VICTORIA GHEDIN IMPORTÂNCIA DA ASPERSÃO DE ÁGUA FRIA EM MEIAS CARCAÇAS BOVINAS DURANTE O RESFRIAMENTO Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação apresentado junto à Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de Botucatu, SP, para obtenção do grau de médico veterinário Orientador: Prof. Juliano Gonçalves Pereira Botucatu 2022 VICTORIA GHEDIN IMPORTÂNCIA DA ASPERSÃO DE ÁGUA FRIA EM MEIAS CARCAÇAS BOVINAS DURANTE O RESFRIAMENTO Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação apresentado junto à Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de Botucatu, SP, para obtenção do grau de médico veterinário Área de concentração: Inspeção de Produtos de Origem Animal Preceptor: Prof. Juliano Gonçalves Pereira Coordenador de estágios: Prof. José Paes de Oliveira Filho Botucatu 2022 Ghedin, Victória. Importância da aspersão de água fria em meias carcaças bovinas durante o resfriamento / Victória Ghedin. - Botucatu, 2022 Trabalho de conclusão de curso (bacharelado - Medicina Veterinária) - Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia Orientador: Juliano Gonçalves Pereira Capes: 50505009 1. Bovinos - Carcaças. 2. Aspersão térmica. 3. Resfriamento. 4. Temperatura. Palavras-chave: Aspersão; Bovinos; Carcaça; Spray chilling; Temperatura. FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA SEÇÃO TÉC. AQUIS. TRATAMENTO DA INFORM. DIVISÃO TÉCNICA DE BIBLIOTECA E DOCUMENTAÇÃO - CÂMPUS DE BOTUCATU - UNESP BIBLIOTECÁRIA RESPONSÁVEL: ROSANGELA APARECIDA LOBO-CRB 8/7500 GHEDIN, VICTORIA. Importância da aspersão de água fria em meias carcaças bovinas durante o resfriamento, Botucatu, 2022. 20p. Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação (Medicina Veterinária, Área de concentração: Inspeção de Produtos de Origem Animal) - Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Campus Botucatu, SP, Universidade “Júlio de Mesquita Filho”. RESUMO Ao se tratar de produção de carne bovina, o Brasil ocupa um lugar de destaque no cenário internacional com um rebanho de 196,47 milhões de cabeças de gado, 2º maior rebanho do mundo. Para se obter um produto final de qualidade e seguro ao consumidor, a produção de carne bovina passa por diversos processos que se iniciam na propriedade e se estendem por toda a cadeia produtiva, passando pelo manejo ante mortem evitando o sofrimento animal, atordoamento correto, sangria, esfola, evisceração, lavagem das carcaças e uma conservação adequada. A refrigeração de carcaças ocorre por um período médio de 24 horas em uma temperatura de 0º a 4ºC e durante esse processo, a carcaça perde peso por evaporação. O objetivo do presente trabalho é apresentar uma revisão de literatura a respeito do uso do spray chilling ou aspersão, método empregado com a finalidade de reduzir essas perdas. Esse sistema é constituído de bicos aspersores dispostos nos trilhos que fazem aspersão de água fria sobre as carcaças de forma pré-definida. Essa técnica tem sido usada por muitos países e é possível ser aplicada em carcaças de bovinos, suínos, ovinos e aves e a vantagem em relação ao método convencional pode ser avaliada principalmente na diminuição das perdas por evaporação à medida que a água aspergida de forma intermitente substitui a água evaporada. Palavras-chave: Carcaça, bovinos, aspersão, temperatura, spray chilling GHEDIN, VICTORIA. Importance of spraying cold water on bovine half carcasses during cooling, Botucatu, 2022. 20p. Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação (Medicina Veterinária, Área de concentração: Inspeção de Produtos de Origem Animal) - Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Campus Botucatu, SP, Universidade “Júlio de Mesquita Filho”. ABSTRACT When it comes to beef production, Brazil occupies a prominent place on the international scene with a herd of 196.47 million head of cattle, the 2nd largest herd in the world. In order to obtain a final product of quality that is safe for the consumer, beef production goes through several processes that start on the property and extend throughout the production chain, including ante-mortem management, avoiding animal suffering, correct stunning, bleeding , skinning, evisceration, washing of carcasses and proper conservation. Carcass refrigeration occurs for an average period of 24 hours at a temperature of 0º to 4ºC and during this process, the carcass loses weight by evaporation. The objective of the present work is to present a literature review regarding the use of spray chilling or aspersion, a method used in order to reduce these losses. This system consists of sprinkler nozzles arranged on the rails that sprinkle cold water on the carcasses in a pre-defined way. This technique has been used by many countries and can be applied to carcasses of cattle, swine, sheep and poultry and the advantage over the conventional method can be evaluated mainly in the reduction of losses by evaporation as the water is sprinkled intermittently replaces evaporated water. Key Words: Carcass, cattle, sprinkling, temperature, spray chilling SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ............................................................................................... 7 2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ....................................................................... 8 2.1. Transformação do músculo em carne .............................................................. 8 2.2. Temperatura na cadeia produtiva ............................................................. 10 2.2.3. Legislação ....................................................................................... 14 2.3. Atividade microbiológica ......................................................................... 15 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................... 17 4. REFERÊNCIAS ............................................................................................ 17 7 1. INTRODUÇÃO Ao se tratar de produção de carne bovina, o Brasil ocupa um lugar de destaque no cenário internacional com um rebanho de 196,47 milhões de cabeças de gado, 2º maior rebanho do mundo (ABIEC, 2022). Além disso, é responsável por 13,66% da produção mundial de carne, ficando atrás apenas dos Estados Unidos (17,87%) (ABIEC, 2022). Após 2 anos de queda, no primeiro trimestre de 2022 o abate de bovinos chegou a 6,96 milhões de cabeças, representando um aumento de 5,5% em comparação com o primeiro trimestre de 2021 (IBGE, 2022). O abate gerou 1,84 milhão de toneladas de carcaça, valor influenciado pelo recorde das exportações nesse mesmo período (IBGE, 2022), sendo os principais mercados China, Estados Unidos, Chile e União Europeia (ABIEC, 2022). Para se obter um produto final de qualidade e seguro ao consumidor, a produção de carne bovina passa por diversos processos (SOUSA, 2017) que se iniciam na propriedade e se estendem por toda a cadeia produtiva, passando pelo manejo ante mortem evitando o sofrimento animal, atordoamento correto, sangria, esfola, evisceração, lavagem das carcaças (ROÇA, 2011) e uma conservação adequada (ROÇA, 2008). As principais alterações que prejudicam o alimento são causadas por fatores microbiológicos e químicos, dessa forma, o emprego da refrigeração logo após o abate ajuda a prolongar a vida útil do produto (ROÇA, 2008), controlando o crescimento de microorganismos patogênicos e deteriorantes (JAMES, 1996). A refrigeração de carcaças ocorre por um período médio de 24 horas em uma temperatura de 0º a 4ºC (OLIVEIRA et al., 2019) e durante esse processo, a carcaça perde peso por evaporação (PRADO; BUENO; FELÍCIO, 2007). Dessa forma, um método empregado com a finalidade de reduzir essas perdas é o spray chilling ou aspersão, um sistema constituído de bicos aspersores dispostos nos trilhos que fazem aspersão de água sobre as carcaças de forma pré-definida (PRADO; BUENO; FELÍCIO, 2007). 8 2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 2.1. Transformação do músculo em carne Diversas reações bioquímicas e estruturais ocorrem no músculo nas primeiras 24 horas após o abate, sendo esse um período muito importante e que impacta diretamente na maciez e coloração do produto final e o resfriamento possui um papel muito importante nessas alterações (SAVELL; MUELLER; BAIRD, 2005). A energia presente nos músculos é armazenada sob a forma de glicogênio, que pode ser degradado de forma aeróbica ou anaeróbica (BRIDI, 2005). A quantidade de glicogênio presente no fígado e nos músculos estriados do animal no momento do abate é de suma importância para a posterior formação do ácido láctico e consequente queda do pH (ROÇA, 2005), sendo assim, alguns agentes estressantes como transporte, jejum prolongado e condições climáticas podem consumir o glicogênio disponível e prejudicar a qualidade do produto (FELÍCIO, 1997). No músculo em repouso, o complexo troponina-tropomiosina presente no filamento de actina não permite a associação da actina com a miosina, porém, a transmissão sináptica gerada pelo sistema nervoso despolariza a membrana do retículo sarcoplasmático, liberando cálcio (BRIDI, 2005). Quando há cálcio disponível, ele desloca a moléculas de tropomiosina e permite a ligação actino- miosina, sendo esta a contração muscular (BRIDI, 2005). Para o músculo voltar ao repouso, o cálcio é transportado ativamente para o retículo sarcoplasmático, função que consome ATP (BRIDI, 2005). Após o abate, devido à ausência de oxigênio pós sangria (ROÇA, 2005), como forma de manter a homeostase, o músculo busca energia em três formas disponíveis: ATP, creatinofosfato (CP) e glicogênio, sendo as duas primeiras presentes em baixa quantidade (BRIDI, 2005). Em anaerobiose, há formação de ácido láctico e apenas 8% de ATP quando comparado com o mecanismo aeróbio (ROÇA, 2005). Com o declínio da fosfocreatina quinase, responsável pela produção de ATP a partir da CP (BRIDI, 2005), inicia-se o fenômeno denominado rigidez 9 cadavérica (RODRIGUES; SILVA, 2016). Devido a ausência de oxigênio, o glicogênio será convertido em ácido láctico sem recuperação do ATP (RODRIGUES; SILVA, 2016), como não há mais fluxo sanguíneo, esse ácido se acumula no músculo (BRIDI, 2005) e causa uma queda lenta do pH de 6,9 para 5,5 (ROÇA, 2005). Esse pH permite a formação do complexo actinomiosina, caracterizado pelo encurtamento irreversível dos sarcômeros (RODRIGUES; SILVA, 2016). Diferente de uma contração normal, no encurtamento provocado pelo rigor mortis há mais pontes cruzadas de actinomiosina (BRIDI, 2005). O rigor mortis se inicia 9 a 12 horas após a sangria e atinge seu ponto máximo em torno de 24 horas (BRIDI, 2005). Muitos fatores podem alterar a velocidade da queda do pH, como a quantidade de glicogênio disponível no momento do abate, temperatura do músculo (RODRIGUES; SILVA, 2016) e a temperatura de armazenamento das carcaças (ROÇA, 2005). As reações enzimáticas que ocorrem no músculo pós-abate são sensíveis a temperatura, dessa forma, resfriar a carcaça rapidamente após o abate diminui a desnaturação proteica que ocorre nesse período, inibe o crescimento microbiano (RODRIGUES; SILVA, 2016) e a glicólise ocorre mais lentamente (BRIDI, 2005). Quando os bovinos passam por um intenso estresse pré-abate e as reservas de glicogênio se esgotam rapidamente, o fenômeno de rigor mortis se inicia antes mesmo da carcaça ser levada para a câmara fria e não há produção suficiente de ácido láctico para reduzir o pH ao valor ideal (FELÍCIO, 1997). Após o esgotamento total de ATP, se inicia um processo de degradação das miofibrilas que influenciam no complexo actinomiosina, gerando um amaciamento da carne e resolução do rigor mortis (BRIDI, 2005). As principais enzimas envolvidas no amaciamento da carne são as calpaínas e catepsinas (BRIDI, 2005), enzimas cálcio dependentes e ativadas quando há a redução do pH para 5,8 (LIMONI et al., 2019). As calpaínas estão localizadas no interior do sarcoplasma e migram para a região do disco Z no processo de 10 transformação do músculo em carne (GOLL et al., 2003), essa enzima possui duas isoformas bem caracterizadas chamadas μ-calpaína e m-calpaína que degradam o mesmo conjunto de proteínas miofibrilares (HUFF-LONERGAN; LONERGAN, 2005). Nos 3 primeiros dias de maturação, a calpaína age em duas proteínas do citoesqueleto chamadas titina e nebulina, além disso, age na proteína costâmera e, devido às suas respectivas localizações, a degradação dessas proteínas resulta na alteração na linha Z (BRIDI, 2005). As catepsinas degradam a actina, miosina e o colágeno, porém sua ação em pH 5,5 é baixa (ROÇA, 2005). A calpaína possui um inibidor endógeno específico chamado calpastatina (GOLL et al., 2003). Devido a diminuição da proteólise das proteínas miofibrilares decorrentes de sua atividade, há a formação de uma carne com maior força de cisalhamento (GOLL et al., 2003). 2.2. Temperatura na cadeia produtiva O uso eficiente das câmaras frias tem uma grande relevância para toda a cadeia produtiva, a manutenção de baixas temperaturas no tempo correto é essencial para a qualidade do produto, pois além de retardar a atividade microbiana, influencia na velocidade da instalação do rigor mortis e na queda do pH (PEREIRA, 2004). Para Lawrie e Ledward (2006), o uso do frio como método de conservação da carne, aliado a outros recursos, se tornam uma barreira contra a proliferação de microorganismos e é imprescindível o uso de temperaturas abaixo ou acima da faixa ideal de crescimento microbiano como forma de prevenção. É preciso considerar todos os aspectos da cadeia de resfriamento, que tem início logo após o abate, onde o objetivo é alterar a temperatura média da carne e segue durante o transporte, armazenamento e exposição no varejo (JAMES, 1996). Ao mesmo tempo em que um resfriamento rápido logo após o abate é necessário para controlar a população microbiológica e reduzir perdas de peso, é importante salientar que uma queda muito brusca nessa temperatura pode provocar o endurecimento da carne, fenômeno denominado “encurtamento pelo frio” (FELÍCIO, 1997). A carne de bovinos quando armazenada a temperaturas inferiores a 14ºC antes do início das reações post mortem e com o pH em torno de 6,8 fica suscetível a uma contração muscular intensa, que causa o endurecimento da carne (BRIDI, 2005), consequência do não esgotamento de ATP (SAVELL; MUELLER; BAIRD, 2005). Para Bowater (2001), uma carcaça resfriada abaixo de 10ºC em 10 horas post mortem será afetada por esse fenômeno. Nesses músculos, há uma liberação mais rápida e em maior quantidade de cálcio nas miofibrilas e a bomba de cálcio, responsável por levar o cálcio de volta para o retículo sarcoplasmático no momento do relaxamento, é paralisada (BRIDI, 2005). Além disso, a permeabilidade da membrana sarcoplasmática é aumentada (ROÇA, 2008). Uma forma de evitar o encurtamento pelo frio é através da estimulação elétrica após o abate (SAVELL; MUELLER; BAIRD, 2005; ROÇA, 2008). Devido à corrente elétrica os músculos se contraem acelerando o processo de glicólise, consequentemente aumentando a taxa de declínio do pH e evitando o processo de encurtamento pelo frio (SAVELL; MUELLER; BAIRD, 2005; BRIDI, 2005). Nesse momento, há liberação de íons cálcio, porém ainda há ATP que permite que esses íons sejam recapturados pelo retículo sarcoplasmático e relaxam o sarcômero (BRIDI, 2005). Além da maciez, a capacidade de retenção da água e a cor são características sensoriais e visuais determinantes para a aceitabilidade do produto pelo cliente (HUGHES et al., 2014). Os eventos que ocorrem após o abate do animal são fundamentais para influenciar na capacidade da carne em reter umidade pois, a medida que o rigor progride, o espaço para retenção de água nas miofibrilas é reduzido e o fluido é forçado para o espaço extra miofibrilar, facilitando sua perda por gotejamento (HUFF-LONERGAN; LONERGAN, 2005). Além disso, a queda rápida no pH com o músculo ainda quente causa desnaturação das proteínas, especialmente a miosina, gerando um encolhimento das miofibrilas duas vezes maior que o normal, consequentemente perdendo sua função em reter água, defeito conhecido por carne PSE (Pale, Soft, Exudative), muito comum em carne suína (HUFF-LONERGAN; LONERGAN, 2005). 11 12 Essa mudança na distribuição dos fluidos causada pela ação do pH e temperatura geram mudanças estruturais que, além de influenciarem no gotejamento, também afetam as propriedades de dispersão da luz, alterando a aparência do produto final (HUGHES; KEARNEY; WARNER, 2014). Em contrapartida, um alto nível de estresse antes do abate pode esgotar as reservas de glicogênio, tornando o produto escuro, duro e seco, conhecido por carne DFD (Dark, Firm, Dry) (JAMES e JAMES, 2002). 2.2.1. Método convencional O fator que controla o resfriamento de uma carcaça é principalmente a taxa de calor que pode ser conduzida dos tecidos mais internos para a superfície e da superfície para o ar circulante na câmara fria (JAMES e JAMES, 2002). Pardi (2006), descreve que o método convencional de resfriamento, sem o uso de aspersão, consiste em manter a carcaça em uma temperatura de 0º a 4ºC, com velocidade de ventilação entre 0,3 a 1,0 m/s e umidade do ar entre 85 e 95%. De acordo com Roça (2008), na forma convencional a carcaça atinge 10ºC em 24 horas e 0º a 4ºC em 48 horas. Ao utilizar esse método, a perda de peso estimada é de 2 a 2,5% e é causada principalmente pelo processo exsudativo e evaporação (PRADO; DE FELÍCIO, 2010). De acordo com James e James (2002), usando o método convencional apenas as carcaças mais leves (<105 kg) podem chegar a 7ºC no músculo profundo da perna durante 24h de resfriamento. 2.2.2 Spray chilling Essa técnica foi desenvolvida e patenteada nos Estados Unidos em 1970 e consiste em uma sequência de tubos de PVC (policloreto de Vinila) com bicos aspersores dispostos paralelamente nos trilhos e um sistema automatizado faz aspersão de água clorada (0,5 a 1 ppm) em ciclos de forma programada (IAGRO, 2016). Esse sistema usa uma combinação de ventilação e um sistema de aspersão 13 com água em uma temperatura de 0º a 3ºC no início do processo de resfriamento e posteriormente apenas ventilação (JAMES, 1996). A vantagem em relação ao método convencional pode ser avaliada principalmente na diminuição das perdas por evaporação (JAMES, 1996), a medida que a água aspergida de forma intermitente substitui a água perdida na evaporação (SAVELL; MUELLER; BAIRD, 2005). Para Bowater (2001), comparando o método de resfriamento feito em 48 horas com o método rápido, foi possível notar que no primeiro houve uma perda de 2,4% enquanto no segundo, aproximadamente 1,2%. Dessa forma, em um frigorífico que abate em torno de 500 carcaças de 600 kg cada, a diferença entre os dois métodos pode resultar em uma perda de £675.000 em receita por ano. De acordo com James (1996), com o uso do Spray chilling foi observado uma perda de 0,36% em 24 horas em comparação com o método convencional, com 1,46%. Para Greer e Jones (1997), o período ótimo de aspersão é de 8 e 12 horas usando quatro ciclos de 60 segundos/hora, resultando em uma economia diária de 2048 kg em uma planta que abate 1000 bovinos por dia. O intuito da aspersão é elevar a umidade relativa da câmara fria, reduzindo perdas por evaporação e gotejamento (LOLATTO, 2014), que ocorrem devido a contração do músculo post mortem e também devido a lavagem das carcaças (SAVELL; MUELLER; BAIRD, 2005). De acordo com um estudo realizado com carneiros por Smith & Carpenter (1973), 61% da perda de peso estava relacionada com a lavagem das carcaças e os 39% restantes foi devido a evaporação. Em relação ao aspecto visual do produto final, em um estudo realizado por Prado, Bueno e Felicio (2007) foi observado uma descoloração superficial das carcaças nos locais onde há contato direto com a água aspergida, que tende a diminuir com a continuidade do resfriamento. Em contrapartida, em um estudo realizado por Jones e Robertson (1988), o uso do spray chilling não alterou a coloração dos músculos, porém alterou significativamente a coloração da gordura, resultado similar encontrado por Greer e Jones (1997). Nesse mesmo estudo feito por Jones e Robertson (1988), observou-se que não houve alteração no processo de exsudação dos produtos embalados a vácuo nem na força de cisalhamento, porém a presença de odores desagradáveis foi maior em peças refrigeradas com o uso da 14 aspersão. Esses resultados foram semelhantes ao estudo de Oliveira (2019), realizado com diferentes protocolos de aspersão concluiu que a queda na perda de peso foi eficiente independentemente do protocolo utilizado e não houve influência na força de cisalhamento nem no crescimento de enterobactérias ou psicrotróficos, além de ter auxiliado a reduzir a contagem de unidades formadoras de colônias de mesófilos, resultado que corrobora com o estudo (OLIVEIRA et al., 2019), onde demonstrou-se que houve uma queda no número de mesófilos, porém sem influência na contagem de Enterobactérias. Para Greer e Jones (1997), o uso da aspersão não alterou o crescimento de bactérias anaeróbicas nos produtos embalados a vácuo, mesmo os cortes submetidos a ciclos de 16 horas. O uso da aspersão gera um aumento na umidade superficial da carcaça e consequentemente, aumento na atividade da água, o que propicia um meio favorável ao desenvolvimento microbiológico, porém esse efeito é minimizado pela rápida redução da temperatura (OLIVEIRA et al., 2019). No Brasil, essa técnica é regulamentada pela resolução nº 2 de 09 de agosto de 2011 do Ministério da Agricultura (MAPA) com o seguinte objetivo: “Sistema de Aspersão no Processo de Resfriamento das Meias-Carcaças - processo de resfriamento das meias-carcaças, que utiliza o mecanismo de aspersão destas com água fria com os objetivos de diminuir o tempo de queda da temperatura superficial para 5ºC e reduzir a perda de peso das meias-carcaças devido à ventilação forçada” (Brasil, 2011). 2.2.3. Legislação De acordo com a PORTARIA SDA/MAPA N° 505 / 2021 que aprova os requisitos para instalação, validação e uso de sistemas de aspersão de água no resfriamento de carcaças dos animais de abate, dispõe que o sistema de aspersão consiste na “aplicação de água potável fria sobre a superfície das carcaças com os objetivos de reduzir seu tempo de resfriamento, a dessecação superficial e a consequente perda de peso”. É de responsabilidade do estabelecimento o protocolo de aspersão, que deve estar disposto nos programas de autocontrole e disponível de 15 2.3. Atividade microbiológica forma irrestrita ao Serviço de Inspeção Federal. Ainda de acordo com a Portaria Nº 505/2021, a temperatura máxima da água usada na aspersão deve ser de 2ºC e não pode gerar nebulização ou condensação. O sistema de aspersão não pode resultar em ganho de peso, sendo aferido na diferença entre o peso médio das carcaças quentes e peso médio das carcaças frias. Com exceção do trato digestivo, superfície externa, cavidades nasofaríngeas e porção final do trato urogenital, os tecidos dos animais são considerados estéreis (ROÇA, 2016). No geral, a presença de um pequeno número de organismos patogênicos não é considerado um problema pois o processo de cocção, se realizado corretamente, pode reduzir completamente a carga microbiana (JAMES e JAMES, 2002). Os organismos deteriorantes e patogênicos que podem contaminar o produto estão presentes no animal de forma endógena (doença in vivo), de forma exógena (contaminação post mortem) (LAWRIE e LEDWARD, 2006) e também se encontram no trato digestivo desses animais (JAMES e JAMES, 2002). De acordo com Lawrie e Ledward (2006) por se tratar de um substrato que é fonte de carbono e nitrogênio, a superfície da carcaça possui as condições básicas para que um microorganismo se desenvolva, isso aliado a temperatura, umidade, pressão e pH pode ocasionar o crescimento de essencialmente duas categorias de organismos deteriorantes: Psicrotróficos (temperatura ótima entre -2ºC e 7ºC) e mesófilos (temperatura ótima entre 10ºC e 40º). Dependendo da contaminação inicial e da taxa de crescimento desses organismos, o número de bactérias pode aumentar exponencialmente em algumas horas (JAMES e JAMES, 2002). Entre os fatores que propiciam condições favoráveis para o desenvolvimento de microrganismos, podemos citar o início do rigor mortis, onde a temperatura ainda se encontra em 38ºC porém há depleção de oxigênio e o potencial de redução cai de + 250mV para -150mV, fornecendo condições ideais para o crescimento de microrganismos mesófilos, além disso, quanto mais 16 próximo do pH 5,5, maior será a inibição desse crescimento (JAMES e JAMES, 2002). Uma carne DFD, por exemplo, oferece condições favoráveis para o crescimento microbiológico se comparado a uma carne normal (JAMES e JAMES, 2002). Como exemplo de microorganismos patogênicos monitorados no abate de bovinos, podemos citar a Escherichia coli, representante da família Enterobacteriaceae, são coliformes que fermentam a lactose em uma temperatura de 45ºC e é o microorganismo aeróbio mais comum no trato digestivo dos animais, sendo considerado um importante indicador de contaminação fecal (LOLATTO, 2014). Há predomínio de E. coli no ambiente, principalmente nos currais e na sala de matança e baixa carga desse microorganismo nas câmaras de resfriamento (ROÇA, 2016). Outra espécie importante é a Listeria sp, exemplo de microorganismo psicotrófico, cresce em temperaturas entre 0º e 7ºC, sendo dessa forma um importante indicador de contaminação de alimentos refrigerados (LOLATTO, 2014). Problemas causados por E. coli e Listeria monocytogenes frequentemente estão associados a uma cocção inadequada antes do consumo (JAMES e JAMES, 2002). O gênero Salmonella, também membro da família Enterobacteriaceae, possui temperatura ideal de multiplicação de 35ºC - 37ºC, valor que pode se alterar dependendo do sorotipo (CASELANI, 2010) e sua toxina causa infeccao alimentar (LOLATTO, 2014). Esse gênero pode ser considerado o mais perigoso considerando as estatísticas de toxinfecção alimentar (ROÇA, 2016) e a proporção desse microorganismo no rúmen aumenta conforme a distância de transporte devido ao maior contato dos animais com material fecal e com o jejum prolongado e consequente perda da acidez/diminuição dos ácidos graxos voláteis no rúmen, elas se multiplicam (ROÇA, 2016). Pseudomonas spp é responsável pela deterioração da carne em condições aeróbias e por metabolizar compostos nitrogenados, como por exemplo aminoácidos, contribui para a produção de um odor desagradavel, atuando em uma temperatura variável de -1º a 25ºC (NYCHAS et al., 2007). A metabolização 17 de aminoácidos produz amônia e compostos de enxofre, responsáveis pelo mau cheiro (JAMES e JAMES, 2002). Após o término do processo de abate, as carcaças geralmente apresentam um padrão de contagem de aeróbios, mesófilos, psicotróficos e Enterobacteriaceae, sendo o primeiro em maior quantidade e o último, menor (ROÇA, 2016). Durante o processo, esse padrão se altera em relação ao microorganismo predominante, por exemplo inicialmente há predominância de mesófilos (37ºC) invertendo-se para psicotróficos durante a refrigeração (ROÇA, 2016). 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os métodos utilizados para resfriar a carcaça bovina impactam diretamente na qualidade microbiológica do produto final, consequentemente no tempo de prateleira, maciez e aspecto visual. Ao alojar a carcaça na câmara fria, a diferença de temperatura em relação ao ambiente facilita a evaporação ocasionando perdas econômicas, sendo esse um desafio enfrentado pelos frigoríficos e que nos permite usar da combinação da umidade e ventilação como forma de mitigar esses efeitos. O uso do Spray chilling se mostra vantajoso em relação ao método convencional na medida que diminui essas perdas e ajuda a reduzir a contagem de unidades formadoras de mesófilos. 4. REFERÊNCIAS ABIEC. Beef Report: Perfil da Pecuária no Brasil. Disponível em: https://www.abiec.com.br/publicacoes/beef-report-2022/# BOWATER, F. J. Rapid Carcass Chilling Plants Compared to Conventional Systems. International Institute of Refrigeration. Available from: http://www.fjb.co.uk., p. 1–6, 2001. BRASIL. Resolução nº 2 de 09 de agosto de 2011. Ministério da agricultura, pecuária e abastecimento, MAPA, 2011. BRIDI, A. M. Transformação Do Músculo Em Carne. Disponível em: . Acesso em: 18 out. 2022. 18 CASELANI, K. Avaliação dos controles microbiológicos e do programa de redução de patógenos no abate de bovinos. [Dissertação] Jaboticabal: Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho” - UNESP, Faculdade de ciências agrárias e veterinárias; 2010. FELICIO, P.E. de. 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