1 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia de Materiais (POSMAT) Rafael Furlan de Oliveira Desenvolvimento de dispositivos eletrônico-orgânicos e sua aplicação como sensores em meio aquoso SOROCABA 2014 2 Rafael Furlan de Oliveira Desenvolvimento de dispositivos eletrônico-orgânicos e sua aplicação como sensores em meio aquoso Tese apresentada como requisito à obtenção do título de Doutor pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Programa de Pós-graduação em Ciência e Tecnologia de Materiais, área de concentração Materiais Poliméricos, Cerâmicos, Híbridos e Nanoestruturais, sob a orientação da Profa. Dra. Marystela Ferreira e co-orientação do Prof. Dr. Neri Alves. Banca Examinadora: Profa. Dra. Marystela Ferreira Universidade Federal de São Carlos – Campus Sorocaba Prof. Dr. José Alberto Giacometti Universidade de São Paulo – Campus São Carlos Prof. Dr. Carlos Frederico de Oliveira Graeff Universidade Estadual Paulista – Campus Bauru Prof. Dr. Dante Luis Chinaglia Universidade Estadual Paulista – Campus Rio Claro Prof. Dr. Antonio Riul Júnior Universidade Estadual de Campinas SOROCABA 2014 3 Oliveira, Rafael Furlan de. Desenvolvimento de Dispositivos Eletrônico- orgânicos e sua Aplicação como Sensores em Meio Aquoso / Rafael Furlan de Oliveira, 2014 124 f. : il. Orientador: Marystela Ferreira Tese (Doutorado)–Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências, Bauru; Faculdade de Ciência e Tecnologia, Presidente Prudente, 2014 1. Bioeletrônica Orgânica. 2. EGOFETs. 3. Sensores e Biossensores. I. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências. Faculdade de Ciências e Tecnologia II. Título. 4 5 “Dedico este trabalho aos meus pais que nunca pouparam esforços durante minha caminhada” 6 “Conheço muitos que não puderam quando deviam, porque não quiseram quando podiam” (François Rabelais) 7 Agradecimentos Primeiramente a Deus pela vida e pela oportunidade concedida. A toda a minha família, Pai, Mãe e Nan pelo imenso amor, carinho e apoio incondicional durante toda uma vida de dedicação aos estudos. Vocês são meus maiores exemplos de vida. Obrigado por estarem sempre do meu lado, torcendo e rezando por mim! Eu os amo muito! A minha namorada Bianca pelo amor, carinho, paciência e incentivo durante essa caminhada que percorremos juntos, realizando sonhos e vivendo experiências compartilhadas. Obrigado Mor! Eu te amo muito! Aos meus orientadores, Profa. Marystela e Prof. Neri pelo incentivo, oportunidade, pela confiança e amizade durante essa longa e difícil jornada. To my supervisor Prof. Martin Taylor for the opportunity to do research in Bangor and his friendship and care during my stay in UK. Thanks Professor Martin! To my supervisor Prof. Fabio Biscarini for the opportunity to join his group in Italy. To my unofficial but essential advisor Dr. Stefano Casalini for his support, encouragement and friendship during my stay in Modena. Grazie Ste! 8 Aos colegas e amigos do laboratório de pesquisa da UFSCar de Sorocaba: Ane, Celina, Dani, Ju, Aline e Paula pelo convívio e amizade. Aos colegas e amigos da FCT/UNESP de Presidente Prudente: Élder, Makoto, Tiago, Marcelo, Aline, Maykel, Gabriel, Rogério, Natália, Maiza, Malu, Edilene, Citolino, Léo, Fernanda, Lao e Glenda. To my colleagues at Bangor University who have helped me a lot during my experience in UK: Colin, Paul, Karl, Eifion, Yanhua and Huw. Thank you guys! A tutti i miei amici e bravi ricertatori e ricercatrici dall’università di Modena e CNR di Bologna: Carlo, Ilaria, Alessandra, Chiodo, Adrica, Francesca, Silvia, Michele, Zhara, Marta, Luca, Marianna, Marcello, Giulia, Tobias, Mauro, Denis, Francesco, Nicola, Andrea, Cristiano e Massimiliano. Grazie mille ragazzi! À FAPESP pelo financiamento de meus estudos. Ao POSMAT pela oportunidade de cursar o doutorado. A todos aqueles que de alguma forma fizeram parte da minha vida durante essa caminhada. 9 DE OLIVEIRA, R. F., Desenvolvimento de dispositivos eletrônico-orgânicos e sua aplicação como sensores em meio aquoso. 2014. 124f. Tese (Doutor em Ciência e Tecnologia de Materiais) – UNESP, Sorocaba, 2014. RESUMO Neste trabalho investigou-se o uso de diversos materiais e arquiteturas de filmes finos na produção de dispositivos eletrônico-orgânicos para aplicações sensoriais em meio aquoso. Foram estudados dispositivos orgânicos do tipo capacitor MIS (metal-isolante-semicondutor), transistores de efeito de campo com eletrólito no gate (EGOFETs, na sigla em inglês) e transistores eletroquímicos (OECTs, na sigla em inglês). Diversos dielétricos como poliestireno (PS), poli(metilmetacrilato) (PMMA), poli(vinilideno fluoreto–co–trifluor etileno) (PVDF-TrFE) e poli(fenil-metilsilsesquioxano) (PSQ) foram avaliados na produção de capacitores MIS contendo poli(3-hexiltiofeno) (P3HT) como semicondutor com o objetivo final de produzir transistores de efeito de campo sensíveis a íons (ISOFETs, na sigla em inglês). Capacitores MIS com boas propriedades elétricas puderam ser obtidos utilizando PS/P3HT, entretanto, resultados indicaram sua ineficiência em água, o que levou ao desenvolvimento de EGOFETs e OECTs. EGOFETs e OECTs se mostraram alterativas muito mais atuais, atraentes e eficientes para a operação em meio líquido. Foram fabricados EGOFETs de P3HT e pentaceno e OECTs de poli(3,4-etilenodioxitiofeno):poli(estirenosulfonado) (PEDOT:PSS) sobre substratos flexíveis e rígidos. EGOFETs de pentaceno foram utilizados na produção de biossensores para a detecção de biomarcadores (interleucinas 4 e 6) relacionados a processos inflamatórios. Estes biossensores foram produzidos através da modificação do gate do dispositivo por monocamadas automontadas de Proteína G e anticorpos de interleucina 4 e 6. Biossensores EGOFETs se mostraram aptos a detectar, de maneira específica, interleucinas em concentrações em torno de 5 – 7 nano mol/L. Por fim, as características de operação de EGOFETs foram ainda avaliadas mediante o uso de filmes automontados (LbL, na sigla em inglês). Esta tese tem como objetivo colaborar com o desenvolvimento de novos sensores e biossensores baseados em dispositivos eletrônico- orgânicos. Palavras-chave: Bioeletrônica orgânica, dispositivos, EGOFETs, capacitor MIS, OECTs, sensores e biossensores. 10 DE OLIVEIRA, R. F., Desenvolvimento de dispositivos eletrônico-orgânicos e sua aplicação como sensores em meio aquoso. 2014. 124f. Tese (Doutor em Ciência e Tecnologia de Materiais) – UNESP, Sorocaba, 2014. ABSTRACT In this thesis a number of materials and thin film architectures have been investigated in the production of organic electronic devices for sensing applications in aqueous medium. Organic devices such as MIS (metal-insulator-semiconductor) capacitors, electrolyte-gated organic field- effect transistors (EGOFETs) and organic electrochemical transistors (OECTs) have been studied. Several dielectric materials such as polystyrene (PS), poly(methyl methacrylate) (PMMA), poly(vinylidenefluoride-co-trifluoroethylene) (PVDF-TrFE) and poly(phenyl- methylsilsesquioxane) (PSQ) have been evaluated in the production of MIS capacitors containing poly(3-hexylthiophene) (P3HT) as semiconducting material for the purpose of the development of an ion-sensitive organic field-effect transistor (ISOFET). PS/P3HT-based MIS capacitors exhibited good electrical properties, however, results pointed out their inefficiency when operated in water, which led to development of EGOFETs and OECTs. EGOFETs and OECTs have shown to be more modern, attractive and efficient alternatives for sensing in liquids. Thus, P3HT and pentacene-based EGOFETs and poly(3,4-ethylenedioxythiophene):poly(styrenesulfonate) (PEDOT:PSS)-based OECTs have been fabricated onto flexible and rigid substrates. Pentacene EGOFETs have been used to produce biosensors to detect biomarkers (interleukins 4 and 6) related to inflammation. These biosensors have been produced exploiting their gate electrode modification by self-assembled monolayers of Protein G and interleukin 4 and 6 antibodies. EGOFET biosensors have shown to be able to detect, in a specific manner, interleukins in concentration as low as 5 – 7 nano mol/L. At last, the operational characteristics of EGOFETs have been assessed using layer-by-layer ultrathin films. This thesis has the main purpose to contribute to the development of new sensors and biosensors based on organic electronic devices. Keywords: Organic bioelectronics, devices, EGOFETs, MIS capacitors, OECTs, sensors and biosensors 11 LISTA DE FIGURAS Figura 1: Arquiteturas mais comuns encontradas na literatura para dispositivos eletrônico- orgânicos utilizados como sensores e biossensores. ...................................................... 25 Figura 2: Arquitetura típica de (a) ISOFETs, (b) OFETs e (c) capacitores MIS. .......................... 30 Figura 3: Regime de acumulação em (a) OFET e (b) capacitor MIS. ........................................... 31 Figura 4: Regime de depleção para (a) OFET e (b) capacitor MIS. .............................................. 32 Figura 5: Representação do OFET em regime (a) linear e (b) de saturação. ................................. 33 Figura 6: Curvas características de um transistor (a) curva de saída e (b) curva de transferência. 34 Figura 7: Esboço da curva de capacitância em função (a) da voltagem do gate e (b) da frequência para um capacitor MIS. A perda dielétrica corresponde a capacitância imaginária do dispositivo. ..................................................................................................................... 35 Figura 8: Arquitetura de um ISOFET e ilustração de seu mecanismo de detecção. ...................... 38 Figura 9: Comportamento da curva de transferência em aplicações sensoriais de OFETs. ........... 38 Figura 10: Esboço da (a) estrutura e da (b) variação do potencial elétrico em EGOFETs.. .......... 40 Figura 11: Princípio de operação de OECT. a) sem aplicação de tensão no gate e b) gate com tensão positiva. .............................................................................................................. 42 Figura 12: a) gráfico de Nyquist para o sistema eletroquímico descrito pelo b) circuito de Randles. ......................................................................................................................... 46 Figura 13: Estruturas químicas de (a) PS, (b) PMMA, (c) PSQ, (d) PVDF-TrFE, (e) PEDOT:PSS, (f) PEI, (g) PVS, (h) P3HT e (i) Pentaceno. .................................................................. 47 Figura 14: (a) interleucina 6 (IL-6), (b) interleucina 4 (IL-4) e (c) Proteína G. ............................ 49 Figura 15: Ilustração do processo de fabricação de capacitores MIS. ........................................... 52 Figura 16: a) Arquitetura final dos EGOFETs flexíveis fabricados. .............................................. 53 12 Figura 17: Microscopia óptica (25x) dos eletrodos (fonte e dreno) produzidos por ablação a laser. ....................................................................................................................................... 54 Figura 18: Esquema da funcionalização de eletrodos de gate em EGOFETs utilizando a) proteína G e anticorpo e, subsequente, reconhecimento do antígeno de interesse e b) filmes LbL de PEI e PVS. ................................................................................................................ 55 Figura 19: Arquitetura dos OECTs produzidos. ............................................................................. 57 Figura 20: Arquitetura do capacitor MIS ITO/P3HT/PS/Au. ........................................................ 58 Figura 21: Microscopias (a) óptica (25x) e (b) força atômica da região do dielétrico no dispositivo ITO/P3HT/PS. Detalhe: Fotografia do dispositivo. ...................................................... 59 Figura 22: Curvas de capacitância em função (a) da tensão de polarização e (b) da frequência para o dispositivo MIS ITO/P3HT/PS/Au. .................................................................... 60 Figura 23: Configuração utilizada nos capacitores MIS ITO/P3HT/PS para testes em água. ....... 62 Figura 24: Capacitância e perda dielétrica em função da frequência para o dispositivo ITO/P3HT/PS/H2O/Ag. ................................................................................................. 62 Figura 25: Imagens de AFM da superfície do substrato de PEN a) área sem eletrodos b) área sobre o eletrodo. Detalhe: Perfil da altura do eletrodo indicando a espessura deste. .... 64 Figura 26: Curvas (a) de saída e (b) de transferência para o EGOFET de P3HT fabricado sobre PEN. Medidas realizadas em água com eletrodo de gate de Pt. Detalhe: geometria de eletrodos utilizada (W/L = 107). .................................................................................... 65 Figura 27: Sensibilidade potenciométrica do EGOFET de P3HT (gate de Pt) fabricado em substrato de PEN. Medidas realizadas em água. ........................................................... 67 Figura 28: Curva de (a) saída e (b) de transferência para o EGOFET de pentaceno fabricado sobre PEN. Medidas realizadas em água com eletrodo de gate de Pt. Detalhe: geometria de eletrodos utilizada (W/L = 382). .................................................................................... 68 Figura 29: Sensibilidade potenciométrica para o EGOFET de pentaceno (gate de Pt) fabricado sobre PEN. ..................................................................................................................... 69 Figura 30: Imagens de AFM do filme de pentaceno depositado sobre PEN: (a) sobre os eletrodos de fonte e dreno (b) região ampliada dentro do canal ................................................... 70 13 Figura 31: Morfologia do filme de pentaceno dentro do canal (a) 10 x 10, (b) 5 x 5 e (c) 2 x 2 μm. ....................................................................................................................................... 71 Figura 32: Morfologia do pentaceno sobre os eletrodos de fonte e dreno (a) 10 x 10, (b) 5 x 5 e (c) 2 x 2 μm. ................................................................................................................... 71 Figura 33: Curvas (a) de saída e (b) de transferência para o EGOFET de pentaceno fabricado sobre quartzo. Medidas realizadas em água com eletrodo de gate de Pt. ...................... 72 Figura 34: Curvas (a) de saída e (b) de transferência para o EGOFET de pentaceno fabricado sobre quartzo. Medidas realizadas em PBS 100 mmol/L com eletrodo de gate de Pt. . 73 Figura 35: Curvas (a) de saída e (b) de transferência para o EGOFET de pentaceno fabricado sobre quartzo. Medidas realizadas em água com eletrodo de gate de Au. .................... 74 Figura 36: Curvas (a) de saída e (b) de transferência para o EGOFET de pentaceno fabricado sobre quartzo. Medidas realizadas em PBS 100 mM com eletrodo de gate de Au. ...... 74 Figura 37: Sensibilidade potenciométrica para o EGOFET de pentaceno fabricado sobre quartzo. Medidas realizadas em PBS com gate de Pt. ................................................................. 75 Figura 38: Gráfico de Nyquist para o eletrodo de gate de Au antes da funcionalização com Proteína G, depois desta e após lavagem do eletrodo em imidazol. .............................. 78 Figura 39: Gráficos de Nyquist para a funcionalização do gate (a) com anti-IL6 e (b) anti-IL4. . 79 Figura 40: Curvas de transferência para o EGOFET de pentaceno após as etapas de funcionalização (Proteína G e anticorpo) e de detecção dos antígenos (a) IL6 e (b) IL4. ....................................................................................................................................... 80 Figura 41: Mobilidades e VTH normalizadas para as etapas de funcionalização do gate na detecção de (a) IL6 e (b) IL4. ....................................................................................................... 81 Figura 42: (a) Curva de saída e (b) curva de transferência para o OECT de PEDOT:PSS fabricado sobre PEN. Medidas realizadas com gate de Pt em NaCl 100 mmol/L. ....................... 83 Figura 43: a) Curva de saída e (b) curva de transferência para o OECT de PEDOT:PSS fabricado sobre quartzo. Medidas realizadas com gate de Pt em água. ......................................... 84 14 Figura 44: a) Curva de saída e (b) curva de transferência para o OECT de PEDOT:PSS fabricado sobre quartzo. Medidas realizadas com gate de Pt em PBS. ......................................... 84 Figura 45: a) Curva de saída e (b) curva de transferência para o OECT de PEDOT:PSS fabricado sobre quartzo. Medidas realizadas com gate de Pt em sangue. ..................................... 85 Figura 46: a) Representação típica de o capacitor MIS com gate no topo; b) diagrama ilustrando o regime de acumulação e c) regime de depleção. ........................................................... 89 Figura 47: Circuitos equivalentes para o (a) regime de acumulação e (b) regime de depleção. .... 90 Figura 48: Curvas típicas de (a) capacitância e (b) perda dielétrica em função da tensão no gate. ....................................................................................................................................... 92 Figura 49: Curvas típicas de (a) capacitância e (b) perda dielétrica em função da frequência para um capacitor MIS. ......................................................................................................... 93 Figura 50: Espectro da solução de P3HT em clorofórmio (preto) e do filme de P3HT (azul). ..... 95 Figura 51: (a) Microscopia óptica (50x) e (b) AFM do filme de P3HT. ........................................ 96 Figura 52: Microscopias ópticas (100x) de filmes de (a) PMMA, (b) PVDF-TrFE e (c) PS depositados sobre P3HT. ............................................................................................... 97 Figura 53: (a) Curva de capacitância e (b) curva de perda dielétrica em função da frequência para diferentes tensões de gate (-15 V a +15 V) no dispositivo MIS ITO/P3HT/PS/Au. ..... 98 Figura 54: Perda em função da frequência para VG entre +1 V e +4 V. ........................................ 99 Figura 55: Capacitância e perda dielétrica em função da tensão no gate (100 mV AC e 1 kHz) - ITO/P3HT/PS/Au. ....................................................................................................... 101 Figura 56: Curvas de (a) capacitância e (b) perda dielétrica em função da voltagem no gate para diferentes frequências do sinal AC (100 mV). ............................................................ 103 Figura 57: Curva corrente-tensão para o dispositivo ITO/P3HT/PS/Au. ..................................... 104 Figura 58: Efeito comparativo do tratamento térmico sobre (a) curvas de capacitância e perda em função da frequência e (b) capacitância e perda em função da voltagem do gate. ...... 105 15 Figura 59: Evolução do pico de perda em função da frequência para diversas horas de exposição do dispositivo a atmosfera. .......................................................................................... 107 Figura 60: (a) Curva de capacitância e (b) curva de perda dielétrica em função da frequência para diferentes tensões de gate no dispositivo MIS ITO/PSQ/P3HT/Au. ........................... 109 Figura 61: Capacitância e perda dielétrica em função da voltagem no gate (à 100 mV AC e 80 Hz) para o dispositivo ITO/PSQ/P3HT/Au. ................................................................ 111 Figura 62: Curvas de transferência de EGOFET de pentaceno para várias etapas de adição de polieletrólitos. Medidas realizadas em água e gate de Au. .......................................... 112 Figura 63: Curva de transferência de um EGOFET de pentaceno para demais etapas de adição de polieletrólitos. .............................................................................................................. 113 Figura 64: (a) gráfico de Nyquist para o eletrodo de gate de Au antes e após a funcionalização com 10 bicamadas de PEI/PVS e (b) curva de transferência para o EGOFET de pentaceno com gate funcionalizado com 10 bicamadas PEI/PVS. ............................. 115 16 LISTA DE SÍMBOLOS A- Área CDCE – Capacitância da dupla camada elétrica CI – Capacitância do isolante CS – Capacitância do volume do semicondutor CW – Capacitância da camada de depleção D – Densidade de estados interfaciais dI – Espessura do isolante dS – Espessura do semicondutor dW – Espessura da camada de depleção gm – Transcondutância Gp – Condutância Gp/ω – Perda dielétrica IDS – Corrente elétrica entre fonte e dreno k – Constante dielétrica Na – Densidade de dopagem do semicondutor q – Carga elementar RI – Resistência elétrica do isolante RS – Resistência elétrica do volume do semicondutor Rtc – Resistência de transferência de carga VDS – Voltagem entre fonte e dreno VG – Voltagem aplicada no gate VGS – Voltagem entre gate e fonte VTH – Voltagem limiar de chaveamento W/L – Razão largura/comprimento do canal Y – Admitância Z – Impedância elétrica ε0 – Permissividade elétrica do vácuo εS – Permissividade elétrica do semicondutor ϕD – Potencial dipolar superficial µ – Mobilidade dos portadores de carga do semicondutor ρI – Resistividade elétrica do isolante ρS – Resistividade elétrica do semicondutor 17 LISTA DE ABREVIAÇÕES AC – Corrente alternada AFM – Microscopia de força atômica Anti-IL4 – Anticorpo da interleucina 4 Anti-IL6 – Anticorpo da interleucina 6 DC – Corrente contínua DCE – Dupla camada elétrica EGOFETs – Transistores orgânicos de efeito de campo com eletrólito no gate FET – Transistores de efeito de campo IgG – Imunoglobulina G IL4 – Interleucina 4 IL6 – Interleucina 6 ISFETs – Transistores de efeito de campo sensíveis a íons ISOFETs – Transistores orgânicos de efeito de campo sensíveis a íons ITO – Óxido de estanho-índio LbL – Filmes camada por camada MEC – Metil etil cetona MIS – Metal-Isolante-Semicondutor MW – Relaxação Maxwell-Wagner Nd:YAG – Granada de ítrio e alumínio dopado com neodímio OECTs – Transistores eletroquímicos orgânicos OFETs – Transistores orgânicos de efeito de campo P3HT – Poli(3-hexiltiofeno) PBS – Solução tampão fosfato PDMS – Poli(dimetil siloxano) PEDOT:PSS – Poli(3,4- etilenodioxitiofeno):poli(estirenosulfonado) PEI – Polietileno imina PEN – Poli(etileno naftaleno) PMMA – Poli(metil metacrilato) PS – Poliestireno PSQ – Poli(fenil-metilsilsesquioxano) PVDF-TrFE – Poli(vinilideno fluoreto–co– trifluor etileno) PVS – Poli(ácido vinil sulfônico) 18 LISTA DE TABELAS Tabela 1: Parâmetros extraídos da caracterização elétrica de EGOFETs flexíveis de P3HT. ....... 68 Tabela 2: Parâmetros extraídos da caracterização elétrica de EGOFETs flexíveis de pentaceno. 69 Tabela 3: Valores médios obtidos de transcondutância (gm) e mobilidade (µ) para EGOFETs de pentaceno fabricados sobre substratos de quartzo. ........................................................ 76 Tabela 4: Valores de RTC extraídos da caracterização eletroquímica da funcionalização do eletrodo de Au. ............................................................................................................... 79 Tabela 5: Dados comparativos para o dispositivo ITO/P3HT/PS/Au antes e após o tratamento térmico. ........................................................................................................................ 106 19 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO .................................................................................................................................................... 20 CAPÍTULO 1: INTRODUÇÃO ............................................................................................................................... 23 CAPÍTULO 2: ASPECTOS TEÓRICOS ................................................................................................................ 30 2.1 DISPOSITIVOS ELETRÔNICO-ORGÂNICOS ...................................................................................................................... 30 2.2 PRINCÍPIOS DE OPERAÇÃO DE DISPOSITIVOS ELETRÔNICO-ORGÂNICOS EM MEIO AQUOSO ...................................................... 37 2.3 ESPECTROSCOPIA DE IMPEDÂNCIA ELÉTRICA E ELETROQUÍMICA ........................................................................................ 43 CAPÍTULO 3: DETALHES EXPERIMENTAIS ................................................................................................... 47 3.1 MATERIAIS ............................................................................................................................................................ 47 3.2 FABRICAÇÃO DE CAPACITORES MIS ............................................................................................................................ 51 3.3 FABRICAÇÃO DE EGOFETS ....................................................................................................................................... 53 3.4 FUNCIONALIZAÇÃO DOS ELETRODOS DE GATE EM EGOFETS ........................................................................................... 55 3.5 FABRICAÇÃO DE OECTS ........................................................................................................................................... 56 3.6 MEDIDAS ELÉTRICAS E ELETROQUÍMICAS ..................................................................................................................... 57 CAPÍTULO 4: RESULTADOS E DISCUSSÃO ..................................................................................................... 58 4.1 CAPACITORES MIS .................................................................................................................................................. 58 4.1.1 Caracterização morfológica ....................................................................................................................... 59 4.1.2 Caracterização elétrica .............................................................................................................................. 60 4.1.3 Teste de operação do dispositivo em meio líquido .................................................................................... 61 4.2 EGOFETS FABRICADOS SOBRE SUBSTRATOS FLEXÍVEIS ................................................................................................... 64 4.2.1 Caracterização dos substratos flexíveis ..................................................................................................... 64 4.2.2 EGOFETs baseados em P3HT ..................................................................................................................... 65 4.2.3 EGOFETs baseados em pentaceno ............................................................................................................. 68 4.3 EGOFETS FABRICADOS SOBRE SUBSTRATOS RÍGIDOS ..................................................................................................... 71 4.3.1 Caracterização morfológica ....................................................................................................................... 71 4.3.2 Caracterização elétrica .............................................................................................................................. 72 4.4 BIOSSENSORES EGOFET PARA A DETECÇÃO DE INTERLEUCINAS ....................................................................................... 77 4.5 TRANSISTORES ELETROQUÍMICOS ORGÂNICOS (OECTS) ................................................................................................ 83 CAPÍTULO 5: CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................................... 86 5.1 CONCLUSÕES ......................................................................................................................................................... 86 5.2 PUBLICAÇÕES NO PERÍODO E EM DESENVOLVIMENTO ..................................................................................................... 87 APÊNDICE A: APROFUNDAMENTO TEÓRICO ACERCA DE CAPACITORES MIS ................................ 89 APÊNDICE B: ESTUDOS COMPLEMENTARES ENVOLVENDO CAPACITORES MIS ........................... 95 APÊNDICE C: ESTUDOS COMPLEMENTARES ENVOLVENDO EGOFETS ............................................ 112 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................................................... 117 20 APRESENTAÇÃO Diante do crescente desenvolvimento da eletrônica orgânica em direção à produção de dispositivos leves, flexíveis e de baixo custo, um desafio que se apresenta é o aproveitamento de seu potencial para o desenvolvimento de sensores1 químicos e biossensores. Estes, geralmente, exigem operação em meio líquido, devido à natureza biológica ou química de alguns de seus componentes ou ainda por conta de sua aplicação. Entretanto, a água é um conhecido agente agressivo a componentes elétricos e eletrônicos tradicionais. A versatilidade oferecida pela eletrônica orgânica pode auxiliar o desenvolvimento de dispositivos e sistemas eletrônico- orgânicos que possam operar de maneira eficaz em água e assim proporcionar novas tecnologias para o sensoriamento em solução. Esta tese tem como principal objetivo contribuir para o desenvolvimento de dispositivos eletrônico-orgânicos para essa finalidade. Motivados pelo sucesso tecnológico e comercial de mais de 40 anos dos transistores inorgânicos sensíveis a íons (ISFETs, do inglês Ion-Sensitive Field-Effect Transistors), iniciamos o desenvolvimento de um sensor eletrônico-orgânico pela produção de um ISFET orgânico (ISOFET). Ao iniciar o presente trabalho, a literatura apresentava poucos estudos envolvendo ISOFETs, sendo que a maioria destes se utilizava ainda de dielétricos inorgânicos em sua estrutura. A fim de produzir sensores e biossensores eletrônicos completamente orgânicos, decidiu-se por avaliar diversos materiais e arranjos de filmes finos utilizando um dispositivo muito mais simples: o capacitor MIS (metal-isolante-semicondutor). O capacitor MIS é a unidade fundamental de transistores de efeito de campo, e consequentemente, de sensores e biossensores que se derivam destes. Além disso, o capacitor MIS fornece informações sobre os materiais e interfaces envolvidas que permitem a determinação da melhor combinação entre semicondutores 1 Entenda-se aqui como sensor apenas transdutores operantes em meio líquido. Essa tese não abordará conceitos e aplicações relativos a sensores de vapor ou gases. 21 e dielétricos. Ressalta-se ainda que capacitores MIS fabricados da maneira apresentada nesta tese, isto é, com o dielétrico sobre a camada de semicondutor, ambos depositados por solução, é algo pouco usual na eletrônica orgânica, representando assim outro desafio tecnológico a ser superado nesta tese. No decorrer do trabalho, após avaliar diversos materiais na produção de capacitores MIS com boas propriedades elétricas para o desenvolvimento de ISOFETs, nos deparamos com problemas relacionados à tensão de operação destes dispositivos em solução. A literatura apontava diversas estratégias para contornar esses problemas, entretanto, observou-se também o surgimento de novos dispositivos de arquitetura muito mais simples e atraentes: os transistores orgânicos de efeito de campo com eletrólito no gate (EGOFETs, do inglês Electrolyte-Gated Organic Field-Effect Transistors). Os EGOFETs passaram a ganhar destaque na literatura científica por operaram exclusivamente em meio aquoso, ou seja, precisam do meio líquido para funcionar e não apresentam problemas de tensão de operação nessas condições. Deste modo, diante do surgimento e sucesso desse tipo de dispositivo, além de transistores eletroquímicos (OECTs, do inglês Organic Electrochemical Transistors) que também têm se mostrarado dispositivos interessantes, redirecionamos as atividades deste trabalho para o estudo de EGOFETs como um sensor e biossensor eletrônico-orgânico. Apresenta-se nesta tese resultados sobre a produção de EGOFETs sob substratos rígidos e flexíveis, sua operação em água deionizada e tampão fosfato, e sua aplicação como biossensores para a detecção de biomarcadores (interleucinas) relacionados a processos inflamatórios. Resultados relativos aos estudos iniciais envolvendo capacitores MIS, sua caracterização elétrica e limitações para aplicações como sensores em meio líquido são também apresentados. Por fim, alguns resultados envolvendo OECTs são discutidos a fim de ilustrar seu potencial também como dispositivo sensorial em solução. 22 Esta tese está estruturada em 5 (cinco) capítulos: O capítulo 1 proporciona uma introdução aos sensores eletrônico-orgânicos mais frequentes na literatura, o capítulo 2 aborda conceitos referentes ao funcionamento destes dispositivos e diversas aplicações recentes de seu uso, o capítulo 3 apresenta todos os detalhes experimentais envolvidos na produção dos dispositivos estudados, o capítulo 4 apresenta os principais resultados envolvendo capacitores MIS, EGOFETs e OECTs na busca por um dispositivo eficiente na operação em solução, com destaque ainda na produção de biossensores EGOFETs para a detecção de interleucina, e o capítulo 5 aborda as considerações finais sobre o trabalho desenvolvido. 23 Capítulo 1: Introdução A necessidade em desenvolver métodos analíticos eficientes para a detecção de espécies químicas ou biológicas nas áreas da saúde, alimentícia, de proteção ao meio ambiente, entre outras, é a principal motivação para o desenvolvimento de sensores e biossensores (KERGOAT et al., 2012b; LIAO; YAN, 2013; LUONG; MALE; GLENNON, 2008; PRIVETT; SHIN; SCHOENFISCH, 2008). Sensores e biossensores são elementos de transdução que transformam informações químicas, como concentração ou composição de uma dada espécie, em um sinal analítico mensurável (CAMMANN et al., 1991; THÉVENOT et al., 2001). Sua estrutura é formada pelo próprio transdutor, combinado com o elemento de reconhecimento, denominado receptor, onde ocorre o evento físico-químico relacionado à sua interação com o analito (THÉVENOT et al., 2001). Dessa maneira, biossensores são sensores químicos que se utilizam de receptores biológicos como enzimas, anticorpos, proteínas, DNA, etc (THÉVENOT et al., 2001). Devido ao caráter biológico destes receptores, ou ainda de algumas moléculas e analitos, biossensores e alguns sensores químicos necessitam operar em meio aquoso. O sucesso de sensores e biossensores deste tipo envolve, obviamente, a obtenção de transdutores que apresentem estabilidade de operação em solução, além de características gerais como alta sensibilidade e seletividade, rápida resposta e baixo custo (LUONG; MALE; GLENNON, 2008). No sentido de produzir sensores e biossensores eficazes, inúmeros esforços vêm sendo apresentados na literatura envolvendo a produção de protótipos de diversas formas e utilizando diferentes tipos de materiais e princípios de transdução (GERARD; CHAUBEY; MALHOTRA, 2002; LIAO; YAN, 2013; PRIVETT; SHIN; SCHOENFISCH, 2008). Dentre estas estratégias, a utilização de dispositivos eletrônicos como transistores, por exemplo, pode ser uma opção muito 24 atraente (CRAMER et al., 2013a; LIAO; YAN, 2013; MABECK; MALLIARAS, 2006; SCHÖNING; POGHOSSIAN, 2006; TARABELLA et al., 2013). Embora tradicionalmente relacionados à microeletrônica, transistores têm sido explorados como sensores e biossensores devido à sensibilidade a presença de cargas elétricas em sua estrutura (CRAMER et al., 2013a; LIAO; YAN, 2013; MABECK; MALLIARAS, 2006; SCHÖNING; POGHOSSIAN, 2006). Nestes dispositivos, eventos (bio)químicos em uma de suas interfaces e que envolvam a participação de cargas elétricas (produção, remoção ou a polarização) são refletidos em mudanças na operação do dispositivo, atuando então como sensor (CRAMER et al., 2013a; LIAO; YAN, 2013; MABECK; MALLIARAS, 2006; SCHÖNING; POGHOSSIAN, 2006). Transistores são atraentes para o sensoriamento por apresentarem características como capacidade de amplificação de sinais elétricos, versatilidade, multiparametricidade2 e possibilidade de integração com outros circuitos eletrônicos (BARTIC; BORGHS, 2005; CRAMER et al., 2013a; KERGOAT et al., 2012b; LIAO; YAN, 2013; LIN; YAN, 2012; MABECK; MALLIARAS, 2006; SCHÖNING; POGHOSSIAN, 2002, 2006; TARABELLA et al., 2013; TORSI; DODABALAPUR, 2005; YUQING; JIANGUO; JIANRONG, 2003). Sua integração a outros componentes permite o desenvolvimento de plataformas de sensoriamento mais completas como lab-on-a-chip (HE et al., 2012). O primeiro uso de dispositivos eletrônicos em aplicações sensoriais foi apresentado em 1970, quando Bergveld modificou um transistor de silício visando à detecção de íons de sódio em aplicações neurológicas (BERGVELD, 1970). Com o desenvolvimento da eletrônica orgânica, o interesse em utilizar dispositivos eletrônicos em aplicações sensoriais reascendeu devido à possibilidade de utilizar métodos de síntese orgânica na funcionalização de materiais e 2 Entenda-se multiparametricidade como o uso de diversos parâmetros que caracterizam transistores como mobilidade, voltagem limiar, razão de corrente ON/OFF na avaliação do dispositivo em aplicações sensoriais. 25 dispositivos com novas propriedades (BARTIC; BORGHS, 2005; CRAMER et al., 2013a; KERGOAT et al., 2012b; LIAO; YAN, 2013; LIN; YAN, 2012; MABECK; MALLIARAS, 2006; TARABELLA et al., 2013; TORSI; DODABALAPUR, 2005; TORSI et al., 2013). Desta forma, diversos dispositivos eletrônico-orgânicos passaram a ser desenvolvidos para aplicações sensoriais e biossensoriais em meio líquido, como ilustrado na Figura 1. Figura 1: Arquiteturas mais comuns encontradas na literatura para dispositivos eletrônico-orgânicos utilizados como sensores e biossensores. Figura adaptada de (KERGOAT et al., 2012b). Transistores de efeito de campo orgânicos sensíveis a íons (ISOFETs) foram reportados pela primeira vez em 2002 por Bartic e colaboradores (BARTIC et al., 2002). Sua estrutura, semelhante àquela ilustrada na Figura 1a, tem inspiração nos ISFETs, dispositivos inorgânicos sensoriais muito bem estabelecidos desde 1970 (BERGVELD, 1970). Assim como seus análogos inorgânicos, ISOFETs são dispositivos sensíveis a mudanças no potencial elétrico em sua superfície, provenientes de eventos (bio)químicos no dielétrico, que resultavam em alterações na operação do dispositivo (BARTIC et al., 2002; KERGOAT et al., 2012b). O primeiro ISOFET utilizava o poli(3-hexilthiofeno) (P3HT) como semicondutor e o nitreto de silício (Si3N4) como dielétrico sensível à íons H+ (BARTIC et al., 2002). Entretanto, sua principal limitação era a alta tensão de operação do dispositivo (~ 10 V) que poderia ocasionar a eletrólise da água quando operado em solução. Para contornar esse problema o grupo de Bartic relatou o uso do óxido de 26 tântalo (Ta2O5) como dielétrico que, devido a sua maior capacitância, reduziu a tensão de operação do dispositivo (BARTIC; CAMPITELLI; BORGHS, 2003). Bartic demonstrou ainda o potencial deste dispositivo como biossensor na detecção de glicose (BARTIC; CAMPITELLI; BORGHS, 2003). Na literatura, diversos outros exemplos de sensores do tipo ISOFETs podem ser encontrados, como transistores de P3HT/SiO2 na detecção de íons Na+, K+ e Ca2+ (SCARPA et al., 2010). ISOFETs completamente orgânicos para a determinação de pH (LOI; MANUNZA; BONFIGLIO, 2005; RITJAREONWATTU et al., 2010), entre outros (BARTIC; BORGHS, 2005; KERGOAT et al., 2012b; LIAO; YAN, 2013; MABECK; MALLIARAS, 2006). A operação de dispositivos eletrônicos em meio aquoso requer que sua tensão de operação seja baixa (< 1V) para evitar a eletrólise da água (CRAMER et al., 2013a). Essa limitação na tensão de operação de dispositivos pode ser contornada, por exemplo, realizando a detecção do analito “a seco” (STOLIAR et al., 2009; YAN et al., 2009; ZHANG; SUBRAMANIAN, 2007). Estratégias desse tipo foram apresentadas utilizando transistores orgânicos de efeito de campo (OFETs, do inglês Organic Field-Effect Transistors) funcionalizados com um dado elemento de reconhecimento, por exemplo, DNA de fita simples (ZHANG; SUBRAMANIAN, 2007). O dispositivo é então exposto ao analito de interesse, nesse caso ao DNA complementar, enxaguado e medido “a seco”. A hibridização do DNA é então detectada por meio de mudanças na operação do dispositivo (ZHANG; SUBRAMANIAN, 2007). Desta forma, mesmo um analito que requer preparo e manuseio em solução pode ser detectado sem a necessidade de cuidados com a tensão de operação do sensor (ZHANG; SUBRAMANIAN, 2007). Alguns exemplos de OFETs similares podem ser encontrados na literatura (MADDALENA et al., 2010; YAN et al., 2009). Estratégias recentes apresentadas na literatura (Figuras 1b, 1c e 1d) envolvem exposição direta do semicondutor ao meio líquido (CRAMER et al., 2013a; KERGOAT et al., 2012b; LIAO; YAN, 2013; TARABELLA et al., 2013). Apesar de algumas publicações relatarem o 27 efeito negativo da presença de vapor de água no desempenho de OFETs para aplicações eletrônicas (HOSHINO, 2004; QIU et al., 2003), em 2002 Someya e colaboradores mostraram pela primeira vez a possibilidade de operar um OFET de maneira estável mesmo com o contato direto do semicondutor com o meio líquido (SOMEYA; DODABALAPUR; GELPERIN, 2002). Someya relatou a fabricação de um OFET com arquitetura semelhante aquela ilustrada na Figura 1b. A operação do dispositivo era possível desde que os eletrodos de fonte e dreno fossem protegidos do contato com a água (SOMEYA; DODABALAPUR; GELPERIN, 2002). Nesta mesma publicação, Someya e colaboradores demonstraram a possibilidade de detectar ácido lático e glicose explorando a interação destas moléculas com os contornos de grão do semicondutor (SOMEYA; DODABALAPUR; GELPERIN, 2002). A partir desta demonstração, estratégias expondo o semicondutor a uma dada solução eletrolítica têm se tornado cada vez mais utilizadas em aplicações sensoriais (CRAMER et al., 2013a; KERGOAT et al., 2010; LIAO; YAN, 2013; TARABELLA et al., 2013). A exposição direta do semicondutor a um meio líquido proporciona maior sensibilidade ao dispositivo, uma vez que o sensoriamento acontece na superfície de sua camada ativa. Esse tipo de configuração permite ainda novos tipos de funcionalização do sensor através de síntese orgânica e engenharia de superfície do semicondutor (CRAMER et al., 2013a; TARABELLA et al., 2013). Outra arquitetura interessante recentemente demonstrada expondo o semicondutor ao meio líquido está ilustrada na Figura 1c e corresponde a um OFET de gate duplo. Sensores que exploram, por exemplo, mudanças na voltagem limiar3 VTH do dispositivo como parâmetro sensorial, ganham ainda mais sensibilidade quando operados em uma arquitetura de gate duplo (SPIJKMAN et al., 2010). Qualquer evento (bio)químico que ocorra em uma das superfícies do 3Tensão efetiva necessária para “ligar” o transistor. Detalhes acerca de VTH e dos próprios transistores são discutidos no item 2.1 28 transistor e que causaria uma mudança na VTH deste, é amplificado pela contribuição da capacitância da dupla camada elétrica formada na interface gate imerso/eletrólito, refletindo em ΔVTH ainda maiores (SPIJKMAN et al., 2010). A presença de um gate imerso permite ainda explorar novas funcionalizações do dispositivo a partir da engenharia de superfície do eletrodo metálico, como por exemplo, sua modificação por monocamadas automontadas (CHEN; LI, 2006). Embora esse tipo de dispositivo tenha sido demonstrado como sensor de pH (SPIJKMAN et al., 2010), seu potencial sensorial precisa ser mais investigado. A participação da dupla camada elétrica na operação de sensores em transistores orgânicos foi ainda mais explorada em dispositivos conhecidos como transistores de efeito de campo orgânicos com eletrólito no gate (EGOFETs) (KERGOAT et al., 2010). Em 2010, Kergoat e colaboradores demonstraram a possibilidade de controlar o potencial elétrico em um transistor contendo apenas o semicondutor em contato com eletrólito, como ilustrado na Figura 1d. O potencial elétrico aplicado entre o eletrodo de gate e o canal do semicondutor, induz a formação de uma dupla camada elétrica (DCE) na interface eletrólito/semicondutor (CRAMER et al., 2012, 2013a; KERGOAT et al., 2010). Devido à espessura subnanométrica da DCE, capacitâncias na ordem de algumas dezenas de µF/cm2 surgem na superfície, atuando como dielétrico do gate nestes dispositivos (CRAMER et al., 2012, 2013a; KERGOAT et al., 2010). Como consequência, EGOFETs apresentam tensões de operação abaixo de 1 V evitando reações de eletrólise da água (CRAMER et al., 2012, 2013a; KERGOAT et al., 2010). Dispositivos do tipo EGOFETs simplificam em muito o processo de fabricação de sensores, devido a sua arquitetura simples, além de abrir novas possibilidades para a funcionalização tanto do gate como na superfície do semicondutor. Alguns exemplos incluem os trabalhos de Casalini e colaboradores que funcionalizaram o gate de um EGOFET de P3HT para detectar dopamina (CASALINI et al., 2013), de Buth e colaboradores que funcionalizaram a superfície do α- 29 sexitiofeno com a enzima penicilinase (BUTH et al., 2012), além de trabalhos reportando a fabricação de EGOFETs de rubreno (KERGOAT et al., 2010), pentaceno (CAMPANA et al., 2013) e diversas aplicações sensoriais recentes (BUTH et al., 2011; CRAMER et al., 2013b; KERGOAT et al., 2012a; SCHMOLTNER et al., 2013; SUSPÈNE et al., 2013). Por fim, outro tipo dispositivo orgânico que tem sido utilizado em aplicações sensoriais em meio líquido é o transistor orgânico eletroquímico (OECTs, na sigla em inglês), como ilustrado na Figura 1e. O primeiro OECT foi demonstrado por Wrighton e colaboradores em 1984 (H.S. WHITE, G.P. KITTLESEN, 1984) e desde então estes têm sido utilizados em diversas aplicações como no registro de sinais eletrocardiográficos (CAMPANA et al., 2014) ou ainda no monitoramento da atividade cerebral de cobaias (KHODAGHOLY et al., 2013). Em OECTs, o eletrodo de gate também é imerso em uma solução eletrolítica que permanece em contato com a camada ativa do dispositivo. Entretanto, nestes o material orgânico entre os eletrodos de fonte e dreno é um semicondutor dopado (ou também denominado de polímero condutor). O chaveamento de OECTs se deve a íons que entram na estrutura do polímero, mediante a aplicação de tensão no gate, causando sua desdopagem. Sua aplicação como sensores em solução é atraente também por exibir baixas tensões de operação (KERGOAT et al., 2012b). De maneira geral, transistores orgânicos são estruturas muito atrativas na fabricação de sensores e biossensores devido à versatilidade de arquiteturas disponíveis, além da possibilidade de explorar a funcionalização de diversas superfícies do dispositivo. Essas características, aliadas ao caráter multiparamétrico e de amplificação destes dispositivos, permitem avanços na produção de sensores que vão ao encontro das necessidades impostas por aplicações reais, como rápida resposta, seletividade, alta sensibilidade, etc. Esta tese apresenta uma série de estudos de diversos materiais e arranjos para o desenvolvimento de dispositivos eletrônico-orgânicos aptos ao sensoriamento em meio líquido. 30 Capítulo 2: Aspectos Teóricos 2.1 Dispositivos eletrônico-orgânicos Muitos dos dispositivos eletrônico-orgânicos encontrados na literatura como sensores e biossensores têm sua estrutura baseada no transistor, principalmente, no transistor de efeito de campo orgânico (OFET) (KERGOAT et al., 2012b; LIAO; YAN, 2013). O transistor é o dispositivo semicondutor que tem por funções básicas a amplificação e o chaveamento de um sinal elétrico (COLINGE; COLINGE, 2005; REZENDE, 2004; SZE, 1998). O transistor de efeito de campo (FET), em específico, se utiliza da variação controlada do campo elétrico ao longo de sua estrutura para amplificar ou chavear este sinal (COLINGE; COLINGE, 2005; REZENDE, 2004; SZE, 1998). Com o surgimento dos primeiros FETs orgânicos (OFETs) na década de 80 (TSUMURA; KOEZUKA; ANDO, 1986) e a possibilidade em se utilizar métodos de síntese orgânica para adicionar novas funcionalidades a estes, OFETs se apresentaram promissores em aplicações sensoriais (CRAMER et al., 2013a; KERGOAT et al., 2012b; LIAO; YAN, 2013; TARABELLA et al., 2013; TORSI et al., 2013). Sensores e biossensores baseados em OFETs têm sua estrutura fundamentada em um dispositivo mais simples: o capacitor MIS (Metal- Isolante-Semicondutor), como ilustrado na Figura 2c. Figura 2: Arquitetura típica de (a) ISOFETs, (b) OFETs e (c) capacitores MIS. 31 O conhecimento do funcionamento de capacitores MIS é fundamental para o entendimento da operação de OFETs. Além disso, capacitores MIS também têm sido explorados em aplicações sensoriais, porém, de maneira muito mais tímida que transistores e geralmente em dispositivos inorgânicos (ESTRELA et al., 2005; SCHÖNING; POGHOSSIAN, 2006; SIQUEIRA et al., 2009). Esse caráter de estrutura fundamental na composição de outros dispositivos orgânicos e seu uso praticamente inexplorado como sensor foram motivações que nos levaram a iniciar o desenvolvimento de um dispositivo eletrônico-orgânico sensorial a partir de capacitores MIS. Como mencionado, a maioria dos dispositivos sensoriais e biossensoriais encontrados na literatura, assim como os próprios OFETs, possuem em sua composição uma estrutura metal/isolante/semicondutor (Figura 2c). Essa estrutura permite que, ao aplicar uma dada tensão no metal (denominado de gate), se estabeleça um campo elétrico que induzirá o acúmulo de portadores majoritários de carga do semicondutor na interface com o isolante. Considerando um semicondutor orgânico do tipo p, como os utilizados neste trabalho, uma tensão negativa aplicada ao gate causará o acúmulo de portadores móveis positivos na interface isolante/semicondutor, como ilustrado na Figura 3. Figura 3: Regime de acumulação em (a) OFET e (b) capacitor MIS. 32 Nesta situação, diz-se que o capacitor MIS e o transistor estão em regime de acumulação. Considerando que estes dispositivos se utilizem de um semicondutor orgânico do tipo p, se a tensão aplicada ao metal (gate) for positiva, cargas móveis do semicondutor seriam repelidas da interface. Nesta condição, o capacitor MIS e o transistor estariam em regime de depleção, onde cargas negativas fixas predominariam na estrutura do dispositivo, como ilustrado na Figura 4. Figura 4: Regime de depleção para (a) OFET e (b) capacitor MIS. Esta transição de regimes é um dos principais fenômenos estudados em capacitores MIS. Em OFETs, entretanto, o regime de acumulação é o que possui implicações práticas4. Logo, a resposta elétrica típica de OFETs e capacitores MIS são analisadas de maneiras distintas. OFETs são predominantemente operados em corrente contínua DC, através da aplicação de tensões nos eletrodos de gate, fonte e dreno, medindo-se a corrente que flui no canal. Já capacitores MIS são operados através de um estímulo alternado AC medindo-se a capacitância em função da frequência do sinal aplicado ou ainda da tensão de polarização nestes. Iniciemos então uma breve análise da resposta elétrica de OFETs e em seguida de capacitores MIS. O comportamento elétrico de um OFET pode ser avaliado variando-se a tensão entre os eletrodos de dreno e fonte (VDS) para diferentes valores constantes de voltagem no gate (VGS) ou ainda variando-se continuamente VGS para diferentes valores constantes de VDS. Em ambas as 4 OFETs operam estritamente em regime de acumulação, uma vez que ainda não foi observado o fenômeno de inversão, no qual portadores de carga minoritários seriam responsáveis pela condução nestes dispositivos. 33 situações, a corrente IDS que flui entre os eletrodos de dreno e fonte é registrada. Existirá ainda uma tensão intrínseca no dispositivo (voltagem limiar de chaveamento - VTH) relacionada com as propriedades de chaveamento deste na qual o transistor passa de seu estado ligado (ON) para desligado (OFF). Quando o OFET estiver em acumulação, se |VGS – VTH| >> |VDS|, uma grande quantidade de cargas estará disponível entre os eletrodos de fonte e dreno, região denominada canal (Figura 5a). Quando |VDS| se torna maior que a diferença |VGS – VTH|, a continuidade da distribuição de cargas entre os eletrodos de fonte e dreno fica limitada. Nestes casos, diz-se que a resposta elétrica do OFET exibirá, respectivamente, regimes linear e de saturação (Figuras 5 e 6). Figura 5: Representação do OFET em regime (a) linear e (b) de saturação. O comportamento da corrente elétrica IDS em OFETs pode descrito pelas equações (HOROWITZ, 2006): ( ) (1) ( ) (2) sendo W/L a relação entre a largura e comprimento do canal, CI a capacitância do isolante por unidade de área e μ a mobilidade dos portadores de carga no semicondutor. As equações 1 e 2 representam, respectivamente a corrente elétrica em um OFET quando |VGS – VTH| >> |VDS| e |VGS 34 – VTH| < |VDS|. Estas condições são denominadas de regime linear e de saturação, respectivamente, e podem ser visualizadas nas curvas características da resposta elétrica de OFETs, denominadas de curva de saída (Figura 6a) e de transferência (Figura 6b). A curva de saída é obtida variando- se VDS para diferentes valores constantes de VGS, enquanto que a curva de transferência é produzida variando continuamente VGS para diferentes valores constantes de VDS. Figura 6: Curvas características de um transistor (a) curva de saída e (b) curva de transferência. Uma das características mais atraentes em OFETs para seu uso como sensor é sua função de amplificação, no qual pequenas tensões aplicadas ao gate proporcionam significativas correntes elétricas entre os eletrodos de fonte e dreno (COLINGE; COLINGE, 2005; REZENDE, 2004; SZE, 1998). Em aplicações sensoriais e biossensoriais, se um evento (bio)químico muda o potencial elétrico no gate mesmo de maneira sutil, razoáveis valores de IDS podem ser registrados. Essa propriedade de amplificação de OFETs pode ser definida em função da transcondutância (gm) do dispositivo, expressa matematicamente da seguinte forma (KLAUK, 2010): ( ) (3) 35 A análise da resposta elétrica de EGOFETs é feita de forma diferente de um capacitor MIS. Mesmo que a estrutura de OFETs derive dos capacitores MIS e que estes tenham em comum a ocorrência de regimes de acumulação e depleção, a interpretação da resposta elétrica do MIS deve ser feita de maneira mais cuidadosa. A avaliação da resposta de capacitores MIS é feita por espectroscopia de impedância e consiste em aplicar uma diferença de potencial elétrico AC de amplitude conhecida sobre o dispositivo, variando-se a frequência do sinal e a tensão DC de polarização aplicada ao gate (VG). A resposta elétrica do capacitor MIS será então expressa em termos de sua capacitância complexa, isto é, da sua capacitância real e imaginária (também conhecida como perda dielétrica) em função de ω e VG. As Figuras 7a e 7b ilustram, respectivamente, esboços das curvas5 de capacitância para o capacitor MIS em função da voltagem DC e da frequência. Figura 7: Esboço da curva de capacitância em função (a) da voltagem do gate e (b) da frequência para um capacitor MIS. A perda dielétrica corresponde a capacitância imaginária do dispositivo. A curva de C-V (Figura 7a) ilustra a transição dos regimes de acumulação e depleção através do deslocamento de cargas ao longo do dispositivo devido a mudanças na tensão do gate. Em tensões negativas, e para um capacitor MIS contendo um semicondutor do tipo p, a 5 Para que um capacitor MIS exiba curvas como estas é necessário ainda condições muito específicas, como discriminação da frequência utilizada nas curvas de C-V ou ainda do VG utilizado nas curvas de C-f. 36 capacitância nessa condição equivale à capacitância do dielétrico. Isso ocorre porque as cargas móveis do semicondutor se acumulam na interface com o dielétrico (Figura 3b), como se o mesmo estivesse confinado entre dois eletrodos. Em tensões positivas, o dispositivo estará em regime de depleção (Figura 4b), e sua capacitância corresponderá a associação em série das capacitâncias do dielétrico com a da camada de depleção. As curvas de capacitância e perda dielétrica em função da frequência (Figura 7b) estão relacionadas com a maneira que as cargas elétricas no dispositivo respondem a alternância do campo elétrico. Como já mencionado, a discussão da resposta elétrica do capacitor MIS não é simples, logo maiores detalhes sobre de sua fundamentação teórica são descritos no Apêndice A. O transistor eletroquímico (OECT) é a exceção aos dispositivos eletrônico-orgânicos que têm sua estrutura baseada em OFET e, consequentemente, capacitores MIS. Os OECTs diferem tanto em estrutura quanto ao princípio de operação (CRAMER et al., 2013a; KERGOAT et al., 2012b). Ao invés de utilizar um semicondutor orgânico em sua estrutura, OECTs são compostos por um polímero condutor, cuja dopagem e desdopagem deste por íons do eletrólito controlam a corrente no canal mediante a aplicação de tensão no gate (CRAMER et al., 2013a; KERGOAT et al., 2012b). Como consequência, o transistor passa a chavear correntes elétricas exibindo um comportamento igual às curvas de saída e de transferência ilustradas na Figura 6. O princípio de operação de OECTs e de demais dispositivos orgânicos é descrito no item 2.2. 37 2.2 Princípios de operação de dispositivos eletrônico-orgânicos em meio aquoso Os principais dispositivos sensoriais eletrônico-orgânicos encontrados na literatura foram apresentados na Figura 1 (página 25) e seus princípios de operação são descritos a seguir. As estruturas ilustradas na Figura 1 são dispositivos sensíveis a cargas elétricas. Basicamente, eventos (bio)químicos em uma das interfaces do dispositivo que envolvam a participação de cargas elétricas (produção, remoção ou a polarização) podem ser detectados. Esses processos são geralmente refletidos em mudanças na operação do dispositivo, atuando então como sensor. Sensores e biossensores na configuração de transistores são mais interessantes devido a sua multiparametricidade, isto é, a resposta do sensor pode ser medida em função de mudanças na mobilidade do semicondutor, da razão ON/OFF do dispositivo, da voltagem limiar deste, entre outros; além de sua capacidade intrínseca de amplificação. O mecanismo de sensoriamento em ISOFETs, por exemplo, se baseia na interação de H+ do eletrólito com o dielétrico do dispositivo (KERGOAT et al., 2012b; WALEED SHINWARI; JAMAL DEEN; LANDHEER, 2007). Estes sensores exploram a mudança do potencial elétrico na superfície do dielétrico, geralmente um óxido, no qual íons H+ do eletrólito podem se ligar, como ilustrado na Figura 8. Esse mecanismo é baseado na teoria denominada de site-binding, onde íons H+ do eletrólito conseguem se aproximar do dielétrico suficientemente para se ligar a este (YATES; LEVINE; HEALY, 1974). Como estes dispositivos utilizam geralmente óxidos como dielétricos, grupos hidroxila da superfície podem tanto doar como aceitar íons H+ da solução, mudando então a distribuição de cargas da superfície e, consequentemente, VTH. Logo, a maioria destes dispositivos são empregados como sensores de pH, embora modificações no dielétrico como a introdução de membranas seletoras de íons, enzimas, células, DNA possam conferir a estes diferentes seletividades (SCHÖNING; POGHOSSIAN, 2002, 2006). 38 Figura 8: Arquitetura de um ISOFET e ilustração de seu mecanismo de detecção. Figura adaptada de (WALEED SHINWARI; JAMAL DEEN; LANDHEER, 2007). A Figura 1b ilustra OFETs que expõem o semicondutor ao meio líquido. Segundo Cramer e colaboradores (CRAMER et al., 2013a), se durante o sensoriamento moléculas do analito causarem alterações irreversíveis na morfologia do semicondutor ou interagirem com os contornos de grão deste, o resultado será a ocorrência de mudanças em sua mobilidade, como ilustrado pela linha tracejada azul na curva de transferência do dispositivo (Figura 9). Se o analito gerar armadilhas que aprisionam cargas do semicondutor ou criar cargas adicionais neste, a densidade de portadores de carga do semicondutor e a VTH do dispositivo mudam (Figura 9, linha tracejada vermelha). Este caso é geralmente atribuído a moléculas polares ou que participam em reações de oxirredução que dopam o semicondutor (CRAMER et al., 2013a). Figura 9: Comportamento da curva de transferência em aplicações sensoriais de OFETs. Figura adaptada de (CRAMER et al., 2013a). 39 Em EGOFETs (Figura 1d), cujo semicondutor é exposto ao eletrólito e a diferença de potencial elétrico entre o gate imerso e o canal do transistor é o responsável pelo seu funcionamento, pode-se explorar em aplicações sensoriais tantos eventos na superfície do semicondutor como no gate. A maioria das aplicações na literatura envolve a modificação da superfície do semicondutor introduzindo alguma funcionalidade a este (BUTH et al., 2012; COTRONE et al., 2012; KERGOAT et al., 2012a; MAGLIULO et al., 2013a, 2013b), entretanto, esta estratégia pode afetar a eficiência do transporte de carga neste ou ainda causar alguma degradação no material. Já a funcionalização do gate, além de evitar qualquer dano ao semicondutor, permite explorar a bem estabelecida engenharia de superfície de metais como, por exemplo, através do uso de monocamadas automontadas ou outras técnicas de modificação de superfície (CASALINI et al., 2013). O funcionamento de EGOFETs envolve o controle da corrente no canal pelo potencial aplicado ao gate em solução. Quando um eletrodo de gate polarizável é imerso em uma solução eletrolítica, uma DCE é formada em sua interface (WALEED SHINWARI; JAMAL DEEN; LANDHEER, 2007). Para EGOFETs do tipo p, ao aplicar uma tensão negativa ao gate, cátions do eletrólito migram para longe do semicondutor para compor a DCE na interface eletrólito/gate (KERGOAT et al., 2012b). Como em solução os íons estão solvatados, moléculas do solvente (água) se confinam em uma região bem próxima do gate denominada plano Helmholtz interno, já íons da solução podem se aproximar da interface até uma região denominada de plano de Helmholtz externo, cuja capacitância é da ordem de dezenas de µF/cm2 (CRAMER et al., 2013a; KERGOAT et al., 2012b). Entretanto, uma única camada de íons na solução não é suficiente para blindar o campo elétrico produzido pelas cargas do eletrodo, resultando em uma região difusa de cargas a partir da interface em direção ao volume do eletrólito. A camada difusa de cargas é composta de íons livres em solução que migram neste sob efeitos de movimento térmico e 40 interação eletrostática (CRAMER et al., 2013a; KERGOAT et al., 2012b). A Figura 10 ilustra a formação das DCEs no EGOFET e a variação do potencial elétrico nestes. Figura 10: Esboço da (a) estrutura e da (b) variação do potencial elétrico em EGOFETs. Figura adaptada de (KERGOAT et al., 2012b). Devido ao potencial negativo do gate e a migração de cátions para sua interface com a solução, ânions do eletrólito se acumulam na fronteira com o semicondutor criando uma DCE que induz um acúmulo de portadores positivos no canal. Assim como na interface eletrólito/gate, a DCE atua como a “camada dielétrica” nestes dispositivos. A alta capacitância da DCE proporciona aos EGOFETs tensões de operação abaixo de 1 V evitando reações de eletrólise da água que danificariam o semicondutor (CRAMER et al., 2012, 2013a; KERGOAT et al., 2010). Essas reações derivam da oxidação da água, dada por: H2O ↔ 2H+ + ½ O2 + 2e– à 0,571 V (vs eletrodo padrão de hidrogênio – EPH) ou ainda de sua redução 2H2O + 2e–↔ H2 + 2OH– à - 0,658 (vs EPH) (CRAMER et al., 2013a). Em condições normais, a água ultrapura exibe concentração de H+ e OH– em torno de 10-7 mol/L e condutividade iônica da ordem de 10-5 S/m, (CRAMER et al., 2013a). Dentro desta faixa de tensão, as respectivas DCEs nas interfaces do dispositivo estabelecem um campo elétrico que previne que correntes elétricas fluam através 41 destas (KERGOAT et al., 2012b). Como consequência, quedas do potencial elétrico acontecem nessas regiões de acordo com o esquema na Figura 10b. Em aplicações que exploram a detecção de moléculas no eletrodo de gate, a adsorção de espécies tanto em sua funcionalização quanto no reconhecimento do analito, causam alterações no potencial efetivo aplicado ao dispositivo, resultando em mudanças em sua operação (curvas de saída ou de transferência). De acordo com Casalini e colaboradores (CASALINI et al., 2013), o potencial efetivo do gate (VG efetivo) é dado por: )( 21 2 , DGefetivoG V CC CV    (4) sendo C1 e C2 as capacitâncias nas interfaces eletrólito/semicondutor e eletrólito/gate, respectivamente, VGS a tensão nominal aplicada ao gate e ΔϕD a contribuição de dipolos na superfície devido a funcionalização e reconhecimento de espécies no gate. A análise do potencial elétrico efetivo em EGOFETs foi utilizada na interpretação dos dados de sensoriamento de dopamina por EGOFETs como reportado por Casalini e colaboradores(CASALINI et al., 2013). OECTs (Figura 1e) também exploram a imersão do eletrodo de gate em solução e o contato desta com a camada ativa do dispositivo. O principal material utilizado na fabricação de OECTs é o PEDOT:PSS devido a sua alta condutividade a temperatura ambiente (cerca de 100- 1000 S cm-1), boa estabilidade química e biocompatibilidade (KHODAGHOLY et al., 2011, 2013). Em um OECT de PEDOT:PSS, a presença do PSS na estrutura do PEDOT faz com que esse conduza eletricidade mesmo na ausência de potencial aplicado no gate (Figura 11a). Variações no potencial elétrico no gate faz com que cátions do eletrólito penetrem no volume do polímero para compensar as cargas negativas do PSS, como ilustrado na Figura 11b. Este processo reduz a densidade de portadores de carga positivas do PEDOT e, portanto, sua 42 condutividade (KERGOAT et al., 2012b). A resposta elétrica típica de OECTs são curvas de saída e de transferência similares àquelas discutidas para OFETs. Figura 11: Princípio de operação de OECT. a) sem aplicação de tensão no gate e b) gate com tensão positiva. Figura adaptada de (BERNARDS; MALLIARAS, 2007). Variações no potencial elétrico do dispositivo (no gate ou ainda diretamente na interface eletrólito/polímero condutor) podem ser exploradas em aplicações sensoriais (CAMPANA et al., 2014; CRAMER et al., 2013a; KHODAGHOLY et al., 2013). Campana e colaboradores, por exemplo, utilizaram OECTs de PEDOT:PSS fabricados sobre substratos biocompatíveis de poli(ácido lático-co-glicólico) (PLGA) para obter eletrocardiogramas em seres humanos (CAMPANA et al., 2014). Nesta aplicação, o gate do OECT é um eletrodo posicionado no tórax do indivíduo e aterrado, enquanto que o dispositivo é colocado na ponta do dedo deste. O contato elétrico entre a pele do indivíduo e o dispositivo é feito através de um gel que atua como eletrólito. Variações no potencial elétrico na superfície da pele relacionadas a batimentos do coração provocam modificações na corrente de fonte e dreno do OECT (CAMPANA et al., 2014). Existem ainda outros tipos de aplicações na literatura envolvendo o uso de OECT como sensores e biossensores (KERGOAT et al., 2012b; LIAO; YAN, 2013). Sua capacidade de transformar correntes iônicas (do eletrólito) em correntes eletrônicas (no polímero condutor) é um processo fundamental para o desenvolvimento de dispositivos bioeletrônicos. 43 Nesta tese investigou-se a produção de OECTs, EGOFETs além de capacitores MIS para a obtenção de ISOFETs. Alguns destes dispositivos tiveram seu comportamento elétrico investigado por espectroscopia de impedância elétrica e eletroquímica na caracterização dos materiais empregados e sua funcionalização como biossensores. 2.3 Espectroscopia de impedância elétrica e eletroquímica A espectroscopia de impedância é uma técnica de grande utilidade na caracterização do comportamento elétrico de materiais sólidos, líquidos e até mesmo de dispositivos eletrônicos (BARSOUKOV; MACDONALD, 2005). A amostra a ser analisada é colocada entre um par de eletrodos e um estímulo elétrico alternado V* é aplicado, medindo a corrente alternada I* como resposta elétrica. Através de um analisador de impedância pode-se variar durante a realização da medida a frequência e a amplitude do sinal AC, a tensão DC de polarização, a precisão desta, etc (BARSOUKOV; MACDONALD, 2005). Essa tensão alternada aplicada à amostra e a corrente elétrica obtida podem ser escritas como grandezas complexas, da seguinte forma: ( ) (5) ( ) ( ) (6) sendo V0 a amplitude da tensão, I0 a amplitude da corrente elétrica, ω a frequência angular (ω = 2πf, onde f é a frequência), j o número imaginário ( j = √ ), e φ o ângulo de fase entre a corrente elétrica e a tensão. Sendo assim, a impedância elétrica Z* é uma grandeza complexa definida como: * * * )( I VtZ  (7) ou ainda, 44 ( ) (8) onde Z e Z são as partes real e imaginária da impedância, respectivamente. Como resultado do uso da técnica, obtém-se o espectro de impedância do sistema amostra/eletrodo (partes real Z e imaginária Z da impedância), geralmente em função da frequência AC, da amplitude da polarização DC ou ainda o gráfico de Nyquist (Z’’ vs Z’), entre outras representações. Algumas vezes é necessário analisar as curvas de capacitância da amostra em estudo, ao invés da impedância elétrica desta. Considerando uma amostra representada por um circuito RC6 em paralelo, a admitância Y* desta, definida como sendo o inverso da impedância, podendo ser escrita da seguinte forma: * * 1)( Z tY  (9) ou ainda, ( ) (10) sendo Gp a condutância, podendo ser escrita em termos da resistência Rp do sistema (equação 11) e Cp é a capacitância da amostra. O índice p está relacionado a representação do circuito RC em paralelo. p p R G 1  (11) Dividindo a admitância complexa (equação 10) pela frequência angular ω, tem-se: p p jC GtY   )(* (12) 6 O circuito RC (resistor-capacitor) em paralelo é, geralmente, utilizado para representar a resposta elétrica de uma amostra por considerar processos de perda de energia (representado pelo resistor) e acúmulo de energia (representado pelo capacitor). Este é um dos circuitos mais simples para ilustrar a resposta elétrica de amostras e dispositivos. 45 sendo Gp/ω, a parte real da equação complexa, que está em fase com a tensão e é definida como a perda dielétrica do sistema, proveniente de processos de condução neste. A parte imaginária, que está fora de fase com a tensão, é a capacitância do sistema e está relacionada com o armazenamento de energia na amostra ou no dispositivo. Em sistemas líquidos, na presença de um eletrodo de referência e controle do potencial através de um potenciostato, fenômenos eletroquímicos podem ser investigados. A espectroscopia de impedância eletroquímica pode fornecer importantes informações acerca da funcionalização de eletrodos, corrosão de materiais, desempenho de baterias e células combustíveis, além de ser utilizada como ferramenta de aquisição de sinais em alguns sensores e biosensores eletroquímicos (LISDAT; SCHÄFER, 2008; PEJCIC; DE MARCO, 2006; RANDVIIR; BANKS, 2013). Assim como no estudo de dispositivos sólidos, na eletroquímica é muito comum utilizar a representação de circuitos elétricos equivalentes para interpretar a resposta elétrica do sistema. Além do uso de componentes como resistores e capacitores na descrição de dispositivos sólidos, em sistemas líquidos é comum utilizar ainda componentes como elementos de fase constante e impedâncias de Warburg (LISDAT; SCHÄFER, 2008; RANDVIIR; BANKS, 2013). O circuito elétrico equivalente mais comum encontrado na descrição de sistemas eletroquímicos é o circuito de Randles, que representa o comportamento elétrico geral de um eletrodo imerso em um eletrólito (LISDAT; SCHÄFER, 2008). A Figura 12 ilustra o circuito de Randles e a resposta elétrica típica (gráfico de Nyquist) para este circuito. 46 Figura 12: a) gráfico de Nyquist para o sistema eletroquímico descrito pelo b) circuito de Randles. Figura adaptada de (LISDAT; SCHÄFER, 2008; RANDVIIR; BANKS, 2013). Considerando um sistema eletroquímico composto pelo eletrodo de trabalho contendo um material imobilizado de interesse, um eletrodo de referência, contra eletrodo e obviamente uma solução eletrolítica, o circuito de Randles representará este sistema da seguinte forma: Rs corresponderá a resistência da solução (que depende da concentração do eletrólito e da geometria da célula eletroquímica), CDCE representa a capacitância da dupla camada elétrica (DCE) formada na interface eletrodo/eletrólito, Rtc está relacionada com o fluxo de corrente proveniente de transferência de carga na superfície do eletrodo e a impedância de Warburg se refere a corrente elétricas devido a processos de difusão do volume do eletrólito para a interface deste. Neste trabalho utilizamos as técnicas de espectroscopia de impedância eletroquímica no estudo da funcionalização de eletrodos de gate em EGOFETs, enquanto que a espectroscopia de impedância elétrica foi utilizada na investigação das propriedades dielétricas de capacitores MIS. 47 Capítulo 3: Detalhes Experimentais 3.1 Materiais Neste trabalho foram fabricados capacitores MIS (com o objetivo de se obter sensores do tipo ISOFET), EGOFETs e OECTs. Para isso foram utilizados diversos materiais que podem ser divididos em dielétricos, semicondutores e polieletrólitos e polímeros condutores, cujas estruturas químicas são ilustradas na Figura 13. Outros materiais incluem biomoléculas como proteínas, anticorpos e antígenos utilizados na obtenção de um biossensor EGOFET para a detecção de biomarcadores relacionados a processos inflamatórios. Figura 13: Estruturas químicas de (a) PS, (b) PMMA, (c) PSQ, (d) PVDF-TrFE, (e) PEDOT:PSS, (f) PEI, (g) PVS, (h) P3HT e (i) Pentaceno. Materiais dielétricos foram utilizados na produção de capacitores MIS. Estes incluem os polímeros: poliestireno (PS) – 192.000 g/mol e poli(metil metacrilato) (PMMA) – 120.000 g/mol, adquiridos da Sigma-Aldrich, o poli(vinilideno fluoreto–co–trifluor etileno) (PVDF-TrFE), proporção 80/20 de monômeros e o poli(fenil-metilsilsesquioxano) (PSQ)– 90% fenil, 10% metil; 48 gentilmente cedidos pelo Prof. Dr. Celso Xavier Cardoso (UNESP/Presidente Prudente) e Dr. Colin Peter Watson (SmartKem Ltd/Reino Unido), respectivamente. Estes materiais foram escolhidos por possuírem características muito distintas entre si, permitindo maiores oportunidades na obtenção de um dispositivo MIS em bom funcionamento. O PS, por exemplo, é um polímero apolar, enquanto que PMAA e PVDF-TrFE são materiais polares (principalmente o PVDF-TrFE que é um copolímero ferroelétrico, ou seja, possui considerável momento de dipolo elétrico intrínseco) (MARTINELLI et al., 2009; SHIN et al., 2011; YOUNG; SINICROPI; FITZGERALD, 1995). Estes dielétricos apresentam solubilidade em alguns solventes orgânicos que são que não solubilizam o P3HT utilizado na fabricação de capacitores MIS, permitindo a deposição de camadas dielétricas sobre o semicondutor. Já o PSQ, por exemplo, é um polímero termicamente intercruzável, o que também dificulta sua solubilização (após tratamento térmico) e permite a deposição de outro material sobre este (TORRES; TAYLOR, 2005). Ainda em relação a fabricação de capacitores MIS, e também alguns EGOFETs, foi utilizado o semicondutor poli(3-hexiltiofeno-2,5 diil) (P3HT) regioregularidade > 90% e massa molar 87.000 g/mol adquirido da Sigma-Aldrich. O P3HT foi escolhido como material semicondutor por apresentar processabilidade por solução, permitindo a fabricação de dispositivos por spincoating, técnica de baixo custo na produção de dispositivos. Além disso, a regioregularidade desse tipo de material permite que o filme obtido apresente auto-organização, favorecendo o transporte de cargas em sua estrutura e consequentemente exibindo valores razoáveis de mobilidade (BRINKMANN, 2011; SIRRINGHAUS, 1998; ZEN et al., 2004). Outro semicondutor utilizado na produção de dispositivos, exclusivamente na fabricação de EGOFETs, foi o pentaceno (278,35 g/mol), adquirido da Sigma-Aldrich. O pentaceno é um dos mais utilizados semicondutores na eletrônica orgânica atual por exibir grande mobilidade de carga (da ordem de dezenas de cm2 V-1 s-1) (KLAUK, 2010). Por fim, o semicondutor poli(3,4- 49 etilenodioxitiofeno) (PEDOT) dopado com poli(3,4-etilenodioxitiofeno) (PSS), produz o polímero condutor PEDOT:PSS. Este material, adquirido junto a CleviosTM, foi utilizado na produção de OECTs por apresentar boa estabilidade química e alta condutividade (KHODAGHOLY et al., 2011, 2013). Visando a exploração de EGOFETs como sensores e biossensores, foram utilizadas duas estratégias para a funcionalização do eletrodo de gate destes dispositivos: a utilização de filmes automontados (LbL, do inglês layer-by-layer) e de monocamadas automontadas. Para a fabricação de filmes LbL utilizou-se o polieletrólito de carga positiva polietilenoimina (PEI), 750.000 g/mol, 50% m/v em água e o poliânion poli(ácido vinil sulfônico) PVS 25% em água, adquiridos da Sigma-Aldrich. Na funcionalização de EGOFETs envolvendo monocamadas automontadas utilizou-se as biomoléculas proteína G recombinante, 26.1 kDa, contendo uma cauda de 6 histidinas em sua terminação-N, os biomarcadores interleucina 6 (IL-6, 21,7 kDa) e interleucina 4 (IL-4, 13,5 kDa) e seus respectivos anticorpos monoclonais (antiIL–6 e antiIL–4), todos adquiridos da Vinci-Biochem S.r.l (Itália). A Figura 14 ilustra as estruturas das biomoléculas IL-6, IL-4 e proteína G, respectivamente. Figura 14: (a) interleucina 6 (IL-6), (b) interleucina 4 (IL-4) e (c) Proteína G. 50 Optou-se pela utilização de interleucinas IL-6 e IL-4, por se tratarem de biomarcadores envolvidos em processos inflamatórios, portanto, estão associadas a uma série de doenças e traumas de grande interesse na pesquisa contemporânea, dentre estes a lesão na medula espinhal (LEE et al., 2010). Este tipo de lesão, geralmente causada por um trauma, tumor ou doença, bloqueia a comunicação entre o cérebro e o corpo, causando sintomas que vão desde a simples dor à paralisia (BRANCO; CARDENAS; SVIRCEV, 2007). O desenvolvimento de biossensores para a detecção destes biomarcadores pode contribuir significativamente para a aquisição de conhecimento e tecnologia para o avanço de estudos da recuperação da lesão de medula espinhal. Desta forma, investigou-se a fabricação de EGOFETs para a detecção de IL-6 e IL-4. Neste trabalho foram produzidos diversos dispositivos (MIS, EGOFETs, OECTs) e, consequentemente, foram utilizados diferentes tipos de substratos para este fim. Na fabricação dos capacitores MIS, substratos de vidro com uma das faces recobertas com óxido de estanho- índio (indium tin oxide, ITO) – Delta Technologies – com Rsuperfície = 15 – 25 Ω e dimensões de 2,5 x 2,5 cm2 foram utilizados. Estes foram devidamente lavados com água deionizada e detergente em banho ultrassônico à 45 °C por 20 min e também em uma mistura de água e 20% v/v de etanolamina. Antes da deposição de qualquer material, os substratos de ITO foram secos com N2 e colocados em uma chapa aquecedora por 20 min a 200 °C para a remoção de umidade. Os detalhes experimentais acerca da fabricação de capacitores MIS estão descritos no item 3.2. Alguns EGOFETs foram fabricados sobre substratos flexíveis de poli(etileno naftalato) (PEN) contendo diferentes geometrias de fonte e dreno, cedidos pela ST Microelectronics (Itália). Estes foram cortados em 1x1 cm2 e devidamente limpos em banho ultrassônico com etanol (15 min), isopropanol (15 min) e então secos em leve fluxo de N2. Os demais EGOFETs, como os utilizados como biossensores na detecção de IL-6 e IL-4, foram fabricados em substratos de quartzo (1x1 cm2) revestidos com camada adesiva de titânio (7 nm) e 50 nm de ouro (Phasis). Os 51 substratos foram limpos em acetona a 50 °C por 5 min e então secos com N2. Para a fabricação dos eletrodos interdigitados de fonte e dreno sobre estes, utilizou-se a técnica de ablação por laser na empresa Scriba Nanotechnologies S.r.l (Bologna/Itália). Para a fabricação de OECTs utilizou- se também substratos de PEN (STMicroelectronics – Itália), além de substratos de quartzo contendo eletrodos interdigitados de ouro como fonte e dreno produzidos por fotolitografia adquiridos da Fondazione Bruno Kessler – Itália. O item 3.3 descreve, detalhadamente, as etapas de fabricação dos EGOFETs sobre substratos flexíveis e rígidos, enquanto que o item 3.4 apresenta os procedimentos de funcionalização destes para sua aplicação como biossensor. Os detalhes experimentais acerca da fabricação de OECTs são descritos no item 3.5. 3.2 Fabricação de capacitores MIS Na maioria dos capacitores MIS encontrados na literatura, a camada de semicondutor é depositada sobre a de isolante (ALVES; TAYLOR, 2008; ESTRADA; ULLOA; AVILA, 2013; LOPES et al., 2012). Neste trabalho optou-se principalmente pela configuração inversa, visando à obtenção de sensores do tipo ISOFETs. Desta forma, três diferentes dielétricos (PS, PMMA e PVDF-TrFE) foram avaliados na fabricação de capacitores MIS, sendo o PS preferido na produção destes dispositivos. Os resultados que elegeram o PS como o melhor dos dielétricos testados estão descritos no Apêndice B, juntamente com resultados envolvendo capacitores MIS com P3HT/PSQ na configuração tradicional7. Capacitores MIS foram fabricados e caracterizados na UNESP de Presidente Prudente e na Universidade de Bangor (Reino Unido). As etapas de fabricação destes dispositivos estão ilustradas na Figura 15. 7 Entenda-se configuração tradicional de capacitores MIS os dispositivos no qual o filme de semicondutor é depositado sobre a camada de isolante. 52 Figura 15: Ilustração do processo de fabricação de capacitores MIS. Inicialmente, depositou-se a camada de P3HT sobre substratos de ITO devidamente limpos. As soluções de P3HT foram preparadas em clorofórmio na concentração de 15 mg/mL, filtradas em filtro de politetrafluoretileno (PTFE) (0,2 µm de tamanho de poro) e deixadas em banho ultrassônico a 40 ºC por 25 min para garantir sua total solubilidade. A deposição do P3HT foi feita por spincoating à 2000 rpm durante 60 s dentro de uma câmara à baixa umidade relativa do ar (~ 30%), quando disponível ou ainda em glovebox com N2 como gás de trabalho. Após a deposição do P3HT, os substratos foram colocados sobre uma chapa aquecedora a 90 °C por 1h, para a remoção de traços de solventes e oxigênio. Por fim, estas amostras foram submetidas ao tratamento térmico adicional a 100 °C por 1h em estufa a vácuo, seguido de resfriamento natural. As soluções dos diferentes dielétricos (30 mg/mL) foram preparadas em metil etil cetona (MEC), devido a ortogonalidade deste solvente em relação ao P3HT. Os dielétricos estudados foram então depositados sobre o filme de P3HT por spincoating a 1000 rpm durante 60 s e também submetidos à tratamento térmico em chapa aquecedora (90 °C por 1h) e em estufa à 53 vácuo (100 °C por 1h). Por fim, eletrodos circulares de ouro (70 nm), foram evaporados sobre as amostras através de uma máscara utilizando uma evaporadora Edwards Auto 306. 3.3 Fabricação de EGOFETs Os EGOFETs foram fabricados sobre substratos flexíveis (PEN) e rígidos (quartzo). Substratos de PEN contendo eletrodos de fonte e dreno interdigitados em duas geometrias distintas, com razão largura e comprimento do canal (W/L) de 382 e 107, foram utilizados para fabricar EGOFETs de pentaceno e de P3HT. Dispositivos de pentaceno foram produzidos depositando-se 10 monocamadas do material (15 nm) por evaporação térmica a vácuo com taxa aproximada de 3.5 Å/min, pressão de 1,7 x10-7 mbar, enquanto que EGOFETs de P3HT foram fabricados por spincoating, a partir de uma solução de 1 mg/mL de P3HT em clorofórmio (2000 rpm por 60 s). Por fim, um reservatório de poli(dimetil siloxano) (PDMS) foi colocado sobre estes dispositivos para confinar o eletrólito de interesse, seguido da imersão do eletrodo de gate nesta solução. A Figura 16 ilustra a arquitetura geral de EGOFETs flexíveis. Esses dispositivos foram fabricados e caracterizados no Istituto per lo Studio dei Materiali Nanostrutturati – ISMN/CNR de Bologna. Figura 16: a) Arquitetura final dos EGOFETs flexíveis fabricados. 54 Para a fabricação de EGOFETs sobre substratos rígidos, utilizou-se a técnica de ablação por laser para produzir os contatos de fonte e dreno interdigitados (W/L = 1800) sobre substratos de quartzo recobertos com Ti (7 nm) e Au (50 nm). A ablação dos contatos foi feita utilizando laser infravermelho de pulso curto (10 ns) de Nd:YAG8, λ = 1064 nm, velocidade de 2000 µm/s e alimentação de 8.300 V na empresa Scriba Nanotechnologies s.r.l (Bologna/Itália). A Figura 17 ilustra a microscopia óptica (25x) dos eletrodos produzidos. A região escura corresponde ao local onde o laser removeu a camada de Ti/Au para produzir o canal interdigitado. Figura 17: Microscopia óptica (25x) dos eletrodos (fonte e dreno) produzidos por ablação a laser. Nestes substratos depositou-se 10 monocamadas de pentaceno (15 nm) a taxa de 7 Å/min e pressão de 1,7 x10-7 mbar. Por fim, um pequeno reservatório de PDMS para confinar o eletrólito de interesse é colocado sobre o dispositivo, seguido da imersão do eletrodo de gate nesta solução. A configuração final dos EGOFET rígidos se assemelha àquela dos dispositivos flexíveis ilustrados na Figura 16. 8Laser infravermelho de granada de ítrio e alumínio dopado com neodímio. 55 3.4 Funcionalização dos eletrodos de gate em EGOFETs Neste trabalho dois tipos diferentes de funcionalização do eletrodo de gate de EGOFETs foram utilizados: a produção de monocamadas automontadas e de filmes LbL, conforme ilustrado na Figura 18. Monocamadas automontadas de proteína G e anticorpos (anti-IL6 e anti-IL4) foram utilizadas na produção de biossensores para a detecção de biomarcadores relacionados aos processos inflamatórios (IL6 e IL4). Filmes LbL foram explorados pela primeira vez em EGOFETs afim de avaliar o comportamento elétrico destes dispositivos utilizando este tipo de filme nanoestruturado. Detalhes a respeito dessas duas técnicas de modificação de superfícies podem ser encontrados nas publicações de (LOVE et al., 2005) e (ARIGA; HILL; JI, 2007), respectivamente. Figura 18: Esquema da funcionalização de eletrodos de gate em EGOFETs utilizando a) proteína G e anticorpo e, subsequente, reconhecimento do antígeno de interesse e b) filmes LbL de PEI e PVS. Primeiramente, os eletrodos de gate (Au policristalino) foram limpos em H2SO4 concentrado (100 °C por 1h), seguido de eletropolimento por voltametria cíclica em 1 mol/L de H2SO4 por 20 ciclos entre 0 V e 1,5 V (eletrodo de referência de Ag/AgCl). O método utilizando a proteína G explora tanto a afinidade de sua “cauda” histidina para com substratos metálicos (como o Au do gate em EGOFETs) quanto sua especificidade em se ligar a espécies de 56 imunoglobulina G (IgG), neste caso os anticorpos anti-IL6 e anti-IL4 (HAFAIEDH et al., 2013). Para isto, eletrodos de Au foram imersos em solução de proteína G (5 mg/mL) preparada em tampão fosfato PBS (100 mmol/L, pH 7,4) por 5 min à 5 °C. Na sequência, o eletrodo funcionalizado é imerso na solução do anticorpo de interesse (0,25 mg/mL anti-IL4 ou 0,1 mg/mL anti-IL6) em PBS por 1h à 5 °C, seguido da imersão na solução do respectivo antígeno IL6 (7 x10-9 mol/L) e IL4 (5 x 10-9 mol/L) por 30 min. A eficiência desse protocolo foi verificado por medidas de espectroscopia de impedância eletroquímica enquanto que a detecção do antígeno de interesse foi obtida através de medidas elétricas utilizando EGOFETs. Para o estudo da avaliação do comportamento de EGOFETs com gate modificado com filmes LbL, utilizou-se um filme de PEI/PVS com 10 bicamadas preparados a partir de soluções aquosas dos respectivos polieletrólitos (concentração de 1,5 mg/mL cada). Os tempos de imersão adotados foram de 5 min para PEI e PVS, espaçados por etapas de lavagem de 1 min. Por se tratarem de estudos complementares à obtenção de um biossensor eletrônico-orgânico, os resultados acerca do uso de filmes LbL em EGOFETs são apresentados no Apêndice C. 3.5 Fabricação de OECTs Foram fabricados OECTs sobre substratos de PEN com W/L = 5 (STMicroelectronics – Itália) e substratos de quartzo com W/L = 2000 (Fondazione Bruno Kessler - Itália). Para a fabricação dos OECTs sobre substratos de PEN, estes foram tratados a plasma de O2 por 3 min para aumentar a adesão do PEDOT:PSS. Já substratos de quartzo não foram submetidos a nenhum tratamento de superfície. Para os dois tipos de substratos utilizados filmes de PEDOT:PSS foram produzidos por spincoating em um processo de 3 etapas: 500 rpm por 5s, 1000 rpm por 10s e 2000 rpm por 35 s. Estas amostras foram tratadas termicamente a 50 °C por 30 min, devido a presença de um agente intercruzante na solução de PEDOT:PSS, que aumenta a 57 estabilidade do filme na presença de água. Por fim, um reservatório PDMS é posicionado sobre o dispositivo para confinar o eletrólito de interesse, seguido da imersão do eletrodo de gate nesta solução. A Figura 19 ilustra a arquitetura final dos OECTs produzidos. Figura 19: Arquitetura dos OECTs produzidos. 3.6 Medidas elétricas e eletroquímicas A caracterização elétrica dos capacitores MIS foi feita através de espectroscopia de impedância elétrica em vácuo utilizando o analisador de frequências Solartron (modelo 1260) acoplado com interface dielétrica (modelo 1296). Medidas de espectroscopia de impedância eletroquímica dos eletrodos de gate modificados foram realizadas utilizando um potenciostato/galvanostato µ-Autolab III (Metrohm) e célula eletroquímica (25 mL) com eletrodo de referência de Ag/AgCl e contra eletrodo de platina (1 cm2). A caraterização elétrica DC de capacitores MIS e EGOFETs foi feita utilizando eletrômetros Keithley 2612 e Agilent B2900. 58 Capítulo 4: Resultados e Discussão Neste capítulo são apresentados e discutidos resultados acerca da fabricação e caracterização elétrica e morfológica de diversos dispositivos eletrônico-orgânicos. São apresentados resultados sobre capacitores MIS, sua operação em meio líquido e discute-se seu potencial para produção de ISOFETs. O comportamento elétrico de EGOFETs também é apresentado e discutido, assim como os resultados acerca de seu uso para a detecção de biomoléculas (interleucina) relacionadas a processos inflamatórios. Por fim, discute-se a operação de OECTs na presença de diversos eletrólitos, como água, tampão e sangue. Demais resultados envolvendo estudos complementares de capacitores MIS e EGOFETs são apresentados e discutidos nos Apêndices B e C. 4.1 Capacitores MIS Dentre os dielétricos testados, o PS se mostrou satisfatório na fabricação de capacitores MIS de P3HT com gate no topo (Figura 20) utilizando o P3HT como material semicondutor. Dispositivos deste tipo foram inicialmente desenvolvidos na UNESP (Presidente Prudente) e então otimizados durante estágio de pesquisa na Universidade de Bangor (Reino Unido). Resultados da caracterização morfológica e elétrica deste dispositivo são discutidos a seguir. Figura 20: Arquitetura do capacitor MIS ITO/P3HT/PS/Au. 59 4.1.1 Caracterização morfológica As Figuras 21a e 21b ilustram, respectivamente, imagens da superfície do dispositivo ITO/P3HT/PS/Au obtidas por microscopia óptica (25x) e de força atômica (AFM). Figura 21: Microscopias (a) óptica (25x) e (b) força atômica da região do dielétrico no dispositivo ITO/P3HT/PS. Detalhe: Fotografia do dispositivo. Análises morfológicas revelaram grande homogeneidade do filme de PS depositado sobre o P3HT, baixa rugosidade (em torno de 2,34 nm), além da ausência de defeitos na superfície. Através de ranhuras causadas propositadamente à superfície do dispositivo, estimou-se sua espessura total como sendo entre 450 e 465 nm. Este valor é próximo a espessura do dispositivo calculada por medidas de espectroscopia de impedância elétrica (480 nm) a partir dos valores de capacitância dos filmes de PS e P3HT. Estes resultados são discutidos no Apêndice A. Medidas de ângulo de contato, realizados na Universidade de Bangor, confirmam ainda a natureza hidrofóbica esperada para o filme de PS, exibindo valores de 94 (± 1) ° utilizando água deionizada (resultados não mostrados). A ) B ) 60 4.1.2 Caracterização elétrica As características elétricas do capacitor MIS ITO/P3HT/PS/Au foram determinadas através de espectroscopia de impedância elétrica. A curva de capacitância em função da tensão de polarização, obtidas em 1 kHz e 100 mV AC estão ilustradas na Figura 22a. As flechas indicadas nesta Figura correspondem ao sentido de varredura do potencial. A Figura 22b ilustra as curvas de capacitância real em função da frequência obtidas variando a voltagem no gate entre -15 V e + 15 V com tensão alternada de 100 mV. Figura 22: Curvas de capacitância em função (a) da tensão de polarização e (b) da frequência para o dispositivo MIS ITO/P3HT/PS/Au. A Figura 22a ilustra a transição do dispositivo entre os regimes de acumulação e de depleção quando a tensão no gate varia, respectivamente, entre valores negativos (-15 V) e positivos (+ 15 V). Neste intervalo, a capacitância varia entre 670 pF, que está relacionada a capacitância do dielétrico, e 480 pF, correspondente a capacitância da associação em série do dielétrico com o semicondutor em depleção. A Figura 22b também apresenta informações sobre a transição dos regimes de acumulação e de depleção no capacitor MIS. Em tensões próximas a – 15 V e em baixas frequências a capacitância medida equivale à capacitância do dielétrico e está 10 0 10 1 10 2 10 3 10 4 10 5 10 6 450 500 550 600 650 700 C a p a c it â n c ia ( p F ) Frequência (Hz) Voltagem no gate -15 V + 15 V -15 -10 -5 0 5 10 15 450 500 550 600 650 700 Voltagem (V) C a p a c it â n c ia ( p F ) 1 kHz 61 de acordo com o valor obtido (670 pF) em curvas de C-V. Ainda em baixas frequências, mas para tensões positivas (+15 V), o dispositivo estará em depleção e sua capacitância será equivalente àquela em altas frequências e em concordância com o valor obtido (480 pF) na curva de C-V. Mais detalhes acerca da capacitância do dispositivo em função da frequência, assim como sua perda dielétrica estão descritos no Apêndice B. A análise do comportamento elétrico de capacitores MIS exige maior detalhamento dos fenômenos apresentados por estes. Logo, outros resultados envolvendo os capacitores MIS fabricados são discutidos no Apêndice B. Neste momento, o principal interesse na análise de capacitores MIS reside no conhecimento da tensão de operação do dispositivo, ou seja, em se conhecer a faixa de tensão em que o dispositivo muda de seu regime de acumulação para depleção. Essa transição de regimes está bem definida, principalmente na curva de C-V (Figura 22b), e corresponde à aproximadamente a faixa entre – 5 V e + 5 V. 4.1.3 Teste de operação do dispositivo em meio líquido No intuito de desenvolver dispositivos eletrônico-orgânicos que possam atuar como sensores ou biossensores em solução, investigou-se o comportamento elétrico dos capacitores MIS ITO/P3HT/PS em meio líquido. Para isso, a fabricação do dispositivo envolveu a deposição do P3HT e PS sobre o ITO, porém, sem a deposição dos eletrodos de Au superiores. Para os testes em solução foi posicionado sobre a camada de PS um reservatório de Teflon® (r ~ 4 mm) contendo água deionizada e um fio de Ag como eletrodo de gate, como ilustrado na Figura 23. 62 Figura 23: Configuração uti