UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS E VETERINÁRIAS CAMPUS DE JABOTICABAL RELATÓRIO FINAL DE ESTÁGIO CURRICULAR EM PRÁTICA VETERINÁRIA, REALIZADO JUNTO AO PROGRAMA JOVENS VETERINÁRIOS DA NESTLÉ PURINA EM JABOTICABAL - SP Revisão de literatura: Hipersensibilidade Alimentar em Cães Beatriz Eustachio Boarini JABOTICABAL – SP UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS E VETERINÁRIAS CAMPUS DE JABOTICABAL RELATÓRIO FINAL DE ESTÁGIO CURRICULAR EM PRÁTICA VETERINÁRIA, REALIZADO JUNTO AO PROGRAMA JOVENS VETERINÁRIOS DA NESTLÉ PURINA EM JABOTICABAL - SP Revisão de literatura: Hipersensibilidade alimentar em cães Discente: Beatriz Eustachio Boarini Orientador: Prof. Dr. Aulus Cavalieri Carciofi Trabalho apresentado à Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias – UNESP Câmpus de Jaboticabal, para graduação em Medicina Veterinária. JABOTICABAL – SP 1º SEMESTRE DE 2023 DEDICATÓRIA Dedico este trabalho ao meu pai (in memoriam), que sempre foi o meu maior exemplo de amor, alegria e inspiração. Te vejo e te sinto em tudo. A saudade não cabe no peito, te amo com todo meu coração! AGRADECIMENTOS Agradeço em primeiro lugar a minha família, que sempre foi e sempre será minha base. A minha mãe Eliana e ao meu pai Alfredo (in memoriam), obrigada por se dedicarem com tanto amor e carinho, por me proporcionar o melhor em todos os sentidos, por fazer de tudo que estava ao alcance de vocês sem medir esforços, por me apoiar e incentivar todos os meus sonhos. Ao meu irmão Henrique, que é o meu grande companheiro dessa vida e está ao meu lado em qualquer circunstância, morro de orgulho do homem que está se tornando. Vocês são tudo pra mim! Aos meus queridos avós, vó Cleide (in memoriam) e vô René, vó Cida e vô Hélio (in memoriam), que privilégio crescer ao lado de vocês. Aos meus tios e tias, primos e primas. Sou muito grata por ser rodeada de pessoas especiais, não há nada mais importante do que a nossa família! Aos meus filhos caninos Mel, Filé e Óreo Marcio, que me fizeram ter certeza de que estava no caminho certo. A minha turminha da faculdade, Gandaia, Capitu, Brêja, Gorfo, Nazaré, Nudes, Nocaute e Karrefur, obrigada por compartilharem a vida universitária comigo, tantos perrengues e momentos bons vividos juntos. São grandes amizades que levarei para toda a vida! A todas as moradoras da Republica Kabaré, que são minha segunda família, minhas irmãs de coração, e a nossa mãezona Jô. Vocês tornaram essa caminhada ainda mais incrível. Sem vocês nada disso seria possível! A todas as amizades feitas durante esse percurso e todas aquelas mais antigas, que permaneceram ao meu lado apesar da distância. Em especial a minhas amigas de infância Renata e Stela, eu amo vocês! Ao Programa de Educação Tutorial, PET Vet, que me proporcionou muitas vivências enriquecedoras, um lugar onde pude me desenvolver em diversos aspectos e conviver com colegas e profissionais inspiradores. A todos os profissionais que eu tive o prazer de acompanhar através dos estágios, obrigada pela oportunidade e por todo conhecimento compartilhado, aprendi muito com cada um de vocês. A minha RIV Janaína, que foi um grande presente do meu estágio obrigatório, muito obrigada pela paciência, dedicação e parceria. Você é demais, Jana! Ao meu orientador, Prof. Aulus, e as minhas coorientadoras, Maria Eduarda e Leticia, que são profissionais e pessoas admiráveis, muito obrigada por todos os conselhos e orientações! i ÍNDICE LISTA DE FIGURAS ......................................................................................... iii LISTA DE TABELAS ........................................................................................ iv I - RELATÓRIO 1. INTRODUÇÃO ............................................................................................... 1 2. DESCRIÇÃO DO LOCAL DE ESTÁGIO CURRICULAR .............................. 2 2.1 Nestlé Purina .............................................................................................. 2 2.2 Serviço de Nutrição e Nutrição Clínica do Hospital Veterinário “Governador Laudo Natel” ........................................................................................................... 5 3. DESCRIÇÃO E DISCUSSÃO DAS ATIVIDADES DO ESTÁGIO ................. 7 3.2 Rotação na área de Vendas ............................................................................. 9 3.3 Rotação na área de Marketing ........................................................................11 3.4 Rotação na área de Serviço de Atendimento ao Cliente (SAC) ...................14 3.5 Atendimentos no Serviço de Nutrição e Nutrição Clínica de Cães e Gatos do Hospital Veterinário “Governador Laudo Natel” ............................................16 3.6 Projeto desenvolvido no Hospital Veterinário ...............................................23 3.7 Eventos .............................................................................................................25 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................... 30 II - MONOGRAFIA 1. INTRODUÇÃO ............................................................................................. 31 2. REAÇÕES ADVERSAS AOS ALIMENTOS ................................................ 33 3. ETIOPATOGENIA DA HIPERSENSIBILIDADE ALIMENTAR EM CÃES .. 36 3.1 Mecanismos Imunológicos .............................................................................36 3.2 Barreira Intestinal e Tolerância Oral ...............................................................37 3.3 Fatores Predisponentes ..................................................................................39 ii 3.4 Alérgenos Alimentares ....................................................................................40 4. EPIDEMIOLOGIA ........................................................................................ 41 5. SINAIS CLÍNICOS ....................................................................................... 41 5.1 Sinais Dermatológicos ....................................................................................42 5.2 Sinais Gastrointestinais ..................................................................................43 6. DIAGNÓSTICO ............................................................................................ 44 6.1 Diagnósticos Diferenciais ...............................................................................44 6.2 Dieta de Eliminação .........................................................................................48 6.2.1 Dieta Caseira..............................................................................................50 6.2.2 Dieta Comercial Com Proteína Não-Convencional .................................51 6.2.3 Dieta Comercial Com Proteína Hidrolisada .............................................51 6.3 Resposta Clínica ..............................................................................................54 6.4 Teste De Provocação .......................................................................................55 6.5 Exames Complementares ...............................................................................56 7. PROGNÓSTICO E MANEJO A LONGO PRAZO ....................................... 57 8. CONCLUSÃO .............................................................................................. 58 REFERÊNCIAS ................................................................................................60 ANEXOS ...........................................................................................................78 iii LISTA DE FIGURAS Figura 1. Logomarca da empresa Nestlé Purina Figura 2. Fábrica da Nestlé Purina no Brasil em Ribeirão Preto – São Paulo Figura 3. Ambulatório 1 do Setor de Nutrição e Nutrição Clínica de Cães e Gatos Figura 4. Copa do Serviço de Nutrição Clínica de Cães e Gatos Figura 5. Escore de Condição Fecal Figura 6. Sistema de Condição Corporal de Cães e Gatos (ECC) Figura 7. Sistema de Índice de Massa Muscular (IMM) Figura 8A. Sonda esofágica aplicada em paciente felino Figura 8B. Sonda nasogástrica colocada em cão Figura 9A. Radiografia torácica contrastada de paciente canino demonstrando a localização de sonda nasogástrica após passagem de contraste Figura 9B. Radiografia torácica lateral de paciente canino com sonda nasoesofágica mal posicionada, dobrada (seta) em esôfago Figura 10. Participação na disciplina “Alimentação e nutrição de cães e gatos” em 25 de outubro de 2022 Figura 11. Evento realizado em parceria com a loja “Multitec Produtos Agropecuários” em 10 de dezembro de 2022, na cidade de Jaboticabal – São Paulo Figura 12. Palestra "Qual é o alimento ideal para o meu paciente? Quanto fornecer?" realizada no dia 12 de dezembro de 2022 Figura 13. Regiões mais afetadas pelas lesões clínicas e prurido associados a alergia alimentar e dermatite atópica iv LISTA DE TABELAS Tabela 1. Atividades desenvolvidas no Serviço de Nutrição e Nutrição Clínica de Cães e Gatos, no Hospital Veterinário “Governador Laudo Natel” no período de agosto a dezembro de 2022 1 I. RELATÓRIO FINAL DE ESTÁGIO CURRICULAR 1. INTRODUÇÃO O estágio curricular obrigatório corresponde ao décimo período da graduação em Medicina Veterinária e é parte fundamental da formação dos alunos, pois é uma oportunidade de vivenciar a rotina e aprofundar os conhecimentos nas suas áreas de maior interesse. É uma importante ferramenta que possibilita que os aprendizados adquiridos durante a graduação sejam empregados na prática, além de ter contato com profissionais de excelência e renome da área definida. O presente trabalho de conclusão de curso tem por objetivo descrever as atividades desenvolvidas pela discente Beatriz Eustachio Boarini, graduanda do curso de Medicina Veterinária da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV) - Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), Campus de Jaboticabal, sob orientação do Prof. Dr. Aulus Cavalieri Carciofi, docente do Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinária, e supervisão da Médica Veterinária Renata Scaf Silveira, que ocupa o cargo de Gerente de Informação Veterinária Pleno na empresa concedente. As vivências do estágio em prática veterinária foram realizadas junto à empresa Nestlé Purina, que promove um programa de estágio denominado “Jovens Veterinários”, destinado a estudantes de graduação cursando o último ano, com aptidão e interesse em desenvolver conhecimentos na área de Nutrição de Cães e Gatos e na área comercial. As atividades de estágio foram cumpridas pela discente de segunda a sexta-feira, com início em 04/07/2022 e término em 31/01/2023, perfazendo um total de 840 horas. Foram contempladas atuações em áreas corporativas da empresa junto aos setores de Vendas (no período de 11 de julho a 31 de agosto de 2022), Marketing (de 05 de setembro a 31 de outubro de 2022) e Atendimento ao Cliente (01 de novembro de 2022 a 31 de janeiro de 2023), sendo as duas últimas realizadas em regime Home Office. Paralelamente às atividades desenvolvidas durante as rotações, a discente também participou da rotina de atendimento no Setor de Nutrição e Nutrição Clínica de Cães e Gatos da 2 UNESP, que compreendia duas semanas por mês durante o decorrer de todo o período de estágio, atuou na promoção e organização de eventos, além de elaborar um trabalho científico, que foi apresentado ao final do estágio como forma de conclusão. A seguir, serão descritas as atividades realizadas ao longo do estágio supervisionado na Nestlé Purina, bem como uma revisão de literatura sobre o tema “Hipersensibilidade Alimentar em Cães”. 2. DESCRIÇÃO DO LOCAL DE ESTÁGIO CURRICULAR 2.1 NESTLÉ PURINA A história da Purina se iniciou em 1894, ano em que Willian H. Danforth e seu amigo George Robinson fundaram a Robinson-Danforth Company na cidade de Saint Louis no Missouri/EUA. O objetivo dos dois era construir uma companhia que proporcionasse a mais pura nutrição aos animais e que utilizasse alimentos fáceis de se encontrar no mercado. O nome se origina do antigo slogan da companhia “Where Purity is Paramount”, ou “Onde a pureza é soberana”, em que “Purity” foi transformado em “Purina”. O logo xadrez vermelho e branco (Figura 1) foi inspirado por vizinhos de Danforth, que vestiam seus filhos com tecido quadriculado similar e eram identificados pela roupa por todo lugar onde iam. Figura 1. Logomarca da empresa Nestlé Purina 3 Em 1920, a Purina criou o seu primeiro Centro de Pesquisas em Nutrição Pet no mundo, denominado “The Purina Petcare Center”, e seis anos depois houve o lançamento da ração Purina Dog Chow®, o primeiro alimento seco para cães do mundo. Em 1956, foi lançado o primeiro alimento para cães cozido sob pressão (processo de extrusão) em diferentes formatos de kibbles. Em 1963 foi lançado o Purina Cat Chow®, um alimento completo e balanceado destinado a gatos, época em que houve grande crescimento na população destes animais nos lares americanos. Através de inúmeras pesquisas, a Purina se tornou uma das pioneiras em produzir alimentos para cães, atendendo às necessidades de cada fase de vida do animal. Um grande avanço se deu, por exemplo, com o lançamento do alimento Purina Puppy Chow®, destinado a cães filhotes. Em 1967, a Purina chega ao Brasil com Kanina® e onze anos depois lança Bonzo®, alimento para cães que se tornou uma das rações mais vendidas no país na época, com o slogan da marca “Não é ração, é refeição”. Em 1986, a Purina desenvolve um processo inovador, que torna possível o uso de carne fresca como primeiro ingrediente da ração e lança seu primeiro alimento super premium com a linha Pro Plan®. Ainda nos anos 80, com o intuito de focar os negócios apenas nos alimentos para pets, a Purina vende várias empresas que havia incorporado ao grupo ao longo de sua existência, como a Purina Mills, que era um segmento dedicado à produção de alimentos para animais de grande porte. A década de 90 foi marcada por inovações no campo da nutrição animal, como a criação da linha coadjuvante. Em 1994, a Purina se torna uma empresa exclusiva de petcare. Em 15 de janeiro de 2001, a Nestlé se insere de vez no mercado de petfood e compra a Ralston Purina, tornando-se “Nestlé Purina”. Em 2016, a empresa inova mais uma vez com o lançamento de Pro Plan Neurologic Care®, um alimento exclusivo com tecnologia à base de óleos vegetais, contendo ácidos graxos de cadeia média que auxiliam no tratamento de cães com epilepsia idiopática e sinais neurológicos relacionados ao envelhecimento. 4 Em 2018, a Purina fundou o Purina Institute (Instituto Purina), uma organização profissional global que compartilha as pesquisas mais avançadas da Purina e informações baseadas em evidências da comunidade científica de uma forma prática, com o objetivo de capacitar profissionais veterinários e colocar a nutrição à frente das discussões sobre saúde animal. A equipe de inovação e desenvolvimento da Purina abrange uma ampla gama de especialidades, incluindo nutricionistas, veterinários, especialistas do comportamento, imunologistas, químicos, biólogos moleculares, cientistas de alimentos, especialistas em palatabilidade, genoma e bioinformática. Em 2021, lança Pro Plan Live Clear®, um alimento com tecnologia revolucionária que reduz de forma significativa os alérgenos ativos presentes no pelo e caspas dos gatos, reduzindo sua capacidade de desencadear respostas alérgicas em pessoas sensíveis ao alérgeno felino. Atualmente, a Nestlé Purina está presente em 75 países e mantém uma posição de destaque na produção de alimentos com alto valor nutritivo para cães e gatos. No Brasil, a Purina oferece uma linha diversificada, com 7 marcas de produtos para cães e 5 marcas de produtos para gatos, sendo elas: Purina One®, Alpo®, Felix®, Pro Plan®, Cat Chow®, Fancy Feast®, Friskies®, Dog Chow®, Dental Life® e Doguitos®. A sede administrativa da Nestlé Purina está instalada em um complexo formado por um centro comercial e duas torres, localizada na cidade de São Paulo, na Avenida das Nações Unidas, 17007, Várzea de Baixo. A Nestlé Purina ocupa o andar 23 da Torre Sigma. A empresa conta com uma fábrica de alimentos para cães e gatos em Ribeirão Preto – São Paulo (SP) (Figura 2) há quase 50 anos, sua distribuição tem atuação em todo o território nacional e os produtos também são destinados para exportação para os Estados Unidos da América (EUA), Alemanha, Itália, França e países da América do Sul. Em 2017, houve a inauguração de uma nova unidade fabril em Ribeirão Preto voltada para a produção de alimentos úmidos, sendo a primeira da marca na América Latina com tecnologia exclusiva. Atualmente, a companhia tem 12,5% de participação no mercado de 5 alimentos comerciais para animais de estimação, ocupando o terceiro lugar no ranking do setor, além de ser líder no mercado dos EUA. Figura 2. Fábrica da Nestlé Purina no Brasil em Ribeirão Preto – SP. Fonte: g1 (Portal de notícias da Globo). 2.2 Serviço de Nutrição e Nutrição Clínica do Hospital Veterinário “Governador Laudo Natel” O Hospital Veterinário "Governador Laudo Natel" (HV), Unidade Auxiliar da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV) - Unesp - Câmpus de Jaboticabal, é uma extensão do Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinária (DCCV) e Departamento de Patologia, Reprodução e Saúde Única (DPRSU). Conta com serviços de Anestesiologia Veterinária, Cardiologia Veterinária, Clínica Cirúrgica de Grandes Animais, Clínica Cirúrgica de Pequenos Animais, Clínica Médica de Grandes Animais, Clínica Médica de Pequenos Animais, Diagnóstico por Imagem, Nefrologia e Urologia Veterinárias, Nutrição e Nutrição Clínica de Cães e Gatos, Obstetrícia e Reprodução Animal, Oftalmologia Veterinária, Oncologia de Cães e Gatos, Patologia Clínica Veterinária, Odontologia e Ortopedia Veterinária. 6 Os horários de atendimento são de segunda a sexta-feira, das 8h às 12h e das 14h às 18h e a estrutura para atendimento clínico de cães e gatos consiste em uma recepção, cinco ambulatórios de Clínica Geral, dois de Cardiologia, um de Urologia e Nefrologia, três de Clínica Cirúrgica, um de Anestesiologia, um de Oncologia e um de Oftalmologia, além do centro cirúrgico composto por duas salas. Em um segundo prédio encontra-se uma sala de fluidoterapia, os canis, Laboratório de Oncologia, Laboratório de Cardiologia, Laboratório de Cirurgia e uma copa do Serviço de Nutrição Clínica, onde são armazenados alimentos para cães e gatos. Em um terceiro prédio encontram-se o Laboratório de Pesquisa em Patologia Clínica Veterinária, a farmácia, sala de esterilização. Há ainda um consultório para atendimento de casos de doenças infecciosas, um consultório de Cuidados Paliativos para pacientes oncológicos; o setor de Diagnóstico por Imagem, composto por uma sala destinada aos exames de Raio-X e uma para os exames de Ultrassom; dois consultórios para os atendimentos do setor de Obstetrícia, um centro cirúrgico e um laboratório próprios. O setor de Nutrição e Nutrição Clínica de Cães e Gatos está localizado em um prédio anexo ao prédio principal do HV e é composto por dois ambulatórios (Figura 3) e uma sala de reuniões. Os ambulatórios onde são realizadas as consultas são equipados com mesa de atendimento de inox, escrivaninha com cadeiras para o residente e os tutores, computadores para acessar o sistema do hospital, pia e materiais necessários para realização do exame físico, curativos e passagem de sondas. Além disso, o setor também possui a copa (Figura 4), que é utilizada para armazenar diferentes tipos alimentos para cães e gatos, alimentos secos e úmidos, alimentos coadjuvantes, sucedâneos para neonatos e alimentação enteral para internados, bem como os materiais para preparar a alimentação para os pacientes quando necessário. A equipe consiste em três residentes orientadas pelo Prof. Dr. Aulus Cavalieri Carciofi, além dos estagiários, treinandos e pós graduandos. 7 Figura 3. Ambulatório 1 do Setor de Nutrição e Nutrição Clínica de Cães e Gatos. Fonte: arquivo pessoal. Figura 4. Copa do Serviço de Nutrição Clínica de Cães e Gatos. Fonte: arquivo pessoal. 3. DESCRIÇÃO E DISCUSSÃO DAS ATIVIDADES DO ESTÁGIO 3.1 Programa Jovens Veterinários 2.0 8 O Programa Jovens Veterinários (JV) é voltado para estudantes de Medicina Veterinária cursando o 9º ou 10º período de graduação e tem como principais objetivos a valorização do médico veterinário; estimular o conhecimento e contribuir na formação de médicos veterinários em nutrição de cães e gatos; elevar o nível de conhecimento de nutrição dos profissionais em todo o Brasil; contribuir positivamente com a sociedade, conscientizando tutores em relação a importância da nutrição; capacitar e gerar oportunidades aos jovens na construção de sua trajetória profissional; fomentar a parceria da Nestlé Purina com o ecossistema veterinário no Brasil; gerar uma fonte de talentos para possíveis oportunidades em Nestlé Purina. Para isso, o programa possibilita ampla atuação: 1. No Hospital Escola, acompanhando a rotina de atendimentos clínicos e promovendo um programa de orientação nutricional com o alimento “Purina Pro Plan Veterinary Diets HA Hydrolized®”; 2. Na Universidade, apoiando cursos e eventos que promovam o conhecimento acerca da nutrição de cães e gatos; 3. Em Áreas Corporativas, a partir de rotações nos setores de Vendas, Marketing e Serviço de Atendimento ao Cliente (SAC); 4. Desenvolvimento de Trabalho Científico, a fim de estimular a habilidade de escrita científica dentro da temática de nutrição e nutrição clínica de cães e gatos; 5. Com a sociedade, possibilitando contato com tutores e acompanhamento nutricional gratuito para cães e gatos, além de promover eventos para a população local. Nesta edição do programa foram 12 Universidades participantes: 1. Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP, campus Jaboticabal - FCAV) 2. Universidade de São Paulo (USP, campus São Paulo - FMVZ) 3. Universidade de São Paulo (USP, campus Pirassununga - FZEA) 4. Universidade Anhembi Morumbi (UAM) 5. Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) 9 6. Universidade Federal do Paraná (UFPR) 7. Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) 8. Universidade Federal de Goiás (UFG) 9. Universidade Federal de Lavras (UFLA) 10. Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) 11. Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) 12. Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Em cada instituição há um professor orientador responsável por acompanhar as atividades semanais do estagiário, e um Representante de Informação Veterinária (RIV) Nestlé Purina, que é o supervisor do programa JV e representa o ponto de contato entre a empresa e a universidade. Durante a primeira semana de estágio, no período de 05 a 08 de julho, a empresa promoveu um treinamento para os novos estagiários, que ocorreu de forma remota. Foram realizadas dinâmicas de integração entre estagiários e colaboradores Nestlé Purina, apresentação sobre o programa e plano de atividades, revisão de conteúdos teóricos sobre Nutrição básica e Nutrição aplicada, além de treinamentos sobre todas as linhas de produtos Nestlé Purina. 3.2 Rotação na área de Vendas A atuação no setor de vendas iniciou no dia 11 de julho e foi até o dia 31 de outubro de 2022. Nesta primeira rotação, foi possível acompanhar a rotina da RIV responsável pela região de Ribeirão Preto, Janaina do Carmo, que se deslocou à cidade de Jaboticabal para auxiliar e monitorar as rotas de atuação. Foram realizadas visitas técnicas à médicos veterinários clínicos do município, a fim de levar conhecimento acerca da importância da nutrição na rotina clínica de cães e gatos, bem como apresentar os produtos, com enfoque maior na linha Pro Plan Veterinary Diets®, que é a linha de alimentos da Nestlé Purina utilizados como coadjuvantes no tratamento de doenças específicas. Os 6 5 10 assuntos abordados nas visitas são norteados pelo ciclo técnico estipulado pela empresa, ou seja, eles determinam alguns produtos focos para serem trabalhados durante determinado período, de acordo com a época do ano, sazonalidade e lançamentos. Desta forma, cria-se uma ciclicidade na abordagem dos produtos para organizar a frequência e sequência das visitas. Remotamente, a discente também acompanhava a RIV em treinamentos para capacitação da equipe de representantes comerciais da Nestlé Purina sobre as linhas de produtos, onde era feita a apresentação dos produtos, abordando seus benefícios, composição, indicação, vantagens, tempo de uso, diferenciais e argumentação técnica voltado para a rotina de vendas. Além de impactar diretamente nas vendas dos produtos, é igualmente importante a manutenção do relacionamento com o cliente, identificação das oportunidades e ter uma comunicação assertiva com o time de vendas. A discente também acompanhou algumas rotas com o representante comercial Celso Bruno Duarte, visitas a lojas de categoria Petshop e Super pet em Jaboticabal. O representante comercial é o profissional que atua diretamente com as vendas de produtos ou serviços da empresa, tendo como principais objetivos prospectar, vender e fidelizar clientes. Desta forma, nestas visitas é que os produtos eram de fato vendidos, além de checar o estoque do cliente, abastecer a área de venda e repor os itens da loja, a fim de posicioná- los de acordo com a estratégia de marketing, deixando a marca mais evidente para o seu público alvo. É a partir deste profissional que comércios, casas de Petshop e clínicas veterinárias entram em contato com distribuidoras de produtos veterinários, realizam suas compras e comercializam seus produtos. Portanto, o departamento de vendas é uma ponte entre a empresa e seus clientes (KOTLER; KELLER, 2012). Para Kotler & Keller (2012), a venda é a ponta do iceberg de marketing. “A venda começa quando você tem um produto. O marketing começa antes de o produto existir”. A atuação do médico veterinário na área comercial possibilita desenvolver uma série de habilidades de comunicação, além de permitir tecer considerações acerca das demandas de cada estabelecimento, o que o consumidor tem buscado e como oferecer a ele um produto que atenda às 11 suas necessidades. Investir em treinamentos para veterinários e vendedores permite habilitá-los a fornecerem informações de qualidade aos consumidores em relação aos produtos. A comunicação com os veterinários permite a utilização de termos técnicos da área, bem como explorar mais a fundo as tecnologias empregadas nos produtos. Contudo, ao se comunicar com os vendedores, que normalmente não detém de conhecimentos veterinários aprofundados, a comunicação se difere, sendo necessário o uso de uma linguagem menos técnica. A rotação de vendas foi interessante para conhecer a realidade do lojista, ver na prática as vantagens, limitações e dificuldades que os pontos de venda apresentam no dia a dia, o que é essencial para traçar estratégias de produção e fazer o planejamento de marketing para cada linha de produtos. Ademais, o contato mais próximo com os veterinários é uma forma efetiva de aproximá-los da empresa, de maneira a ganhar espaço e confiança, tendo como consequência a indicação de alimentos da marca para os tutores de seus pacientes, impulsionando as vendas. 3.3 Rotação na área de Marketing A atuação no setor de Marketing ocorreu no período de 05 de setembro a 31 de outubro de 2022, em regime Home Office, sob supervisão da Coordenadora de Marketing de Consumo e Gestão de Marcas Carolina Mello. A estagiária, juntamente com os seus colegas de equipe, auxiliou na atualização do design das embalagens dos produtos da linha Pro Plan® e das informações do rótulo de acordo com as exigências da Instrução Normativa nº 110 (IN 110), que foi publicada em 24 de novembro de 2020 e entrou em vigor em 4 de janeiro de 2021, com prazo estabelecido de até 24 meses para adequação. A IN110 refere-se a lista de matérias primas aprovadas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) como ingredientes, aditivos e veículos para uso na alimentação animal e complementa a IN 51/2020 com informações importantes de rotulagem e identidade. No Brasil, o MAPA é responsável pela regulamentação, inspeção e 12 a fiscalização dos produtos destinados à alimentação animal (CARCIOFI et al., 2006). Para realizar as atualizações, foi fornecido o acesso ao SharePoint, que é uma plataforma de colaboração da Microsoft utilizada pela Nestlé Purina como portal corporativo e auxilia na gestão de informações, projetos, fluxos de trabalho e equipes. Nele, estavam presentes todos os arquivos necessários para o desenvolvimento deste projeto, como os desenhos técnicos das embalagens nas apresentações de 0,4 kg, 1 kg, 2,5 kg, 7,5 kg, 10 kg, 15 kg e 20 kg; outra pasta com a Declaração de Rótulo de Produto do Brasil ou Brazil Product Label Declaration (BPLD), um documento que contém todas as informações técnicas dos produtos e que devem estar descritos nas embalagens; e os designs desatualizados de cada alimento da linha Pro Plan®. As alterações dos designs foram indicadas e descritas por meio de um programa de computador denominado Adobe Acrobat Reader 2020, um visualizador de arquivos PDF (Portable Document Format ou Formato Portátil de Documento) que também permite a adição de comentários. Além da adequação do rótulo de acordo com as exigências legais, foi adicionada a informação “Alimento Super Premium 100% completo e balanceado”. Por fim, todos os títulos que apresentavam palavras na língua inglesa foram traduzidos para o português, por exemplo: Puppy/Filhote nos alimentos para cães e Kitten/Filhote nos alimentos para gatos. Desta maneira, o tutor que desconhece a língua estrangeira conseguirá identificar, em sua língua nativa, qual é a indicação do produto. Em seguida, cada produto foi cadastrado com seus respectivos arquivos atualizados no Content Hub, que é uma plataforma online utilizada pela empresa para desenvolver identidade visual, embalagens e aplicativos digitais relacionados a produtos e embalagens, incluindo informações de rótulos, tornando o desenvolvimento de projetos mais colaborativo e eficiente. A agência parceira era responsável por fazer, de fato, as alterações no design gráfico que haviam sido previamente indicadas. 13 Ainda através do Content Hub, o jovem veterinário avaliava se as atualizações dos designs técnicos das embalagens foram feitas corretamente pela agência parceira. Se sim, o procedimento era aprovado e enviado a outro setor de marketing, para dar seguimento a outras revisões que deveriam ser feitas. Por serem de confidencialidade da empresa, estes documentos não puderam ser expostos neste trabalho, uma vez que ainda estão em processo de aprovação. O marketing é uma função organizacional que se destina a criar, comunicar e entregar valor para os clientes, sendo a peça chave para o sucesso de qualquer empresa (KOTLER; KELLER, 2012). Na medicina veterinária, o marketing é uma abertura de novos horizontes e perspectivas no mercado de trabalho, juntamente com a satisfação das necessidades e desejos através do processo de troca, que deve ser interessante e convidativa para ambos os lados, tanto para o cliente quanto para a empresa (POLIZEL; LEONI, 2019). Com o avanço da tecnologia, o marketing moderno exige mais do que desenvolver um bom produto, estabelecer preços atraentes e torná-lo acessível ao público-alvo. A comunicação, por exemplo, é fundamental neste processo e é composta por alguns elementos. A mensagem deve ser transmitida com eficácia pela empresa (emissor), levando em consideração o modo como o público-alvo (receptor) as entende e decodifica. Para isso, também é preciso transmiti-la por meio de veículos de comunicação eficazes que alcancem os receptores e desenvolver canais de feedback para monitorar a resposta. A embalagem também é um meio de comunicação entre o produto e o consumidor e não necessariamente depende de um vendedor, tornando-se essencial durante a decisão de compra. A embalagem agrega valor ao produto e pode gerar um conceito em relação a marca (KOTLER; KELLER, 2012). Tais atividades desenvolvidas pela estagiária permitiram um melhor entendimento das funções atribuídas aos profissionais de marketing, que exercem influência, primordialmente, como emissores de informações aos consumidores, que são os tutores de pets, também denominados receptores. Este setor é amplo, atuando no desenvolvimento de estratégias e planos de 14 marketing, captura de novas oportunidades, gerenciamento das demandas, conexão com os clientes, construção de marcas fortes, desenvolvimento das ofertas ao mercado, entrega e comunicação de valor, além da obtenção de um crescimento de longo prazo. Por meio das atividades desenvolvidas nesta rotação, foi permissível ao jovem veterinário adentrar num universo dinâmico e diversificado. Unindo os conhecimentos da profissão com uma correta implementação do marketing, é possível levar informação aos tutores sobre os alimentos pet, de forma que seja possível despertar a atenção, o interesse, o desejo e a ação de compra no receptor. 3.4 Rotação na área de Serviço de Atendimento ao Cliente (SAC) A atuação no setor do SAC ocorreu no período 01 de novembro de 2022 a 31 de janeiro de 2023, em regime Home Office, sob supervisão da RIV Luisa Inti Gatti. Nesta rotação, o grupo ficou responsável por auxiliar a equipe do SAC com os questionamentos recebidos nos canais de atendimento relacionados a assuntos técnicos, como dúvidas sobre a composição dos produtos, ingredientes utilizados na formulação, níveis de garantia e cuidados gerais com o animal de estimação. A atividade consistiu em buscar informações acerca do assunto solicitado e formular uma resposta baseada em pesquisas científicas. As plataformas de pesquisa utilizadas foram o Instituto Purina (www.purinainstitute.com), e artigos encontrados no Pubmed e Google Acadêmico. Apesar de se tratar de questões técnicas, as respostas foram escritas com uma linguagem simplificada, para que fosse possível transmitir a informação de forma clara e objetiva para tutores de pets. Antes de ser enviada, a resposta passava pela aprovação do médico veterinário responsável pelo setor. O grupo também ficou responsável pela confecção de um material de apoio com orientações sobre o correto armazenamento de alimentos pet, para que os funcionários do SAC possam consultar quando são questionados sobre http://www.purinainstitute.com/ 15 o assunto. O guia aborda temas relacionados às principais pragas que acometem a indústria de alimentos para cães e gatos e como evitá-las, como caruncho, traças, besouros, roedores, ácaros, baratas, moscas e pombos; cuidados e boas práticas de armazenagem e manuseio de produtos Purina nos locais de processamento, distribuição, pontos de venda e na casa das famílias. Outra das tarefas desta parte do estágio foi avaliar a ficha cadastral dos pets inscritos no “Pets At Work” através do “Espaço do Colaborador” e informar, via e-mail, se os colaboradores estavam liberados a participar do evento. A Nestlé é uma empresa que adota a estratégia pet friendly e o “Pets At Work” é um programa que permite que os colaboradores da Sede da Nestlé Brasil levem seus animais de estimação, incluindo cães e gatos, para o trabalho em datas pré-definidas. A iniciativa faz parte do movimento #MelhorJuntos, criado pela Nestlé Purina para estimular a convivência de pessoas e seus pets fora de casa e permitir que seus colaboradores usufruam das vantagens que os pets trazem, o que contribui para um ambiente de trabalho mais leve, engajado e saudável. Para participar, os colaboradores interessados se inscreviam previamente e enviavam os comprovantes de vacinação, a fim de garantir que os pets estariam protegidos e em bom estado geral de saúde. Os canais de atendimento são ferramentas que permitem que o consumidor entre em contato com a empresa e, além de oferecer suporte, auxiliam no relacionamento e fidelização de clientes. Através dos canais de atendimento, os funcionários do SAC recebem as demandas e solicitações dos clientes e atuam como pontos de contato para a interação entre a marca e seu público, visto que uma comunicação eficiente é determinante para o sucesso da empresa. Em suma, as atividades desenvolvidas nesta rotação permitiram desenvolver habilidades de comunicação e ver, na prática, a importância de manter um bom relacionamento com todos os colaboradores da empresas, consumidores, clientes, fornecedores e parceiros, além de conhecer as diversas ações e ferramentas que possibilitam à empresa estabelecer o diálogo com seus diversos públicos. Também foi instigado no estagiário a busca pela 16 informação e a adaptação da linguagem de acordo com as diferentes situações. 3.5 Atendimentos no Serviço de Nutrição e Nutrição Clínica de Cães e Gatos do Hospital Veterinário “Governador Laudo Natel” Os atendimentos foram realizados no período de agosto a dezembro de 2022, durante 2 semanas por mês, em semanas alternadas, das 8h às 12h e das 14h às 18h. A estagiária acompanhava a rotina do Serviço de Nutrição e Nutrição Clínica de cães e gatos, que consistia no atendimento dos pacientes encaminhados ou atendidos diretamente pelo setor. Inicialmente, é realizada a anamnese nutricional por meio de perguntas ao tutor, com o objetivo de obter informações sobre a queixa principal e o histórico do paciente; qual o tipo de alimento (comercial ou caseiro); nome comercial e/ou ingredientes da dieta caseira; quantidade fornecida por dia; número de refeições diárias (ad libitum ou controlada); petiscos oferecidos; apetite; alteração de peso recente; ingestão hídrica; micção; defecação e determinação do Escore de Condição Fecal (ECF); se o animal apresenta alguma dificuldade de apreensão, mastigação ou deglutição; se apresenta episódios de náusea ou vômito; utilização de medicamentos e/ou suplementação; atividade física (tipo, duração e frequência); estado geral do animal (prostado ou não); estado sexual (castrado ou não). A qualidade das fezes do paciente descrita pelo proprietário durante a anamnese é utilizada para classificar o ECF a partir da classificação de De- Oliveira et al. (2008) (Figura 5), que emprega escore com notas de 0 a 5, sendo: 0 - fezes líquidas; 1 - fezes pastosas e sem forma; 2 – fezes macias, mal formadas e que assumem o formato do recipiente; 3 - fezes macias, formadas e úmidas, que marcam o piso; 4 - fezes bem formadas e consistentes, que não marcam o piso; 5 – fezes bem formadas, porém duras e ressecadas. O ECF ideal está entre 3 e 4. 17 Figura 5. Classificação do Escore de Condição Fecal (DE-OLIVEIRA et al., 2008). A segunda etapa do atendimento no setor consiste na realização do exame físico, o que inclui a pesagem do animal, avaliação da condição de pele e pelagem e determinação do Escore de Condição Corporal (ECC) e o Índice de Massa Muscular (IMM). Por meio da inspeção e palpação do paciente, emprega-se escalas numéricas de 1 a 9 (LAFLAMME, 1997), em que ECC inferiores a 4 representam animais muito magros, 4 e 5 representam animais em escores ideais e acima de 5 animais com sobrepeso e obesidade (Figura 6). O EMM emprega escalas numéricas de 0 a 3, pela inspeção e palpação por sobre os ossos temporais, escápulas, costelas, vértebras lombares e ossos pélvicos (MICHEL et al., 2011), sendo 0 perda muscular severa e 3 musculatura normal (Figura 7). 18 Figura 6. Sistema de Condição Corporal de Cães e Gatos. Fonte: Diretrizes para a Avaliação Nutricional – WSAVA 2011. 19 Figura 7. Sistema de Índice de Massa Muscular (IMM). Fonte: Diretrizes para a Avaliação Nutricional – WSAVA 2011. Quando os pacientes apresentavam hiporexia ou anorexia, era oferecida uma bandeja como forma de teste de aceitação, preparada caso o animal não tivesse nenhuma restrição, com alimentos comerciais de elevada palatabilidade como ração seca com alto teor de energia e gordura, o mesmo alimento umedecido com água morna e misturado com rações comerciais úmidas (sachês e patês) e creme de leite. Após o atendimento e avaliação dos exames laboratoriais auxiliares, era realizada a discussão do caso com as médicas veterinárias residentes do setor para a definição do tratamento. Em primeiro lugar, era estimada a necessidade energética do paciente levando em consideração fatores individuais, como idade, peso e estado fisiológico; seleção da dieta mais adequada, dentre as opções caseira ou comercial, coadjuvante ou não; determinação da quantidade de alimento a ser fornecida, o manejo alimentar e a via de administração (oral ou através de sonda alimentar). Nos casos de anorexia/hiporexia, quando necessário, eram prescritos orexígenos, que são medicamentos que estimulam o apetite. Era indicada a colocação de sonda nasoesofágica/nasogástrica ou 20 sonda esofágica, inserida por esofagostomia, nos casos de hiporexia (há mais de 5 dias) e anorexia (há mais de 3 dias) prolongadas. A colocação de sonda também era recomendada em situações em que o paciente apresentava impossibilidade de alimentação por via oral, como traumas, afecções e procedimentos orais, ou situações que pudessem comprometer o apetite do animal durante um período maior de tempo, como quimioterapia e procedimento cirúrgico. As figuras 8A e 8B ilustram pacientes com sondas enterais. Figura 8A. Sonda esofágica aplicada em paciente felino. 8B. Sonda nasogástrica colocada em cão. Fonte: arquivo pessoal. A discente também acompanhava a realização de radiografia (contrastada ou não) (Figuras 9A e 9B) para confirmação do posicionamento da sonda. O preparo do alimento enteral era feito com a quantidade de ração prescrita amolecida com água morna, triturada em liquidificador e coada. Depois disso, o alimento era entregue ao tutor do animal, que era orientado com as instruções de preparo da dieta e manejo da sonda em domicílio. A B 21 Figura 9A. Radiografia torácica contrastada de paciente canino demonstrando a localização de sonda nasogástrica após passagem de contraste. 9B. Radiografia torácica lateral de paciente canino com sonda nasoesofágica mal posicionada, dobrada (seta) em esôfago. Fonte: VI Simpósio sobre Nutrição Clínica de Cães e Gatos – Módulo Prático. Por fim, o paciente era monitorado, via retorno ou telefone, para evolução do quadro clínico e realização de ajustes necessários em relação a prescrição nutricional. A Tabela 1 exibe a casuística do Setor de nutrição acompanhada pela estagiária entre os meses de julho e dezembro de 2022. Ao todo, foram atendidos 119 animais, sendo 92 cães e 27 gatos. A B 22 Tabela 1. Atividades desenvolvidas no Serviço de Nutrição e Nutrição Clínica de Cães e Gatos, no Hospital Veterinário “Governador Laudo Natel” no período de agosto a dezembro de 2022. Motivo da consulta Espécie Total Canina Felina Hiporexia 15 6 21 Anorexia 10 8 18 Obesidade 17 3 20 Orientação nutricional 14 1 15 Deficiência nutricional e energética 6 3 9 Doença Renal Crônica ou Insuficiência Renal Aguda 4 1 5 Enteropatia crônica 2 0 2 Suspeita de hipersensibilidade alimentar 7 3 10 Insuficiência pancreática exócrina 1 0 1 Neoplasia 9 1 10 Urolitíase 6 1 7 Diabetes mellitus 1 0 1 TOTAL 92 27 119 No decorrer do estágio, a maioria dos pacientes atendidos apresentavam anorexia ou hiporexia, o que corresponde a 32,8% dos casos. Destes, a discente acompanhou a colocação de 11 sondas nasogástricas e 2 procedimentos cirúrgicos para colocação de sonda esofágica. Neste sentido, a necessidade de reposição energética e nutricional se faz essencial para reestabelecimento da saúde dos pacientes. Os casos de obesidade também foram muito representativos (16,8%). De acordo com Linder & Mueller (2014), 34 a 59% dos cães e 25 a 63% dos gatos apresentam-se obesos ou acima do peso. A elevada incidência está 23 associada ao caráter multifatorial da afecção, que está relacionada com fatores genéticos, metabólicos e endócrinos, sociais e culturais (LEWIS et al., 1994). Nestes casos, o programa de perda de peso era realizado com retornos quinzenais, além da conscientização e educação cuidadosa do tutor. Os casos de consulta para orientação nutricional do paciente (12,6%) incluíram acompanhamento e controle de crescimento em filhotes, manejo de fêmea gestante e lactante, manejo de um caso de megaesôfago, orientação de manejo de manutenção em adultos, idosos, pacientes com afecções ortopédicas e pós-cirúrgico. 3.6 Projeto desenvolvido no Hospital Veterinário Em parceria com o HV da UNESP/FCAV, o programa promoveu o desenvolvimento de um projeto com o alimento Purina Pro Plan Veterinary Diets HA Hydrolized®, que era fornecido gratuitamente para os pacientes selecionados. Para a execução do projeto, a empresa disponibilizou uma quantidade limite de alimento por mês, o que permitiu que fossem atendidos 6 cães e 3 gatos durante o período de agosto a dezembro de 2022. Esta é uma dieta com fontes de proteínas hidrolisadas para o diagnóstico e tratamento de reações adversas a alimentos e oferecem uma nutrição de alta digestibilidade a pacientes com distúrbios gastrointestinais e dermatológicos desafiadores. A fórmula da HA Hydrolyzed possui baixo peso molecular médio total, sendo inferior a 12.000 Daltons. Para isso, as proteínas (fígado de frango hidrolisado e frango hidrolisado) sofrem um processo de hidrólise, que as decompõem em fragmentos menores chamados polipeptídeos, que, por sua vez, não são reconhecidos como antígenos pelo sistema imune do animal, o que diminui as chances de causar uma reação adversa em pacientes sensíveis. Este alimento também possui elevada digestibilidade (> 85%) para promover máxima absorção de nutrientes, conferindo suporte adequado nas doenças gastrointestinais. Um diferencial é a sua fonte única de carboidratos, a farinha de mandioca, que contém uma quantidade insignificante de proteínas (máximo 1,5%) e, por essa razão, é 24 considerada um carboidrato de baixo potencial alergênico. Todos os pacientes atendidos pelo projeto foram previamente triados pelo setor de Clínica Médica de Pequenos Animais (CMPA). A partir de um correto exame clínico e uso de exames auxiliares, foram excluídas outras causas de prurido e/ou diarreia, tal como dermatite alérgica por picada de ectoparasitas (DAPE), demodiciose ou escabiose, infecções cutâneas por fungos e bactérias, manifestações de desnutrição, causas extraintestinais de diarreia (alterações hepáticas, pancreáticas e renais), doenças intestinais parasitárias e infecciosas e doenças intestinais de outras etiologias (obstrução mecânica, corpo estranho e tumores intestinais). Depois de já realizado o descarte dos principais diagnósticos diferenciais, estes pacientes eram encaminhados para o Serviço de Nutrição Clínica com diagnóstico presuntivo de alergopatia. Após realizar a anamnese nutricional completa e o exame físico, a jovem veterinária, juntamente com a residente responsável por cada caso, selecionou aqueles pacientes que apresentavam suspeita de hipersensibilidade alimentar e se adequavam às indicações do alimento comercial com proteína hidrolisada para fazer o teste de eliminação. Em sequência, a discente explicava o projeto para o tutor e as orientações a serem seguidas; se estivesse de acordo com todas as condições, era assinado um termo de compromisso. Era estimada a necessidade energética do paciente e entregue uma quantidade de alimento suficiente para um mês. A discente seguiu o protocolo para diagnóstico e tratamento de afecções de pele e enteropatia crônica utilizado no HV (ANEXOS A e B). Os retornos eram agendados mensalmente, totalizando de 5 a 6 retornos para cada paciente do projeto, a fim de avaliar o peso corporal e fazer os reajustes na quantidade de alimento, se necessário, além de acompanhar a evolução dos sinais clínicos. A avaliação de prurido seguiu uma escala numérica verbal, em que o proprietário foi arguido a quantificar a intensidade do prurido do animal entre 0 e 10, onde 10 seria equivalente à intensidade máxima. Dos 6 cães do projeto, 1 paciente apresentava sinais dermatológicos e 25 gastrointestinais concomitantemente. Os demais cães apresentavam apenas sinais dermatológicos, tendo o prurido como a principal queixa por parte dos tutores e otite recorrente em 2 pacientes. Ao final da dieta de eliminação, o diagnóstico de HA foi confirmado em 2 pacientes; a HA foi descartada em 2 pacientes que não apresentaram recidiva dos sinais clínicos após o desafio alimentar; os outros 2 pacientes apresentaram melhora nos sinais clínicos com a dieta de eliminação, mas não foram submetidos a dieta desafio por opção dos tutores, que preferiram manter a alimentação com a dieta hidrolisada e, portanto, permaneceram como casos de suspeita de HA. Em relação aos gatos, 1 apresentou sinais dermatológicos, que não diminuíram com o início da dieta de eliminação e, portanto, o diagnóstico de HA foi descartado. Os outros gatos tinham manifestações gastrointestinais, incluindo episódios de vômito e diarreia, que cessaram com o início da dieta de eliminação e os tutores preferiram não realizar o desafio alimentar; portanto, também permaneceram como casos de suspeita de HA. A discussão detalhada sobre este tema será abordada na segunda parte do presente trabalho. 3.7 Eventos O primeiro evento realizado foi o “II Simpósio Online de Nutrição Clínica Felina e Canina Nestlé Purina”, organizado em conjunto pelos 12 Jovens Veterinários, visando contribuir para a união de todos os estagiários em prol da empresa e da promoção da marca entre estudantes e profissionais da área. Foi um evento online e gratuito, que ocorreu no dia 19 de outubro de 2022, das 18h às 21h45. A divulgação foi feita através das redes sociais, como Instagram, Whatsapp, Facebook e Linkedin. Além disso, foi enviado um comunicado através do e-mail institucional das universidades que possuem o curso de medicina veterinária no Brasil. O processo de planejamento consistiu em reuniões semanais, sendo uma reunião entre os estagiários, para estruturar o evento, e outra reunião com a participação das gestoras responsáveis pela atividade, para que fosse possível apresentar as ideias, discutir as possibilidades, tirar dúvidas e, 26 posteriormente, fazer as correções e solucionar as demandas que seriam apresentadas na semana seguinte. Para facilitar a organização, os jovens se dividiram entre as áreas de marketing, comunicação e financeiro. O Simpósio foi composto por 3 palestras: (1) “Urolitíase em felinos: abordagem nutricional ou cirúrgica?”, ministrada pela Dra. Fernanda Vieira Amorim da Costa; (2) “Osteoartrose e a operação tapa buraco: regeneração x cicatrização”, ministrada pelo médico veterinário Wendell Barboza; (3) “Disbiose, prebióticos e probióticos em gatos: o que as evidências nos mostram”, ministrada pelo Dr. Reginaldo Pereira. Com o intuito de complementar os temas abordados, cada palestra foi sucedida por uma apresentação técnica sobre um produto da linha de alimentos coadjuvantes Pro Plan veterinary Diets® (PPVD), sendo, respectivamente, PPVD Urinary® para gatos, PPVD Joint Mobility® e PPVD Gastroenteric®. A fim de manter o engajamento dos espectadores, foi disponibilizado um quiz com 2 perguntas ao final de cada palestra e, ao final do evento, foram anunciados os ganhadores dos prêmios, sendo uma Alexa para o primeiro colocado, uma Cafeteira Nespresso para o segundo e uma cesta de produtos Nestlé Purina para o terceiro. A segunda atividade realizada foi a participação na disciplina “Alimentação e nutrição de cães e gatos” (Figura 10), ministrada pelo professor Aulus Cavalieri Carciofi na UNESP/FCAV. No dia 25 de outubro de 2022, o professor ministrou conteúdo teórico sobre “Proteínas” e, ao final da aula, a discente teve a oportunidade de falar brevemente sobre o processamento da proteína hidrolisada para os 23 alunos presentes. Em seguida, foi realizada uma apresentação sobre o programa Jovens Veterinários e o projeto que estava sendo desenvolvido no Hospital Veterinário com o produto Pro Plan Veterinary Diets HA Hydrolyzed®, especificando suas indicações, composição e principais benefícios para cães e gatos. Além disso, foi distribuído aos alunos um material técnico do produto HA de Nestlé Purina. 27 Figura 10. Participação na disciplina “Alimentação e nutrição de cães e gatos” em 25 de outubro de 2022. Fonte: arquivo pessoal. O terceiro evento (Figura 11) foi realizado em parceria com a loja “Multitec Produtos Agropecuários”, uma das maiores lojas do segmento na cidade de Jaboticabal - SP. Na categoria petshop, a Multitec revende produtos da Nestlé Purina e também dispõe outros diversos produtos para animais de estimação, como acessórios e medicamentos, além de oferecer serviço de atendimento veterinário. Os principais objetivos do evento foram promover a divulgação e aumentar a visibilidade da marca; levar informação sobre nutrição e produtos Nestlé Purina para tutores de pets; gerar engajamento e aproximar os colaboradores da empresa; impulsionar as vendas de produtos Nestlé Purina no estabelecimento; fortalecer as relações entre empresa e lojista. Segundo informações fornecidas pelo lojista, o fluxo de pessoas é maior aos finais de semana, principalmente no início do mês. Desta forma, o dia escolhido para a realização do evento foi um sábado, dia 10 de dezembro de 2022, no período das 9 às 13h. A loja teve um fluxo aproximado de 500 pessoas e foi possível conversar diretamente com 69 clientes. Junto a discente, participaram da ação a RIV Janaina Carmo e o representante comercial Celso Bruno Duarte. Na entrada do estabelecimento foram expostos um stand inflável e algumas bonificações para cães e gatos, que foram entregues aos clientes, como sachês, ração Pro Plan Active Mind® 1kg, um guia de cuidados para cães filhotes, além de bexigas da Nestlé Purina que foram entregues para as 28 crianças. Foi possível conversar com tutores que passaram pela loja, distribuir os brindes, tirar dúvidas e levar informação sobre nutrição e produtos Nestlé Purina. Figura 11. Evento realizado em parceria com a loja “Multitec Produtos Agropecuários” em 10 de dezembro de 2022, na cidade de Jaboticabal – SP. Fonte: arquivo pessoal. O quarto e último evento (Figura 12) promovido foi uma palestra intitulada "Qual é o alimento ideal para o meu paciente? Quanto fornecer?", voltada para os alunos de medicina veterinária do campus e ministrada pela médica veterinária convidada Ana Carolina Leite, que atualmente é residente do setor de nutrição clínica de cães e gatos do HV da UNESP. O evento contou com a presença de 24 graduandos e aconteceu no dia 12 de dezembro de 2022 no Anfiteatro 1, com coffee break disponibilizado às 18h e início do conteúdo às 18h30. Antes do início da palestra, a discente apresentou o programa e reforçou a divulgação do processo seletivo, que, naquele momento, estava com as inscrições abertas. Ao final da palestra, foi realizado o sorteio do livro "Nutrição Clínica Canina e Felina" da Nestlé Purina. 29 Figura 12. Palestra "Qual é o alimento ideal para o meu paciente? Quanto fornecer?" realizada no dia 12 de dezembro de 2022. Fonte: arquivo pessoal. 4. TRABALHO DE CONCLUSÃO E ENCERRAMENTO DO PROGRAMA Como requisito para a conclusão do programa JV, todos os estagiários deveriam produzir um trabalho científico que abrangesse a temática da nutrição de cães e gatos. A discente elaborou um relato de caso sobre Insuficiência Pancreática Exócrina em cão, no formato de artigo científico. O trabalho não pode ser divulgado devido ao compromisso de transferência dos direitos autorais à Nestlé. Além da entrega do trabalho escrito, os jovens veterinários também fizeram uma apresentação oral, com duração máxima de 15 minutos cada. As apresentações ocorreram presencialmente no dia 15 de dezembro de 2022, na sede da Nestlé Purina, em São Paulo, e contou com a avaliação de uma banca examinadora, composta por três médicos veterinários convidados. Este evento de encerramento foi uma grande oportunidade para que todos os participantes do programa se conhecessem pessoalmente e proporcionou uma troca de conhecimentos e experiências enriquecedora. Esta etapa de conclusão permitiu à discente aprofundar seus conhecimentos acerca do assunto de um dos casos que acompanhou durante a rotina no HV, em relação a fisiopatogenia da doença, diagnóstico, tratamento e prognóstico. Outrossim, possibilitou praticar a escrita científica, de modo a 30 estimular a capacidade de leitura de artigos científicos, síntese, interpretação de resultados, raciocínio lógico e clínico. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS O estágio em prática veterinária foi essencial para a formação acadêmica da discente e contribuiu para o desenvolvimento de inúmeros aspectos de sua carreira, tanto técnicos como pessoais. O Programa Jovens Veterinários da Nestlé Purina promoveu uma experiência muito enriquecedora devido às diversas atividades que foram propostas, a multidisciplinaridade e variedade das funções executadas durante o período na empresa fizeram com que a aluna explorasse ao máximo seu potencial e habilidades. Tais vivências proporcionaram maior conhecimento acerca da temática de nutrição de cães e gatos e ampliação de sua rede de contatos profissionais. Permitiram, ainda, explorar diversas possibilidades de atuação do médico veterinário e contribuir com a sociedade. O estágio curricular, com todos os seus desafios, prepara e permite a inserção do aluno no mercado de trabalho. 31 II. MONOGRAFIA REVISÃO DE LITERATURA: HIPERSENSIBILIDADE ALIMENTAR EM CÃES 1. INTRODUÇÃO Reações adversas a alimentos (RAA) são aquelas que resultam da ingestão ou contato com determinado alimento e, a depender dos mecanismos fisiopatogênicos envolvidos, podem ser de caráter imunológico ou não imunológico (SOLÉ et al., 2018a). No âmbito da hipersensibilidade alimentar (HA) em cães, de particular interesse neste trabalho, os sinais são causados pela exposição a um estímulo definido dependentes de mecanismos imunológicos, mediados por Imunoglobulinas E (IgE) ou não (TORDESILLAS; BERIN; SAMPSON, 2017). Os mecanismos imunológicos envolvidos nas reações de hipersensibilidade alimentar ainda não estão totalmente esclarecidos (TIZARD, 2014). Em humanos, as reações mais comuns são as do tipo I (imediata), embora reações do tipo II e tipo IV (tardias) também possam estar envolvidas (SEIDMAN; SINGER, 2003; PALI‐SCHÖLL et al., 2017), o que também é relatado em cães e gatos (SCOTT; MILLER; GRIFFIN, 2001). A capacidade de um alimento induzir hipersensibilidade imunomediada depende do seu tamanho e de sua estrutura, em que a maioria dos alérgenos alimentares comuns são proteínas com um peso molecular acima de 10.000 daltons (D) (CHANDRA, 1997). Embora sua real prevalência seja desconhecida, a HA pode afetar cães de qualquer idade, raça e ambos os sexos (VERLINDEN et al., 2006; OLIVRY; MUELLER, 2019). Os principais sinais clínicos incluem prurido, otite, distúrbios de queratinização, piodermite superficial, acompanhados ou não de manifestações gastrointestinais (OLIVRY et al., 2010). O diagnóstico é baseado na resposta a um teste dietético e recorrência dos sinais clínicos após reintrodução de alimentos anteriormente fornecidos. A dieta de eliminação pode ser realizada com dieta caseira com ingredientes inéditos ou alimento 32 comercial com proteína hidrolisada (MUELLER; OLIVRY, 2017; MUELLER; UNTERER, 2018). As proteínas são adicionadas em sua forma integral na maioria das dietas para animais de companhia (CASE et al., 2010). Contudo, podem passar por um processo de hidrólise industrial que gera aminoácidos livres e peptídeos de diferentes tamanhos (poli, tri e dipeptídeos) (KRISTINSSON; RASCO, 2000), resultando em um produto que apresenta elevada digestibilidade, baixo peso molecular, redução da carga antigênica e presença de peptídeos bioativos (CAVE, 2006; HOU et al., 2017; ETEMADIAN et al., 2021; Noli; BELTRANDO, 2021). Desta forma, dietas hidrolisadas estão associadas a diversas terapias clínicas, como nos casos de hipersensibilidade alimentar (CAMPBELL, 2019), doença inflamatória intestinal (ISIDORI; CORBEE; TRABALZA-MARINUCCI, 2022) e outras condições gastroentéricas (KATHRANI, 2021). Cães com HA podem ser afetados por alergias ambientais ou reação a picada de pulga simultaneamente (OLIVRY et al., 2007; HOBI et al., 2011). Por isso, é importante realizar uma avaliação diagnóstica adequada da doença e dos fatores concomitantes, o que inclui a exclusão dos principais diagnósticos diferenciais, uma dieta de eliminação adequada, controle de ectoparasitas e citologia cutânea para descartar infecções secundárias (DUCLOS, 2005; GASCHEN; MERCHANT, 2011). É muito importante que médicos veterinários conheçam os diferentes mecanismos envolvidos nas reações adversas aos alimentos, a fim de identificar, prevenir e gerenciar de forma mais efetiva os pacientes acometidos (CRAIG, 2019), já que apresentações clínicas semelhantes podem ser iniciadas por mecanismos diferentes (JOHANSSON et al., 2004). Nesta revisão, será abordado mais especificamente sobre as reações de hipersensibilidade alimentar imunomediada. 33 2. REAÇÕES ADVERSAS AOS ALIMENTOS Reação adversa a alimentos (RAA) é uma resposta clínica exagerada à ingestão de um alimento ou aditivo alimentar (FEDIAF, 2021). A classificação das RAA se baseia em estudos humanos e foi amplamente empregada na Medicina Veterinária (WILLS, 1991; GASCHEN; MERCHANT, 2011). Entretanto, os termos utilizados para descrevê-la podem gerar confusão devido a variações em sua interpretação (REEDY; MILLER; WILLEMSE, 1997). A nomenclatura se fundamenta no mecanismo que desencadeia a reação e gera os sinais clínicos (JOHANSSON et al., 2004), mas uma distinção clara pode ser difícil e, muitas vezes, é possível ocorrer uma sobreposição entre os diferentes tipos (VERLINDEN et al., 2006). As RAA incluem hipersensibilidades verdadeiras, que são respostas alérgicas imunomediadas (SOLÉ et al., 2018a), as quais dependem da susceptibilidade individual e podem ser classificadas segundo o mecanismo imunológico envolvido (TORDESILLAS; BERIN; SAMPSON, 2017). Por outro lado, existem as reações que podem afetar todo e qualquer indivíduo que ingerir uma quantidade suficiente do alimento, sem o envolvimento direto do sistema imunológico, o que inclui reações de origem tóxica, microbiológica, farmacológica e indiscrição alimentar (FEDIAF 2021). A. Reação tóxica: reação a um componente alimentar tóxico desencadeada por alimentos específicos, como o alho e a cebola, que podem produzir compostos de enxofre através da mastigação que não são eliminados pelo cozimento, secagem ou processamento (COPE, 2005; CORTINOVIS; CALONI, 2016). B. Microbiológica: reação causada pela presença de toxinas liberadas por organismos contaminantes, como fungos e bactérias (NEMSER et al., 2014; VAN BREE et al., 2018). Essas toxinas podem estar envolvidas no processo de fabricação ou durante o período armazenamento dos alimentos resultantes da deterioração microbiana (ROUDEBUSH; GUILFORD; SHANLEY, 2000). Por exemplo, a espécie canina é sensível aos efeitos da aflatoxina, uma micotoxina potencialmente contaminante do milho, amendoim, caroço 34 de algodão e grãos, que pode desencadear distúrbios gastrointestinais graves, icterícia e hemorragia (MILLER; CULLOR, 2000). O botulismo, causado por exotoxinas de Clostridium botulinum, é outro exemplo de intoxicação alimentar por microrganismos (ANDERSON, 1986). As toxinas de bactérias patogênicas são comumente encontradas em dietas para cães que apresentam componentes crus (NEMSER et al., 2014; VAN BREE et al., 2018). C. Farmacológica: desencadeada pela presença de substâncias que produzem no hospedeiro efeito farmacológico ou semelhante a um medicamento (FEDIAF, 2021), como intoxicações causadas por metil xantinas (teobromina) encontradas no chocolate (BATES; RAWSON‐HARRIS; EDWARDS, 2015), ou reações causadas por aminas vasoativas e biogênicas, como a histidina presente em peixes, incluindo atum e cavala, que é transformada em histamina pela microbiota intestinal e pode induzir os sinais clínicos minutos após a ingestão (ANDERSON, 1986; RIDOLO et al., 2016). D. Indiscrição Alimentar: reação adversa decorrente de comportamentos como glutonaria, alotriofagia (pica), ingestão de materiais não digeríveis diversos ou lixo (FEDIAF, 2021), que pode resultar na ingestão de toxinas, substâncias abrasivas físicas indigeríveis, gordura excessiva e compostos que podem causar fermentação gástrica (CAVE, 2013). Por exemplo, grandes quantidades de areia ingeridas na praia podem resultar em obstrução do intestino delgado e causar ulceração da mucosa intestinal, hemorragia e motilidade alterada (PAPAZOGLOU et al., 2004; MOLES et al. 2010). Já as reações imunológicas referem-se a sinais causados pela exposição a um estímulo definido (antígeno) em uma dose tolerada por indivíduos normais (JOHANSSON et al., 2004). A suscetibilidade a desenvolver reação adversa a um determinado alimento pode ser provocada por estado de doença, desnutrição ou erros inatos do metabolismo (FURUKAWA, 1991). 35 Alergia é o termo utilizado para descrever uma reação de hipersensibilidade iniciada por mecanismos imunológicos conhecidos (JOHANSSON et al., 2004). Portanto, alergia alimentar ou hipersensibilidade alimentar são apropriados para definir as reações adversas provocadas pela exposição a uma substância alimentar específica dependentes de mecanismos imunológicos, mediados por IgE ou não (ANDRE et al., 1995; TORDESILLAS; BERIN; SAMPSON, 2017). As outras reações devem ser classificadas como hipersensibilidade alimentar não-alérgica (JOHANSSON et al., 2004). A hipersensibilidade alimentar não-alérgica é dividida em idiossincrasia alimentar e intolerância alimentar (FEDIAF, 2021). A idiossincrasia alimentar ocorre em indivíduos geneticamente predispostos e descreve uma resposta clínica anormal semelhante à alergia, porém de origem não imunológica, a uma substância ou aditivo alimentar (ANDERSON, 1986). Diferente da alergia alimentar, a idiossincrasia pode ocorrer na primeira exposição à substância causadora, já que não é necessária uma sensibilização prévia (ANDERSON, 1986; HANNUKSELA; HAAHTELA, 1987) e pode envolver liberação de mediadores químicos não imunes (ANDERSON, 1986). Já a intolerância alimentar é causada por um defeito metabólico (ANDERSON, 1986; REEDY; MILLER; WILLEMSE, 1997), como a intolerância à lactose (HILL; KELLY, 1974; MUNDT; MEYER, 1989), que remete à deficiência enzimática e pode levar a má digestão, má absorção e diarreia osmótica (DENG et al., 2015). Nos casos de alergia alimentar, é necessário ingerir uma quantidade menor de leite, por exemplo, para desencadear sinais clínicos quando comparado com animais que apresentam intolerância alimentar (HALLIWELL, 1992 apud VERLINDEN et al., 2006). Em cães e gatos, a atividade da lactase no intestino delgado geralmente diminui após o desmame, acarretando manifestações de intolerância à lactose na fase adulta (CRAIG, 2019). 36 3. ETIOPATOGENIA DA HIPERSENSIBILIDADE ALIMENTAR EM CÃES 3.1 Mecanismos Imunológicos As respostas imunes são resultantes das interações entre as diferentes populações celulares. As células que promovem essas respostas são denominadas T-Helper (T auxiliares) (TIZARD, 2014); as células T-Helper 1 (Th1) produzem preferencialmente citocinas que estimulam a resposta imune mediada por células (imunidade celular tardia); por outro lado, as células T- Helper 2 (Th2) produzem preferencialmente citocinas que desencadeiam a síntese de IgE pelos linfócitos B, que secretam anticorpos na resposta imune humoral (DAY; SCHULTZ, 2014). As respostas imunológicas também podem ser controladas pela ação dos linfócitos T reguladores (Treg), que evitam o excesso de reatividade (TIZARD, 2014); se o sistema imune regulatório estiver prejudicado, pode ocorrer sensibilização após exposição a antígenos alimentares (TOMASI, 1980). Na fase de sensibilização, os antígenos alimentares entram em contato com as células T e desencadeiam uma resposta Th2 resultante da hipersensibilidade tipo I (imediata), com regulação positiva de Interleucina-4 (IL-4), IL-5 e IL-13 e subsequente produção de anticorpos alérgeno-específicos IgE, que vão se ligar nos receptores específicos de alta afinidade à IgE localizados na superfície de mastócitos, basófilos e eosinófilos (DAY; SCHULTZ, 2014; PALI-SCHÖLL et al., 2017). Quando o indivíduo sensibilizado entra em contato com o componente indutor novamente, ocorre a degranulação celular e liberação de mediadores inflamatórios (YU; FREELAND; NADEAU, 2016; TORDESILLAS; BERIN; SAMPSON, 2017; SOLÉ, 2018a). Alternativamente, mastócitos IgE-ativados como consequência da hipersensibilidade tipo I podem liberar citocinas capazes de gerar reação tardia do tipo Th1 mediada por células (VERLINDEN et al., 2006; MUELLER; OLIVRY, 2017). Nos pacientes que apresentam manifestações decorrentes de mecanismos mediados por IgE associados a participação de linfócitos T e citocinas pró-inflamatórias, as reações são classificadas como mistas (TORDESILLAS; BERIN; SAMPSON, 2017; SOLÉ, 2018). 37 As reações imunológicas não mediadas por IgE não são de apresentação imediata e referem-se a uma reação de hipersensibilidade mediada por células. Em humanos, os linfócitos T parecem ter um papel de destaque, mas ainda há muitos elementos não esclarecidos (YU; FREELAND; NADEAU, 2016; TORDESILLAS; BERIN; SAMPSON, 2017; SOLÉ et al. 2018a). Ademais, as reações adversas a alimentos de caráter não imunológico em cães não são claras nem muito relatadas ou documentadas (OLIVRY; MUELLER, 2020). Avanços recentes têm contribuído para uma maior compreensão da fisiopatologia da alergia, a chave encontra-se na reação de diferentes tipos de Linfócitos T e citocinas relacionadas; logo, um equilíbrio adequado entre estes tipos de células é necessário para a função imune normal (DU PRÉ; SAMSOM, 2011). Entretanto, ainda é necessário realizar mais pesquisas para aprofundar a compreensão da patogênese dessas doenças devido à complexidade da resposta imune da mucosa aos antígenos alimentares e aos diversos mecanismos imunológicos envolvidos (FERREIRA; SEIDMAN, 2007). 3.2 Barreira Intestinal e Tolerância Oral O processo de digestão é uma das principais funções do trato gastrointestinal (TGI) e proporciona a quebra de moléculas grandes e complexas ingeridas através da dieta em suas formas mais simples e solúveis, de modo que ocorra a absorção para obter energia e nutrientes para o aproveitamento pelo organismo. O intestino delgado é responsável pela maior parte da digestão química e absorção de nutrientes que, por sua vez, envolve a transferência de nutrientes digeridos do lúmen intestinal para o sangue ou sistema linfático para serem transportados aos tecidos (CASE et al., 2010). Como mecanismos naturais de defesa do TGI, a mucosa intestinal é revestida por inúmeras células epiteliais, formando uma barreira física e química que regula a homeostase entre o meio externo e interno, impedindo a entrada de toxinas e microrganismos com potencial patogênico (ROUDEBUSH; GUILFORD; SHANLEY, 2000; SCOTT; MILLER; GRIFFIN, 2001; ODENWALD; 38 TURNER, 2013; OKUMURA; TAKEDA, 2017). Para isso, é fundamental que a barreira intestinal seja seletivamente permeável (SHEN et al., 2011), permitindo que haja um equilíbrio entre a função de controlar e proteger o organismo e a necessidade de absorver os nutrientes e tolerar antígenos alimentares normais (BISCHOFF et al., 2014). O tecido linfoide associado ao intestino (TLAI) é parte importante do sistema imune e desempenha um papel fundamental na proteção contra patógenos e na regulação da resposta imunológica na mucosa intestinal de cães. O TLAI é composto pelas placas de Peyer e agregados de folículos linfóides distribuídos ao longo de toda mucosa intestinal, linfócitos e plasmócitos dispersos ao longo da lâmina própria, enterócitos com linfócitos intraepiteliais e linfonodos mesentéricos. Há também a secreção de anticorpos IgA, que são importantes componentes imunológicos da barreira intestinal e auxiliam na neutralização de patógenos (ROUDEBUSH; GUILFORD; SHANLEY, 2000; SCOTT; MILLER; GRIFFIN, 2001). Ao mesmo tempo que atua como uma primeira linha de defesa contra patógenos invasores, o TLAI deve desenvolver uma resposta supressora para evitar respostas imunes locais e periféricas a antígenos ambientais inofensivos presentes no intestino, como a microbiota intestinal residente ou antígenos alimentares. Esse mecanismo regulatório é a base da tolerância oral (CROWE; PERDUE, 1992; DU PRÉ; SAMSOM, 2011; ROUDEBUSH; GUILFORD; JACKSON, 2010). Portanto, a tolerância oral é um mecanismo essencial para a vida e os animais devem ser capazes de desenvolvê-la quando são desmamados e começam a ter contato com novos alimentos (VERLINDEN et al., 2006). Segundo Guilford (1996 apud VERLINDEN et al., 2006), a indução da tolerância oral é mais eficaz após repetidos contatos com pequenas quantidades de proteína; a tolerância oral será reduzida se não houver exposição a novos antígenos. Apesar destes mecanismos, uma pequena quantidade de proteínas alimentares é absorvida no intestino como proteínas intactas e peptídeos grandes o suficiente para serem reconhecidos como “estranhos”, mesmo em 39 condições normais (VERLINDEN et al., 2006; ROUDEBUSH; GUILFORD; JACKSON, 2010). Se o antígeno se depara com um função supressora ineficiente do TLAI ou atinge o sistema imunológico sistêmico, pode desencadear uma reação de hipersensibilidade ao invés de tolerância às proteínas absorvidas (ROUDEBUSH; GUILFORD.; SHANLEY, 2000; VERLINDEN et al., 2006). Nas reações cutâneas, esses antígenos podem ser transportados pelo sangue e alcançar os mastócitos localizados na pele dentro de poucos minutos (TIZARD, 2014). 3.3 Fatores Predisponentes Vários fatores podem influenciar o desenvolvimento da HA. A integridade da barreira intestinal é um aspecto fundamental, já que afeta diretamente a taxa de absorção de proteínas intactas e está relacionada com diversos fatores, como a morfologia e funcionalidade dos enterócitos, secreção de IgA, digestão efetiva, qualidade e composição dos alimentos e presença de inflamação (GUILFORD, 1996 apud VERLINDEN et al., 2006). Em humanos, uma quebra na tolerância oral devido ao aumento da permeabilidade intestinal e disbiose, especialmente em uma idade jovem, pode resultar em hipersensibilidade alimentar (PLUNKETT; NAGLER, 2017). Outro fator que pode estar relacionado a manifestação de sinais clínicos em cães é o limiar prurítico, que se refere a quantidade ou intensidade de um estímulo que é necessário para desencadear uma resposta pruriginosa significativa. Cada indivíduo possui um limiar prurítico único, que pode ser influenciado por condições alérgicas, como a atopia e alergia alimentar, e fatores não alérgicos, como estresse, pele seca e temperatura ambiental. Por exemplo, um cão com atopia e alergia alimentar concomitante pode apresentar um limiar prurítico mais baixo se houver um controle eficaz de uma ou ambas as condições. Compreender a sensibilidade individual aos estímulos pruriginosos pode auxiliar no desenvolvimento de estratégias de manejo e tratamento mais eficazes para aliviar o desconforto e melhorar a qualidade de vida do paciente (CHALMERS; MEDLEAU, 1994). 40 3.4 Alérgenos Alimentares Todos os produtos que contém proteína intacta são potencialmente causadores de reações adversas em animais com predisposição (MCDONALD, 1997 apud FEDIAF, 2021). Os agentes indutores geralmente são glicoproteínas hidrossolúveis e termoestáveis, com peso molecular entre 10.000 a 70.000 D (VERLINDEN et al., 2006), sendo que algumas proteínas estão mais comumente relacionadas. Segundo a revisão sistemática realizada por Mueller et al. (2016), os principais alérgenos alimentares para cães, em ordem de maior importância, são carne bovina, laticínios e frango. Além disso, outras fontes alimentares relatadas com menor frequência são soja, milho, ovo, cordeiro e cevada (MUELLER; OLIVRY; PRÉLAUD, 2016). Há evidências de que moléculas não proteicas possam atuar como alérgenos (CAVE, 2006). Acredita-se que fontes de carboidratos são propensas a extensa reatividade cruzada devido a presença de alérgenos proteicos em sua composição ou atuem como haptenos de ligação a proteínas (FOETISCH et al., 2003). Estudos sugerem que os anticorpos IgE para epítopos de carboidratos podem ser um fator importante na anafilaxia em pessoas (COMMINS; PLATTS-MILLS, 2010). Atualmente, não há dados sobre a existência de IgE contra epítopos de carboidratos em pacientes caninos (GASCHEN; MERCHANT, 2011). A reatividade cruzada é relatada em humanos e ocorre devido a semelhança antigênica que existe entre os alérgenos alimentares, principalmente com grupos de alimentos provenientes do mar, vegetais e cereais (BERNHISEL-BROADBENT, 1995). Entretanto, em cães, ainda não foi demonstrada reação cruzada entre alimentos da mesma espécie animal ou entre produtos vegetais (JEFFERS et al., 1996; MUELLER; UNTERER, 2018). Identificar os alérgenos alimentares mais comuns para cães e gatos é importante pois auxilia a determinar a ordem dos desafios alimentares a fim de otimizar o tempo de diagnóstico (MUELLER; OLIVRY; PRÉLAUD, 2016). Entretanto, os dados disponíveis atualmente não permitem uma estimativa verdadeira da prevalência de alérgenos e podem ser apenas um reflexo dos 41 hábitos alimentares dos animais de estimação, sendo possível mudar quando outras fontes de proteínas forem ingeridas com maior frequência (MUELLER; OLIVRY; PRÉLAUD, 2016; FEDIAF, 2021). 4. EPIDEMIOLOGIA A prevalência de hipersensibilidade alimentar na medicina veterinária não é clara, pois sua confirmação requer um trabalho sistemático e pode ser dificultada pela baixa adesão dos proprietários. Muitas vezes, os relatos dos tutores são baseados em respostas imprecisas a modificações na dieta (MUELLER; UNTERER, 2018); os estudos publicados geralmente fornecem informações incompletas, como não indicar o tamanho da população da qual os cães foram avaliados, ausência de critérios de inclusão dos pacientes com suspeita de HA, tempo de duração da dieta, os ingredientes e dietas selecionadas e a forma de avaliar o resultado da dieta de eliminação (HILLIER; GRIFFIN, 2001a; VERLINDEN et al., 2006). Embora sua verdadeira prevalência seja desconhecida, a HA representa menos de 1% de todas as doenças e de 10 a 25% das dermatopatias alérgicas e pruriginosas em cães e gatos. Além disso, está associada em um terço dos cães com dermatite atópica (MUELLER; OLIVRY, 2017). A HA pode ocorrer em qualquer idade e a idade média varia de acordo com o estudo (VERLINDEN et al., 2006). Em cães com RAA, cães jovens abaixo de 1 ano e cães acima de 6 anos estão super-representados (CHESNEY, 2002; PICCO et al., 2008; PROVERBIO et al., 2010). Cerca de 40% dos cães que apresentam manifestações cutâneas desenvolvem os sinais clínicos até um ano de idade. Não há dados confiáveis de predisposição racial (OLIVRY; MUELLER, 2019). 5. SINAIS CLÍNICOS A alergia alimentar pode causar sinais dermatológicos ou gastrointestinais (OLIVRY; MUELLER, 2018), podendo ocorrer 42 simultaneamente (PICCO et al., 2008; PROVERBIO et al., 2010; JOHANSEN et al., 2017; VOLKMANN et al., 2017). Diferente dos humanos, não foram relatadas reações anafiláticas agudas em relação a componentes alimentares em animais de estimação (FEDIAF, 2021). Urticária e angioedema induzidos por alimentos raramente são relatados (ROSTAHER et al., 2017a, b). Outras manifestações relatadas com menor frequência incluem onicodistrofia lupóide simétrica, conjuntivite e asma (OLIVRY; MUELLER, 2018). 5.1 Sinais Dermatológicos Segundo alguns autores, a ocorrência de reações cutâneas é maior em cães jovens com menos de 1 ano de idade, apesar de também ser observada em cães menores de 6 meses até 10 anos de idade (PICCO et al., 2008; PROVERBIO et al., 2010). Os cães com reações cutâneas devido a alergia alimentar podem apresentar sinais inespecíficos, semelhantes a qualquer outra dermatose alérgica, como a atopia (HILLIER; GRIFFIN, 2001a; OLIVRY et al., 2007; PICCO et al., 2008). Por isso, é um importante diagnóstico diferencial para cães e gatos que apresentam prurido, seja com ou sem sinais gastrointestinais (GASCHEN; MERCHANT, 2011). Em cães, o sinal clínico mais comum é o prurido não sazonal (CHESNEY, 2002; BIOURGE; FONTAINE; VROOM, 2004; LOEFFLER et al., 2004), que pode ser focal, multifocal ou generalizado e de intensidade variável (OLIVRY et al., 2010). As áreas mais afetadas costumam ser região perioral, periocular (blefarite), pavilhões auditivos, membros (pododermatite interdigital), regiões de flexura (axilar e anticubital), região inguinal e/ou perineal (Figura 13). Essas áreas podem apresentar coloração salivar, hiperemia e, em casos crônicos, alopecia, hiperqueratose (lignificação), hiperpigmentação e escoriações. Também é comum observar otite externa de repetição, podendo ser o único sinal manifestado (MUELLER; UNTERER, 2018). 43 Figura 13. Regiões mais afetadas pelas lesões clínicas e prurido associados a alergia alimentar e dermatite atópica. Fonte: HENSEL et al. (2015). Infecções secundárias ocorrem com frequência e podem ser de origem bacteriana ou fúngica, sendo a piodermite superficial (geralmente por Staphylococcus pseudintermedius) e a malasseziose tegumentar (mais comumente por Malassezia pachydermatis) as mais recorrentes. Essas complicações levam a uma dermatite e prurido mais generalizados e apresentam elevadas taxas de recidiva, podendo causar pápulas foliculares, pústulas, colaretes epidérmicos, eritema, crostas e seborreia (MUELLER; UNTERER, 2018). 5.2 Sinais Gastrointestinais A alergia alimentar pode ser uma das causas de doenças crônicas do trato gastrointestinal (TGI) que se manifesta de forma intermitente ou contínua, em que diarreia e vômito são os sinais mais comuns (BATT; HALL, 1989; GUILFORD et al., 2001). Outros sinais que também podem estar presentes, apesar de menos frequentes, são dor abdominal intermitente e aumento de frequência de defecação (OLIVRY; MUELLER, 2018). Alguns pacientes podem apresentar mudanças de comportamento devido ao mal estar gastrointestinal causado pela hipersensibilidade alimentar, como irritabilidade, hiperatividade ou depressão (MERCHANT; TABOADA, 1991). A cobalamina é um nutriente importante a ser considerado em pacientes com enteropatia crônica e tem sido utilizada como marcador diagnóstico para 44 doenças gastrointestinais em animais de companhia, já que concentrações séricas subnormais desta vitamina refletem um estado de má absorção crônica (TEXAS A&M UNIVERSITY, 2022). 6. DIAGNÓSTICO Atualmente, a dieta de eliminação é considerada a ferramenta de escolha para um diagnóstico confiável em pacientes com suspeita de HA (MUELLER; OLIVRY, 2017) e pode ser realizada com dieta caseira ou alimento comercial com proteína hidrolisada (MUELLER; OLIVRY, 2017; MUELLER; UNTERER, 2018). Esta triagem terapêutica é indicada aos pacientes que não apresentam manifestações clínicas graves, como anorexia, emaciação, anemia e hipoalbuminemia (SILVA, 2015) e só deve ser instituída depois de eliminar as causas secundárias de prurido e/ou diarreia, pois podem mascarar os efeitos da dieta de eliminação (VERLINDEN et al., 2006). Como a duração da fase de diagnóstico é variável, é imprescindível esclarecer todos os pontos com o tutor e sua família antes de iniciar o teste alimentar, garantindo que compreendam os motivos desta abordagem e estejam dispostos a cooperar (GUAGUÈRE; BENSIGNOR, 2005). Como a alergia alimentar se manifesta clinicamente como uma variedade de sinais dermatológicos ou gastrointestinais, é preciso descartar diagnósticos diferenciais importantes antes de iniciar a dieta de eliminação, bem como fazer o manejo e controle das complicações secundárias (HILLIER; GRIFFIN, 2001a; OLIVRY et al., 2007; PICCO et al., 2008). 6.1 Diagnósticos Diferenciais Nos casos de manifestações cutâneas, os diferenciais mais relevantes para pacientes com suspeita de alergia alimentar são Dermatite Atópica (DA), Dermatite Alérgica à Picada de Ectoparasitas (DAPE), Escabiose, Demodiciose, Dermatopatias Autoimunes, Infecções por fungos e bactérias e manifestações de desnutrição (SANDERSON; WALKER, 1993; WILLS; 45 HALLIWELL, 1994; SCOTT; MILLER; GRIFFIN, 2001; GROSS et al., 2009; NUTTALL; HARVEY; McKEEVER, 2009). O quadro clínico da DA pode ser muito semelhante ao da HA, sendo que as duas condições dermatológicas podem coexistir (JASMIN, 2001; DUCLOS, 2005). Como não é possível diferenciar clinicamente os sinais (HILLIER; GRIFFIN, 2001a; OLIVRY et al., 2007; PICCO et al., 2008), é indicado que cães com DA não sazonal passem pela dieta de eliminação (KENNIS, 2006), principalmente os que apresentam histórico prolongado de prurido com ou sem sinais gastrointestinais (BETHLEHEM; BEXLEY; MUELLER, 2012; HENSEL et al., 2015). Na revisão sistemática de Mueller & Olivry (2017), um terço dos pacientes com caracterização sintomática de DA responderam às provas dietéticas. Em um estudo suíço, foram analisados 259 cães alérgicos, onde 65 foram identificados como tendo alergias alimentares, enquanto 183 foram considerados atópicos. Sinais GI simultâneos ocorreram em 31% dos cães com alergias alimentares, mas em apenas 10% dos cães atópicos (PICCO et al., 2008). Atualmente, dermatite atópica induzida por alimento (D.A.I.A.) é o termo utilizado para descrever os pacientes com RAA que se manifestam clinicamente como dermatite atópica (DA sensu lato) e respondem ao teste alimentar. Neste caso, o antígeno é identificado como a causa dos sinais clínicos. Para os casos em que o paciente não responde a uma dieta de eliminação, é usado o termo DA sensu stricto (OLIVRY et al., 2007; PICCO et al., 2008; FAVROT et al., 2010; BIZIKOVA et al., 2015). De forma resumida, o diagnóstico clínico é o mesmo, mas a etiologia é diferente, sendo que a DA está relacionada a outros fatores, como alérgenos ambientais (FAVROT et al., 2010). Em cães e gatos gravemente afetados pela atopia, glicocorticoides, ciclosporina, oclacitinibe ou lokivetmab são usados para terapia sintomática e apresentam eficácia clínica e altas taxas de sucesso (OLIVRY et al., 2010). Em dermatoses alérgicas, é comum encontrar piodermite bacteriana recorrente (MULLER; KIRK; SCOTT, 1989; HILLIER; GRIFFIN, 2001b). Se o problema for alimentar, os sinais clínicos são cessados temporariamente 46 durante a administração de antibióticos e reaparecem após o término do tratamento (WHITE, 1986; HARVEY, 1993; VERLINDEN et al., 2006). A DAPE também pode coexistir no mesmo paciente com HA, apesar de estar associada com maior frequência com a DA (JASMIN, 2001; DUCLOS, 2005). A pulga é o ectoparasita mais relatado e as particularidades do quadro de DAPE, que podem auxiliar na diferenciação, são a localização do prurido, que geralmente ocorre na região lombo-sacra, membros pélvicos e caudal (triângulo); ocorrência de erupção primária; presença de dejetos de pulgas e nódulos fibro-pruriginosos; se houver cronicidade, pode levar a importante hiperqueratinização; não há associação clara com otite externa (JASMIN, 2001; DUCLOS, 2005). Na escabiose, o prurido é muito intenso e tem início súbito; há formação de crostas e a localização das lesões geralmente são em borda dos pavilhões auditivos externos, jarretes, peitoral, face lateral dos membros pélvicos e região radioumeroulnar O achado de ácaros nos raspados de pele e a resposta à terapia confirmam o diagnóstico (DUCLOS, 2005). Também é preciso fazer a exclusão de outras causas de diarreia crônica nos pacientes com manifestações gastrointestinais, como doenças intestinais de outras etiologias (obstrução mecânica por intussuscepção, corpo estranho e tumores intestinais), doenças parasitárias (verminoses) e infecciosas, além de causas extra intestinais, como alterações hepáticas, pancreáticas e renais (GUILFORD et al., 2001; MANDIGERS et al., 2010; GASCHEN; MERCHANT, 2011). Enteropatia crônica refere-se a doenças gastrointestinais com duração de 3 semanas ou mais e, clinicamente, é classificada de acordo com a resposta ao tratamento como enteropatia responsiva a alimentos, enteropatia responsiva a antibióticos e enteropatia responsiva a imunossupressores. O termo não inclui doenças de etiologia extrainestinais ou intestinais, como doenças parasitárias ou neoplásicas (DANDRIEUX, 2016). Pacientes que apresentam doenças gastrointestinais que respondem totalmente ao tratamento dietético 47 adequado foram considerados como casos de diarreia responsiva a alimentos (GERMAN; HALL; DAY, 2001). Suspeita-se de que alergia alimentar esteja implicada na etiopatogenia das doenças inflamatórias intestinais, como a enterite linfocítica-plasmocítica e a enterite eosinofílica (ROUDEBUSH; GUILFORD; SHANLEY, 2000), que muitas vezes são responsivas apenas à alteração da dieta e, por isso, acredita- se que antígenos dietéticos sejam uma parte importante na etiopatogenia dessas doenças (SILVA, 2015). Da mesma forma, outras patologias com manifestação gastrointestinal podem melhorar com a mudança da dieta, como intolerância alimentar, gastrite crônica e pancreatite (JASMIN, 2001; PRELAUD, HARVEY, 2006; VERLINDEN et al., 2006). No entanto, a maior parte dos animais com HA voltam a apresentar os sinais clínicos após o desafio com o alimento anterior (VERLINDEN et al., 2006). Assim, em pacientes que respondem a um teste de eliminação, mas não recaem após o desafio com sua dieta original, é provável que sejam beneficiados pelas características vantajosas da dieta especial, mas a HA é descartada (GASCHEN; MERCHANT, 2011). Aproximadamente 50 a 60% dos cães com enteropatias crônicas respondem a mudanças na dieta e, normalmente, não precisam de medicamentos imunossupressores para alcançar a remissão clínica (ALLENSPACH et al., 2016; VOLKMANN et al., 2017). Desta forma, a enteropatia responsiva a alimentos representa a causa mais frequente de diarreia crônica em cães (MUELLER; UNTERER, 2018). Em alguns casos, o início agudo de diarreia e/ou vômito é atribuído à HA de forma equivocada pelo tutor sem o acompanhamento de um médico veterinário, o que dificulta determinar a verdadeira incidência deste evento e pode ser confundido com intolerância alimentar (HALLIWELL, 1992). Considerando todos estes aspectos mencionados, é extremamente importante a obtenção de um histórico completo do paciente para auxiliar na avaliação dos diagnósticos diferenciais, para que seja possível investigar a procedência, histórico familiar, contactantes, presença de comorbidades associadas, controle de endo e ectoparasitas, além de tomar conhecimento da 48 realização de outros exames diagnósticos e tratamentos anteriores (SILVA, 2015). 6.2 Dieta de Eliminação O termo “dieta hipoalergênica” é inadequado, apesar de ser amplamente utilizado para se referir a dietas que possuem redução substancial na antigenicidade, com eficácia testada em pacientes alérgicos e tolerada pela maioria dos pacientes hipersensíveis (JACKSON et al., 2003). A alimentação com a dieta de eliminação deve permanecer até o desaparecimento dos sinais clínicos (VERLINDEN et al., 2006), como ocorre com 90% dos pacientes com HA durante o período de 8 a 12 semanas (OLIVRY; MUELLER; PRÉLAUD, 2015). Se o paciente não melhorar clinicamente durante as primeiras 8 semanas, é pouco provável que seja uma RAA; se o paciente apresentar melhora parcial, deve-se prosseguir com a dieta de eliminação por mais 2 a 4 semanas, totalizando 12 semanas. Em pacientes com problemas recidivantes, é preciso manter a dieta de eliminação por um período mais longo para obter uma correta atribuição de HA na melhora dos sinais clínicos (VERLINDEN et al., 2006). Se a resposta à dieta de eliminação for positiva, é preciso fazer o desafio alimentar, que consiste em expor o paciente à dieta previamente fornecida, pois a melhora clínica pode coincidir com outros fatores ou alterações simultâneas feitas no ambiente (ROUDEBUSH et al., 2000; MUELLER; UNTERER, 2018). Se o animal obter piora do quadro clinico com a dieta antiga e voltar a apresentar os sinais dentro de alguns dias até 2 semanas, com melhora subsequente quando fornecida a dieta de eliminação novamente, é confirmado o diagnóstico (WHITE, 1986; HARVEY, 1993; REEDY; MILLER; WILLEMSE, 1997). Acredita-se que pacientes que expressam tanto sinais dermatológicos quanto gastrointestinais são mais susceptíveis de serem diagnosticados como apresentando HA (GUILFORD et al., 1998; PICCO et al., 2008). 49 Para os pacientes que apresentam sinais dermatológicos, Paterson (1995) fez uma avaliação objetiva do prurido em cães através de uma pontuação em uma escala de 1 a 5, sendo 1: sem coceira ou coça ocasionalmente como um cão normal; 2: se coça ou morde ocasionalmente e geralmente se sente confortável; 3: se coça e morde com frequência, mas não excessivamente; 4: se coça e morde com muita frequência, muitas vezes parece desconfortável; 5: se coça e morde quase constantemente, com muito desconforto. Ao final do teste de eliminação, quase todos os cães com HA apresentaram uma redução para uma pontuação inferior a 3. Durante todo o período de eliminação, o paciente não pode ter contato com nenhum outro alimento, sobretudo fontes de proteína, incluindo petiscos, suplementos alimentares, cremes dentais, medicamentos aromatizados, brinquedos mastigáveis, que podem conter substâncias não listadas no rótulo. A ingestão de qualquer outro alimento pode interferir no diagnóstico através da dieta de eliminação (PARR; REMILLARD, 2014). O sucesso do processo de diagnóstico através da dieta de eliminação depende da adesão da família e da sua capacidade de identificar a recorrência dos sinais clínicos (OLIVRY; MUELLER; PRÉLAUD, 2015). Portanto, o médico veterinário deve estabelecer uma comunicação eficiente, fazer visitas e anotações regulares para monitorar o cumprimento da dieta e motivar os responsáveis (PRÉLAUD; HARVEY, 2006). López (2008) aponta como as principais causas de não finalização da dieta de eliminação o custo das dietas, principalmente as comerciais; a não aceitação pelos pacientes; o aparecimento de diarreia; o trabalho de preparação da dieta, no caso das caseiras; longa duração do diagnóstico. As taxas de abandono indicam que cerca de 20% dos cães com diagnóstico potencial de HA não são avaliados adequadamente, principalmente devido à falta de adesão dos tutores, fato que evidencia a necessidade de educação detalhada do cliente e a escolha ideal da dieta (LOEFFLER et al., 2006). Um estudo recente investigou o efeito do uso de Prednisolona nas primeiras semanas da dieta de eliminação em cães alimentados com uma dieta comercial à base de proteína hidrolisada. Os resultados mostraram que é 50 possível reduzir o período de diagnóstico se o prurido alérgico e a inflamação forem inicialmente controlados com o uso de glicocorticóides. Recomenda-se que a dieta de eliminação seja iniciada simultaneamente com uma dosagem anti-inflamatória de Prednisolona administrada, pelo menos, durante as duas primeiras semanas do teste e, se necessário, tratar novamente os pacientes que recaírem dentro do período subsequente de 2 semanas com um segundo ciclo de medicação (FAVROT et al., 2019). Fischer et al. (2021) avaliaram a sensibilidade e especificidade deste protocolo e confirmaram que o uso inicial do medicamento encurta o tempo de diagnóstico. Os autores sugerem que uma abordagem abreviada pode ser benéfica para aumentar a adesão do proprietário, facilitando o diagnóstico de HA (FAVROT et al., 2019; FISCHER et al., 2021). A escolha do tipo de dieta para a fase de eliminação deve ser feita de maneira apropriada para o paciente, de acordo com as informações obtidas no inquérito alimentar completo, a disponibilidade e o comprometimento do tutor (ROUDEBUSH; GUILFORD; SHANLEY, 2000). 6.2.1 Dieta Caseira Para realizar a dieta de eliminação com alimento caseiro, é preciso selecionar uma fonte de proteína e uma de carboidrato a partir de ingredientes que o paciente nunca tenha recebido antes (BETHLEHEM; BEXLEY; MUELLER, 2012). Como vantagens, a dieta caseira possibilita uma