Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Araraquara Doutorado em Alimentos e Nutrição Área Ciências Nutricionais ANÁLISE ESPACIAL DO CONSUMO DE ÁLCOOL EM ARARAQUARA - SP Aluna: Priscila Milene Angelo Sanches Orientadora: Profa. Dra. Juliana Alvares Duarte Bonini Campos Araraquara 2010 Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Araraquara Doutorado em Alimentos e Nutrição Área Ciências Nutricionais ANÁLISE ESPACIAL DO CONSUMO DE ÁLCOOL EM ARARAQUARA - SP Trabalho apresentado ao Programa de Pós- graduação em Alimentos e Nutrição, Área de Ciências Nutricionais, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Araraquara – UNESP, como requisito para obtenção do Título de Doutor. Aluna: Priscila Milene Angelo Sanches Orientadora: Profa. Dra. Juliana Alvares Duarte Bonini Campos Araraquara 2010 Ficha Catalográfica Elaborada pelo Serviço Técnico de Biblioteca e Documentação Faculdade de Ciências Farmacêuticas UNESP – Campus de Araraquara Sanches, Priscila Milene Angelo S211a Análise espacial do alcoolismo de álcool em Araraquara - SP / Priscila Milene Angelo Sanches. – Araraquara, 2010. 102 f. Tese (Doutorado) – Universidade Estadual Paulista. “Júlio de Mesquita Filho”. Faculdade de Ciências Farmacêuticas. Programa de Pós-Graduação em Alimentos e Nutrição Orientador: Juliana Alvares Duarte Bonini Campos 1. Álcool. 2. Alcoolismo. 3. Saúde pública. 4. AUDIT. I. Campos, Juliana Alvares Duarte Bonini, orient.. II. Título. � CAPES: 50700006 Aos meus pais, Francisco e Josefa, por me apoiarem incondicionalmente... Ao meu esposo, Anderson, pelo amor, carinho, incentivo e compreensão às minhas incansáveis horas de trabalho... dedico... AGRADECIMENTOS À Deus, por minhas conquistas, e à minha família pelo apoio irrestrito. À minha orientadora, Profa. Dra. Juliana, pelo acolhimento na pós-graduação e por toda paciência, ensinamentos e apoio disponibilizado durante estes anos de convivência. À Secretaria Municipal de Educação de Araraquara, pela autorização para execução do projeto. Aos estudantes, aos seus responsáveis e à Direção das escolas, pela participação, sem eles não seria possível a execução deste estudo. À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), pela concessão de apoio financeiro para a realização desta pesquisa. Ao Prof. Dr. Edson Augusto Melanda, pela importante participação na realização da análise espacial. Aos docentes e funcionários do Programa de Pós-Graduação em Alimentos e Nutrição da Faculdade de Ciências Farmacêuticas, pelos conhecimentos e por sempre me atenderam prontamente. À minha amiga e companheira Fernanda, por todo apoio, dedicação e auxílio na coleta de dados. Às amigas de pós-graduação, Maria Claudia, Priscila e Luciana, que com lealdade estiveram ao meu lado. À minha amiga querida Patrícia, que sempre me apoiou e me incentivou nos momentos difíceis desta caminhada. À todos que direta ou indiretamente possibilitaram a realização deste estudo, meus sinceros agradecimentos. RESUMO Considerando a importância do diagnóstico precoce do alcoolismo para implementação de políticas públicas voltadas para sua prevenção e tratamento, realizou-se este estudo composto por três capítulos. O Capítulo 1 apresenta uma revisão de literatura, a fim de descrever a aplicação do geoprocessamento em saúde no Brasil. O Capítulo 2 avaliou espacialmente o risco de desenvolvimento de alcoolismo. Participaram do estudo 1.710 indivíduos adultos moradores de Araraquara, com média de idade de 43,78+15,83 anos, sendo 50,00% do sexo masculino, que responderam ao Teste de identificação de transtornos devido ao uso de álcool (AUDIT). Dos entrevistados, 18,42% foram classificados como apresentando risco de alcoolismo. Observou-se probabilidade de alcoolismo maior em homens (OR=5,04, IC95%:3,68-6,91), tabagistas (OR=2,15, IC95%:1,53-3,02) e trabalhadores (OR=1,47, IC95%:1,11-1,96) e risco semelhante segundo religião (OR=0,75, IC95%:0,52-1,10), nível econômico (OR=1,27, IC95%:0,98-1,65) e excesso de peso (OR=0,85, IC95%:0,65-1,11). No semivariograma experimental observou-se que a probabilidade de ocorrência de alcoolismo não apresentou dependência espacial. O Capítulo 3 avaliou a prevalência de alcoolismo e sua distribuição espacial em adolescentes do ensino médio de Araraquara (SP). Participaram 1.837 adolescentes. Entre os entrevistados, observou-se alta prevalência de consumo de bebidas alcoólicas pelos adolescentes, tanto do sexo masculino (46,27%; IC95%:42,80- 49,75) quanto feminino (49,04%; IC95%:46,01- 52,07). A probabilidade do comportamento de beber de risco foi aproximadamente 2 vezes maior em adolescentes do sexo masculino (IC95%:1,42-3,00), 1,8 vezes maior para os adolescentes que os pais consomem bebidas alcoólicas (IC95%:1,16-2,69) e 2,3 vezes maior em adolescentes que têm relacionamento regular/ruim com a mãe (IC95%:1,26-4,26) e a religião atuou como fator de proteção (IC95%:0,42-0,93). Observou-se inexistência de dependência espacial para a probabilidade de ocorrência de alcoolismo. Conclui-se que a probabilidade de ocorrência de alcoolismo em adultos e adolescentes moradores de Araraquara está associada ao comportamento de beber de risco e suas características sócio-demográficas, no entanto, esta associação independe da localização geográfica dos indivíduos. Palavras-chave: Álcool, Alcoolismo, AUDIT, Distribuição espacial da população, Saúde Pública. ABSTRACT This study, composed by three chapters, was performed considering the importance of the early diagnostic of alcoholism to the implementation of public policies focused on its prevention and treatment. Chapter 1 presents a literature review, in order to describe the application of geoprocessing in the Brazilian health. Chapter 2 has spatially evaluated the risk of alcoholism development. 1,710 adults living in Araraquara, with an average age of 43.78+15.83 years old, 50% being male, have participated in the study by answering the AUDIT test (Alcohol use disorders identification test). From those interviewed, 18.42% were classified as presenting risk of alcoholism. It was possible to observe that the probability of alcoholism was greater in men (OR=5.04, CI95%:3.68-6.91), smokers (OR=2.15, CI95%:1.53-3.02) and workers (OR=1.47, CI95%:1.11-1.96). There was a similar risk according to religion (OR=0.75, CI95%:0.52-1.10), economic level (OR=1.27, CI95%:0.98-1.65) and overweight (OR=0.85, CI95%:0.65-1.11). The experimental semivariogram indicated that the probability of alcoholism occurrence did not present spatial dependence. Chapter 3 evaluated the prevalence of alcoholism and its spatial distribution in high school teenagers from Araraquara (SP). 1,837 teenagers have participated in the study. It was possible to observe a high prevalence of alcoholic drinks consumption by teenagers, either male (46.27%; IC95%:42.80-49.75) or female (49.04%; IC95%:46.01-52.07). The risk probability of drinking was approximately 2 times greater in male teenagers (CI95%:1.42-3.00), 1.8 times greater for teenagers whose parents consume alcoholic drinks (CI95%:1.16-2.69), and 2.3 three times greater in teenagers who have a regular/bad relationship with their mother (CI95%:1.26-4.26). The religion has acted as a protection factor (CI95%:0.42-0.93). It was not possible to observe spatial dependence to the probability of alcoholism occurrence. In conclusion, the probability of alcoholism occurrence in adults and teenagers living in Araraquara is related to the risk behavior of drinking and to its social-demographic characteristics. However, this association does not depend on the geographic location of the individuals participating in this study. Key words: Alcohol, Alcoholism, AUDIT, Residence Characteristics, Public Health. LISTA DE FIGURAS CAPÍTULO 2 Figura 1. Distribuição espacial dos participantes. Araraquara, 2007............................. 36 Figura 2. Semivariograma experimental para a probabilidade de desenvolvimento de alcoolismo. Araraquara, 2007...................................................... 37 CAPÍTULO 3 Figura 1. Distribuição espacial de todos os participantes do estudo (A) e dos participantes que consumiam bebidas alcoólicas (B). Araraquara, 2009. ..................... 57 Figura 2. Semiraviograma experimental para a probabilidade de desenvolvimento de alcoolismo. Araraquara, 2009....................................................... 58 Figura 3. Mapa de significância da associação espacial, LISA Map para o desenvolvimento de alcoolismo em adolescentes, considerando α = 0,05. Araraquara, 2009. ......................................................................................................... 59 LISTA DE TABELAS CAPÍTULO 2 Tabela 1. Análise de regressão logística múltipla das variáveis relacionadas à probabilidade de desenvolvimento de alcoolismo. Araraquara, 2007 . ...................... 35 CAPÍTULO 3 Tabela 1. Distribuição dos adolescentes segundo as respostas do AUDIT. Araraquara, 2009. ......................................................................................................... 52 Tabela 2. Classificação do consumo de álcool por ponto e por intervalo de 95% de confiança (IC95%) segundo proposta de Babor et al. (2001), Araraquara, 2009. ......................................................................................................... 53 Tabela 3. Padrão de consumo de bebidas alcoólicas segundo as variáveis sócio-demográficas de interesse. Araraquara, 2009. .................................................... 55 Tabela 4. Análise de regressão logística múltipla das variáveis relacionadas à probabilidade de desenvolvimento de alcoolismo entre os adolescentes. Araraquara, 2009. ......................................................................................................... 56 SUMÁRIO INTRODUÇÃO .............................................................................................................009 OBJETIVOS.................................................................................................................012 CAPÍTULO 1 - Geoprocessamento como ferramenta de Saúde no Brasil ................ 014 CAPÍTULO 2 - Análise espacial do alcoolismo em Araraquara (SP) ..........................026 CAPÍTULO 3 - Análise espacial do uso de álcool entre estudantes do ensino médio de Araraquara (SP) .......................................................044 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................067 REFERÊNCIAS ...........................................................................................................070 ANEXOS .....................................................................................................................073 APÊNDICE...................................................................................................................101 Introdução 9 INTRODUÇÃO Introdução 10 INTRODUÇÃO O consumo de bebidas alcoólicas é um comportamento adaptado à maioria das culturas, de forma que seu uso é associado com celebrações, situações de negócios e sociais, cerimônias religiosas e eventos culturais. Por outro lado, seu uso excessivo é considerado um grave problema de saúde pública, por causar danos físicos e mentais ao indivíduo (LARANJEIRA et al., 2007). A Organização Mundial de Saúde aponta o álcool como a substância psicoativa mais consumida no mundo e estima que aproximadamente 2 bilhões de pessoas consomem bebidas alcoólicas (WHO, 2004). No Brasil, de acordo com Carlini et al. (2007), o álcool também é a droga mais consumida em diferentes faixas etárias. Laranjeira et al. (2007) realizaram um estudo inédito com a população brasileira, o I Levantamento Nacional, que retrata os padrões de consumo de álcool no Brasil. A partir dos dados obtidos nos anos de 2005 e 2006, pode-se observar que 52% dos brasileiros são consumidores de bebidas alcoólicas e 12% possuem algum problema relacionado com o álcool (uso nocivo ou dependência). Diferentes estudos internacionais também revelam o consumo de álcool e as conseqüências de seu abuso na população, tanto em adultos (OSTERBERG, 2000; DEMERS et al., 2001; STHARE et al., 2006; TOMKINS et al., 2007; ARDILA; HERRÁN, 2008; AHNQUIST et al., 2008; KRAUS et al., 2009; ASSANANGKORNCHAI et al., 2010; LYVERS et al., 2010) quanto em adolescentes (LÓPEZ et al., 2001; GUILAMO-RAMOS et al., 2005; VAN DER VORST et al., 2006; SCHOLTE et al., 2008; SANTIS et al., 2009; KRAUS et al., 2010). Frente ao amplo consumo de bebidas alcoólicas faz-se necessária a realização de rastreamentos epidemiológicos para conhecimento das diferentes Introdução 11 realidades e para tanto, é imperativo a utilização de ferramentas confiáveis. Outro aspecto a ser considerado é a relação do espaço com os eventos de saúde. Nesse sentido, a aplicação de técnicas de mapeamento e geoprocessamento têm sido utilizadas para viabilizar, de forma eficiente, o mapeamento de doenças e análise de riscos sócio-ambientais. Sendo assim, o geoprocessamento pode ser uma ferramenta de suma importância para mapear o consumo de álcool e avaliar seu risco, o que pode contribuir para o direcionamento de programas de prevenção que visem à redução de problemas decorrentes do uso do álcool (BARCELLOS; RAMALHO, 2002; CARVALHO; SOUZA-SANTOS, 2005). Assim, considerando a importância de estudos de rastreamento para implementação de políticas públicas voltadas à prevenção e tratamento do alcoolismo, apresenta-se este estudo, composto por três capítulos que possuem por objetivo geral estudar áreas de risco e o comportamento de consumo de bebidas alcoólicas de moradores da cidade de Araraquara (SP), sua distribuição espacial e associação com características sócio-demográficas. O primeiro capítulo “Geoprocessamento como ferramenta de Saúde no Brasil” consta de uma revisão de literatura com o objetivo de apresentar a aplicação do geoprocessamento na área de Saúde Pública no Brasil. O segundo capítulo “Análise espacial do alcoolismo em Araraquara (SP)”, objetivou avaliar espacialmente o risco de desenvolvimento de alcoolismo em moradores adultos da cidade de Araraquara, SP. O terceiro capítulo “Análise espacial do uso de álcool entre estudantes do ensino médio de Araraquara – SP” tem como objetivo estudar o consumo de bebidas alcoólicas por adolescentes, sua associação com fatores sócio-demográficos e sua distribuição espacial. Objetivos 12 OBJETIVOS Objetivos 13 OBJETIVOS O presente estudo tem como objetivo geral estudar áreas de risco e o comportamento de consumo de bebidas alcoólicas de moradores da cidade de Araraquara (SP), sua distribuição espacial e associação com características sócio- demográficas. Os objetivos específicos deste estudo são: � Elaborar revisão de literatura a fim de apresentar a aplicação do geoprocessamento na área de Saúde Pública no Brasil. � Avaliar espacialmente o risco de desenvolvimento de alcoolismo em moradores adultos de Araraquara, SP. � Avaliar espacialmente o risco de desenvolvimento de alcoolismo em adolescentes da cidade de Araraquara, SP. Geoprocessamento como ferramenta de Saúde no Brasil Sanches, P. M. A.; Campos, J. A. D. B. (2010) 14 CAPÍTULO 1 Geoprocessamento como ferramenta de Saúde no Brasil Geoprocessamento como ferramenta de Saúde no Brasil Sanches, P. M. A.; Campos, J. A. D. B. (2010) 15 Geoprocessamento como ferramenta de Saúde no Brasil Geoprocessing as a tool of Health in Brazil PRISCILA MILENE ANGELO SANCHES1 JULIANA ALVARES DUARTE BONINI CAMPOS2 1 Aluna do Curso de Pós-Graduação em Alimentos e Nutrição, nível Doutorado, Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Araraquara, UNESP – Univ Estadual Paulista, Araraquara, SP, Brasil 2 Professora Doutora do Curso de Odontologia, Faculdade de Odontologia de Araraquara, UNESP – Univ Estadual Paulista, Araraquara, SP, Brasil AUTORA RESPONSÁVEL: Priscila Milene Angelo Sanches Rua Buritama, 3248 – Eldorado São José do Rio Preto, SP, Brasil. CEP: 15043-350 Tel: (17) 3011-2838/ (17) 9708-2141 e-mail: pmileneangelo@yahoo.com.br Artigo enviado para publicação à Revista Uningá, em 06 de outubro de 2010 (ANEXO A). Geoprocessamento como ferramenta de Saúde no Brasil Sanches, P. M. A.; Campos, J. A. D. B. (2010) 16 Geoprocessamento como ferramenta de Saúde no Brasil Geoprocessing as a tool of Health in Brazil RESUMO O geoprocessamento dos eventos em saúde é utilizado para a análise e avaliação de riscos à saúde, particularmente os relacionados com o meio ambiente e perfil sócio-econômico da população. Para tanto, realizou-se este estudo de revisão de literatura com o objetivo de apresentar a aplicação do geoprocessamento em saúde no Brasil e seus desafios. Foram pesquisadas as bases de dados Bireme, Medline, Pubmed e Periódicos Capes utilizando os termos geoprocessamento, análise espacial, saúde pública e epidemiologia, sem limite de ano de publicação. No Brasil, o geoprocessamento na área de saúde pública tem se expandido de forma representativa e recentemente a literatura nacional apresenta diversas pesquisas com sua aplicação. O uso das técnicas de geoprocessamento viabiliza modelos de explicação do processo saúde/doença, baseados em variáveis espaciais como distância, vizinhança e inter- relacionamento com dados de caracterização do lugar. Portanto, o geoprocessamento é uma ferramenta valiosa para modelar informações espacialmente referidas em saúde, a fim de permitir uma melhor visualização do contexto em que se verificam fatores determinantes de agravos à saúde. Palavras-chave: Geoprocessamento, Distribuição Espacial da População, Saúde Pública, Epidemiologia. ABSTRACT The geoprocessing of events in health is used for the analysis and evaluation of risks to the health, particularly those related to the environment and to the social-economic profile of the population. For this reason, this literature review was performed aiming to present the application of geoprocessing in health in Brazil and its challenges. The databases Bireme, Medline, Pubmed and Capes Periodics were researched, and the terms geoprocessing, spatial analysis, public health and epidemiology, were used without limit of year of publication. The geoprocessing in the Brazilian public health has been widely expanding and the national literature has been recently presenting several researches about its application. The use of geoprocessing techniques enables models of explanation of the health/disease process based on spatial variables such as distance, neighborhood and interrelationship with place characterization data. Therefore, geoprocessing is a valuable tool to model spatially referred information on health, in order to enable a better view of the context in which determining factors of health problems are verified. Key-words: Geoprocessing, Residence Characteristics, Public Health, Epidemiology. Geoprocessamento como ferramenta de Saúde no Brasil Sanches, P. M. A.; Campos, J. A. D. B. (2010) 17 INTRODUÇÃO O geoprocessamento pode ser definido como um conjunto de ferramentas necessárias para modelar informações espacialmente referidas e quando aplicado a questões de saúde pública permite o mapeamento de doenças e avaliação de áreas de risco (BARCELLOS; RAMALHO, 2002; SKABA et al., 2004). De acordo com Barcellos e Machado (1998), o espaço tem sido considerado nos estudos que relacionam o ambiente com a saúde, tanto como simples plano geométrico para a disposição de dados epidemiológicos, quanto como uma aproximação para a diferenciação de condições sociais ou mesmo como uma circunstância de fatores espaciais que induzem risco. Uma vez que grande parte das variáveis indicadoras de saúde e ambiente são localizáveis no espaço, o geoprocessamento se impõe como ferramenta de organização e análise de dados, particularmente por meio de uma de suas vertentes, o Sistema de Informações Geográficas (SIG) que é um conjunto de ferramentas utilizadas para a manipulação de informações espacialmente apresentadas, que permite o mapeamento das doenças e contribui na estruturação e análise de riscos sócio-ambientais (RICHARDS et al., 1999). Segundo Hino et al. (2006), os métodos de análise espacial podem ser divididos em três categorias, sendo visualização, análise exploratória e modelagem. A visualização é usada principalmente para apresentar os eventos de saúde e seus padrões, apontando a distribuição das variáveis de interesse específico. A análise exploratória é utilizada para descrever os padrões espaciais e relações entre mapas, enquanto a modelagem testa formalmente uma hipótese ou estima relações. Na área de saúde pública o uso do geoprocessamento é recente, principalmente no Brasil, e segundo Rojas, Barcellos e Peiter (1999) tem se expandido de forma representativa. Geoprocessamento como ferramenta de Saúde no Brasil Sanches, P. M. A.; Campos, J. A. D. B. (2010) 18 Devido, principalmente, pelo amplo acesso a bases de dados epidemiológicos e pela disponibilização de ferramentas cartográficas e estatísticas computadorizadas (CARVALHO; SOUZA-SANTOS, 2005). Assim, realizou-se este estudo de revisão de literatura com o objetivo de apresentar a aplicação do geoprocessamento no Brasil e seus desafios na área de Saúde Pública. MATERIAL E MÉTODOS Foi realizada pesquisa bibliográfica utilizando os descritores geoprocessamento, análise espacial, saúde pública e epidemiologia, em português e inglês nas bases de dados Bireme, Medline, Pubmed e periódicos Capes, sem limite de ano de publicação. APLICAÇÃO DO GEOPROCESSAMENTO EM SAÚDE PÚBLICA As relações entre o ambiente e a saúde têm sido estudadas desde a antiguidade. O crescente uso do geoprocessamento na área da saúde, segundo Bailey (2001), tem aumentado a capacidade de formular e avaliar hipóteses sobre a distribuição espacial dos eventos de saúde, principalmente por meio da confecção de mapas temáticos. Na literatura internacional, há mais de duas décadas, periódicos especializados em estatística têm apresentado estudos sobre as aplicações das técnicas de geoprocessamento em saúde, à exemplo pode-se citar o American Journal of Epidemiology, Journal of Statistical Society e Statistics in Medicine. Recentemente, a literatura nacional vem apresentando pesquisas de aplicação de geoprocessamento na saúde e epidemiologia. São estudos sobre perfil de nascimentos (D’ORSI; CARVALHO, 1998; HAU; NASCIMENTO; TOMAZINI, 2009), mortalidade Geoprocessamento como ferramenta de Saúde no Brasil Sanches, P. M. A.; Campos, J. A. D. B. (2010) 19 neonatal e infantil (SHIMAKURA et al., 2001; NASCIMENTO et al., 2007), morbidade e mortalidade (SANTOS; NORONHA, 2001; MELO; CARVALHO; TRAVASSOS, 2006), tuberculose (HINO et al., 2006), hanseníase (LAPA et al., 2001), agravos respiratórios (CHIESA; WESTPHAL; KASHIWAGI, 2002), HIV/AIDS (REIS et al., 2008), cárie dental e estado nutricional (FOSCHINI, 2009), dengue (LAGROTTA; SILVA; SOUZA-SANTOS, 2008; HONÓRIO et al., 2009; BARBOSA; LOURENÇO, 2010) e malária (MENEGUZZI et al., 2009). No estudo realizado por D’Orsi e Carvalho (1998) para avaliar o perfil de nascimentos no município do Rio de Janeiro (RJ), a fim de identificar espacialmente áreas com características específicas, pode-se verificar que as variáveis de nascidos vivos com Apgar entre oito e dez, de cesáreas, de mães com escolaridade acima de segundo grau e de mães adolescentes apresentaram padrão espacial visualmente identificável e auto-correlação espacial significativa. No entanto, o baixo peso apresentou padrão espacial aleatório, demonstrando que, este indicador não discriminou, neste estudo, grupos de risco, apesar do seu inquestionável valor preditivo para morbi-mortalidade infantil em nível individual. Lapa et al. (2001) analisaram a ocorrência de casos de hanseníase no município de Olinda (PE), durante o período de 1991 a 1996, segundo sua distribuição espacial, correlacionando-a às condições de vida da população, visando subsidiar novas estratégias de intervenção. Os resultados do estudo indicaram que a distribuição espacial heterogênea da hanseníase em Olinda não é aleatória, identificando um padrão de agregação no espaço associado à renda da população. As relações espaciais entre os padrões de mortalidade dos moradores da cidade do Rio de Janeiro (RJ), no período de 1996 a 1998, foram estudadas por Santos e Noronha (2001). Mediante os achados, os tipos de mortalidade que apresentaram maiores diferenças entre os grupos sócio-econômicos foram mortalidade geral, por doenças circulatórias, por causas mal Geoprocessamento como ferramenta de Saúde no Brasil Sanches, P. M. A.; Campos, J. A. D. B. (2010) 20 definidas e por causas extremas, no entanto, o padrão espacial dos estratos sócio-econômicos retratou as diversas condições de vida dos moradores implicando em padrões de mortalidade específicos, de forma que os estratos sócio-economicamente mais favorecidos apresentaram um perfil de baixa mortalidade para todas as causas. O estudo realizado por Shimakura et al. (2001) analisou a distribuição espacial de casos de mortalidade infantil comparados a controles de nascidos vivos da cidade de Porto Alegre (RS), sendo que a aplicação do método aos dados de mortalidade infantil mostrou variação espacial no risco altamente significativa para mortalidade neonatal e não significativa para mortalidade pós-neonatal. Para caracterizar as desigualdades sociais que se configuram condições de risco aos agravos respiratórios em crianças, na região Oeste do município de São Paulo, Chiesa, Westphal e Kashiwagi (2002) por meio da técnica de geoprocessamento, identificaram grupos com diferentes carências na região, possibilitando o reconhecimento das condições de risco no território, para minimizar os agravos respiratórios na infância. A distribuição espacial da tuberculose foi estudada na cidade de Ribeirão Preto (SP), no ano de 2002 por Hino et al. (2006). O estudo retratou que os casos de tuberculose se concentraram na região Noroeste do município, sendo esta área aquela com maior risco de transmissão da doença. Nesta região encontram-se as favelas e as penitenciárias públicas do município. Os autores ainda ressaltaram a importância da categoria espaço como alternativa metodológica para auxiliar no planejamento, monitoramento e avaliação das ações em saúde, direcionando as intervenções para diminuir as iniqüidades. Melo, Carvalho e Travassos (2006) ao analisarem a distribuição espacial da mortalidade por infarto agudo do miocárdio no município do Rio de Janeiro (RJ), encontraram uma concentração do risco de morrer de infarto nas áreas mais pobres da cidade, Geoprocessamento como ferramenta de Saúde no Brasil Sanches, P. M. A.; Campos, J. A. D. B. (2010) 21 permitindo assim a possibilidade do redirecionamento de ações de saúde, principalmente em áreas onde se verifica maior exclusão social. No estudo realizado por Nascimento et al. (2007) sobre os padrões de distribuição espacial da mortalidade neonatal durante o período de 1999 a 2001 no Vale do Paraíba paulista foi identificado aglomerado espacial na porção central Vale do Paraíba, tanto para a mortalidade neonatal precoce como para a neonatal total. Desta forma, os autores afirmam que a análise espacial foi importante para identificar padrões de correlação espacial entre municípios da região, permitindo supor que medidas de intervenção para diminuição destas taxas, devem ser tomadas globalmente, e não isoladamente, por municípios com altas taxas. Reis et al. (2008) analisaram o processo de interiorização da epidemia de AIDS e investigaram o acesso aos serviços em HIV/AIDS, entre 1988-2002, na Zona da Mata, Minas Gerais. A partir da interiorização da epidemia, Juiz de Fora foi o município com maior número de casos e provável centro difusor da AIDS na região, sendo que a assistência hospitalar dos casos de AIDS da Zona da Mata está concentrada nesse município. Em estudo realizado por Foschini (2009) para estudar a distribuição espacial da probabilidade de ocorrência de desnutrição e obesidade em pré-escolares do município de Araraquara (SP), segundo suas características sócio-demográficas, observou-se que a obesidade apresentou dependência espacial, possibilitando a identificação das regiões central e norte como sendo as áreas de maior risco do município, viabilizando direcionamento e planejamento de ações preventivas e intervencionais para as políticas de saúde pública. Na região do Vale do Paraíba Hau, Nascimento e Tomazini (2009) aplicaram as técnicas de geoprocessamento para a análise espacial do perfil de nascimentos no ano de 2004 nos 28 municípios pertencentes da região. Os achados mostraram que as proporções de nascidos vivos de mães com escolaridade acima do primeiro grau e de parto cesáreo, apresentaram padrão espacial visualmente identificável e auto-correlação espacial Geoprocessamento como ferramenta de Saúde no Brasil Sanches, P. M. A.; Campos, J. A. D. B. (2010) 22 significativa, o que permitiu a identificação de aglomerados espaciais para escolaridade e tipo de parto, possibilitando o direcionamento de ações voltadas para as áreas específicas. Barbosa e Lourenço (2010) analisaram a relação entre a distribuição espaço-temporal de casos de dengue e os indicadores larvários no município de Tupã (SP), no período de janeiro de 2004 a dezembro de 2007. De acordo com os achados do estudo, não foi evidenciada a relação espacial entre infestação larvária e ocorrência de dengue. No entanto, os autores afirmam que a incorporação de técnicas de geoprocessamento e análise espacial em programas de controle da dengue, podem contribuir com ações de controle, indicando os aglomerados espaciais de maior incidência. DESAFIOS DO GEOPROCESSAMENTO COMO FERRAMENTA EM SAÚDE PÚBLICA Assim como existem diversas maneiras de se conceituar, identificar e quantificar riscos são vários os usos do geoprocessamento na saúde pública. Desse modo, um desafio dessa área é o desenvolvimento de métodos específicos para a análise de riscos à saúde. Nesse sentido, os Sistemas de Informações Geográficas (SIG) têm sido apontados como instrumentos de integração de dados ambientais com dados de saúde, que permite uma melhor caracterização e quantificação da exposição e seus possíveis determinantes (CRONER; SPERLING; BROOME, 1996). Cada vez mais órgãos públicos, instituições de ensino e empresas incorporam o uso do geoprocessamento em saúde no Brasil, mas ainda há um enorme potencial de crescimento, pois o país apresenta uma grande carência de informações adequadas para a tomada de decisões sobre os eventos em saúde (OLIVEIRA JÚNIOR, 2008). No entanto é valido ressaltar, que para a democratização das técnicas de geoprocessamento em saúde pública é de Geoprocessamento como ferramenta de Saúde no Brasil Sanches, P. M. A.; Campos, J. A. D. B. (2010) 23 suma importância a capacitação de pessoal para a manipulação dessa ferramenta, além de considerar o alto custo de implantação e das grandes dificuldades na montagem das bases de dados espaciais (BARCELLOS; RAMALHO, 2002; SKABA et al., 2004). De acordo com Barcellos e Ramalho (2002) e ainda Carvalho e Souza-Santos (2005), o geoprocessamento em saúde no Brasil tem como desafios a disponibilização de bases de dados, tanto para o acesso quanto na qualidade das informações, a liberação dos programas de forma gratuita, o desenvolvimento tecnológico a partir de ferramentas analíticas e a capacitação de pessoal na organização e análise de dados espaciais. De modo que, para a utilização plena do geoprocessamento em saúde se faz necessário a incorporação de programas, equipamentos, bases de dados e equipe. CONCLUSÃO As técnicas de geoprocessamento na saúde pública são ferramentas valiosas para a análise e avaliação de riscos à saúde, podendo direcionar e/ou subsidiar programas ou políticas voltadas para a melhoria da saúde a fim de aumentar a eficiência no diagnóstico da situação de saúde da população e na utilização de recursos públicos com a definição de áreas prioritárias de atuação. REFERÊNCIAS BAILEY, T.C. Spatial statistical methods in health. Cad Saude Publica, v.17, n.5, p.1083- 98, 2001. BARBOSA, G.L.; LOURENCO, R.W. Análise da distribuição espaço-temporal de dengue e da infestação larvária no município de Tupã, Estado de São Paulo. Rev Soc Bras Med Trop, v.43, n.2, p.145-51, 2010. BARCELLOS, C.; RAMALHO, W. Situação atual do geoprocessamento e da análise de dados espaciais em saúde no Brasil. Informatica Publica, v.4, n.2, p.221-30, 2002. Geoprocessamento como ferramenta de Saúde no Brasil Sanches, P. M. A.; Campos, J. A. D. B. (2010) 24 BARCELLOS, C.; MACHADO, J.M.H. A organização espacial condiciona as relações entre ambiente e saúde: o exemplo da exposição ao mercúrio em uma fábrica de lâmpadas fluorescentes. Cienc Saude Col, v.3, n.2, p.103-13, 1998. CARVALHO, M.S.; SOUZA-SANTOS, R. Análise de dados espaciais em saúde pública: métodos, problemas, perspectivas. Cad Saude Publica, v.21, n.2, p.361-78, 2005. CHIESA, A.M.; WESTPHAL; M.F.; KASHIWAGI, N.M. Geoprocessamento e a promoção da saúde: desigualdades sociais e ambientais em São Paulo. Rev Saude Publica, v.36, n.5, p.559-67, 2002. CRONER, C.; SPERLING, J.; BROOME, F.R. Geographic Information Systems (GIS): new perspectives in understading human health and environmental relationships. Stat Med, v.15, n.18, p.1961-77, 1996. D'ORSI, E.; CARVALHO, M.S. Perfil de nascimentos no Município do Rio de Janeiro: uma análise espacial. Cad Saude Publica, v.14, n.2, p.367-79, 1998. FOSCHINI, A.L.R. Cárie dentária e indicadores antropométricos do estado nutricional em pré-escolares – Análise espacial. Araraquara, 2009. 137 f. Tese (Doutorado) – Faculdade de Ciências Farmacêuticas, Universidade Estadual Paulista. HAU, L.C.; NASCIMENTO, L.F.C.; TOMAZINI, J.E. Geoprocessamento para identificar padrões do perfil de nascimentos na região do Vale do Paraíba. Rev Bras Ginecol Obstet, v.31, n.4, p.171-6, 2009. HINO, P. et al. Geoprocesing in health area. Rev Latino-Am Enfermagem, v.14, n.6, p.939- 43, 2006. HONÓRIO, N.A. et al. The spatial distribution of Aedes aegypti and Aedes albopictus in a transition zone, Rio de Janeiro, Brazil. Cad Saude Publica, v.25, n.6, p.1203-14, 2009. LAGROTTA, M.T.F.; SILVA, W.C.; SOUZA-SANTOS, R. Identification of key áreas for Aedes aegypti control through geoprocessing in Nova Iguaçu, Rio de Janeiro State, Brazil. Cad Saude Publica, v.24, n.1, p.70-80, 2008. LAPA, T. et al. Vigilância da hanseníase em Olinda, Brasil, utilizando técnicas de análise espacial. Cad Saude Publica, v.17, n.5, p.1153-62, 2001. MELO, E.C.P.; CARVALHO, M.S.; TRAVASSOS, C. Distribuição espacial da mortalidade por infarto agudo do miocárdio no município do Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saude Publica, v.22, n.6, p.1225-36, 2006. MENEGUZZI, V.C. et al. Use of geoprocessing to define malaria risk áreas and evaluation of the vectorial importance of anopheline mosquitoes (Diptera: Culicidae) in Espírito Santo, Brazil. Mem Inst Oswaldo Cruz, v.104, n.4, p.570-75, 2009. NASCIMENTO, L.F.C. et al. Análise espacial da mortalidade neonatal no Vale do Paraíba, 1999 a 2001. Rev Saude Publica, v.41, n.1, p.94-100, 2007. Geoprocessamento como ferramenta de Saúde no Brasil Sanches, P. M. A.; Campos, J. A. D. B. (2010) 25 OLIVEIRA JÚNIOR, M.A.R. Geoprocessamento como ferramenta de análise integrada de riscos de acidentes industriais. São Paulo, 2008. 119 f. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. REIS, C.T. et al. A interiorização da epidemia de HIV/AIDS e o fluxo intermunicipal de internação hospitalar na Zona da Mata, Minas Gerais, Brasil: uma análise espacial. Cad Saude Publica, v.24, n.6, p.1219-28, 2008. RICHARDS, T.B. et al. Geographic information and public health: mapping the future. Public Health Rep, v.114, n.3, p.359-73, 1999. ROJAS, L.I.; BARCELLOS, C.; PEITER, P. Utilização de mapas no campos da epidemiologia no Brasil: reflexões sobre trabalhos apresentados no IV Congresso Brasileiro de Epidemiologia. Inf Epidemiol SUS, v.8, n.2, p.27-35, 1999. SANTOS, S.M.; NORONHA, C.P. Padrões espaciais de mortalidade e diferenciais sócio- econômicos na cidade do Rio de Janeiro. Cad Saude Publica, v.17, n.5, p.1099-110, 2001. SHIMAKURA, S.E. et al. Distribuição espacial do risco: modelagem da mortalidade infantil em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. Cad Saude Publica, v.17, n.5, p.1251-61, 2001. SKABA, D.A. et al. Geoprocessamento dos dados de saúde: o tratamento de endereços. Cad Saude Publica, v.20, n.6, p.1753-56, 2004. Análise espacial do alcoolismo em Araraquara (SP) Campos, J. A. D. B.; Sanches, P. M. A.; Rubiatti, A. M. M.; Melanda, E. A. (2010) 26 CAPÍTULO 2 Análise espacial do alcoolismo em Araraquara (SP) Análise espacial do alcoolismo em Araraquara (SP) Campos, J. A. D. B.; Sanches, P. M. A.; Rubiatti, A. M. M.; Melanda, E. A. (2010) 27 Título do artigo: ANÁLISE ESPACIAL DO ALCOOLISMO EM ARARAQUARA (SP) SPATIAL ANALYSIS OF THE ALCOHOLISM IN ARARAQUARA (SP) Título resumido: ANÁLISE ESPACIAL DO ALCOOLISMO Autores: Juliana Alvares Duarte Bonini CamposI Priscila Milene Angelo SanchesII Angélica de Moraes Maço RubiattiII Edson Augusto MelandaIII I Departamento de Odontologia Social. Faculdade de Odontologia de Araraquara, UNESP – Univ Estadual Paulista, Araraquara, SP, Brasil II Pós-Graduação em Alimentos e Nutrição, Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Araraquara, UNESP – Univ Estadual Paulista, Araraquara, SP, Brasil III Departamento de Engenharia Civil, Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR). São Carlos, SP, Brasil Correspondência: Juliana Alvares Duarte Bonini Campos Rua Humaitá, 1680 - Centro 14801-903, Araraquara, SP, Brazil E-mail: jucampos@foar.unesp.br Telefone: 55-16-3301-6358 Fax: 55-16-3301-6343 Artigo enviado para publicação à Revista de Saúde Pública, em 29 de outubro de 2010 (ANEXO B). Análise espacial do alcoolismo em Araraquara (SP) Campos, J. A. D. B.; Sanches, P. M. A.; Rubiatti, A. M. M.; Melanda, E. A. (2010) 28 RESUMO OBJETIVO: Avaliar espacialmente o risco de desenvolvimento de alcoolismo de moradores da cidade de Araraquara, SP, maiores de 18 anos de idade. MÉTODOS: Trata-se de estudo observacional do tipo transversal, com delineamento amostral probabilístico estratificado. O tamanho da amostra foi de 1.710 indivíduos. Como instrumento de medida utilizou-se o questionário Alcohol use disorders identification test (AUDIT). Foram realizadas entrevistas por meio de ligações telefônicas. Para as associações de interesse aplicou-se o teste de qui-quadrado (χ2) e para determinação da probabilidade de desenvolvimento de alcoolismo realizou-se regressão logística múltipla. Para determinação do referenciamento geográfico das residências dos participantes utilizou-se aparelho receptor de GPS. Para estudo da dependência espacial da probabilidade de ocorrência de alcoolismo na cidade elaborou-se semivariograma experimental. RESULTADOS: Dos entrevistados, 18,42% foram classificados como apresentando risco de alcoolismo. Observou-se probabilidade de alcoolismo maior em homens (OR=5,04, IC95%=3,68-6,91), tabagistas (OR=2,15, IC95%=1,53-3,02) e trabalhadores (OR=1,47, IC95%=1,11-1,96) e risco semelhante segundo religião (OR=0,75, IC95%=0,52-1,10), nível econômico (OR=1,27, IC95%=0,98-1,65) e excesso de peso (OR=0,85, IC95%=0,65-1,11). No semivariograma experimental observou-se que a probabilidade de ocorrência de alcoolismo não apresentou dependência espacial. CONCLUSÕES: A associação do risco de beber com fatores sócio-demográficos merece atenção para o direcionamento de estratégias de prevenção e do combate ao consumo de beber excessivo, entretanto, esta independe da localização geográfica dos indivíduos, uma vez que, observou-se ausência de dependência espacial. DESCRITORES: Alcoolismo, Epidemiologia, Distribuição espacial da população, Saúde Pública. ABSTRACT OBJECTIVE: Perform a spatial evaluation of the development of alcoholism among citizens over 18 years old from Araraquara, São Paulo. METHODS: It consists of an observational transversal study with stratified probabilistic sample design. The sample included a total of 1,710 people. The questionnaire Alcohol use disorders identification test (AUDIT) was used as a screening tool. Interviews were performed by telephone calls. The chi-square test (χ2) was applied in order to verify the associations of interest, and the multiple logistic regression was applied to determine the probability of alcoholism development. A GPS was used to determine the geographic referencing of participants’ residences. An experimental semivariogram was elaborated in order to study the spatial dependence of the probability of alcoholism occurrence. RESULTS: From all people interviewed, 18.42% present risks of alcoholism. The probability of alcoholism was greater in men (OR=5.04, CI95%=3.68-6.91), smokers (OR=2.15, CI95%=1.53-3.02) and workers (OR=1.47, CI95%=1.11-1.96). There was a similar risk according to religion (OR=0.75, CI95%=0.52-1.10), economic level (OR=1.27, CI95%=0.98-1.65) and overweight (OR=0.85, CI95%=0.65-1.11). The experimental semivariogram indicated that the probability of alcoholism occurrence did not present spatial dependence. CONCLUSIONS: The association of the risk of drinking with social-demographic factors deserves special attention regarding the need of developing strategies to Análise espacial do alcoolismo em Araraquara (SP) Campos, J. A. D. B.; Sanches, P. M. A.; Rubiatti, A. M. M.; Melanda, E. A. (2010) 29 prevent and fight against the habit of drinking excessively. However, this is independent of the geographic location of people, since we could observe the absence of spatial dependence. DESCRIPTORS: Alcoholism, Epidemiology, Residence Characteristics, Public Health. INTRODUÇÃO O consumo de bebidas alcoólicas e as conseqüências de seu abuso na população têm sido estudados com a preocupação de detectar precocemente comportamentos de risco. Assim, são levantadas informações de quantidade, padrão, freqüência de consumo de bebidas alcoólicas e os principais problemas enfrentados com os abusos.11 Dois grandes levantamentos brasileiros sobre alcoolismo foram conduzidos pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas da UNIFESP (CEBRID) nos anos de 2001 e 2007. No primeiro levantamento a dependência de álcool foi estimada em 11,2%8 e no segundo em 12,3%15 o que representa grande preocupação. Laranjeira et al18 (2007) ao conduzirem o I Levantamento Nacional encontraram que do total da população 3% faz uso nocivo e 9% é dependente de bebidas alcoólicas. Por sua magnitude, transcendência e passividade de controle o alcoolismo é considerado um problema de saúde pública e está entre os dez mais importantes agravos à saúde no Brasil. Apesar da grande quantidade de estudos encontrados na literatura sobre o consumo de bebidas alcoólicas, Galduróz e Caetano14 (2004) apontam a necessidade de se aumentar a ênfase dada aos estudos epidemiológicos de consumo de álcool no Brasil, para que se possa ter um diagnóstico mais preciso da realidade para elaboração de ações e políticas públicas mais resolutivas. Deve-se considerar que, este tipo de pesquisa, na população, pode facilitar a triagem dos indivíduos que apresentam problemas com o uso de álcool abusivo.11 Análise espacial do alcoolismo em Araraquara (SP) Campos, J. A. D. B.; Sanches, P. M. A.; Rubiatti, A. M. M.; Melanda, E. A. (2010) 30 Para tanto, técnicas de geoprocessamento das informações podem ser de grande valia para localização de áreas de maior risco ao consumo exacerbado de bebidas alcoólicas. A aplicação de técnicas de mapeamento e geoprocessamento para pesquisas e ações de saúde tem sido incentivada e, os Sistemas de Informações Geográficas (SIG) têm se destacado como ferramentas importantes principalmente nas análises que envolvem fatores ambientais, epidemiológicos e suas relações espaciais.4,23,24 Assim, tais ferramentas poderão exercer impacto sobre as estratégias de saúde pública, por serem capazes de envolver avaliação de riscos, análise e controle, além da prevenção dos eventos ocorridos na saúde humana.9 Para entender a utilização de mapas no campo da epidemiologia no Brasil, Rojas et al23 (1999) realizaram levantamento e análise de sua utilização, construção e inserção em estudos epidemiológicos. Os resultados mostraram que apenas 11% dos 1.174 trabalhos avaliados apresentaram mapas sendo que em 51% os mesmos foram utilizados somente como ilustração (delimitação geográfica), em 28% como representação de dados (demonstrativo) e em 20% como meio de análise de eventos de saúde com expressão espacial (analítico). Assim, concorda-se com Barcellos e Ramalho4 (2002) quando afirmam que nota-se apesar do aumento da utilização de mapas na área da saúde, nos dias atuais, estes têm sido realizados por poucos Centros de Pesquisa e Secretarias de Saúde. Temas como presença de focos de vetores de doença, relação de doenças com fenômenos físicos como a vegetação e hidrografia, quantificação de agravos frente à exposição a fontes de emissão de poluentes, associação de mortalidade e morbidade com aspectos sócio-econômicos têm sido abordados com maior Análise espacial do alcoolismo em Araraquara (SP) Campos, J. A. D. B.; Sanches, P. M. A.; Rubiatti, A. M. M.; Melanda, E. A. (2010) 31 freqüência.7,16,22 Com relação ao consumo de álcool apenas um estudo12 utilizando técnicas de geoprocessamento foi encontrado na literatura. Pelo exposto, desenvolveu-se este estudo com objetivo de estimar o consumo de bebidas alcoólicas, sua associação com variáveis sócio-demográficas e realizar análise espacial do risco de desenvolvimento de alcoolismo de moradores da cidade de Araraquara, SP, maiores de 18 anos de idade. MATERIAL E MÉTODOS Delineamento Amostral O delineamento amostral adotado foi o probabilístico estratificado segundo o número de domicílios dos setores censitários urbanos de Araraquara - SP e sexo. A seleção dos domicílios nos setores censitários foi realizada de maneira probabilística a partir dos mapas fornecidos pelo IBGE. Cada quadra, de cada setor, foi numerada e as faces das quadras identificadas com letras atribuídas em sentido horário. Utilizando-se uma tabela de números aleatórios as quadras a serem visitadas foram sorteadas, assim como a face de cada quadra e o domicílio a ser incluído na amostra. Considerando que a base cartográfica da cidade não possui codificação completa de endereço, foram realizadas visitas às ruas correspondentes às faces de quadra previamente sorteadas para anotação da numeração dos domicílios. De posse destas informações realizou-se o sorteio do domicílio participante. Em cada domicílio foi entrevistado apenas um morador, maior de 18 anos de idade. Cabe esclarecer que foram considerados moradores da casa os indivíduos que residiam naquele domicílio, excluindo-se os empregados remunerados. Análise espacial do alcoolismo em Araraquara (SP) Campos, J. A. D. B.; Sanches, P. M. A.; Rubiatti, A. M. M.; Melanda, E. A. (2010) 32 O tamanho da amostra foi estabelecido por meio do processo de amostragem para população finita sendo estimada em 1.666 indivíduos. Tendo-se admitido um absenteísmo da ordem de 20%, o tamanho da amostra foi corrigido para 2.083 indivíduos. O estudo foi conduzido após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Araraquara da Universidade Estadual Paulista - UNESP (ANEXO C). Variáveis de Estudo e Instrumento de Medida Para identificar o padrão do consumo de álcool foi utilizada a versão em português do questionário Teste de identificação de transtornos devido ao uso de álcool (AUDIT), desenvolvida por Méndez1. A classificação dos indivíduos frente ao consumo de bebidas alcoólicas foi realizada segundo proposta de Babor et al2 (2001) em “beber moderado” (0 a 7 pontos), “beber de risco” (8 a 15 pontos), “beber de alto risco” (16 a 19 pontos) e “possível dependência” (20 a 40 pontos). Para caracterização da amostra foram levantadas informações de idade, sexo, estado civil, presença ou não de religião e de atividade laboral, tabagismo, nível econômico, nível de escolaridade e Índice de Massa Corporal (IMC) que foi calculado a partir das informações auto-referidas de peso e altura. O nível econômico e de escolaridade foram classificados segundo escala proposta pela Associação Brasileira dos Institutos de Pesquisa de Mercado2. 1 Méndez EB. Uma Versão Brasileira do AUDIT (Alcohol Use Disorders Identification Test) 1999. 121 f. Dissertação (Mestrado em Epidemiologia da Saúde Mental) – Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, 1999. 2 Associação Brasileira dos Institutos de Pesquisa de Mercado – Proposição para um novo critério de classificação socioeconômica, 1978. Mímeo. São Paulo, 1978. Análise espacial do alcoolismo em Araraquara (SP) Campos, J. A. D. B.; Sanches, P. M. A.; Rubiatti, A. M. M.; Melanda, E. A. (2010) 33 Entrevistas As entrevistas foram realizadas por meio de ligações telefônicas no ano de 2007, por único examinador, devidamente calibrado em estudo piloto (κ=0,88). Geoprocessamento Para determinação do referenciamento geográfico das residências dos participantes da pesquisa utilizou-se um aparelho receptor GPS modelo eTrex LegendCx devidamente configurado para o fuso 22, datum SAD 69. A captura destes pontos foi realizada por um examinador devidamente treinado na utilização do aparelho. De posse destas informações, elaborou-se, com auxílio do programa SPRING 4.23, uma base de informações georreferenciadas contendo os dados de localização das moradias sorteadas bem como as informações sócio-demográficas e a probabilidade de desenvolvimento de alcoolismo estimada por meio de regressão logística múltipla. Utilizou-se, como referência, a base cartográfica digital, fornecida pelo Departamento de Água e Esgoto na escala 1:2000 na projeção SAD69. Planejamento Estatístico Caracterização da amostra e estudo de associação Realizou-se estatística descritiva. A pontuação final obtida no AUDIT permitiu a classificação dos participantes em dois grupos, beber moderado (G1) e beber de risco (G2). No G1 foram incluídos os indivíduos abstêmios e aqueles que bebem moderadamente e no G2 aqueles classificados como comportamento de beber de risco, alto risco e possível dependência. A partir desta dicotomização realizou-se a organização e apuração de todas as variáveis de estudo. Para as associações de 3 Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Geoprocessamento ao alcance de todos. Outubro, 2005. Análise espacial do alcoolismo em Araraquara (SP) Campos, J. A. D. B.; Sanches, P. M. A.; Rubiatti, A. M. M.; Melanda, E. A. (2010) 34 interesse aplicou-se o teste de qui-quadrado (χ2), adotando-se um nível de significância de 5% para tomada de decisão. As variáveis que apresentaram significância estatística ou p<0,15 compuseram o modelo de regressão logística múltipla para estimativa da probabilidade de desenvolvimento de alcoolismo. Estes dados foram incorporados ao projeto SIG, inicialmente para mapeamento dos pontos amostrados e em seguida para realização da análise geoestatística. Geoestatística Para verificar se a probabilidade de desenvolvimento de alcoolismo é uma variável do tipo regionalizada, ou seja, se seu valor é influenciado por sua posição no espaço, elaborou-se semivariograma experimental. RESULTADOS Participaram 1.710 indivíduos apontando para uma perda amostral de 18,00%, entretanto, a mesma já esteve prevista e o tamanho mínimo da amostra foi atingido. A média de idade dos indivíduos foi de 43,78±15,83 anos, sendo 855 (50,00%) do sexo masculino. A amostra foi composta predominantemente por participantes casados (62,98%), com renda de 4 a 10 salários mínimos (42,05%), nível de escolaridade colegial completo ou superior incompleto (37,89%), com religião (89,59%), trabalhadores (58,95%), que relataram não ser tabagistas (87,43%) e com excesso de peso (sobrepeso e obesidade) (51,01%). Segundo a classificação do AUDIT, 368 (21,52%, IC95%=19,57-23,47) participantes eram abstêmios, 1.027 (60,06%, IC95%=57,74-62,38) apresentaram comportamento de beber moderado, 248 (14,50%, IC95%=12,83-16,17) beber de Análise espacial do alcoolismo em Araraquara (SP) Campos, J. A. D. B.; Sanches, P. M. A.; Rubiatti, A. M. M.; Melanda, E. A. (2010) 35 risco, 27 (1,58%, IC95%=0,99-2,17) beber de alto risco e 40 (2,34%, IC95%=1,63-3,05) apresentaram possível dependência. Verificou-se associação significativa entre o padrão de consumo de bebida alcoólica e o sexo (χ2=154,105, p=0,001), nível econômico (χ2=7,469, p=0,024), religião (χ2=12,360, p=0,001), trabalho (χ2=28,795, p=0,001), tabagismo (χ2=28,486, p=0,001) e estado nutricional (χ2=9,357, p=0,009), com maior prevalência de beber de risco para o sexo masculino, entre as classes econômicas com maior renda, sem religião, trabalhadores, tabagistas e aqueles com excesso de peso. A Tabela 1 apresenta o modelo de regressão logística multivariada. Tabela 1. Análise de regressão logística múltipla das variáveis relacionadas à probabilidade de desenvolvimento de alcoolismo. Araraquara, 2007. Coeficiente OR IC95% p Intercepto -2,694 Sexo masculino 1,618 5,045 3,685-6,907 0,001* Religião -0,281 0,755 0,519-1,100 0,143 Tabagismo 0,764 2,148 1,526-3,023 0,001* Nível Econômico 0,241 1,273 0,980-1,653 0,070 Excesso de peso -0,159 0,853 0,655-1,112 0,240 Trabalho 0,387 1,472 1,106-1,961 0,008* Observa-se que a probabilidade de beber de risco foi aproximadamente 5 vezes maior nos indivíduos do sexo masculino (OR=5,045, IC95%=3,685-6,907), 2 vezes maior entre os tabagistas (OR=2,148, IC95%=1,526-3,023) e 1,5 vezes maior entre os indivíduos que afirmaram trabalhar (OR=1,472, IC95%=1,106-1,961). Na captação dos pontos de referencial geográfico houve perda de 56 logradouros pertencentes à região norte da cidade. Análise espacial do alcoolismo em Araraquara (SP) Campos, J. A. D. B.; Sanches, P. M. A.; Rubiatti, A. M. M.; Melanda, E. A. (2010) 36 A distribuição dos participantes segundo sua localização geográfica encontra- se na Figura 1. Figura 1. Distribuição espacial dos participantes. Araraquara, 2007. Análise espacial do alcoolismo em Araraquara (SP) Campos, J. A. D. B.; Sanches, P. M. A.; Rubiatti, A. M. M.; Melanda, E. A. (2010) 37 Nota-se participação de indivíduos residentes na zona urbana na maior parte do território de Araraquara com exceção apenas dos bairros Jardim Roberto Selmi- Dei, Jardim Adalberto F. de Oliveira Roxo, Jardim Veneza e Jardim Indaiá, localizados na região norte da cidade. Para identificação da existência de dependência espacial da probabilidade de desenvolvimento de alcoolismo elaborou-se semivariograma experimental (Figura 2). γ (m) γ (m) γ (m) Figura 2. Semivariograma experimental para a probabilidade de desenvolvimento de alcoolismo. Araraquara, 2007. Observou-se que a probabilidade de desenvolvimento de alcoolismo apresenta efeito pepita puro, ou seja, existe completa ausência de correlação espacial entre os pontos amostrados. Nesse caso, não se podem identificar Análise espacial do alcoolismo em Araraquara (SP) Campos, J. A. D. B.; Sanches, P. M. A.; Rubiatti, A. M. M.; Melanda, E. A. (2010) 38 agrupamentos, o que aponta que as amostras não podem ser diferenciadas apenas por sua localização no espaço. DISCUSSÃO O presente levantamento foi realizado para obter informações sobre a dependência espacial da probabilidade de desenvolvimento de alcoolismo na cidade de Araraquara (SP) com o objetivo de auxiliar no planejamento e avaliação de ações de saúde. O uso de desenho transversal, para examinar a relação entre alcoolismo e seus fatores de risco, pode ser problemático por não permitir conclusões sobre causalidade. Entretanto, estudos transversais têm grande valor para identificação de grupos de risco e de suas características que servirão, por sua vez, para sugerir indagações que poderão ser respondidas por futuros estudos com desenhos mais sofisticados.9 Entre os aspectos positivos deste estudo pode-se citar o fato de todas as informações terem sido aferidas por examinador devidamente calibrado, a amostragem ter sido planejada de maneira probabilística e os pontos de localização geográfica terem sido obtidos individualmente propiciando o cálculo de risco individual para posterior análise geoestatística, contribuindo para adequada validade interna e externa do estudo. Na Tabela 1 pode-se notar maior probabilidade de desenvolvimento de alcoolismo em indivíduos do sexo masculino, o que vai ao encontro da literatura.5,6,8,10,13,15,18 O consumo de risco de álcool foi significativamente maior nos indivíduos trabalhadores o que também foi observado por Wei et al26 (2001) na China. Análise espacial do alcoolismo em Araraquara (SP) Campos, J. A. D. B.; Sanches, P. M. A.; Rubiatti, A. M. M.; Melanda, E. A. (2010) 39 Entretanto, este fato não é consenso na literatura, Mustonen et al20 (2001) observaram, na Namíbia, que os indivíduos empregados eram, com maior freqüência, abstêmios ou consumiam álcool moderadamente. Primo e Stein21 (2004) e Filizola et al13 (2008) encontraram associação não-significativa entre o consumo abusivo de álcool e a situação laboral. A probabilidade de desenvolvimento de alcoolismo esteve ainda associada ao tabagismo, sendo mais freqüente entre os fumantes, corroborando com outros trabalhos da literatura.17,21 A identificação de áreas de maior risco de desenvolvimento de alcoolismo representa uma oportunidade para realização e planejamento de ações de controle, alocação de recursos e preparação de ações preventivo-educativas e curativas. Entretanto, um levantamento futuro minucioso das condições ambientais, como, por exemplo, o número e a localização dos pontos de vendas de bebidas alcoólicas na cidade, deve ser realizado com intuito de estudar sua área de abrangência espacial, uma vez que, a probabilidade de desenvolvimento de alcoolismo segundo as variáveis sócio-demográficas estimadas neste estudo por si só não apresentou dependência espacial. Ellaway et al12 (2010) ao avaliarem a distribuição dos pontos de venda de álcool na cidade de Glasgow (Escócia), com a aplicação da técnica de geoprocessamento, não encontraram dependência espacial em relação ao acesso ao álcool. No entanto, os autores ressaltaram a necessidade de mais pesquisas sobre o comportamento da compra de álcool na sociedade local. Considerando que a aplicação de técnicas de geoestatística na área da saúde, pode ser uma estratégia de análise de risco segundo áreas geográficas e diante da escassez de estudos da literatura acredita-se que pesquisas que Análise espacial do alcoolismo em Araraquara (SP) Campos, J. A. D. B.; Sanches, P. M. A.; Rubiatti, A. M. M.; Melanda, E. A. (2010) 40 considerem a análise espacial dos dados podem agregar importante contribuição.9 Para tanto, faz-se necessária a formação de recursos humanos para planejamento e utilização de ferramentas de geoprocessamento para estruturação de estudos com adequado rigor metodológico na área da saúde, o que foi alertado por Liu et al19 (2007) e Souza et al25 (2008). Em conclusão, verificou-se que a prevalência de beber de risco foi de 18,42% na população estudada, sendo os homens, tabagistas e trabalhadores os mais acometidos e a probabilidade de desenvolvimento de alcoolismo não apresentou dependência espacial. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Almeida-Filho N, Lessa I, Magalhães L.; Araújo MJ, Aquino E, Kawachi I. Alcohol drinking patterns by gender, ethnicity, and social class in Bahia, Brazil. Rev Saude Pública. 2004;38(1):45-54. 2. Babor TF, Higgins-Biddle JC, Saunders JB, Monteiro MG. AUDIT – The alcohol use disorders identification test. 2nd. Geneva: World Health Organization; 2001. 3. Barcellos C, Santos SM. Colocando dados no mapa: a escolha da unidade de agregação e integração de bases de dados em saúde e ambiente através do geoprocessamento. Inf Epidemiol SUS. 1997;6(1): 21-9. 4. Barcellos C, Ramalho W. Situação atual do geoprocessamento e da análise de dados espaciais em saúde no Brasil. Inform Publica. 2002;4(2):221-30. 5. Barros MBA, Botega NJ, Dalgalarrondo P, Marín-Léon L, Oliveira HB. Prevalence of alcohol abuse and associated factors in a population-based study. Rev Saude Publica. 2007;41(4):502-509. Análise espacial do alcoolismo em Araraquara (SP) Campos, J. A. D. B.; Sanches, P. M. A.; Rubiatti, A. M. M.; Melanda, E. A. (2010) 41 6. Bastos FI, Bertoni N, Hacker MA. Consumo de álcool e drogas: principais achados de pesquisa de âmbito nacional, Brasil 2005. Rev Saude Publica. 2008;42(supl 1):109-17. 7. Briggs D. The role of GIS: coping with space (and time) in air pollution exposure assessment. J Toxicol Environ Health. 2005;68(13-14):1243-61. 8. Carlini EA, Galduróz JCF, Noto AR, Nappo SA. I Levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas no Brasil: estudo envolvendo as 107 maiores cidades do país: 2001. São Paulo: CEBRID/SENAD; 2002. 9. Carvalho MS, Souza-Santos R. Análise de dados espaciais em saúde pública: métodos, problemas, perspectivas. Cad Saude Publica. 2005;21(2):361-78. 10. Castro-Costa E, Ferri CP, Lima-Costa MF, Zaleski M, Pinsky I. Alcohol consumption in late-life – The first Brazillian National Alcohol Survey (BNAS). Addict Behav. 2008;33(12):1598-601. 11. Demers A, Room R, Bourgault C. Surveys of drinking patterns and problems in seven developing countries. World Health Organization – Department of Mental Health and Substance Dependence; 2001. 12. Ellaway A, Macdonald L, Forsyth A, Macintyre S. The socio-spatial distribution of alcohol outlets in Glasgow city. Health Place. 2010;16(1):167-72. 13. Filizola PRB, Nascimento AE, Sougey EB, Meira-Lima IV. Alcoolismo no Nordeste do Brasil – prevalência e perfil sociodemográfico dos afetados. J Bras Psiquiatr. 2008;57(4):227-32. 14. Galduróz JCF, Caetano R. Epidemiologia do uso de álcool no Brasil. Rev Bras Psiquiatr. 2004;26(1):3-6. 15. Galduróz JCF, Noto AR, Fonseca AM, Carlini CM, Oliveira LG, Nappo AS, et al. II Levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas no Brasil: Análise espacial do alcoolismo em Araraquara (SP) Campos, J. A. D. B.; Sanches, P. M. A.; Rubiatti, A. M. M.; Melanda, E. A. (2010) 42 estudo envolvendo as 108 maiores cidades do país: 2005. São Paulo: CEBRID/SENAD; 2007. 16. Honório NA, Castro MG, Barros FSM, Magalhães MAFM, Sabroza PC. The spatial distribution of Aedes aegypti and Aedes albopictus in a transition zone, Rio de Janeiro, Brazil. Cad Saude Publica. 2009;25(6):1203-14. 17. Kerr-Corrêa F, Tucci, AM, Hegedus AM, Trinca LA, Oliveira JB, Floripes TMF, et al. Drinking patterns between men and women in two distinct Brazilian communities. Rev Bras Psiquiatr. 2008;30(3):235-42. 18. Laranjeira R, Pinsky I, Zaleski M, Caetano R. I Levantamento nacional sobre os padrões de consumo de álcool na população brasileira. Brasília: Secretaria Nacional Antidrogas, 2007. 76 p. 19. Liu GC, Cunningham C, Downs SM, Marrero DG, Fineberg N. A spatial analysis of obesogenic environments for children. Proc AMIA Symp. 2002;1(1):459-463. 20. Mustonen H, Beukes L, Preez VD. Alcohol drinking in Namibia. In: DEMERS, A.; ROOM, R.; BOURGAULT, C. Surveys of drinking patterns and problems in seven developing countries. Geneva: World Health Organization, Department of Mental Health and Substance Dependence, 2001. p. 45-62. 21. Primo NLNP, Stein AT. Prevalência do abuso e da dependência de álcool em Rio Grande (RS): um estudo transversal de base populacional. Rev Psiquiatr. 2004:26(3):280-286. 22. Reis CT, Czeresnia D, Barcellos C, Tassinari WS.�A interiorização da epidemia de HIV/AIDS e o fluxo intermunicipal de internação hospitalar na Zona da Mata, Minas Gerais, Brasil: uma análise espacial. Cad Saude Publica. 2008;24(6):1219-28. Análise espacial do alcoolismo em Araraquara (SP) Campos, J. A. D. B.; Sanches, P. M. A.; Rubiatti, A. M. M.; Melanda, E. A. (2010) 43 23. Rojas LI, Barcellos C, Peiter P. Utilização de mapas no campos da epidemiologia no Brasil: reflexões sobre trabalhos apresentados no IV Congresso Brasileiro de Epidemiologia. Inform Epidemiol SUS. 1999;8(2):27- 35. 24. Skaba DA, Carvalho MS, Barcellos C, Martins PC, Terron SL. Geoprocessamento dos dados da saúde: o tratamento dos endereços. Cad Saude Publica. 2004;20(6):1753-56. 25. Souza VRS, Cavenaghi S, Alves JED, Magalhães MAFM. Análise espacial dos acidentes de trânsito com vítimas fatais: comparação entre o local de residência e de ocorrência do acidente no Rio de Janeiro. Rev Bras Estud Popul. 2008;25(2):353-64. 26. Wei H, Derson Y, Shuiyuan X, Lingjiang L. Drinking patterns and related problems in a large general population sample in China. In: DEMERS, A.; ROOM, R.; BOURGAULT, C. Surveys of drinking patterns and problems in seven developing countries. Geneva: World Health Organization, Department of Mental Health and Substance Dependence, 2001. p. 115-129. Análise espacial do uso de álcool entre estudantes do ensino médio de Araraquara (SP) Sanches, P. M. A.; Mattara, F. P.; Melanda, E. A.; Campos, J. A. D. B. (2010) 44 CAPÍTULO 3 Análise espacial do uso de álcool entre estudantes do ensino médio de Araraquara (SP) Análise espacial do uso de álcool entre estudantes do ensino médio de Araraquara (SP) Sanches, P. M. A.; Mattara, F. P.; Melanda, E. A.; Campos, J. A. D. B. (2010) 45 ANÁLISE ESPACIAL DO USO DE ÁLCOOL ENTRE ESTUDANTES DO ENSINO MÉDIO DE ARARAQUARA (SP) SPATIAL ANALYSIS OF ALCOHOL USE AMONG HIGH SCHOOL STUDENTES OF ARARAQUARA (SP) Priscila Milene Angelo Sanches Fernanda Pavarina Mattara Edson Augusto Melanda Juliana Alvares Duarte Bonini Campos Resumo O objetivo desse estudo foi verificar o consumo de bebidas alcoólicas, sua associação com fatores sócio-demográficos e realizar análise espacial do risco de desenvolvimento de alcoolismo entre estudantes do ensino médio na cidade de Araraquara (SP). Trata-se de estudo observacional do tipo transversal, com delineamento amostral probabilístico estratificado. Como instrumento de medida utilizou-se o Teste de identificação de transtornos ao uso de álcool (AUDIT). Realizou-se estatística descritiva. Para a associação entre o “risco de beber” e as variáveis de interesse aplicou-se o teste de qui-quadrado (χ2) e para a determinação da probabilidade do desenvolvimento do alcoolismo realizou-se a regressão logística múltipla, com nível de significância de 5%. A determinação do referenciamento geográfico das residências foi realizada por aparelho receptor de GPS. Para estudo da dependência espacial da probabilidade de ocorrência do alcoolismo entre os adolescentes na cidade elaborou-se semivariograma experimental. Participaram 1.837 estudantes matriculados em escolas públicas com média de idade de 15,93+1,00 anos, sendo 56,94% do sexo feminino. Observou-se alta prevalência de consumo de bebidas alcoólicas pelos adolescentes, tanto do sexo masculino (46,27%; IC95%:42,80- 49,75) quanto feminino (49,04%; IC95%:46,01- 52,07). A probabilidade de beber de risco foi aproximadamente 2 vezes maior em adolescentes do sexo masculino (IC95%:1,42-3,00), 1,8 vezes maior para os adolescentes que os pais consomem bebidas alcoólicas (IC95%:1,16-2,69) e 2,3 vezes maior em adolescentes que têm relacionamento regular/ruim com a mãe (IC95%:1,26-4,26) e a religião atuou como fator de proteção (IC95%:0,42-0,93). Para a distribuição espacial, notou-se que a probabilidade de ocorrência de alcoolismo não apresentou dependência espacial. Conclui-se que grande parte dos adolescentes consomem bebidas alcoólicas sendo o comportamento de risco associado a suas características sócio-demográficas. Palavras-chave: Álcool, Alcoolismo, AUDIT, Estudantes, Distribuição espacial da população, Saúde Pública. Análise espacial do uso de álcool entre estudantes do ensino médio de Araraquara (SP) Sanches, P. M. A.; Mattara, F. P.; Melanda, E. A.; Campos, J. A. D. B. (2010) 46 Abstract This study aimed to verify the consumption of alcoholic drinks and its association with social-demographic factors, and to perform a spatial analysis of the risk of alcoholism development among high school students in the city of Araraquara (State of São Paulo). It consists of an observational transversal study with stratified probabilistic sample design. The questionnaire AUDIT (Alcohol use disorders identification test) was used as a screening tool. Descriptive statistics were performed. The chi-square test (χ2) was applied in order to verify the associations of the “risk of drinking” and the interest variables, and the multiple logistic regression, with significance level of 5%, was applied to determine the probability of alcoholism development. A GPS was used to determine the geographic referencing of the residences. An experimental semivariogram was elaborated in order to study the spatial dependence of the probability of alcoholism occurrence among teenagers in the city. 1,837 students enrolled in public schools with average age of 15.93+1.00 years old, 56.94% being female, participated in this study. It was possible to observe a high prevalence of alcoholic drinks consumption by teenagers, either male (46.27%; IC95%:42.80-49.75) or female (49.04%; IC95%:46.01-52.07). The risk probability of drinking was approximately 2 times greater in male teenagers (CI95%:1.42-3.00), 1.8 times greater for teenagers whose parents consume alcoholic drinks (CI95%:1.16-2.69), and 2.3 three times greater in teenagers who have a regular/bad relationship with their mother (CI95%:1.26-4.26). The religion has acted as a protection factor (CI95%:0.42- 0.93). In the spatial distribution, it was possible to notice that the probability of alcoholism occurrence did not present spatial dependence. In conclusion, a great part of teenagers consume alcoholic drinks, and the risk behavior is associated to their social-demographic characteristics. Key words: Alcohol, Alcoholism, AUDIT, Students, Residence Characteristics, Public Health. INTRODUÇÃO Os adolescentes são o grupo populacional que apresentam os maiores riscos em relação ao consumo de bebidas alcoólicas, devido à sua vulnerabilidade, sob o ponto de vista social e psicológico (GALDURÓZ et al., 2010). Em todo mundo, há uma preocupação especial com esse grupo e o monitoramento do padrão de beber é uma das medidas mais importantes a serem desenvolvidas. As bebidas alcoólicas são as substâncias psicoativas mais consumidas por adolescentes (WHO, 2004). No Brasil, o álcool também é a droga mais consumida em todas as faixas etárias e a sua utilização entre adolescentes vem crescendo (CARLINI et al., 2007). Análise espacial do uso de álcool entre estudantes do ensino médio de Araraquara (SP) Sanches, P. M. A.; Mattara, F. P.; Melanda, E. A.; Campos, J. A. D. B. (2010) 47 O I Levantamento Nacional sobre os padrões de consumo de álcool na população brasileira, realizado por Laranjeira et al. (2007), estimou que 35% dos adolescentes menores de idade consomem bebidas alcoólicas ao menos 1 vez no ano e 24% deles bebem pelo menos 1 vez no mês. Quanto à intensidade de beber, 16% dos adolescentes relataram ter consumido bebidas alcoólicas em “binge” durante os últimos 12 meses, sendo que 51% o fez menos de 1 vez por mês e 18% em 1 vez por semana ou mais. O consumo indevido e desenfreado de álcool entre os adolescentes acarreta além da deterioração da saúde, altos custos para a sociedade (HUURRE et al., 2010; VARGAS, 2005). Tal comportamento aumenta o risco de uma série de problemas sociais e de saúde, incluindo doenças sexualmente transmissíveis, gravidez indesejada, infarto do miocárdio, acidentes de trânsito, problemas comportamentais, violência e ferimentos não-intencionais (HUURRE et al., 2010; REBOUSSIN et al., 2006). O abuso de álcool por adolescentes pode ser atribuído à facilidade de consumo de bebidas alcoólicas (GALDURÓZ et al., 2010; GOMES; ALVES; NASCIMENTO, 2010), além de fatores como, contexto familiar e social, baixo custo e propaganda televisiva agressiva (LARANJEIRA, 2004; NEWMAN et al., 2008; STRAUCHI et al., 2009; VIEIRA et al., 2007). Outro aspecto que deve ser considerado é a relação do espaço com o consumo de álcool segundo Ellaway et al. (2010), além do acesso e comportamento da compra de bebidas alcoólicas. Para viabilizar a construção de modelos explicativos do padrão de consumo de álcool em função de variáveis espaciais pode-se utilizar técnicas de geoprocessamento que é um conjunto de ferramentas que permitem o mapeamento e localização das áreas de risco (BARCELLOS; RAMALHO, 2002; HINO et al., 2006; Análise espacial do uso de álcool entre estudantes do ensino médio de Araraquara (SP) Sanches, P. M. A.; Mattara, F. P.; Melanda, E. A.; Campos, J. A. D. B. (2010) 48 SAKABA et al., 2004). Considerando que o consumo de álcool na adolescência é um sério problema de saúde pública por sua magnitude, transcendência e viabilidade de controle, entende-se que estudos espaciais podem ser de grande importância para saúde pública, a fim de direcionar e/ou subsidiar programas e políticas públicas que visem à redução dos problemas decorrentes do uso de álcool. Além disso, no Brasil não foram encontrados estudos relacionando o ambiente e o padrão do uso de álcool entre adolescentes. Deste modo, desenvolveu-se este estudo com o objetivo de verificar o consumo de bebidas alcoólicas, sua associação com fatores sócio- demográficos e realizar análise espacial do risco de desenvolvimento de alcoolismo entre os estudantes do ensino médio na cidade de Araraquara (SP). MATERIAL E MÉTODOS Delineamento Amostral Trata-se de estudo observacional do tipo transversal com delineamento amostral probabilístico estratificado segundo número de alunos por série do ensino médio matriculados em instituições públicas da cidade de Araraquara, SP. O tamanho da amostra foi estabelecido por meio do processo de amostragem para população finita. Os dados referentes ao total de jovens matriculados no ensino médio em escolas públicas na cidade de Araraquara (SP) foram obtidos junto à Secretaria da Educação, de modo que, este valor foi de 5.997 estudantes. O nível de significância adotado foi de 5% e considerou-se como estimativa preliminar da verdadeira proporção de dependentes de álcool entre estudantes o valor de 7,20% encontrado na região Sudeste no Levantamento Nacional realizado por Galduróz et al. (2005). A margem relativa de erro amostral foi fixada em 15,00%. Análise espacial do uso de álcool entre estudantes do ensino médio de Araraquara (SP) Sanches, P. M. A.; Mattara, F. P.; Melanda, E. A.; Campos, J. A. D. B. (2010) 49 Nessas condições o tamanho amostral mínimo ficou estimado em 1.606 indivíduos. Tendo-se admitido um absenteísmo da ordem de 20,0%, o tamanho da amostra foi corrigido para 2.008 adolescentes. Cabe ressaltar que este estudo foi conduzido após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Araraquara da Universidade Estadual Paulista – UNESP (ANEXO D). Variáveis de Estudo e Instrumento de Medida Para identificar o padrão do consumo de álcool foi utilizada a versão em português do questionário Teste de identificação de transtornos devido ao uso de álcool (AUDIT) validada por Méndez (1999) (ANEXO E). A classificação dos adolescentes frente ao consumo de bebidas alcoólicas foi realizada segundo a proposta de Babor et al. (2001) em “beber moderado” (0 a 7 pontos), “beber de risco” (8 a 15 pontos), “beber de alto risco” (16 a 19 pontos) e “possível dependência” (20 a 40 pontos). Para caracterização da amostra, foram coletadas informações referentes à idade, sexo, relacionamento familiar, presença ou não de religião, prática esportiva e trabalho (APÊNDICE A). O nível econômico e de escolaridade foram classificados segundo o Critério Brasil 2008 (ABEP, 2008) (ANEXO F). Procedimentos Os questionários, não identificados, foram entregues aos estudantes em sala de aula, em horários de atividades escolares previamente agendados com a direção de cada instituição. Análise espacial do uso de álcool entre estudantes do ensino médio de Araraquara (SP) Sanches, P. M. A.; Mattara, F. P.; Melanda, E. A.; Campos, J. A. D. B. (2010) 50 Geoprocessamento A determinação do referenciamento geográfico das residências dos estudantes participantes do estudo foi realizada por um examinador devidamente treinado. Para tanto, utilizou-se um aparelho receptor GPS modelo eTrex LegendCx configurado para o fuso 22, datum SAD 69. De posse destas informações, elaborou-se, com auxílio do programa SPRING 4.2 (INPE, 2005), uma base de informações georreferenciadas contendo os dados referentes à localização das moradias dos adolescentes bem como as informações sócio-demográficas e a probabilidade de desenvolvimento de alcoolismo estimada por meio de regressão logística múltipla. Utilizou-se como referência a base cartográfica digital da cidade de Araraquara, fornecida pelo Departamento de Água e Esgoto na escala 1:2000 na projeção SAD69. Planejamento Estatístico Para avaliação da confiabilidade do AUDIT, realizou-se estudo piloto com a participação de 141 estudantes de ensino médio matriculados em escola pública na cidade de Araraquara (SP). A confiabilidade foi estimada pela estatística Kappa com ponderação linear (κp). Realizou-se a estatística descritiva. A pontuação final obtida no AUDIT permitiu a classificação dos participantes em dois grupos, beber moderado (G1) e beber de risco (G2). No G1 foram incluídos os adolescentes que bebem moderadamente e no G2 aqueles classificados com o comportamento de beber de risco, alto risco e possível dependência. A partir desta dicotomização realizou-se a organização e apuração de todas as variáveis de estudo. Para as associações de interesse aplicou-se o teste de qui-quadrado (χ2), adotando-se um nível de Análise espacial do uso de álcool entre estudantes do ensino médio de Araraquara (SP) Sanches, P. M. A.; Mattara, F. P.; Melanda, E. A.; Campos, J. A. D. B. (2010) 51 significância de 5% para tomada de decisão. As variáveis que apresentaram significância estatística ou p<0,15 compuseram o modelo de regressão logística múltipla para estimativa da probabilidade de desenvolvimento de alcoolismo. Estes dados foram incorporados ao projeto SIG, inicialmente para mapeamento dos pontos amostrados e em seguida para realização da análise geoestatística. Para verificar se a probabilidade de desenvolvimento de alcoolismo é uma variável do tipo regionalizada, ou seja, se seu valor é influenciado por sua posição no espaço, elaborou-se semivariograma experimental. Para estudo da existência de associações espaciais locais utilizou-se o Índice Local de Associação Espacial (LISA Map) considerando um nível de significância de 5%. RESULTADOS No estudo piloto verificou-se boa concordância da classificação de risco de beber segundo o AUDIT (κp=0,75; IC95%:0,56-0,94) (ANEXO G). Participaram do estudo 1.837 adolescentes, sendo 1.046 (56,94%) do sexo feminino. A média de idade dos participantes foi de 15,93±1,00 anos. Em relação às características sócio-demográficas, 1.392 (75,78%) adolescentes não trabalhavam, 1.001 (54,49%) praticavam esportes e 1.415 (77,03%) pertenciam a alguma religião. Quanto à classe econômica, 1.091 (59,39%) pertenciam às classes A e B (renda estimada: R$ 2.327,00 a R$ 14.366,00) e 746 (40,61%) pertenciam às classes C, D e E (renda estimada: R$ 403,00 a R$ 2.327,00). Dos participantes, 1.680 (91,45%) relataram boa convivência com a mãe e 1.306 (71,09%) com o pai. Dos adolescentes, 977 (53,18%) afirmaram que seus pais consumiam bebidas alcoólicas. Análise espacial do uso de álcool entre estudantes do ensino médio de Araraquara (SP) Sanches, P. M. A.; Mattara, F. P.; Melanda, E. A.; Campos, J. A. D. B. (2010) 52 Na Tabela 1 encontra-se a freqüência das respostas a cada questão do AUDIT. Tabela 1. Distribuição dos adolescentes segundo as respostas do AUDIT. Araraquara, 2009. Respostas AUDIT 0 1 2 3 4 1. Com que freqüência o(a) Sr.(a) toma bebidas de álcool?(a) 1.016 (55,34) 518 (28,21) 215 (11,71) 65 (3,54) 22 (1,20) 2. Nas ocasiões em que bebe, quantas doses, copos ou garrafas o(a) Sr.(a) costuma tomar?(b) 833 (68,28) 220 (18,03) 95 (7,79) 37 (3,03) 35 (2,87) 3. Com que freqüência o(a) Sr.(a) toma “seis ou mais doses” em uma ocasião? (c) 1.476 (80,44) 210 (11,44) 82 (4,47) 59 (3,22) 8 (0,44) 4. Com que freqüência, durante o último ano, o(a) Sr.(a) achou que não seria capaz de controlar a quantidade de bebida depois de começar?(c) 1.687 (91,88) 88 (4,79) 32 (1,74) 18 (0,98) 11 (0,59) 5. Com que freqüência, durante o último ano, o(a) Sr.(a) não conseguiu cumprir com algum compromisso por causa da bebida?(c) 1.779 (96,84) 38 (2,07) 11 (0,60) 7 (0,38) 2 (0,11) 6. Com que freqüência, durante o último ano, depois de ter bebido muito, o(a) Sr.(a) precisou beber pela manhã para se sentir melhor?(c) 1.797 (97,88) 23 (1,25) 9 (0,49) 6 (0,33) 1 (0,05) 7. Com que freqüência, durante o último ano, o(a) Sr.(a) sentiu culpa ou remorso depois de beber?(c) 1.699 (92,49) 102 (5,55) 16 (0,87) 5 (0,27) 15 (0,82) 8. Com que freqüência, durante o último ano, o(a) Sr.(a) não conseguiu se lembrar do que aconteceu na noite anterior por causa da bebida?(c) 1.675 (91,23) 112 (6,10) 27 (1,47) 12 (0,65) 10 (0,54) 9. Alguma vez na vida o(a) Sr.(a) ou alguma outra pessoa já se machucou, se prejudicou por causa de o Sr.(a) ter bebido?(d) 1.661 (90,47) - 112 (6,10) - 63 (3,43) 10. Alguma vez na vida algum parente, amigo, médico ou outro profissional da saúde já se preocupou com o(a) Sr.(a) por causa de bebida ou lhe disse para parar de beber?(d) 1.727 (94,01) - 56 (3,04) - 54 (2,94) (a)0: nunca, 1: uma vez por mês ou menos, 2: duas a quatro vezes por mês, 3: duas a três vezes por semana, 4: quatro ou mais vezes por semana. (b)0: 1 ou 2 “doses”, 1: 3 ou 4 “doses”, 2: 5 ou 6 “doses”, 3: 7 a 9 “doses”, 4: 10 ou mais “doses”. (c)0: nunca, 1: uma vez por mês ou menos, 2: uma vez ao mês, 3: uma vez por semana, 4: todos os dias ou quase todos. (d)0: não, 2: sim, mas não no último ano, 4: sim, durante o último ano. Observa-se uma alta freqüência de adolescentes que bebem mais do que 1 vez por semana (16,45%), além do alto consumo de bebidas alcoólicas nas ocasiões Análise espacial do uso de álcool entre estudantes do ensino médio de Araraquara (SP) Sanches, P. M. A.; Mattara, F. P.; Melanda, E. A.; Campos, J. A. D. B. (2010) 53 em que bebem (13,69%), sendo que para 8,13% dos participantes esses episódios de abusos acontecem uma ou mais vezes ao mês. Dos entrevistados, 3,26% não foram capazes de controlar a quantidade de bebida a ser ingerida depois de começar pelo menos uma vez ou mais vezes ao mês e 1,09% não conseguiram cumprir seus compromissos pelo menos uma vez ou mais por mês. O fato de que 2,12% dos adolescentes afirmarem já ter precisado beber pela manhã para se sentir melhor e que 7,51% apresentarem o sentimento de culpa ou remorso depois de beber no último ano merece atenção. Outros acontecimentos também devem ser destacados, como a perda da memória em relação ao que aconteceu na noite anterior por causa da bebida (8,76%), o fato de ter se prejudicado ou prejudicado outra pessoa por causa do consumo de bebida alcoólica (9,53%) e o relato da preocupação de parentes, amigos e profissionais da saúde com você devido ao uso de álcool (5,93%). A classificação do consumo de álcool realizado pelos adolescentes segundo a proposta de Babor et al. (2001) encontra-se na Tabela 2. Tabela 2. Classificação do consumo de álcool por ponto e por intervalo de 95% de confiança (IC95%) segundo proposta de Babor et al. (2001). Araraquara, 2009. Sexo Masculino Feminino Classificação % IC95% % IC95% Abstêmio 53,73 50,25-57,20 50,96 47,93-53,99 Beber moderado 34,26 30,95-37,57 41,78 38,79-44,77 Beber de risco 9,73 7,67-11,80 4,97 3,65-6,29 Beber de alto risco 1,64 0,76-2,53 1,72 0,93-2,51 Possível dependência 0,63 0,08-1,18 0,57 0,12-1,03 Total 100,00 100,00 Análise espacial do uso de álcool entre estudantes do ensino médio de Araraquara (SP) Sanches, P. M. A.; Mattara, F. P.; Melanda, E. A.; Campos, J. A. D. B. (2010) 54 Observa-se alta prevalência de consumo de bebidas alcoólicas pelos adolescentes, tanto do sexo masculino (46,27%; IC95%:42,80- 49,75) quanto feminino (49,04%; IC95%:46,01- 52,07). Houve maior prevalência de beber moderado entre as meninas e de beber de risco entre os meninos. Entre os 1.837 participantes obteve-se uma perda de 302 indivíduos no momento de captação dos pontos de referencial geográfico. Sendo assim, pode-se contabilizar 1.535 adolescentes, desses 791 eram abstêmios e, portanto, foram excluídos da amostra no estudo de associação e geoprocessamento para avaliar o risco do desenvolvimento de alcoolismo. O padrão de consumo de bebidas alcoólicas segundo as variáveis sócio- demográficas de interesse encontra-se na Tabela 3. Análise espacial do uso de álcool entre estudantes do ensino médio de Araraquara (SP) Sanches, P. M. A.; Mattara, F. P.; Melanda, E. A.; Campos, J. A. D. B. (2010) 55 Tabela 3. Padrão de consumo de bebidas alcoólicas segundo as variáveis sócio- demográficas de interesse. Araraquara, 2009. Padrão de consumoa Características G1 G2 Total χχχχ2 P Sexo Masculino Feminino 225 371 82 65 307 436 15,811 <0,001* Escolaridade do chefe da família Baixa Alta 265 332 67 80 332 412 0,068 0,795 Classe social A e B C, D e E 367 230 85 62 452 292 0,659 0,417 No de pessoas que moram em casa < 4 > 4 389 207 92 54 481 261 0,262 0,609 Seus pais tomam bebidas alcoólicas? Não Sim 217 380 37 110 254 490 6,555 0,010* Você segue alguma religião? Não Sim 137 460 51 96 188 556 8,618 0,003* Como é o relacionamento com seu Pai? Bom Regular/Ruim 394 123 110 23 504 146 2,565 0,109 Como é o relacionamento com sua Mãe? Bom Regular/Ruim 567 24 104 38 671 62 76,191 <0,001* Como é o relacionamento entre seus Pais? Bom Regular/Ruim 489 67 0 108 489 175 360,402 <0,001* Você pratica esporte? Não Sim 267 330 71 76 338 406 0,608 0,435 Você trabalha? Não Sim 417 180 109 38 526 218 1,053 0,305 aG1: beber moderado (abstêmio e beber moderado); G2: beber de risco (beber de risco, alto risco e possível dependência). *Diferença estatística significante para α=0,05. Houve associação significativa entre o padrão de consumo de bebida alcoólica e sexo, consumo de bebidas alcoólicas pelos pais, religião e relacionamento do adolescente com a mãe e entre os pais, sendo a maior prevalência de beber de risco para o sexo masculino, para os adolescentes cujos Análise espacial do uso de álcool entre estudantes do ensino médio de Araraquara (SP) Sanches, P. M. A.; Mattara, F. P.; Melanda, E. A.; Campos, J. A. D. B. (2010) 56 pais fazem uso de bebidas alcoólicas e que possuem um relacionamento regular/ruim com seus pais. Ressalta-se também, o efeito protetor da religião e do bom relacionamento do adolescente com a mãe no comportamento de beber de risco. A Tabela 4 apresenta o modelo de regressão logística múltipla para as variáveis que apresentaram associação com o consumo de bebida alcoólica ou p<0,15. Tabela 4. Análise de regressão logística múltipla das variáveis relacionadas à probabilidade de desenvolvimento de alcoolismo entre os adolescentes. Araraquara, 2009. Variáveis Coeficiente ORa IC95% b p Intercepto -1,898 Sexo masculino 0,725 2,064 1,420-3,002 0,0001* Pais tomam bebidas alcoólicas 0,570 1,769 1,163-2,691 0,0077* Religião -0,472 0,624 0,417-0,934 0,0218* Relacionamento com o pai -0,244 0,783 0,465-1,320 0,3589 Relacionamento com a mãe 0,842 2,320 1,262-4,265 0,0067* Relacionamento entre os pais 0,239 1,271 0,801-2,015 0,3088 aOR: odds ratio. bIC95%: intervalo de 95% de confiança. *Diferença estatística significante para α=0,05. Nota-se que a probabilidade de beber de risco foi aproximadamente 2 vezes maior em adolescentes do sexo masculino, 1,8 vezes maior para os adolescentes que os pais consomem bebidas alcoólicas e 2,3 vezes maior em adolescentes que têm relacionamento regular/ruim com a mãe. A presença de religião atuou como fator de proteção (OR=0,624). A distribuição da localização geográfica dos estudantes na amostra completa (n = 1.535) e excluindo-se os abstêmios (n = 744) encontra-se na Figura 1. A ná lis e es pa ci al d o us o de á lc oo l e nt re e st ud an te s do e ns in o m éd io d e A ra ra qu ar a (S P ) S an ch es , P . M . A .; M at ta ra , F . P .; M el an da , E . A .; C am po s, J . A . D . B . ( 20 10 ) 57 F ig ur a 1. D is tr ib ui çã o es pa ci al d e to do s os p ar tic ip an te s do e st ud o (A ) e do s pa rt ic ip an te s qu e co ns um ia m b eb id as al co ól ic as ( B ). A ra ra qu ar a, 2 00 9. A B Análise especial do uso de álcool entre estudantes do ensino médio de Araraquara (SP) Sanches, P. M. A.; Mattara, F. P.; Melanda, E. A.; Campos, J. A. D. B. 57 Análise espacial do uso de álcool entre estudantes do ensino médio de Araraquara (SP) Sanches, P. M. A.; Mattara, F. P.; Melanda, E. A.; Campos, J. A. D. B. (2010) 58 Observa-se que o número e a distribuição dos adolescentes que afirmaram consumir bebidas alcoólicas (Figura 1B) é representativa em todo território urbano de Araraquara. A probabilidade de desenvolvimento de alcoolismo entre os adolescentes não apresentou dependência espacial o que pode ser constatado no semivariograma experimental apresentado na Figura 2. Distância (m) γγγγ Distância (m) γγγγ Figura 2. Semiraviograma experimental para a probabilidade de desenvolvimento de alcoolismo. Araraquara, 2009. Nota-se efeito pepita puro, ou seja, existe completa ausência de correlação espacial entre os pontos amostrados. Nesse caso, não se podem identificar agrupamentos, assim, as amostras não podem ser diferenciadas apenas por sua Análise espacial do uso de álcool entre estudantes do ensino médio de Araraquara (SP) Sanches, P. M. A.; Mattara, F. P.; Melanda, E. A.; Campos, J. A. D. B. (2010) 59 localização no espaço. Isso implica que a ocorrência de alcoolismo em adolescentes não é uma variável regionalizada, sendo assim, seus valores não possuem dependência espacial direta. Com a hipótese nula de dependência espacial para a probabilidade de desenvolvimento de alcoolismo entre os adolescentes, elaborou-se a LISA Map (Índice Local de Associação Espacial) indicando as regiões que apresentam correlação local significativamente diferente (Figura 3). Figura 3. Mapa de significância da associação espacial, LISA Map para o desenvolvimento de alcoolismo em adolescentes, considerando α=0,05. Araraquara, 2009. Análise espacial do uso de álcool entre estudantes do ensino médio de Araraquara (SP) Sanches, P. M. A.; Mattara, F. P.; Melanda, E. A.; Campos, J. A. D. B. (2010) 60 Observa-se a existência de pequenas regiões com padrões espaciais locais, que podem ser vistas por bolsões de não-estacionariedade. Essas áreas apresentam dinâmica espacial própria e merecem análise individual e detalhada. DISCUSSÃO O importante consumo de bebidas alcoólicas por adolescentes demanda a realização de estudos com adequada confiabilidade e validade interna e externa para caracterização desse consumo e sua associação com variáveis de interesse. Assim, realizou-se esse trabalho com intuito de apresentar dados significativos para o conhecimento da realidade da cidade de Araraquara (SP). A validade externa desse estudo pode ser constatada pela observação da Figura 1. Na Tabela 1 pode-se observar uma alta freqüência de adolescentes que bebem mais do que 1 vez por semana, o que representa quase duas vezes mais do que o encontrado por Laranjeira et al. (2007). Esses dados merecem destaque, considerando que a quase totalidade desses jovens não possui idade mínima legal para aquisição de bebidas alcoólicas. O sentimento de culpa ou remorso depois de beber e a perda de memória por causa da bebida alcoólica são conseqüências do uso exagerado de bebidas alcoólicas relatadas que vão ao encontro do observado em estudos realizados com estudantes como o de McKinnon et al. (2004) em El Paso (Texas), Vieira et al. (2007) no município de Paulínia, Martins et al. (2008) no interior de São Paulo e Almeida (2009) na cidade de Passos. A alta prevalência do consumo de álcool entre os adolescentes (Tabela 2) é apontado na literatura nacional (ALAVARSE; CARVALHO, 2006; ALMEIDA, 2009; GALDURÓZ et al., 2005; SOUZA; ARECO; SILVEIRA FILHO, 2005; VIEIRA et al., 2007) e internacional (ANDERSEN et al., 2003; GALLEGO et al., 2005; LÓPEZ et al. Análise espacial do uso de álcool entre estudantes do ensino médio de Araraquara (SP) Sanches, P. M. A.; Mattara, F. P.; Melanda, E. A.; Campos, J. A. D. B. (2010) 61 2001; MCCOY et al., 2010; REBOUSSIN et al., 2006) o que insere esse comportamento entre os problemas de saúde pública de maior destaque. O comportamento de consumo de álcool entre adolescentes foi distinto segundo sexo, sendo que as meninas apresentaram maior prevalência de beber moderado e os meninos de beber de risco (Tabela 2) resultado semelhante ao observado por Galduróz et al. (2005), Horta et al. (2007), Laranjeira et al. (2007), Garcia e Costa (2008). Apesar das peculiaridades inerentes ao sexo, chama atenção a mudança ou aproximação dos hábitos de consumo de bebidas alcoólicas entre meninos e meninas, que vem ocorrendo paulatinamente, sinalizando mudanças no cenário atual. A aproximação do consumo de bebidas alcoólicas entre os sexos é preocupante uma vez que fisiologicamente o sexo feminino, possui características que favorecem dependência química com menores quantidades de álcool havendo maior efeito deletério ao organismo quando comparado a indivíduos do sexo masculino (MESSAS; VALLDA FILHO, 2004). Cabe destacar que os adolescentes estão mais expostos que os demais grupos populacionais ao desenvolvimento de comportamento de beber de risco, devido a expressão de características como o desafio a regras, busca de autonomia e onipotência (GORGULHO; DA ROS, 2006), o que poderá acarretar sérios prejuízos no seu desenvolvimento (BROWN et al., 2000; MCKINNON et al., 2004). Observou-se maior probabilidade de beber de risco entre os adolescentes do sexo masculino (Tabelas 3 e 4), o que corrobora com os achados de Colby et al. (2004), Almeida (2009), Galduróz et al. (2010) e Gomes, Alves e Nascimento (2010). Os adolescentes cujos pais fazem uso de bebidas alcoólicas apresentaram maior risco para o consumo de álcool, o que não foi observado por Almeida (2009). Entretanto, parece haver consenso sobre a associação significativa entre o risco de Análise espacial do uso de álcool entre estudantes do ensino médio de Araraquara (SP) Sanches, P. M. A.; Mattara, F. P.; Melanda, E. A.; Campos, J. A. D. B. (2010) 62 consumo de bebidas alcoólicas e o relacionamento do adolescente com a mãe (GALDURÓZ et al., 2005; ALMEIDA, 2009; GALDURÓZ et al., 2010). Este fato pode ser explicado segundo Schenker e Minayo (2004) por ser a figura materna altamente representativa no núcleo familiar, sendo geralmente, a principal responsável pela transmissão de valores vigentes na sociedade bem como pelas trocas afetivas que podem ser decisórias no modo de ser e agir dos indivíduos. Com relação à religião, pode-se observar seu efeito protetor no que diz respeito ao comportamento de beber de risco. Fato análogo foi encontrado por Dalgalarrondo et al., (2004), Stylanous (2004), Galduróz et al. (2005), Kozaryn- Okulicz e Borucka (2008), Martins et al. (2008), Strauch et al. (2009), Galduróz et al. (2010). A inex