ANDRÉ LUIZ MERTHAN SAAD AVALIAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DA UMIDADE EM PILHAS DE FARDOS DE PALHIÇO DE CANA-DE-AÇÚCAR Botucatu 2019 ANDRÉ LUIZ MERTHAN SAAD AVALIAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DA UMIDADE EM PILHAS DE FARDOS DE PALHIÇO DE CANA-DE-AÇÚCAR Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências Agronômicas da Unesp Câmpus de Botucatu, para obtenção do título de Mestre em Agronomia (Energia na Agricultura) Orientador: Prof. Dr. Saulo Philipe Sebastião Guerra Botucatu 2019 S111a Saad, André Luiz Merthan Avaliação e caracterização da umidade em pilhas de fardos de palhiço de cana-de-açúcar / André Luiz Merthan Saad. -- Botucatu, 2019 57 p. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Ciências Agronômicas, Botucatu Orientador: Saulo Philipe Sebastião Guerra 1. Estocagem. 2. Biomassa. 3. Propriedades físicas. 4. Palha. 5. Secagem. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca da Faculdade de Ciências Agronômicas, Botucatu. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. Dedico esta dissertação a minha família, por me preparar para a vida e nunca me deixar desistir dos meus sonhos! AGRADECIMENTOS Este estudo não poderia ter sido realizado sem o apoio de diversas pessoas e amigos que leram e fizeram sugestões pontuais. Agradeço primeiramente a Deus por ter colocado na minha vida pessoas que me ensinaram e ajudaram: minha família e esposa Larissa Cascardo, cuja dedicação e consequente gratidão que me deram forças para superar as dificuldades encontradas em minha vida. Ao meu orientador, Prof. Dr. Saulo Philipe Sebastião Guerra, pelo incentivo na prática da pesquisa e de sua presença constante nesses três anos na orientação, durante a qual trabalhamos com salutar dedicação. “O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Brasil (CAPES)”. Agradeço a todos aos servidores do Departamento de Economia, Sociologia e Tecnologia pela convivência e amizade durante meu período de estágio e mestrado, pelo total apoio, em especial Mariano Viveiros, Marcos Norberto Tavares, como também aos professores Luiz César Ribas, Osmar de Carvalho Bueno, Leonardo de Barros Pinto, Silvia Angélica Carvalho, Izabel Cristina Takitane e Maura Seiko Esperancini. Sou grato a toda equipe do LABB (Laboratório Agroflorestal de Biomassa e Bioenergia) pela amizade, companheirismo e dedicação no âmbito social e acadêmico e ajuda constante, nomeadamente, Emanuel Spadim, Bruno Gimenez, André Vitor Costa Manso, Raoni Melo, Rafael Soler, Renan Mangialardo, Murilo Marques Caliente, João Marcos, Ronaldo de Arruda Jr., Augusto Locci, Victor Takahashi, Felipe Papassoni, Guilherme Oguri, Samara Henrique Maschetti, Natália Arruda, Bruna Ferreguti, Mariana Montelatto, Júlia Bergamin, Julia Faria, Gabriela Villamagua, Ana Carolina Costa, Letícia Duron Cury, Rafaela Prosdoccini Parmeggiani e Carla Martins Brito. Agradeço em especial pelas orientações, que foram pontuais para esta pesquisa, a Donizeti Nicolete, Leonardo França, Marcelo Scantamburlo Denadai, Humberto Eufrade Jr. e Elaine Cristina Leonello. Agradeço imensamente Celso Martini, da empresa Marrari, pela parceria que foi fundamental para a realização desta pesquisa. Sou muito grato também aos demais professores do Programa de Energia na Agricultura que tanto contribuíram para o meu aprendizado e realização profissional, como também no auxílio de pesquisas constantes e a realização deste trabalho. Que Deus ilumine a abençoe a todos. “Meus sinceros agradecimentos”. “O futuro pertence àqueles que acreditam na beleza de seus sonhos”. Eleanor Roosevelt. “Professores brilhantes ensinam para uma profissão. Professores fascinantes ensinam para a vida”. Augusto Cury. RESUMO A evolução da cultura da cana-de-açúcar passou por transformações, ocupando um papel de destaque no cenário agrícola brasileiro, uma vez que a estimativa de produção da cultura de cana-de-açúcar para a safra 2020 está em torno de 622,3 milhões de toneladas em uma área de produção agrícola que corresponde a 8,38 milhões de hectares. O recolhimento do palhiço de cana-de- açúcar vem sendo utilizado principalmente para a produção de energia elétrica e etanol de segunda geração. O desafio do enfardamento da biomassa está relacionado com instabilidade do clima que dificulta a secagem e o armazenamento dos fardos no campo ao longo do tempo. A umidade nos fardos de palhiço de cana- de-açúcar pode provocar também a sua degradação biológica. A importância da qualidade dos fardos de palhiço de cana-de-açúcar no setor sucroenergético resultou na elaboração desta pesquisa, que teve como objetivo principal compreender o comportamento da umidade e temperatura dos fardos montados no campo sem cobertura e com duas vistas de exposição (uma vista lateral e outra vista de compactação de enfardamento orientadas para o norte verdadeiro). Para atingir esse objetivo, o comportamento da umidade dos fardos de palhiço de cana-de- açúcar foi estudado por meio da interpolação das leituras de umidade e elaboração dos gráficos em 3D. Os resultados de geoestatística demonstraram que houve um aumento de umidade no interior das pilhas de fardos durante dez meses de estocagem no campo, devido à impossibilidade de secagem no campo ao ar livre. A conclusão do trabalho demonstra que a posição de montagem de exposição de ambas as vistas não interfere na secagem natural dos fardos no campo, como também podemos inferir que o acúmulo de água oriundo das chuvas através da infiltração para o interior das pilhas de fardos de cana-de-açúcar impossibilita a sua aeração e secagem de forma natural, resultando em um aumento de temperatura interna em consequência das ações exotérmicas das atividades microbiológicas na degradação do palhiço. Palavras chave: Estocagem. Biomassa. Propriedades físicas. Palha. Secagem. ABSTRACT The evolution of sugarcane crop underwent transformations, occupying a prominent role in the Brazilian agricultural scenario, since the estimated production of sugarcane crop for the 2020 crop is around 622.3 million tons in an area of agricultural production that corresponds to 8.38 million hectares. Sugarcane straw collection has been used mainly for the production of electricity and second generation ethanol. The challenge of baling biomass is related to climate instability that makes it difficult to dry and store bales in the field over time. Moisture in sugar cane straw bales can also cause biological degradation. The importance of the quality of sugarcane straw bales in the sugar-energy sector resulted in the elaboration of this research, whose main objective was to understand the moisture and temperature behavior of bales assembled in the field without cover and with two exposure views (one side view and another true north-oriented baling compaction view). To achieve this objective, the moisture behavior of sugar cane straw bales was studied through the interpolation of moisture readings and the elaboration of 3D graphs. The geostatistics results showed that there was an increase of humidity inside the bale piles during ten months of field storage due to the impossibility of drying in the outdoor field. The conclusion of the work demonstrates that the exposure mounting position of both views does not interfere with the natural drying of the bales in the field, as we can also conclude that the accumulation of rainwater through infiltration into the cane bale stacks. The sugar cane prevents its aeration and drying naturally, leading to an increase in internal temperature as a result of exothermic actions of microbiological activities in the degradation of the straw. Keywords: Storage. Biomass. Physical properties. Straw. Drying. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 - Área de experimento dos fardos .......................................................... 30 Figura 2 - Fardos de palhiço de cana-de-açúcar ................................................. 31 Figura 3 - Montagem (A) e pesagem dos fardos (B) ............................................ 31 Figura 4 - Posição das pilhas de fardos no campo ............................................. 32 Figura 5 - Posição de montagem das vistas dos fardos ..................................... 33 Figura 6 - Distribuição dos pontos de coleta nos fardos .................................... 34 Figura 7 - Gabarito das leituras de umidade ........................................................ 34 Figura 8 - Sensor Marrari M75 ............................................................................... 35 Figura 9 - Simulador de compactação de biomassa agrícola ............................. 36 Figura 10 - Prensa hidráulica de 5 toneladas de capacidade ............................. 38 Figura 11 - Equações linear e polinomial de calibração do sensor .................... 39 Figura 12 - Georreferenciamento dos pontos de umidade (SGeMs) .................. 40 Figura 13 - Leitores de temperaturas.................................................................... 41 Figura 14 - Precipitação pluviométrica (mm). ...................................................... 42 Figura 15 - Temperatura e umidade relativa do ar ............................................... 43 Figura 16 - Temperatura das pilhas ...................................................................... 48 Figura 17 - Fardos deteriorados após 10 meses do início do experimento ....... 50 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .............................................................................................. 19 2 REVISÃO DE LITERATURA ......................................................................... 21 2.1 Importância econômica da cultura da cana-de-açúcar................................... 21 2.2 Biomassa ...................................................................................................... 23 2.3 Palhiço de cana-de açúcar ............................................................................ 25 2.4 Umidade nos fardos de palhiço de cana-de-açúcar ....................................... 28 3 MATERIAL E MÉTODOS .............................................................................. 30 3.1 Estudo da variabilidade da umidade nas pilhas de fardos ............................. 32 3.2 Determinação e calibração do sensor de umidade ........................................ 35 3.3 Elaboração dos gráficos de umidade dos fardos pela geoestatística ............. 40 3.4 Estudo da temperatura no interior das pilhas de fardos ................................. 41 3.5 Apresentação dos dados da estação meteorológica ..................................... 42 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO ..................................................................... 44 4.1 Temperatura dos fardos de palhiço de cana-de-açúcar ................................. 48 4.2 Caracterização física dos fardos.................................................................... 50 5 CONCLUSÕES ............................................................................................. 52 REFERÊNCIAS ............................................................................................. 53 19 1 INTRODUÇÃO A cultura da cana-de-açúcar passou por grandes transformações nas últimas décadas, assumindo um papel de destaque no cenário agrícola nacional. Segundo os dados da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB, 2019), a estimativa de produção de cana-de-açúcar para a safra 2020 está em torno de 622,3 milhões de toneladas, o que representa em uma área de produção agrícola de 8,38 milhões de hectares. A região sudeste é a maior produtora em área colhida, com 52%, como também se destaca como a maior produtora do total do açúcar produzido no país, com 73,4%. A produção de açúcar deverá atingir 31,8 milhões de toneladas para essa próxima safra e a de etanol está estimada em 31,63 bilhões de litros. Nesse cenário produtivo, a matriz energética brasileira vem se modernizando em relação às fontes renováveis de energia, com a utilização de biomassa proveniente de resíduos, através do bagaço e palhiços de cana-de-açúcar. Essa situação ocorreu em virtude da intensa demanda e pressões externas por fontes de energia renováveis ou sustentaveis. O emprego da biomassa como oferta interna de energia corresponde a 16,9%, seguindo a hidráulica com 11,3% e lenha e carvão com 8,2% (BEN, 2016). Ripoli et al. (2000) enfatizam que o Brasil dispõe de imensas áreas agricultáveis que favorecem a produção de cana-de-açúcar, graças às condições climáticas ideais na maior parte do ano. Os mesmos autores afirmam que a cultura de cana-de- açúcar possui as melhores condições para transformar o bagaço e o palhiço provenientes da colheita em energia elétrica ou etanol, sendo impossível abrir mão dessa biomassa como parte integrante da matriz energética brasileira. Os benefícios da biomassa, quando comparados com os dos combustíveis fósseis e derivados de petróleo, representam atualmente cerca de 58,8% da matriz de energia do país (BEN, 2016). Nota-se que os benefícios vão além dos fatores ambientais, com a geração de novos empregos desde a lavoura da cultura até os terminais de distribuição de energia elétrica. Segundo dados da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP, 2019), é notório que o setor de cana-de-açúcar e etanol tem expressiva contribuição na geração de renda e emprego. De acordo com a instituição, foram abertas cerca 20 de 8,5 mil vagas de trabalho com carteira assinada, sendo 7,7 mil para o segmento sucroenergético. Dentro do contexto produtivo, o recolhimento do palhiço de cana-de-açúcar vem sendo utilizado como uma das principais fontes para a produção de energia elétrica e etanol de segunda geração. Ripoli (2002), em seus estudos sobre o mapeamento do palhiço enfardado de cana-de-açúcar e do seu potencial energético, observou que a quantidade de palhiço presente pós as operações de colheita nos canaviais, está na ordem de 32 toneladas em base úmida por hectare, que tem equivalência energética em torno de 1,2 barris de petróleo por tonelada de material no campo. As empresas do setor sucroenergético, após obter o conhecimento desse potencial de biomassa, utilizam o enfardamento de palhiço de cana-de-açúcar, mas ignoram muitos dos problemas logísticos provocados pela umidade e armazenamento dos fardos. Em situação de campo ou na indústria, o armazenamento desses fardos é feito sem nenhuma proteção ou cobertura, pelo fato de possuírem grandes extensões e quantidades de pilhas sobrepostas sobre as outras. O enfardamento da biomassa proveniente do palhiço de cana-de-açúcar é um desafio, em razão da instabilidade do clima, durante a secagem do material exposto no campo. A grande preocupação está na combustão espontânea pela fermentação no interior das pilhas em que, a longo prazo, pode ocorrer a decomposição microbiológica, aumentando a umidade e a diminuição do poder calorífico dos fardos (KRZYZANIAK et al., 2016). É importante salientar que o teor de cinzas não é alterado após o período de chuvas intensas quando as pilhas de fardos de palhiço de cana-de-açúcar são estocadas em campo (DENADAI, 2018). Portanto, objetivou-se no presente trabalho compreender o comportamento da umidade e temperatura das pilhas de fardos de palhiço de cana-de-açúcar montadas no campo sem cobertura e com duas vistas de exposição. 21 2 REVISÃO DE LITERATURA 2.1 Importância econômica da cultura da cana-de-açúcar A evolução da cultura da cana-de-açúcar passou por grandes transformações, assumindo notoriedade quanto a sua importância econômica. A indústria nacional nos últimos anos tem feito uma busca incessante para acompanhar as tendências impostas pelo mercado mundial, quando se fala de produtos derivados da cana-de- açúcar e biomassa (ARAUJO et al., 2014). Conforme relatado pelos mesmos autores, as crises financeiras pelas quais passaram os países em desenvolvimento antes da adoção de políticas econômicas neoliberais levaram o Brasil, através do ritmo das exportações, a adotar programas de incentivo em relação à produção da cultura, visando aos avanços tecnológicos e a mecanização dos processos ao longo do contexto histórico das indústrias e usinas nacionais. Segundo os dados do primeiro levantamento da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB, 2019), a produção estimada de cana-de-açúcar para a safra 2020 está em torno de 622,3 milhões de toneladas, apresentando redução de 0,7% com relação à safra anterior. A área total colhida está estimada em 8,38 milhões de hectares, apresentando queda de 2,4% em comparação com a safra de 2019. A menor área colhida derivou principalmente da devolução de áreas arrendadas e de fornecedores que preferiram substituir a cultura de cana-de-açúcar por outras culturas como a soja, líder das exportações brasileiras no agronegócio. Conforme os dados do Anuário da Agricultura Brasileira (AGRIANUAL, 2019), os estados brasileiros produtores de cana-de-açúcar em área colhida são: São Paulo (52%), Minas Gerais (10%), Goiás (11%) e Paraná (7%). A região sudeste, maior produtora nacional, será responsável, nessa safra, por 69% do açúcar produzido no país, seguida da região centro-oeste (10,3%), nordeste (8,2%), sul (7,3%) e norte (0,2%) (CONAB, 2019). A produtividade média dos canaviais para a safra 2020 está estimada em 73,5 toneladas por hectare. A produção de açúcar deverá atingir 31,8 milhões de toneladas para esta safra, crescimento de 9,5% em relação à safra anterior. A estimativa de produção de etanol está em torno de 30,3 bilhões de litros, retração de 8,6% em referência à safra passada. Essa redução na produção de etanol está 22 relacionada com a de maior destinação de ATR (açúcar total recuperável na cana) para a produção de açúcar, diminuindo a fabricação de etanol. Sendo assim, o setor sucroenergético é responsavel por grande parte da geração de empregos para a sociedade, reunindo cerca de 6% dos empregos diretos na agroindústria e responsável por mais de 35% do PIB brasileiro (RAVELI, 2013). Segundo o levantamento feito pela União da Indústria de Cana-de-Açúcar (UNICA, 2018), a cadeia produtiva da cana-de-açúcar registrou saldo líquido de 17 a 23 mil vagas de trabalho com carteira assinada, uma significativa evolução em comparação ao número verificado no mesmo período de 2017, quando houve a perda de 3204 empregos formais. Esse resultado demonstra a importância econômica do setor sucroenergético brasileiro para a geração de renda e manutenção dos postos de trabalho. Conforme outra pesquisa conduzida pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP, 2019), o setor de açúcar e etanol esteve à frente na criação de empregos no segmento industrial do maior estado produtor brasileiro. Segundo o levantamento, das 8,5 mil vagas geradas na indústria 7,7 mil foram abertas somente pelo segmento sucroenergético. O resultado representa uma alta de 0,39% em comparação aos anos de 2017/2018. A sustentabilidade do setor sucroenergético está na mudança de comportamento e cultura da sociedade, frente às questões ambientais. A utilização da biomassa de cana-de-açúcar como oferta interna de energia, segundo o balanço energético nacional (BEN, 2016), é de 16,9%, seguindo hidráulica com 11,3% e lenha e carvão 8,2%. Se comparar os benefícios da biomassa em relação aos combustíveis fósseis e derivados de petróleo, que atualmente representam 58,8% da matriz de energia do país, além dos fatores ambientais, como a utilização de uma energia renovável e limpa, com redução de gases de efeito estufa, podemos citar a alta competitividade no que tange ao custo e à geração de empregos, desde a lavoura até terminais de distribuição de energia. 23 2.2 Biomassa A biomassa é uma das fontes para produção de energia com maior potencial de crescimento nos próximos anos. Tanto no mercado internacional quanto no interno, é considerada uma das principais alternativas para a diversificação da matriz energética e a consequente redução da dependência dos combustíveis fósseis (ANEEL, 2002). Através da biomassa é possível obter energia elétrica e biocombustíveis, como o biodiesel e o etanol, cujo consumo é crescente em substituição a derivados de petróleo como o óleo diesel e a gasolina. Do ponto de vista energético, a biomassa é definida como toda matéria orgânica, seja ela de origem animal ou vegetal, cujo emprego pode ser para fins de produção de energia (ANEEL, 2002). Segundo União Europeia (2003), o termo biomassa vem sendo aplicado a toda fração biodegradável de produtos e de resíduos da agricultura, floresta e indústrias, bem como a fragmento biodegradável dos resíduos industriais e urbanos. A biomassa energética é o resultado obtido da atividade fisiológica das plantas, que podem se comportar como verdadeiras usinas, transformando a energia solar, por meio do processo fotossintético, em energia química (VASCONCELOS et al., 2007). Esses materiais têm em comum a origem direta ou indireta do processo de fotossíntese, apresentando-se de maneira periódica e não limitada no tempo, ou seja, de forma renovável (VIANNA et al., 2000). Muller (2005) cita que, na década de 70, a biomassa foi considerada como alternativa viável para atendimento às demandas por energia térmica e de centrais elétricas de pequeno e médio porte. Posteriormente, na década de 90, a biomassa ganhou destaque novamente no cenário energético mundial devido ao desenvolvimento de tecnologias mais avançadas de transformação de energia elétrica, face à ameaça de esgotamento das reservas de combustíveis fósseis e pela incorporação definitiva da temática ambiental nas discussões sobre desenvolvimento sustentável. O Protocolo de Kyoto, em 1997, estabeleceu que os países em desenvolvimento deveriam reduzir significativamente emissões de gases de efeito estufa, sendo um fator de destaque para aumento da utilização da biomassa, indicando que a participação de energias renováveis tende a ocupar uma posição de destaque na matriz energética mundial (MULLER, 2005). Os recursos mundiais de biomassa são 24 abundantes, e existem várias técnicas para produzir energias de maneira economicamente eficientes e diferentes das utilizadas nos países mais pobres. Em cenários futuros, haverá vantagens em produzir energia proveniente da biomassa, principalmente quando as fontes de energia renováveis se tornarem competitivas. A utilização de biomassa na geração de energia é de grande interesse para o país, especialmente quando direcionada a usos como na geração de eletricidade, produção combustíveis para transporte. O mais importante nessa utilização, independente da tecnologia utilizada, está associado ao custo da matéria-prima (JANNUZZI, 2003). A quantidade estimada de biomassa existente na Terra está na ordem de 1,8 trilhão de toneladas, segundo o estudo da Estatistical Review of World Energy publicado pelo Atlas de Energia Elétrica no Brasil (ANEEL, 2002) e pela BP Global (Beyhond Petroleum, nova denominação da British Petroleum, 2014). Devido ao grande potencial das fontes de biomassa existentes no país, a utilização do bagaço e do palhiço vem ganhando destaque para a produção de energia e etanol de segunda geração (2G). No Brasil, estudos confirmam que a energia contida na matéria-prima da biomassa proveniente da cana-de-açúcar, apesar do alto poder calorífico, era pouco valorizada no país, pois não havia mercado regular e de longo prazo para esse segmento de produção e transformação em energia elétrica para ser comercializado na rede pública. Assim, apesar de existir tecnologia de cogeração de alta eficiência no mundo, as unidades brasileiras não foram modernizadas para essa exploração máxima do potencial energético de biomassa da cana-de-açúcar (OLIVEIRA et al., 2017). Dantas (2009) enfatiza que a baixa eficiência na produção de energia elétrica a partir da biomassa deve-se ao fato de que grande parte das usinas apresenta caldeiras de baixa pressão a vapor, implantadas, principalmente, na década de 70 com o Programa Nacional do Álcool (Proálcool). Nesse período, a energia produzida pela biomassa não era priorizada. 25 2.3 Palhiço de cana-de açúcar De acordo com Trombeta (2015), logo após as operações de colheita mecanizada da cultura, cerca de 75% do palhiço presente na cana-de-açúcar fica no campo para ser recolhido pelo processo de enfardamento. Esse resíduo vegetal remanescente da cultura canavieira é rico em energia e representa uma fonte alternativa para a cogeração de energia elétrica, agregando valor na agroindústria sucroenergética. Esse material é definido como palhiço, sendo constituído de palha, folhas verdes, ponteiros, e outros materiais vegetais (RIPOLI, 1991). A denominação genérica e errônea para o resíduo da colheita de cana-de- açúcar, sem queima prévia, segundo Ripoli e Ripoli (2004), tem sido “palha”, quando o correto tecnicamente seria “palhiço”, porque tal material não se constitui apenas de folhas de cana-de-açúcar com baixo grau de umidade. Para Ripoli (2001), essa matéria-prima desperta o interesse dos empresários, uma vez que o equivalente energético do palhiço está em torno de 1,2 barris de petróleo por tonelada de material. O palhiço de cana-de-açúcar nos canaviais é encontrado na ordem de 9 a 32 t/ha-1 com base em peso úmido, ou seja, um hectare de canavial equivalente à produção entre 11 e 33 barris de petróleo. Essa variabilidade, segundo Sartori (2001), é decorrente da variedade genética plantada, idade da planta e as condições edafoclimáticas. Um canavial com produtividade de 100 t/ha de cana-de-açúcar gera cerca de 14 t/ha de palhiço seco. Para os benefícios do solo e da cultura apenas 7 t/ha são suficientes; o restante do palhiço é ideal para a produção de energia elétrica, segundo a cartilha de bioeletrecidade desenvolvida pelo (CTBE, 2017). De acordo com Ripoli (2002), a utilização de até 50% do palhiço de cana-de-açúcar como fonte de energia é benéfica e necessária ao setor agrícola. A degradação de um material orgânico depende do tipo, qualidade e quantidade adicionada ao solo, podendo modificar a estrutura, capacidade de retenção de água, consistência, densidade, porosidade, aeração e condutividade elétrica do mesmo (FIGUEIREDO et al., 2000). Dessa forma, os acúmulos de palhiço por vários anos nas áreas cultivadas com cana-de-açúcar contribuem como fonte de matéria orgânica, servindo como alimento para os organismos ali presentes, propiciando a manutenção da produtividade da cultura (ORLANDO FILHO et al., 1998). 26 Em relação à física do solo, em terrenos com maior cobertura vegetal ocorre maior capacidade de retenção de água, maximizando a manutenção de umidade, responsável por grande parte das propriedades físicas, químicas e biológicas do solo (ORLANDO FILHO et al., 1998). Em contraponto, Timm (2002) concluiu que a troca do método da queima da cultura de cana-de-açúcar antes da colheita para a prática de deixar o palhiço como cobertura vegetal da superfície do solo não afetou o escoamento superficial do fluxo de água no solo. No mesmo estudo, o autor também concluiu que a presença da cobertura vegetal na superfície do solo pode reduzir as temperaturas médias em 7°C, evitando picos de temperatura na superfície do solo durante o período inicial de desenvolvimento da cana soca. O manejo conservacionista de solos viabiliza, tecnicamente, o preparo reduzido em áreas de cana-de-açúcar sem queima do palhiço, propicia redução de custos da ordem de 30% quando comparado ao uso de grade e subsolador convencional (COPERSUCAR, 2001). As atividades agrícolas alteram as propriedades que definem a qualidade do solo (BAYER; MIELNICZUK, 1999; FREIXO et al., 2002). Mudanças no ambiente decorrentes de práticas de manejo inadequadas podem levar ao rápido declínio do estoque de matéria orgânica do solo em áreas tropicais e subtropicais. A manutenção da matéria orgânica no solo é, portanto, fundamental para a sustentabilidade dos sistemas de produção agrícola (MIELNICZUK et al., 2003). Segundo Cerri et al. (1988), os efeitos da preservação dos restos de colheita dos canaviais mostram que o sistema de ceifa mecanizado favorece o acúmulo de matéria orgânica e sequestro de carbono, mediante o retorno ao solo de resíduos da cultura que antes eram queimados, além de reduzir a emissão de gases CO2 e CH4 em comparação com o sistema de produção com a queima do palhiço. Por outro lado, Carvalho (1996) afirma que, apesar das visíveis vantagens quanto ao aspecto ambiental, grande quantidade de palhiço sobre o terreno de cultivo acaba por interferir e dificultar os tratos culturais pós-colheita. Uma camada de palhiço sobre o solo contribui no controle de plantas daninhas, sendo que de 7,5 a 9,0 t MS.ha-1 de palhiço, quando uniformemente distribuídas sobre o solo, foram suficientes para o controle de plantas daninhas. Nessas condições, a eficiência de controle foi considerada igual ou maior do que se consegue por meio de aplicações bem sucedidas de herbicidas (COPERSUCAR, 2001). A utilização da cobertura verde ou morta dos restos vegetais no controle das plantas daninhas é atribuída não apenas à ação do impedimento físico da camada 27 vegetal ou à impossibilidade da passagem de luz, prejudicando a germinação das sementes de outras plantas, mas também à alelopatia, definida como sendo qualquer efeito causado por uma planta ou microrganismo que, direta ou indiretamente, é prejudicial a outro individuo por meio da liberação de compostos químicos ao ambiente (LORENZI, 1984). O autor também afirma que, por meio da ação alelopática, alguns centímetros de palha da cana impedem a germinação de tiririca. Segundo Carvalho (1996), em áreas de colheita de cana crua, a brotação inicial da soqueira normalmente é retardada devido aos efeitos de sombreamento e barreira física ocasionados pela cobertura morta. Porém, decorrido o ciclo da cultura, a quantidade de perfilhos nessas áreas é praticamente a mesma de quando se cultiva o canavial de maneira tradicional. No sistema de colheita de cana-de-açúcar sem a queima prévia, o palhiço deixado no campo é enleirado e compactado por enfardadoras cilíndricas ou prismáticas. Esses fardos são colocados em caminhões e transportados até a usina produtora (INNOCENTE, 2011). Segundo Magalhães e Braunbeck (2001), o palhiço apresenta baixa massa específica, sugerindo o adensamento de aproximadamente 15 vezes o volume inicial para diminuir os custos gerados com o transporte. Guerra et al. (2013) relatam que as enfardadoras são equipamentos ideais para recolher e compactar palha, capim, feno ou restos culturais gerados pela prévia utilização de colhedoras mecanizadas. Os dois formatos de fardos de palhiço de cana-de-açúcar podem ser amarrados por cordas de sisal, ráfia, telas sintéticas ou ainda arames ou barbantes. Os fardos podem variar desde poucos quilos, propícios para carregamento manual, até fardos de mais de 700 Kg de massa. Para a realização do recolhimento do palhiço de cana-de-açúcar é necessária a caracterização física da biomassa. Deve-se mensurar o palhiço recolhido, determinar a quantidade de terra agregada ao material e o custo total do sistema de recolhimento (FRANCO, 2003). 28 2.4 Umidade nos fardos de palhiço de cana-de-açúcar O recolhimento e enfardamento da biomassa proveniente da cana-de-açúcar é um desafio devido à instabilidade do clima durante a secagem do material exposto no campo. Segundo Inventagri (2005) e Descôteaux e Savoie (2006), muitas pesquisas estão sendo aperfeiçoadas para a secagem artificial da biomassa enfardada para reduzir o risco climático. Para controlar e melhorar o processo de secagem artificial, uma medida exata e rápida com relação à umidade do material no campo é essencial para tomada de decisões, através de equipamentos denominados medidores de umidade. Esses equipamentos fornecem um controle preciso de umidade, evitando perdas do material por fungos. Normalmente, para o mercado de feno comercial, a média de umidade deve ser inferior a 12% e nenhuma parte do fardo deve conter mais de 15% para evitar o desenvolvimento de mofo (COUTURE et al., 2002). A secagem no campo pode remover uma grande proporção de água em excesso, posteriormente à deposição da biomassa sobre o solo. A dificuldade de secagem no campo referente ao clima levou empresas e pesquisadores a proporem a secagem artificial com ar aquecido para controlar a umidade final do feno enfardado (PARKER et al.,1992; ARINZE et al. 1994; INVENTAGRI 2005). Parker et al. (1992) e Arinze et al. (1994), trabalhando com secagem de pequenos fardos com ar aquecido, observaram problemas de secagem abaixo de 12 a 15% de umidade, tendo baixa eficiência energética e não homogeneidade da umidade dos fardos. No entanto, pesquisadores consideram que a secagem ao ar aquecido é viável comercialmente ao feno enfardado. Descôteaux e Savoie (2003) indicam que o perfil de temperatura da secagem começa da parte mais baixa ou na primeira camada de feno em contato com o ar aquecido. A frente de secagem move-se ao longo do tempo para as camadas mais afastadas da área de contato inicial. No momento em que a última camada é seca, a primeira é susceptível de ser muito mais seca, pois o contato de ar é maior. Couture et al. (2002) avaliaram a atividade do mofo, variando os níveis de umidade entre 10 e 25% em feno durante oito semanas, não observando desenvolvimento de mofo abaixo de 14% de umidade. Ao nível de 25% de umidade, a colonização do mofo variou de 70 a 80%. 29 O palhiço de cana-de-açúcar, quando retirado do campo, depende de fatores como; variedade da cana-de-açúcar, sistematização do solo, qualidade e maturidade do canavial, clima durante a colheita, destacando a umidade ideal abaixo de 15%, impureza mineral abaixo de 5% e o custo compatível visando à geração de energia (RIPOLI, 2001). A fim de se evitarem interrupções na cadeia de abastecimento das indústrias, é necessário armazenar biomassa na fábrica ou nas fazendas (KANZIAN et al., 2009). Porém, a longo prazo pode ocorrer decomposição microbiológica, aumento da umidade e diminuição do poder calorífico (KRZYZANIAK et al., 2016). Segundo Denadai (2018), variáveis como cronogramas das usinas, custos com logística e armazenagem influenciam para que os fardos permaneçam no campo, sem proteção contra as intempéries do clima. No caso de chuvas após o palhiço compactado no fardo, as impurezas minerais não são afetadas, porém a massa e qualidade dos fardos podem comprometer sua utilização na produção de energia. No campo ou na indústria, para a segurança no abastecimento da indústria e em função da sazonalidade da produção da cana-de-açúcar, é necessário realizar o armazenamento desses fardos em grandes pilhas. Em sua grande maioria, isso é feito sem a utilização de cobertura, por causa da extensa área a ser trabalhada, além de grande preocupação com o fogo, combustão instantânea, devido à fermentação e oxigênio no interior de pilhas de fardos. O comportamento da umidade no interior das pilhas de fardos é uma questão que vem sendo abordada por pesquisadores e empresários do setor (DENADAI, 2018). Em virtude da complexidade da interação palha e umidade, e ao nível insuficiente de informação sobre o armazenamento de palhiço no Brasil, algumas indústrias brasileiras já tiveram problemas com incêndios em seus estoques de fardos, como a Granbio, Fibraresist, e Usina Barra Grande, todas referências no aproveitamento dessa biomassa (DENADAI, 2018). 30 3 MATERIAL E MÉTODOS A área onde foi conduzido o presente estudo está localizada nas dependências do Laboratório Agroflorestal de Biomassa e Bioenergia (LABB), no Departamento de Economia, Sociologia e Tecnologia (DEST) da Faculdade de Ciências Agronômicas da Unesp (FCA), cidade de Botucatu, estado de São Paulo, nas coordenadas geográficas de 22º50'56.1'', de longitude Sul de Greenwich e 48°26'07.5'' de latitude Oeste, conforme a classificação da metodologia de Köppen, caracterizado como “Cfa”. O clima é temperado quente e úmido (mesotérmico), com estações de verão e inverno bem definidas, médias de temperatura de 22°C e pluviosidade média de 1324 mm anuais (Figura 1). Figura 1 - Área de experimento dos fardos Foto: Marcelo Scantamburlo Denadai, LABB 2017. Na montagem do experimento, foram utilizados fardos de palhiço de cana-de- açúcar obtidos através da parceria com uma empresa fornecedora de cana-de- açúcar para a usina Agrícola Três Lagoas, cidade de Lençóis Paulista-SP, cuja região era a mais próxima trabalhando com o enfardamento do palhiço. 31 Foram utilizados 14 fardos de palhiço de cana-de-açúcar, transportados do campo da empresa até o Laboratório Agroflorestal de Biomassa e Bioenergia (LABB) por um caminhão “truck”, fornecido pela universidade conforme observado na (Figura 2). Figura 2 - Fardos de palhiço de cana-de-açúcar Para descarregar os fardos do veículo foi utilizado um outro caminhão “munck”, também fornecido pela universidade. Durante a montagem do experimento (Figura 3 A), todos os fardos foram pesados através de uma balança portátil construída sobre uma carreta com engate para veículos, com 4 células de carga da marca “Celtron modelo SQB – 1K” com capacidade de pesagem de 1800 kg e resolução mínima de 1 kg (Figura 3 B). Figura 3 - Montagem (A) e pesagem dos fardos (B) Foto: Arquivo pessoal do autor. Fardos no caminhão 24/10/2016 Foto: Arquivo pessoal do autor. Montagem 24/10/2016. Foto: Arquivo pessoal do autor. Pesagem. B A 32 As leituras da pesagem foram visualizadas através de um indicador digital universal marca “Presys”, modelo “DMY - MK 2030” ligado através de uma bateria de 12 volts e capacidade de carga de 7,0 Ah ampéres hora. A média das massas dos fardos de palhiço de cana-de-açúcar foi de 380 kg e a densidade de enfardamento 140 kg MS m3, com 10% de umidade em base úmida de biomassa, aferida pelo próprio Laboratório Agroflorestal de Biomassa e Bioenergia (LABB). 3.1 Estudo da variabilidade da umidade nas pilhas de fardos O estudo da variabilidade da umidade nas pilhas de fardos de palhiço de cana- de-açúcar está na disposição e montagem realizadas no sentido do norte verdadeiro. Em campo, foram montadas 3 pilhas de fardos de palhiço de cana-de-açúcar e um fardo separado, que totalizou 13 fardos (Figura 4). A pilha sem demarcação e o fardo separado, serviram de testemunhas para outra pesquisa de campo. A primeira e a segunda pilha foram utilizadas para avaliações de temperaturas, como também, para as coletas dos pontos de umidade, por apresentarem diferenças no posicionamento de montagem das vistas. Figura 4 - Posição das pilhas de fardos no campo Foto: Arquivo pessoal do autor. Posição das pilhas de fardos. 1 2 33 Buscando um maior detalhamento do estudo, as pilhas de coleta dos pontos de umidade foram montadas e posicionadas de formas diferentes em relação às vistas de exposição. A primeira pilha teve a exposição da vista lateral de enfardamento, enquanto que a segunda pilha teve a exposição da vista de compactação das fibras pelo enfardamento (Figura 5). Figura 5 - Posição de montagem das vistas dos fardos Os fardos de cana-de-açúcar detinham as seguintes dimensões 2,20m x 1,20m x 0,90 m (comprimento x largura x altura), sendo que cada pilha montada, ficou com volume de 2,20m x 2,40 m x 1,80m (comprimento x largura x altura). As primeiras avaliações de umidade começaram no mesmo dia da montagem do experimento dos fardos (24/10/2016), cuja duração foi de 10 meses. Todas as coletas dos pontos de umidade foram feitas uma vez por semana, gerando os dados para a interpolação das representações gráficas. As medições de umidade foram feitas nas seguintes formas de leituras: com 5 cm, 50 cm e 95 cm de profundidade no interior dos fardos, que totalizou 40 pontos que estavam distribuídos uniformemente no fardo conforme exemplificado na (Figura 6). Foto: Arquivo pessoal do autor. Posição das vistas 1 2 34 Figura 6 - Distribuição dos pontos de coleta nos fardos Foto: Elaborada pelo autor, 2019. Para a realização das leituras de umidade e reprodução certa da distribuição dos pontos nos fardos de palhiço de cana-de-açúcar, foi necessário o desenvolvimento de um gabarito feito a partir de cano de PVC na dimensão do comprimento do fardo. Os pontos foram distribuídos através de cordas de “nylon” com nós (Figura 7). Figura 7 - Gabarito das leituras de umidade Foto: Elaborada pelo autor, 2019. 35 Todas as leituras de umidade foram realizadas pelo equipamento de sensor de umidade da empresa Marrari, modelo do leitor “MUGMOBIL M75”, com a haste de alumínio resistente de 1 metro de comprimento e diâmetro de 13 mm, com a posição do sensor antes da ponteira. A ponteira possui comprimento de 22 mm e diâmetro de 15,9 mm para facilitar a penetração no fardo de palhiço de cana-de-açúcar, (Figura 8). Figura 8 - Sensor Marrari M75 As leituras feitas pelo equipamento do sensor de umidade foram na unidade de medida computacional em bits. A sigla “bit” significa em inglês “binary digit”, cujo termo traduzido em português possui o significado de dígito binário. Esse termo geralmente é utilizado na linguagem de computação como a menor unidade de informação que pode ser armazenada ou transmitida. Um bit pode assumir apenas dois valores numéricos, números 0 e 1. As transformações das leituras em bits para a umidade em porcentagem foram através das curvas de calibração do sensor de umidade desenvolvidas para o ajuste do aparelho da empresa Marrari. 3.2 Determinação e calibração do sensor de umidade Para a determinação e calibração do sensor de umidade em função da densidade, foi necessário o desenvolvimento de um equipamento que simulou a compactação da biomassa de cana-de-açúcar em diferentes densidades, compreendendo a faixa de 120 a 220 kg MS m-3. Foto: Arquivo pessoal do autor. Sensor Marrari M75. 36 Esses valores de densidade foram embasados através do cálculo da massa do fardo dividido pelo volume, em que o cálculo do volume do fardo é a multiplicação de altura, largura e comprimento do fardo. Para iniciar os ensaios de calibração do sensor de umidade, foram feitas as coletas dos palhiços de cana-de-açúcar do fardo armazenado no interior do Laboratório Agroflorestal de Biomassa e Bioenergia (LABB). As amostras foram pesadas e separadas, sendo colocadas em sacos de papel para a secagem na estufa a uma temperatura ajustada de 65ºC, até atingirem massa seca constante. O equipamento denominado de “simulador de compactação de biomassa agrícola” foi feito com materiais que não alteram o campo magnético do sensor, a partir de um tubo de PVC de 8” ou 200 mm de diâmetro, com dimensões de 81,5 cm de comprimento por 20 cm de largura, utilizado como câmera de compressão para o palhiço de cana-de-açúcar e um êmbolo para compactar o material, através de um tubo de PVC de 4” ou 100 mm de diâmetro, sendo as dimensões de 80 cm de comprimento por 19,5 cm de largura. Para a aferição das leituras de umidade com o sensor, foi feito um furo no cilindro na parte inferior para introduzir a haste do sensor de umidade (Figura 9). Figura 9 - Simulador de compactação de biomassa agrícola -220 -180 -150 -120 Foto: Elaborada pelo autor, 2018. 37 Para ajustar a quantidade de palhiço de cana-de-açúcar e água a ser colocada no simulador de compactação de biomassa agrícola para elaboração dos ensaios de densidade, foi utilizada uma tabela, com a umidade desejada do palhiço, quantidade de matéria seca colocada no cilindro para todas as umidades, a quantidade de água a ser adicionada e a quantidade de palhiço a ser colocada no cilindro para umidade desejada, descrita a seguir (Tabela 1). Tabela 1 - Quantidade de palhiço de cana-de-açúcar e água para o simulador de compactação de biomassa agrícola. Umidade desejada do palhiço (%) Quantidade de matéria seca colocada no cilindro para todas as umidades (kg) MS Quantidade de água a ser adicionada (L) Quantidade de palhiço a ser colocada no cilindro para umidade desejada (kg) 10 1,540 0,171 1,733 20 1,540 0,385 1,950 30 1,540 0,660 2,229 40 1,540 1,027 2,600 50 1,540 1,540 3,120 60 1,540 2,310 3,900 70 1,540 3,593 5,200 80 1,540 6,160 7,800 90 1,540 13,860 15,600 Tabela: Elaborada pelo autor, 2018. Para adicionar a água no palhiço de cana-de-açúcar foi utilizado um borrifador de água de plástico de 500 ml e um saco plástico de 30 litros. Conforme os palhiços foram colocados no saco plástico, a água era esborrifada e adicionada, sendo necessário mexer o material para permitir melhor homogeneização da umidade. Depois de umedecer os palhiços de cana-de-açúcar com a umidade desejada, todo o material em base úmida foi colocado no cilindro de compressão do simulador de compactação de biomassa agrícola. A compactação da biomassa foi impossível de ser feita manualmente, sendo necessária a utilização de uma prensa hidráulica, instalada no Núcleo de Ensaios de Máquinas e Pneus Agroflorestais (NEMPA), com capacidade de 5 toneladas, até atingir a densidade desejada para a aferição da leitura de umidade (Figura 10). 38 Figura 10 - Prensa hidráulica de 5 toneladas de capacidade Os palhiços de cana-de-açúcar na base úmida foram comprimidos na prensa hidráulica na densidade desejada. As leituras de umidade eram feitas pela introdução da haste do sensor no simulador de compactação de biomassa agrícola. Os resultados dos ensaios da umidade em função da densidade de compactação estão apresentados na tabela a seguir (Tabela 2). Algumas leituras não foram realizadas, pois não foi possível introduzir a haste do sensor devido à resistência, além da perda de água na compactação. Os índices apresentados na (Tabela 2) são parâmetros de uma enfardadora comercial, porém os fardos utilizados na pesquisa apresentaram valores aferidos em laboratório de 140 kg MS m3. Foto: Arquivo pessoal do autor. Prensa hidráulica de 5 ton. Foto: Arquivo pessoal do autor. 39 Tabela 2 - Umidade em função da densidade de compactação Tabela: Elaborada pelo autor, 2018. Para o ajuste de calibração da umidade em função da densidade, foram avaliados dois modelos matemáticos: um linear e outro polinomial de segunda ordem. O modelo polinomial apresentou melhor ajuste do maior R2 para as curvas de calibração em bits do sensor de umidade (Figura 11). Figura 11 - Equações linear e polinomial de calibração do sensor Figura: Elaborada pelo autor, 2018. Densidade kg. MS m 3 Umidade em bits. 0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 120 1775 2867 8074 13948 17167 18029 17369 20608 20964 21946 125 1850 3030 8598 14526 17460 18665 18122 20877 21703 22550 130 1903 3040 8715 14690 17890 18790 18152 21200 21483 22460 135 1918 3220 9099 15359 17820 18920 18908 21040 21720 22239 140 1984 3191 9515 15381 17580 19577 18670 21208 21720 22407 145 2001 3300 12741 15890 18878 19698 18940 21207 21810 22483 150 2064 3440 13082 17138 17019 19940 19106 21652 22141 22415 155 2092 3578 13150 17055 18720 19220 20160 21989 22362 22400 160 2227 3586 9895 15613 19134 19908 20108 21989 22503 22280 165 1758 3774 7082 14645 15979 19820 20840 22058 22560 22490 170 2284 3962 7243 15113 20057 20350 21683 22102 22680 22247 175 2431 4096 7419 16578 20299 20668 21117 22140 22540 22911 180 2550 4138 8499 17462 20640 20630 21014 21856 22597 185 2539 4483 8625 18612 20705 21480 21464 21664 22990 190 2720 4627 9315 19458 20690 20750 21230 195 2335 5097 12755 16553 20940 200 40 O ajuste de calibração da leitura de umidade em bits para porcentagem foi através da equação polinomial Y= 0,00000024 x2 - 0,00223090x + 10,17690538 com fator de R2 =0,95026871 na densidade de 140 kg MS m3 do fardo. Na equação a letra x é igual a leitura em bits pelo sensor de umidade. Após a calibração do sensor de umidade e a conversão das leituras da linguagem computacional de bits para porcentagem, foram desenvolvidos os gráficos de umidade através da interpolação dos dados pelo uso da geoestatística. Cada ponto de umidade do fardo coletado foi georreferencido. 3.3 Elaboração dos gráficos de umidade dos fardos pela geoestatística Os gráficos de umidade dos fardos de palhiço de cana-de-açúcar foram elaborados através da krigagem ou interpolação dos dados das leituras de umidade, utilizando o programa gratuito de geoestatística Stanford Geostatistical Modeling Software (SGeMs), possibilitando a visualização em 3D da distribuição da umidade através dos gráficos gerados. Para iniciar a modelagem dos gráficos, foram feitos ajustes dos dados, a fim de permitir que o programa de geoestatística interpretasse as leituras. Os valores de umidade foram transferidos para o programa do bloco de notas, junto com as coordenadas dos pontos georreferenciados: comprimento (X), altura (Y) e profundidade das leituras em umidade (Z), (Figura 12). Figura 12 - Georreferenciamento dos pontos de umidade (SGeMs) Foto: Elaborada pelo autor, 2019. 41 A interpolação dos pontos georreferenciados foi dos fardos posicionados de formas diferentes em relação às vistas de exposição. Para o estudo, a primeira pilha de fardos teve a exposição lateral de enfardamento, e a segunda pilha foi do sentido de compactação das fibras pelo enfardamento. A partir desses dados, foram geradas 20 representações gráficas de umidade com a demonstração externa e interna das pilhas, sendo 10 gráficos de umidade para cada vista de exposição. 3.4 Estudo da temperatura no interior das pilhas de fardos Para a coleta dos dados de temperatura das pilhas de fardos de palhiço de cana- de-açúcar, foram empregados quatro termopares em cada pilha, instalados no momento da montagem da pesquisa. Na aferição das leituras, foram utilizados um controlador de temperatura digital da marca “S&E instrumentos”, do modelo “ITD-J”, ligado em uma bateria de 12V com capacidade de carga de 7,0 Ah (ampéres hora) (Figura 13 A), e um alicate de amperímetro digital da marca “Minipa” modelo “ET-3166”, que permite avaliar a temperatura de peças, ambientes e outros objetos não energizados, demonstrado na (Figura 13 B). Figura 13 - Leitores de temperaturas Foto: Arquivo pessoal do autor. Marca S&E ITD-J Foto: Arquivo pessoal do autor. Minipa ET-3166 A B 42 A frequência realizada das leituras de temperatura das pilhas de fardos de palhiço de cana-de-açúcar foi três vezes por semana e as médias mensais foram apresentadas nos resultados. Para melhor compreensão do experimento, foi utilizado como parâmetro de informações dados de precipitações, temperatura e umidade relativa fornecidos pela estação meteorológica do Departamento de Engenharia Rural, da Faculdade de Ciências Agronômicas da Unesp de Botucatu. 3.5 Apresentação dos dados da estação meteorológica Os dados de precipitação pluviométrica encontram-se na (Figura 14) e estão descritos a seguir. Figura 14 - Precipitação pluviométrica (mm). Figura: Elaborada pelo autor, 2019. O nível de precipitação decorrente durante o período do experimento foi de 1467,3 mm. Na (Figura 14) nota-se que o período de maior precipitação foi correspondente à estação de verão (dezembro a março), totalizando 658,9 mm de precipitação acumulada, o que representa 45% do total de chuvas acumuladas durante a fase experimental. Os meses com as menores precipitações foram de junho a setembro (período de inverno), sendo o mês de julho o mais seco do ano, durante o qual se obteve o menor índice pluviométrico registrado. A 43 Na (Figura 15) têm-se as médias de temperatura e umidade relativa, através das quais se infere que no mês de fevereiro houve a maior amplitude térmica, correspondente a 30,2°C, sendo a mais quente do ano. O mês de julho corresponde a 12,6 °C, sendo a mais fria do ano. Figura 15 - Temperatura e umidade relativa do ar Figura: Elaborada pelo autor, 2019. A umidade relativa do ar durante o experimento apresentou médias acima de 70%. O mês de janeiro apresentou as maiores medições de umidade, com 84%, e o mês de julho com as menores medições de umidade, com 64%. Através das informações do clima, como precipitações pluviométricas, temperatura, umidade relativa do ar, verificou-se que seus fatores e variáveis influenciam diretamente na qualidade e o tempo de armazenagem dos fardos no campo. 44 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO Os resultados do comportamento da umidade nos fardos de palhiço de cana-de- açúcar através das representações gráficas pelo uso da geoestatística permitiram entender como ocorre o processo de infiltração da água para o interior dos fardos. Para explicar o processo de infiltração de água nos fardos, entender o processo de como ocorre a secagem no seu interior foi primordial. Um estudo sobre a secagem artificial de fardos de feno através de um secador bidirecional comercial, possibilitou uma interpretação mais próxima da análise defendida por Descôteaux e Savoie (2003). O autor observou que a secagem dos fardos começa na parte mais baixa em contato com o ar aquecido, movendo-se ao longo do tempo para as camadas mais afastadas da área de contato inicial. Nesse caso, o momento em que a última camada é totalmente seca, a primeira camada é susceptível de ser muito mais seca pelo fato de o contato com o ar ser maior. Nos fardos avaliados no experimento, observamos a mesma situação para a questão da umidade. O comportamento da umidade começa nas extremidades, ou seja, nas primeiras camadas que estão com menos compactação, movendo-se ao longo do tempo para a parte interna do fardo. Essa ocorrência implica na dificuldade de secagem de forma rápida e eficaz. A disposição das fibras do palhiço de cana-de- açúcar no momento do enfardamento pode influenciar a movimentação da água e umidade para o interior das pilhas, começando das camadas menos adensadas pela compactação, onde são criados bolsões de ar ou poros, até chegar às camadas mais adensadas dos fardos, sendo aprisionadas pela falta de aeração. Observou-se que, com o passar dos meses, o acúmulo de água oriundo das chuvas ocasionou a infiltração para o interior das pilhas de fardos, o que dificultou sua aeração e, posteriormente, a sua secagem de forma natural. As diferenças de umidade entre os pontos de monitoramento localizados no interior dos fardos indicam que a densidade da palha é uma variável importante na compactação do fardo, assim como a temperatura no ponto de medição. Com isso, o palhiço de cana-de-açúcar tem propensão aparente para tolerar certa capacidade de umidade (STRAUBE, 2009; STRAUBE; SCHUMACHER, 2003; LAWRENCE et al., 2009; CARFRAE, 2011), mas é recomendado que não exceda 25 %. 45 Na (Tabela 3) observamos os gráficos externos com as vistas laterais e de compactação de enfardamento ao longo dos meses ou “dias após a montagem” do experimento, denominado (DAM). Na (Tabela 4) estão localizados os gráficos internos das vistas laterais e de compactação de enfardamento, também ao longo dos meses ou (DAM). Comparando os gráficos externos e internos com a DAM de 1 dia após a montagem do experimento, na data 25/10/2016, podemos ver que havia pontos de concentração de umidade nas extremidades externas das pilhas de fardos de palhiço de cana-de-açúcar, posterior à incidência de 78 mm de chuva. As variações de umidade foram entre 5% e 40%, em sua maioria na parte externa, com pontos de 50% a 65% na parte inferior do fardo com a vista lateral de enfardamento e na parte superior com a pilha com a vista de compactação de enfardamento. Na parte interna, em ambas as vistas, podemos notar que não houve infiltração na pilha de fardos. A umidade oriunda do palhiço de cana-de-açúcar no momento de enfardamento pós as operações de colheita no campo, varia entre 5% e 25% de umidade. Nos gráficos com a DAM de 30 dias, na data de 25/11/2016, observamos que a parte inferior da pilha em ambas as vistas estão secas, mesmo após o acúmulo de 144,8 mm de chuvas. Também constatamos que a parte superior das duas vistas estava com maiores pontos de umidade, com variação de 30 a 65%. Na DAM de 90 dias, com data de 24/01/2017, averiguamos que as duas vistas comparadas apresentam pontos de umidade entre 30 e 60% na parte externa, como também variações de 50% a 70% na parte interna, com o acumulado de 687 mm de chuvas no período. Nota-se, por ser um mês de verão e com maior quantidade de chuvas acumuladas, que a infiltração de água para o interior das pilhas de fardo é inevitável, sendo visível em sua totalidade na pilha mesmo com o palhiço de cana-de-açúcar compactado. A umidade interna das pilhas favorece o aparecimento de fungos e bactérias. Nesse período, observamos a elevação da temperatura no interior das pilhas, onde iniciou o processo de degradação das pilhas. Através dessas comparações, verificamos que a estocagem das pilhas após 30 dias começa a perder a eficiência, devido à impossibilidade de secagem no campo ao ar livre. Quando avançamos o período da DAM para 181 dias, na data de 24/04/2017, a umidade abrange praticamente todo fardo, tanto para a vista lateral como também a vista de compactação de enfardamento. As variações foram de 60% a 70% na parte externa, assim como na parte interna da pilha, após a precipitação de 1063,3 mm de chuvas no período. Na DAM de 300 dias, com a data de 21/08/2017 e fim da pesquisa, o acumulado de chuvas foi de 1467,3 mm, sem que houvesse no mês de julho qualquer precipitação. Podemos observar que as extremidades laterais de ambas as vistas começam a secar. Porém, a parte interna da pilha de fardos apresenta umidade entre 60 e 70%. Esse resultado demonstra claramente que o sentido de montagem das posições das pilhas não interfere estatisticamente na sua secagem, em virtude das proporções dimensionais dos fardos de palhiço de cana-de-açúcar. 46 Tabela 3 – Gráficos externos das vistas laterais e de compactação de enfardamento Datas Vista lateral de enfardamento Vista de compactação de enfardamento DAM-1 (25/10/2016) Precipitações acumuladas 78 mm DAM-30 (25/11/2016) Precipitações acumuladas 144,8 mm DAM-91 (24/01/2017) Precipitações acumuladas 687 mm DAM-181 (24/04/2017) Precipitações acumuladas 1063,3 mm DAM-300 (21/08/2017) Precipitações acumuladas 1467,3 mm Legenda: Espectro da umidade. Observação: As cores de espectro da umidade variam do mais seco, em vermelho, para o mais úmido, em azul e violeta. Tabela: Elaborada pelo autor, 2019 47 Tabela 4 – Gráficos internos das vistas laterais e de compactação de enfardamento Datas Vista lateral de enfardamento Vista de compactação de enfardamento DAM-1 (25/10/2016) Precipitações acumuladas 78 mm DAM-30 (25/11/2016) Precipitações acumuladas 144,8 mm DAM-91 (24/01/2017) Precipitações acumuladas 687 mm DAM-181 (24/04/2017) Precipitações acumuladas 1063,3 mm DAM-300 (21/08/2017) Precipitações acumuladas 1467,3 mm Legenda: Espectro da umidade. Observação: As cores de espectro da umidade variam do mais seco, em vermelho, para o mais úmido, em azul e violeta. Tabela: Elaborada pelo autor, 2019 48 Em condições de campo, dificilmente ocorrerá a secagem natural dos fardos de palhiço de cana-de-açúcar em razão do clima, levando ao aumento da umidade interna e, consequentemente, da temperatura, por efeito das ações exotérmicas das atividades microbiológicas e da decomposição do palhiço. No processo de fermentação e decomposição do palhiço de cana-de-açúcar ocorre a liberação de diversos gases, como O2, CO, CO2, CH4. Esses gases podem elevar a temperatura interna do fardo e, como não se volatilizam por causa das camadas adensadas do palhiço, podem provocar a combustão espontânea. 4.1 Temperatura dos fardos de palhiço de cana-de-açúcar As medições de temperatura das pilhas de fardos de palhiço de cana-de- açúcar foram registradas e as médias foram pontuais com relação às vistas de exposição (Figura 16). Figura 16 - Temperatura das pilhas Figura: Elaborada pelo autor, 2018 Na (Figura 16), o maior pico de temperatura ocorreu no período de verão, principalmente no mês de janeiro, durante o qual a temperatura média registrada e a incidência de chuvas acumuladas foram maiores. 49 A elevação da temperatura no interior das pilhas de fardos de palhiço de cana-de-açúcar se deu em consequência da ação exotérmica de calor liberado nas atividades microbiológicas por fungos na degradação dos fardos. Para análise estatística de temperatura das pilhas durante os 10 meses considerados, foi feito estudo de variância com comparação de médias pelo método de Tukey-Kramer a 5% de significância como informa a (Tabela 5). Tabela 5 – Temperatura média das pilhas de fardo de palhiço de cana-de- açúcar seguida de desvio padrão. MÊS TEMPERATURA Vista lateral Vista de compactação out/16 26,1 ± 6,64 a 28,7 ± 3,83 a nov/16 29,6 ± 5,97 a 31,4 ± 5,09 a dez/16 48,5 ± 9,83 a 40,8 ± 6,65 a jan/17 55,5 ± 8,58 a 51,6 ±7,76 a fev/17 56,2 ± 2,60 a 51,9 ± 3,89 a mar/17 47,4 ± 7,35 a 45,2 ± 5,65 a abr/17 47,8 ± 5,75 a 41,1 ± 2,78 a mai/17 51,7 ± 1,65 a 43 ± 1,25 a jun/17 48,5 ± 5,19 a 42,7 ± 3,94 a jul/17 43,6 ± 1,14 a 45,8 ± 0,68 a ago/17 31,5 ± 5,44 a 30,8 ± 5,78 a Tabela: Elaborada pelo autor, 2019 Nota-se que as médias de temperatura no teste de variância não houve nenhuma diferença de significância por apresentarem letras iguais estatisticamente. As médias de temperatura dos meses de janeiro e fevereiro foram maiores devido à umidade presente no interior das pilhas. Nesse período ocorreu o surgimento de fungos e bactérias decompositores, que comprometeu a qualidade e caracterização física das pilhas estocadas no campo. 50 4.2 Caracterização física dos fardos O resultado em relação aos 10 meses de experimento permitiu observar que houve perda de material orgânico por efeito das ações do tempo, suficientes para a degradação da sua massa inicial (Figura 17). Figura 17 - Fardos deteriorados após 10 meses do início do experimento De acordo com Fortes et al. (2012), em seus trabalhos com tempo de decomposição dos resíduos da cana-de-açúcar depois da colheita, verificou-se que, a cada 10t ha-1 depositadas sobre o solo, ocorreu redução de aproximadamente 45% da massa seca em um ciclo de 12 meses de produção. Esse valor sobe para 73%, em 24 meses de produção da cultura. Segundo Oliveira et al. (2002) em seus estudos, observou-se que após 10 meses da deposição do material do campo, a decomposição foi de 81% da hemicelulose, 57% da celulose e 22% da lignina da palha de cana-de-açúcar não enfardada. A decomposição da matéria orgânica pode ocorrer por dois processos: na presença de oxigênio pelo processo aeróbio e na ausência de oxigênio, anaeróbio. Quando há disponibilidade de oxigênio livre, predominam microrganismos aeróbios, sendo os agentes mais comuns os fungos e bactérias (PEIXOTO, 1981). Kiehl (1998) enfatiza que, durante o processo de compostagem, a atividade microbiológica atinge alta intensidade, desencadeando o aumento da temperatura no interior das leiras. Nesse processo de aquecimento a temperatura chega a 65ºC. Esse fato ocorre em razão da geração de calor pelo metabolismo microbiológico da oxidação da matéria orgânica que se dá de forma exotérmica. Na fase termofílica, 51 nota-se que quando o material atinge sua temperatura máxima de 40ºC, o mesmo é degradado de forma mais rápida. Esse processo é relativo, podendo ocorrer em alguns dias, ou em meses. Isso irá depender das características do material e da biomassa. 52 5 CONCLUSÕES Concluímos que a posição de montagem de exposição de ambas as vistas não interfere na secagem natural dos fardos no campo. Concluímos também que o acúmulo de água oriundo das chuvas através da infiltração para o interior das pilhas de fardos de cana-de-açúcar impossibilita a sua aeração e secagem de forma natural, levando a um aumento de temperatura interna em consequência das ações exotérmicas das atividades microbiológicas na degradação do palhiço. 53 REFERÊNCIAS Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). Livro atlas da energia elétrica no Brasil energia. 2002. Disponível . ARAÚJO, E.; da S.; SANTOS, J.A.P. (2014). 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