UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS CAIO MENDES GUIMARÃES MARCONDES MACHADO TRANSTORNOS MENTAIS E COMPORTAMENTAIS DECORRENTES DO CONTEXTO LABOR-AMBIENTAL: CONTRIBUIÇÕES DO NEXO TÉCNICO EPIDEMIOLÓGICO PREVIDENCIÁRIO PARA A PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL DO TRABALHADOR FRANCA 2022 CAIO MENDES GUIMARÃES MARCONDES MACHADO TRANSTORNOS MENTAIS E COMPORTAMENTAIS DECORRENTES DO CONTEXTO LABOR-AMBIENTAL: CONTRIBUIÇÕES DO NEXO TÉCNICO EPIDEMIOLÓGICO PREVIDENCIÁRIO PARA A PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL DO TRABALHADOR Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Direito da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” como parte das exigências para obtenção do título de Mestre em Direito. Área de concentração: Sistemas normativos e fundamentos da cidadania. Orientador: Prof. Dr. Victor Hugo de Almeida FRANCA 2022 CAIO MENDES GUIMARÃES MARCONDES MACHADO TRANSTORNOS MENTAIS E COMPORTAMENTAIS DECORRENTES DO CONTEXTO LABOR-AMBIENTAL: CONTRIBUIÇÕES DO NEXO TÉCNICO EPIDEMIOLÓGICO PREVIDENCIÁRIO PARA A PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL DO TRABALHADOR Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” como parte das exigências para obtenção do título de Mestre em Direito. Área de concentração: Sistemas normativos e fundamentos da cidadania. BANCA EXAMINADORA Presidente: Prof. Dr. Victor Hugo de Almeida 1º Examinador: Prof. Associado Daniel Damasio Borges 2º Examinadora: Profa. Dra. Olivia de Quintana Figueiredo Pasqualeto Franca, 13 de abril de 2022. AGRADECIMENTOS Primeiramente, agradeço a Deus pela oportunidade de estar aqui. Agradeço à minha mãe, Edna, por toda dedicação, amor e carinho. Agradeço ao meu pai, Fernando, que me ensinou a trilhar os caminhos da vida no rumo da bondade, da ética e do esforço, me apresentando também a árdua, mas relevante luta que é o Direito do Trabalho. Agradeço à minha irmã, Anaí, por toda a amizade e companheirismo. Agradeço aos meus avós, Minervino, Isabel e Magda, que me ensinaram a seguir o caminho da bondade e da simplicidade. Agradeço ao meu irmão de vida, Thales, pela sincera amizade. Agradeço aos grandes amigos e amigas que a vida me deu, tornando-a mais leve e boa de se viver. Agradeço ao Dr. José Bento Vaz, que me apresentou o tema que serviu de inspiração para o presente trabalho. Agradeço à Profa. Dra. Yvete Flávio da Costa, a quem sou eternamente grato por me apresentar a vida acadêmica e que, infelizmente, não pôde presenciar a conclusão deste mestrado. Agradeço ao Prof. Dr. Victor Hugo de Almeida, a quem sou eternamente grato por ter me acolhido em um momento de tantas incertezas, e que, com muita dedicação, paciência e cuidado, me guiou por todo este mestrado da melhor forma possível. E, por fim, agradeço à UNESP, incluindo professores e funcionários, por estes 7 anos de formação, contando graduação e mestrado, bem como pelo desempenho de papel tão fundamental na sociedade. “Destino não é uma questão de sorte, mas uma questão de escolha; não é uma coisa que se espera, mas que se busca” William Jennings Bryan LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Transtornos mentais e comportamentais relacionados ao contexto labor-ambiental, a partir do exame do NTEP .................................................................................. 49 Quadro 2 – Aspectos do contexto laboral relacionados ao desencadeamento de transtornos mentais e comportamentais arrolados na CID-10 (F00-F99) ............................. 98 Quadro 3 – Transtornos mentais e comportamentais relacionados ao contexto labor-ambiental, porém, não previstos no Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário ........... 151 Quadro 4 – Medidas preventivas para a manutenção do equilíbrio labor-ambiental e para o afastamento de transtornos mentais e do comportamento, com base na análise do tópico 4.4 .......................................................................................................... 155 RESUMO MACHADO, Caio Mendes Guimarães Marcondes. Transtornos mentais e comportamentais decorrentes do contexto labor-ambiental: contribuições do nexo técnico epidemiológico previdenciário para a promoção da saúde mental do trabalhador. Orientador: Victor Hugo de Almeida. 2022. 201 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2022. Dentre as doenças ocupacionais previstas na legislação brasileira, destacam-se nesta pesquisa as denominadas mentais e comportamentais, as quais podem ser desencadeadas por algum fator labor-ambiental, culminando no adoecimento mental do trabalhador. Acompanhando as modernizações sociais e as consequentes inovações em relação ao cenário laboral, a concepção de meio ambiente do trabalho também sofreu diversas mudanças ao longo do tempo. Atualmente, a partir da perspectiva labor-ambiental, observa-se que o locus laboral contempla muito mais do que o espaço físico de trabalho, abarcando um conjunto de fatores psicológicos, sociais, políticos, geográficos, entre outros, os quais influenciam dinâmica e constantemente a saúde do trabalhador. Não bastasse, as novas formas de trabalho e o processo de flexibilização do Direito do Trabalho, a partir da Lei nº 13.467/2017, influenciam diretamente na matéria em questão, de modo a ressignificar o entendimento de trabalho e sua inter-relação com o trabalhador. Assim, propõe o presente estudo identificar os transtornos mentais e do comportamento (CID-10 F00-F99) relacionados ao contexto labor-ambiental a partir do exame do Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário, bem como analisar quais aspectos labor-ambientais relacionam-se com tais transtornos, favorecendo, assim, aventar medidas preventivas para a manutenção do equilíbrio labor-ambiental e para a preservação da saúde mental do trabalhador. Para tanto, será adotado, como método de procedimento, o levantamento por meio da técnica de pesquisa bibliográfica em materiais publicados; e, como método de abordagem, o dedutivo, visando, a partir da noção de meio ambiente do trabalho e do exame dos transtornos mentais e do comportamento afetos ao contexto labor-ambiental, conforme a CID-10 (F00-F99) e o NTEP, identificar aspectos labor-ambientais relacionados a esses transtornos, bem como medidas preventivas para a manutenção do equilíbrio do meio ambiente do trabalho e para a preservação da saúde mental do trabalhador. Conclui-se que o NTEP é um importante instrumento de promoção da saúde mental do trabalhador, tendo em vista a sua capacidade de sanar, em muitos casos, adversidades enfrentadas pelos trabalhadores, principalmente na caracterização dos transtornos mentais e de comportamento como decorrentes do contexto labor-ambiental. No entanto, as medidas preventivas, capazes de promover a saúde mental do trabalhador e um meio ambiente do trabalho equilibrado, ainda devem ser implantadas. Palavras-chave: meio ambiente do trabalho; Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário; saúde mental do trabalhador. ABSTRACT MACHADO, Caio Mendes Guimarães Marcondes. Mental and behavioral disorders resulting from the labor environmental context: contributions of the social security epidemiological technical nexus for the promotion of workers' mental health. Advisor: Victor Hugo de Almeida. 2022. 201 f. Dissertation (Master of Law) – Faculty of Humanities and Social Science, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2022. Among the occupational diseases provided for in Brazilian legislation, the so-called mental and behavioral diseases stand out in this research, which can be triggered by some labor- environmental factor, culminating in the worker's mental illness. Following social modernization and the consequent innovations in relation to the work scenario, the conception of the work environment has also undergone several changes over time. Currently, from the labor-environmental perspective, it is observed that the labor locus contemplates much more than the physical workspace, encompassing a set of psychological, social, political, geographic factors, among others, which dynamically and constantly influence worker's health. As if it were not enough, the new forms of work and the process of flexibilization of Labor Law, from Law nº 13.467/2017, directly influence the matter in question, to re-signify the understanding of work and its interrelation with the worker. Thus, the present study proposes to identify mental and behavioral disorders (CID-10 F00-F99) related to the labor- environmental context from the examination of the Social Security Epidemiological Technical Nexus, as well as to analyze which labor-environmental aspects are related to such disorders, thus favoring the devising of preventive measures for the maintenance of the work- environmental balance and for the preservation of the worker's mental health. For that, it will be adopted, as a method of procedure, the survey through the technique of bibliographic research in published materials; and, as a method of approach, the deductive one, aiming, from the notion of the work environment and the examination of mental disorders and behavior related to the work-environmental context, according to the ICD-10 (F00-F99) and the NTEP, to identify labor-environmental aspects related to these disorders, as well as preventive measures to maintain the balance of the work environment and to preserve the worker's mental health. It is concluded that the NTEP is an important instrument for promoting workers' mental health, given its ability to remedy, in many cases, adversities faced by workers, mainly in the characterization of mental and behavioral disorders as resulting from the labor environmental context. However, preventive measures capable of promoting worker mental health and a balanced work environment must still be implemented. Keywords: work environment; Social Security Epidemiological Technical Nexus; worker's mental health. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 13 2 OBJETIVO E PROCEDIMENTO METODOLÓGICO ................................................. 22 2.1 Objetivo geral .................................................................................................................... 22 2.2 Objetivos específicos ......................................................................................................... 22 2.3 Problematização................................................................................................................ 22 2.4 Procedimento metodológico ............................................................................................. 23 3 OS TRANTORNOS MENTAIS E COMPORTAMENTAIS (CID-10 F00-F99) RELACIONADOS AO CONTEXTO LABOR-AMBIENTAL A PARTIR DO EXAME DO NEXO TÉCNICO EPIDEMIOLÓGICO PREVIDENCIÁRIO ........ 25 3.1 Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID) ...................................................................................................................... 25 3.2 CID-10 (F00-F99): Transtornos mentais e comportamentais ...................................... 28 3.2.1 Transtornos mentais e comportamentais: dados estatísticos do problema ..................... 33 3.2.2 Transtornos mentais e comportamentais no trabalho: dados estatísticos do problema . 39 3.3 Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário: conceito e previsão legal .................... 44 3.4 Transtornos mentais e comportamentais (CID-10 F00-F99) relacionados ao contexto labor-ambiental e previstos no Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário .......... 47 3.4.1 Transtornos mentais e comportamentais previstos na Lista B do Anexo II do Decreto nº 3.048/1999 ................................................................................................................................ 51 3.4.1.1 Item VI: transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso do álcool: Alcoolismo Crônico (relacionado com o Trabalho) - (F10.2) ....................................................................52 3.4.1.2 Item VIII: reações ao “stress” grave e transtornos de adaptação (F43.-): estado de “stress” pós-traumático - (F43.1) ...........................................................................................54 3.4.1.3 Item X: outros transtornos neuróticos especificados (inclui “neurose profissional”) - (F48.8) ......................................................................................................................................54 3.4.1.4 Item XI: transtorno do ciclo vigília-sono devido a fatores não-orgânicos - (F51.2) ..56 3.4.1.5 Item XII: sensação de estar acabado (“Síndrome de Burn-Out”, “Síndrome do Esgotamento Profissional”) - (Z73.0) .....................................................................................57 3.4.2 Transtornos mentais e comportamentais previstos na Lista C do Anexo II do Decreto nº 3.048/1999 ................................................................................................................................ 58 3.4.2.1 Intervalo F10-F19: transtornos mentais e de comportamento decorrentes do uso de substância psicoativa .............................................................................................................. 59 3.4.2.2 Intervalo F20-F29: esquizofrenia, transtornos esquizotípico e delirantes .................. 61 3.4.2.3 Intervalo F30-F39: Transtornos do humor (afetivos) ................................................. 62 3.4.2.4 Intervalo F40-F48: transtornos neuróticos, relacionados ao estresse e somatoformes 64 4 ASPECTOS LABOR-AMBIENTAIS RELACIONADOS AOS TRANSTORNOS MENTAIS E COMPORTAMENTAIS (CID-10 F00-F99) ........................................ 68 4.1 O desenvolvimento da noção de meio ambiente do trabalho ....................................... 68 4.2 A Teoria da Perspectiva Labor-ambiental: aspectos do meio ambiente do trabalho 81 4.2.1 Teoria da Perspectiva Labor-ambiental: princípios, aspectos e fatores ........................ 82 4.2.2 Meio ambiente do trabalho equilibrado e saúde mental do trabalhador ....................... 87 4.3 Desequilíbrio labor-ambiental: transtornos mentais e comportamentais relacionados ao trabalho ........................................................................................................................ 90 4.4 Aspectos do contexto laboral relacionados ao desencadeamento de transtornos mentais e comportamentais arrolados na CID-10 (F00- F99) ...................................... 96 5 O NEXO TÉCNICO EPIDEMIOLÓGICO PREVIDENCIÁIO E A SAÚDE MENTAL DO TRABALHADOR .............................................................................. 104 5.1 Consequências legais do adoecimento mental no trabalho ......................................... 104 5.1.1 Consequências previdenciárias ..................................................................................... 105 5.1.2 Consequências na configuração da relação de emprego .............................................. 108 5.1.3 Consequências relacionadas à responsabilidade civil ao empregador ........................ 109 5.2 A dificuldade de caracterização dos transtornos mentais e comportamentais laborais mediante comprovação do nexo de causalidade .......................................................... 110 5.2.1 CAT e perícias técnicas: dificuldade de estabelecimento do nexo causal entre os transtornos mentais e de comportamento e o contexto labor-ambiental ............................... 115 5.3 Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário: funcionalidade jurídica e prática na caracterização dos transtornos mentais e de comportamento decorrentes do contexto labor-ambiental .............................................................................................................. 121 5.3.1 Listas B e C do Anexo II do Decreto nº 3.048/99: Contribuições do NTEP no estabelecimento do Nexo de Causalidade entre TMC e o contexto labor-ambiental ............ 123 5.3.2 O controle sobre a subnotificação dos TMC ocupacionais: dados estatísticos do NTEP ................................................................................................................................................ 129 5.3.3 A influência do NTEP na perícia técnica ...................................................................... 131 5.4 A ADI nº 3.931 e a (in)constitucionalidade do Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário ................................................................................................................. 137 6 NEXO TÉCNICO EPIDEMIOLÓGICO PREVIDENCIÁRIO: CONTRIBUIÇÕES PARA A TUTELA DA SAÚDE MENTAL DO TRABALHADOR NA PERSPECTIVA PREVENTIVA ................................................................................ 141 6.1 Contribuições da Teoria da Perspectiva Labor-Ambiental para com o Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário ..................................................................................... 141 6.2 NTEP como instrumento promotor do meio ambiente do trabalho equilibrado ..... 146 6.3 Transtornos mentais e comportamentais (CID-10 F00-F99) relacionados ao contexto labor-ambiental não previstos no Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário .... 148 6.4 Medidas preventivas para a manutenção do equilíbrio labor-ambiental e para a preservação da saúde mental do trabalhador.............................................................. 153 6.4.1 Vigilância e monitoramento dos trabalhadores ............................................................ 158 6.4.2 Identificação e controle dos fatores de risco................................................................. 159 6.4.3 Limitação da quantidade de trabalho ........................................................................... 161 6.4.4 Maior controle do trabalhador sobre o desempenho de seu trabalho .......................... 162 6.4.5 Condições que elevam o bem-estar no desempenho do trabalho .................................. 163 6.4.6 Repouso adequado ......................................................................................................... 165 6.4.7 Comunicação e integração entre gestores e trabalhadores .......................................... 166 6.4.8 Controle sobre acidentes e atividades insalubres e perigosas ...................................... 167 6.4.9 Propiciar um meio ambiente do trabalho com respeito mútuo entre todos .................. 168 6.4.10 Cumprimento das obrigações legais pelo empregador ............................................... 169 6.4.11 Educação ..................................................................................................................... 170 6.4.12 Disponibilização de tratamentos físicos e psicológicos .............................................. 172 6.4.13 Atuação efetiva de agentes exteriores ......................................................................... 174 6.4.14 Desenvolvimento de uma cultura nacional de prevenção no trabalho ....................... 175 CONCLUSÃO ....................................................................................................................... 178 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 183 13 1 INTRODUÇÃO No cenário contemporâneo do trabalho, marcado pela Revolução das Tecnologias da Informação e da Comunicação, as novas formas de trabalho orientadas a partir das modernizações presentes na sociedade desencadeiam, consequentemente, o surgimento de doenças que não ocorriam com tanta frequência. É evidente que a exploração do trabalho pelo empregador sempre ocorreu, no entanto, o desenvolvimento das tecnologias e as modificações em relação ao meio ambiente do trabalho podem desencadear tais moléstias, principalmente as psicológicas e psiquiátricas, como estresse, episódios depressivos, Burnout e o uso exagerado de álcool (SADY, 2008). As novas formas de produção, difundidas na atual sociedade, baseiam-se em valores como a economia de mercado, a livre iniciativa e o acúmulo de capital, utilizando, como alicerce, a crescente evolução da produção industrial e a aceleração dos sistemas de produção. Assim, é notório que os objetivos de produção em massa, de diminuição de custos e de concentração de lucros preteriu princípios protetores do trabalhador, dentre eles a saúde e a dignidade da pessoa humana. Como consequência, observa-se a degradação da qualidade de vida e da saúde de considerável massa dos trabalhadores, resultando, principalmente, em doenças ocupacionais que surgem em meio à esta deterioração de direitos (PADILHA, 2011). Por conseguinte, os transtornos mentais e do comportamento (TMC) são cada vez mais presentes no mundo do trabalho (TST, 2016). Diversos aspectos das novas formas de produção afetam de maneira negativa a saúde do trabalhador, como a intensificação do ritmo laboral, a cobrança de produtividade, a estrutura hierárquica assimétrica, além da precarização das condições de trabalho (ALMEIDA, 2021), sendo que, do mesmo modo, aspectos organizacionais do trabalho também oferecem riscos aos trabalhadores inseridos, sendo estes rotinas, falta de intervalos, desequilíbrio entre esforço e recompensa, penosidade do trabalho, dedicação ostensiva ao trabalho, falta de transparência nos critérios de promoção e reconhecimento e período de trabalho noturno (ALMEIDA, 2021). Ademais, de acordo com Kátia Macêdo, a intensa competição e o uso significativo das novas tecnologias tonam-se fatores de risco ao adoecimento psíquico, pois torna o trabalhador constantemente conectado com a sua função (TST, 2016). Em um contexto mais amplo, algumas alterações merecem ser igualmente consideradas como influenciadoras da saúde mental dos trabalhadores. Transformações contemporâneas do contexto laboral, como a desregulamentação, a flexibilização e a terceirização são expandidas no mundo empresarial, como evidência da valorização do capital 14 em detrimento da força laboral (ANTUNES apud FLACH; GRISCI; SILVA; MANFREDINI, 2009). O progresso das tecnologias e a consequente nova organização do trabalho, de forma contrária do que se acreditava, não ofereceram medidas menos penosas de trabalho. Pelo contrário, inclusive. A acentuação das desigualdades e da justiça social trouxeram complexas formas de sofrimento psíquico (LANCMAN; SZNELWAR, 2005). Assim, os desígnios neoliberais, como o sistema just in time, reestruturam a produção e aprofundam a precarização das condições do trabalho no Brasil, resultando em diversas doenças mentais e inclusive em suicídio (ANTUNES; PRAUN, 2015). Neste mesmo sentido, o Ministério da Saúde (2001) estabelece que a intensificação do trabalho, a adoção das novas tecnologias no desempenho do labor e a instabilidade no emprego são fatores capazes de provocar sofrimentos, estresse e, inclusive, adoecimentos mentais. As péssimas condições de trabalho, cada vez mais presentes na atualidade, são determinantes para o desenvolvimento de um intenso sofrimento psíquico-mental e, consequentemente, o desenvolvimento da depressão (DEJOURS, 1992). A busca maníaca pela produtividade na presente economia de mercado, levam os trabalhadores à estafa mental, provocando também sintomas depressivos de forma constante (RÜDIGER, 2014). Desta forma, diante dos aspectos presentes, a depressão como doença ocupacional já representa uma realidade atual (GARCIA, 2009), uma vez que, desde o fim do século XX, vem se tornando uma verdadeira doença da época, principalmente nas sociedades industriais mais avançadas (ROUDINESCO; PLON, 1998). Além da depressão, outras doenças mentais e comportamentais desenvolvidas pelas novas formas de produção e do trabalho também são comuns no cenário brasileiro. Dentre elas, a Síndrome de Burnout (FRANÇA; OLIVEIRA; LIMA; MELO; SILVA, 2014), a ansiedade e o estresse (ANAMT, 2017) e, inclusive, casos de assédio moral, recorrentes no contexto labor-ambiental (ALMEIDA; DUARTE, 2015). A própria Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2013) defende que as mudanças atuais da organização do trabalho são determinantes no adoecimento mental do trabalhador, acarretando, inclusive, em uso excessivo de álcool e drogas, sendo, inclusive, a motivação para o suicídio. Portanto, conforme explica Norma Sueli Padilha (2011), os conflitos prejudiciais aos trabalhadores permanecem os mesmos desde a Revolução Industrial até a presente Revolução Tecnológica. A lógica de produção e o desenvolvimento do capital, em detrimento do trabalho 15 digno, apropriam a riqueza gerada pela sociedade (FRANCO; DRUCK; SELIGMANN- SILVA, 2010), sem qualquer preocupação com a saúde do trabalhador. Deste modo, desde a Revolução Industrial, o Direito do Trabalho vem se desenvolvendo. Por consequência da modernização da sociedade, da expansão da economia de mercado e do progresso das novas tecnologias, o mercado de trabalho sofre frequentes transformações. Como resultado, tanto a legislação como o meio ambiente do trabalho foram suscetíveis também às diversas modificações. (ALMEIDA; COSTA, 2017). Acreditava-se, em um primeiro momento, que o meio ambiente do trabalho era limitado apenas ao local físico disponível para que os trabalhadores pudessem exercer sua profissão, resumindo-se, portanto, ao prédio, às instalações e aos equipamentos. No entanto, tal conceituação foi superada. (ALMEIDA, 2013). Conquanto o art. 3º, inciso I, da Lei nº 6.938/1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, defina apenas o meio ambiente humano, como “[...] o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas” (BRASIL, 1981), a doutrina pátria, com fundamento nos artigos 225 e 200, inciso VIII, da Constituição Federal de 1988, concebe o meio ambiente do trabalho como uma das quatro manifestações ambientais (ALMEIDA; SOUZA, 2014). O espaço destinado ao labor é concebido, então, não só pelo arranjo físico, mas pelo conjunto de relações presentes diariamente em cada tipo de ocupação, tanto em uma esfera macro, quanto microssistêmica. Ou seja, o trabalhador, que também faz parte do meio ambiente do trabalho, sofre influência de diversos aspectos contextuais, incluindo os arquitetônicos, geográficos, psicológicos, organizacionais, culturais, políticos, etc. Trata-se da teoria da perspectiva labor-ambiental (ALMEIDA, 2013), a ser explanada ao longo deste trabalho e que servirá de base para a análise proposta. Portanto, como qualquer outra manifestação ambiental, a proteção e a defesa do meio ambiente do trabalho cabem a toda coletividade, bem como ao Poder Público, conforme determina o art. 225 da Constituição Federal de 1988. No entanto, mesmo diante da previsão legal destinada à manutenção do equilíbrio do meio ambiente do trabalho e à preservação da saúde do trabalhador, não são raros os casos de transtornos mentais e comportamentais relacionados a esse contexto. Tais prejuízos à saúde podem ser definidos como moléstia produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho 16 peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo extinto Ministério do Trabalho e da Previdência Social (BRASIL, 1991). Os motivos desencadeadores das doenças ocupacionais são diversos: falta de efetividade das normas protetoras, instabilidade do emprego, deficiência de formação técnica, falta de conscientização do trabalhador, carência do sistema de inspeção do trabalho, impunidade dos infratores, precariedade da estrutura dos órgãos fiscalizadores, a atual flexibilização trabalhista e o crescimento do mercado informal, etc. (ALMEIDA; GONÇALVES; COSTA, 2013). As doenças ocupacionais, portanto, podem se desenvolver de diversas formas. Todavia, a presente abordagem focalizará apenas nos transtornos mentais e comportamentais previstos na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID), no índice de F00 a F99. Tal delimitação se justifica pelos dados estatísticos divulgados em pesquisas, principalmente quanto aos Transtornos Depressivos (F33 e F32) e aos Transtornos Ansiosos (F41). A Organização Mundial de Saúde (OMS) divulgou, em 2019, que o Brasil apresentava 12 milhões de casos depressivos no país, sendo a segunda maior taxa da doença em todo o continente americano, atrás apenas dos EUA. A estimativa de pessoas que tiveram, têm ou terão a doenças chega a 25% da população. Além disso, 19,4 milhões de brasileiros (9,3% do total) sofrem de ansiedade, sendo a maior taxa do mundo (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE MEDICINA DO TRABALHO, 2019). Neste ano, a OMS afirma que 121 milhões de pessoas sofrerão com a doença e, destas, 17 milhões serão no Brasil (MACÊDO; MACHADO; RAMOS, 2015). No contexto laboral, tais informações também são preocupantes, uma vez que a causa de diversas doenças mentais e comportamentais se dão pelo desempenho do trabalho e das más condições em seu meio ambiente. Entre 2014 e 2017, os transtornos mentais e do comportamento foram a terceira maior causa de afastamento entre os trabalhadores brasileiros (ALMEIDA, 2021). Já em 2019, 115 trabalhadores foram vítimas de acidente do trabalho a cada 15 segundos, em decorrência de sofrimento psíquico causado pelo trabalho no Brasil (MELO, 2019). Além disso, a OMS estima que, neste ano de 2020, a depressão seja a maior causa de incapacidade para o trabalho, tornando-se, de acordo com a própria Organização, uma pandemia (BROMET, 2011). Em conjunto com os Transtornos Depressivos e Ansiosos, a chamada Síndrome de Burnout, que, em 1º de janeiro de 2022, passou a vigorar como doença ocupacional na 11ª 17 Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID- 11) (WHO, 2022) também apresenta números impactantes. De acordo com a Associação Nacional de Medicina do Trabalho, 32% dos brasileiros no mercado de trabalho sofrem com a doença, sendo que destes, 92% continuam trabalhando nestas condições de estresse elevado (ANAMAT, 2019). Como uma das consequências das frequentes doenças mentais ocasionadas pelo contexto labor-ambiental, tem-se o elevado número de casos de afastamento, sendo que destes, a maioria excede 100 dias. Pesquisas da Previdência Social apontam que, a cada ano, mais de 200 mil trabalhadores são afastados de suas atividades devido a transtornos mentais e comportamentais, e destacam que, nos últimos dez anos, a concessão de auxílio-doença acidentário devido a tais males aumentou em quase em 20 vezes (ANAMAT, 2019). No ano passado, os transtornos mentais e comportamentais representaram a terceira maior causa de afastamento do trabalho no Brasil, com uma taxa de 9,6% do total de auxílio-doença concedidos (ANAMATRA, 2020) e, em 2011, foram responsáveis por 211 milhões de reais gastos pela concessão de novos benefícios previdenciários (USP, 2013). Ademais, cumpre destacar que as doenças mentais e comportamentais laborais, em casos mais sérios, são motivações para suicídios (TST, 2016). De acordo com a OMS, em 2012 o Brasil era o oitavo país com mais suicídios registrados no mundo, totalizando 11.821 mortes (MACÈDO; MACHADO; RAMOS, 2015). No entanto, a subnotificação das doenças ocupacionais pelas empresas ainda é frequente, retratando o fato de que tais números ainda podem ser muito maiores se divulgados de acordo com a realidade. Os transtornos depressivos responsáveis por afastamentos, mas não notificados, giram em torno de 70% a 80%, sendo que os casos de transtornos afetivos bipolares, episódios depressivos e crises de ansiedade, os percentuais de afastamentos enquadrados nessas categorias, mas não notificados pelos empregadores, foram de 83%, 76% e 62%, respectivamente (ANAMAT, 2019). Propõe-se, portanto, examinar a relação de tais transtornos com o contexto labor- ambiental, a partir do Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário (NTEP), instituído pela Lei nº 11.430, de 26 de dezembro de 2006, e ingressado no Regulamento da Previdência Social pelo Decreto nº 6.042, de 12 de fevereiro de 2007. O NTEP pode ser definido como a demonstração indicativa, a partir de estudos amplamente técnicos, além de mapeamentos e profundas análises empíricas, de quais doenças podem ser facilmente relacionadas ao tipo de 18 atividade laboral. Assim, conforme Garcia (2017), pode-se deduzir do NTEP se a doença apresentada pelo trabalhador foi desenvolvida pela atividade exercida. O NTEP prevê os transtornos mentais e do comportamento relacionados com o trabalho em seu Grupo V da CID-10; a maioria dos agentes etiológicos ou fatores de risco de natureza ocupacional enumerados no quadro são decorrentes da exposição de agentes químicos ou biológicos (BRASIL, 2007). No entanto, em alguns casos, tais enfermidades mentais e comportamentais se desenvolvem por causas distintas, como pressão psicológica do empregador, jornadas exorbitantes, alta pressão por resultados ou alguma outra característica específica da função; assim, o avanço tecnológico e da economia de mercado, bem como o não cumprimento das condições dignas de laboro, podem favorecer o adoecimento mental dos trabalhadores (MOTHÉ, 2006; SADY, 2008). Assim sendo, o NTEP mostra-se como um forte mecanismo de proteção ao trabalhador, posto que, embora caiba questionamento por meio de recurso interposto pelo empregador, consoante ao parágrafo 2º do art. 21-A da Lei nº 11.430/2006, a demonstração do nexo causal existente entre a doença desenvolvida pelo trabalhador e a sua atividade habitual é facilitada pelo NTEP, existindo, assim, a presunção de se tratar de uma doença ocupacional. Logo, a proposta de investigar os transtornos mentais e comportamentais (F00 à F99 da CID-10), sua previsão no NTEP, bem como sua relação com o cenário laboral a partir da Teoria da Perspectiva Labor-ambiental, permitiria aventar medidas preventivas. Ademais, o fenômeno a ser investigado também resulta em posições polêmicas e contrárias, principalmente no atual cenário jurídico e político, marcado pela Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017, a reforma trabalhista brasileira, que impulsionou a “modernização” ou “flexibilização”, cujos elementos estão diretamente relacionados à saúde do trabalhador; ainda, também em razão do questionamento da constitucionalidade do NTEP, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 3931, em trâmite perante o Supremo Tribunal Federal (STF). A delimitação da análise em relação aos transtornos mentais e do comportamento ocorre pela relevância e eminente necessidade de discussão de possíveis soluções para o problema das doenças mentais e comportamentais decorrentes do contexto labor-ambiental. Em primeiro lugar, pela alta incidência dessas enfermidades, resultando em graves consequências à saúde do trabalhador. Ademais, por possuir patente relação com as novas formas de produção e de tecnologias, os casos dessas doenças tendem, se não prevenidas ou 19 tratadas da forma correta, a aumentar progressivamente. Em segundo lugar, em razão da “flexibilização” e da “precarização” do trabalho, como fatores extremamente contributivos para a dilatação da quantidade destes casos. No entanto, mesmo sendo extremamente prejudicial, o problema dos TMC ocupacionais esbarra em diversas dificuldades. A identificação da doença, seu tratamento ou prevenção e a comprovação do nexo causal entre a enfermidade e o trabalho são exemplos dessas dificuldades. Assim, com extrema frequência, o sofrimento psicológico torna-se oculto e de difícil compreensão (BOUYER, 2010), sem contar o fato de que a subnotificação e o menosprezo dos empregadores diante de doenças mentais e comportamentais são características recorrentes no atual cenário do mercado de trabalho nacional (SILVA, 2004), negando o valor da proteção da saúde e da vida do trabalhador (FRANCO; DRUCK; SELIGMANN-SILVA, 2010). Ainda assim, por necessidade de sobrevivência, até mesmo o trabalho prejudicial à saúde é buscado pela população mais humilde (NAVARRO; PADILHA, 2007). Portanto, por diversos fatores intrínsecos à realidade do trabalhador brasileiro, os transtornos mentais e comportamentais decorrentes do contexto labor-ambiental tornam-se um tabu. Não obstante as normas de proteção ao trabalhador, principalmente os princípios dispostos na Constituição Federal, Norma Sueli Padilha alerta para a falta de eficácia social da legislação e de sua baixa aplicabilidade (PADILHA, 2011). Existe, portanto, uma carência no Brasil em relação à proteção da saúde mental do seu trabalhador. E, como afirma Norberto Bobbio (2004, p. 9), “[...] os direitos não nascem todos de uma vez. Nascem quando devem e podem nascer”. Ou seja, as normas do Direito do Trabalho, principalmente, são frutos da necessidade de um determinado setor da sociedade, sendo, posteriormente, regulamentadas e efetivadas na prática. Destarte, dado o contexto de proteção da saúde mental do trabalhador brasileiro, justifica-se a discussão do problema e de possíveis respostas a ele. Desta forma, busca-se identificar os transtornos mentais e do comportamento (CID-10 F00-F99) relacionados ao contexto labor-ambiental a partir do exame do Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário, bem como analisar quais aspectos labor-ambientais relacionam-se com tais transtornos, favorecendo, assim, aventar medidas preventivas para a manutenção do equilíbrio labor-ambiental e para a preservação da saúde mental do trabalhador. Para tanto, adota-se, como método de procedimento, o levantamento a partir da técnica de pesquisa bibliográfica em materiais publicados; e, como método de abordagem, o dedutivo, 20 visando, a partir da noção de meio ambiente do trabalho e do exame dos transtornos mentais e do comportamento afetos ao contexto labor-ambiental, conforme a CID-10 (F00-F99) e o NTEP, identificar aspectos labor-ambientais relacionados a esses transtornos, bem como medidas preventivas para a manutenção do equilíbrio do meio ambiente do trabalho e para a preservação da saúde mental do trabalhador. A inspiração para esta pesquisa surge a partir da prática advocatícia, por meio de um estágio na área do Direito do Trabalho, em Franca, no ano de 2018. Diante da necessidade de impugnação de um laudo pericial desfavorável ao trabalhador, foi-me apresentado o instituto do NTEP e, com isso, pude questionar, de forma técnica e embasada, uma incapacidade física da parte requerente, adquirida por meio do desempenho do trabalho. Todavia, o questionamento que pairou após tal impugnação diz respeito à utilidade do NTEP com relação aos transtornos mentais e de comportamento desenvolvidos ou agravados pelo trabalho. Assim, a partir da Teoria da Perspectiva Labor-ambiental (ALMEIDA, 2013), tem-se um acento teórico para demonstrar como o meio ambiente do trabalho pode operar no desenvolvimento ou agravamento de transtornos mentais e comportamentais e, posteriormente, analisar se o NTEP é suficiente para resolver esta problemática. Desta forma, o primeiro tópico, de número 3, aborda questões pertinentes no estudo dos transtornos mentais e de comportamento, como a sua classificação a partir da CID, dados estatísticos relacionados ao problema e, por fim, identifica e expõe as principais características dos TMC relacionados ao contexto labor-ambiental e previstos no NTEP. Na sequência, o tópico de número 4 analisa a atual noção de meio ambiente do trabalho por meio de uma análise cronológica da construção desta concepção, que se inicia por meio da Declaração de Estocolmo, de 1972, até a Teoria da Perspectiva Labor-Ambiental, concebida em 2013. Tal noção de meio ambiente do trabalho, consubstanciada a partir da referida Teoria, será o ponto-chave da compreensão dos fatores e aspectos do meio ambiente do trabalho que influenciam o trabalhador, auxiliando na compreensão da relação pessoa- ambiente e como os TMC podem ser agravados ou desenvolvidos pelo contexto laboral. Posteriormente, no tópico 5, analisa-se o NTEP, instituto foco da presente pesquisa, a fim de se constatar a sua contribuição prática e jurídica na promoção da saúde mental do trabalhador, por meio da caracterização de transtornos mentais e do comportamento como decorrentes do contexto labor-ambiental. Por fim, o tópico 6 da presente pesquisa apresentará medidas preventivas para a manutenção do equilíbrio labor-ambiental e para o afastamento de transtornos mentais e do 21 comportamento, utilizando-se a análise constante do tópico 4, versado na análise dos fatores do meio ambiente do trabalho desencadeadores de TMC. Portanto, o presente trabalho, fruto de questionamento da vida prática da advocacia, busca servir como um possível suporte ao advogado na utilização do NTEP diante de casos de transtornos mentais e comportamentais no trabalho, bem como àqueles que buscam introduzir medidas de promoção de saúde mental do trabalhador no meio ambiente do trabalho, sem prejuízo de contribuir para futuras pesquisas a tangenciarem este tema. 22 2 OBJETIVO E PROCEDIMENTO METODOLÓGICO 2.1 Objetivo geral Identificar os transtornos mentais e do comportamento (CID-10 F00-F99) relacionados ao contexto labor-ambiental a partir do exame do Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário, bem como analisar quais aspectos labor-ambientais relacionam-se com tais transtornos, favorecendo, assim, aventar medidas preventivas para a manutenção do equilíbrio labor-ambiental e para a preservação da saúde mental do trabalhador. 2.2 Objetivos específicos a) Levantar os transtornos mentais e do comportamento relacionados ao contexto labor-ambiental e previstos na CID-10 (F00-F99) e no Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário; b) Analisar a atual concepção de meio ambiente do trabalho, a partir da Teoria da Perspectiva Labor-ambiental, de modo a identificar, com base no Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário e na literatura, aspectos do contexto laboral relacionados ao desencadeamento de transtornos mentais e do comportamento arrolados na CID-10 (F00- F99); c) Examinar a relevância e as características legais e práticas do Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário quanto à caracterização de transtornos mentais e do comportamento decorrentes do contexto labor-ambiental; d) Identificar, com base na literatura, transtornos mentais e do comportamento comportamentais relacionados ao contexto labor-ambiental, porém, não previstos no Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário; e e) Apontar possíveis medidas preventivas para a manutenção do equilíbrio labor- ambiental e para o afastamento de transtornos mentais e do comportamento, com base na análise prevista no item “b”. 2.3 Problematização a) Qual a atual concepção de meio ambiente do trabalho? 23 b) Quais transtornos mentais e do comportamento relacionados ao contexto labor- ambiental encontram-se arrolados na CID-10 (F00-F99) e no Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário? c) Qual a relevância e quais as características legais e práticas do Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário? d) Quais aspectos do contexto laboral, de acordo com a Perspectiva Labor-ambiental, podem ser relacionados a transtornos mentais e do comportamento arrolados na CID-10 (F00- F99)? e) Há transtornos mentais e do comportamento relacionados ao contexto labor- ambiental não arrolados no Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário? Qual(is)? f) Quais as possíveis medidas preventivas a serem adotadas para a manutenção do equilíbrio labor-ambiental e para o afastamento de transtornos mentais e do comportamento? 2.4 Procedimento metodológico Inicialmente, quanto ao método de procedimento, adota-se o levantamento a partir da técnica de pesquisa bibliográfica em materiais publicados, como, por exemplo, legislação, artigos, dissertações e teses, doutrinas, conteúdos disponibilizados em sítios eletrônicos, entre outros. Por se tratar de investigação centrada em objetos de estudo multidisciplinares, quais sejam, trabalho e saúde, foram levantados e analisados materiais relacionados a diversas áreas do conhecimento, incluindo Direito do Trabalho, Direito Previdenciário, saúde do trabalhador, Medicina do Trabalho, Psicologia, Psiquiatria e Arquitetura. A presente pesquisa adota o método de natureza básico, pois visa produzir conhecimentos e reflexões acerca da matéria. Trata-se de abordagem qualitativa, uma vez que se analisa a bibliografia contextualizada, ponderando os valores e argumentações. Quanto ao objetivo, o trabalho possui duas frentes. A primeira é a descritiva, posto explicar as minúcias de alguns temas, como o da perspectiva Labor-ambiental e do Nexo Técnico Epidemiológico (NTEP) sobre as doenças mentais e do comportamento. A segunda é exploratória, pautando-se em meios preventivos para a manutenção do equilíbrio labor- ambiental e para a preservação da saúde mental do trabalhador a partir dos aspectos labor- ambientais relevantes na saúde mental do trabalhador. 24 Ademais, adota-se o método dogmático-jurídico, próprio da ciência do Direito, visando ao estudo e à análise das diferentes interpretações doutrinárias, jurisprudenciais e legais (VERONESE, 2017). Assim, a partir da apreciação da legislação sobre o tema, serão extraídas conclusões específicas acerca da efetivação dos direitos fundamentais à saúde e ao meio ambiente do trabalho equilibrado com base na análise do NTEP, da CID-10 F00-F99 e da Teoria da Perspectiva Labor-ambiental. Quanto ao método de abordagem, adota-se o dedutivo, visando, a partir da noção de meio ambiente do trabalho e do exame dos transtornos mentais e do comportamento afetos ao contexto labor-ambiental, conforme a CID-10 (F00-F99) e o NTEP, identificar aspectos labor- ambientais relacionados a esses transtornos, bem como medidas preventivas para a manutenção do equilíbrio do meio ambiente do trabalho e para a preservação da saúde mental do trabalhador. Como marco teórico, adota-se a Teoria da Perspectiva Labor-ambiental (ALMEIDA, 2013), com evidente potencial contributivo quanto à atual noção de meio ambiente do trabalho, bem como para identificar aspectos do contexto labor-ambiental relacionados ao adoecimento mental do trabalhador. Por conseguinte, analisam-se os aspectos legais e práticos relacionados ao NTEP, especificamente no tocante aos transtornos mentais e comportamentais relacionados ao meio ambiente do trabalho e, ainda, sua contribuição para o a constatação do nexo causal entre trabalho e doença e para a concepção de medidas preventivas quanto ao adoecimento mental do trabalhador. Ainda, busca-se identificar transtornos mentais e comportamentais previstos na CID-10 F00-F99, porém, não considerados pelo NTEP, ainda que decorrentes do meio ambiente do trabalho. 25 3 OS TRANTORNOS MENTAIS E COMPORTAMENTAIS (CID-10 F00-F99) RELACIONADOS AO CONTEXTO LABOR-AMBIENTAL A PARTIR DO EXAME DO NEXO TÉCNICO EPIDEMIOLÓGICO PREVIDENCIÁRIO O presente tópico aborda os transtornos mentais e comportamentais (TMC) relacionados ao contexto labor-ambiental e previstos na CID-10 (F00-F99) e no Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário. Inicialmente, abordam-se a história e a definição da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID), buscando esclarecer a relevância e a utilização da atual classificação – a CID-10 – para o estudo dos TMC, sobretudo no âmbito juslaboral. Posteriormente, analisam-se os contornos dos transtornos mentais e comportamentais, especificamente o conceito, as características, bem como o evidente estigma social sobre o assunto incorporado há tempos pela sociedade. Por conseguinte, apresentam-se os dados estatísticos levantados, relacionados aos transtornos mentais e de comportamento, com o propósito de demonstrar a sua ocorrência na atual sociedade, principalmente no contexto do trabalho. Ao final, abordam-se o conceito e a previsão legal do Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário (NTEP), visando, posteriormente, levantar os transtornos mentais e comportamentais nele previstos. Salienta-se que, ao longo desta pesquisa, serão utilizados os termos “transtornos mentais e de comportamento” e “transtornos mentais e comportamentais”, utilizadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Ademais, a fim de facilitar a leitura, a sigla “TMC” será utilizada para se referir a ambos os termos. 3.1 Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID) A Organização Mundial da Saúde (OMS), uma das principais agências das Nações Unidas, é responsável por questões imprescindíveis para a promoção da saúde pública e internacional. Concebida em 1948, a OMS conta com a colaboração de cerca de 170 países, tendo como objetivo central possibilitar a todos os cidadãos do mundo um nível de saúde que lhes permita viver uma vida produtiva, tanto socialmente quanto economicamente. (COORD. ORGANIZ. MUND. DA SAÚDE, 1993) 26 Para tanto, a OMS promove constantemente diversas atividades capazes de contribuir para o pleno desenvolvimento da saúde mundial, sempre de forma cooperada com os Estados- membros, a fim de que as ações impactem positivamente o maior número de pessoas. (COORD. ORGANIZ. MUND. DA SAÚDE, 1993) Assim, dentre as principais responsabilidades institucionais da OMS, duas mostram-se relevantes para o desenvolvimento da presente pesquisa: o “[...] estabelecimento e a revisão de classificações internacionais de doenças, causas de morte e práticas de saúde pública”; e “[...] a padronização de procedimentos diagnósticos” (REED, 2011). Portanto, para a efetivação dessas finalidades, criou-se a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID). Disposta pela própria OMS, ela corresponde a uma das principais formas de organização e descrição das enfermidades em todo o mundo. Sua décima revisão, que será a abordada neste trabalho, é denominada CID-10. (LAURENTI, 1995) De acordo com a OMS, uma classificação de doenças pode ser definida como “[...] um sistema de categorias que são atribuídas a entidades mórbidas segundo algum critério estabelecido, com vários eixos de classificação possíveis” (DI NUBILA, 2007, p. 39). Nesse sentido, “[...] todas as entidades mórbidas devem ser incluídas dentro de um número manuseável de categorias em uma classificação estatística de doenças”. (DI NUBILA, 2007, p. 39) A CID teve início em 1893, sendo denominada, até então, de “Classificação de Bertillon”. Neste momento, no entanto, buscava apenas a identificação das causas de morte. Somente a partir da sua Sexta Revisão, a classificação passou a incluir todas as doenças, bem como os motivos causadores e as suas características em estado de morbidade, buscando a precaução do seu desenvolvimento no paciente. (DI NUBILA; BUCHALLA, 2008) Nesse sentido, o conteúdo da CID-10 foi desenvolvido entre os anos de 1983 e 1989, buscando as características gerais e informações diagnósticas das doenças, enquanto outras classificações seriam usadas como complemento, visando objetivos mais específicos, como procedimentos médicos e cirúrgicos. (DI NUBILA, 2007) Sendo assim, sobre a CID, pode-se compreender que: Na família de classificações internacionais da OMS, as condições ou estados de saúde propriamente ditos (doenças, distúrbios, lesões, etc.) são classificados principalmente na CID-10, que fornece um modelo basicamente etiológico, embora tenha uma estrutura com diferentes eixos ou grandes linhas de construção, entre estes o etiológico, o anátomo-funcional, 27 o anátomo-patológico, o clínico e o epidemiológico. (DI NUBILA; BUCHALLA, 2008, p. 327) Assim, tendo em vista a evidente contribuição da CID, principalmente por ser publicação oficial da OMS, os países-membros devem adotá-la nas atividades clínicas e em atendimentos ambulatoriais. Atualmente, trata-se da classificação padrão internacional para quaisquer finalidades epidemiológicas, bem como para a administração de dados gerais e administrativos utilizados no setor da saúde (DI NUBILA; BUCHALLA, 2008). Para que isto ocorra, os países- membros da OMS se comprometem, por meio de tratados internacionais, a disponibilizar seus dados estatísticos à Organização. (REED, 2011) Deste modo, a CID se mostra como um instrumento fundamental no estabelecimento de políticas públicas relacionadas às necessidades sociais na área da saúde. Isto porque ela se caracteriza como uma base mundial para identificação de tendências estatísticas de saúde, bem como um guia importante na condução das políticas públicas e demais ações de saúde pública. (ALMEIDA; FILHO; RABELLO; SANTIAGO, 2020) Nesse sentido, portanto, defende-se que: A CID vem sendo fundamental para a economia da saúde pública e privada. No financiamento dos serviços de saúde, a ferramenta comumente utilizada é a Autorização de Internação Hospitalar (AIH), que é parte do sistema de codificação de diagnósticos da classificação. Esses formulários, contudo, são objeto de crítica por serem utilizados predominantemente para fins contábeis, desconsiderando a qualidade da codificação e das informações. Apesar disso, esses documentos se apresentam como rica fonte de dados administrativos e epidemiológicos, que podem nortear ações assistenciais e preventivas. Busca-se, portanto, avançar na análise crítica dos usos da CID. (ALMEIDA; FILHO; RABELLO; SANTIGAO, 2020, p. 3) Portanto, a adoção da CID para fins práticos é adequada, seja para o cotidiano médico e hospitalar ou para estudos estatísticos voltados a doenças e transtornos. Isto porque, além de ser uma linguagem global, facilitando assim a sua compreensão em todo o planeta, trata-se de uma organização desenvolvida há séculos, mas caracterizada pela constante atualização. Nesse sentido, a OMS já demandou nova revisão, denominada CID-11, que foi adotada a partir de 1º de janeiro de 2022 pelos Estados-membros. No entanto, de acordo com a própria OMS, a transição entre CID-10 e CID-11 deve durar de 2 a 3 anos, podendo durar ainda mais tempo para a implementação em países mais necessitados, que não dispõem de 28 tecnologias ou procedimentos logísticos tão adiantados. (ALMEIDA; FILHO; RABELLO; SANTIAGO, 2020) A CID-11, portanto, traz diversas atualizações. Dentre elas, a 11ª classificação será completamente digital, visando à diminuição dos erros de notificação e aperfeiçoando a sua usabilidade. Ademais, a CID-11 passará a aceitar sugestões dos utilizadores da plataforma, com o objetivo principal de modernizar-se de forma mais ampla e dinâmica. (ALMEIDA; FILHO; RABELLO; SANTIAGO, 2020) Especificamente sobre os transtornos mentais e de comportamento, foco deste trabalho, entende-se que a CID-11 tem muito a contribuir. A 11ª classificação tem como uma das principais metas a promoção mais abundante, acessível, confiável e eficiente na identificação de pacientes com TMC, o que facilitaria o seu tratamento. (REED, 2011) Nesse sentido, Norman Sartorius, então Diretor da Divisão de Saúde Mental da OMS, destacou que a CID é “[...] um modo de ver o mundo de um ponto no tempo”, sendo que o seu objetivo permanece desde os primórdios de sua primeira elaboração: “a colaboração científica mundial”. (COORD. ORGANIZ. MUND. DA SAÚDE, 1993, p. 13) No entanto, o presente trabalho utilizará a classificação disposta pela CID-10 por três motivos principais. O primeiro, por ainda ser a classificação conhecida e utilizada no Brasil, seja para fins clínicos e emergenciais ou para os estudos científicos e estatísticos. Em segundo lugar, porque, como mencionado anteriormente, a CID-11 pode levar ainda algum tempo para ser efetivamente implementada nos países-membros. E em terceiro, pelo fato de que as Leis, Decretos e demais disposições normativas ainda não foram atualizadas para a CID-11. 3.2 CID-10 (F00-F99): Transtornos mentais e comportamentais Os TMC estão previstos na atual Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID-10), no Capítulo V, mais especificadamente no índice de F00 a F99. No entanto, em 1º de janeiro de 2022 entrou em vigor a nova Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID- 11), que, em sua décima primeira revisão, determinou alterações e modernizações na organização das comorbidades. Dentre as mudanças, os transtornos mentais e comportamentais serão deslocados para o Capítulo 06. (ASSOCIAÇÃO CATARINENSE DE MEDICINA DO TRABALHO, 2018) 29 A fim de facilitar a visualização dos TMC na organização da CID-10, cuja classificação será utilizada durante toda a pesquisa, destaca-se a estrutura do Capítulo V, conforme o seguinte agrupamento: F00-F09 Transtornos Mentais orgânicos, incluindo sintomáticos; F10-F19 Transtornos mentais e de comportamento decorrentes do uso de substâncias psicoativas; F20-F29 Esquizofrenia, transtornos esquizotípico e delirantes; F30-F39 Transtornos do humor (afetivos); F40-F48 Transtornos neuróticos, relacionados ao estresse e somatoformes; F50-F59 Síndromes comportamentais associadas a perturbações fisiológicos e fatores físicos; F60-F69 Transtornos de personalidade e de comportamentos em adultos; F70-F79 Retardo mental; F80-F89 Transtornos do desenvolvimento psicológico; F90-F98 Transtornos emocionais e de comportamento com início usualmente ocorrendo na infância e adolescência; F99-F99 Transtorno mental não especificado. (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2016) Ou seja, em cada intervalo indicado pelas dezenas acima, diversos transtornos mentais e de comportamento estão agrupados conforme suas características fundamentais. Dentre os principais TMC incapacitantes para o trabalho, destacam-se os seguintes: transtornos do humor (F30-39), englobando os episódios depressivos (F32) e os recorrentes (F33); e os transtornos neuróticos, relacionados com o “stress” e somatoformes (F40-F48), abrangendo os outros transtornos ansiosos (F41), dentre eles a síndrome do pânico e a ansiedade generalizada. (BARBOSA-BRANCO, 2017) De acordo com a OMS, o termo “transtorno” é usado para “[...] indicar a existência de um conjunto de sintomas ou comportamentos clinicamente reconhecível associado, na maioria dos casos, a sofrimento e interferência com funções pessoais.” (COORD. ORGANIZ. MUND. DA SAÚDE, 1993, p. 5). Portanto, para fins clínicos e pedagógicos, uma desorientação particular, sem que haja uma disfunção pessoal, não deve ser caracterizada como um transtorno. (COORD. ORGANIZ. MUND. DA SAÚDE, 1993). Ou seja, os transtornos se caracterizam por sintomas específicos ocasionados por alterações de funcionamento. (AMARAL, 2011) Quanto aos transtornos mentais e comportamentais, especificamente, Élem Guimarães dos Santos e Marluce Miguel de Siqueira (2010, p. 239) os definem como uma: Manifestação psicológica associada a algum comprometimento funcional resultante de disfunção biológica, social, psicológica, genética, física ou 30 química. Podem ser classificados, ainda, como alterações do modo de pensar e/ou do humor associadas a uma angústia expressiva, produzindo prejuízos no desempenho global da pessoa no âmbito pessoal, social, ocupacional e familiar. Osvaldo Lopes do Amaral (2011) sustenta este conceito ao afirmar que os TMC são caracterizados por alterações do desempenho cerebral que, por consequência, influenciam negativamente qualquer situação em que se insere o paciente, seja ela no trato com a família, no trabalho, nos estudos, entre outros. Desta forma, em razão dessas enfermidades, a vida da pessoa acometida é prejudicada de forma drástica. De acordo com a própria OMS, os transtornos mentais e de comportamento podem ser caracterizados por um conjunto de pensamentos, emoções e percepções negativas, bem como comportamentos fora do padrão, que prejudicam a vida de quem os sofre e de outras pessoas com quem mantém relacionamentos. Por isto, a OMS alerta que os casos de tais moléstias continuam a crescer, apresentando números significativos e gerando consequências sociais, econômicas e sobre os direitos humanos e sociais. (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2019) As causas para a ocorrência de TMC são diversas. No geral, trata-se de uma soma de inúmeros fatores, conforme explana Osvaldo Lopes do Amaral (2011): Alterações no funcionamento do cérebro; Fatores genéticos; Fatores da própria personalidade do indivíduo; Condições de educação; Ação de um grande número de estresses; Agressões de ordem física e psicológica; Perdas, decepções, frustrações e sofrimentos físicos e psíquicos que perturbam o equilíbrio emocional podemos então afirmar que os transtornos mentais não têm uma causa precisa, específica, mas que são formados por fatores biológicos, psicológicos e sócio-culturais. No entanto, defende-se, também, que os transtornos mentais e comportamentais surgem quando as exigências do meio ultrapassam a sua capacidade de suportá-las. Isto faz com que os sentimentos relacionados à incapacidade e inutilidade afetem toda a sua organização produtiva e, em consequência, o desempenho de diversas tarefas, sejam elas no contexto laboral ou particular. (BARBARO; ROBAZZI; PEDRÃO; CYRILLO; SUAZO, 2009) Assim, cumpre destacar que são diversos os fatores que levam o indivíduo a desenvolver transtornos mentais e de comportamento, sendo eles particulares ou externos. Dentre eles, de acordo com a OMS, destacam-se os seguintes: incapacidade de gerenciamento dos pensamentos e emoções; fatores sociais, culturais, econômicos, políticos e ambientais; 31 proteção social; padrão de vida; condições de trabalho; dentre outros. (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2019) Portanto, os TMC podem variar de sintomas mais leves, como “[...] insônia, fadiga, irritabilidade, esquecimento, dificuldade de concentração e queixas somáticas”, até mais graves, como incapacidade total para o desempenho das atividades cotidianas e morte (BARBARO; ROBAZZI; PEDRÃO; CYRILLO; SUAZO, 2009, p. 3) No entanto, apesar de serem reconhecidos como sérias enfermidades, os transtornos mentais e comportamentais nem sempre tiveram a atenção necessária para a sua erradicação. Élem Guimarães dos Santos e Marluce Miguel de Siqueira (2010) explicam que a seriedade requisitada na identificação, prevenção e tratamento dos TMC só ganhou forma a partir de 1996, quando a Universidade de Harvard, em conjunto com a OMS, publicaram relevante estudo na área. Os resultados deste estudo apontaram que, dentre as 10 principais causas de incapacidade em todo o mundo, 5 delas estavam atreladas ao desenvolvimento de transtornos mentais e de comportamento, sendo elas a depressão (13%), o alcoolismo (7,1%), os distúrbios de bipolaridade (3,3%), a esquizofrenia (4%) e os distúrbios obsessivos- compulsivos (2,8%). Além disso, não obstante a necessidade iminente de medidas efetivas no tratamento e prevenção dessas comorbidades, a OMS reconhece, ainda, diversos problemas no tratamento dessas enfermidades, como, por exemplo, o fato de que: Os sistemas de saúde ainda não responderam adequadamente ao fardo dos transtornos mentais. Como consequência, a lacuna entre a necessidade de tratamento e sua provisão é grande em todo o mundo. Em países de baixa e média renda, entre 76% e 85% das pessoas com transtornos mentais não recebem tratamento para seu transtorno. (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2019) Ademais, também reconhecem a: Má qualidade do atendimento para muitos dos que recebem tratamento. Além do apoio dos serviços de saúde, as pessoas com doenças mentais precisam de apoio e cuidados sociais. Frequentemente, precisam de ajuda para ter acesso a programas educacionais que atendam às suas necessidades e para encontrar emprego e moradia que lhes permita viver e ser ativos em suas comunidades locais. (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2019) Ou seja, não bastasse a falta de acesso de grande parte da população mundial a tratamentos adequados para transtornos mentais e comportamentais, a maioria dos que se 32 encontram disponíveis são de má-qualidade, não atendendo o paciente necessitado de forma adequada. Outra situação preocupante é o evidente estigma que a sociedade ainda apresenta diante dessas enfermidades. Um estigma pode ser conceituado como uma: Diferenciação negativa relacionada a alguns membros da sociedade que são afetados por alguma condição ou estado particular, envolvendo dois componentes fundamentais: o reconhecimento da “marca” que diferencia e a subsequente desvalorização daquele que a porta. Acarreta atitude preconceituosa e práticas discriminatórias. (ROCHA; HARA; PAPROCKI, 2015, p. 592) Assim, aqueles que são reconhecidos pela sociedade como pessoas com TMC se diferenciam dos demais pelo simples fato de apresentar o transtorno. Nesse sentido, os demais, por vezes, externam ideias preconceituosas pelo simples fato de alguém ser portador de depressão, Burnout e tantos outros transtornos relacionados ao adoecimento mental. Isto porque aqueles que mostram os sinais de sua condição, seja por conta de características próprias do transtorno ou por conta da medicação e de seus efeitos colaterais, são rotulados como fracos ou preguiçosos pelos demais, apesar de serem, na verdade, pessoas doentes e que precisam de tratamento adequado e apoio. (ROCHA; HARA; PAPROCKI, 2015) Não se compreende ao certo o porquê deste estigma estar tão enraizado na sociedade. No entanto, uma possível explicação é que a exclusão das pessoas que detém algum transtorno relacionado ao seu estado mental ocorre porque, dessa forma, aqueles que não padecem da mesma situação têm uma falsa ideia de que são saudáveis, ou de que a sociedade em que vivem não sofre com este problema. Além disso, estudos indicam que a maioria das pessoas sente medo daqueles que possuem a saúde mental debilitada, acreditando que estas são instáveis e não confiáveis. (ROCHA; HARA; PAPROCKI, 2015) Nesse sentido, em pesquisa realizada nos EUA, em 2015, os seguintes dados foram constatados: Em relação às pessoas com depressão, 47% da população não gostaria de trabalhar próximos delas, 20% não gostariam de tê-las como vizinho, 30% não gostariam de se socializar com elas, 21% não gostariam de fazer amizade com essas pessoas, 53% não gostariam de casamento na família com pessoas com depressão, 70% as consideravam autoagressivas e para 32% elas são hetoroagressivas. (ROCHA; HARA; PAPROCKI, 2015) 33 Este fato causa um sentimento corrosivo e errado de desvalorização na pessoa que possui o transtorno, uma vez que o paciente incorpora esses preconceitos externos de modo que, ele mesmo, não compreende a gravidade da sua situação e acaba se culpando por sua condição. Sem contar que, muitas vezes, ele acaba desvalorizando a sua própria enfermidade. Esse problema é incompreendidamente sério, uma vez que, este paciente, por conta de estigmas inadequados, perde a sua autoestima, acarretando grave piora do seu quadro clínico. (ROCHA; HARA; PAPROCKI, 2015) Ademais, este estigma reflete no próprio sistema de saúde. Com a desvalorização dos transtornos mentais e comportamentais e o consequente desconhecimento quanto ao seu potencial dano, a procura por assistência, normalmente, é tardia. Sem contar o fato de que esse cenário contribui para a redução dos investimentos feitos no setor, resultando em piora da qualidade do atendimento e do tratamento. (ROCHA; HARA; PAPROCKI, 2015) Portanto, pode-se compreender que o estigma diante dos transtornos mentais e comportamentais é uma das densas barreiras para a solução deste problema, o que contribui, em muito, para agravar a condição daqueles que padecem de TMC. Ocorre uma verdadeira segregação daqueles que necessitam, na verdade, de ajuda e de tratamento de qualidade. 3.2.1 Transtornos mentais e comportamentais: dados estatísticos do problema Não obstante toda a problemática envolvendo o assunto, os transtornos mentais e de comportamento ostentam considerável incidência na população mundial. Deste modo, a fim de sedimentar a gravidade dos TMC em todo o planeta, principalmente no Brasil, este tópico trará dados estatísticos relacionados à temática, facilitando, assim, a visualização do problema. Levando-se em conta os dados estatísticos, segundo pesquisas divulgadas pela OMS, em 2015, os transtornos mentais e comportamentais são verdadeiramente espantosos. Na época, em torno de 450 milhões de pessoas em todo o planeta sofriam de transtornos psiquiátricos. Em média, a cada quatro famílias, uma teria, pelo menos, um membro que sofria destes males. Seria muito difícil, então, para qualquer pessoa, não conhecer ou até não ter convivido com alguém que padecesse destes problemas. (ROCHA; HARA; PAPROCKI, 2015) Nos Estado Unidos da América, um dos países que mais sofre com os adoecimentos mentais no mundo, levantamentos epidemiológicos indicaram que 51% da população 34 americana sofrerá com estes males em algum momento da vida. (ROCHA; HARA; PAPROCKI, 2015) Portanto, já em 2015, os transtornos neuropsiquiátricos ocupavam o primeiro lugar em relação ao número de doenças em todo o planeta, superando a quantidade de casos das doenças cardiovasculares, respiratórias e digestivas. (ROCHA; HARA; PAPROCKI, 2015) Com o passar dos anos, esta situação apenas se agravou. Dados divulgados pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em 2020, mostraram que 30% da população adulta em todo o planeta se encaixam em quadros diagnósticos para algum transtorno mental e comportamental. A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) indica que em torno de 30% da população das Américas, em 2020, já foram ou são portadoras de TMC. (TAMAI; MARQUES; LEITE; BRIETZKE, 2020). Ademais, segundo a Fiocruz, a população residente em países de baixa e média renda é a que mais sofre de transtornos mentais e de comportamento. Segundo a Fundação, 80% dos casos são oriundos destes países. (FIOCRUZ, 2020) Quanto ao Brasil, a situação não é diferente. De acordo com a OMS, 23 milhões de brasileiros, contabilizando cerca de 12% da população, apresentam sintomas relacionados a transtornos mentais e comportamentais. Ademais, 3% da população nacional, contabilizando 5 milhões de brasileiros, sofrem com doenças extremamente graves e sem perspectiva de melhora a curto prazo. (MEDICINA S/A, 2019) Ou seja, os problemas relacionados à saúde mental, de uma forma geral, são recorrentes em todo o planeta, mostrando-se como uma questão de saúde pública necessária, principalmente no Brasil. Dentre os TMC mais recorrentes, encontra-se a depressão que, em 2014, já apresentava números alarmantes em todo o planeta. Segundo informações da OMS, nesta época, 350 milhões de pessoas em todo o planeta sofriam de depressão, sendo considerada a quarta maior causa de invalidez. Projetava-se, inclusive, que, em 2020, a doença seria a maior causa de invalidez em todo o planeta. (RÜDIGER, 2014) Segundo dados da OMS, em 2019, o Brasil identificava 12 milhões de casos de depressão (índices F32 e F33, de acordo com a CID-10), representando 5,8% da população brasileira. Trata-se da segunda maior taxa desta comorbidade em todo o continente americano, atrás apenas dos Estados Unidos da América. Estima-se, ainda, que os brasileiros que tiveram, têm ou terão transtornos depressivos, alcançam um quarto de toda a população, 35 sendo esta, portanto, a doença psiquiátrica com o maior número de casos no Brasil. (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE MEDICINA DO TRABALHO, 2019). Deste modo, de acordo com a OMS, a depressão tornou-se uma “verdadeira pandemia”. (RÜDIGER, 2014, p. 145) Outro transtorno mental e comportamental bastante frequente é a ansiedade, sendo que, em relação ao Brasil, especificamente, o problema é ainda maior. A OMS divulgou que, em 2015, 121 milhões de pessoas sofreram com a doença, sendo que, destas, 17 milhões seriam brasileiras (MACÊDO; MACHADO; RAMOS, 2015). No Brasil, hoje, 19,4 milhões de pessoas sofrem de ansiedade, correspondendo a 9,3% de toda a população e, ainda, configurando como a maior taxa do transtorno em todo o mundo. (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE MEDICINA DO TRABALHO, 2019). Ou seja, não bastasse o número alarmante de casos, bem como a primeira posição mundial no número de pessoas com ansiedade, o Brasil teve um aumento de mais de 2 milhões de casos em quatro anos. Este fato não mostra apenas a abundante quantidade de pessoas acometidas com ansiedade, mas também uma séria tendência de aumento. Assim, evidenciada a alta incidência dos transtornos mentais e de comportamento, outro problema relacionado a esta questão e que, em muito, contribui para o alarmante número de casos, é a quantidade de tratamentos inadequados ou até precários – quando existentes – para tais doenças. Apesar da existência de diversos tratamentos e de medicamentos eficazes no combate aos transtornos mentais e comportamentais, a OPAS afirma que menos de metade das pessoas em todo o planeta a eles têm acesso. Em muitos países, em sua maioria com economia precária, mais de 90% da população sequer tem acesso a tratamentos corretos. O cuidado com a saúde mental, nestes países, é um privilégio de poucos. (OPAS, 2020) A Organização Pan-Americana da Saúde detalhou esses dados, inclusive. Nos países de alta renda, de 35% a 50% da população diagnosticada com transtornos mentais e comportamentais não consegue tratamentos adequados para afastar os seus males. Já nos países de baixa renda, a taxa quase dobra. Nestes, de 76% a 85% das pessoas com TMC não tem acesso a tratamento adequado. (AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR, 2021) Em relação à dificuldade de obtenção de tratamentos adequados para os transtornos mentais e comportamentais em todo o planeta, a OPAS já se posicionou a respeito, revelando o seguinte: 36 Os obstáculos ao tratamento eficaz incluem a falta de recursos, a falta de profissionais treinados e o estigma social associado aos transtornos mentais. Outra barreira ao atendimento é a avaliação imprecisa. Em países de todos os níveis de renda, pessoas com depressão frequentemente não são diagnosticadas corretamente e outras que não têm o transtorno são muitas vezes diagnosticadas de forma inadequada, com intervenções desnecessárias. (OPAS, 2020) Deste modo, tendo em vista os dados apontados, bem como as declarações das relevantes organizações de saúde anteriormente destacadas, compreende-se que o número de casos de depressão, transtornos ansiosos e tantos outros transtornos mentais e de comportamento ocorrem, também, pela simples falta de tratamentos adequados, sendo este um problema enfrentado por imensa parcela da população mundial. Antônio Geraldo as Silva, psiquiatra e presidente da Associação Psiquiátrica da América Latina (APAL), esclareceu que o fato de uma grande parcela mundial não ter acesso a tratamentos, seja por falta de recursos ou por tabus relacionados aos problemas psiquiátricos, é inadmissível. Isto porque, atualmente, existem diversos procedimentos psicoterápicos, bem como medicamentos extremamente eficazes. Alerta, ainda, que, quando a ação médica é precoce, a chance de sucesso é enorme, existindo boas chances de que a doença nunca mais volte a ser desenvolvida pelo paciente. (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE MEDICINA DO TRABALHO, 2019) No entanto, apesar deste fato, ainda hoje os transtornos mentais e comportamentais, quando em estágios mais graves, podem levar ao suicídio (OPAS, 2020). De acordo com a OMS, a cada ano, aproximadamente 1 milhão de pessoas, em todo o planeta, tiram a própria vida. (ROCHA; HARA; PAPROCKI, 2015) Em 2017, de acordo com o Ministério da Saúde, o Brasil teve 12,5 mil casos de suicídios, sendo esta a terceira maior causa de mortes, atrás, apenas, dos acidentes e das agressões. Destaca-se, ainda, que, em relação ao ano de 2016, houve um aumento de 16,8% dos casos. (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE MEDICINA DO TRABALHO, 2019) Portanto, não seria delírio destacar que os transtornos mentais e comportamentais se tornaram uma ameaça para boa parte da população mundial, causando consequências devastadoras na saúde e no bem-estar das pessoas. Sendo que, ainda, os TMC, além de afetarem negativamente a vida de diversas pessoas, de forma particular, também geram consequências de ordem pública. 37 Dentre elas, merece destaque o custo elevado para o seu tratamento. Em 2011, pesquisa realizada pelo Fórum Econômico Mundial e pela Escola de Saúde Pública de Harvard, buscou analisar qual o valor exato no tratamento de doenças caracterizadas pela sua longa e progressiva duração, como no caso dos transtornos mentais e de comportamento. Finalizada a pesquisa, os resultados alarmaram. Isto porque se concluiu, na época, que os transtornos mentais e comportamentais demandaram um custo de 2,5 trilhões de dólares em todo o planeta. Um número extremamente alto, considerando que essas doenças, em grande parte, poderiam ser tratadas de forma precoce, evitando tamanho custo. (ROCHA; HARA; PAPROCKI, 2015) Ademais, não foi apenas este fato que alarmou os pesquisadores. De acordo com as estimativas dos especialistas, espera-se que este valor chegue a 6 trilhões de dólares em 2030 (ROCHA; HARA; PAPROCKI, 2015). No entanto, apesar de os transtornos mentais e comportamentais terem sido tachados, com frequência, como tabu, recentemente, a saúde mental tem sido preocupação frequente da população mundial. De acordo com estudo recentemente publicado pelo National Institute for Health Care Management (NIHCM), divulgou-se que o número de sessões com psicólogos quase dobrou na última década. De acordo com os resultados obtidos, no período, houve uma alta de quase 93,8%, qual seja, de 9,1 milhões para 17,6 milhões de consultas. (NEVES, 2019) Em relação às consultas com terapeutas ocupacionais, o número foi ainda maior. No mesmo período, houve uma alta de 137,8% na procura, contabilizando um aumento de 818,6 mil para 1,9 milhões de consultas. (NEVES, 2019) De acordo com José Cechin, superintendente do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), este fato é importantíssimo, pois demonstra maior interesse da população em relação à sua saúde mental, contribuindo, assim, para diminuir os preconceitos relacionados ao assunto. (NEVES, 2019) Segundo dados fornecidos pela Google e divulgados pelo jornal O Estado de São Paulo, durante a pandemia, houve um aumento de 98% no número de pesquisas relacionadas a transtornos mentais e de comportamento, apenas na última década. (ESTADÃO, 2020) No Brasil, essa situação não é diferente. Segundo dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (2021), no período de 2011 a 2019, houve um brusco aumento de 167% no número de atendimentos relacionados à saúde mental por beneficiários de planos de saúde. A Tabela 1, a seguir, demonstra claramente essa situação: 38 Tabela 1. Quantidade de atendimentos relacionados à saúde mental, em 2011 e 2019. TIPOS DE ATENDIMENTO 2011 2019 Consulta psiquiatria 3.016.275 5.355.626 Consulta Psicologia 7.119.856 20.982.540 Consulta T.O. 648.088 2.403.854 Internações psiquiátricas 85.194 211.464 Fonte: (AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR, 2021). Ademais, com a pandemia COVID-19, estes números podem ser ainda maiores. Segundo pesquisas da Fiocruz, Instituto Ipsos e Fórum Econômico Mundial, a pandemia COVID-19 pode, em muito, contribuir para o desenvolvimento de transtornos mentais e comportamentais, uma vez que os dados recolhidos apontam que a saúde mental do brasileiro, durante este período, agravou em 53%. As queixas dos entrevistados indicam que, em decorrência da devastação causada pela pandemia, observou-se relevante aumento no número de pessoas com sintomas depressivos e ansiosos. Este fato, inclusive, levou o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, a pronunciar que “[...] o impacto da pandemia na saúde mental das pessoas já é extremamente preocupante”. (BBC, 2021) Em pesquisa realizada com participantes dos 26 estados brasileiros e do Distrito Federal, os resultados apontaram que praticamente metade dos sujeitos manifestou sintomas característicos de depressão. (SERAFIM; DURÃES; ROCCA; GONÇALVES; SAFFI; CAPPELLOZZA; PAULINO; DUMAS-DINIZ; BRISSOS; BRITES; ALHO; LOTUFO- NETO, 2021) Ademais, em outra pesquisa realizada pelo professor Alberto Filgueiras, do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), em conjunto com o médico americano, Matthew Stults-Kolehmainen, do Yale New Haven Hospital, dos Estados Unidos, buscou-se colher resultados sobre a mudança de comportamento das pessoas durante a pandemia. Diante dos resultados obtidos, observou-se que os casos de pessoas com ansiedade e estresse, na pandemia, tiveram um aumento de 80%. (UERJ, 2020) Segundo pesquisa realizada pela Universidade de São Paulo (USP) e divulgada pelo canal CNN-BR (2021), o Brasil é o país que teve o maior número de casos de depressão e ansiedade na pandemia COVID-19, superando, inclusive, os Estado Unidos da América. De acordo com a Agência Nacional de Saúde Suplementar, a grave piora da saúde mental no período pandêmico ocorreu por diversos fatores, dos quais se destacam: 39 Em contexto de pandemia, é recorrente o aumento de sofrimento psíquico na população, principalmente em quem já tinha fatores preexistentes. É esperado que o frequente estado de alerta, preocupação, solidão e sentimento de falta de controle frente às incertezas do momento, aumente o estresse e sofrimento psíquico. Além disso, as medidas de isolamento social, embora baseadas em evidências científicas e essenciais para a proteção da saúde da população, podem impactar a saúde mental daqueles que as experienciam. Devido ao período de distanciamento social, quarentena ou isolamento, a redução de estímulos, perda de renda pela impossibilidade de trabalhar e alterações significativas na rotina geram forte impacto na vida das pessoas. (AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR, 2021) Assim, diante deste cenário, evidencia-se que os transtornos mentais e comportamentais são hoje uma das sérias ameaças à saúde das pessoas, gerando diversas consequências, em diferentes setores e, ainda, com crescimento preocupante no número de casos. 3.2.2 Transtornos mentais e comportamentais no trabalho: dados estatísticos do problema Diante dos diversos dados estatísticos apresentados no tópico anterior, é irrefutável que os transtornos mentais e comportamentais estão presentes em larga escala e em todo o planeta. No entanto, é importante também prever as causas deste desenfreado adoecimento mental da população. Como já apresentado no tópico 3.2 do presente trabalho, os motivos que ensejam o desenvolvimento de TMC são diversos. A OMS, nesse sentido, já esclareceu que, além de fatores pessoais, condições ambientais podem exercer tamanha influência no indivíduo, podendo ocasionar o seu adoecimento mental. (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2019) Dentre as condições ambientais responsáveis pelo adoecimento mental, como bem aponta a OMS (2019), um merece destaque, sendo também foco da presente pesquisa: o trabalho. Nesse sentido, Rosylane Rocha, presidente da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (ANAMT), já instruiu que o desenvolvimento de transtornos de cunho emocional por conta de aspectos do trabalho está cada vez mais comum. Destacou, inclusive, que a constante exigência por metas abusivas e os diversos tipos de assédios ocorridos no meio ambiente do trabalho têm sido fatores relevantes para esse tipo de problema. (UOL, 2021) Desta forma, destaca-se que os transtornos mentais e comportamentais desenvolvidos em decorrência do trabalho também apresentam dados alarmantes. De acordo com pesquisas realizadas pelo Internacional Stress Management Association (Isma-BR), em 2017, nove em cada dez brasileiros no mercado de trabalho apresentavam sintomas característicos de 40 ansiedade, seja em graus mais leves ou até incapacitantes. Sobre a depressão, praticamente metade (47%) apresenta sintomas. (ANAMT, 2017) Em 2020, segundo dados da OPAS (2020), a depressão se tornou a “[...] principal causa de incapacidade em todo o mundo”. De acordo com a Fiocruz (2020), no Brasil, os TMC, ainda hoje, correspondem à 32,4% dos anos vividos com alguma incapacidade. Tais enfermidades já perfazem mais de 12% de todas as incapacidades dos brasileiros, sendo que, em países desenvolvidos, esse percentual chega a 23%. (PEREIRA; SOUZA; LUCCA; IGUTI, 2020) Ademais, no Brasil, das dez doenças que mais causam incapacitação ao trabalho, metade são TMC. São elas: depressão (13%), alcoolismo (7,1%), esquizofrenia (4%), transtorno bipolar (3,3%) e transtorno obsessivo-compulsivo (2,8%). (PEREIRA; SOUZA; LUCCA; IGUTI, 2020, p. 3) Assim, entre 2014 e 2017, os transtornos mentais e comportamentais configuraram a terceira maior causa de afastamento entre os trabalhadores brasileiros (ALMEIDA, 2020). No entanto, diante do aumento incessante de casos, tais enfermidades se tornaram a segunda maior causa de afastamento do trabalho, já em 2019. (ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE MEDICINA DO TRABALHO, 2019) A Previdência Social aponta que, por ano, mais de 200 mil afastamentos do trabalho ocorrem no Brasil devido a transtornos mentais e comportamentais, destacando que a concessão de auxílio-doença em decorrência dessas enfermidades aumentou em 20 vezes nos últimos 10 anos (ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE MEDICINA DO TRABALHO, 2019). Ou seja, os dados não mostram apenas um número alarmante de casos, mas também a sua tendência de aumento entre os brasileiros. Como meio de elucidar essa situação, a Secretaria da Previdência – hoje incluída pelo Ministério da Economia – divulga em seu sítio eletrônico oficial os auxílios-doença acidentários concedidos durante o ano, separando-os de acordo com a CID ensejadora do benefício. Esclarece-se que o auxílio-doença acidentário, de acordo com a Lei nº 8.213/1991, é o benefício concedido ao segurado do INSS que, por conta de doença ou acidente ocasionado pelo trabalho, afasta-se por mais de 15 dias das atividades laborais. (BRASIL, 1991) Portanto, esses dados divulgados pela Previdência Social, denominados “Acompanhamento Mensal do Benefício Auxílio-Doença Acidentário Concedido Segundo os Códigos da CID-10”, revelam, oficialmente, a quantidade de benefícios concedidos em razão 41 de adoecimentos ou doenças relacionadas ao trabalho. Assim, apenas em 2019, mais de 11 mil brasileiros receberam o referido benefício em razão de transtornos mentais e de comportamento, sendo que, destes, os maiores casos foram de episódios depressivos (F32), outros transtornos ansiosos (F41) e reações ao stress grave e transtornos de adaptação (F43). (SECRETARIA DE PREVIDÊNCIA, 2020) No entanto, apesar do número elevado, estes dados aludem apenas aos casos registrados de afastamento do trabalhador. Por isto, compreende-se que o número de pessoas acometidas por TMC ocupacionais é bem maior do que o registrado. De acordo com a Associação Nacional de Medicina do Trabalho (2019), os transtornos depressivos que geram afastamento do trabalho, mas que não são notificados pelas empresas, chegam a 80%. Quanto a outros transtornos mentais e comportamentais, como os afetivos bipolares e as crises de ansiedade, ainda, 83% e 63% dos casos, respectivamente, sequer chegaram a conhecimento dos órgãos competentes. (ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE MEDICINA DO TRABALHO, 2019) Sobre a questão da subnotificação das doenças ocupacionais, José Antonio Ribeiro de Oliveira Silva já se posicionou no seguinte sentido: De acordo com o Anuário Estatístico de Acidentes do trabalho da Previdência Social, houve 551.023 acidentes com CAT emitido em 2008, sendo 80% (441.925) de acidentes típicos. Onde estão as doenças ocupacionais? Segundo estatísticas, elas representam pouco mais de 3% (20.0356) das CATs emitidas. Isso não corresponde à realidade, pois a maior parte dos processos trabalhistas que envolvem a questão traz à tona casos de doenças ocupacionais, não de acidentes típicos. Isso já permite concluir que há, mesmo, uma acentuada subnotificação de acidentes, mormente de adoecimentos relacionados ao trabalho. (SILVA, 2014, p. 149) Ademais, ainda conclui o seguinte: Para se ter a clareza dessa afirmação, basta constatar que o Anuário referido aponta a quantia de 204.957 acidentes sem CAT emitida, principalmente pela presunção estabelecida a partir do NTEP – Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário. Assim, tivemos no Brasil, somente no ano de 2008, um total de 755.980 acidentes e adoecimentos laborais, dos quais 27% nem foram notificados. (SILVA, 2014, p. 150) Assim, tendo em visto o alto número de casos de adoecimentos mentais no trabalho, é esperado que o custo com esse problema seja também alarmante. Em 2011, os afastamentos do trabalho em decorrência de transtornos mentais e comportamentais, no Brasil, foram 42 responsáveis por 211 milhões de reais gastos com a concessão de novos benefícios previdenciários (USP, 2013). Conforme já disposto no tópico anterior, diante de estimativas do Fórum Econômico Mundial, até 2030, os gastos oriundos destes transtornos, em todo o planeta, podem chegar a 6 trilhões de dólares, cujo custo seria ainda maior do que a soma dos gastos com tratamentos para diabetes, doenças respiratórias e câncer. (ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE MEDICINA DO TRABALHO, 2018) Isto sem considerar o fato de que os afastamentos ao trabalho também geram prejuízos alarmantes diretamente aos empregadores. Nos Estados Unidos da América, no ano de 2018, a diminuição da produtividade das empresas pelos afastamentos por depressão ocasionou um prejuízo de 19 bilhões de dólares. (ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE MEDICINA DO TRABALHO, 2017) Assim, tendo em vista a quantidade de adoecimentos mentais ocasionados pelo trabalho, verifica-se que meio ambiente do trabalho, quando não sadio, pode, em muito, contribuir para o desenvolvimento de seríssimos transtornos mentais e de comportamento. Nesse sentido, inclusive, tem-se a denominada Síndrome de Burnout. Trata-se de um transtorno mental e comportamental ocasionado pelo estresse crônico com necessária relação com os diversos fatores e aspectos inerentes ao contexto laboral e que, de forma constante, interferem negativamente na vida do trabalhador. A Síndrome de Burnout pode ser causada por jornadas laborais incessantes, assédios morais cometidos pelo empregador e/ou por colegas de trabalho, quantidade excessiva de metas e tarefas a serem cumpridas, cobranças extremas, entre outras. (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE MEDICINA DO TRABALHO, 2019) Assim, esta enfermidade, comumente conhecida como doença do esgotamento profissional, apresenta três sintomas clássicos, sendo eles: 1) esgotamento físico e psíquico (a sensação de não dar conta das tarefas); 2) indiferença e perda de personalidade (não se importar mais com o próprio desempenho profissional, cinismo e apatia); e 3) Baixa satisfação profissional. Para além desses sintomas, podem aparecer sintomas físicos [...]. (ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE MEDICINA DO TRABALHO, 2019) De acordo com a Associação Brasileira de Medicina do Trabalho e com o International Stress Management Association no Brasil (ISMA-BR), 72% dos brasileiros atualmente inseridos no mercado de trabalho sofrem com alguma sequela originada por estresse, sendo que, destes, 32% podem ser considerados como pessoas acometidas pela 43 Síndrome de Burnout. No entanto, apesar das suas graves consequências, 92% dos brasileiros continuam trabalhando, mesmo acometidos pelo transtorno. (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE MEDICINA DO TRABALHO, 2019) Portanto, um fenômeno que infelizmente é observado quando do estudo dos transtornos mentais e comportamentais é a alta taxa de mortes ocasionadas pelo trabalho, principalmente de suicídios. Diversos países sofrem com as altas taxas de suicídio, sendo que, naqueles tidos como desenvolvidos, estas taxas são ainda maiores, observando-se, assim, que os relacionados ao trabalho apresentam índices extremamente preocupantes. No Japão, um dos países com maior índice de industrialização, mais de 32 mil pessoas se suicidaram em 2006. (MINGHETTI; KANA; ROCHA, 2014) Assim, o suicídio relacionado a condições do trabalho também não é um fenômeno isolado. Segundo dados da OIT, em 2011, mais de 2 milhões de trabalhadores morreram, em todo o mundo, em decorrência de doenças relacionadas ao desempenho no trabalho (SILVA, 2014). Para os japoneses, inclusive, o termo karoshi é usado para se referir à morte ocasionada pelo trabalho, sendo este um acontecimento recorrente no país (BBC, 2018) No Brasil, a situação também é preocupante. Em 2012, por exemplo, quase 12.000 brasileiros se suicidaram, sendo que o país é o 8º no número absoluto de suicídios e o 113º, quando considerando a quantidade de mortes pela população. No entanto, de acordo com a psicanalista Kátia Macedo, a subnotificação quanto ao número de suicídios é frequente. (MELO, 2019) Ademais, segundo dados divulgados pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), em 2014, 2 milhões de brasileiros perderam a vida em decorrência de enfermidades relacionadas ao trabalho. Segundo o levantamento, pode-se dizer que, a cada 15 segundos, um trabalhador morre por conta de acidente ou doença relacionada ao trabalho (TST, 2015). Os transtornos mentais e comportamentais relacionadas ao contexto laboral, em casos mais sérios, são motivações para suicídios, conforme também aponta o Tribunal Superior do Trabalho (TST, 2016). No entanto, apesar de a situação já ser crítica, estudos apontam que, com a pandemia COVID-19, a tendência é de agravamento. O próprio TST divulgou, em 2020, dados alarmantes da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho sobre os TMC. De acordo com os dados divulgados, houve uma alta de 26% no número de auxílios-doença concedidos pela Previdência Social em relação a 2019, perfazendo um total de 576 mil concessões. Dentre os principais transtornos mentais e de 44 comportamento ensejadores dos benefícios, a depressão e a ansiedade foram os que tiveram maior aumento. (TST, 2021) Para o TST, as causas deste aumento estão diretamente relacionadas à pandemia COVID-19, sendo que as causas específicas seriam as seguintes: “Inadaptação ao home office, acúmulo de tarefas profissionais e domésticas, endividamento, incertezas sobre o futuro, ansiedade, depressão e síndrome do pânico, entre outras.” (TST, 2021) Ademais, em pesquisa realizada, conjuntamente, pela Fiocruz, pela Universidade de Valencia (Espanha), pelo Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) e pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, constatou-se que os trabalhadores em serviços essenciais, durante a pandemia, registraram relevante aumento de casos de transtornos mentais e comportamentais, em razão de suas atividades. De acordo com os resultados, constatou-se que: Sintomas de ansiedade e depressão afetam 47,3% dos trabalhadores de serviços essenciais durante a pandemia de Covid-19, no Brasil e na Espanha. Mais da metade deles — e 27,4% do total de entrevistados — sofre de ansiedade e depressão ao mesmo tempo. Além disso, 44,3% têm abusado de bebidas alcoólicas; 42,9%sofreram mudanças nos hábitos de sono. (FIOCRUZ, 2020) Assim, não bastasse o crescimento descontrolado da quantidade de casos de transtornos mentais e de comportamento nas últimas décadas, a pandemia COVID-19 agravou ainda mais essa situação. 3.3 Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário: conceito e previsão legal Superada a análise relativa aos transtornos mentais e comportamentais, oportuna a exposição do instituto foco do presente trabalho, o Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário (NETP), instituído em 26 de dezembro 2006, pela Lei nº 11.430. Conforme Gustavo Filipe Barbosa Garcia, o NTEP foi elaborado por meio de diversos estudos científicos, mapeamentos e pesquisas empíricas para alcançar o seguinte objetivo: desenvolver uma ferramenta previdenciária aos trabalhadores e segurados da Previdência Social, que possibilite a “[...] demonstração e indicação de quais são as doenças que apresentam elevadas ou significativas incidências estatísticas nos diferentes ramos de atividade econômica.” (GARCIA, 2021, p. 131) 45 Nesse sentido, destaca-se o artigo 21-A da Lei nº 8.213/1991, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social, uma vez que o referido dispositivo legal foi acrescentado pela legislação instituidora do NTEP, prevendo o seguinte: Art. 21-A. A perícia médica do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) considerará caracterizada a natureza acidentária da incapacidade quando constatar ocorrência de nexo técnico epidemiológico entre o trabalho e o agravo, decorrente da relação entre a atividade da empresa ou do empregado domést