UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS - RIO CLARO JULIANA D’URSO HEBLING BUTOH E A EDUCAÇÃO: O CORPO COMO MÍDIA MÍNIMA E A METÁFORA DA RESISTÊNCIA. Entre o peso da gravidade e o da sociedade há sempre um buraco por onde a vida escapa. Rio Claro 2012 PEDAGOGIA JULIANA D’URSO HEBLING BUTOH E A EDUCAÇÃO: O CORPO COMO MÍDIA MÍNIMA E A METÁFORA DA RESISTÊNCIA. Entre o peso da gravidade e o da sociedade há sempre um buraco por onde a vida escapa. Orientador: Romualdo Dias Co-orientador: Supervisor: Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - Câmpus de Rio Claro, para obtenção do grau Licenciada em Pedagogia. Rio Claro 2012 Hebling, Juliana D´Urso Butoh e a educação: o corpo como mídia mínima e a metáfora da resistência: entre o peso da gravidade e da sociedade há sempre um buraco por onde a vida escapa / Juliana D´Urso Hebling. - Rio Claro : [s.n.], 2012 54 f. : il., fots. Trabalho de conclusão de curso (licenciatura - Pedagogia) - Universidade Estadual Paulista, Instituto de Biociências de Rio Claro Orientador: Romualdo Dias 1. Educação. 2. Dança-educação. 3. Arte-educação. 4. Corpo na educação. I. Título. 370 H446b Ficha Catalográfica elaborada pela STATI - Biblioteca da UNESP Campus de Rio Claro/SP Para meus filhos, com amor. Agradecimentos À força de resistência que por algum motivo se criou em mim; Aos artistas que vieram antes de mim e que tiveram a necessidade de mostrar suas entranhas, permitindo-nos evoluir no caminho da busca do que é ser humano; Ao Deus ou deuses de cada um; Aos meus ancestrais, que de alguma forma aparecem em meu corpo, em minha dança; Aos meus pais e irmãos, que me deram histórias e amores para contar e dançar; Aos meus amores; À minha tristeza, que se transforma em movimento; À minha alegria, que se transforma em movimento; Ao meu professor, Romualdo Dias, que me permitiu, estimulou e ajudou neste meu trabalho e em muitos outros pensamentos; Aos professores, que sempre respeitaram meu caminho e meu tempo; Aos meus mestres de teatro/dança: Jefferson Primo, Estelamare dos Santos, Silvana Abreu, Marco Antonio Braz, Maurício Marques, Hélio Cícero e outros que passaram rápido, mas foram também fundamentais; À minha mãe que, além de sempre dar um enorme apoio, revisou todo meu trabalho; Aos meus amigos de todos os cantos, sobretudo os que me acompanharam na faculdade: Pamela, Milene, Mariana e Osmar. Foram imprescindíveis, tendo me salvado muitas vezes da vida cotidiana com nossas besteiras e risadas restauradoras! Novamente à Pamela Cassão, que conseguiu encontrar o livro sobre butô que estava esgotado, sem o qual ficaria difícil terminar o TCC e com o qual me presenteou - um dos melhores presentes que já ganhei; A Arnaldo Faggi Júnior - sem ele não conseguiria cursar a faculdade; À Alexandra Bispo da Paixão - sem ela também não seria possível voltar a estudar; E, acima de tudo, a meus filhos! Eles - que me ensinaram muito do butô e das possibilidades do corpo quando bebês; que me ensinaram muito também sobre educação e que muitas vezes tiveram seu tempo comigo roubado pelos estudos, me acompanharam várias vezes nas aulas da faculdade e também muitas e muitas vezes tiveram que ficar assistindo a ensaios sem fim, mas sempre com muita alegria! E a mim! Por ter resistido a tanto cansaço de trabalhar, estudar, cuidar dos filhos, amar, viver! E ter conseguido com tudo isso rir muito. - Olhe aqui, corpo. Hoje você vai comigo, quietinho, até os mais altos limites do espírito. - Errou, meu amigo – o corpo respondeu com desprezo. Se eu for com você, por mais alto que seja o limite, são também os limites do corpo. Você só diz isso, você e seu saber vindo de livros, porque pensou que nunca me levou com você antes. Mas, deixando de lado esse diálogo, partimos juntos, sem sair do lugar. (MISHIMA, 1985, apud GREINER, 1998) Diante de meus olhos, surgiu uma serpente gigantesca rastejando pela terra; uma serpente que, constantemente engolindo sua própria cauda, supera todas as contradições; a serpente final, aquela maior de todas, que zomba de todos os opostos. Opostos conduzidos a seus extremos tendem a se assemelhar; e coisas separadas ao máximo, aumentando a distância entre elas, acabam por se aproximar. Era este o mistério que o círculo da serpente revela. A carne e o espírito, o sensual e o intelectual, o dentro e o fora vão desprender-se no chão e, mais alto, mais, mais alto até do ponto onde o círculo – serpente de nuvens brancas que cerca a terra, todas essas coisas vão se encontrar. Sou um que sempre só esteve interessado nos extremos do corpo e do espírito, os confins mais remotos do corpo e os confins mais remotos de espírito. Profundidades nunca despertaram meu interesse; deixo-as para os outros, o reino raso dos lugares-comuns. Que é que existe, então, no limite extremo? Nada, quem sabe, a não ser umas fitas, flutuando no vazio. (MISHIMA, 1985, apud GREINER, 1998) Resumo Com base numa experiência pessoal com a dança e leituras sobre butoh, o trabalho traça um paralelo entre o corpo na dança butoh e o corpo na educação, pensando como o corpo do educando é cerceado a ponto de não conseguir criar possibilidades de liberdade e resultando por isso numa indisciplina como grito de socorro. O primeiro meio de comunicação é o corpo, é nossa mídia mínima e é o primeiro a ser domesticado na escola e na sociedade. O trabalho busca caminhos pelo labirinto procurando como esse corpo poderia encontrar manifestações expressivas no meio da pressão e prisão em que é inserido na sociedade e, consequentemente, na escola, mostrando como exemplo os caminhos que o butoh criou como forma de resistência. Com apoio de Christine Greiner e Maura Baiocchi, procura decifrar como os dançarinos de butoh se manifestam contra esse meio opressor que impôs ao Japão uma cultura ocidental indo contra, rotulando e desrespeitando as nuances da cultura japonesa. Exercitando um butoh com as palavras, Clarice Lispector serve de inspiração à pesquisa, dando pinceladas que mostram quão profundo pode ser um movimento artístico quando se tem o corpo intenso e inteiro na criação, como ela tem. No trabalho, a autora revela o sonho de uma educação onde o corpo vivesse toda a experiência intensamente, recebendo suas marcas como um presente e não como uma cicatriz que dói. Com a ajuda do butoh, sonha uma escola que deixaria marcas a servirem como pistas para a criança encontrar seu próprio corpo. Palavras-chave: dança-educação, arte-educação, corpo na educação, butoh e a educação. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO........................................................................................................... 2. A ÉTICA E A ESTÉTICA DO BUTOH..................................................................... 2.1 O Feio.................................................................................................................... 2.2. Hollywood e Disney atacam................................................................................. 2.3. O corpo morto. O Corpo morto-vivo do butoh x o corpo vivo-morto da educação.......................................................................... 2.4. Carne viva............................................................................................................. 2.5. Olhos revirados para dentro.................................................................................. 3. DO NADA SE FEZ TUDO x DE TUDO SE FEZ NADA......................................... 3.1. O corpo como mídia mínima e a indisciplina como manifestação....................... 3.2. A descoberta da coberta........................................................................................ 3.3. Sabor do saber. Sabor-experiência....................................................................... 3.4. O tempo do butoh e o tempo da escola................................................................. 4. UM POUCO DA HISTÓRIA E UMA TENTATIVA DE EXPLICAR O BUTOH....................................................................................................................... 5. CONCLUSÃO OU COMO ISSO AJUDA A PENSAR O CORPO NA ESCOLA..................................................................................................................... 6. REFERÊNCIAS.......................................................................................................... 08 13 13 14 16 19 21 23 23 30 34 39 41 46 53 8 1. Introdução Indisciplina ou luta por sentir-se Como surgiram meus companheiros: Butoh e Clarice Lispector Numa mistura de histórias e depoimentos sobre butoh, em minha cabeça foram se criando imagens através das palavras e frases que ouvi: o corpo-morto dançando, virar-se no avesso e dançar para as coisas ou pessoas, a estética do feio, transparência, não pensar, a busca do movimento como o do corpo da galinha que se debate após perder a cabeça, dançar a bomba de Hiroshima, dançar o ventre materno, dançar como um peixe n’água. Sempre metáforas e nunca explicações exatas. Minha curiosidade me impulsionava a experimentar o que era isso. Mais tarde descobri que minha busca por informações seria frustrada: disseram-me que explicar o butoh seria matá-lo, que se alguém explica o butoh ele já não é mais. Foi quando concluí que deveria praticá-lo para entendê-lo. Mais tarde percebi que também não se tratava de entender. Era outro tipo de entendimento, se é que deveria usar essa palavra. Naquele momento, era tudo o que eu queria! Minha dificuldade em explicar fez-me gostar muito daquilo. Ainda não havia encontrado meus semelhantes no que chamo de busca por outro entendimento não racional, não cartesiano, o não pensamento, o não domínio do que aprendemos de um jeito obrigatório que a escola nos apresenta como uma maneira certa de pensar. Havia encontrado somente uma semelhante, Clarice Lispector, que sempre me impulsionou na criação pelas entranhas e não pelo cérebro (uso aqui essa metáfora da razão fria pois, obviamente, não somos separados em pedaços) e quem – eu me atreveria a dizer – para mim dança o butoh com as palavras. Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completa quando não entendo. Não entender, do modo como falo, é um dom. Não entender, mas não como um simples de espírito. O bom é ser inteligente e não entender. É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida. É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice. Só que de vez em quando vem a inquietação: quero entender um pouco. Não demais: mas pelo menos entender que não entendo. (LISPECTOR, 1964). 9 Danço desde que me conheço por gente. Trancada no quarto. Sozinha. Nunca gostei do ballet clássico nem de historinhas infantis de princesas. Aquilo realmente me embrulhava o estômago. Achava tudo “de mentira”. Quando comecei a ler Clarice, comecei a busca de um movimento que me permitisse expor àquela intensidade que sentia diante de mim e que se reconheceu nas palavras, nas vírgulas, pontos, espaços e respiração de seus textos. Já era um butoh, mesmo sem eu saber. Figura 1. “O Sagrado e o Profano” Juliana D’Urso Hebling. Foto: Germano Meyer. 10 Mais tarde, seguindo o caminho que não existia, continuei somando ideias de outras pessoas sobre butoh. Lendo, assistindo e depois em aulas. Tudo que ia descobrindo para mim fazia muito sentido no “não sentido” que buscava. Li que dançar butoh é deixar “a criança selvagem que existe dentro das pessoas” (GOMBRICH, 1998 apud GREINER, 1998, p. 17) dominar a situação – é aqui que farei uma associação com as crianças e com a educação. Eu buscava o entendimento do que era o inconsciente para compreender o meu processo criativo. E a minha identificação se produziu com tanta ênfase também porque o butoh surgiu no contexto onde os artistas buscavam o inconsciente influenciados por Freud e trabalhavam com a ideia de “não razão”. “A razão pode nos dar a ciência, mas só a não razão pode nos dar a arte”. (GOMBRICH, 1998 apud GREINER, 1998, p 17). Continuando esse meu não caminho em estudos de butoh, encontrei-me com Flávia Pucci, professora de teatro com quem fiz as primeiras experiências de butoh. Numa aula, ela contou uma história que grudou em minha pele. Era uma história que Hijikata (o criador do butoh) contou certa vez sobre uma das cenas que o impulsionou a dançar. Conta ele que as mulheres no Japão, quando iam trabalhar, amarravam os filhos nas costas e iam para plantação. Depois de um tempo, quando cresciam e se tornava impossível para as mães aguentá-los nas costas, as mulheres eram obrigadas a amarrá-los nas pilastras das casas, pois ainda eram pequenos para ficarem soltos sozinhos, e colocavam ao seu lado uma cumbuca com arroz e uma com água. Hijikata conta que chegou e ficou quieto olhando uma dessas crianças. Ao observar, percebeu que ela estava brincando com seu corpo: a mão virava uma boneca, o pé virava um carrinho, ela dava comida e conversava com o joelho, animava o seu corpo e lhe dava outra vida além daquela. 11 Figura 2. “Crueza” - Juliana D’Urso Hebling. Foto José Jaime Essa cena inesquecível me fez querer estudar os escapes do corpo. A partir dela, criei, em homenagem a essas crianças e a essas mães, um movimento de butoh chamado “Crueza”, que apresentei numa Feira do Japão, onde foi visto por muitos japoneses que se emocionaram e me “autorizaram” a dançar butoh, pois reconheceram em mim a linguagem, ou a não linguagem. Um casal de senhores bem velhinhos veio falar comigo após a apresentação. Eles não falavam português, mas, como estavam muito emocionados, iam falando e me reverenciando eufóricos. De alguma maneira, quando meu amigo traduziu o que eles disseram, eu já havia entendido. Pensei nessa linguagem que não faz uso da palavra. Eu não entendia as suas palavras, mas entendi o que queriam me dizer. Eles entenderam o grito que eu estava dando com o meu corpo, que estava se somando aos gritos daqueles corpos das crianças, pois estávamos conseguindo escapar juntos de algo que nos amarrava. Porque entre o peso da gravidade e o da sociedade há sempre um buraco por onde a vida escapa! 12 Depois disso, nunca mais lidei com o corpo da mesma maneira que antes e comecei a entender porque sempre tinha a sensação de não caber dentro do meu corpo educado. Precisava me livrar de minhas amarras de menina boazinha e bem educada... Claro que sabia que isso seria um processo doloroso, assim como muitas vezes é a prática do butoh. “Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro.” (LISPECTOR, 2002). Comecei então a desbravar as propostas do butoh em meu corpo. 13 2. A ética e a estética do butoh 2.1. O Feio A estética da feiúra, que no butoh é marcante, é como um grito de libertação contra a imposição do belo disseminado pelos Estados Unidos da América do Norte através de seu mercado cultural, que tem como carro chefe Hollywood e Disney. Num Japão pós Hiroshima, é possível vislumbrar a revolta que sentiram os artistas ao receber suas Barbies cor-de-rosa em castelinhos brilhantes e suas Brancas de Neve. Os artistas do butoh buscaram o inverso disso. A feiúra, a precariedade, o indigesto, tudo aquilo que a sociedade queria esconder embaixo do tapete da felicidade vendida pelo consumo. Os corpos nus, mas não com o apelo sexual mercadológico, o corpo desnudo de artifícios ilusórios que mascaram a pele marcada e o corpo real. Os corpos geralmente pintados de branco dão um aspecto de sem vida. Morto. A busca pelo feio foi a primeira ruptura para mim, uma menina cuja descendência citada pela família era somente a ítalo-germânica. Uma menina criada por professores e neta da burguesia rio-clarense, obrigada a bons modos e boas roupas – que desde pequena fazia as próprias roupas deformando as roupas que ganhava. Não foi muito difícil me identificar com a estética da feiúra do butoh porque nunca me havia identificado com o padrão estético imposto pela mídia, família e sociedade. Difícil foi atravessar o medo da morte ou do morto. Tudo isso teve uma duração até que foi possível entender o que a idéia de corpo morto no butoh significa. “A base e o sentido de sua dança era o ser verdadeiro e não o ser aparente. Buscava a transformação e a transcendência dos limites do corpo como experiência fundamental para obrigar o corpo a encontrar sua verdade e tornar expressiva a beleza espiritual.” (BAIOCCHI, 1995, p. 32). Era essa verdade que eu procurava. Raiz, terra, vísceras, água, células. O que me parecia verdadeiro e não contos de fadas. 14 Figura 3. “Profano” - Juliana D’Urso Hebling. Foto Germano Meyer. 2.2. Hollywood e Disney atacam Sempre odiei os contos de fadas. Apenas depois de moça descobri que mentiram para mim até nos contos de fadas. As historinhas que me contaram quando criança eram histórias terríveis onde quase sempre só se era “vencedora” quando se era bem boazinha ou prendada. Por haver vencedores e vencidos, já não gostava das histórias. A Branca de Neve ter que limpar toda a casa dos anões para ser aceita me irritava. Tudo me irritava na maneira como eram colocadas as histórias pela Disney. E a perversão continua com o cinema hollywoodiano, que enfia em nossa goela sua felicidade comprada a cada cena. O desserviço que prestaram ao modo de pensar dos seres humanos, mesmo que fosse extirpado hoje, demoraria séculos para ser limpo porque tomou conta da subjetividade da criança. Em minhas aulas de teatro para crianças de 6 a 10 anos, as meninas todas brigavam pelas roupas das princesas e os meninos, dos guerreiros. Frequentemente as meninas que não se “encaixavam” como princesas inventavam uma princesa guerreira, mas tinha que ser princesa. Para os meninos era mais difícil sair do “normal”; então inventavam um mago, um pai do príncipe 15 que gostava de fazer outras coisas e não lutar, mas sempre exibidores de alguma modalidade de poder. Era difícil fazê-los fugir daquela configuração de subjetividade imposta socialmente. Mas um fato me chamava muito a atenção: quando aparecia um menino que se vestia de mulher, era a glória para todos! Ninguém zombava, sempre gostavam muito, riam muito e nunca o chamavam de “veado” ou qualquer coisa assim. A primeira vez em que isso aconteceu, fiquei apreensiva e pronta para defendê-lo de agressões, mas elas não vieram. Nunca vieram! Tive alguns alunos que se vestiam de mulher em todas as aulas de teatro e nunca criança alguma criticou ou zombou, sempre apoiavam e abraçavam a idéia com a maior naturalidade e empolgação. O “travestido” virava imune a tudo o que acontecesse na brincadeira, como se todos o admirassem tanto pela coragem da atitude que o colocassem num pedestal, num altar. Quando assisti a Kazuo Ohno, um dos precursores do butoh, pela primeira vez e vi que ele estava vestido de mulher, lembrei-me imediatamente desses meninos. Kazuo Ohno sempre dançava vestido de mulher. Talvez fosse uma quebra necessária dentro de tanta norma. Talvez o primeiro grito antes do movimento. A luta contra a imposição das princesas extremamente delicadas e frágeis e dos príncipes fortes e guerreiros. A luta contra a imposição da força. A entrega ao corpo frágil, ao corpo morto, sem o crivo do pensamento lógico e censurador norte-americano que se embrenhou na subjetividade de quase todo mundo e também na do Japão através do cinema. Como diz Maura Baiocchi (1995, p. 32), em seu livro Butoh - veredas d’alma: “Beleza e verdade espiritual apareciam sob formas assustadoras, horripilantes e precárias aos olhos do público. Era necessário chocar, incomodar, causar estranheza e gargalhar nas entranhas da plateia, para que ela também experienciasse o romper das amarras e couraças psicofísicas”. 16 Figura 4. Kazuo Ohno em seu estúdio 2.3 O corpo morto. O Corpo morto-vivo do butoh x o corpo vivo-morto da educação. O corpo-matéria morre. Vira energia. E=m.c2 Quando um artista dança, dança energia. Tenta provar que não é matéria ou que a matéria não é sólida. Não é uma verdade absoluta. É relativa. Quando dança, não ouve o raciocínio, o mental. Ele busca como que uma inteligência do corpo. É como se o corpo se movimentasse por si e não passasse pelo crivo cerebral. Os artistas de butoh comparam o corpo morto dançante do butoh com o acontecimento do corpo das galinhas que continuam a se movimentar mesmo depois de terem suas cabeças decepadas. A busca incessante pelo não racional e lógico também era uma resposta contrária ao culto à intelectualidade e 17 cientificidade em vigor. Todas as metáforas que são usadas nos textos e discursos sobre butoh também o mantêm longe de qualquer método que se possa entender racionalmente sem dançar. Para se entender o butoh, é preciso dançar - e não entender. O corpo morto do butoh é a busca da reinvenção do corpo livre das amarras sócio-culturais-educacionais que limitam o corpo a movimentos comuns e iguais. A escola molda os corpos, domestica-os. O corpo morto-vivo do butoh vai contra o corpo vivo-morto que a disciplina escolar e a domesticação social propõem e impõem. Lembremo-nos de um pensador muito inquieto, e sempre intrigado com as manifestações do poder exercidas neste sentido de operar com pretensa eficácia o controle de nossos corpos. Repetimos aqui as palavras de Michel Foucault (2003), recolhidas em sua obra Vigiar e punir: O corpo está preso no interior de poderes muito apertados, que lhe impõem limitações, proibições ou obrigações. [...] O corpo humano entra numa maquinaria de poder que o esquadrinha, o desarticula e o recompõe. Uma “anatomia política”, que é também igualmente uma “mecânica do poder”. [...] A disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos “dóceis”. A disciplina aumenta as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminui as mesmas forças (em termos políticos de obediência). Se Foucault nos ajuda a compreender com tanta força os mecanismos de controle dos corpos, há quem nos chame a atenção para a potência disruptiva neles operando. Recolhemos aqui as palavras de Christine Greiner (1998), apresentadas em seu livro Butoh – Pensamento em Evolução: “O corpo morto flui pelo esquecimento feito resíduo de um tempo que não volta mais. A sua dor é a da lucidez de ser o que já não é, a cada instante”. Esse corpo morto do butoh quer a morte do morto. Quer a morte do individual no sentido do não coletivo, do não universo; quer a morte do padrão estético, a morte do ego quando este significa o singular. Mas imprime uma busca da vida ligada ao todo, ao universo, ao coletivo que é tão presente na cultura japonesa. Os dançarinos de butoh não querem dançar uma mãe, mas todas elas. Nem uma criança, mas “a criança” sem divisões e definições. A partir de seu corpo, expressam suas entranhas históricas, ancestrais, futuras, presentes, de todas as dores, todos os gozos, todos os poros, glóbulos, glândulas. É a morte do eu – um morto, que morreu em vida para surgir a vida talvez do eu-coletivo vivo que viveu em morte, morte / transformação, buscando incansavelmente a vida. Mas uma outra vida, não a vida do manter-se vivo, do sobreviver. A vida em sua inteireza e plenitude, da qual a morte é metade. 18 Um outro modo de expressar esta mesma sensibilidade, dando maior visibilidade a este movimento intenso de invenção e transmutação dos corpos, está apresentado no texto de Peter Pál Pelbart (2003), em seu artigo Poder sobre a vida, potência da vida: A própria noção de vida deixa de ser definida apenas a partir dos processos biológicos que afetam a população. Vida inclui a sinergia coletiva, a cooperação social e subjetiva no contexto de produção material e imaterial contemporânea, o intelecto geral. Vida significa inteligência, afeto, cooperação, desejo. Como diz Lazzarato, a vida deixa de ser reduzida, assim, à sua definição biológica para tornar- se cada vez mais uma virtualidade molecular da multidão, energia a-orgânica, corpo- sem-órgãos. O bios é redefinido intensivamente, no interior de um caldo semiótico e maquínico, molecular e coletivo, afetivo e econômico. O corpo morto do butoh é esse “corpo-sem-órgãos”; a vida que ele celebra é essa sinergia coletiva envolvendo poesia, música, vento, vísceras, carne viva. Esta expressão: o “corpo-sem-órgãos” nos apresentam Gilles Deleuze e Felix Guattari (1996), na obra Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia: Um corpo-sem-órgãos é feito de tal maneira que ele só pode ser ocupado, povoado por intensidades. Somente as intensidades passam e circulam. Mas o corpo- sem-órgãos não é uma cena, um lugar, nem mesmo um suporte onde aconteceria algo. Nada a ver com um fantasma, nada a interpretar. O corpo-sem-órgãos faz passar intensidades, ele as produz e as distribui num spatium ele mesmo intensivo, não extenso. Ele não é espaço e nem está no espaço, é matéria que ocupará o espaço em tal ou qual grau — grau que corresponde às intensidades produzidas. Ele é a matéria intensa e não formada, não estratificada, a matriz intensiva, a intensidade = 0, mas nada há de negativo neste zero, não existem intensidades negativas nem contrárias. 19 Figura 5. O Regente, por Tatsumi Hijikata. Fotografia de Hosoe Eikou 2.4. Carne viva Um dos exercícios que mais me trouxe uma consciência / lucidez corporal nas práticas de butoh foi o de dançar e me movimentar por um longo espaço-tempo sentindo a pele como se estivesse em carne viva. A partir daí nunca mais fui a mesma. Nunca mais uma brisa suave que fosse passou despercebida por meu corpo. 20 Outra prática que aprendi é imaginar que estou respirando pelos poros. Esses tipos de metáforas que os treinos de butoh nos proporcionam nos trazem a um presente imperativo. Impossível estar em outro tempo ou lugar que não aquele tempo e aquele lugar. Aquela pele, aquela circulação sanguínea, aquele roçar do pé no chão. A consciência plena de “presença” é incrível. Foi como se tivesse despertado sensores em cada poro. Fez-me pensar: quanto de experiência passa por nós sem que sintamos? Quanto de sensibilidade perdemos pela falta de experiências como essa de sentir a brisa roçar a pele? Trabalhei num processo educacional fazendo uso dessas metáforas com um grupo para quem ministrei aulas durante dois anos, que era constituído por pacientes do CAPS (Centro de Apoio Psicossocial de Rio Claro). O butoh foi imediatamente aceito por eles. Mesmo que eu quisesse depois mudar as aulas para práticas mais teatrais, eles pediam para voltar à dança. Fui compreendendo que eles eram “presentes” sempre. Não havia um “depois”. O “antes” às vezes aparecia no meio dos textos que falavam de repente durante a dança. Mas foram os momentos coletivos mais intensos que vivi. Muitas vezes eu me retirava porque me emocionava muito ao ver aqueles gestos poéticos e o prazer que eles sentiam naquilo, abrindo uma brecha no sofrimento intenso e severo que tinham no cotidiano. Eles não queriam parar. Depoimentos saiam das bocas como poesia sem eu pedir. O prazer que os movimentos lhes proporcionavam era transformador. Eles sentiam tudo na carne, quando dançavam, sentiam a carne viva, mas sem a dor. Quando fora dali, sentiam a “dor do mundo todo”, como um deles disse. 21 Figura 6. Saburo Teshigawara 2.5. Olhos revirados para dentro. No início da prática do butoh, aprendi a manter os olhos revirados para dentro, como se estivesse olhando para o lugar popularmente conhecido como “terceiro olho”, lugar esse que seria ligado à intuição, ficando assim o olho completamente branco para quem vê. Além da busca simbólica do inconsciente nesse ato, temos também a mudança de centro: sou eu, e não o outro, meu ponto de concentração. Mas não o “eu” ocidental no sentido de indivíduo. O “eu” pleno que é maior que o ego e que se torna inconscientemente reconhecível aos outros porque fala do eu-humano, o eu-univesal, o eu-ninguém e eu-todos ao mesmo tempo. Uma espécie de inconsciente coletivo, como explicou Jung. Um “eu” onde todos se reconheçam, mesmo que de modos muito diferentes. Num mesmo movimento de butoh, vi pessoas com acesso de riso ao lado de outra em pranto profundo. Não importa o que cada uma sentiu, cada uma tem suas marcas e sentirá a dor ou a cócega na cicatriz que aquele movimento atingiu. Importa sentir. No butoh cada um sente uma emoção. Tanto quando se dança como quando se assiste a ele. Não há como sentir igual, pois cada um é uma história. Como podemos fazer um movimento pensando em atingir da mesma maneira a várias pessoas? Como podemos querer que uma poesia seja absorvida da mesma maneira? Como se pode pensar que todos entendam da mesma maneira? 22 É isso que a educação em geral faz: pega uma fatia do conhecimento e impõe que todos a entendam da mesma maneira. Por que não pode ser feito de maneira que se permita que cada um pegue o pedaço que mais lhe interesse e faça sentido? Não se impõe um desejo. Como tornar desejável todo o aprendizado que é imposto nas escolas a todos os alunos da mesma forma usando as mesmas medidas / avaliações? Se revirarmos os olhos para dentro, cada um enxergará uma coisa. Como pode a escola carregar dentro de si esta pretensão de obrigar a todos enxergarem a mesma coisa? Nossa educação faz com que tenhamos medo de olhar para dentro. Medo de não saber o que olhar, para onde olhar, como olhar, o que achar sobre o que se olhou... Não ter ninguém dizendo por onde ir e o que se deve achar – o professor, a ciência... – é inadmissível, insuportável. Não sabemos e nunca pudemos exercitar nossa capacidade de responder sem ter que necessariamente ter uma resposta certa. Somos dominados pelo certo / errado. O que se vê ao olhar para dentro não tem certo nem errado. E isso assusta! Carne viva, presente. Corpo morto, mais vivo impossível. Olhos revirados para dentro. Onde e quando nós praticamos essa plenitude de existência em nossa sociedade? Em nossas escolas? Aprendemos a nos dessensibilizar cotidianamente desde o ensino infantil. O corpo é o primeiro a ser dominado pelo sistema para que silencie sua primeira forma de comunicação: ele mesmo, o próprio corpo. 23 Figura 7. “O Amor nos tempos do Ágora” - Juliana D’Urso Hebling. Foto: Germano Meyer. 3. Do nada se fez tudo x de tudo se fez nada 3.1. O corpo como mídia mínima e a indisciplina como manifestação. “Como reverter o jogo entre a valorização crescente dos ativos intangíveis, tais como inteligência, criatividade, afetividade, e a manipulação crescente e violenta da esfera subjetiva?” Aproveitamos esta pergunta formulada por Peter Pál Pelbart (2003), em seu texto Poder sobre a vida, potência da vida. A história contada por Hijikata, assim como para ele, foi uma marca inapagável, algo que podemos chamar de indelével. Lembramo-nos aqui do sentido que Suely Rolnik (1993) atribuiu ao termo “marcas”, aquelas produzidas em nossos corpos todas as vezes em que desfazemos antigas configurações nos processos de subjetivação para expressarmos em 24 atualizações de algo potencial se fazendo nos intervalos de todos os nossos vínculos, experiências do intenso encontro com a alteridade. Como, dentro de tanta dificuldade, tanta precariedade, tanta ausência, tanta anulação, o corpo dessas crianças brota como flor da fenda do asfalto? A fantasia / imaginação passou para o corpo, sem nenhum raciocínio lógico envolvido. O corpo vazou na imaginação / a imaginação vazou no corpo. A imaginação que vazou no corpo daquela criança me remete à indisciplina escolar. Aquela criança totalmente desnuda criou um universo inteiro a partir do nada. Como podemos hoje ter emoldurado tanto nossas crianças a ponto de, com tudo o que têm, conseguirmos impedi-las, anulá-las de tal forma que não consigam criar nada? Quando falamos desse “tudo” que as crianças têm hoje, referimo-nos à gigantesca mídia que as engole, metralhando-as com informações todos os dias. Essa mídia onipresente que não as deixa imaginar sozinhas. A criança amarrada ao pilar tinha uma mídia: seu corpo. O corpo como uma mídia mínima bastou para que ela comunicasse a Hijikata, depois a nós e a todos que ouviram e ouvirão essa história, milhares de informações e sensações. O corpo da criança funciona como um primeiro canal de acesso ao outro, é a sua mídia. Sua mídia mínima e primeira, por isso é a primeira a ser capturada e disciplinada pelo sistema representado pela educação. E nas escolas, a indisciplina que acontece através do corpo é uma informação inquietante e um grito de manifestação dizendo que algo está muito errado. Como aquela criança amarrada ao pilar, nossas crianças nas escolas estão amarradas, mas há muito mais variações de regras e de imobilidade que apenas um pilar. Elas têm a carteira, o sinal, o horário, a maneira de aprender, o cotidiano repetitivo, a impossibilidade de expressão, a obrigação de aceitar o que lhe é proposto, a infelicidade do professor, os discursos pedagógicos, os rótulos que lhes são dados, as classificações através de números e avaliações etc. Poderíamos escrever páginas e páginas citando todos os pilares a que nossas crianças são amarradas e de uma forma muito mais cruel porque, diferentemente da mãe japonesa que não tem escolha, nós teríamos escolhas – apenas falta vontade política. Há uma multiplicidade de pilares espalhados por todo o ambiente educacional, alguns visíveis e milhares invisíveis, sempre todos pactuados, tantas e tantas amarras feitas sobre nossos corpos. Tantas que nos parece impossível removê-las. 25 26 27 Figuras 8, 9 e 10. “Crueza” - Juliana D’Urso Hebling. Fotos: Germano Meyer. "O que verdadeiramente somos é aquilo que o impossível cria em nós." (CLARICE LISPECTOR, 1978). 28 Todas as amarras e pilares nos fazem lembrar as palavras de Boaventura de Souza Santos (2009): “Nunca foi tão grande a discrepância entre a possibilidade técnica de uma sociedade melhor, mais justa e mais solidária e sua impossibilidade política. Este tempo paradoxal cria-nos a sensação de estarmos vertiginosamente parados”. Parados. Mas não como a criança japonesa da história, parada por estar amarrada ao pilar, porém em constante movimento com seu corpo e com sua mente livre para criar possibilidades de outras vidas. Nós estamos parados até em nossa imaginação. Parados ou, pior, em ilusório movimento guiado, dirigido, determinado. Guiado pela mídia gigante que engole a imaginação das crianças e regurgita o que elas devem sonhar. Os sonhos são guiados para que aceitemos a condição das amarras. Para que aceitemos essa vida inventada pelo sistema e continuemos a alimentá-lo. Hoje compreendemos esta produção de uma subjetividade aprisionada na condição de estar parada como algo histórico, ação política sustentada por relações de dominação. Aqui, faz sentido experimentarmos um longo encontro com Félix Guattari (1996), quando ele nos apresenta suas preocupações sobre a restauração da cidade subjetiva. Assim ele nos diz: O ser humano contemporâneo é fundamentalmente desterritorializado. Com isso quero dizer que seus territórios etológicos originários – corpos, clã, aldeia, culto, corporação... – não estão mais dispostos em um ponto preciso da terra, mas se incrustam, no essencial, em universos incorporais. A subjetividade entrou no reino de um nomadismo generalizado. Os jovens que perambulam nos boulevards, com um walkman colado no ouvido, estão ligados a ritornelos que foram produzidos longe, muito longe de suas terras natais. Aliás, o que poderia significar ‘suas terras natais’? Certamente não o lugar onde repousam seus ancestrais, onde eles nasceram e onde terão que morrer! Não têm mais ancestrais; surgiram sem saber por que e desaparecerão do mesmo modo! Possuem alguns números informatizados que a eles se ficam e que os mantêm em ‘prisão domiciliar’ numa trajetória sócio-profissional predeterminada, quer seja em uma posição de explorado, de assistido pelo Estado ou de privilegiado. Mas enfatizemos imediatamente o paradoxo. Tudo circula: as músicas, os slogans publicitários, os turistas, os chips da informática, as filiais industriais e, ao mesmo tempo, tudo parece petrificar-se, permanecer no lugar, tanto as diferenças se esbatem entre as coisas, entre os homens e os estados de coisas. No seio de espaços padronizados, tudo se tornou intercambiável, equivalente. Os turistas, por exemplo, fazem viagens quase imóveis, sendo depositados nos mesmos tipos de cabine de 29 avião, de pullman, de quartos de hotel e vendo desfilar diante de seus olhos paisagens que já encontram cem vezes em suas telas de televisão, ou em prospectos turísticos. Assim a subjetividade se encontra ameaçada de paralisia. Poderiam os homens restabelecer relações com suas terras natais? Evidentemente isso é impossível! As terras natais estão definitivamente perdidas. Mas o que podem esperar é reconstituir uma relação particular com o cosmos e com a vida, é se ‘recompor’ em sua singularidade individual e coletiva. A vida de cada um é única. O nascimento, a morte, o desejo, o amor, a relação com o tempo, com os elementos, com as formas vivas e com as formas inanimadas são, para um olhar depurado, novos, inesperados, miraculosos. É contra isso que o butoh grita. Contra essa adaptação aos meios comuns de dominação da estética e, portanto, da cultura. O butoh traz o feio como identidade. O feio como marca de autonomia. De alteridade. É o feio como direito a não ser o que lhe impõe o mercado. É uma luta contra o mundo cor de rosa da Disney, contra as luzes de Hollywood, contra a sociedade do espetáculo. Do excesso. As palavras de Jorge Larossa Bondía (2002), em “Notas sobre a experiência e o saber de experiência”, sobre a potência da experiência, nos ajudam a compreender no percurso deste nosso pensamento: Em primeiro lugar pelo excesso de informação. A informação não é experiência. E mais, a informação não deixa lugar para a experiência, ela é quase o contrário da experiência, quase uma antiexperiência. Por isso a ênfase contemporânea na informação, em estar informados, e toda a retórica destinada a constituir-nos como sujeitos informantes e informados; a informação não faz outra coisa que cancelar nossas possibilidades de experiência. O sujeito da informação sabe muitas coisas, passa seu tempo buscando informação, o que mais o preocupa é não ter bastante informação; cada vez sabe mais, cada vez está melhor informado, porém, com essa obsessão pela informação e pelo saber (mas saber não no sentido de “sabedoria”, mas no sentido de “estar informado”), o que consegue é que nada lhe aconteça. A primeira coisa que gostaria de dizer sobre a experiência é que é necessário separá-la da informação. Os precursores do butoh buscaram o inverso, o avesso. O feio para lutar contra a imposição da beleza inventada pela mídia. As trevas para contrariar as luzes do espetáculo. As entranhas e o profundo para fugir da superficialidade imposta pela frivolidade da cultura estadunidense. Essa imposição cultural que estava ocorrendo fez com que os artistas olhassem para dentro de seu país e sua cultura e começassem um movimento de resgate da tradição, 30 mas não para reproduzi-la, que também era uma amarra aos artistas, mas para criar a partir dela. Quando estamos numa escola e a criança passa por alguma dificuldade ou dúvida que poderia ser o início do caminho para nascer algo novo dela, um outro universo de ideias, imediatamente ela é atendida por nossas respostas, por nossos discursos pedagógicos ou por nossos excessos de cuidado, higiene e medo. A criança não tem nem a chance de tentar resolver ou vislumbrar o que sente perante o desafio porque imediatamente vem alguma fórmula de como ela deve resolver aquilo. 3.2. A descoberta da coberta Vi uma vez uma gravação de uma criança brincando. O menino estava inventando uma casa. Na hora de dormir, ele tentou se cobrir, mas o lençol estava dobrado ao meio. Ele cobria os pés e, quando se deitava e puxava o lençol para cobrir seus braços, descobria os pés. O pano era pequeno. Então ele se levantava e puxava novamente o pano para cobrir seus pés e de novo deitava e puxava o lençol, descobrindo os pés. E assim foi, por muitas vezes ele fez o mesmo movimento. Até que uma hora ele começou a mexer no lençol, desdobrou-o e conseguiu se cobrir inteiramente. Feliz da vida por ter descoberto o mistério da coberta, ele deitou e fingiu que estava dormindo na casinha de sua imaginação. Ao olhar aquela cena pensamos: se houvesse uma professora muito empenhada em ajudá-lo, provavelmente iria interferir nessa ação - mesmo porque demorou um tempo enorme para ele descobrir a resposta do enigma sozinho, tempo que na escola não temos mais - e iria desdobrar o lençol para ele, roubando a sua experiência de descoberta do descobrir e cobrir. As experiências – todas! – são propulsoras de criação. Em nome da ordem, tempo e uma falsa disciplina, estamos roubando as experiências das crianças e o que as está “substituindo” é a ilusão de alegria e felicidade constantes vendidas na televisão. Quando perguntamos a uma criança qual é o seu desejo, não conseguimos mais separá-lo da imposição dos desejos da mídia. Dificilmente você vê uma criança citar um desejo que não seja vendido na televisão. Isso é a coisa mais triste que estamos vivendo nestes 31 tempos. O governo da mídia convencional está afogando o nosso país. O Brasil é um dos países onde se dá um enorme poder e liberdade para a mídia cuidar de seus interesses e de não controlar nenhum de seus deveres na proteção ao espectador. E quando falamos em felicidade, então, somos imediatamente jogados num tela de imagens da vida vendida na televisão nos dizendo o que é felicidade. A esmagadora maioria da população fica presa dentro dessa cela de imagens como zumbis assimilando as ordens da normalidade imposta, e a mesma maioria que não pode ter aquele tipo de conquista que o mercado vende como felicidade; vendo aquilo, acredita de fato que sua vida é um fracasso e que não é e nunca será feliz. Afoga-se nas imagens de felicidade da televisão. Como brilhantemente canta Tom Zé em sua obra prima “Menina Jesus”, canção do CD “Estudando o Samba”: Valei-me, minha menina Jesus minha menina Jesus minha menina Jesus, valei-me. Só volto lá a passeio no gozo do meu recreio, só volto lá quando puder comprar uns óculos escuros. Com um relógio de pulso que marque hora e segundo, um rádio de pilha novo cantando coisas do mundo pra tocar. Lá no jardim da cidade, zombando dos acanhados, dando inveja nos barbados e suspiros nas mocinhas... Porque pra plantar feijão eu não volto mais pra lá eu quero é ser Cinderela, cantar na televisão... Botar filho no colégio, dar picolé na merenda. viver bem civilizado, pagar imposto de renda. Ser eleitor registrado, ter geladeira e tv, 32 carteira do ministério, ter cic, ter rg. Bença, mãe. Deus te faça feliz, minha menina Jesus e te leve pra casa em paz. Eu fico aqui carregando o peso da minha cruz no meio dos automóveis, mas Vai, viaja, foge daqui que a felicidade vai atacar pela televisão E vai felicitar, felicitar felicitar, felicitar felicitar até ninguém mais respirar. Acode, minha menina Jesus minha menina Jesus minha menina Jesus, acode. Figura 11. Grupo Sankai Juku 33 Nas escolas esse sentimento é reforçado. Vendemos as mesmas idéias de felicidade que o mercado vende por que nós, professores, também estamos na mesma ilusão. Também achamos que devemos sempre poupar as crianças da realidade e deixá-las na ilusão e, pior, temos ainda que encaixá-las na forma curricular e desprezar o resto. Temos a idéia de confortar as crianças em suas dificuldades e aceitar somente os desafios intelectuais como algo merecedor de elogios e prêmios. Não se sabe nada da capacidade dos alunos fora do campo do currículo escolar. Como diz Umberto Eco (1983), pela boca de Guilherme de Baskerville, em O Nome da Rosa: “A vida da ciência é difícil, e é difícil distinguir aí o bem do mal. E frequentemente os sábios dos tempos novos são só anões aos ombros de anões". A capacidade de adaptação do ser humano é incrível. Vemos sempre notícias a respeito de pessoas que perderam parte de sua massa encefálica e que conseguiram criar um outro caminho para as sinapses. E a escola preocupada com questões pequenas como imaginar se a criança vai se adaptar ao novo horário do parquinho! O excesso de controle disfarçado de cuidado deixa as crianças numa zona de conforto que as torna prisioneiras. Elas já não querem mais procurar, apenas encontrar; elas só reproduzem ou querem uma resposta pronta e mastigável. Têm um mundo de informação, mas não querem fazer nada com isso. Do tudo se faz o nada. Aquela criança amarrada no pilar no Japão criou um mundo a partir de sua escassez absoluta de fugas. Era aquilo que ela tinha. Ela mesma. Só. E ela não precisou de nada mais para visualizar mundos e alegrias e experiências verdadeiras através de sua imaginação. Ela exercita todas as suas conexões neurológicas e sentimentais ali. Do nada se faz o tudo. Hijikata costumava treinar andando na neve, que em sua cidade chegava até o joelho. Ele incorporava essa rude e doída situação à sua criação. Seu sofrimento era sublimado na dança. Ele tinha aquela experiência para contar. 34 Não defendemos aqui de maneira alguma que somente o sofrimento seja uma experiência vista como a única responsável para provocar a arte. O riso de festa, como se acreditava na Grécia Antiga, aproximava as pessoas dos deuses. Sempre foi invocado como inspiração à criação, trazendo a transformação para os que o experimentavam. Como vemos em “O Nome da Rosa”, de Umberto Eco, o livro proibido era A Poética, de Aristóteles, que provocaria riso aos leitores. A experiência do riso, do gozo, do prazer, que propulsiona a criação, também nos é roubada. Na obra citada, ele é proibido sob pena de morte para quem ousasse lê-lo. Hoje, nas escolas, a disciplina e o silêncio são os maiores desejos dos professores e profissionais da educação. Seguindo a pista de Umberto Eco, quantas vezes vemos na escola o riso ser reprimido por ser considerado indisciplina / pecado? Inúmeras. Aprendemos a ver o riso como algo menor, inferior. A cultura imposta pela igreja católica deixou-nos essa fúnebre herança de considerar o riso como algo “menor”, de menos valor, e assim passarmos a encará-lo como algo a ser controlado. O riso é uma expressão do corpo. É uma experiência cujo sabor queremos sentir. E o seu sabor também é único para cada um. 3.3. Sabor do saber. Sabor-experiência. É como a história da Omelete de Amoras, que Walter Benjamim (2004) conta: Era uma vez um rei que chamava de seu todo poder e todos os tesouros da Terra, mas apesar disso não se sentia feliz, e a cada ano se tornava mais melancólico. Então, um dia, mandou chamar seu cozinheiro predileto e lhe disse: “Por muito tempo tens trabalhado para mim com fidelidade e me tens servido à mesa as mais esplêndidas iguarias, de modo que te sou agradecido. Porém, desejo agora uma última prova do teu talento. Deves me fazer uma omelete de amoras igual àquela que saboreei há 50 anos, em minha mais tenra infância. Naquela época meu pai travava guerra contra seu perverso inimigo a oriente. Este acabou vencendo, e tivemos de fugir. E fugimos, pois, noite e dia, meu pai e eu, através de uma floresta escura, onde afinal acabamos nos perdendo. Nela vagamos e estávamos quase a morrer de fome e fadiga quando, por fim, topamos com uma choupana. Aí morava uma velhinha que amigavelmente nos convidou a descansar, tendo ela própria, porém, ido se ocupar do fogão. Não muito tempo depois estava à nossa frente a omelete de amoras! Mal tinha levado à boca o primeiro bocado, senti-me maravilhosamente consolado, e uma nova esperança entrou em meu coração. Naqueles dias eu era muito criança e por muito tempo não tornei a pensar no 35 benefício daquela comida deliciosa. Já era rei quando mais tarde mandei procurá-la. Vasculhei todo o reino. Não se achou nem a velha nem qualquer outra pessoa que soubesse preparar a omelete de amoras. Agora quero que atendas este meu último desejo: faze-me aquela mesma omelete de amoras! Se o cumprires, farei de ti meu genro e herdeiro de meu reino. Mas, se não me contentares, deverás morrer.” Então o cozinheiro disse: “Majestade, podeis chamar logo o carrasco. Conheço, é verdade, o segredo da omelete de amoras e todos os seus ingredientes, desde o trivial agrião até o nobre tomilho. Sei empregar todos os condimentos. Sem dúvida, há também o verso mágico que se deve recitar ao bater os ovos, e sei que o batedor de madeira de buxo deve ser sempre girado num só sentido. Contudo, ó rei, terei de morrer! Minha omelete não vos agradará ao paladar. Jamais será igual àquela que vos veio pelas mãos da velhinha. Pois como haveria eu de temperar a coisa com aquilo tudo que nela desfrutastes e que vos deixou, senhor, a impressão inesquecível? Faltará o perigo da batalha e o seu picante sabor, a proximidade do pai na floresta desorientadora, a emoção e a vigilância do fugitivo perdido. Não será omelete comida com o sentido alerta do perseguido. Não terá o descanso no abrigo estranho e o calor do fogo amigo, a doçura da inesperada hospitalidade de uma velha. Não terá o sabor do presente incomum e do futuro incerto." Assim falou o cozinheiro. O rei, porém, calou-se um momento e não muito depois consta haver dispensado dos serviços reais o cozinheiro, rico e carregado de presentes. O tempero vem antes. Nada substitui o tempero da experiência que a omelete de amoras ganhou mesmo antes de ser feito pela velha da floresta. Mesmo com os melhores temperos do mundo e o melhor cozinheiro, não se consegue copiar uma experiência verdadeira. Ela tem que ser mastigada e saboreada com todos os acontecimentos no mesmo momento presente que quem a experimenta está vivenciando. Presente. Quando o menino comeu a omelete, não queria estar em nenhum outro lugar do mundo, nem comendo outra comida. Ele nem pensava nisso. Apenas saboreava a omelete ali presente. Mesmo que haja os melhores professores, o melhor método pedagógico, o aprender tem que ser presente, tem que ser uma experiência que envolva o educando de maneira que ele se entregue àquele tempo / espaço. Cada educando traz um saber-sabor. Cada criança tem um tempero prévio que dará o prazer ou não a uma experiência escolar. Nós, educadores, 36 temos que conhecer esses temperos: é doce, amargo, azedo? Como fazer para retemperar o sabor do saber? Que temperos posso apresentar que, misturados aos que o educando traz, façam o sabor-saber ficar gostoso? Se a criança já experimentou um prato de alfabetização muito amargo e com gosto de derrota, dificilmente vai acreditar se a escola disser que é gostoso. Temos que ouvir a história que ela conta dessa comida-alfabeto e harmoniosamente oferecer outros temperos ao prato. Sinceramente, sem tentar enganar a criança: é ruim, mas vai te fazer bem, engole! O experimentar tem de ser uma experiência nova, uma experiência verdadeira. A experiência que transpassa. A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca. A cada dia se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece. Dir-se-ia que tudo o que se passa está organizado para que nada nos aconteça. Walter Benjamin, em um texto célebre, já observava a pobreza de experiências que caracteriza o nosso mundo. Nunca se passaram tantas coisas, mas a experiência é cada vez mais rara. (JORGE LARROSA BONDÍA, 2002). Saboreando a nova e verdadeira experiência, a criança pode salivar para outros pratos. Com seu próprio tempero! Quando em meus estudos de butoh começaram a comparar o butoh de um brasileiro com o butoh de um japonês, logo recusei: como podemos sentir o mesmo gosto? O tempero do butoh de Hijikata começou em sua infância, numa cidade rural pequena, vendo os trabalhadores da lavoura, andando na neve. Esse é o tempero do butoh dele. Como nós, brasileiros, com esse calor, roupas leves, banho de rio e cachoeira, poderíamos ter a mesma dança que ele? Podemos até ter, mas será mentira ou cópia. Nada tempera como a experiência. Em meu percurso como professora de teatro confirmei isso muitas vezes. O que os alunos vivenciam e experimentam com o corpo penetra em seus poros e produz marcas inapagáveis. Nunca mais esquecem. E a experiência está cada vez mais rara, mais distante, mais falsa. Confirmamos a força da experiência toda vez que algum educando ou plateia vem me dizer, com uma emoção que percorre todo seu corpo, da lembrança do que viveu com aquela experiência artística e de vida. Nesses depoimentos, eles contam como surgiu um 37 caminho novo que foi percorrido desde então, novo por conta da experiência. O que os afeta é “uma espécie de memória, uma memória invisível feita não de fatos, mas de algo que acabei chamando de ‘marcas’”. (ROLNIK, 1993). Essas marcas são nossos “roteiros”, são nosso fio de lã que vamos desenrolando para depois achar o caminho de volta. Como o novelo que Ariadne entrega junto com uma espada a Teseu para que ele vença o Minotauro e consiga sair do labirinto para casar-se com ela. Mas, se não o tivermos, não haverá muita escolha no labirinto: ficaremos ali presos, sem pistas. A ausência de experiência nos deixa no labirinto. Poupar-nos da experiência nos mantém presos, mas presos e sem vida, porque ficamos sem pistas para sairmos dele. Assim como em “O Nome da Rosa”, de Umberto Eco, quando o personagem Guilherme de Baskerville e seu discípulo Adso estão no labirinto da biblioteca e são salvos pelo fio de lã do casaco que Adso amarra no começo de seu percurso no labirinto; assim, quando a biblioteca está em chamas e eles estão correndo perigo, ele consegue se salvar e salvar seu mestre. Adso era um “aluno”, “sem luz”, sem conhecimento acadêmico, que usou suas marcas, sua experiência de vida para salvar sua própria vida e a de seu mestre. Essas marcas / experiências são pistas de quem podemos ser. No butoh, cada intérprete dança suas próprias pistas. Nos treinos, exercita-se estar no presente, sentir os pés na terra, sentir o cheiro, o vento; e, com suas marcas, seu roteiro vai criando movimentos que emergem naturalmente de seu corpo. Dançarino de butoh nunca abandona suas marcas, nem as do universo: liga-as. Liga suas marcas com as do coletivo humano e dança-as todas juntas. Na educação, queremos dar pistas falsas, criadas pelo outro e não pela própria criança. Se o novelo / pista não for da própria criança, não faz sentido a ela, por que não foram experiências, não são marcas. São invenções e ilusões dadas às crianças em que nem os próprios adultos acreditam. Migalhas. Como as migalhas que João joga no caminho quando, com sua irmã Maria, é obrigado a fugir. (João e Maria perdem a mãe, seu pai se casa com uma madrasta; esta diz que eles não podem criar as crianças e manda-as para a floresta. Para não se perderem, João vai jogando migalhas para encontrarem o caminho de volta, mas os 38 pássaros as comem. Acabam indo parar na casa da bruxa que deseja comê-los, mas João e Maria conseguem fugir e voltam para casa). A indisciplina escolar nos remete muitas vezes a um outro caminho que a criança está desesperadamente buscando. Ela vê tudo falindo, percebe a mentira daquilo tudo, percebe seu corpo cheio de energia virando apenas matéria morta obrigada a ficar sentada cinco horas! Percebe algo errado. Então, começa a tentar um outro caminho. Como ela não tem ainda o fio de lã porque não lhe permitem ter experiências – portanto não tem marcas –, ela se entrega ao labirinto sem medo. Começa a se distrair com tudo: cada som, cada gesto, cada cheiro. Percebe todo o labirinto e sente o mundo de sensações que pode ter ali, muito mais intensas que apenas ouvir e seguir ordens. Ela se deleita com o labirinto e gosta de estar perdida lá porque está perdida com outros também. Sente-se acolhida porque não está perdida sozinha, faz parte dos “perdidos do labirinto”. Encontra aí uma definição: faço parte dos “perdidos no labirinto” – e isso é alguma coisa. A indisciplina é uma luta por sentir-se. Como uma pessoa que tem problemas de depressão e precisa drogar-se para sentir-se viva. Aquilo a faz sentir-se viva, pelo menos naqueles momentos da indisciplina. Ela não fica mais aflita e ansiosa por sair do labirinto, já que lhe parece impossível. Ela se entrega a ele e vai aproveitar cada folha, cada grão no caminho. Como somos admiravelmente adaptáveis, ela se adapta ao labirinto e consegue tirar experiências de lá. Os indisciplinados buscam na indisciplina o êxtase que não conseguem ter nas notas, nas comparações, nos elogios. Buscam no movimento da indisciplina um movimento verdadeiro. Os disciplinados se viciam no mérito, no elogio, ou em pelo menos passar despercebidos para não dar trabalho. E para também não terem muito trabalho. A criança japonesa amarrada ao pilar terá pistas a seguir. Apesar de toda a crueldade que sua situação demonstra, tanto situação física como social e histórica, ela tem seu novelo a seguir. Hijikata pegou esse seu novelo de pistas feitas de marcas / experiências e criou o butoh. Sempre há criação quando se tem o motivo, as pistas para voltar para casa. Casa / lar. Casa / corpo. Casa / conhecimento. Novamente... 39 Porque entre o peso da gravidade e o da sociedade há sempre um buraco por onde a vida escapa. (Esta frase é o nome de um movimento de butoh que criei e apresentei na abertura da Semana da Pedagogia da UNESP em 2006). Figura 12. “Primavera” - Juliana D’Urso Hebling. Movimento de butoh feito na homenagem a Plínio Marcos no Memorial da América Latina em São Paulo. 3.4. O tempo do butoh e o tempo da escola. Num movimento de butoh, o que se sente não é o movimento nem a forma, apesar de serem muito importantes. O que mais se sente é o tempo. Ou melhor, o que menos se sente... "A eternidade é o estado das coisas neste momento." (LISPECTOR, 1998). 40 Numa apresentação de butoh, o tempo é suspenso. Nada ali segue Cronos. Nada ali tem um percurso de onde sai e para onde caminha a dança. A experiência segue tão intensa que nem nos lembramos de propósitos ou entendimentos lógicos. Tudo é lento – mesmo que os movimentos não sejam –, intensamente mostrado e sentido. Nada passa sem que nos provoque um tremor. Nada tem pressa. Kazuo Ohno demorou cerca de quarenta anos para criar seu espetáculo de butoh La Argentina. Parece que se pegou uma lupa e ampliou os detalhes esgarçando ao máximo os sentidos. Falando em linguagem ocidental – cinematográfica, parece uma cena em câmera super lenta onde se podem perceber todos os detalhes – e não só da imagem do intérprete, mas do inconsciente deste, do nosso, do universo todo que está naquele movimento. O tempo se torna mais que relativo, ele se desfaz. Figura 13. Kazuo Ohno em “La argentina” Figura 14. “O Tempo” - Juliana D’Urso Hebling. Foto: Germano Meyer 41 4. Um pouco da história e uma tentativa de explicar o butoh O Japão sofreu invasão da cultura norte-americana como todo o mundo. O butoh é um manifesto de liberdade contra essa imposição cultural e contra as tradições japonesas como forma de modelação. Os dançarinos de butoh buscam as tradições para lutarem contra a invasão cultural, mas como inspiração buscam fazer releituras da cultura japonesa de forma nova e, podemos dizer, subversiva. No início o movimento era chamado ankoku butoh ou dança das trevas, uma manifestação artística radical que nasceu no Japão no final dos anos 50. A primeira apresentação de ankoku butoh foi Kinjiki (Cores Proibidas), de Hijikata Tatsumi. O espetáculo não tinha referências muito claras por ter como base várias técnicas ocidentais que acabavam de chegar da Europa, como a dança moderna de Martha Graham e a dança expressionista alemã. A peça foi indigesta e considerada como perigosa e nada artística, pois, trazia um homem (o próprio Hijikata), um menino (Yoshito Ohno, filho de Kazuo Ohno) e uma galinha que morria em cena com o sangue ainda quente derramando. Figura 15. T. Hijikata em “Kinjiki” 42 E como poderiam estar preparados para um encontro com a morte? Como diz o sociólogo Zygmunt Bauman (2003, apud GREINER, C. 2005), “na verdade, ninguém nunca está preparado, nem para a morte, nem para o amor”. Ankoku butoh era uma resposta aos discursos pré-fabricados sobre o ocidente pelo ocidente. Uma mulher delicada, embrulhada em seu kimono. Um poderoso samurai. Um monge meditando. Um sushiman. Estas são algumas das imagens que habitam o imaginário ocidental em torno do tema “corpo japonês”. Estereótipos construídos por olhares estrangeiros que, como de costume, abstraem traços simplórios de um caldo cultural muito mais complexo. Embora em certa medida estas imagens ainda sobrevivam, após a II Grande Guerra, uma explosão brutal (atômica e epistemológica) fez muitos artistas e intelectuais, japoneses e estrangeiros, repensarem o corpo a partir de discussões acerca da identidade, da singularidade cultural e de possíveis estratégias políticas de sobrevivência. (GREINER, C. 2005) Hijikata esgarçou os limites entre dança, fotografia e literatura, mais própriamente entre as palavras, as imagens e o corpo, já que o butoh acontece entre tudo, em trânsito. Kinjiki era inspirado no romance homônimo de Mishima Yukio. Christine Greiner é uma pesquisadora brasileira do butoh, que coloca em seu artigo, “O colapso do corpo a partir do ankoku butoh de Hijikata Tatsumi”, que algumas das mais importantes perguntas do butoh e de Hijikata estavam ligadas à proposição de situações fictícias e inusitadas do tipo: 1. O que aconteceria se fosse possível colocar uma escada dentro do corpo para descer até o fundo? 2. Há um ponto, na profundidade sem medida, em que o visível se deteriora. A dança poderia existir para rejeitar este estado interno do corpo? 3. E caso fosse possível fazer isso, seria, finalmente identificável que o olho não serve só para ver, a mão não foi feita exclusivamente para tocar e todos os órgãos não podem ser restritos às suas funções e organizações? 4. Como se começa o que não tem filiação e apenas se alimenta dos abjetos do mundo? 5. Como nascem o sofrimento, a vontade e a expressão? 43 A partir destas e de outras questões, Hijikata colaborou para o colapso epistemológico que marcou a experimentação do corpo japonês durante as décadas posteriores à II Grande Guerra. Junto a Hijikata, une-se Kazuo Ohno. Os dois são considerados os criadores do butoh, sendo Hijikata chamado de arquiteto e Kazuo, a alma do butoh. Figura 16. Kazuo Ohno Com Hijikata, parte-se da ação ou movimento para construção do pensamento. Na verdade o que ele realiza é a retomada o processo básico e natural que tem início na experiência concreta e direta do mundo e que nos conduz à formação do pensamento abstrato que nos conduz aos domínios da linguagem. Kazuo Ohno, co-fundador do Butoh, baseia seus trabalhos nos ciclos da vida, dada a sua experiência como cristão. Desta maneira é aparente em suas obras o quanto absorveu do ciclo mitológico de nascimento, paixão, morte e ressurreição. Para ele, o Butoh tem origem no útero materno, como o é com toda espécie de vida e, consequentemente, seus mecanismos e sua energia, diz ele, deveriam ser os mesmos. (NASCIMENTO, A. 1999) 44 Figura 17. Tatsumi Hijikata e Kazuo Ohno Muitas controvérsias existem sobre o que é e o que não é butô. Ao nosso ver, é impossível negarmos as diferenças naturais, sociais e culturais em que se encontravam e se encontram os dançarinos japoneses dos dançarinos brasileiros. Hijikata treinava com neve até os joelhos. Aqui temos o clima quente que nos impulsiona outras coisas no corpo. Não existe como os corpos reagirem igualmente diante de tanta diferença. Mas existe claramente uma essência, uma espinha dorsal que permeia dos dançarinos de butô: um corpo que dança butô precisa carregar consigo a angústia do ankoku butô, que, dentre todos os butôs diferentes, seria considerado por alguns [como a crítica de dança Kakuzo Kunyioshi], como o coração do butô. (GREINER, 2012). Em suas pesquisas no Japão, Maura Baiocchi, atriz e dançarina de butoh brasileira, perguntou a vários bailarinos de butoh: O que é butoh? Kinushi Kamiryo, do grupo Saramu-Kan, respondeu: “Sabe, a dança normal é uma coisa regulamentada. Aí tem coisas definidas como forma, estilo, exercícios etc. O butoh é inteiramente livre disso. O butoh foi inventado por um grupo de pessoas que sofreram uma pressão extrema: o adestramento formal e o estilo da dança moderna. Consequentemente o 45 butoh é livre disso tudo e não conhece nenhum estilo. O dançarino se deixa pendurar pelos pés, ou dança como um louco ou rasga um futon, não importa se faça algo contundente ou sem sentido, tudo é aceito como performance. Por um lado é muito difícil dançar sem forma e estilo. Por outro, é muito simples. Aqui fica o perigo: de perder-se e simplesmente nadar a favor da corrente. Dançar completamente nu, se isso for aceito uma vez, faz-nos tomar cuidado com a vaidade”. Min Tanaka respondeu: “No mesmo instante em que você tenta definir o butoh, não será mais butoh. Desde o princípio o butoh escapou de qualquer definição”. Mas Maura Baiocchi se identificou mais com esta resposta de um anônimo de Tókio: “1. Todos os movimentos e dança cuja origem é desconhecida são butoh. 2. Butoh é o que não conhece regras nem tabus. 3. Se uma única pessoa diz “não” e todas as outras dizem “sim”, trata-se de butoh”. Figura 18. “O Sagrado e o Profano” - Juliana D’Urso Hebling. Foto: Germano Meyer. 46 Figura 19. “Os deuses criaram os homens ou os homens criaram os deuses” Juliana D’Urso Hebling. Foto: Germano Meyer. 5. Conclusão ou como isso ajuda a pensar o corpo na escola A rebeldia nas escolas vaza do corpo dos alunos. A sua expressão caótica vaza do corpo e ninguém sabe o que fazer com aquilo, ninguém, muito menos as próprias crianças, porque apenas transbordam. A indisciplina é sempre algo incômodo e perturbador. Algo que se tem que controlar, como a mãe japonesa tendo que amarrar o filho para que não saia correndo pelos campos de arroz e encontre algum bicho perigoso. Os corpos das crianças não param mais nas carteiras; os corpos, que antes eram domados pela cultura escolar, agora não sabem mais para onde vão. A criança da história que Hijakata conta é uma mostra da arte do desvio de que são capazes as crianças. E nossa cultura de domínio enxerga isso como negativo. Pois, se as crianças não tivessem tantas vozes dizendo o que fazer, possivelmente iriam encontrar caminhos que nem imaginamos que existissem. Como aquelas crianças que, ao invés de chorar, brincavam com seus corpos. Como não tinham outra opção, a imaginação vazou pelo corpo; nossos meninos sem opção têm seu manifesto caótico realizado em seus corpos. É tudo o que eles têm. É a “mídia” deles, sua mídia mínima. 47 Difícil não ligar uma coisa à outra. O butoh busca a “não razão” e crianças, infans, são a não razão. Ao mesmo tempo, artistas estudantes de butoh buscam estudar a fundo a ciência para entender como se constitui a mente primitiva. Onde queremos chegar com isso tudo? A lugar nenhum. Porque já fomos a tantos lugares e não nos deram a receita, porque ela não existe. Movidos pelo medo do nada que pode ser muito vivo e criativo, enchemos nossas crianças de informações vazias. Livramo-nos da responsabilidade - “Olha! Terminamos um caderno inteiro!!” – quantitativamente preenchidos em nosso orgulho, jogando fora a qualidade de experiência que as crianças poderiam ter com muito menos. Se perguntarmos para uma criança do que ela mais se lembra da escola, com certeza não será das lições enfadonhas, mas dos momentos singelos que, de vez em quando, acontecem. Usamos o butoh como uma metáfora de força de resistência aos moldes ditados pela sociedade. Um grito, um manifesto. Indo para o oposto, através do choque conseguiu chamar a atenção do mundo. Não achamos que sempre seja necessário o choque, mas é necessário que seja verdadeiro o movimento para nos sentirmos vivos. Estamos cansados de ouvir reclamações de todos os lados, níveis e pessoas sobre a educação. Onde está a mudança? Estamos amarrados a pilares mentais e científicos, e, pior que isso, é que nós devemos seguir regras que vêm justamente daqueles que deveriam nos deixar livres para encontrarmos caminhos mais humanos e significativos. Todos dizem que está tudo errado, mas não nos dão chance de achar novos caminhos. Quem tenta o novo é excluído na maioria das vezes. Na educação não é nada diferente. E ainda disfarçam falas em discursos “politicamente corretos” e inserem na educação arte e cultura para disfarçar a falha. Mas essa arte e cultura têm que se encaixar em 50 minutos de aula uma vez por semana para travar uma luta quixotesca com todas as horas que as pessoas passam em frente à TV ou seguindo um mercado de trabalho e de sobrevivência. É desumano! Como trabalhar o sensível já escondido no miolo do ser humano com tempo contado? É isso que busco descobrir e fazer em 12 anos de trabalho com 48 teatro, com companheiros de todas as idades, tentando provocar uma verdadeira experiência que os marque de forma a nunca se esquecerem de quem são. E sobre todas as queixas acerca do que está errado na educação? É preciso uma atitude drástica? E qual? Ou devemos deixar tudo chegar ao máximo da insustentabilidade, no caos total – se é que já não estamos – para que então todos percebam o absurdo do caminho que tomamos e aí sim começarmos de outra forma? O que faz o ser humano ser tão obediente e submisso, mesmo os que têm consciência de que a vida está escapando por entre os dedos? É o que ganham em troca? O dinheiro e o conforto compraram definitivamente a vida do ser humano? Sucumbimos à ilusão que criamos? Gostaríamos de contar uma parábola contada pelo meu pai, marxista convicto e sonhador de uma vida mais tranquila, que agora mora na praia como sempre foi seu sonho, desde os tempos em que se matava de trabalhar: Estava um pescador sentado embaixo de uma árvore, limpando seus peixes e já assando um para comer, quando chega um turista que se senta ao seu lado e começam a conversar. Ao experimentar um pedaço do peixe, o turista começa a fazer planos para o pescador: - Você deveria contratar mais gente para pescar para você! Esse peixe é muito gostoso! - Para quê? Pergunta o pescador. - Ora, para aumentar a quantidade de peixes que você iria vender. E depois você contrata pessoas para limpar os peixes e embalar, aumentando muito assim sua produção. - E depois? Pergunta intrigado o pescador. - Depois você pode exportar seu delicioso peixe para vários países, seria um sucesso, tenho certeza! E aumentará muito seu lucro! Você ficará muito rico! - E o que faço depois? Pacientemente pergunta o pescador. - Depois você pode construir aqui uma casa enorme e linda, perto desta árvore, e você terá tanto dinheiro que nem mais precisará se matar de trabalhar tanto e vai poder ficar aqui comendo seu peixinho nesta sombra deliciosa e olhando esta paisagem linda! O pescador virou-se para frente e ficou olhando a paisagem. 49 Depois disse: - Mas eu já estou sentado à sombra comendo meu peixe. A idéia do turista o levaria ao mesmo lugar. Só que provavelmente ele teria estragado a paisagem, porque colocar vários barcos no mar teria talvez acabado com os peixes, talvez também com a sua saúde e a de outras pessoas que trabalhassem com ele e, no fim, cansado, talvez nem visse a paisagem, nem sentisse o gosto do peixe. Nós, depois de muito ouvir que o sucesso profissional e a felicidade estão em ter uma enorme produção de peixe – ou qualquer outra espécie de produção, inclusive intelectual – talvez acreditemos tanto nisso que, quando estivermos à sombra, comendo esse peixe saboroso, ou quando virmos uma criança na escola dando um passo singelo, mas que para ela é surpreendente, ou uma criança – como a que Hijikata viu – amarrada e sem aparente possibilidade e, mesmo assim, criando vida em seu corpo, do nada fazendo o tudo, estaríamos com as “leis” de sucesso e felicidade tão enraizadas em nossos pensamentos que tudo nos passaria despercebido. Desperdiçaríamos toda delicadeza e a perfeição do momento. Como fazemos a toda hora. 50 Figura 20. Daisuke Yoshimoto 51 Figura 21. Kazuo Ohno 52 Como diz Saramago (2004), "Estamos usando nosso cérebro de maneira excessivamente disciplinada, pensando só o que é preciso pensar, o que se nos permite pensar". Em minha pequenez nestes primeiros passos em educação, ouso imaginar que todos nós, educadores, podemos pensar além do que hoje se estabelece como regra. E mais: ouso pensar que podemos sonhar, o que me remete às belas palavras de Clarice Lispector [19--]: Sonhe com aquilo que você quer ser, porque você possui apenas uma vida e nela só se tem uma chance de fazer aquilo que quer. Tenha felicidade bastante para fazê-la doce. Dificuldades para fazê-la forte. Tristeza para fazê-la humana. E esperança suficiente para fazê-la feliz. As pessoas mais felizes não têm as melhores coisas. Elas sabem fazer o melhor das oportunidades que aparecem em seus caminhos. A felicidade aparece para aqueles que choram. Para aqueles que se machucam. Para aqueles que buscam e tentam sempre. E para aqueles que reconhecem a importância das pessoas que passaram por suas vidas. Ouso sonhar com uma escola que nos permita ajudar o aluno em seus primeiros passos pela vida – e que consigamos ajudá-lo a construí-la doce, forte, humana e cheia da “esperança suficiente para fazê-la feliz”. Para quem, talvez, suponha ser tal desejo utopia, busco apoio ainda em Saramago (2004) quando diz: "O corpo que sonha é real, portanto, salvo opinião mais autorizada, também tem de ser real o sonho que ele estiver a sonhar". Que eu consiga fazer algo – nem que seja um pouco – para que este meu sonho seja real – é o melhor que posso querer de mim. 53 6. Referências BAIOCCHI, Maura. Butoh - veredas d’alma. São Paulo: Editora Palas Athena, 1995. BENJAMIM, Walter. Imagens de Pensamento. Lisboa: Editora Assírio & Alvim, 2004. BONDÍA, Jorge Larrosa. Tradução de João Wanderley Geraldi. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. 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Introdução 2. A ética e a estética do butoh 3. Do nada se fez tudo x de tudo se fez nada 4. Um pouco da história e uma tentativa de explicar o butoh 5. Conclusão ou como isso ajuda a pensar o corpo na escola 6. Referências