papel do Amh na diferenciação sexual e na gametogênese de peixes teleósteos Marcos Antonio de Oliveira Doutorando Prof. Dr. Rafael Henrique Nóbrega Orientador Jaboticabal, São Paulo 2019 Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Aquicultura do Centro de Aquicultura da UNESP - CAUNESP, como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutor. 3 Oliveira, Marcos Antonio de O48p O papel do Amh na diferenciação sexual e na gametogênese de peixes teleósteos / Marcos Antonio de Oliveira. – – Jaboticabal, 2019 x, 92 p. : il. ; 29 cm Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista, Centro de Aquicultura, 2019 Orientadora: Rafael Henrique Nóbrega Coorientador: Manfred Schartl Banca examinadora: Arielle C. Arena, Fausto Foresti, Luiz Renato de França, Renata G. M. Whitton Bibliografia 1. Amh. 2. Gônada indiferenciada. 3. Mutação 4. Reversão sexual. 5.Peixe Medaka. I. Título. II. Jaboticabal-Centro de Aquicultura. CDU 639.3 Ficha Catalográfica elaborada pela STATI - Biblioteca da UNESP Campus de Jaboticabal/SP - Karina Gimenes Fernandes - CRB 8/7418 4 SUMÁRIO 5 SUMÁRIO Dedicatória 6 Agradecimentos 7 Apoio Financeiro 10 Resumo 11 Abstract 12 I. Introdução geral 13 1. Sistemas de determinação e diferenciação sexual em vertebrados 13 2. Genes “masters" na determinação e diferenciação sexual em peixes 19 3. Desenvolvimento gonadal nos peixes 20 4. Dmrt1 na determinação e diferenciação sexual 23 5. O Amh e seu papel na determinação e diferenciação sexual 27 6. Amh como regulador do processo de espermatogênese 35 7. Oryzias latipes como modelo experimental 38 8. CRISPR/Cas9 como técnica para edição genômica 39 II. Justificativa 42 III. Objetivos 44 IV. Material e Métodos 45 1. Animais 45 2. amh-KO por CRISPR/Cas9 45 3. Identificação dos animais mutantes (amh-KO) por PCR 47 4. Caracterização da mutação (amh-KO) 49 5. Sexagem molecular e análise de reversão sexual 50 6. Análises do padrão de expressão dos genes envolvidos na cascata de diferenciação sexual 51 7. Análise Estatística 52 V. Resultados 53 1. CRISPR/Cas9: eficiência e detecção das mutações por PCR 55 2. Caracterização da mutação e fenótipo 59 3. Análise do padrão de expressão de genes envolvidos na cascata de diferenciação sexual 60 VI. Discussão 70 VII. Conclusão 76 VIII. Literatura citada 77 6 DEDICATÓRIA Aos meus pais Juarez & Luzia; Meus irmãos Márcio, Márcia & Zélia; Meus sobrinhos Arthur, Davi & Heitor Meus tios e tias; Minhas avós Madalena e Sabina “in memorian” por todo, amor, carinho e dedicação para comigo! “Você não escolhe sua família. Eles são um presente para você, assim como você é para eles. ” Com muito carinho e amor, dedico! À minha amada namorada Natália Bertoni e seus pais, dona Lia e Wagner, que sempre me apoiam, nos momentos de alegria e tristeza... Com todo amor, carinho e sinceridade Ofereço! 7 Agradecimentos Á Universidade Estadual Paulista, ao Centro de Aquicultura da UNESP – CAUNESP- pela oportunidade oferecida e ao Instituto de Biociências de Botucatu; A todos docentes do CAUNESP, pelos ensinamentos; Ao Prof. Dr. Claudio de Oliveira, Prof. Dr. Fausto Foresti e Prof. Dr. Cesar Martins, pelo espaço fornecido e uso de equipamentos; A Profa. Dr. Adriana Fernandes de Barros, por seus ensinamentos e amizade; Aos secretários David, Veralice e Luciana, por toda ajuda; Aos funcionários Zé, Keila e Ricardo (IBB) por toda a ajuda; Aos amigos e companheiros de trabalho: Arno, Matheus, Juliana, Andres, Lucas, Aldo, Maira, Ivana, Daniel, Camila, Zé, Anabel e Bia; Aos meus amigos, Fabrício, Bruno Castilho, Sol e Piá, Mano, Prof. Luiz Renaro de França, Kallede, Danilo Jacu, Camila, Zé Vicente e Larissa, Dona Célia e Dinovan, Vado e Dona Gorete, Daniel gordão e Ana, Cris e Angela, João “amiguinho”, Rogério e Muza e Du Kang; Aos membros avaliadores da banca, prof. Dr. Luiz Renato de França, prof.Dr. Fausto Foresti, Profa. Dra. Arielle Cristina Arena e Profa. Dra. Renata Guimarães Moreira Whitton por dedicar seu tempo na avalição deste trabalho; 8 Á UNIVERSITY OF WÜRZBURG, na Alemanha pelo acolhimento; Ao meu co-orientador Prof. Dr. Manfred Schartl e ao colaborador Mateus Adolfi; Ás técnicas, Monika, Luiza, Briguita, Conny, Petra e Anitta por toda ajuda durante minha permanência na Alemanha E principalmente ao meu orientador e amigo, Prof. Dr. Rafael Henrique Nóbrega, pela orientação e principalmente por sua confiança na realização deste projeto, e na conquista deste sonho, agradeço também pela oportunidade, atenção e amizade. São poucas palavras, mas sinceras, onde quero lhe dizer: “Obrigado por fazer do aprendizado não um trabalho, mas um contentamento. Por fazer com que me sentisse uma pessoa de valor. Por me ajudar a descobrir o que fazer de melhor e, assim, fazê-lo cada vez melhor. Obrigado por afastar o medo das coisas que pude não compreender, levando-me, por fim, a compreendê-las. Obrigado por me convencer de que sou melhor do que suspeitava. ” 9 A todos, o meu muito obrigado! O mestre disse a um dos seus alunos: Queres saber em que consiste o conhecimento? Consiste em ter consciência tanto de conhecer uma coisa quanto de não a conhecer. Este é o conhecimento. (Confúcio) Hakuna Matata What a wonderful phrase Hakuna Matata! Ain't no passing craze It means no worries For the rest of your days It's our problem-free philosophy Hakuna Matata! It means no worries For the rest of your days It's our problem-free philosophy Hakuna Matata! (Walt Disney) 10 APOIO FINANCEIRO O presente trabalho foi realizado com apoio da FAPESP, através do convênio FAPESP/CAPES, PROCESSO nº 2014/25313-4, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). O presente trabalho também teve o apoio da FAPESP, através do convênio FAPESP/CAPES, PROCESSO nº 2015/15631-1, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). O presente trabalho também teve o apoio da FAPESP, através do auxílio SPRINT/BAYLAT, PROCESSO n° 2014/50602-0, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. 11 RESUMO A decisão se a gônada indiferenciada irá se desenvolver em um testículo ou um ovário é uma etapa crítica na diferenciação sexual dos vertebrados. Este processo consiste em uma complexa cascata gênica que culmina na diferenciação das células somáticas presente na gônada indiferenciada. Neste sentido, o hormônio anti-Mülleriano é um importante efetor nesta decisão. Estudos com o peixe medaka mutante hotei, no qual o receptor do Amh tipo 2 (amhrII) é mutado, mostram elevado índice gonadossomático, e reversão sexual de macho para fêmea. Com base nestas informações, acredita-se que o Amh possa regular o número de células germinativas e diretamente ou indiretamente este fato pode influenciar na decisão da gônada bipotencial em se tornar um testículo ou ovário. Sendo assim, o objetivo do presente trabalho foi de se avaliar a sinalização do Amh durante a diferenciação sexual no medaka. Para tanto, estudos de perda de função gênica foram empregados, no qual o gene amh foi deletado através do sistema CRISPR/Cas9. Também foi avaliada a expressão dos genes que atuam na janela de diferenciação sexual por RT-qPCR. Inicialmente, identificamos dois tipos de mutação nos animais heterozigotos (amh (-/+) da F1. A mutação mais interessante foi a deleção de 759 pares de base entre os exons 6 e 7 que compreende parte dos domínios Amh_N e TGF- β. Na geração F2, os mutantes homozigotos amh (-/-) machos XY apresentaram 100% de reversão sexual para fêmeas fenotípicas. Além disso os animais amh (-/-) apresentaram hipertrofia gonadal. Não foi realizado nenhum tipo de análise histológica, porém, considerando-se os dados da literatura, sugere-se que a ausência do Amh em nossos mutantes também tenha levado à uma proliferação excessiva das células germinativas. Assim, é sugerido em nosso trabalho que o Amh está envolvido na proliferação das células germinativas, sendo um efetor crucial para a formação do testículo. Esse resultado corrobora os dados de expressão temporal do amh e de alguns genes chaves do processo de diferenciação durante diferentes estágios de desenvolvimento de medakas selvagens. A expressão do amh foi maior em machos do que em fêmeas durante todos os estágios de desenvolvimento. Sua expressão diferencial inicia-se no estágio 34 que precede a janela de diferenciação sexual em medaka. Interessantemente, a expressão de outros genes envolvidos na cascata de diferenciação sexual masculina como dmrt1, amhrII e gsdf foi posterior à do amh. Este dado sugere que o Amh atue como efetor upstream da cascata de diferenciação masculina, sendo responsável, direta ou indiretamente, por ativar genes como dmrt1 e gsdf. Estes resultados estão alinhados com os dados encontrados neste trabalho para os medakas mutantes amh (-/-), onde na ausência do Amh, todos os machos XY se diferenciam em fêmeas. Na ausência do Amh, os efetores downstream da cascata não seriam ativados, o que levaria à diferenciação gonadal feminina. De maneira geral, o presente estudo demonstra que o Amh desempenha um papel crucial no processo de diferenciação sexual do medaka. Além disso, o Amh atua como efetor da cascata de diferenciação sexual masculina e também regula a proliferação das células germinativas nesta espécie. Palavras-chave: Amh, gônada indiferenciada, mutação, reversão sexual, peixe medaka. 12 ABSTRACT The decision whether the undifferentiated gonad will develop in a testicle or an ovary is a critical step in the sexual differentiation of vertebrates. This process consists of a complex genetic cascade that culminates in the differentiation of the somatic cells present in the undifferentiated gonad. In this context, the anti- Müllerian hormone is an important effector in this decision. Studies with the medaka hotei fish, in which the Amh type 2 receptor (amhrII) is mutated, show high gonadosomatic index, and sexual reversion from male to female. Based on this information, it is postulated that the Amh regulates the number of germ cells, and directly or indirectly this fact may influence the decision of the bipotential gonad to become a testicle or ovary. Therefore, the objective of the present study was to evaluate the signaling of Amh during sexual differentiation in medaka. For that, studies of loss of gene function were employed, in which the amh gene was deleted through the CRISPR / Cas9 system. We also evaluated the expression of genes that act in the window of sexual differentiation by RT-qPCR. We initially identified two types of mutation in F1 heterozygous (amh -/+) animals. The most interesting mutation was the deletion of 759 base pairs between exons 6 and 7 which comprises part of the Amh_N and TGF-β domains. In the F2 generation, the homozygous amh (-/-) mutants XY males presented 100% of sexual reversion. In addition, the amh (-/-) animals presented gonadal hypertrophy. We did not perform any histological analysis, but considering the literature data, it is suggested that the absence of Amh in our mutants also led to an excessive proliferation of germ cells. Thus, our work shows that Amh is involved in the proliferation of germ cells, being a crucial effector for testicular formation. This result corroborates the temporal expression data of the amh and some key genes of the differentiation process during different stages of development of wild medakas. amh transcripts were highly expressed in males than in females during all stages of development. Its differential expression begins in stage 34 that precedes the window of sexual differentiation in medaka. Interestingly, the expression of other genes involved in the cascade of male sexual differentiation, as dmrt1, amhrII and gsdf was later than amh. This data suggests that Amh acts as an upstream effector of the male differentiation cascade, being responsible, directly or indirectly, for activating genes such as dmrt1 and gsdf. These results are in line with the data found in this work for the amh (-/-) mutant medakas, wherein the absence of Amh, all XY males undergone sex reversal to females. In the absence of Amh, the downstream cascade effectors would not be activated, which would lead to female gonadal differentiation. In general, this work demonstrates that Amh plays a crucial role in the process of sexual differentiation of medaka fish. In addition, Amh acts as an effector of cascade of male sexual differentiation and also regulates the proliferation of germ cells in this species. Key words: Amh, undifferentiated gonada, mutation, sex reversion, medaka fish 13 I. INTRODUÇÃO GERAL 1. Sistema de determinação e diferenciação sexual em vertebrados No reino animal, a reprodução sexual é a forma de propagação mais antiga e universal utilizada pelos vertebrados. Os mecanismos que controlam a determinação e diferenciação sexual nestes animais são diversos e dependem de uma grande variedade de fatores genéticos bem como em alguns casos de fatores ambientais (VON HOFSTEN e OLSSON, 2005; TRUKHINA et al., 2013). O sexo genético pode ser definido por fatores genéticos hereditários (XX/XY e ZZ/ZW, dentre outros) que são determinados na fecundação. Por outro lado, a diferenciação gonadal depende da ativação de fatores transcricionais que são expressos durante a janela de diferenciação sexual. Tais fatores podem ter sua expressão alterada por condições ambientais como a temperatura e a osmolaridade dentre outros. Estes processos sexuais são classicamente divididos em determinação e diferenciação sexual, respectivamente (VON HOFSTEN e OLSSON, 2005; MATSON e ZARKOWER, 2012; KIKUCHI e HAMAGUCHI, 2013; TRUKHINA et al., 2013; HERPIN et al., 2013; HEULE et al., 2014). A determinação sexual pode ser definida como um fator herdado, geralmente associado a um gene “master”. Este gene inicia e ativa a cascata gênica/bioquímica que culmina na diferenciação das células somáticas presentes na gonada indiferenciada (DEVLIN e NAGAHAMA, 2002; GRAHAM et al., 2003; HERPIN et al., 2013). Apesar de conservados, uma diversidade de genes “masters", cruciais para a determinação sexual são encontrados em diferentes organismos e todos estes genes são duplicados ou parálogos aos seu ancestral (Tabela 1) (GRAHAM et al., 2003; HERPIN e SCHARTL, 2015). 14 Tabela 1. Genes “master" de determinação sexual nos vertebrados. Dados modificados a partir de Herpin e Schartl (2015). SD: Sistema de determinação sexual. Gene “master” Organismo SD sexual Gene ancestral Função do gene Ancestral SRY Mamíferos XY Sox3 Fator de transcrição, requerido na formação do eixo hipotálamo-hipófise; expresso no desenvolvimento das gônadas. Dmrt1 Galinha WZ Dmrt1 Fator de transcrição, importante na determinação e diferenciação sexual masculinas dm-y Xenopus laevis WZ Dmrt1 Fator de transcrição, importante na determinação e diferenciação sexual masculinas dmrt1bY Medaka (Oryzias latipes, O. curvinotus) XY Dmrt1 Fator de transcrição, importante na determinação e diferenciação sexual masculinas sdY Truta arco-íris (Oncorhynchus mykiss) XY Irf9 Fator de resposta do interferon. Função gonadal desconhecida gsdfY Medaka luzonensis (O. luzonensis) XY Gsdf Fator TGF-β. Importante papel no desenvolvimento gonadal em peixes sox3Y Medaka Indiano (O. dancena) XY Sox3 Fator de transcrição, requerido na formação do eixo hipotálamo-hipófise; expresso no desenvolvimento das gonadas amhY Perjerrey (Odontesthes hatcheri) XY Amh Fator TGF-β. Hormônio anti-Mülleriano. Fator de crescimento amhrIIY Fugu (Takifugu rubripes) XY AmhrII Fator TGF-β. Receptor tipo II para o Amh. Função no desenvolvimento gonadal dmrt1 Linguado chinês (Cynoglossus semilaevis) WZ Dmrt1 Fator de transcrição, importante na determinação e diferenciação sexual masculinas gsdfY Peixe-carvão-do-pacífico (Anoplopoma fimbria) XY Gsdf Fator TGF-β. Importante papel no desenvolvimento gonadal em peixes 15 Uma vez ativa, esta cascata será responsável pela regulação de diferentes genes, produção e liberação de hormônios esteroides que culminará na diferenciação da gônada indiferenciada. O fato da gônada indiferenciada vir a se tornar um testículo ou um ovário é uma etapa crítica no processo de diferenciação sexual dos vertebrados (MUNGER e CAPEL 2012; HERPIN et al., 2013). Em alguns vertebrados, principalmente os mamíferos, a determinação e diferenciação inicia-se na gônada com a ação de fatores de crescimento e hormônios. Em muitos mamíferos, sabe-se que o processo de determinação sexual envolve o cromossomo Y, o qual contém em seu braço curto o gene responsável pela determinação sexual, conhecido como SRY. Este gene regula positivamente a transcrição de genes masculinos específicos (SOX9 e DMRT1) nas células somáticas da gônada XY (KOOPMAN et al., 1991). A ausência do gene SRY induz à feminilização, ativando genes ovarianos específicos (RSPOL, WNT4 e FOXL2) (KOOPMAN et al., 1991). Em relação a este caso paradigmático, uma vez que o sexo foi determinado, segue-se o caminho de diferenciação, produzindo testículo ou ovário (CAPEL, 1998; TEMEL et al., 2007) (Fig.1). Figura 1. Genes responsáveis pela diferenciação sexual em mamíferos. Em animais vertebrados XX/XY, o gene SRY é responsável pela determinação sexual masculina. Quando na ausência do SRY, ocorre à ativação do gene DAX-1, o qual será responsável pela diferenciação da gônada 16 feminina. A presença do SRY resulta na ativação de uma cascata gênica que leva ao desenvolvimento do testículo. O gene SF-1 apresenta um importante papel na esteroidegênese e o AMH desempenha papel chave na diferenciação sexual. A aromatase atua inibindo a expressão do AMH e DMRT1. Setas em preto indicam estimulação. Linhas em vermelho com barra indicam inibição. Modificado a partir de VON HOFSTEN e OLSSON (2005). Em anfíbios, o sistema de determinação sexual é complexo, pois espécies como a Rana rugosa, apresentam dois sistemas de determinação sexual, XX/XY e ZZ/ZW (NISHIOKA et al, 1993 TRUKHINA et al., 2013). Por outro lado, em Xenopus tropicalis, Rocco e colaboradores (2015) mostraram a existência de três tipos de cromossomos sexuais (Y, W e Z). Neste sistema, três tipos de machos podem ser encontrados, YZ, YW e ZZ, enquanto que as fêmeas podem ser ZW ou WW. No entanto, a diferenciação sexual em anfíbios pode acontecer das seguintes maneiras: desenvolvimento direto da gônada bipotencial em testículo ou ovário; desenvolvimento da gônada bipotencial passando por um hermafroditismo sequencial e animais com intersexo (TRUKHINA et al., 2013). Em relação aos genes “masters”, o gene dmrt1 em Xenopus laevis, surge como um potencial candidato envolvido na determinação e diferenciação sexual. Nestes animais, uma duplicação do gene no cromossomo W atua como determinante sexual feminino (YOSHIMOTO et al., 2008; TRUKHINA et al., 2013). Em aves, o mecanismo de determinação sexual é ligado a cromossomos sexuais e neste caso o sistema predominante é o ZZ/ZW. O sistema sexual é homogamético para machos (ZZ) e heterogâmico nas fêmeas (ZW) (NANDA et al.; 2000). Nestes vertebrados, uma região conservada no cromossomo Z é responsável pela determinação sexual masculina e diferenciação testicular, pela regulação do gene DMRT1, que aparentemente não é o gene “master” nesta espécie (SMITH et al., 2009 AYERS, et al.; 2013). No campo da biologia reprodutiva, a elucidação dos vários aspectos envolvidos nos mecanismos de determinação e diferenciação sexual sempre despertou o interesse dos pesquisadores. Neste campo, um grupo em especial de vertebrados chama bastante a atenção, os peixes teleósteos. 17 Os peixes apresentam uma grande variedade de mecanismos de determinação sexual. Neste sentido, muitas espécies apresentam o sistema de determinação ligado a cromossomos sexuais/heteromórficos (XX/XY e ZZ/ZW) (DEVLIN e NAGAHAMA, 2002; GUERRERO-ESTÉVEZ e MORENO- MENDOZA, 2010). Algumas espécies de arraias, como Potamotrygon aff. Motoro e P. falkneri apresentam um sistema múltiplo de cromossomos sexuais, X1X1X2X2/X1X2Y. Neste estudo ficou evidenciado uma heterogeneidade dos arranjos cromossômicos (CRUZ et al 2011). Por outro lado, em espécies de peixes como Oryzias latipes (MATSUDA et al., 1998), Oncorhynchus mykiss (THORGAARD, 1977; ITURRA et al., 2001) e Oreochromis niloticus (BAROILLER et al., 1996), os machos são heterogâmicos (XY). Já em Oreochromis aureus (MAIR et al. 1991), Xiphophorus maculatus, e Gambusia affinis (VOLFF e SCHARTL 2001), as femêas são heterogâmicas, ZW. Além disso, os peixes apresentam ainda uma grande variedade de mecanismos que podem atuar na diferenciação do sexo. Esta variedade pode ser considerada como estratégias sexuais para reprodução, tais como: animais gonocorísticos (apresentam os sexos separados); animais unissexo (todos são fêmeas ou todos são machos); animais hermafroditas, que podem ser classificados em: hermafrodita sequencial, serial ou simultâneo (SCHARTL, 2004; HEULE et al., 2014; ADOLFI et al., 2018) (Fig.2). 18 Figura 2. Alguns peixes podem ser: gonocoristícos (apresentam os sexos separados, macho ou fêmea); hermafroditas, que podem ser classificados em hermafrodita serial (primeiro o animal é uma fêmea, ao longo da vida se tornam machos e, outros permanecem fêmeas), sequencial (podendo ser protândrico, em que o animal nasce macho e transforma em fêmea e, protogínico, em que o animal nasce fêmea e se torna macho) e hermafroditismo simultâneo onde ocorrem a auto-fecundação e ou cruzamento normal. Também existem animais unissexo (todos são fêmeas ou todos são machos). Adaptado de HEULE et al., 2014. Esta variedade de mecanismos de diferenciação sexual, podem ser influenciados tanto por fatores extrínsecos tais como a temperatura, exposições a hormônios, pH da água, concentração de oxigênio, densidade de estocagem e poluentes, bem como por fatores intrínsecos à exemplo do status social e crescimento (VALENZUELA et al., 2003; SCHARTL, 2004; BAROILLER et al. 2009; HAYASHI et al., 2010; YAMAGUCHI et al., 2010) (Fig.3). Diferenciação sexual nos peixes 19 Figura 3. Balança dos fatores que podem influenciar na diferenciação sexual em peixes. Uma grande variedade de fatores ambientais e sociais podem regular o fenótipo sexual dos peixes e muitas vezes ocasionar reversão sexual. Alguns fatores como por exemplo a temperatura, pode reverter animais fêmeas para machos em várias espécies. Em outros casos, a densidade e o status social podem fazer com que animais machos se tornem fêmeas e vice-versa. Figura: Desenho pessoal. 2. Genes “masters" na determinação e diferenciação sexual em peixes Nos últimos anos, pesquisadores ao redor do mundo não mediram esforços para encontrar genes responsáveis pela determinação e diferenciação sexual nos peixes. Neste sentido, uma notável diversidade de genes “masters” determinantes do sexo, que governam as hierarquias genéticas tornou-se visível (HERPIN e SCHARTL, 2015). Em truta arco-íris (Oncorhynchus myskiss) o gene sdY foi descoberto como sendo o gene responsável pela determinação sexual nesta espécie (YANO et al. 2012). Em fugu (Takifugu rubripes), foi descrito o receptor tipo 2 do amh (amhrII) como o gene responsável pela determinação sexual. Neste trabalho os autores mostram que o polimorfismo em apenas um nucleotídeo é responsável 20 pela determinação do sexo nesta espécie (KAMIYA et al. 2012). O estudo realizado por Hattori e seus colaboradores em 2012 mostra evidencias funcionais da duplicação do gene amh, o amhy em Odontesthes hatcheri. Os autores sugerem que o amhy é o gene “master" responsável pela determinação sexual masculina nesta espécie. Já em Oryzias luzonensis, Myosho e colaboradores (2012) identificaram o gene gsdfy como sendo o gene “master” de determinação sexual masculina (TABELA 1). Ao considerar conjuntamente os genes “master” de determinação sexual acima, é notória a importância de fatores de crescimento pertencentes a sinalização da superfamília TGF-β (amh, amhrII, amhy e gsdfy) nos mecanismos de determinação e diferenciação sexual em peixes. Ademais estes dados sugerem que os mecanismos de determinação sexual em peixes não são conservados e nem dependentes de fatores de transcrição. Porém, os componentes moleculares da via que determina o sexo são bastante conservados em relação aos mecanismos desencadeadores no topo da cascata (GRAVES, 2013; TRUKHINA et al., 2013; HERPIN e SCHARTL, 2015). Em medaka (Oryzias latipes) o macho apresenta o sexo heterogâmico (XY) (MATSUDA et al., 1998; MATSUDA et al., 2002). Estes peixes apresentam na região de determinação sexual do cromossomo Y, o gene responsável pela determinação sexual masculina, o dmy/dmrt1bY (NANDA et al., 2002; MATSUDA et al., 2002). 3. Desenvolvimento gonadal nos peixes Conforme se observa nos demais vertebrados, noss peixes teleósteos, a gônada indiferenciada é composta por células somáticas e células germinativas, sendo as últimas responsáveis pela formação dos gametas na após a puberdade. No estágio de diferenciação sexual, as células somáticas se diferenciam em células de Sertoli e Leydig nos machos, ou em células da granulosa e da teca nas fêmeas (DEVLIN e NAGAHAMA, 2002). Os componentes germinativos são derivados muito precocemente das células germinativas primordiais (PGC), as quais migram para a gônada primitiva 21 (RAZ, 2003; RAZ e REICHMAN-FRIED, 2006) conforme nota-se na Figura 4. No momento do desenvolvimento da gônada, as células germinativas precursoras irão se diferenciar na linhagem masculina ou feminina. Após esta etapa, estas células continuam a proliferar ou entram em meiose. Este último passo é muitas vezes sexo-específico; por exemplo, células germinativas femininas entram em meiose primeiro que as células da linhagem masculina (KIMBLE e PAGE, 2007). Esta observação é claramente descrita em estudos envolvendo o peixe medaka (SAITO et al., 2007). Saito e colaboradores (2007) mostram que o número de PGCs é independente do sexo durante a embriogênese final. No entanto, as PGCs começam a proliferar primeiramente nos embriões do sexo feminino, entrando em meiose mais precocemente do que nos machos (próximo do estágio de eclosão). Nos embriões do sexo masculino, a proliferação das PGCs ocorre tardiamente, porém se estende por um período maior após a eclosão (15 a 20 dias pós-eclosão) (SAITO et al.,2007). 22 23 Figura 4. Diagrama representando a diferenciação sexual. Primeiramente a gônada bipotencial que apresenta células germinativas primordiais e células somáticas é determinada geneticamente (XX ou XY). Após esta etapa a gônada indiferenciada nos machos XY passam por uma baixa taxa de proliferação das células germinativas enquanto que nas fêmeas XX, ocorre o oposto. Neste momento, a gônada está sujeita a sinais ambientais (temperatura, hormônios etc) e também moleculares, como a expressão de genes relacionados a diferenciação sexual (por exemplo o amh) tanto para macho como para fêmeas que atuam na diferenciação gonadal. Ainda na diferenciação gonadal, os animais machos XY apresentam um atraso na entrada da meiose enquanto a fêmeas XX dão início a meiose e oogênese e assim então, ocorre a diferenciação do sexo fenotípico nos animais com a formação de testículo nos machos e ovário nas fêmeas. Adaptado a partir de Allais-Bonnet e Pailhoux, 2014. Imagem: Desenho pessoal. Estudos in vitro e in vivo mostram que a expressão do gene dmrt1bY inibe a proliferação das PGCs no estágio de diferenciação sexual, mais precisamente durante a fase G2 do ciclo celular (HERPIN et al., 2007). Desta forma, pode-se dizer que o número de PGCs é influenciado pelo genótipo (XX ou XY) da espécie em questão. Se avaliarmos a questão de que os genes “masters" de determinação sexual, gsdfy em O. luzonensis (MYOSHO et al., 2012), amhrII em fugu (KAMIYA et al. 2012) e amhy em O. hatcheri (HATTORI et al. 2012) são genes de ação direta na proliferação e diferenciação das células germinativas nos peixes (GAUTIER, et al., 2011), é possível que a quantidade de células germinativas possa interferir no processo de diferenciação sexual gonadal em peixes (HERPIN et al., 2007; NAKAMURA et al., 2012). 4. Dmrt1 na determinação e diferenciação sexual O gene Dmrt1 (Doublesex and mab-3 related transcription factor 1) é um fator de transcrição, conservado entre os vertebrados que desempenha importante papel durante a determinação e diferenciação sexual (RAYMOND et al., 1998; MATSON e ZARKOWER, 2012) e são caracterizadas por um padrão de ligação de DNA com domínio rico em cisteína, o domínio DM (Doublesex and Mab-3 related) (RAYMOND et al., 1998 GAMBLE e ZARKOWER, 2012).. O 24 Dmrt1 é expresso nas gônadas dos vertebrados, desempenhando importante papel na diferenciação testicular (Fig.5) (RAYMOND et al., 1998; KOOPMAN, 2009; MATSON e ZARKOWER, 2012). Figura 5. Dmrt1 na diferenciação sexual em vertebrados. Em azul é mostrada a função masculinizante e em rosa a feminilizante. (A) Em mamíferos, o DMRT1 é expresso na gônada fetal após a determinação sexual e requerido após o sexo determinado. (B) Em peixe, no caso medaka, primeiramente após o sexo genético determinado, ocorre a expressão do dmY, também chamado dmrt1bY e posteriormente, ocorre a diferenciação sexual masculina com a expressão do dmrt1 autossomal. (C) Nas aves, a expressão do DMRT1 é ligada ao cromossomo Z e sendo assim, os machos possuem duas cópias e as fêmeas uma, sugerindo assim que um efeito de dose de DMRT1 é requerida para a diferenciação testicular. (D) Em anfíbios, o gene dmrt1 é duplicado e truncado e, é encontrado no cromossomo W, que é específico de fêmeas. Assim o dm-w passa a participar do desenvolvimento ovariano. Retirado de MATSON e ZARKOWER, (2012). Em mamíferos, a determinação sexual ocorre com a expressão do gene “master" SRY. Após a expressão do SRY a cascata gênica de diferenciação sexual é ativada em que o DMRT1 é expresso na gônada indiferenciada e é 25 responsável pela diferenciação testicular (Fig.5 A) (RAYMOND et al., 1998; MELLO et al., 2005). Em aves, a expressão do DMRT1 é ligada ao cromossomo Z. Portanto os machos possuem duas cópias e as fêmeas uma, sugerindo assim, que a expressão do DMRT1 é essencial para diferenciação testicular e sua alta expressão pode determinar o sexo (Fig.5 C) (SMITH et al., 2009). Já em anfíbios, no caso Xenopus laevis, uma duplicação do dmrt1 no cromossomo W é responsável pela diferenciação ovariana (Fig.5 D) (YOSHIMOTO et al., 2010). Em alguns peixes o dmrt1 é expresso nas gônadas de várias espécies (Fig.5 B). Em truta arco-íris, o dmrt1 é expresso nas gônadas masculinas e atua na diferenciação sexual masculina (MARCHAND et al. 2000). Em tilápia, o padrão e expressão do dmrt1 sugere que este gene seja responsável pela diferenciação testicular (IJIRI et al. 2008). Já em zebrafish, Guo e colaboradores (2005), mostraram que o dmrt1 não apresenta dimorfismo sexual quanto à sua expressão em gônadas indiferenciadas. Os autores sugerem que este gene desempenha um papel importante durante o desenvolvimento gonadal de machos e fêmeas (GUO et al. 2005). No entanto, Webster e colaboradores (2017) demonstraram em zebrafish que o dmrt1 é necessário para o desenvolvimento testicular. Além disso, estes autores também mostraram que o dmrt1 é requerido para a manutenção e auto-renovação das células germinativas masculinas iniciais de zebrafish (WEBSTER et al., 2017). Corroborando estas evidências, a deleção do gene dmrt1 em zebrafish alterou o desenvolvimento das células germinativas, levando à regressão dos testículos (LIN et al., 2017). Um dos casos mais interessantes em que o gene dmrt1 atua no processo de determinação sexual em peixes ocorre em medaka (O. latipes) (Fig.5 B). O medaka é uma espécie com o sistema de determinação sexual genética XX/XY. Uma região específica do cromossomo Y apresenta o gene dmY (MATSUDA et al. 2002) ou também conhecido como dmrt1bY (NANDA et al. 2002). Este gene é formado a partir da duplicação do dmrt1 autossômico. Desta forma, o dmY/dmrt1bY assume o papel primordial de gene “master" de determinação sexual masculina e é necessário para o desenvolvimento testicular (MATSUDA et al. 2002; NANDA et al. 2002). 26 5. O Amh e seu papel na determinação e diferenciação sexual O Hormônio Anti-Mülleriano (Amh) é uma glicoproteína membro da família TGF-β (transforming growth factor-beta), que tem um papel importante na regressão do ducto de Müller durante a diferenciação sexual masculina em vertebrados tetrápodes (JOSSO et al., 2006). Durante a formação embrionária, a gônada indiferenciada é composta pelos ductos paramesonéfricos (Müller) e ductos mesonéfricos (Wolf). Os ductos de Müller serão responsáveis pela formação do útero, tubas uterinas e pela formação de partes superiores da vagina. Já os ductos de Wolf formam o epidídimo, os canais deferentes e as vesículas seminais (GOODFELLOW e LOVELL-BADGE, 1993; JOSSO et al., 2006). A gônada indiferenciada irá diferenciar-se em um testículo ou ovário através da ativação de uma cascata gênica. Em humanos, esta cascata é bem descrita e primeiramente ocorre pela ativação do SF-1 (Steroidogenic factor 1) e WT1 (Wilms’ tumor 1), que por sua vez irão ativar a expressão do SRY (Sex determining Region Y) (Fig.6). Na presença do SRY, as células de Sertoli iniciam a produção do AMH. O AMH produzido será responsável pela regressão dos ductos de Müller levando assim a diferenciação masculina com o desenvolvimento dos testículos. Na ausência do SRY ocorre a expressão do gene WNT4 (Wingless-type MMTV integration 4) e DAX-1 (Dosage-sensitive sex reversal - Adrenal hypoplasia congenita critical region on the X chromosome 1) que serão responsáveis pela ativação da cascata de diferenciação feminina (GOODFELLOW e LOVELL-BADGE, 1993; HAQQ et al., 1994; LEE et al., 1996; REY, 1998; BIASON-LAUBER e KONRAD, 2008; TANAKA e NISHINAKAMURA, 2014) (Fig.6). 27 FIGURA 6. Diferenciação sexual em mamíferos. Os genes WT1 e SF-1 atuam na crista gonadal e são responsáveis por ativar o gene de determinação sexual SRY. O gene SRY é responsável pela determinação sexual masculina. A presença do SRY determina a diferenciação da gônada bipotencial em testículo. Uma das funções desse gene é a de iniciar a diferenciação das células de Sertoli que passa a produzir o AMH. O AMH atua na regressão do ducto de Müller levando à diferenciação testicular. Na ausência do SRY ocorre a ativação dos genes WNT4 e DAX-1, os quais serão responsáveis pela diferenciação do sexo feminino. Modificado a partir de BIASON- LAUBER e KONRAD, (2008). Em relação à sua estrutura, o Amh apresenta-se como um gene de cópia única nos vertebrados. Porém, em duas espécies de peixes teleósteos, peixe-rei da Patagônia (HATTORI et al., 2012) e tilápia do Nilo (ESHEL et al., 2014), o amh é duplicado, neste caso esta segunda cópia, denominada amhY, atua como determinante sexual (Fig.7). 28 FIGURA 7. Ilustração mostrando a estrutura do gene amh e amhY em peixe-rei da Patagônia. Os exons são representados pelas caixas laranjas. Segmentos abertos representam os introns. Na caixa em cinza é possível observar a localização da inserção de 557 pares de base na sequência do amhY. A linha azul representa o domínio TGF-β. Retirado de HATTORI et al., (2012). O gene Amh apresenta 5 exons em mamíferos e aves. Em humanos e camundongos, a proteína formada contém 554 e 560 resíduos de aminoácidos, respectivamente. Já em galinhas, o AMH possui 644 resíduos de aminoácidos. Em peixes teleósteos, o gene amh consiste de 7 exons que codificam uma proteína de 500 resíduos de aminoácidos. Diferentemente dos demais peixes, o gene amh de truta arco-íris possui somente 6 exons que codificam uma proteína de 571 resíduos de aminoácidos (RODRIGUEZ-MARI et al., 2005; HALM et al., 2007; KLUVER et al., 2007; JAMIN et al., 2008; HATTORI et al., 2012). O AMH é secretado como um precursor homodimérico com tamanho de 140-kDa, o qual consiste em dois monômeros de 70-kDa cada. O AMH é composto por uma região C-terminal madura com 25-kDa. Esta região se torna bioativa após sofrer uma clivagem proteolítica e se ligar ao receptor do AMH tipo 2 (AMHRII), induzindo assim sinais intracelulares através de proteínas Smads (PEPINSKY et al., 1988; di CLEMENTE et al., 2010). A região N-teminal é chamada de pró-região. Esta parte é importante para a síntese e transporte do AMH extracelular. O precursor do AMH é clivado entres estes dois domínios (pró- região e C-terminal). Em seguida, uma segunda clivagem ocorre na pró-região dando origem a três regiões diferentes: região pró-semi-madura, semi-madura e 29 madura (Fig.8) (JOSSO e di CLEMENTE, 2003; di CLEMENTE et al., 2010, MAMSEN et al., 2015). A região C-terminal se torna biologicamente ativa quando se associa de maneira não-covalente com a pró-região. Uma nova clivagem resulta na dissociação da pró-região com a região C-terminal madura. Desta forma o AMH maduro é liberado na matriz extracelular. A porção N-terminal é importante para a manutenção da atividade biológica da porção C-terminal do AMH (Fig.8) (WILSON et al., 1993; JOSSO e di CLEMENTE, 2003; di CLEMENTE et al., 2010). As sequencias da proteína deduzida do AMH mostram características bem conservadas entre as espécies de vertebrados, tais como o domínio TGF- β na região C-terminal e o domínio Amh_N na região N-terminal. No entanto, vale ressaltar as diferenças no sitio de clivagem entre os vertebrados. Em mamíferos e aves, a região onde ocorre o reconhecimento pelas proteases para a clivagem é simples (R-X-X-R), enquanto que em peixes teleósteos a região é dupla (R-X-X-R-X-X-R). Esta clivagem é necessária para o processamento do AMH. 30 FIGURA 8. Diagrama mostrando o processamento do AMH. O AMH é produzido como um precursor covalente não ativo homodimérico, que precisa ser clivado para se tornar ativo. O precursor do AMH é clivado entres os dois domínios por ação de proteases dando origem a uma pró-região (região pró-madura) não covalente. Neste momento, ocorre a formação de três regiões diferentes: região pró-semi-madura, semi-madura e madura. A dissociação das duas regiões (pró-região e região madura C-terminal), libera a região madura C-terminal que é a forma ativa do hormônio. Retirado de MAMSEN et al., (2015). Na matriz extracelular o AMH maduro se liga à um complexo de receptores de membrana serina/tirosina quinase do tipo I e tipo II. Os receptores tipo II possuem domínio extracelular para associação específica com os ligantes (MASSAGUÉ et al., 2000; TEN DIJKE et al., 2002; FAN et al., 2012; SPILLER et al., 2017). A partir da formação do complexo ligante/receptor II e I ocorre uma cascata de fosforilações, iniciada com o receptor tipo II fosforilando o receptor tipo I que também por fosforilação, ativa proteínas mediadoras citoplasmáticas chamadas Smads (Fig.9) (MIYAZAMA et al., 2002). As Smads são divididas em 3 grupos de acordo com sua função. As R- Smads estão associadas aos receptores tipo I e realizam a mediação de sinal da membrana em direção ao núcleo; são elas Smads 1, 2, 3, 5 e 8. A Co-Smad (Smad 4) se associa às R-Smads no citoplasma e as translocam para o núcleo celular. Por fim, as I-Smads (Smads 6 e 7) que são antagonistas das R-Smads 31 e que apresentam atividade inibitória sob estímulos específicos (Fig.9) (MIYAZAMA et al., 2002; SPILLER et al., 2017). As R-Smads são ativadas pelo complexo ligante/receptor tipo I e II de acordo com uma distribuição que nos permite agrupar a via TGF-β em duas grandes subfamílias (Vogt el al., 2011, Spiller et al., 2017). O AMH tem como mediadores as R-Smads (1,5 e 8). A Smad 4 transporta as R-Smads fosforiladas (1, 2, 3 ,5 e 8) do citoplasma para o núcleo celular. Esse conjunto de proteínas Smads é levado ao DNA e atuam na regulação da expressão gênica, em associação à Co-ativadores, Co-repressores e demais reguladores transcricionais (Fig.9) (MASSAGUÉ et al., 2000; TEN DIJKE et al., 2002; MIYAZAMA et al., 2002; FAN et al., 2012; SPILLER et al., 2017). 32 33 FIGURA 9. Via de sinalização do AMH. A clivagem do AMH por proteases resulta numa alteração conformacional no domínio C-terminal, que permite a ligação não covalente do AMH ao receptor tipo II do AMH (AMRHII). O AMH se liga ao AMRHII e recruta o receptor tipo I levando à formação de um complexo e à fosforilação do receptor tipo I. Após a ativação, o receptor tipo I fosforila as SMADs 1/5/8 (R-Smads), permitindo que essas proteínas se associem com a Smad4 e migrem para o núcleo. No núcleo, o complexo SMAD se associa com co-fatores, e o complexo formado se liga a regiões regulatórias específicas em genes-alvo, ativando assim a transcrição. Retirado de di Clemente e colaboradores (2010). Em mamíferos, a expressão do Amh é muito importante para a diferenciação testicular, onde seus níveis elevados são produzidos pelas células de Sertoli no início da diferenciação testicular e diminuem com a puberdade (REY, 1998). Em fêmeas adultas de mamíferos, o Amh inibe a formação dos folículos ovarianos primordiais (NILSSON et al., 2011). O fato do Amh estar ligado à diferenciação sexual foi observado em estudos realizados em peixes teleósteos, mais especificamente num mutante do peixe medaka, chamado hotei (MORINAGA et al., 2007). O fenótipo hotei é causado pela mutação no gene que codifica o receptor do Amh tipo II (AmhrII) (MORINAGA et al., 2007). Nestes mutantes, a ausência do AmhrII levou a uma hipertrofia gonadal e 50% dos machos XY reverteram para fêmeas (Fig.10) (MORINAGA et al., 2007). Estes resultados sugerem que o AmhrII desempenha relevante papel na diferenciação sexual desta espécie. Além disso, também é sugerido que a sinalização do Amh regula a atividade proliferativa das células germinativas (Fig.10). 34 Figura 10. Fenótipo apresentado pelo mutante medaka hotei. Os fenótipos sexuais primários dos peixes hotei feminino são indicados pela letra F, enquanto o sexo genético por XX, ou M para o fenótipo dos machos e XY para o sexo genético. (A) fêmea selvagem (XX). (B) macho selvagem (XY). Os machos apresentam as bordas das nadadeiras ásperas e maiores. (C) Fêmea hotei XY. (D) Macho hotei XY. (E) Fêmea hotei XX, mostrando uma expansão abdominal. (F) Macho hotei XY também com uma expansão abdominal pronunciada. (G) Ovário de fêmea selvagem. (H) Testículo de macho selvagem. (I) Cavidade abdominal de fêmeas hotei XX totalmente ocupado por ovário hipertrófico. (J) Testículo hipertrófico em machos hotei XY. (K) Comparação entre as gônadas isoladas de animais selvagens e hotei após 6 meses. (L) Mudanças no índice gonadossomático de animais selvagens e hotei aos 2, 3, 5 e 8 meses após eclosão. (M) Genótipos/Fenótipos dos hotei homozigotos 6 meses após eclosão. Retirado de MORINAGA et al., (2007). 35 Nos peixes teleósteos, a expressão do amh é maior em machos do que em fêmeas, como por exemplo, em linguado (YOSHINAGA et al.2004), tilápia do Nilo (IJIRI et al. 2008) e zebrafish (RODRÍGUEZ-MARÍ et al. 2005). Já em hermafroditas, como no pargo preto (Acanthopagrus schlegeli), por exemplo, níveis elevados de amh estão associados com o início da diferenciação testicular (WU et al., 2010; WU e CHANG, 2013), e seu padrão de expressão é mantido durante o período de reversão sexual de fêmea para macho. Por outro lado, na reversão de macho para fêmea, seus níveis diminuem drasticamente (WU et al., 2010; WU et al., 2012; WU e CHANG, 2013). Em Odontesthes hatcheri, Hattori e colaboradores (2012) mostraram que machos apresentam uma cópia duplicada do gene amh, o amhy, que está ligado ao cromossomo Y e é requerido para a determinação sexual desta espécie. Neste sentido, o Amh e seu receptor devem desempenhar um papel importante na diferenciação sexual masculina, assim como no desenvolvimento testicular dos vertebrados de uma maneira geral. 6. Amh como regulador do processo de espermatogênese Em peixes adultos, a expressão diferencial do amh é observada entre os sexos. O amh é mais expresso em testículos do que em ovários (SKAAR et al.,2011; OLIVEIRA, 2014). No entanto, pouco se sabe sobre o papel do Amh na espermatogênese e função testicular de peixes machos adultos. Durante a puberdade de zebrafish, o Amh inibe a produção e secreção de andrógenos pelas células de Leydig (Fig.11) (SKAAR et al., 2011). Os andrógenos são importantes para estimular a proliferação espermatogonial e a entrada da meiose pelas células germinativas. Nas células de Sertoli de zebrafish, o Amh neutraliza os efeitos dos fatores de crescimento estimulatórios da espermatogênese, como o Igf3 (insulin-like growth factor 3) (MORAIS et al., 2017). Por outro lado, o Amh aumenta a produção de fatores de crescimento inibitórios produzidos pelas células de Sertoli, como a inibina-a (inha), inibidor do fator de transcrição da ligação ao DNA (id3) e prostaglandina E2 (PGE2). Juntos, estes mecanismos levam a inibição da proliferação e diferenciação celular e 36 também atuam na manutenção das espermatogonias em seu estado indiferenciado (SKAAR et al.,2011; ADOLFI et al., 2018). Figura 11. Papel do Amh na espermatogênese de zebrafish. As células de Sertoli produzem Amh que através de uma via autócrina estimula a produção de fatores de crescimento pelas células de Sertoli. Estes fatores de crescimento atuam no nicho espermatogonial, bloqueando a diferenciação e a proliferação das espermatogônias indiferenciadas (Aund). O Amh também inibe a função das células de Leydig na produção e liberação de andrógenos. O hormônio folículo estimulante (Fsh) diminui a expressão do amh criando uma condição permissiva para a diferenciação e proliferação espermatogonial. O Fsh estimula a produção de andrógenos (11- Ketotestosterona) pelas células de Leydig, que induz a produção de fatores de crescimento pró- diferenciação pelas células de Sertoli. O quadro a direita ilustra os genes que têm sua expressão diminuída na presença do Amh. As diferentes gerações espermatogôniais também estão mostradas na figura: espermatogônia indiferenciada (Aund), espermatogônia diferenciada (Adiff), e espermatogônia do tipo B (B). Retirado de SKAAR et al., (2011). Em algumas espécies, como Lateolabrax japonicas, o gene amh possui elevados níveis de expressão em testículos imaturos (CHI et al., 2014). No entanto, estes níveis são diminuídos quando as espermatogônias entram em proliferação e diferenciação (CHI et al., 2014). Em Oncorhynchus mykiss, a expressão do amh é inibida pela presença de testosterona e 11- Ketotestosterona (principal andrógeno nos peixes) (ROLLAND et al., 2013). A testosterona e 11-Ketotestosterona são produzidas pelas células de Leydig, e 37 induzem a proliferação e diferenciação espermatogonial através da produção de fatores de crescimento pelas células de Sertoli (ROLLAND et al., 2013). No entanto, pouco se conhece acerca da via de sinalização do Amh na espermatogênese e função testicular em machos adultos de peixes teleósteos. Em Salmo salar, os níveis de expressão do amh são dependentes dos estágios do ciclo reprodutivo dos machos (MAUGAR e SCHMITZ, 2008). Em estágios em que os testículos possuem epitélio germinativo composto primeiramente por espermatogônias (estágio imaturo), os níveis de expressão de amh apresentam-se elevados e diminuem gradativamente a medida que os testículos entram em maturação (MAUGAR e SCHMITZ, 2008). Além disso, estudos recentes demonstram que níveis elevados de expressão de amh coincidem com baixas taxas de proliferação (espermatogonial e de células de Sertoli) avaliadas pela detecção do antígeno nuclear de proliferação celular (PCNA) em Cyprinus carpio. (MIURA et al., 2002; OLIVEIRA, 2014). Assim, é sugerido que em carpa comum, os níveis baixos de expressão de amh sejam um fator permissivo para a proliferação espermatogonial (OLIVEIRA, 2014). Mais recentemente, a fim de se investigar o papel do Amh nos mecanismos de regulação das células germinativas masculinas, Lin e colaboradores (2017) realizaram a deleção do amh pela tecnologia CRISPR/Cas9 em zebrafish. Os autores mostraram que a perda da função do Amh levou a uma desregulação na proliferação das células germinativas e consequente hipertrofia gonadal em zebrafish (LIN et al., 2017). Além disso, os autores relataram aumento na proporção de fêmeas nos animais homozigotos (71%) enquanto que nos animais heterozigotos, esta porcentagem foi de apenas 46% (LIN et al., 2017). Com base em estudos na enguia japonesa (MIURA et al., 2002), acredita- se que o efeito inibitório do Amh sobre a espermatogênese de zebrafish/carpa possa estar associado à diminuição de andrógenos e também por fatores inibitórios produzidos pelas células de Sertoli (SKAAR e NÓBREGA et al.,2011). Informações a respeito dos mecanismos de ação do Amh na espermatogênese, bem como na determinação e diferenciação sexual ainda não foram completamente elucidados. Neste sentido, estudos sobre o papel do Amh poderão gerar conhecimentos para mediar a puberdade precoce e/ou tardia 38 exibida por espécies de interesse comercial em cativeiro, bem como a masculinização de outras, como por exemplo, a utilização de linhagens 100% masculinizadas. 7. Oryzias latipes como modelo experimental O peixe medaka (Oryzias latipes) (Fig.12) é comumente utilizado como modelo experimental em vários mecanismos biológicos, como desenvolvimento embrionário, determinação sexual e diferenciação gonadal (KIRCHMAIER et al., 2015). Isto se deve, principalmente pelo fato desta espécie apresentar características vantajosas tais como, rápido período de desenvolvimento, genoma disponível e de pequeno tamanho, e por apresentar sistema de determinação sexual XX/XY, onde o macho mostra-se heterogamético (MATSUDA et al., 2002). Em relação ao fenótipo, diferenças entre características secundárias atribuídas ao sexo são claramente distintas entre machos e fêmeas. As diferenças são particularmente em relação a forma do corpo; a cor, forma e tamanho das nadadeiras dorsal e anal. Os machos apresentam as nadadeiras dorsal e anal maiores e mais largas com cor opaca. As fêmeas apresentam nadadeiras menores e uma coloração amarelada (MATSUDA et al 2007). 39 Figura 12. Oryzias latipes – Medaka. Fêmea (XX) (parte superior) com ovos aderidos na região ventral, na saída do canal urogenital. O macho (XY) (parte inferior) apresenta as bordas das nadadeiras maiores. Imagem: Arquivo pessoal. O medaka foi o primeiro vertebrado no que foi evidenciado a ocorrência de crossing-over entre os cromossomos X e Y (AIDA et al., 1921), sendo um dos primeiros organismos utilizados em estudos de indução a reversão sexual (YAMAMOTO et al., 1955). Em relação à determinação sexual, foi nesta espécie de peixe que o primeiro gene “master” da determinação sexual, o dmy ou dmrt1bY, foi descrito e caracterizado (MATSUDA et al., 2002; NANDA et al., 2002; SCHARTL, 2004). 8. CRISPR/Cas9 como técnica para edição genômica O sistema CRISPR (Repetições Palindrômicas Curtas Agrupadas e Regularmente Interespaçadas) foi descoberto em 1987 por Ishino e colaboradores da Universidade de Osaka (Japão). Estes pesquisadores identificaram um locus peculiar no genoma de Escherichia coli, constituído por uma configuração incomum: sequências repetidas e sequências espaçadoras intercaladas ("spacer") de função desconhecida. Apenas em 2005 foi sugerido que o sistema CRISPR-Cas9 seria um sistema imune adaptativo de procariotos, 40 no qual os espaçadores serviriam como “memória de invasões anteriores” por bacteriófagos (MOJICA et al., 2005). Assim, RNAs derivados desses espaçadores serviram como moléculas complementares aos patógenos invasores, permitindo combatê-los de maneira sequência-específica. Somente em 2012/13 foi descoberto que essa técnica poderia ser utilizada no meio científico. Duas publicações merecem destaque nesse quesito, a primeira, que introduziu o conceito e evidenciou seu potencial (JINEK et al., 2012) e uma segunda, onde foi mostrado o amplo sucesso, fácil acessibilidade e versatilidade da técnica (CONG et al., 2013). A técnica baseia-se na síntese de uma molécula de RNA complementar à uma sequência genômica alvo na qual pretende-se deletar (3 à 4 pares de base). Para tal, o RNA se associa à uma endonuclease que guia o mesmo até o alvo complementar a ele. Quando há complementariedade do RNA para com o alvo e a endonuclease reconhece a sequência PAM (Fig.13), ocorre a clivagem dos nucleotídeos. Essa enzima com atividade nucleásica é a Cas-9, pertencentes à família das enzimas Cas (Fig.13). Com a mutação, a sistema de reparo de DNA da célula é ativado e inserções ou deleções de pares de bases acabam por abolir a expressão do gene alvo. Figura 13. CRISPR-Cas9 e seus componentes básicos que em conjunto, inibem a expressão de um gene de interesse. No DNA genômico encontra-se o gene alvo, onde a Cas9 endonuclease irá produzir uma mutação indel (inserção-deleção). O crRNA (CRISPR-derived RNA) juntamente com o tracrRNA (trans-activating RNA) são responsáveis por guiar e ativar o sistema, 41 respectivamente. Atualmente, ambos RNAs são sintetizados numa única molécula, chamada de gRNA ou sgRNA (single guide RNA). A sequência 5´-NGG-3´ é necessária estar presente adjacentemente ao alvo, para que a atividade endonucleásica da Cas-9 funcione adequadamente. Tal sequência é conhecida como PAM, ou Protospacer adjacent motif. REC – lobo de reconhecimento e NUC – lobo nucleásico da Cas9. RuvC e HNH são dois domínios da Cas9, cada qual responsável por “cortar” uma fita da molécula de DNA. Imagem retirada de http://www.ozbiosciences.com/content/58-transfection-reagents-for-genome-editing. Em relação as demais técnicas de edição genômica, como ZFN (Zinc Fingers Nucleases) e TALENs, (Transcription Activator–like Effector Nucleases), o CRISPR-Cas9 apresenta algumas vantagens tais como: rápida e fácil metodologia, onde em apenas dois dias é possível sintetizar o gRNA, baixo custo e principalmente alta taxa de sucesso devido a sua alta sensibilidade para o reconhecimento de sequências específicas presentes no DNA (CENCIC e HISASHI, 2014). http://www.ozbiosciences.com/content/58-transfection-reagents-for-genome-editing 42 II. JUSTIFICATIVA Os peixes são excelentes modelos biológicos para se estudar a diferenciação sexual. Isto se deve à plasticidade gonadal e reversão sexual funcional (gônada funcional) que ocorre em muitas espécies de peixes (DEVLIN e NAGAHAMA, 2002). Esses vertebrados utilizam uma ampla variedade de mecanismos para controlar a diferenciação sexual. Por exemplo, algumas espécies usam o sistema genético que determina o sexo após a fertilização; enquanto outras utilizam sinais extrínsecos (por exemplo, temperatura, exposições a hormônios e poluentes). Desta forma, a determinação sexual é definida por forças genéticas ou ambientais que determinam se um peixe vai se tornar macho ou uma fêmea, ao passo que a diferenciação sexual se refere aos processos moleculares e celulares que fazem a gônada indiferenciada diferenciar-se em um testículo ou ovário após o sexo ter sido determinado (DEVLIN e NAGAHAMA, 2002). Um dos fatores que pode estar envolvido na diferenciação sexual em alguns peixes teleósteos é o Amh, o qual desempenha importante papel no desenvolvimento gonadal, sendo mais expresso em machos do que fêmeas. No entanto, os mecanismos de atuação do Amh na diferenciação sexual de teleósteos ainda são pouco conhecidos. Neste sentido, este entendimento poderá ser útil para espécies de grande valor econômica, como em tilápia, onde se busca a masculinização de 100% dos animais. Desta forma, o Amh poderá ser utilizado para masculinizar os animas através de ferramentas biotecnológicas de transgenia. Por fim, os mecanismos de ação do Amh na gametogênese devem envolver a expressão diferencial de genes, os quais são desconhecidos até o presente momento. Tal conhecimento poderá ser utilizado para mediar à puberdade precoce e/ou tardia exibida por espécies de interesse comercial em cativeiro, tanto nativas como exóticas, por exemplo, com o uso de vacinas gênicas. O uso da espécie O. latipes (medaka) se deu devido esta espécie apresentar o sistema de determinação sexual ligado ao cromossomo (XX/XY), bem como por um gene “master” de diferenciação sexual, o dmrt1bY (NANDA et 43 al., 2002; MATSUDA et al., 2002). Além disso, todo seu genoma encontra-se caracterizado, descrito e depositado nas bases de dados (ex.: NCBI e Ensembl). 44 III. OBJETIVOS Objetivo geral Estudar o papel do Amh na diferenciação sexual através da edição gênica e avaliar o padrão de expressão dos genes envolvidos na cascata de diferenciação sexual de medaka. Objetivos específicos 1. Obter medakas transgênicos “knockouts” (KO) para o amh utilizando-se a tecnologia CRISPR/Cas9; 2. Identificar os animais mutantes por PCR; 3. Realizar a sexagem molecular das animais mutantes e realizar análises dos fenótipos comparados ao sexo genotípico; 4. Isolar e caracterizar a mutação; 5. Obter animais homozigotos para a mutação, realizar a sexagem molecular dos mutantes e realizar análises dos fenótipos comparados ao sexo genotípico e taxa de reversão; 6. Analisar o padrão de expressão dos genes envolvidos na cascata de determinação e diferenciação sexual em medaka. 45 IV. MATERIAL E MÉTODOS 1. Animais Para as análises do papel do Amh na diferenciação sexual foram utilizados como modelo experimental o peixe medaka (O. latipes). Parte dos estudos foram conduzidos na Universidade de Würzburg (Würzburg, Alemanha), sob orientação do Prof. Dr. Manfred Scharlt e com colaboração do pesquisador Dr. Mateus Contar Adolfi. O uso dos animais nesta pesquisa foi submetido e aprovado pela Comissão de ética no uso de animais (CEUA) da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias de Jaboticabal, sob protocolo nº 021918/14. 2. amh-KO por CRISPR/Cas9 A obtenção de medakas amh “knock-out” (amh-KO) foi realizada pelo sistema CRISPR/Cas9. Os procedimentos de edição gênica utilizando CRISPR/Cas9 foram realizados de acordo com Jao e colaboradores (2013). No intuito de aumentar a probabilidade de sucesso e eficiência da técnica, três RNAs guias (gRNA) foram desenhados com base na sequência do gene amh de medaka (Tabela 2) (Fig. 2). Os alvos para os gRNAs foram desenhados utilizando a ferramenta online ZiFiTTargeter (htpp://zifit.partners.org/ZiFit/). Após desenhados, os gRNAs foram inseridos no vetor pDR274 (Addgene,www.aadgene.org/42250). Para tanto, o vetor pDR274 foi linearizado com a enzima de restrição BsaI (NEB, 5U, https://www.neb.com), purificado e ligado aos gRNAs. O vetor, pDR274 ligado aos oligos (pDR274-CRISPR) foi novamente linearizado com a enzima DraI (NEB, 10U, https://www.neb.com). Os gRNAs foram sintetizados com MAXIscript™ T7 Transcription Kit (Thermo Fisher Scientific). Para a síntese do RNA mensageiro (mRNA) da Cas9, o vetor de expressão pCS2-Cas9 (Addgene,www.aadgene.org/47929) foi linearizado com a enzima de restrição Not 1 (NEB, 5U, https://www.neb.com), purificado e transcrito usando 46 mMESSAGEmMACHINE™ SP6 Transcription Kit (Thermo Fisher Scientific) de acordo com as instruções da empresa. As microinjeções foram realizadas nos embriões de medaka no estágio de uma célula. As concentrações utilizadas para as injeções foram: 150 ng/µl de Cas9 e 25 ng/µl para cada gRNA. As mutações foram analisadas por PCR e sequenciamento (ver próximo item). Para tanto, foram injetados ~ 300 embriões no estágio de uma célula para a obtenção da geração F0. Na Tabela 2 é possível observar a sequência dos exons (azul claro com letras em preto) e dos introns (branco com letras em preto) do gene amh em medaka. A região 3’UTR do gene é mostrada em caixa amarela. Letras em realce vermelho mostram o “start” (ATG) e o “stop” (TGA) códon da sequência. Em caixa lilás é possível observar os alvos para os quais foram desenhados os gRNAs: exon 3 (gRNA #1); exon 6 (gRNA#2) e 3’UTR (gRNA#3). Em vermelho é mostrado os locais onde foram desenhados os primers FW 1 e FW 2 e em verde os RV 1 e Rv 2 para a técnica de escaneamento por PCR da mutação. 47 Tabela 2. Sequência do gene amh em medaka. 3. Identificação dos animais mutantes (amh-KO) por PCR A identificação da mutação foi realizada através de PCR. Para identificar os animais mutantes para o amh (amh-KO) foram desenhados primers entre as regiões alvo dos gRNA conforme mostra a Figura 14 e a Tabela 3. Cada conjunto de primer foi combinado no intuito de se obter diferentes padrões de banda em gel de agarose à 1%. As combinações utilizadas dos primers foram: FW1 + RV1; FW1 + RV2; FW2 + RV1 e FW2 + RV2 (Tabela 3). Para a PCR, o material genético (DNA genômico) foi extraído da nadadeira caudal de cada indivíduo analisado. As Exon 1 ATGTTGCTTGTGCTGCTGTTCTGGATCGGGCTCGCTGGGACCCAGCAGGTCCAGCACCACAGCTCCAC CGGAACAGGTCCGGCTTTGCTTCCTTCCTTCCAGCCTTTCATCTTTG Intron 1 GGAAATCTTCCACATCACTTTCTCCTTGG Exon 2 GTGACCTGTTCTGTTCGGGCGTAGATCGGCGGGTGGAGCCGTGCTTTGTGGATGATGCGGTGGCAGC GCTGCGTGAAGCGCTGCAGACTGACGGAGCGCTCTCCAACAGCAGCCTCACCCTGTTTGGAGCCTGCA GAGCGCCGGATCCTTCCTCCCGCTCCACCTTGTTGGTGCTTTCAGAGGAGAGGCGGAGATGGCCAGAT GGAGGTCTGAAGGTCCGGCAACCAGCTGCAG Intron 2 GTGAGGATCCTTCGTGCTGCCTCAAGGAGCATTTCTCTGCATCACA Exon 3 TCTCCGTCTGTCTGTCAGTGTTTGCAACAGAGGAGCGAGGGGTCGTCACCCTGACCTTTGACCTCCCA GCATCCTCTTTGCTGGAGATGAACTTGCTGCTGCTGCTGCTGGCCTTTGAAAGCCCCGCCGCTGCTGG AGACCTGGAGGTCACGTTCAGCAGCCGCTTTCTGCTGCCACACTCACAG Intron 3 GTGAAGAAGAAACAGCGGCGCTTTTGGAAAGAAAGCCGTTCTAAATACAATTCAACCCCTGTATGGGAT TTCAAATGAGATGTTTTTAAGAGGTTCTGATCCCTCTCTGGTTGTGCTCCGTTTTACCTTCATTGTTCTGA TCTGTGATCCTAATGGATGCTCTTGTCTGTAG Exon 4 TCTGCTTGTATCTCAGAAGGAACCCTCTATGTTCTCCTGATGGGCAGATCTTCCAGCAGCAGCTCTCAG CACAGATGGACAATCAGCGCTGAAGCAAAATCACCAAGAATGA Intron 4 GTAAACTGGTTTTAAATGATTATACTGGATTCACATGAGTAAACTGGTTTTAAATGAGTAAACAGGTTTTA AATGATTATACTGGATTCACTGGATTTTTATTTTTCCACTTTTGTTTGCACAGGAATAAGGTTTCACACATT TCTCTTCGTTTCAGACCAAAACCTGATAG Exon 5 ACGCCATCATTGGTGGGAAACCTGGAGGTCCGGTTGGCGTGACGCCACTTCTGCTTTTCACAGGAGAG GAAGGAATCAATGGCAG Intron 5 GTTTGCTCCCATTTTGGTTTTCCTTCTTTCCAAGCGGATGTTGTGGACTTCAGACGCGCCTCCTCTGTTT CAG Exon 6 CCGTCCAGCTGCCTTTGGTTCCTCCGGGGTTCCTGTGCAGACCTCATTCGTCTGTGAACTGAGGAGGTT CCTGGAGGGCGTCCTGCCTCAGGACCAGGACAAACAGCCACTGCTCCAGCTGGACTCCCTCCAGGCC CTGCCCCCCCTTCCCCTGGGCTTGTCCTCCAGTGAGACCCTGCTGGCGGCGCTTATTAATTCTTCTGCT CCAACTATCTTCTACTTCAACAACTGGGGCTCCAAGTCTCAGGGCCTCCGGGGACAGCTGATCCTGTCT CCTGCGCTGTTGGTGGAGCTCAGGCTCAGGCTGGAGCAGAGCGAGATGCTCATTCTGGATCTGGCAGA GCAGGAAACGGTTTCTCCCAGAACCACGGCCCGACTGGAAAGGCTGAAGGACCTCAGTGCTTCTCAGC AGATGGAAGCAGGTGCAG Intron 6 AAGGCAGCTGCCTCGTAAACCCATGCTGAGAACCGTCTGCTGACCACCTTCTGCTC Exon 7 TCCCCTCAGCGGAGAGTCACTTCTGTGCCTTTCTTCTGCTGAAGGCGCTGAAGACGGTGGCGCATGCG TACGACATGACCAGGCGACTGCGGAGCACCAGGGCGGGTCCCGACAGCCCGCCCAAGGGCAACATCT GTGGGCTGAGGAGCCTCACCGTGTCCTTTGAGAAGCTTCTTCTGGGTCCGCAGAGCGCCAACATCAAC AACTGCCGCGGGGTGTGCTCCTTCCCTCTGATCAACGGCAACAACCACGCCATCCTGCTCACCTCGCA CACGGAGAGCGTGGCGGAAGAGCGCGCGCCCTGCTGCGTGCCCGTGGCCTATGACCCCCTGGAGGT CTTGGACTGGAATGATGAAGGCTCCTTCCTGTCCATCAAGCCGGACATGATCGCGCGGGAGTGTGGCT GCCGCTGA 3‘ UTR GCCCCCCCTCTGTGAGAAGGGGGAGTCACACCTACTTTGTTCTGAGGTTCTGATTCTATTCAGCGTCAC ACATCCGTTCACTGTTAAAGTTGTGAATCCAGTTTTCTGACGTTCTCGTGGAACCAAATGAGAGTCGGAT GTTTCCATGTGTTTCTGCGTGTATATTTATCCACACATATGTATGTGTGTGTGTGTGTGTAGGGGGGGGG GGGGTATCTGACTATGCACTCAGAGAGGGAACAGGGCTAGGGCATGGGGATTTAAGATGTTTCTTTTTT CCATTTTTTTTCTCTCTTGTCCTGTTTTTCCTCCAAAGCTCGTGTCAGAAATAAAACATCAGAACCAAAGA ACTCAGACCAGAACTCAATTCTAGGTTTTTCACTGAARACACAAAATCCAATATTAAATGAAATATCGATT CACTCAGCTT 48 extrações de DNA foram realizadas segundo a técnica descrita Sambrook e Russel (2001) com algumas modificações. A cauda foi fragmentada em pequenos pedaços, logo após foi adicionado 500 µl de solução de digestão (80 µL de NaCl 5 M, 20 µL de Tris/HCl 2 M, 200 µL de SDS 10%, 40 µL de Proteinase K (10mg/mL) e 3420 µL de água ultrapura) e incubado à 50 ºC por 3 horas. Logo depois foi adicionado fenol: clorofórmio: álcool isoamílico (25:24:1) e homogeneizado por 15 minutos e depois centrifugado por 15 minutos a 14.000 rpm. Foi removido o sobrenadante e transferido para um tubo limpo. O material assim obtido foi precipitado com álcool 100%, gelado e centrifugado por 30 minutos a 14.000 rpm. Foi adicionado 800 µL de álcool 70% gelado e centrifugado por mais 15 minutos a 14.000 rpm. O material foi eluido em 50 µl de TE ou água Milli-Q autoclavada. Após a extração do DNA o material foi submetido areações de PCR (ver primers na Tabela 3). Figura 14. Sequência do gene amh em medaka. Ilustração mostrando os locais no genoma do medaka onde os RNA guias (alvos) foram desenhados. (Ex1-Ex7) Abreviação para identificar os exons na sequência do DNA. Tabela 3. Primers para a detecção dos animais mutantes para o gene amh por PCR. Primers ( 5’ 3’) Alvos Pares de bases (pb) esperados FW1-TGTTCTGTTCGGGCGTAGAT RV1-TTCTGACACGAGCTTTGGAG Exon_3+Exon_6+3’ UTR 489; 1546 e1221 FW1-TGTTCTGTTCGGGCGTAGAT RV2-TGGTTGTTGCCGTTGATCAG Exon_3+Exon_6 1807, 1055 FW2-TGGTTGTGCTCCGTTTTACC RV1-TTCTGACACGAGCTTTGGAG Exon_6+3’ UTR 655, 1732 FW2-TGGTTGTGCTCCGTTTTACC RV2-TGGTTGTTGCCGTTGATCAG Exon_6 1241 FW1+RV1(Selvagem) ---------------------- 2298 49 Após a detecção do tamanho de banda esperada no gel de agarose (Tabela 3) para cada combinação de primers, a banda foi recortada, purificada e enviada para sequenciamento para confirmar a mutação. Com base nos resultados, foi realizado uma frequência para identificar a porcentagem de eficiência da técnica bem como a de animais heterozigotos e homozigotos para a mutação. Na avaliação dos parâmetros para a caracterização dos animais heterozigotos e homozigotos levou-se em consideração a presença e/ou ausência da sequência do gene dos animais selvagens em que, se houvesse a presença da banda selvagem o animal era considerado heterozigoto e na ausência da banda selvagem, o animal era homozigoto. Os animais positivos para mutação (FO) foram cruzados com animais selvagens a fim de se isolar e caracterizar a mutação (ver abaixo). 4. Caracterização da mutação (amh-KO) Para caracterizar a mutação, os animais da F0 (+/- ou -/-) foram cruzados com animais selvagens. Após a ovoposição das fêmeas, os ovos foram coletados e colocados em meio ERM (17mM NaCl, 0,4mM KCl, 0,27mM CaCl22H2O, 0,66mM MgSO4, pH 7) até a eclosão. As larvas foram transferidas para aquários de 10 litros de água (±5 larvas por aquário) à 26,5 °C até a fase adulta (± 3 meses). Após atingirem a fase onde era possível a identificação do fenótipo dos animais, a nadadeira caudal de cada indivíduo foi excisada e utilizada para extração do DNA genômico (ver acima). Os animais (F1) foram avaliados para identificar a herdabilidade da mutação através de PCR (ver item anterior) e em caso positivo, seu material genômico foi submetido para sequenciamento pelo método de Sanger, no intuito de caracterizar a mutação. Uma vez identificados, os animais heterozigotos (+/-) foram separados e cruzados entre si para a obtenção de uma linhagem de animais homozigotos para a mutação (-/-) (amh-KO). Assim a proporção sexual, taxa de reversão sexual e também mudanças fenotípicas foram avaliadas nesta linhagem. 50 5. Sexagem molecular e análise de reversão sexual O sexo genético dos animais (F0, F1, F2) foi determinado através de reações de PCR para o gene determinante do sexo dmy/dmrt1bY utilizando-se o DNA genômico extraído da nadadeira caudal de cada indivíduo (ver item 3). Este procedimento foi baseado em estudos anteriores de Nanda e colaboradores (2000). A sequência dos primers para o dmy/dmrt1bY foram: OLAdmrt1/1by-RV 5’ CCTCCTCTTGAGCCTGGTGCC 3’ e OLAdmrt1/1by-FW 5’ AGTGCTCCGCTGACGGAAC 3’. Após a sexagem molecular, os resultados das análises do sexo genético (XX/XY) foram comparados com o fenótipo de cada indivíduo. Análises de proporção sexual foram realizadas no intuito de se avaliar qual a porcentagem de animais machos (XY), fêmeas (XX) e daqueles que sofreram reversão sexual - machos (XX) ou fêmeas (XY). Para se avaliar o sexo fenotípico, características sexuais secundárias foram avaliadas, tais como: a forma e o tamanho das nadadeiras dorsal, anal e ventral, onde no macho as nadadeiras são maiores e apresentam as bordas irregulares. Todos os procedimentos experimentais para a obtenção dos animais mutantes através da técnica CRISPR/Cas9 estão resumidos na Figura 15. 51 Figura 15. Diagrama mostrando todas as etapas utilizadas para se gerar animais mutantes através da técnica CRISPR/Cas9. 1- Inicialmente foi injetado os RNA guias juntamente com a Cas9 em zigotos. 2- Após a eclosão, as larvas foram avaliadas quanto a presença da mutação. Confirmada a mutação, os animais cresceram, foram realizadas genotipagem, avaliações fenotípicas (3) e realizados cruzamentos com animais selvagens no intuito de isolar e caracterizar a mutação nas proles (4). 5- Confirmada a mutação, os animais cresceram, foram realizadas genotipagem, avaliações fenotípicas e realizados cruzamentos com entre os animais mutantes no intuito de isolar e gerar linhagens homozigóticas (6). 6. Análises do padrão de expressão dos genes envolvidos na cascata de diferenciação sexual A expressão dos genes envolvidos na diferenciação sexual foi avaliada em embriões e larvas de medaka em diferentes estágios de desenvolvimento (estágios 34, 36, 38 e 40) (IWAMATSU, 2004). Afim de comprovar o sexo genotípico, DNA genômico foi extraído do olho e utilizado em reações de PCR para amplificar a sequência específica do gene determinante do sexo masculino (dmrt1bY/dmy) de acordo com Nanda e colaboradores (2000) (ver Sexagem molecular e análise de reversão sexual). Logo após, os embriões e as larvas foram congelados em nitrogênio líquido para extração de RNA, seguido de tratamento com DNAse e síntese de cDNA de acordo com protocolos dos fabricantes (Invitrogen, Carlsbad, CA, EUA). Para as análises de expressão gênica, foram utilizados 5 pools de cada sexo para cada estágio de desenvolvimento. Cada pool contém 15 embriões (estágios de desenvolvimento 34, 36 e 38) ou 5 larvas para o estágio 40. Posteriormente foram conduzidas reações de PCR quantitativo em tempo real (qPCR) utilizando primers específicos para genes envolvidos na cascata de diferenciação sexual (amh, amhrII, ar, dmrt1, gsdf, foxl2 e cyp19a1) (Tabela 4). Para todas as reações, a β-actina foi utilizada como gene de referência. Tabela 4. Primers usados para análise de expressão dos genes envolvidos na cascata de diferenciação sexual. 52 Genes alvos Primers Foward (5‘-3‘) Primers reverse (5‘-3‘) amh ATCAGGTCCCAACTTCAACG CTTTTGCCCATTTGACCACT amhrII TGCTGCATGGCTATCTATCG GATTTTGAAGGCGTGGTTGT ar ATCAGGTCCCAACTTCAACG CTTTTGCCCATTTGACCACT cyp19a1 AGCTTATTTTTGCCCAAGGCC TTGAGCAGCAGGAGCATGAAA dmrt1 TCCTCCTACTATGGAAACCTGTACCA GAAGGAGTGCATGCGGTACTG foxl2 AAACCTGCTACTCTGGACGC AGTCAAATCTTCTTGATTC gsdf GGGCTGGACACTATTCGAGA CATGACACAGAGGAGCTGGA β-actina GAGTCCTGCGGTATCCATGA GTACCTCCAGACAGCACAGT Para as análises de expressão gênica por PCR quantitativo em tempo real (qPCR) as reações foram realizadas com SYBR Green kit de acordo com o protocolo do fabricante (Invitrogen). As duplicatas foram executadas para cada amostra. Os Cts foram determinados através do StepOne Plus Real-Time PCR- System (Applied Biosystems) em reações de 10 μL, utilizando como mastermix o Syber Green. Para cada gene, os níveis de expressão foram normalizados pelo gene de referência (β-actina) e expressos de forma relativa à média dos Cts dos animais por estágio. As análises por estágio foram realizadas entre machos e fêmeas. Análises temporais foram realizadas levando em consideração os Cts de cada animal de ambos os sexos utilizando o software LiveGapCharts. Também foram realizadas análises temporais somente para os animais machos. 7. Análise Estatística Para as análises estatísticas, diferenças significativas entre machos e fêmeas foram identificadas utilizando o teste de t-Student (não pareado) (p<0,05) Comparações entre os machos nos diferentes estágios foram realizados com one- way ANOVA seguido pelo teste Student-Newman-Keuls (p<0,05) utilizando o GraphPad Prism 4.0 (GraphPad Software, Inc., San Diego, CA). 53 V. RESULTADOS 1. CRISPR/Cas9: eficiência e detecção das mutações por PCR Os resultados dos animais injetados (F0) mostraram uma eficiência de 96,6% para a técnica do CRISPR/Cas9. Os três alvos foram mutados e de acordo com as PCRs, 82,8% dos mutantes eram heterozigotos enquanto que apenas 13,8% foram homozigotos para a mutação e 3,4 % não apresentaram mutação. A partir dos resultados de triagem dos animais injetados (F0), foram realizados cruzamentos entre os animais mutantes positivos homozigotos e/ou heterozigotos para mutação com animais selvagens no intuito de isolar a mutação e verificar se a mutação era transmitida para as células germinativas e também para geração seguinte (F1). Após o cruzamento entre os animais heterozigotos oriundos da geração F1 foi realizada a identificação dos animais homozigotos para a mutação do amh na geração F2 (Fig.16). Os animais homozigotos para a apresentaram uma deleção de 759 pares de bases que compreende a região do exon 6 e exon 7. Figura 16. Análises dos mutantes homozigotos. Técnica de PCR para confirmar os animais mutantes homozigotos para o amh usando primers específicos para o alvo mutado na geração F2. Imagem de gel de eletroforese à 1% mostrando o tamanho esperado da amplificação do amplicon para a mutação do gene amh. Imagem mostrando o padrão de bandas. Para animais WT, o esperado seria uma banda com fragmento de 1242 pares de bases, no entanto, foi observado um fragmento de 452 pares de base, mostrando assim uma deleção de 759 pares de bases. LD: Ladder; A1-A8: Animais mutantes analisados, confirmando a mutação dos homozigotos. LD A1 A2 A3 A4 A5 A6 A7 A8 54 2. Caracterização da mutação e fenótipo Para verificar a herdabilidade da mutação assim como também de caracterizá-la, cruzamentos dos animais mutantes injetados (+/- ou -/-) com selvagens foram realizados. Analisando os resultados do sequenciamento, identificamos animais com dois tipos de mutações: animais com mutação nos alvos 1 (exon 3) e 3 (3'UTR) (Fig.17) e animais com mutação no alvo 2 (exon 6) (Fig.19). Na região da mutação do alvo 1, tivemos trocas de 2 bases, deleções de 3 bases e adição de 2 bases nitrogenadas (Fig.17). Já no alvo 3, tivemos apenas a inserção de 6 novas bases nitrogenadas (Fig.17). Os animais sofreram reversão sexual, XY (Fêmea) (37,5%) como de XX (Macho) (62,5%) (Tabela 5). A avaliação fenotípica se deu pela verificação das características secundárias dos animais mutantes comparadas com o sexo genético. Além disso, os animais XY (Fêmea) apresentaram uma hipertrofia das gônadas (Fig.18A). 55 Figura 17. Análise de sequenciamento dos animais mutantes heterozigotos, amh-KO. (A-B) Sequência do genoma dos animais selvagens e de animais mutantes (amh-KO). Em amarelo é possível observar onde ocorreram as mudanças de bases (AA), as inserções (N) e as deleções (C, A e G) apresentadas com traço (-). Também, é possível observar o local exato onde ocorreu a inserção de 6 novas pares de bases no genoma dos animais mutantes, mostrado em amarelo (N). A B amh(+/-) WT XY (F) XX (F) 56 Figura 18. Animal mutante para os alvos 1 e 3. (A) Imagem mostrando um animal mutante heterozigoto amh (+/-), que sofreu reversão sexual de macho (XY) para fêmea (F) fenotipicamente. Na imagem A é possível observar uma hipertrofia gonadal dos animais. (B) fêmea selvagem (WT). Tabela 5. Fenótipo dos animais amh-KO (F1) que sofreram reversão sexual, 3 meses após a eclosão. Já os animais com mutação no alvo 2 (exon 6) sofreram uma deleção 759 pares de base, removendo praticamente toda a região do alvo 2 (Fig.19). No entanto, esta brusca deleção não ocasionou reversão sexual, ou seja, não ocorreu mudança fenotípica na geração F1, quando comparados com animais selvagens (Fig.20). Genótipo XX XY Fenótipo Macho Fêmea Gônada Testículo Ovário Número de peixes 5 3 Porcentagem 62,5% 37,5% 57 Figura 19. Análise de sequenciamento dos animais mutantes heterozigotos, amh-KO. (A) Sequência do amh dos animais selvagens, onde é possível observar a região onde o gRNA foi desenhado para o alvo 2 (campo em lilás) e a região destacada em vermelho, onde começa (G) e termina (A) a deleção nos animais amh-KO. (B) Sequência obtida após o sequenciamento dos animais mutantes. É possível observar o local onde ocorreu a deleção de 759 pares de base (ilustrado em traços (-)). Figura 20. Animal mutante para o alvo 2. Imagem mostrando um animal F1 heterozigoto amh (+/-) macho (XY) (M) que não sofreu mudança fenotípica comparado com macho selvagem (WT). Por apresentar maior deleção, os animais heterozigotos (+/-) com mutação no exon 6 e 7 foram utilizados para gerar os animais homozigotos (-/-) na F2. Os animais mutantes homozigotos (-/-) na F2 foram identificados e a deleção de 759 pares de base novamente confirmada por Sanger (Fig.21). A região onde ocorreu a deleção compreende parte da região Amh_N e parte do domínio TGF-β (Fig.21 e Fig.22). XY (M) XY (M) 58 Figura 21. Análise de sequenciamento para os animais mutantes homozigotos (amh -/-), amh-KO. Sequência do amh em medaka onde é possível observar os exons (verde) e a região onde ocorreu a mutação (cinza). A mutação compreende uma deleção de 759 pares de bases. Também são mostrados os primers usados para detecção da mutação. Dados gerados e obtidos a partir do software SnapGene (https://www.snapgene.com/) 59 FIGURA 22. (A) Esquema mostrando a estrutura proteica e ORF (open reading frame) do Amh nos animais selvagens. Em vermelho é possível observar o local de deleção de 759 pares de bases (bp) entre os exons 6 e 7, que compreende a região dos domínios Amh_N e TGF-β. A região de clivagem (R-X-X-R-X-X-R) entre os domínios está indicada. Os exons da ORF estão representados em cinza. (B) Esquema mostrando como ficou a estrutura proteica e ORF do Amh após a deleção. N – Domínio N terminal. C- Domínio C terminal. Nossos resultados mostram que 100% dos animais homozigotos XY sofreram reversão para fêmea (Tabela 6). Também mostramos que todos os animais amh (-/-) apresentaram uma hipertrofia gonadal (Fig.23). Tabela 6. Animais mutantes homozigotos amh (-/-) presentes na geração F2. Características Homozigoto amh (-/-) Heterozigoto amh (+/-) Genótipo XY XX XY XX Fenótipo Fêmea Fêmea Macho Fêmea N de animais 11 13 38 45 % de reversão sexual 100% 0 0 0 60 Figura 23. Animal mutante homozigoto. Imagem mostrando um animal F2 homozigoto amh (-/-) XY que sofreu reversão sexual para fêmea fenotípica (F). É possível observar também uma hipertrofia gonadal neste animal. 3. Análises do padrão de expressão dos genes envolvidos na cascata de diferenciação sexual As análises de expressão gênica ao longo dos diferentes estágios de desenvolvimento estão demonstradas na Figura 24. Os resultados demonstram que a expressão do amh foi maior em machos do que em fêmeas em todos os estágios avaliados (Fig.24). De forma interessante, a expressão diferencial do amh ocorre no estágio 34, o qual precede a janela de diferenciação sexual (estágio 36- 38). Em relação ao dmrt1, nota-se uma expressão maior em machos do que em fêmeas, porém mais tardia, a partir do estágio 36 (Fig.24). Este mesmo padrão foi observado para o gsdf (Fig.24). O receptor de andrógeno (ar) foi transcricionalmente mais expresso em machos dos que em fêmeas durante todos os estágios de desenvolvimento (Fig.24). Em relação aos genes foxl2 e cyp19a1, ambos transcritos foram significativamente maiores em fêmeas ao longo de todos os estágios de desenvolvimento, com exceção do estágio 36 para cyp19a1 (Fig.24B). O amhrII apresentou expressão diferencial no estágio 38, sendo maior XY (F) 61 em machos do que em fêmeas (Fig.24C). Interessantemente, os níveis de amhrII foram significantemente maiores em fêmeas no estágio 40 (Fig. 24D). 62 63 Figura 24. Níveis de RNA mensageiro para os genes dmrt1, amh, amhrII, ar, gsdf, foxl2, cyp19a1 em machos e fêmeas selvagens em diferentes estágios de desenvolvimento. Os níveis de expressão para cada gene foram normalizados com a expressão da β-actina e expressos de forma relativa à média dos Cts de todos os indivíduos. Barras representam as médias ± o erro padrão. Asteriscos indicam diferenças significativas (p<0.05). Também foram realizadas análises temporais para cada transcrito (Fig.25). Desta forma, é possível observar que o dmrt1 foi maior em machos do que em fêmeas, tendo seu pico de expressão no estágio 38 (Fig.25A). O amh apresentou- se diferencialmente mais expresso nos machos e seu pico ocorreu no estágio 36 (Fig.25B). A expressão do amhrII não variou muito entre os sexos, embora tenha sido maior nos machos no estágio 38 (Fig.25B) e nas fêmeas no estágio 40 (Fig.25C). A expressão do ar foi maior em machos durante todos os estágios avaliados (Fig.25D). Em relação ao gsdf, sua expressão foi diferencialmente maior em machos a partir do estágio 36 (Fig.25E). Os níveis de expressão do foxl2 e cyp19a1 foram maiores nas fêmeas em todo período avaliado (25F-G). dmrt1 A 34 36 38 40 Stages of development 64 amh B amhrII C 34 36 38 40 Stages of development 34 36 38 40 Stages of development 65 ar D 34 36 38 40 Stages of development Stages of development gsdf E 34 36 38 40 Stages of development 66 Figura 25. Análise temporal dos níveis de RNA mensageiro dos genes dmrt1, amh, amhrII, ar, gsdf, foxl2 e cyp19a1 para machos e fêmeas em diferentes estágios de desenvolvimento. Os níveis de expressão para cada gene foram normalizados com a expressão da β-actina e expressos de forma relativa à média dos Cts de todos os indivíduos. Os valores representam as médias ± o erro padrão. Ao se analisar a expressão de cada transcrito ao longo dos diferentes estágios de desenvolvimento de machos observa-se que vários genes tiveram sua foxl2 F 34 36 38 40 Stages of development cyp19a1 G 34 36 38 40 Stages of development 67 maior expressão no estágio 38, como os genes dmrt1 (Fig.26A), amh (Fig.26B), ar (Fig. 26D) e gsdf (Fig.26E). Em contrapartida, os níveis de expressão do amhrII mantiveram-se constantes, com exceção de redução significativa no estágio 40 (Fig.26C). B A 68 C D 69 Figura 26. Níveis relativos de RNA mensageiro para os genes dmrt1, amh, amhrII, ar e gsdf em machos nos diferentes estágios de desenvolvimento. Os níveis de expressão para cada gene foram normalizados com a expressão da β-actina e expressos de forma relativa à média dos Cts de todos os indivíduos. Barras representam as médias ± o erro padrão. Asteriscos indicam diferenças significativas (p<0.05). E 70 VI. Discussão Os peixes teleósteos exibem uma grande variedade de mecanismos de determinação e diferenciação sexual. A determinação sexual pode ser definida como um fator genético herdado e refere-se ao processo em que uma gônada bipotencial indiferenciada se desenvolve em testículo ou ovário (KOOPMAN et al., 1991; GUERRERO-ESTÉVEZ e MORENO-MENDOZA, 2010). Os mecanismos de determinação sexual genético estão ligados a sistemas de cromossomos heteromórficos podendo ser XX/XY e ZZ/ZW, geralmente associados a um gene “master" que inicia uma cascata gênica e uma série de interações bioquímicas que levam a diferenciação sexual da gônada (GUERRERO-ESTÉVEZ e MORENO- MENDOZA, 2010; HERPIN et al., 2013; CAPEL, 2017). O processo de diferenciação sexual é influenciado por uma rede de genes específicos para machos e fêmeas e também por fatores ambientais (temperatura e poluentes, por exemplo) (BAROILLER et al, 2009; CAPEL, 2017). Nos últimos anos, diferentes genes “masters” envolvidos no processo de determinação e diferenciação sexual têm sido identificados nos peixes teleósteos, ilustrando assim uma grande variedade e plasticidade neste grupo de vertebrados (KOOPMAN et al., 1991, MATSUDA et al., 2002, NANDA et al., 2002, YOSHIMOTO et al., 2008, SMITH et al., 2009, YANO et al., 2012, HATTORI et al., 2012, MYOSHO et al., 2012, KAMIYA et al., 2012, CHEN et al., 2014, TAKEHANA et al., 2014; CAPEL, 2017). No presente trabalho, nós investigamos os mecanismos da via de sinalização do Amh durante o período de diferenciação sexual de medaka por meio da técnica de edição gênica, CRISPR/Cas9. A expressão do Amh é de suma importância para a diferenciação testicular, onde seus níveis elevados são produzidos pelas células de Sertoli no início da diferenciação testicular e depois diminuem na puberdade (REY, 1998; NILSSON et al., 2011). Em peixes a expressão do amh mostra-se diferencial entre os sexos, sendo maior em machos do que em fêmeas (SKAAR et al., 2011; OLIVEIRA, 2014) No intuito de se analisar a função de membros da família TGF-β nos processos reprodutivos dos peixes teleósteos, Morinaga e colaboradores (2007) 71 realizaram a mutação no receptor do amh (amhrII) no peixe medaka. Neste estudo, os autores mostram que 50% dos animais machos XY homozigotos para a mutação apresentaram reversão sexual de macho para fêmea. Foi observado também um elevado índice gonadossomático que foi caracterizado como uma hipertrofia gonadal. Resultados semelhantes foram obtidos por Lin e seus colaboradores (2017) através da deleção do amh pelo sistema de CRISPR/Cas9 em zebrafish. Esses autores mostraram que a perda da função do amh em zebrafish levou a uma hipertrofia gonadal decorrente do acúmulo de espermatogônias indiferenciadas e desregulação do desenvolvimento sexual (LIN et al., 2017). Os autores relataram ainda um aumento na proporção de fêmeas nos animais homozigotos (71%) enquanto que nos animais heterozigotos a porcentagem foi de 46% de fêmeas. Em relação ao fenótipo dos animais, todos os peixes homozigotos apresentaram um abdômen aumentado o que foi caracterizado com uma hipertrofia gonadal. Em nosso trabalho, geramos peixes medakas com deleção no gene amh (amh -/-) através do sistema CRISPR/Cas9. Inicialmente, identificamos dois tipos de mutação nos animais heterozigotos (amh -/+) da F1. A mutação mais interessante foi a deleção de 759 pares de base entre os exons 6 e 7 que compreende parte dos domínios Amh_N e TGF-β. Os animais portando essa mutação foram utilizados para gerar os mutantes homozigotos da geração F2. Interessantemente, os animais XY homozigotos para mutação do amh (-/-) apresentaram 100% de reversão sexual, sendo caracterizados como fêmeas fenotípica. Estes resultados são semelhantes, pelo menos em parte aos encontrados por Morinaga e colaboradores (2007) para a mutação no receptor do Amh em medaka. A mutação do receptor do Amh também causou reversão sexual, porém apenas 50% dos machos XY foram revertidos para fêmeas fenotípicas (MORINAGA et al., 2007), enquanto a mutação do Amh promoveu reversão de todos os machos XY. Não sabemos ainda explicar essa diferença, mas sugere-se que a deleção do ligante é mais crucial que a do próprio receptor. Esses dados também mostraram que o Amh é um fator necessário para a diferenciação testicular em medaka. O Amh é comumente encontrado em algumas espécies de peixes teleósteos, como zebrafish, enguia japonesa, medaka, truta arco-íris, carpa comum dentre outras (MIURA et al., 2002; KLÜVER et al., 2007; SKAAR et al., 2011; SAMBRONI et al., 2012; OLIVEIRA, 2014; PFENNIG et al., 2015; ADOLFI et al., 2018). Já o seu 72 receptor, o AmhrII, encontra-se ainda pouco caracterizado entre as espécies de peixes (PFENNIG et al., 2015). Um caso interessante é o do zebrafish que possui Amh, porém a espécie perdeu o AmhrII durante a evolução (PFENNIG et al., 2015). Neste caso, sugere-se que o Amh atue através de outros receptores, como os receptores Bmp (Bone Morphogenetic Protein). Morinaga e seus colaboradores (2007) mostram uma sintenia conservada do AmhrII em medaka com o receptor tipo 2 para o Bmp (BmprII) em outros vertebrados (MORINAGA et al., 2007). Mais recentemente, Adolfi e colaboradores (2018) realizaram análises comparativas e mostraram que todas as espécies de Chondrichthyes avaliadas não possuem amhrII, porém o amh foi detectado no genoma destas espécies. Através de análises de sintenia, os autores também mostraram sintenia conservada da região genômica do bmprII com o amhrII. Este resultado fornece mais evidências da origem do amhrII como parálogo ao bmprII e sugere que o Amh atue através do BmprII em peixes cartilaginosos e talvez em zebrafish (ADOLFI et al., 2018). Se analisarmos então os dados de Morinaga e colaboradores (2007), é possível que o Amh atue via BmprII. Embora especulativo, esta observação poderia explicar o porquê dos 50% dos machos XY não terem sofrido reversão sexual nos mutantes para o amhrII. Por outro lado, nossos resultados decorrentes da deleção do ligante (Amh) e não o receptor (AmhrII), mostraram que 100% dos animais homozigotos sofreram reversão sexual. Outra característica observada nos medakas amh (-/-) foi a hipertrofia gonadal, à semelhança dos medakas mutantes para o receptor AmhrII (MORINAGA et al., 2007) e para os zebrafish com deleção do Amh (LIN et al., 2017). Estes trabalhos mostraram que o Amh regula a atividade de autorrenovação e diferenciação das células germinativas. Em medaka, MORINAGA e colaboradores (2007) mostraram que a ausência do receptor do Amh (hotei) é responsável pela excessiva proliferação de células germinativas e pela reversão sexual de 50% dos machos XY. Em estudos posteriores do grupo, os autores mostram que a sinalização do Amh atua nas células somáticas de ambos os sexos promovendo a proliferação e autorrenovação das células germinativas mitoticamente ativas do tipo 1 (NAKAMURA et al., 2012). Desta forma, os autores mostram que a reversão sexual no hotei não é consequência direta da sinalização do Amh nas células somáticas, mas sim devido à hiperproliferação das células germinativas 73 (NAKAMURA et al., 2012). No entanto, 50% dos animais XY hotei com hiperproliferação não apresentaram reversão sexual (MORINAGA et al., 2007). Em nosso trabalho, todos os animais mutantes homozigotos (amh -/-) XY sofreram reversão, mostrando que a hiperproliferação não está associada com a diferenciação sexual, mas sim como um defeito nas células somáticas. Desta maneira, pode-se concluir que o Amh é um efetor crucial para a formação do testículo em medaka. Esse resultado também corrobora os dados de expressão temporal do amh em diferentes estágios de desenvolvimento do medaka (ver abaixo). No presente estudo, também avaliamos a expressão do amh e de alguns genes chaves do processo de diferenciação durante diferentes estágios de desenvolvimento de medakas selvagens. A expressão do amh foi maior em machos do que em fêmeas durante todos os estágios de desenvolvimento. Sua expressão diferencial inicia-se no estágio 34 que precede a janela de diferenciação sexual em medaka. Interessantemente, a expressão de outros genes envolvidos na cascata de diferenciação sexual masculina como dmrt1, amhrII e gsdf foi posterior à do amh. Este dado sugere que o Amh atue como efetor upstream da cascata de diferenciação masculina, sendo responsável, direta ou indiretamente, por ativar genes como dmrt1 e gsdf. Sendo assim, a expressão do Amh é crucial para desencadear a diferenciação testicular através da expressão de genes downstream da cascata, como dmrt1 e gsdf. Estes resultados estão alinhados com os dados encontrados neste trabalho para os medakas mutantes amh (-/-), onde na ausência do Amh, todos os machos XY se diferenciam em fêmeas. Na ausência do Amh, os efetores downstream da cascata não seriam ativados, o que levaria à diferenciação ovariana. Para comprovar esta hipótese, é necessário conhecer a expressão destes efetores ao longo dos diferentes estágios de desenvolvimento dos mutantes amh (- /-). Estes experimentos bem como avaliações histológicas, RNAseq e experimentos onde o Amh recombinante será incorporado nos medakas amh (-/-) para reverter o processo de reversão sexual encontra-se atualmente em andamento e certamente contribuirão para o melhor entendimento do Amh na diferenciação sexual do medaka. De maneira geral, nosso trabalho demonstra que o Amh desempenha papel crucial no processo de diferenciação sexual do peixe medaka. Além disso, o Amh 74 atua como um efetor da cascata de diferenciação sexual masculina e também regula a proliferação das células germinativas nesta espécie. Neste sentido, demonstramos a importância da sinalização TGF-β na diferenciação sexual de vertebrados, assim como sua influência nos processos de regulação do crescimento/proliferação e diferenciação das células germinativas, conforme resume a Figura 27. Figura 27. Via de sinalização TGF-β. (A) Ilustração mostrando a via de sinalização TGF-β em medakas selvagens. Inicialmente, o Amh é produzido como pré-hormônio que sofre uma série de clivagens para se tornar um hormônio maduro (vermelho). O hormônio maduro ativa seu receptor específico tipo II (AmhrII). Logo em seguida, ocorre o recrutamento e ativação do receptor tipo I por fosforilação, formando um complexo entre os dois receptores. Após a formação do complexo ocorre então o recrutamento e a fosforilação das R-Smads (receptor-regulated Smad). As R-Smads recrutam as Co-Smads (common mediator Smads