UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS - RIO CLARO JOÃO PAULO VACARI LUCHEZI O ESPORTE COMO FERRAMENTA PEDAGÓGICA NA ESCOLA. Rio Claro 2008 Licenciatura em Educação Física JOÃO PAULO VACARI LUCHEZI O ESPORTE COMO FERRAMENTA PEDAGÓGICA NA ESCOLA Orientador: Dr. Romualdo Dias Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - Câmpus de Rio Claro, para obtenção do grau de Licenciado em Educação Física. Rio Claro 2008 DEDICATÓRIA À minha família, meus pais Roberto e Olinda, meu irmão Danilo e a Ailda, por todo apoio e suporte dado, que me possibilitou dar esse importante passo em minha vida. AGRADECIMENTOS Primeiramente gostaria de agradecer ao professor Dr. Romualdo Dias, que me deu a liberdade e me possibilitou escrever esse trabalho, mostrando muita paciência e esteve sempre presente para me atender quando solicitado, além de me dar uma direção na organização do meu trabalho acadêmico. Cibele, da seção de graduação, por entender e aceitar algumas solicitações para a entrega do TCC. A toda comunidade e funcionários da UNESP em geral, que acolhem muito bem a todos que chegam na universidade. A toda minha família, especialmente aos meus pais Roberto e Olinda, que me ensinaram valores importantes a serem carregados. Também quero lembrar do meu primo Fernando, que acabou de superar um momento difícil em sua vida e que sempre poderá contar comigo. Ailda, uma pessoa que também sempre faz parte de minha vida, que também me criou e me ensinou muita coisa. Aos meus amigos de infância, Tozada, Rafael e Massao pelos momentos de descontração com Os Malukos da Havaiana e Dona Maria. São pessoas que sei que sempre estarão presentes e que poderei confiar quando necessário. Rep. Utões, Terra, Honda, pelas prazerosas horas de rancor e tiradas sensacionais, merecedoras de um lugar especial na parede da cozinha, além de expressões que ficarão marcadas, como “–É isso!!” , “–Zuca” e “–Carequinha!!” A Maria Elisa, uma pessoa especial que me ajudou muito na minha vida em Rio Claro, sempre me apoiando, sempre presente, responsável por muitas coisas boas, momentos que ficarão marcados e também quebrando um galhão nos estágios do Samuca. A toda galera do BLEF 2005, que proporcionou momentos muito lokos com os churras, suecas e noitadas de poker. Enfim, agradeço a todos, que direta ou indiretamente, estiveram presentes de maneira positiva nessa minha trajetória. RESUMO O ensino de esportes vem sendo reformulado e transformado mundialmente para que novas possibilidades de inclusão através da prática de esportes sejam evoluídas. No Brasil, há algum tempo cientistas do esporte e pedagogos da Educação Física têm colaborado nesse tema, estando em contato direto com as novas abordagens científicas de ensino. Esse estudo tem por objetivo buscar entender as relações entre esporte e sociedade, e de que maneira o estudo dessas relações podem contribuir para uma mudança da pedagogia da Educação Física Escolar. Para isso foi feito uma revisão bibliográfica dos principais temas e autores relevantes para o desenvolvimento da pesquisa. Palavras-Chave: esporte; Educação Física escolar; sociedade. SUMÁRIO Página 1. INTRODUÇÃO.................................................................................................6 2. O ESPORTE MODERNO................................................................................10 3. ESPORTE ALIADO À POLÍTICA.....................................................................12 4. DEFININDO EDUCAÇÃO................................................................................16 5. HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR..............................................18 6. CONCLUSÃO..................................................................................................21 7. REFERÊNCIAS...............................................................................................24 1. INTRODUÇÃO Muitos professores de Educação Física conhecem o chamado ensino tradicional e o identificam como o que ensina as técnicas esportivas através da pura repetição de movimentos. Esta é uma visão estreita que precisa ser reformulada, pois o esporte comporta hoje uma totalidade de expressões humanas. Segundo Bracht (1997), os professores de Educação Física precisam superar a visão positivista de que o movimento é predominantemente um comportamento motor. O movimento é humano, e o Homem é fundamentalmente um ser social. A conseqüência dessa exclusividade biológica na consideração do corpo pela Educação Física parece ter sido a construção de um conceito de intervenção pedagógica que atingisse apenas sua dimensão física, somo se ela existisse independente de uma totalidade, desconsiderando, portanto, o contexto sociocultural onde esse ser humano esta inserido. O esporte escolar ainda é visto como a procura por novos talentos, sendo compreendido como base para o esporte de rendimento, realidade distinta da prática do esporte na perspectiva educacional. Segundo o Parágrafo I do Art. 3º do Capítulo III da Lei nº 9881, de 14 de julho de 2000 a respeito da Natureza e das Finalidades do Desporto, o desporto pode ser reconhecido na manifestação de desporto-educacional, praticado nos sistemas de ensino e em formas assistemáticas de educação, evitando-se e seletividade, a hipercompetividade de seus praticantes, com a finalidade de alcançar o desenvolvimento integral do indivíduo e a sua formação para o exercício da cidadania e a prática do lazer. Para o professor Elenor Kumz (1994) é uma irresponsabilidade pedagógica trabalhar o esporte na escola que tem por conseqüências provocar vivências de sucesso para uma minoria e vivências de fracasso para a maioria. O esporte escolar reforça os valores de competição e individualismo, em detrimento da cooperação e solidariedade, valores provindos do estilo de vida da sociedade capitalista. O esporte, como política social insere-se na lutas de classes. O esporte moderno acaba refletindo as mudanças sociais e, por conseguinte, funciona como uma espécie de espelho que reflete tudo ou quase tudo que se passa na sociedade. Enfim, o esporte sofreu alteração em relação à constituição dos diferentes modelos de sociedade ao longo da história. Ainda nesse contexto da sociologia crítica, Brohm (1976) chamou a atenção para as funções sociopolíticas do esporte, onde podem ser destacados o papel diplomático do esporte e outros como, por exemplo, o que ele chama de “ópio do povo”, referindo-se ao espetáculo esportivo para fins políticos. Não é tarefa fácil adotar uma estratégia que defenda um conjunto de ações que caminhem no sentido de transformação da atual realidade, mudar a concepção de esporte tecnicista, trabalhar por uma concepção ampliada de esporte escolar como forma de atrair crianças e jovens para a cidadania e futura emancipação. Afinal já está enraizada na população em geral o conceito do espetáculo esportivo promovido pela mídia, através das grandes competições de esporte de rendimento, como a Copa do Mundo e as Olimpíadas, onde a simbologia da vitória é o cerne da questão. Assim, no que se refere ao esporte, a dura realidade do país não é projetada para os milhões de brasileiros. O que assistimos são espetáculos de esporte de alto nível que se pautam pelo individualismo e hipercompetitividade relatados anteriormente, e não o esporte como jogo, como lazer, como educação. Vaz (1999), constata que nos dias atuais os processos de controle do corpo mediados pela ciência e pela tecnologia do esporte alcançam a experiência humana, tornando-a um culto a performance. Assim a sociedade esportiva precisa treinar os corpos para o rendimento. Para superar a formação tecnicista em Educação Física, os professores precisam entender que o esporte educacional e escolar deve ser o “esporte da escola” e não o “esporte na escola”. Esporte da escola por ser próprio de cada localidade, de cada manifestação individual e coletiva e por carregar a perspectiva de autonomia. Não deve ser um esporte na escola, ou seja, um esporte de rendimento, injetado na escola por determinação de uma dada cultura dominante, televisiva e mercadológica. Para Mauss (1974), as técnicas corporais são hábitos próprios de cada sociedade, isto é, de cada cultura, por essa razão existem diferenças entre o caminhar do brasileiro, do americano e do neozelandês. Mauss (1974) diz ainda que é técnica todo ato tradicional e eficaz, isto é, não há técnica se não há tradição. Geertz (1989) contribui para mostrar a existência de uma intrínseca associação entre homem e o seu meio, permitindo a aproximação, sob enfoque na perspectiva dinâmica sociocultural, das idéias de Mauss. Para Geertz (1989) cultura é a própria condição de vida de todos os seres humanos. É o produto das ações humanas, mas também é processo contínuo pelo qual os homens dão sentido às suas ações. A cultura se dá na mediação dos indivíduos entre si, manipulando padrões de significados que fazem sentido num contexto específico, é a condição de funcionamento da vida humana. Atuar com seres humanos sem considerar essa dinâmica cultural pode levar á certos preconceitos, ou ainda a certos pontos de vista absolutos que desconsiderem os reais significados inerentes ás práticas humanas. Nessa direção, cai por terra a visão tradicional da Educação Física como uma ação apenas sobre o corpo físico, pois não há dimensão física isolada de uma totalidade humana biológica, cultural, social e psíquica. A revisão do conceito de cultura tem se mostrado importante para a Educação Física, uma vez que a área trata do homem nas suas manifestações culturais relacionadas ao corpo e ao movimento humanos, historicamente definidas como jogo, esporte, dança, luta e ginástica. Assim, a Educação Física pode, de fato, ser considerada como a área que estuda e atua sobre a Cultura Corporal de Movimento. Como disse Mauss (1974), todo gesto corporal constitui-se técnica. Ora, se todo movimento é técnico, não se pode falar numa técnica considerada melhor ou correta, senão num contexto devidamente delimitado. A Educação Física sempre defendeu o ensino de uma técnica, elegendo alguns movimentos como os melhores, desconsiderando outras formas de expressão corporal. Fazendo isso, a área acabou por privilegiar certos alunos que já sabiam executar os movimentos tidos como eficientes, subjugando aqueles que apresentavam outras formas de expressão, mostrando novamente o caráter excludente do esporte na escola. O profissional responsável pelo trabalho com esporte deve, não apenas reproduzir as técnicas de movimento das modalidades esportivas, mas constituir-se mediador de um conhecimento amplo e crítico sobre o esporte, incluídos aqueles reproduzidos pela mídia. Ser conhecedor do esporte implica também saber sua história, seus determinantes políticos, respeitar as diferenças e as características de cada participante, enfim, muito mais do que apenas reproduzir gestos. Entender, por exemplo, o porque desse fascínio do brasileiro pelo futebol, considerado paixão nacional, como o ser humano brasileiro se identifica tanto com tal esporte, ou melhor, como que o futebol se encaixou muito bem nas características e tradições da sociedade. Mas para que isso ocorra, é necessário, além do discurso, uma escola verdadeiramente cidadã. Gonçalves (1994) refere-se a uma concepção de aulas abertas, que saiba dos desejos e necessidades dos estudantes, favorecendo- lhes a emersão de processos criativos de reflexão e ação, por meio da co- participação nas decisões concernentes a diversas etapas da ação educativa e que constituam através da reflexão crítica de sua realidade próxima, formas de ação concreta de transformação. Especificamente na Educação Física, há a necessidade de uma nova concepção de esporte, num conjunto de manifestações culturais que compõe a chamada Cultura Corporal. 2. O ESPORTE MODERNO Utilizando agora a definição de esporte segundo Brohm (1976): o esporte é um sistema institucionalizado de práticas competitivas, predominantemente físicas, delimitadas, codificadas, regradas convencionalmente, cujo objetivo reconhecido é, sobre a base de uma comparação de performances, designar o melhor concorrente (campeão) ou registrar a melhor performance (recorde). Esta definição abrange quatro características básicas: (1) princípio de rendimento: o capitalismo introduziu a idéia de rendimento (tempo-trabalho- produção), e toda essa dinâmica reflete-se integralmente no esporte. Brohm (1976) afirma que o esporte é essencialmente e primordialmente a busca do rendimento corporal. O esporte implica numa atividade corporal onde o acento está colocado precisamente sobre o domínio, a vitalidade e a eficácia do corpo humano. O aumento do rendimento corporal pressupõe o treinamento racional, metódico, intensivo, continuado, progressivo, crescente tecnificação, hiper-especialização esportiva e seleção metódica dos atletas; (2) sistema de hierarquização: a concepção esportiva determina uma instituição fortemente hierarquizada. O primeiro tipo de hierarquia que se apresenta é a hierarquia das modalidades, onde nem todos os esportes são apreciados da mesma maneira. Essa estratificação é profundamente sentida pelos atletas, da mesma forma que ocorre com a hierarquia das profissões. A hierarquia esportiva é uma hierarquia de compensação à hierarquia social estável e rígida. Brohm (1976) observa que enquanto a hierarquia esportiva é flexível, pois repouso sobre os méritos dos esforços pessoais, a hierarquia social (de classe) é bastante fixa, às vezes mesmo imutável. Por suas possibilidades de promoção e êxito, o esporte oferece uma esperança de triunfo na sociedade, dessa maneira, o esporte pode ser considerado uma válvula de segurança, pois permite compensar as desigualdades sociais pela esperança de ascensão social (CAVALCANTI, 1984); (3) princípio de organização burocrática: encontra-se no esporte todas as características do sistema burocrático. A competição esportiva com seu culto, regras, treinamentos, espetáculos e recordes repete os mesmos esquemas da organização industrial, seja por seu tecnicismo ou por sua divisão do trabalho e colaboração de equipes, se igualando aos outros setores da sociedade capitalista. A própria história do esporte evidencia um esforço progressivo de organização, regulamentação e institucionalização, cuja tendência atual é tornar-se uma vasta organização de engrenagens complexas (BROHM, 1976); (4) princípio de publicidade: representando uma das características mais típicas do esporte moderno, a publicidade determina que o sistema esportivo seja, hoje, antes de tudo, um imenso complexo audiovisual, havendo numerosas possibilidades de utilizar o esporte como agente de propaganda, devido ao seu enorme poder de atração popular. Pode-se dizer, então, que o esporte serve de suporte à atividade publicitária tanto economicamente quanto politicamente. 3. ESPORTE ALIADO À POLÍTICA O esporte moderno assumiu características inteiramente diversas do esporte praticado na Antiguidade e na Idade Média ao se transformar numa instituição social nova, perfeitamente integrada ao modo de produção industrial. Como fenômeno social, o esporte depende das forças econômicas, políticas e ideológicas que lhe dão a sua dimensão histórica. Segundo Brohm (1976), existem quatro fatores que determinaram o aparecimento e o desenvolvimento de um sistema esportivo mundial: (1) desenvolvimento do tempo livre e das atividades recreativas, onde nesse contexto o esporte foi considerado um meio privilegiado de recuperação e distração; (2) mundialização dos intercâmbios através dos transportes e dos meios de comunicação de massa, propiciando maior popularidade ao esporte; (3) revolução científica e técnica, criando novas técnicas de treinamento, instrumentos de medida, infra-estruturas mais avançadas; (4) advento e aperfeiçoamento da revolução burguesa democrática e confronto entre nações, caracterizada no esporte pela idéia de que as condições pré-estabelecidas de participação são iguais para todos. Brohm (1976) destaca que todas as teorias tradicionais da política têm ocultado o princípio corporal do poder, mas atualmente se verifica uma inflação do discurso sobre o corpo, pois o corpo está na moda, o corpo tornou-se um tema obrigatório da cultura contemporânea. O esporte é a forma dominante da educação do corpo, mais ainda, o esporte é um sistema de dominação dos indivíduos através do corpo. Burgener (1977) afirma que as relações entre os esportes e a política aumentam a cada dia e em todos os níveis. Cagigal (1981) lembra que a história do olimpismo moderno está marcada por ingerências políticas e que nenhuma olimpíada esteve livre de pressões e resistências políticas. Embora a ideologia esportiva continue afirmando a existência de um apolitismo real do movimento esportivo, a realidade efetiva da prática esportiva institucionalizada demonstra que o esporte, ao contrário, está estreitamente interligado à política e às atividades do Estado (BROHM, 1976). Dentre as funções sócio-políticas do esporte temos o papel diplomático. Meynaud (1972) observa que existem várias modalidades ou níveis de utilização do esporte, visando a facilitar o cumprimento de um projeto diplomático. As relações esportivas constituem o primeiro passo para o estabelecimento ou restabelecimento de relações diplomáticas. Os promotores do esporte, de modo geral, consideram que o movimento esportivo mundial é inseparável da política de coexistência pacífica. Assim, o esporte é visto como a linguagem universal da compreensão entre os povos (CAVALCANTI, 1984). As manifestações esportivas internacionais, reunindo atletas de praticamente todas as correntes políticas, procedentes de regimes ideologicamente incompatíveis, oferecem ao mundo a imagem hipócrita de uma verdadeira fraternidade humana, uma vez que tais eventos esportivos não podem existir a não ser sob a máscara da paz mundial. Dentre as outras funções sócio-políticas do esporte existem quatro destacadas por Brohm (1976) e que serão ressaltadas aqui. (a) A função integradora do esporte e a estabilização do sistema capitalista: como uma instituição de massificação social total, o esporte cria um consenso social implícito, apoiado sobre o senso comum, conseguindo até mesmo a adesão popular à hegemonia da classe dominante (CAVALCANTI, 1984). Sem jamais pôr em questão a ordem estabelecida, o papel do esporte consiste em inculcar o espírito de disciplina, de obediência, contribuindo efetivamente para criar e manter o conformismo social. Para Sérgio (1976), o esporte atual mantém o espírito da cultura dominante e dominadora no capitalismo, assimilando não só os conhecimentos, mas também os valores capitalistas. Acrescenta que o esporte como mercadoria é um objeto que se destina a fins lucrativos, um elemento que visa à estabilização da ideologia dominante. Ainda o mesmo autor diz que o esporte domestica a ação e a criatividade, funcionando como elemento opressor, pois a presença transformadora do indivíduo não é permitida e nem considerada. Segundo Brohm (1976) a instituição esportiva é também uma instituição de repressão preventiva da população, pois seu papel é evitar a desordem no seio da sociedade como se fosse uma camisa de força ideológica; em outras palavras, o esporte representa uma higiene política preventiva. (b) A função do apolitismo esportivo, a despolitização pelo esporte e o ópio do povo: o Estado utiliza de certa forma conscientemente o espetáculo esportivo com fins políticos, tendo em vista um obscurecimento ideológico e procurando camuflar ou embelezar a realidade social existente. Goffard (1977) mostra, sobre os Jogos Olímpicos, como a burguesia organiza uma vigorosa campanha ideológica cujo objetivo é mascarar a realidade e impedir a toma da de consciência. Os problemas são colocados de lado e suspensos, pois o esporte existe acima da luta de classes, permitindo manter a ilusão através de uma sociedade abstrata. Sérgio (1976) afirma que o esporte conduz à alienação, mantém a ignorância e a injustiça, animaliza e bestializa o ser humano. Considerado uma droga, o esporte não enfraquece o indivíduo como as outras drogas, mas tem a mesma função: fuga e evasão das contingências sociais. (c) A função de manutenção da ordem pública: segundo Brohm (1976) o esporte, praticado sob a proteção da polícia, funciona como “polícia ideológica a serviço das classes dominantes”, consistindo num meio bastante eficaz de manutenção de ordem pública. A primeira razão fundamental da presença das forças da ordem se dá pelo fato que o esporte está intimamente ligado à luta de classes. Outra razão que determina a presença da polícia nos arredores das manifestações esportivas é o objetivo de conter as explosões de agressividades das massas em decorrência da energia sublimada pelas frustrações no trabalho e na vida urbana (BROHM, 1976). (d) A função de colaboração de classes: um outro aspecto da ação unificadora do esporte é a sua contribuição para minimizar as barreiras sociais, pelo menos temporariamente, por ocasião dos encontros esportivos (CAVALCANTI, 1984). Essas barreiras são essencialmente barreiras de hierarquia de classe, de status, de nível de vida e de cultura. Esta transformação momentânea ocorre quando operários, camponeses e patrões entram em campo para praticar o esporte e passam, então, a serem simplesmente atletas que, unidos fraternalmente e usando o mesmo uniforme esportivo, passam a defender o mesmo time, mascarando, assim, as reais barreiras sociais. Isso cria um sentimento de que todos pertencem a um mesmo grupo, podendo reduzir as tensões resultantes da contradição entre os interesses do capital e os interesses dos trabalhadores. De um lado o esporte é concebido como um meio neutro de diálogo entre as classes e, de outro lado, o esporte assegura a compensação pelas perdas de ordem física e mental impostas pela organização do trabalho industrial. Em relação à assistência ao espetáculo esportivo, Sérgio (1976) diz que o estádio constitui um lugar favorável à colaboração de classes onde o rico e pobre, explorador e explorado assumem posições idênticas, proclamando apaixonadamente interesses comuns. Pode-se afirmar, portanto, que o esporte é efetivamente um instrumento ideológico na luta de classes, um meio pelo qual se propõe a colaboração de classes no domínio do tempo livre, onde a exploração não é tão evidente como na empresa. 4. DEFININDO EDUCAÇÃO Primeiramente é necessário definir o termo educação, que segundo Werneck (1991) é o ato de transmissão não só de um conhecimento instrucional, mas principalmente na transferência de uma escala de valores que deve ser bastante refletida e conscientemente aceita. Há também a idéia de que o homem não nasce humano, mas que culturalmente, através da educação, ele vai se tornando humano. Assim, a educação passa a ser um processo cultural de humanização do homem. A instituição educacional é o produto de um processo de complexificação da sociedade, produzido fundamentalmente pelo desenvolvimento das forças produtivas, que determinou uma diferenciação de sistemas, os quais cumprem, no conjunto das relações sociais, determinadas funções; a transmissão do saber social acumulado exigiu o surgimento de uma instituição par cumprir tal tarefa, o sistema educacional. O educador, na sua prática, quer queira quer não, é um veiculador de valores. É neste sentido que reside a vinculação da forma de ensino com o seu conteúdo. A socialização do indivíduo ou da criança se dá exatamente através da internalização de valores e de normas de conduta da sociedade a que pertence. A Escola é uma das instituições que promove tal socialização. Portanto, o fenômeno da socialização ou da aprendizagem do social também ocorre nas aulas de Educação Física, sendo inclusive enfatizada como importante função pela pedagogia desportiva ou da Educação Física. A Educação Física enquanto teoria de uma prática pedagógica, precisa enfrentar a questão dos valores (penetrar no âmbito da ética). Ou seja, ela vai refletir e fazer opções conscientes em torno de uma visão (projeto) de mundo, de Homem e de sociedade. É preciso para tanto, elucidar qual o papel desejável para a escola em nossa sociedade. Isto explica, tanto em fazer uma leitura da sociedade em que vivemos, como implica em projetar a sociedade que almejamos. 5. HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR O tema da Educação Física é o movimento corporal, mas não qualquer movimento, é o movimento humano com determinado significado e/ou sentido, que por sua vez, lhe é conferido pelo contexto histórico-cultural. Se analisarmos, através da literatura específica, a forma cultural do movimento corporal que tem sido objetivo da Educação Física no Brasil, veremos que inicialmente (pelo menos até a década de 40 do século passado), havia o predomínio do exercício ginástico – principalmente o de orientação militarista, que, a partir de então, cede lugar progressivamente ao movimento na forma cultural de esporte. A Educação Física nasce praticamente junto com a escola, com os sistemas nacionais de ensino, típicos da sociedade burguesa emergente dos séculos XVIII e XIX. Foram inicialmente os filantropos como Guths Muths (1759- 1839) e Pestalozzi (1746-1827), que buscaram introduzir as atividades corporais no currículo escolar (BRACHT, 1997). No entanto, a influência destes pedagogos na Educação Física é claramente superada pelos chamados métodos ginásticos, como o desenvolvido por Ling na Suécia, ou o Regulamento Geral da Educação Física, conhecido como método francês. Outra característica marcante na Educação Física brasileira tem sido a influência da instituição militar em seu desenvolvimento. Assim, os métodos inicialmente adotados foram, via de regra, ao adotados pela instituição militar. O importante a ressaltar é que a instituição escola, neste caso, é palco de uma “ação pedagógica” que se legitimava a partir de sua presumível contribuição para a saúde, ou seja, com função higiênica e formação do caráter e o seu conteúdo baseado fundamentalmente na prática corporal através de exercícios analíticos, corridas, saltos, etc. (BRACHT, 1997). Analisando um pouco mais as características dos dois principais sujeitos envolvidos nesta atividade: o instrutor (professor) e o aluno. As funções atribuídas ao instrutor eram as de apresentar os exercícios, dirigir, e manter a ordem e a disciplina. Ao aluno competia repetir e cumprir a tarefa atribuída pelo instrutor. O processo pelo qual o sujeito assumia o papel de instrutor consistia, fundamentalmente, num treinamento no interior da instituição militar ou numa Escola de Educação Física militar (BRACHT, 1997). Após a II Guerra Mundial, a influência do esporte cresce rapidamente. O esporte sofre, no período pós-guerra, um grande desenvolvimento quantitativo e, segundo Bracht (1997), afirma-se paulatinamente em todos os países sob a influência da cultura européia, como o elemento hegemônico da cultura de movimento. No Brasil as condições para o desenvolvimento do esporte, o desenvolvimento industrial com a conseqüente urbanização da população e dos meios de comunicação de massa estavam, mais do que antes, presentes. A Educação Física assume os códigos de uma outra instituição, de tal forma, que temos então, não o esporte da escola, e sim o esporte na escola, o que indica sua subordinação aos códigos da instituição esportiva. Esses códigos podem ser resumidos em: princípio do rendimento atlético-desportivo, competição, comparação de rendimentos, regulamentação rígida, sucesso esportivo é sinônimo de vitória. O que foi observado é a transplantação desses códigos do esporte para a Educação Física. A escola pode ser considerada como a base da pirâmide esportiva, o local onde o talento vai ser descoberto. Analisando novamente os sujeitos envolvidos, o professor e o aluno, percebemos que os papéis não são diferenciáveis nos seus aspectos fundamentais dos de treinador e atleta na instituição esportiva. Ou seja, passou de professor instrutor e aluno recruta para professor treinador e aluno atleta. Bracht diz ainda que essa orientação parece adequar-se bem à orientação tecnicista sob a égide da ditadura militar, do projeto “Brasil Grande”. No início da década de 80, a Educação Física sofre os primeiros abalos, devido ao surgimento de novas interpretações (ou propostas), que Bracht (1997) as define como: (1)Educação Física Humanista: seus objetivos situam-se mais no plano geral da Educação Integral. O conteúdo é muito mais instrumento para promover as relações inter-pessoais e facilitar o desenvolvimento da natureza, em si boa, da criança. O objetivo central da Educação Física torna-se, nesta concepção, a instrumentalização do aluno para ocupar suas horas de lazer com atividades. O social é entendido como uma extensão do individual, ou seja, trata-se de desenvolver atitudes de cooperação e solidariedade a fim de inserir-se de maneira positiva no meio social já dado, jamais questionado; (2)Psicomotricidade: baseada na interdependência do desenvolvimento cognitivo e motor e propõe, a partir de jogos de movimentos e exercitações, contribuir para a Educação Integral. O autor de maior influência no Brasil é o francês J. Lê Boulch, para quem a Educação Psicomotora assenta no desenvolvimento de algumas aptidões de natureza perceptiva e de natureza motora, em relação com as funções mentais; e (3)Educação Física Revolucionária: uma concepção crítica, diferenciada das tendências anteriores pelo fato dela realizar a crítica da Educação Física a partir de sua contextualização na sociedade capitalista, operando tal crítica a partir da tradição teórica do marxismo e, assim, ressaltando a dimensão política da Educação e da Educação Física. Nenhuma das tendências parece, por enquanto, ameaçar seriamente a hegemonia da “tendência esportiva”. Essa tendência menosprezou os fundamentos filosóficos, sociológicos e psicológicos da atividade física e esportiva enquanto valorizou os aspectos metodológicos, tendo em vista tornar o esporte ao alcance de todos (CAVALCANTI, 1984). Desta forma não havia lugar para investigações sobre a essência do esporte e sobre seu significado para o Homem e para a sociedade. Neste contexto, surge, mais recentemente, uma nova versão para legitimar a Educação Física na Escola. Esta tem a ver com a dimensão que assumiu o fenômeno esportivo em nossa sociedade. A dimensão quantitativa do esporte parece ser razão suficiente para que a escola assuma a tarefa de transmitir este elemento de cultura. A legitimidade das práticas corporais, principalmente o esporte, nas sociedades modernas, pode ser deduzida da praticamente unanimidade que o esporte hoje alcança. Ser esportivo, aparentar boa forma física, já quase não é mais uma opção, mas sim uma imposição social. Ligada a este “boom” do corpo ou das práticas corporais, temos o “boom” da indústria do lazer e dos materiais esportivos. Assim, é bem provável que a Escola, concretamente, já esteja, através das aulas de Educação Física, servindo a esta nova indústria e a Educação Física esteja recebendo reconhecimento a partir do “consumo” destas práticas corporais na sociedade como um todo. 6. CONCLUSÃO Vários estudiosos das relações entre esporte e sociedade defendem a posição de que o esporte moderno é um produto específico da sociedade industrial. Brohm (1976) destacou o princípio de rendimento, o sistema de hierarquização, o princípio de organização burocrática e o princípio de publicidade como características do esporte que reproduzem estruturalmente a organização da sociedade industrial. A instituição esportiva constituiu-se até mesmo em aparelho do Estado. Cada vez mais está difícil sustentar o apolitismo esportivo, visto que os grandes eventos internacionais, nacionais e locais têm demonstrado sua estreita ligação com os interesses políticos. Estabilização do sistema capitalista, despolitização da massa, manutenção da ordem pública e colaboração de classe são alguns dos interesses que o esporte tem defendido na atual sociedade. Assim, no Brasil, como nos outros países, a questão ideológica do esporte é afastada da problemática da democratização, enquanto que a ideologia esportiva continua se tornando cada vez mais eficaz com instrumento de dominação sócio-cultural. Em relação ao esporte não-formal, observa-se que este mantém, em sua essência, todos os elementos estruturais do esporte formal. O discurso humanista sobre a democratização do esporte está impregnado de mitos, tendo em vista ocultar essa afinidade estrutural e, sobretudo, a realidade social. A preocupação daqueles que desenvolvem o esporte não-formal está na ampliação do mercado esportivo, refletindo exatamente a política nacional de extensão da prática do esporte (CAVALCANTI, 1984). Cagigal (1979) afirma que o esporte será tanto mais educativo quanto mais conservar sua qualidade lúdica, sua espontaneidade. O excesso de aprendizagem de modelos e o super-tecnicismo são os perigos mais graves do esporte educativo. Daí pensarmos que o esporte na escola deva preservar ou recuperar o caráter lúdico, devendo, portanto, estar a ação pedagógica voltada para tal. Beresford (1994) diz que o esporte escolar deve ser entendido na abrangência do “esporte-educação”, sendo aquela manifestação desportiva que ocorre, principalmente na Escola, mas que também pode ocorrer em outros ambientes, e que tem por finalidade o desenvolvimento integral do homem brasileiro como um ser autônomo, democrático e participante, contribuindo para a cidadania. O termo educação, entendido como um ato de transferência de uma escala de valores que deve ser bastante refletida e conscientemente aceita, indo além da transmissão exclusiva de um determinado conhecimento instrucional, deve ser um compromisso a ser assumido pelos integrantes de todas as manifestações desportivas. Especialmente porque este trabalho trata da ética e da moral, e como tal, não há quem possa desconsiderar a importância destes em qualquer hierarquia de valores. Assim sendo, educação não é um compromisso exclusivo de quem trabalha com sistemas de ensino ou com a instrução, e sim da sociedade como um todo, inclusive da própria comunidade desportiva. Beresford (1994) não deixa de reconhecer a importância de outros aspectos inerentes ao esporte, aos quais se chega por um processo instrucional de exercícios físicos, técnicos e táticos, o fundamento básico desta proposta educacional, baseada na moral social do tipo consensual, é o de também transferir valores éticos e morais que possam ser apreendidos pelos praticantes das diversas modalidades desportivas, com o propósito de criar condições para que estes praticantes estabeleçam sua própria escala de valores, com bastante reflexão e conscientemente aceita. Sem esse fundamento básico, fica difícil entender que seja alcançada a finalidade do esporte de formação básica, como de resto de toda educação básica, ou seja, o desenvolvimento integral do homem brasileiro como um ser autônomo, democrático e participante, contribuindo para a cidadania. Portanto, o pressuposto básico para quem for exercitar a moral do tipo consensual através do esporte de formação básica é assumir, com convicção, que não haverá democracia no Brasil enquanto o nosso povo não tiver a capacidade de fixar, por si próprio e de forma consensual, a norma social que deve presidir a convivência política. Isso porque só a consciência moral pode dar a base sólida para a democracia e para as transformações sociais. Sem essa base moral, as leis, decretos e etc., serão como hoje, simples instrumentos sem significado real, pois não são respeitados por quem os elabora e muito menos pela sociedade brasileira. Ora, se queremos que a democracia seja realmente instaurada no Brasil, precisamos utilizar todos os mecanismos que possam viabilizar essa idéia. Nessas condições, a educação é um dos meios de crucial importância para começar a viabilizar essa transformação social tão propagada em discursos, mas de poucas propostas efetivas. A implantação de uma proposta educacional que tenha por objetivo a moral a ser exercida através do esporte, em termos lúdicos, ou seja, como uma representação, passa a ser um instrumento pedagógico muito importante nesse sentido. Isso porque o esporte tem todos os ingredientes necessários para tal. 7. REFERÊNCIAS BERESFORD, Heron. A Ética e a Moral Social Através do Esporte. Rio de Janeiro: Editora Sprint, 1994. BURGENER, L. Sport et politique: bibliographie choise. Cultures, n. 4, vol. 2, pág. 143-50, 1977. BRACHT, V. Educação Física e Aprendizagem Social. Porto Alegre: Magister, 2 ed., 1997. BROHM, J. M. Sociologie politique du sport. Paris: Delarge, 1976. CAGICAL, J. M. Oh deporte! Anatomia de um gigante. Valladolid: Miñon, 1981. CAVALCANTI, K. B. Esporte para todos: um discurso ideológico. São Paulo: IBRASA, 1984. GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1989. GOFFARD, S. Jogos e paradas olímpicas e ideológicas. In Serge Goffard et alli. 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HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR 6. CONCLUSÃO 7. REFERÊNCIAS