Daniela Dias de Souza O conflito verde: um estudo sobre a resistência camponesa no seringal Itatinga (Manoel Urbano – Acre) frente à execução do programa de compensação de emissão de carbono – Projeto Purus de Conservação São Paulo 2020 Daniela Dias de Souza O conflito verde: um estudo sobre a resistência camponesa no seringal Itatinga (Manoel Urbano – Acre) frente à execução do programa de compensação de emissão de carbono – Projeto Purus de Conservação Dissertação apresentada ao Programa de Pós- graduação em Desenvolvimento Territorial na América Latina e Caribe (TerritoriAL), do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais (IPPRI) da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), como exigência para obtenção do título de Mestre em Geografia, na área de concentração “Desenvolvimento Territorial”, na linha de pesquisa “Soberania Alimentar, Meio Ambiente e Saúde”. Orientador: Prof. Dr. Carlos Alberto Feliciano. Co-orientador: Prof. Dr. José Alves. São Paulo 2020 Daniela Dias de Souza O conflito verde: um estudo sobre a resistência camponesa no seringal Itatinga (Manoel Urbano – Acre) frente à execução do programa de compensação de emissão de carbono – Projeto Purus de Conservação Dissertação apresentada ao Programa de Pós- graduação em Desenvolvimento Territorial na América Latina e Caribe (TerritoriAL), do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais (IPPRI) da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), como exigência para obtenção do título de Mestre em Geografia, na área de concentração “Desenvolvimento Territorial”, na linha de pesquisa “Soberania Alimentar, Meio Ambiente e Saúde”. Orientador: Prof. Dr. Carlos Alberto Feliciano. Co-orientador: Prof. Dr. José Alves. BANCA EXAMINADORA Dr. Carlos Alberto Feliciano (Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”) Dr. Guilherme Perpetua Marini (Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”) Dra. Ana Terra Reis (Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”) São Paulo, 02 de Março de 2020. À todos que resistem. PÁTRIA LIVRE, VENCEREMOS! AGRADECIMENTO O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001. Apesar de em muitos momentos a realização da pesquisa ser um tanto quanto solitária, existem auxílios muito particulares de pessoas extremamente necessárias em minha vida que me guiaram a não desistir e a chegar até aqui. Primeiramente, meus pais, João Carlos e Mari, que me deram todo suporte que necessitei durante esse período e em tantos outros, sempre respeitando meu tempo de trabalho e pesquisa, além de criarem todas as condições materiais e financeiras para que essa pesquisa fosse desenvolvida. Que todos os dias me ensinam valores, amores e que são as duas pessoas mais incríveis que eu tenho a sorte de ter. Ao meu orientador, Carlos Alberto Feliciano, por todo carinho, sensibilidade, paciência, confiança e ensinamentos. Sem seu apoio, realmente não sei se teria chegado até o fim com este trabalho. Ao meu Co-Orientador, José Alves, que segue me dando suporte. Além de todos os grandes professores que estiveram comigo na graduação, Maria de Jesus e Karina. Às minhas amigas de longa data que me acompanharam, tanto na graduação quanto no mestrado, Tainá e Thais, que nunca deixaram a tensão ou ansiedade me corroer e ensinam todos os dias o valor de grandes e duradouras amizades para o processo de desenvolvimento humano. À minha eterna família da Turma Daniel Viglietti e Aqualtune que, mesmo com a distância, torceram por mim, seguraram minha mão e me fizeram rir durante toda essa jornada. Sou eternamente grata à cada um pelo amor que construímos juntos. Às minhas meninas que são música, arte, política e resistência feminista popular. Márcia, Júlia e Melanie, que de mim, só conseguiram coletivizar risos, projetos e sonhos. Toda minha gratidão à todas as inspiradoras mulheres da turma. Todos os professores do programa TerritoriAL pelo esforço e resistência em manter um programa tão necessário dentro da academia. Escola Nacional Florestan Fernandes por ter sido um espaço de formação e transformação humana durante os períodos de aula e vivência. Todos meus companheiros do campo popular, em especial aos que conheci na ENFF, que em mim plantaram arte, poesia, literatura e revolução, com muitas risadas fáceis, Manoela, Aline, Rafael, Davi, Stephanie, Levi, Lucas, Sabrina, Priscila, Richard, Nadson, Cássio, Berta, Angel (Papito), Eliane, Luana e tantos outros, que eu também os tenha inundado de sentimentos bons. Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo. E examinai, sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural. Pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural. Nada deve parecer impossível de mudar. Bertold Brecht RESUMO O caráter destrutivo do capital resultou movimentações para a intensificação do debate ambiental na agenda internacional. Posteriormente a concretização de políticas, teoricamente, voltadas para conservação da natureza, guiadas pelo conceito de Desenvolvimento Sustentável, criou as condições necessárias para manutenção do modo de produção hegemônico, partindo da harmônia entre crescimento econômico e conservação ambiental. No Acre, é a partir de 1999 que concretiza-se o desenvolvimento sustentável enquando elemento político principal de gestão governamental da Frente Popular. Entre os vários projetos apoiados pelo Governo na época, estava a implementação de Programas de Redução de Emissões por Desflorestamento e Degradação (REDD), baseado na venda de carbono para países centrais como meio de garantir o processo de acumulação e expansão do modelo e legitimação da Economia Verde. No Seringal Itatinga, em Manoel Urbano, passa a ser território de implementação dessas políticas, oficialmente, no ano de 2010, com o Projeto Purus de Conservação de Florestas Tropicais. Todavia, os relatos de membros da comunidade afirmam que distante do que inicialmente se propõe, prioriza-se os interesses dos grandes financiadores e latifundiários envolvidos no projeto, formando um cenário de violações territorias, humanas e simbólicas ao impor um modelo de uso da terra que não condiz com o conhecimento tradicional e histórico da comunidade. Portanto, reproduz um modelo de desenvolvimento que utiliza de um discurso sustentável enquanto estratégia para controlar as formas de reprodução no território e dominação dos trabalhadores que necessitam se organizar diante das novas ameaças aos seus territórios em nome da intensificação da mercantilização da natureza, enquanto elemento de expansão do capitalismo e pilar da fratura metabólica entre homem e natureza por meio da política de compensação sem resultados concretos e ainda questionáveis, mas subsidiado por intensos investimentos e apoio de atores internacionais e locais. Logo, essa pesquisa tem como objetivo apresentar a forma com que o processo de implementação do Projeto Purus impôs a comunidade do Seringal Itatinga a tentiva sistemática de desarticulação da organização territorial dos sujeitos diante das violências impostas pelos agentes fiscalizadores do projeto e do Estado como nova ferramenta de manutenção da estrutura desigual do capitalismo e da manutenção do controle de terras por parte de figuras da elite agrária local. Palavras-chave: ​Território. Mercantilização. Natureza. ABSTRACT The destructive nature of capital resulted in moves to intensify the invironmental debate on the international agenda. Subsequently, the realization of policies, theoretically, aimed at nature conservation, guided by the concept of sustainable development, created the necessary condition for maintaining the hegemonic production mode, starting from the harmony between economic growth and environmental conservation. In Acre, it is from 1999 the sustainable development takes shape as the main political element of government management of the Popular Front. Among the various projects supported by the government at the time, was the implementation of Programs to Reduce Emissions from Desforestation and Degradation (REDD), based on the sale of carbon to central countries as a menas of guaranteeing the process of acumulation and expansion of the model and legitimization of the Green Economy. At Seringal Itatinga, in Manoel Urbano, it officially becomes the territory for the implementation of these policies in 2010, with the Purus Tropical Forest Conservation Project. However, the reports of community members state that far from what was initially proposed, the interests of the large financiers and landowners involved in the project are prioritized, forming a scenario of territorial, human and symbolic violations by imposing a land use model that it does not match the traditional and historical knowledge of the community. Therefore, it reproduces a development model tha uses a sustainable discourse as a strategy to control the forms of reproduction in the territory and the domination of workers who need to organize in the face of new threats to their territories in the name of intensifying the commodificaiton of nature as an element of expansion of capitalism and pillar of the metabolic fracture between man and nature though the policy of compensation without concrete and yet questionable results, but sibsidized by intense investments and support from international and local actors. Therefore, this research aims to present the way in wich the implementation process of the Purus Project imposed on the community of the Seringal Itatinga the systematic attempt to dismantle the territorial organization of the subjects in the face of the violence imposed by the project’s inspection agents and the State as a new a tool for maintaining the unequal strucuture of capitalism and maintaining land control by figures of the local agrarian elite. Keywords​: Territory. Commodification. Nature. RESUMEN La naturaleza destructiva del capital resultó en movimientos para intensificar el debate ambiental en la agenda internacional. Posteriormente, la realización de políticas, teóricamente, orientadas a la conservación de la naturaleza, guiadas por el concepto de Desarrollo Sostenible, creó las condiciones necesarias para mantener el modo de producción hegemónico, a partir de la armonía entre el crecimiento económico y la conservación del medio ambiente. En Acre, es a partir de 1999 que el desarrollo sostenible toma forma como el principal elemento político de la gestión gubernamental del Frente Popular. Entre los diversos proyectos apoyados por el Gobierno en ese momento, se encontraba la implementación de Programas para Reducir las Emisiones de la Deforestación y Degradación (REDD), basados en la venta de carbono a los países centrales como un medio para garantizar el proceso de acumulación y expansión del modelo y legitimación de la economía verde. En Seringal Itatinga, en Manoel Urbano, se convirtió oficialmente en el territorio para la implementación de estas políticas en 2010, con el Proyecto de Conservación del Bosque Tropical Purus. Sin embargo, los informes de los miembros de la comunidad indican que, lejos de lo que se propuso inicialmente, se priorizan los intereses de los grandes financistas y terratenientes involucrados en el proyecto, formando un escenario de violaciones territoriales, humanas y simbólicas al imponer un modelo de uso de la tierra que no coincide con el conocimiento tradicional e histórico de la comunidad. Por lo tanto, reproduce un modelo de desarrollo que utiliza un discurso sostenible como estrategia para controlar las formas de reproducción en el territorio y la dominación de los trabajadores que necesitan organizarse ante las nuevas amenazas a sus territorios en nombre de la intensificación de la mercantilización de la naturaleza, como un elemento de expansión del capitalismo y pilar de la fractura metabólica entre el hombre y la naturaleza a través de la política de compensación sin resultados concretos pero cuestionables, pero subsidiada por intensas inversiones y el apoyo de actores internacionales y locales. Por lo tanto, esta investigación tiene como objetivo presentar la forma en que el proceso de implementación del Proyecto Purus impuso a la comunidad de Seringal Itatinga el intento sistemático de desmantelar la organización territorial de los sujetos ante la violencia impuesta por los agentes de inspección del proyecto y el Estado como un nuevo herramienta para mantener la estructura desigual del capitalismo y mantener el control de la tierra por figuras de la élite agraria local. Palabras Clave: ​Territorio. Commodificación. La naturaleza. LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Jornal “O Acre” – 21 de Outubro de 1972........................…........................ 66 Figura 2 – Rota de Ocupação do Acre................................………................................ 68 Figura 3 – Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri – Anos 1980........................ 77 Figura 4 – Chico Mendes, então presidente do STR, visita comunidades..................... 77 Figura 5 – Declaração sob direito a terra.......................…............................................. 87 Figura 6 – Moradores do Serinfal Itatinga e Representação do STR de Manoel Ubrano formalizam denúncia contra o Projeto Purus................................................. 92 Figura 7 – Reunião na Sede do STR – Manoel Urbano com a presença da CPT-AC, Moradores do Seringal Itatinga e professores apoiadores............................ 97 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 – Dados dos conflitos pela terra no Estado do Acre (1985 a 2017)............ 78 LISTA DE MAPAS Mapa 1 – Projeto Purus.....................................................................……….…........ 80 Mapa 2 – Localização do Projeto Purus........................................………................. 81 Mapa 3 – Localização da Bacia do Rio Purus............................................................ 83 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Número de bovinos no Acre entre os anos de 1975 até 1995...................... 72 Tabela 2 – Instituições principais envolvidas no Projeto Purus.................................... 82 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS BID Banco Internacional de Desenvolvimento CCBA Climate, Community and Biodiversity Alliance CPTEC Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos CCBS Clima, Comunidade e Biodiversidade Padrão CPI Comissão Parlamentar de Inquerito CEB’s Comunidades Eclesiais de Base CMMAD Comissão para o Meio Ambiente e Desenvolvimento CIMI Conselho Indigenista Missionário CQNUMC Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Meio Ambiente DEM Democratas ISA Carbono Incentivos aos Serviços Ambientais de Carbono IUCN União Internacional de Conservação da Natureza IPAM Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia INPE Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária IMC Instituto de Mudança Climática IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística KfW Banco Alemão de Desenvolvimento MFS Manejo Florestal Sustentável MMA Ministério do Meio Ambiente MIT Instituto de Tecnologia de Massachussetes M&R Moura e Rosa Empreendimentos Imobiliários LTDA ONU Organização das Nações Unidas PT Partido dos Trabalhadores PND Plano Nacional de Desenvolvimento PGC Projeto Grande Carajás PCN Projeto Calha Norte PIN Programa de Integração Nacional PRODES Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite PNUMA Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente PSA Pagamento por Serviços Ambientais PVAAF Programa de Valorização do Ativo Ambiental REDD Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal SNUC Sistema Nacional de Unidades de Conservação SISA Sistema de Incentivo aos Serviços Ambientais SPVEA Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia STR Sindicato dos Trabalhadores Rurais WWF World Wide Fund for Nature ZEE Zoneamento Ecológico e Econômico SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................. 18 2 A ALIENAÇÃO DA RELAÇÃO HOMEM-NATUREZA: A NATUREZA ENQUANTO MERCADORIA…..................................................................... 21 2.1 A transformação do trabalho em desconstrução do trabalhador.......…………….............................................................................. 24 2.2 Crise estrutural do capital e a organização de um modelo de reestruturação...………............................................................................... 30 3 O PROGRAMA DE (IN)SUSTENTABILIDADE DO ACRE: A TERRITORILIZAÇÃO DE UM NOVO CONFLITO TERRITORIAL…. 36 3.1 O suporte do Estado e a implantação da Econimia verde: A territorilização das políticas de compensação de carbono................................................................................................................ 37 4 A PRESERVAÇÃO AMBIENTAL NA AGENDA INTERNACIONAL: A CONCRETIZAÇÃO DO DISCURSO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL................................................................................................ 47 4.1 O relatório de Brutdland “Nosso Futuro Comum”, o conceito de desenvolvimento sustentável e a falsa sensatez de conservação dos bens naturais................................................................................................................ 48 4.2 Uma sobordinação histórica e sistemática: a exploração dos territórios da América Latina e a consolidação do controle capitalista na Amazônia…........................................................................................................ 52 4.3 Amazônia como garantia de pagamento da dívida dos países sul-americanos................................................................................................... 59 5 O PROCESSO HISTÓRICO DE LUTA DOS POVOS DO ACRE PELO DIREITO A TERRA FRENTE A EXPANSÃO DA DINÂMICA CAPITALISTA.................................................................................................. 64 5.1 A construção de um território à serviço dos interesses do capital: a violação histórica territorial e a construção da resistência............................ 67 6 O PROJETO PURUS E A COMUNIDADE SERINGAL ITATINGA: UMA LUTA PELA PERMANÊNCIA NO TERRITÓRIO…....................... 80 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ………………………………………………... 100 REFERÊNCIAS…………………………………………………………….... 102 ANEXO - RESUMO DO DOCUMENTO DO PROJETO PURUS………. 107 18 1 INTRODUÇÃO O desenvolvimento do capitalismo ocorrre apartir de um contínuo e incansável processo de exploração e expopriação dos povos tradicionais que sustentam sua luta e resistência histórica para manutenção de sua cultura de relação com a natureza. Em seu processo de reestruturação produtiva, países considerados de Terceiro Mundo e historicamente territorialmente configurados a partir dos processos de colonização para enriquecimento dos países centrais do capital, impõe um modelo de sustentabilidade criado pelo mercado. No Acre, cenário de um histórico conflito no processo de luta pela terra e soberania territorial dos povos da floresta, após a eleição da Frente Popular, as ações para implementação do modelo de desenvolvimento no Acre torna-se um elemento fundamental para propaganda internacional do Governo da Floresta como inserçao do Acre na economia do mercado de carbono, pelo modelo de REDD (Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal). O Projeto Purus entra, teoricamente, em 2010 enquanto um dos modelos de preservação das florestas tropicais, garantindo a melhoria de vida dos trabalhadores do campo e garantido a harmonia entre crescimento econômico e preservação da natureza. No entanto, no território para implementação do modelo, iniciou-se um processo de violação territorial da comunidade seringueira que historicamente formou-se na região, o Seringal Itatinga. Nesse sentido, a comunidade passou a ser exposta a regras impostas pelos gestores do projeto, figuras que fazem parte do cenário agrário da região, recriando o cenário de sustentação da concentração de terra no Acre, agora com o aparato da Economia Verde. As alterações impostas na dinâmica territorial da comunidade Itatinga, atingiu a soberania a soberania da comunidade em nome da intensificação da natureza enquanto estratégia de acumulação. O modelo de sustentabilidade que baseia a implementação do Projeto Purus de compensação de carbono, impôs para os trabalhadores a quebra de sua histórica relação metabólica com a natureza, ou seja, a quebra da vivência do território a partir de necessidades para subexistência e não para demandas de mercado que estruturam o sistema do capital e o processo de violação dos direitos territoriais dos povos do campo. 19 Diante desse cenário, estabelecemos como objetivo compreender o processo de violação do território das comunidades no Seringal Itatinga diante do avanço da nova dinâmica de mercantilização da natureza por meio da difusão da política da Economia Verde enquanto solução para o equilíbrio entre crescimento econômico e preservação da natureza e de que forma essa política de sustentabilidade não condiz com a realidade histórica de vivência e construção do território, mas sim enquanto uma nova ferramenta do mercado internacional e governo local para maximizar o processo de acumulação e violação dos direitos de populações tradicionais, que seguem mantendo em seu modo de vida relações de caráter não-capitalistas. Além disso, buscamos demonstrar as diversas formas de violações ao qual a comunidade do Seringal Itatinga foi exposta durante todo o processo de efetivação do Projeto e quais foram os reflexos deste dentro dos sujeitos da comunidade para o processo de resistência em nome da garantização de sua soberania territorial diante das intimidações vividas na região. Para o desenvolvimento dessa pesquisa, com objetivo de compreensão da realidade investigada o método de trabalho qualitativo, baseado em pesquisa em fontes bibliográficas, secundárias e pesquisa de campo para entrevistas com referências da comunidade Itatinga e seus parceiros, como o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Manoel Urbano e a Comissão Pastoral da Terra. A estruturação do trabalho organiza-se tendo em primeiro momento com um resumo teórico referente ao processo de alienação do homem à natureza pelo processo de dominação do capital nas relações sociais em seu processo de expansão e seu processo de alienação do trabalho, bem como o caráter incontrolável do capital de sustentar suas próprias crises, estas que também são base para sua estruturação. Posteriormente, demonstramos como que diante da tentativa de reestruturação do capital a política de sustentabilidade entra na agenda internacional e como o Acre torna-se um Estado modelo de implementação do modelo de sustentabilidade enquanto realização futura de capital por meio da inserção no mercado de baixo carbono. Seguindo, trazemos uma discussão referente ao processo de exploração dos territórios da Amazônia e toda América Latina enquanto fundamentais para o processo de manutenção do caráter colonial de exploração da terra por meio do controle do capital. Bem como, esse controle se materializa historicamente no território do Acre em todo seu desenvolvimento 20 histórico diante dos conflitos dos anos de 1970 e 1980 e a consolidação da resistência dos seringueiros pela direito a soberania territorial. Por fim, por meio das entrevistas realizadas com representantes da comunidade, do Sindicato dos Trabalhadores Rurais e Comissão Pastoral da Terra, demonstramos os atores do conflitos que se desenvolveu no território entre Seringal Itatinga e os representantes do Projeto Purus, que por meio de diversas formas de intimidação, impulseram dentro da comunidade uma dinâmica de resistência por parte dos trabalhadores até então desconhecida, devido ao disfarce do projeto sustentado pelo discurso do desenvolvimento sustentável, este cheio de contradições e enfraquecimentos institucionais. Apesar do Projeto Purus, ocupar além do território do Seringal Itatinga, o território da comunidade Porto Central, para fins metodológicos, o Seringal Itatinga foi escolhido devido ao diálogo já estabelecido com a CPT-ACRE e pela própria articulação entre comunidade com o STR. Uma vez estabelecido a problematização da pesquisa, como caminho metodológico, para compreender como se estrutura o novo modelo de conflito na região veio da , a organização baseada pela pesquisa bibliográfica e, posteriormente, a organização do diálogo entre a bibliografia e os fatos apresentados durante as entrevistas de campo, realizadas em fevereiro de 2019 no município de Manoel Urbano com sujeitos ativos no processo de denúncia ao projeto. O histórico da CPT com a comunidade, bem como os estudos locais referente a crítica de um modelo que geriu o Estado desde o início dos anos 2000, foram fatores fundamentais para o auxílio da construção de uma visão para demonstração do controle social que é imposto desde o processo da falácida da sustentabilidade no Acre. 21 2 ALIENAÇÃO DA RELAÇÃO HOMEM-NATUREZA: A NATUREZA ENQUANTO MERCADORIA Na crise capitalista que, marca o fim do século XX e início do século XXI, a relação homem-sociedade, mediada pelo trabalho, sofre uma intensificação da quebra de sua relação metabólica intensificando a alienação em relação ao trabalho como meio de desenvolvimento humano. A interação do homem com a natureza experimenta efeitos que ainda não estavam ao alcance da humanidade, e a quebra do metabolismo homem-natureza, em nome do processo necessário de expansão e reprodução do capital, coloca em cheque uma série de efeitos no campo do trabalho devido ao caráter alheio do modo de produção aos ritmos de reprodução do meio. No que tange o intercâmbio técnico entre homem e natureza, para sua manipulação por meio de instrumentos, afirma-se Eis, portanto, o traço distintivo da prática instrumental do homem: ela é incisivamente ​técnica ​e mais tarde, ​científico-tecnológica​, pois o ​homo sapiens​, como animal-que-conhece, irá desenvolver sua ciência da Natureza para lidar e intervir melhor sobre o mundo natural, buscando não apenas uma melhor adaptação a ele, mas criando seu próprio mundo social e cultural à sua imagem e semelhança. Com as sociedades de classe, ao desenvolver a técnica-como-tecnologia, o ​homo sapiens ​imprimiu uma marca social sobre a técnica, instrumentalizando-a segundo interesses de classe. Deste modo, a tecnologia aparece para servir à dominação da Natureza pelo capital, posto historicamente como modo de controle estranhando do metabolismo social. (ALVES, 2014, p. 12, grifo do autor). O processo de circulação de capital, moldador para o processo de acumulação no início do século XX, ao atingir seu ponto máximo de concentração intensifica sua expansão necessária para a própria manutenção do modelo de produção, acarretando à um processo que levou ao que conhecemos historicamente como as conquistas dos novos mercados, especialmente nos territórios fonte de matéria-prima, pelos países europeus. Para Lênin (2008), todo o processo significou, diante das ações de grandes indústrias em políticas coloniais, um processo de divisão dos territórios sob dominação em associações capitalistas que até hoje mantém o caráter de exploração regional de países que possuem seus bens naturais explorados pelos países centrais do sistema capitalista. Neste sentido, pretende-se trazer uma revisão referente a reflexão no que diz respeito a forma com que o processo de territorialização do capital dentro de territórios bases para reprodução de povos de caráter não-capitalistas produz um processo de alienação do trabalho 22 na relação deste como meio de emancipação e construção social humanizada. Em seu estudo para compreender o processo de expansão do capitalismo, Rosa Luxemburgo demonstra a forma com que o capital necessita conhecer e conviver com diferentes modos de produção para sua manutenção. Afirma que ao mesmo tempo que desvaloriza as atividades de produção camponesa e artesanal, o capital consegue fazer com que todos os países menos desenvolvidos consigam se integrar por meio de duas maneiras. Tal integração ocorre de duas maneiras: pelo comércio mundial e pelas conquistas coloniais. Ambos começaram juntos, desde a descoberta da América, no final do século XV, e se expandiram ao longo dos séculos posteriores. O apogeu desses processos ocorre, sobretudo, no século XIX e continua a se desenvolver. Comércio mundial e conquistas coloniais agem conjuntamente e colocam os países capitalistas industriais da Europa em contato com toda a sorte de formas de sociedade de outras partes do mundo, com uma economia e de civilização mais antigas, economias escravagistas rurais, economias feudais e principalmente economias comunistas primitivas. (LUXEMBURGO, 2009, p. 394). O processo de busca do capitalismo diante das conquistas coloniais e, mais adiante imperialista, pela extensão territorial, contou com a base fundamental da violência do Estado em destruir relações de produção de caráter comunista primitivo, tratado por Rosa Luxemburgo, onde o processo de expansão do capitalismo demonstra o perfil de barbárie diante do modo de produção e de reprodução de populações baseadas por dinâmicas dentro do caráter comunal, como o indígenas e camponeses, ao mesmo tempo ao qual conseguiu, ao longo de seu desenvolvimento histórico, inserir de forma dialética tais relações sociais não capitalistas como necessárias para a constituição da reprodução do capital. Analisando na perspectiva de Rosa Luxemburgo, partindo da discussão para o uso dos territórios não capitalistas por parte do capital, Robira (2005) considera que o capital possui uma necessidade contínua de expansão e que só é possível de ser efetivada pela utilização dos “territórios reserva” que contam com relações não-capitalistas em seu interior, como uma forma de resolver as crises de expansão e acumulação do capital dentro dos territórios metropolitanos. Para o sistema capitalista, a resistir à dinâmica comercial de economias naturais, em sua essência de formação social, ainda é uma das grandes dificuldades que o sistema necessita enfrentar. É nesse sentindo que o modelo capitalista renova as formas de política colonial como forma de controlar os meios de produção e força de trabalho de forma a garantir estes como força e garantia de domínio. 23 Como forma de enfrentar a resistência dessas dinâmicas, o capital incorpora, mais do que nunca, “seu método de destruição e aniquilação sistemáticas e planejadas dessas organizações sociais não-capitalistas, com as quais entra em choque por força da expansão por ele pretendida” (LUXEMBURGO, 1984, p. 32). Ao mesmo tempo, onde se encontra um processo histórico de violência pelo desenvolvimento do capitalismo a partir da transformação da relações sociais, políticas e territoriais pelo processo de expansão, Rosa Luxemburgo argumenta que apesar da destruição desse tipo de organização ser um processo característico do movimento do capital, a luta pela sobrevivência afirma-se com uma resistência na luta pela vida no território que, dessa forma, de acordo com Oliveira (2002, p.74) “é produto concreto da luta de classes travada pela sociedade no processo de produção de sua existência (...) logo território não é um prius ou um a priori, mas uma contínua luta da sociedade pela socialização igualmente contínua da natureza”. O processo de consolidação de um território possui entre um de seus principais elementos na construção, o trabalho. Este dentro de uma perspectiva histórica-ontológica de formação do homem que deixa de ser apenas um produtor de instrumentos por meio do intercâmbio com a natureza, mas que consegue desenvolver símbolos culturais e linguísticos a partir o trabalho (ALVES, 2014). Uma vez que, as condições de existência por parte de um trabalho estranho é exposto ao homem, consequentemente, é afetada sua relação orgânica entre homem e natureza, e a relação do trabalho, enquanto categoria formadora social, é colocado em ameaça passando a ser controlado pelas ordens científicas de dominação da natureza. A violação de territórios organizada pelos planos de dominação do sistema capitalista, atingem todas essas esferas, criando um processo de alienação entre homem-trabalho-natureza. Nesse sentido, o trabalho deixa de ser um processo de humanizador do homem enquanto elemento criador de relações objetivas e subjetivas, e passa a ser reduzido a uma relação automatizada com objetivos estabelecidos pela demanda do sistema capitalista de acordo com sua demanda e objetivo em determinado período histórico de seu processo de expansão​. 24 2.1 A transformação do trabalho em desconstrução do trabalhador No processo de construção da condição de exploração do trabalhador da terra que, passa de uma produção por meio do trabalho enquanto ser coletivo e passa a produzir além do necessário para sua subsistência, “a partir deste momento, a totalidade do trabalho de uma coletividade não está destinada exclusivamente a manutenção dos produtores. Com uma parte desse trabalho é possível liberar um setor da sociedade da necessidade de trabalhar” (MANDEL, 1973, p. 19, tradução nossa) . 1 A construção da mais-valia por meio do produto social excedente apropriado por uma classe dominante em forma de dinheiro ​via venda e transformação em mercadoria, transforma 2 não somente ao produto, mas também a relação do trabalho, não por quê o trabalho excedente é explorado e não remunerado, mas devido ao estranhamento que é criado entre o trabalhador e a produção da mercadoria. Nesse sentido, o valor de uso do produto do trabalho necessário passa à agregar um valor de troca para o processo de acumulação do capital, levando a uma quebra direta da relação metabólica de transformação da natureza e do homem em si por meio do trabalho em nome de suprir a necessidade da classe dominante e o transforma em dinheiro. A partir do trabalho considerado enquanto supressor de necessidades da classe dominante, independente da relação estabelecida entre homem e natureza pela mediação do trabalho, este enquanto categoria histórico-ontológica, do desenvolver do ser a partir da relação orgânica com a natureza, é esquecida. Na perspectiva da relação do trabalho para antes do sistema capitalista como categoria sócio-histórica, Alves (2014, p. 15) afirma que “o processo de trabalho pré-capitalista constituía uma dimensão de autonomia dos homens livres e dos artesãos pré-capitalistas”. Falamos portanto de um trabalho que, seu desenvolvimento, tinha como base o conhecimento de todo processo de transformação da natureza, logo, o “domínio de seu ofício” Ponte (2014, p. 183) explica que em todo desenvolver da história, o que se definia por 1 ​A partir de este momento, la totalidad del trabajo de una colectividad no está destinada exclusivamente a la manutención de los productores. Con una parte de ese trabajo es posible liberar a un sector de la sociedad de la necesidad de trabajar para subsistir. 2 ​La plusvalúa no es otra cosa que la forma monetaria del producto social excedente. Cuando la calse dominante se apropria de la parte de la produccción social que hemos denominado ‘productor excedente’ exclusicamente en forma de dinero, no se habla ya de ‘producto excedente’, si no de ‘plusvalía’(MANDEL, 1973, p. 13) 25 homem e natureza foram “edificados sobre uma estrutura fragmentária e dicotômica [...] Tal vinculação à esfera mensurável da natureza reforça o princípio de que se torna mais fácil conhecê-la e assim controlá-la” O capital pôde emergir e triunfar sobre seus antecessores históricos como um sistema de controle sociometabólico pelo abandono de todas as considerações da necessidade humana vinculada às limitações dos ​valores de uso ​não quantificáveis, sobrepondo-lhes – como pré-requisito absoluto de sua legitimação para se tornarem alvos aceitáveis de produção – os imperativos fetichistas do ​valor de troca ​quantificável e ​sempre expansivo. (MÉSZÁROS, 2007, p. 56, grifo do autor) A mercadoria é “antes de tudo um objeto externo, uma coisa que, por meio de suas propriedades, satisfaz necessidades humanas de um tipo qualquer” (MARX, 2013, p. 113) e que é independente dos tipos de necessidades que estas estão para suprir. Mandel (1973) afirma que todo produto resultante do trabalho humano deve possuir a satisfação de uma necessidade humana o que denomina-se como valor de uso independe do caráter dessas necessidades e seu uso segue uma linha de acúmulo histórico de cada indivíduo no meio social. Dentro da teoria de Marx (2013, p. 114) “o valor de uso se efetiva apenas no uso ou no consumo” por meio da compra da materialização da riqueza, que é a mercadoria e que fornece bases materiais para a constituição do valor de troca que distinguindo-se do valor de uso pela relação com a qualidade, este está ligado diretamente a quantidade. Dessa forma, o trabalho deixa de ser elemento da formação social para emancipação, uma vez que este é incorporado no processo de produção de mercadorias que possuem um objetivo particular controlado pelo capitalista, produzindo um “valor de uso particular, um artigo determinado”. O trabalho segundo Engels (​apud ​Antunes, 2004, p. 13) “é a condição básica e fundamental de toda a vida humana” e independente das formas de sociedade e tempo histórico “como criador de valores-de-uso, como trabalho útil, é indispensável à existência do homem” (MARX, 2004, p. 64 -65). Rosa Luxemburgo demonstra uma das características essenciais do campesinato e de sua relação com o trabalho que é a produção direta dos alimentos base para a reprodução da família onde a produção independente do valor de uso e valor de troca que o produto possui. O trabalho, enquanto processo dialético, estabelece um metabolismo de coexistência entre homem e natureza que por meio do objetivo de transformar a natureza para a produção de uma matéria que seja útil para sua existência e sobrevivência, mediado pelo trabalho, este não 26 transforma somente o meio natural, mas transforma a si mesmo durante todo o processo de modificação da natureza. O trabalho é, antes de tudo, um processo entre o homem e a natureza, processo este em que o homem controla o seu metabolismo com a natureza. Ele se confronta com a matéria natural como uma potência natural. A fim de se apropriar da matéria natural de uma forma útil para sua própria vida, ele põe em movimento as forças naturais pertecentes a sua corporeidade: seus braços e pernas, cabeça e mãos. Agindo sobre a natureza externa e modificando-a por meio esse movimento, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza. (MARX, 2013, p. 255). Para a compreensão da dialética na perspectiva do trabalho, para Antunes (2008, p. 69), é importante compreender a diferença feita por Marx ao que se trata de trabalho concreto e trabalho abstrato. O trabalho concreto trata da ação útil do trabalho no suprir as necessidades humanas e manutenção da relação metabólica, enquanto o abstrato trata , o trabalho produtivo, sem um fim socialmente útil para o meio de vida, mas voltada diretamente para o processo de valorização do capital. Se anterior à ascensão do capitalismo o trabalho possuía sua diversificação, enquanto fator de construção societal, partindo das múltiplas atividades desenvolvidas, e guiadas pelo suprir das necessidades específicas para sobrevivência do homem, após o modelo tornar-se elemento direto de controle da organização e reprodução do meio social, o trabalho abstrato ganha seu protagonismo. Para além da relação externa com a natureza, dentro da ontologia, o trabalho transforma o homem de si para si desenvolvendo potencialidades até então desconhecidas. O controle capitalista sob o trabalho limita a construção do homem enquanto potência viva de desenvolvimento do ser social enquanto elemento formador e transformador do território. No modelo capitalista de produção, o trabalho não possui objetivo construtivo e humanizador, já que sua consistência está no processo de valorização do capital para o aumento da produção da mais-valia que independe do resultado que, se dá ou não, no processo de permanente formação do ser. Esta passa a ser feita a partir da forma com que o capital encontra um meio de superar a dependência entre produção da mais valia e prolongamento da jornada de trabalho. O trabalho não mais é um fator fundamental para a formação e construção interna e externa do homem, mas passa a valorizada a partir do seu valor de troca dentro do mercado, alimentando o processo de alienação e externalização do homem e natureza que, tornou-se 27 intrínseco ao modelo capitalista de produção de valor. Portanto, a ação do capital transformando os processos de trabalho e seus resultados em valores de troca, submete o trabalho, de elemento humanizador, um elemento de dominação. Em outras palavras, não é o trabalho o agente de dominação, mas as relações sob o capital que o tornam condição de prisão do homem, já que o trabalho também se constitui condição para a emancipação humana. Assim, sob o modo capitalista de produção, contraditoriamente, o trabalho é transformado em algo alheio ao processo de emancipação do homem, exterior a si mesmo. O trabalho estranhado, alienado, se separa o ser humano da sua condição de sujeito na relação homem-natureza e homem-homem, o que se materializa historicamente no distanciamento engendrado pelo capital entre o homem e os meios de produção, consubstanciando-se na propriedade privada, bem como na relação de assalariamento pelo processo de dominação entre sujeitos. (ALVES, 2014, p. 98). Mesmo diante do processo de precarização do trabalho e da apropriação exacerbada dos bens naturais, ao qual o modelo capitalista impôs na política e economia global, o modelo hegemônico vendeu a prática bem sucedida de ascensão do capitalismo ligada diretamente a “melhoria de vida” da população, dando a ideia de um falso bem estar a partir da prática do consumo que sustentou aumento da taxa de lucro. Esse processo torna-se possível por meio da redução do tempo de trabalho necessário – a parte do tempo que o trabalhador utiliza para si – e aumento do mais trabalho, que corresponde ao tempo de trabalho para o capitalista. Dessa forma, o capital aumenta a força produtiva do trabalho ‘mediante mudanças nos meios de trabalho ou nos métodos de trabalho ou em ambos’[MARX, 1988, p. 238] e o processo de valorização do capital passa a se estabelecer por meio da mais-valia relativa. (PREVITALI; FAGIANI, 2014, p. 758) O modelo capitalista alimentou o processo de estranhamento entre produtor e produto fazendo do trabalhador apenas um meio de transformação de matéria prima para mercantilização capitalista, objetivado pela dinâmica de acúmulo e expansão do capitalismo transformando o trabalho em algo alheio a construção da emancipação humana. Nessa lógica, segundo Alves (2014, p. 97) “o trabalho é separado do homem, incorporado pelo capital, que volta na forma de dominação do próprio homem; trabalho concreto a trabalho abstrato: o produto (mercadoria) tende a dominar o produtor” [...] Se mantenía esa unidad entre el productor, el producto y su consumo, porque el productor producía en general para abastecerse o para abastecer a sus familiares, de modo que el traalho conservaba un aspecto directamente funcional. La alienación moderna deriva sobre todo de la separación del productor y su producto, que es resultao de la división del trabalho e de la 28 producción de mercancías, es decir, del trabajo para el mercado, para consumidores desconocidos e no para el consumo del productor. (MANDEL, 1973, p. 22). Se em tempos remotos ao modelo capitalista o trabalho se constitui como um processo de realização humana, no advento do modo capitalista de produção, este passa a ser um meio de desrealização do ser humano como sujeito social a partir do processo de intensificação da atividade alienada ao qual o trabalhador passa a estar submetido. Vale ressaltar que este se mantém subalterno à tal modo de exploração porque não possui alternativa direta e, concreta a organização da sociedade capitalista, onde é somente na venda da força de trabalho, que o trabalhador consegue garantir meios para manter a própria sobrevivência, seja o trabalho desumanizante ou não. O trabalho como meio de construção do sociabilidade humana e base de seu processo de humanização é alienado por meio do assalariamento do trabalho e a força de trabalho se torna uma mercadoria que está a serviço de alcançar diretamente o processo de valorização do capital uma vez que “aquilo que era uma finalidade básica do ser social – a busca de sua realização produtiva e reprodutiva no e pelo trabalho – transfigura-se e se transforma” (ANTUNES, 2005, p. 69). A economia (capitalista) mundializada sujeita a humanidade ao jugo de um terrível poder social cego: o capital. O objetivo fundamental de toda forma social de produção: a relação da sociedade com trabalho, a satisfação das necessidades aparece assim completamente invertida, já que a produção para o lucro e não mais para o homem torna-se a lei sobre a toda a terra e o subconsumo, a insegurança permanente do consumo e em determinados momento o não consumo da maioria da humanidade torna-se regra (LUXEMBURGO, 2009, p. 397). O desenvolvimento do capitalismo no espaço e território efetiva-se a partir da quebra das relações sociais que não possuem seus pressusupostos para sua dinâmica de acumulação. A relação metabólica entre homem e natureza, sofre o que Marx (1844), denomina de “fratura metabólica” que, nada mais é, a quebra da relação de construção e transformação humanizadora que a transformação da natureza mediada pelo trabalho pode trazer não somente para natureza, mas para o ser humano. Como consequência, o estranhamento da relação trabalhador e produto se efetiva a partir do momento em que o trabalhador não produz mais objetos para satisfação de suas necessidades, mas para as necessidades do capital. O produto resultante se torna algo alheio 29 ao homem, e que ao produzir mais produtos, devido a alienação atividade produtiva, mais pobre o homem se torna, devido a todo processo de exploração da força de trabalho ao qual é submetido dentro do objetivo de acumulação capitalista que o mantém cada vez mais oprimido. tendo que produzir somente o que lhe é necessário para existência e não mais para o desenvolvimento humano, e reconhecimento de sua capacidade. A opressão da exploração da classe e dos bens naturais bem como a imposição de um controle territorial dentro das novas formas de controle do capital, impõe um meio de vida que é estranho ao camponês e que vai contra a territorialidade historicamente consolidada por estes sujeitos e sua relação com o meio mediado pelo trabalhom, acarreta um processo proposital de desestruturação da dinâmica de produção e reprodução no território. A alienação do trabalhador no objeto exprime-se assim nas leis da economia política: quanto mais o trabalhador produz, tanto menos tem de consumir; quanto mais valores cria, tanto mais sem valor e mais indgno se torna; quando mais refinado seu produto, tanto mais deformado o trabalhador; quanto mais civilizado o produto tanto mais bárbaso o trabalhador; quanto mais poderoso o trabalho, tanto mais impotente se torna o trabalhador; quanto mais brilhante e pleno de inteligência o trabalho, tanto mais o trabalhador diminui em inteligência e se torna servo da natureza. (MARX, 1964, p. 161) Dessa forma, os controladores dos modos de produção no sistema capitalista intensificam o processo de opressão e exploração de uma classe sobre outra e da exploração dos bens naturais. O trabalhador, enquanto submetido ao modo de produção, sofre diretamente com as mudanças ocorridas ao longo do processo histórico de desenvolvimento e consolidação do modo capitalista, especialmente no século XVIII a partir das profundas alterações na relação entre homem e natureza, especialmente nos países do hemisfério sul onde o capital, historicamente, travou uma guerra para inserir a dinâmica mercantil por meio da destruição sistemática das dinâmicas de vida comunitárias de uso da terra, intensificando a destruição e exploração exacerbada dos bens naturais e, atingindo diretamente o meio cultural de vida e vivência com o território. Nas diferentes formas de recriação do processo de opressão da classe, o Projeto Purus, enquanto projeto intrisicamente criado a partir do controle do processo de produção hegemônico, por exemplo, ao impor que 100 hectares é o suficiente para o desenvolver de uma vida sustentável. No entanto, o processo de organização histórico do território e das formas de tratar a terra que a comunidade seringueira possui, não condiz com uma nova 30 realidade é lhes é imposta pelo Projeto Purus. A lógica da expansão capitalista partindo da reorganização do território a partir de uma divisão internacional do trabalho, com um objetivo direto e comandado historicamente pelas grandes potências internacionais, contando com as facilidades de entrada no território dos países subdesenvolvidos da América Latina, colocaram o território dentro de uma internacionalização que é limitada dentro da dinâmica de privilégios comandada pelos Estados e, com a “globalização, a divisão internacional do trabalho ganha novos dinamismos, sobretudo nos países subdesenvolvidos. A lógica das grandes empresas, internacionais ou nacionais, constitui um dado da produção na política interna e da política internacional de cada país” (SANTOS e SILVEIRA, 2005, p. 254-255). Apesar de sua alta capacidade de expansão e acumulação, o sistema sóciomatabólico do capital, nos mostra Mészáros (2011), é também um sistema destrutivo. No período contemporâneo da economia, com o aumento da concorrência e queda da taxa de lucro, provocou a neccessidade de sobreposição de sua incapacidade de autrocontrole, a partir da busca pela estabilização de novas bases para o processo de reestruturação. Diante da necessidade para garantir sua reprodução, a crise do capital bem como seu processo de reestruturação em seu período de crise estrutural, o capital não resolve nenhuma de suas contradições, mas sim firma processos de intensificação de exploração do trabalho e da natureza, isso porquê, tais contradições são necessárias para sua própria reprodução. Dentre os modelos de reestruturação imposta pelo modelo em sua crise estrutural contemporânea, diante de movimentos sociais, a questão ambiental entra como um dos grandes negócios do capital, diante de sua promessa de esverdeamento enquanto meio de esconder seu caráter destrutivo e alimentando a contradição existente entre a sustentação do modelo e preservação da natureza. 2.2 Crise estrutural do capital e a organização de um modelo de reestruturação A manifestação contemporânea da crise estrutural do capital permite debater um dos pontos fundamentais que são encontrados dentro desse modelo de produção e que é fundamental pra compreensão do seu processo de reestruturação. Tal crise só pode ser, como afirma Carcanholo (2011), “um desdobramento dialético das contradições que foram desenvolvidas nesta fase histórica”. 31 Nesse sentindo, as próprias contradições do capitalismo não somente provocam suas crises cíclicas e a atual crise estrutural do processo de acumulação, como também procura encontrar meios de manter seu caráter “expansionista na busca crescente e desmedida de mais-valor, destrutivo na sua processualidade pautada pela superfluidade e descartabilidade, o sistema do capital torna-se, no limite, incontrolável” (ANTUNES, 2009, p. 11). Em reposta a crise, Fonte (2014, p. 571) analisa que o capital inicia um processo de reestruturação para garantia de sua dinâmica de reprodução e expansão. Novamente, “o trabalho e a natureza passam a ter relevância significativa para buscar a restauração do processo de acumulação do capital, já que segundo Marx (2010, p. 571), ‘as fontes originais de riqueza [são] a terra e o trabalho” O capitalismo contemporâneo teve como sua base histórica de formação o processo de superação da sua crise estrutural dos anos 60/70 resultante da superprodução de capital e da redução da taxa de lucro. Dessa forma, o capital encontrou novas formas de acumulação, especialmente, o capital financeiro, dinheiro gerar dinheiro, sem exploração direta do trabalho onde umas das principais categorias que são efeitos do processo de reestruturação parte do entendimento do capital fictício. O entendimento da categoria do capital fictício em Marx só é possível dentro do que o autor chama de autonomização/substantivação das formas do capital. É possível demonstrar que o capital fictício é o desdobramento dialético do que este autor chama de capital de comércio de dinheiro, passando pelo capital a juros e culminando no capital fictício, no sentido de que a unidade contraditória do capitalismo expressa pelo processo de produção e de apropriação do valor se acentua. (MARX, 1988, VOLS. IV E V, SEÇÕES IV E V ​apud ​CARCANHOLO, 2011, p. 74). Dentro dessa lógica, o rendimento futuro de qualquer investimento passa a ser remuneração, sendo a propriedade capital materializada em um território ou não. “Assim, um capital (fictício) se constitui (passa a existir) com base na promessa de apropriação de uma fração de valor que ainda nem foi produzida” (CARCANHOLO, 2011). Nas análises de Marx já era debatido a forma com que a continuidade do modo de produção capitalista tendo como base a maximização dos lucros, levaria, consequentemente a limitação do uso dos recursos naturais. A fratura da relação metabólica entre homem e natureza mediado pelo trabalho abordado por Marx foi um dos elementos que foram diretamente atingindo pela ascensão da apropriação da natureza e recursos naturais pelo modelo hegemônico. A dinâmica de 32 mercantilização dos bens naturais dentro da racionalidade do modelo capitalista atinge diretamente os territórios dos quais possuem a reprodução e produção do seu meio de vida dependente diretamente ligados ao ambiente, como é o caso das famílias afetadas pelo projeto Purus. Leff (2000) analisa que a relação com meio natural não está restrita somente a relação direta com este, mas também a forma com que a partir deste cria-se condições para desenvolver as práticas culturais que fundamentam as trocas históricas e ecológicas. O sistema capitalista rompeu a harmonia entre os sistemas naturais e as formações sociais. A implantação de modelo tecnológicos e culturais ecologicamente inapropriados, durante uma longa dominação colonial e imperialista, gerou uma irracionalidade produtiva, no sentido de um manejo ecológico e energético ineficiente e dos crescentes custos ambientais na produção de valores de uso e de mercado (LEFF, 2000, p. 26) As crises cíclicas ao qual o sistema sempre esteve predisposto manteve-se por ser natural a existência e manutenção do capital já que “são maneiras de progredir para além de suas barreiras imediatas e, desse modo, estender o dinamismo cruel sua esfera de operação e dominação” (MÉSZÁROS, 2011, p. 795). Sachs (1986) abordou a situação ao qual os países industrializados estão presos após anos de exploração dos recursos naturais. Para o autor, estes encontram-se cada vez mais no enfrentamento de problemas que vão além da escassez de recursos, mas sim relacionados aos custos sociais, culturais e ambientais que passam a ser questionadas “tanto quanto a capacidade das políticas e das economias ocidentais para voltarem ao desempenho que tiveram nos anos cinquenta e sessenta”. Diante de uma série de conflitos que passaram a ser cada vez mais expostos entre o modelo destrutivo do capital e seus efeitos no ambiente, a luta dos movimentos de resistência pelos territórios, e os estudos referentes a precarização do trabalho dentro do modelo, concomitante com a crise estrutural de 70, culminou-se a na discussão da necessidade de um desenvolvimento que tivesse como base ideológica a “harmonização’ entre crescimento econômico e preservação dos povos e meio ambiente, sem afetar o processo de acumulação de capital via reestruturação produtiva (PONTE, 2014). No Acre, a atividade extrativista enquanto matriz econômica e fundamental para o processo de formação do território, com o fim do segundo ciclo da borracha, diante das crises pós Segunda Guerra Mundial, a dependência do mercado internacional diante dos processos de desestabilização, tornaram inviável um processo de reestruturação da atividade do 33 extrativismo enquanto elemento econômico concreto e estável na região. É no contexto de tentativa de reeconstrução do meio de vida na floresta que se forja a autonomia dos seringueiros e a construção de seu processo organizativo para resistência, como veremos adiante. Posteriormente, ao final dos anos 1990, é nesse âmbito que o Governo do Acre entra com o discurso aprimorado contra as políticas hegemônicas em nome da valorização da identidade acreana e reestabelecimento da relação homem-natureza diante da discussão internacional das questões ambientais, levando as políticas de revalorização da atividade extrativista como elemento fundamental para garantia da sustentabilidade. O modelo de consumo e estilo de vida ao qual a humanidade foi submetida dentro do modelo capitalista de produção romantiza uma ideia do pensamento histórico ambientalista, do desenvolvimento da ciência moderna, tendo como um de seus principais elementos o controle da natureza. Herculano (1992, p. 12) critica o caráter fragmentador da ciência a partir dos anos da revolução industrial e de como essa nova ordem social passa a tratar o homem, sua cultura e a natureza como objetos não relacionados. A ciência moderna, surgida com Francis Bacon, Newton e Descartes, passou a ver a natureza como um mecanismo a ser controlado, uma máquina a ser investigada, dominada e subjugada [...]. A ciência moderna é percebida como a cunha que cide, separa, a cultura humana da natureza [...]. A modernidade, que eclodiu a partir do século XVI, com as expansões ultramarinas e as revoluções científica e industrial, transformou a cultura em um processo civilizatório e assim passou a estabelecer uma relação de oposição entre cultura/civilização, de um lado, e natureza de outro. (HERCULANO, 1992, p. 12). A partir da análise desse modelo de consumo, Sachs (1986) demonstra como tal elemento é fonte básica de conflitos no mundo. O autor numera três aspectos que mais tendem a desenvolver conflitos. O primeiro é a estrutura global de relações entre recursos e os seres humanos, em que uma minoria de países, voltados para um pródigo estilo de vida, se apoderou de grande parte dos recursos mundiais. O segundo aspecto é a expansão do mesmo estilo de vida aos estratos dominantes do Terceiro Mundo, o que tem acentuado divisões dentro das sociedades que compõem e entre elas. O terceiro aspecto é a consequência dos dois primeiros e toma a forma de um crescente conflito sobre o acesso, a distribuição e o controle do mundo industrializado e das classes privilegiadas dos países em desenvolvimento. (SACHS, 1986, p. 131). A destruição dos bens naturais historicamente causados pela demanda de acumulação 34 do mercado capitalista nos países do Sul, dentro da política de globalização, fez com que o sistema encontrasse novas formas de se reestruturar em meio a crise sem que, de forma direta, afetasse o modelo de acumulação e os conflitos resultantes. A presença do homem e da dinâmica econômica tais regiões estão ligadas diretamente as demandas e as participações das lógicas econômicas em cada momento histórico, no caso do Brasil, a construção do “mosaico de regiões que hoje constitui a formação socioterritorial brasileira” (SANTOS; SILVEIRA, 2005) Dentro da análise das contradições do capitalismo deve-se enfatizar que a crise do capital que lentamente vêm avançando está ligado as novas formas de deslocar suas contradições que só pode ser “entendida como um processo contraditório de ajustes recíprocos, que pode ser concluído após um longo e doloroso processo de reestruturação radical inevitavelmente ligado às suas próprias contradições” (MÉSZÁROS, 2011, p. 797) Para isso, superar as próprias barreiras no ciclo do neoliberalismo, o capital encontra no discurso do desenvolvimento sustentável uma chave para reestruturação de seu modelo de acumulação a partir da intensificação da financeirização da natureza para a “superação” dos problemas ambientais. Prova-se na análise que Foster (2000) faz do olhar crítico de Marx em seus escritos sobre as revoluções agrícolas, de observar a dominação ao qual os países subdesenvolvidos, na época colônias européias, estavam submetidas para fornecer condições do crescimento do capital emergente, sofrendo anos de exploração e expropriação de seus recursos para a prosperidade de uma burguesia. No nosso caso, o capitalismo já saiu de sua fase emergente, está concretizado, mas mantém uma faixada de um capitalismo verde para garantir a dinâmica de um mercado que enriquece uma burguesia estatal e latifundiária em nome da desterritorialização e quebra da soberania das comunidades tradicionais. O sujeito que constrói no território seu espaço de vivência vital, como é o caso do sujeito seringueiro, posteriormente, o camponês da floresta, que em seus métodos de uso da terra, considerados enquanto rudimentares, demonstra em todo o desenvolver de sua relação metábolica com a natureza a concretização do equilíbrio entre produção para subsistência e preservação dos bens naturais. No Acre, a luta pelo direito ao território no movimento de resistência dos seringueiros, ao longo de seu desenvolver mostrou-se não somente restrito ao viés do acesso e permanência 35 na terra, mas uma luta pelos bens naturais, pela manutenção da natureza enquanto fator de garantização de manutenção da existência dos povos. Estes que mesmo sem saber formam as bases da prática sustentável em sua essência sem regras ditadas pelo mercado. Todavia, é partindo do pressuposto de um capitalismo mais humano, de valorização das relações entre os povos da floresta e sua relação com o meio de forma a recriação de uma ordem econômica, supostamente, em colapso, dentro de um viés ambientalista. 36 3 O PROGRAMA DE (IN)SUSTENTABILIDADE DO ACRE: A TERRITORIALIZAÇÃO DE UM NOVO CONFLITO TERRITORIAL Fenômeno não recente, as mudanças climáticas coloca para a humanidade, desde o Holoceno, a convivência e adaptação à tais transformações naturais, mas é na sociedade moderna que as interferências de caráter antrópico na terra passam a ter efeitos transformadores e preocupantes, ao ponto de levantar discussões referentes as mudanças climáticas globais. A inserção do debate no âmbito dos efeitos causados pela emissão dos gases de efeito estufa e uma série de esforços para construir estratégias de mitigação dos efeitos no clima passam a ser impulsionados. A origem de tais estratégias encontram-se no controle do mercado e seguem o movimento histórico de usar os territórios das nações menos desenvolvidos enquanto palco de ações. Sem uma construção ou debate popular referente as formas de garantir um desenvolvimento menos violento para os bens naturais, a violação territorial volta a ser um elemento presente nas políticas do sistema hegemônico em meio a sua tentativa de mitigar os efeitos destrutivos ao meio natural. Cornetta (2017, p. 95) analisa que “as políticas vêm sendo concebidas e implementadas frente às mudanças climáticas, isto é, baseadas em uma perspectiva isolada marcada pelas modelagens computadorizadas e padronizadas de ‘realidades’ futuras”. Longe de serem resultantes de uma discussão popular, levando em consideração os interesses de populações que dependem da preservação ambiental, as ações de mitigação e políticas ambientais, não estão submetidas somente a discussão do que se pode acontecer na superfície, mas ligadas diretamente à uma série de articulações políticas, que encontraram no discurso sustentável novas formas de acumulação de capital e controle territorial. No Acre a aliança entre Estado, mercado internacional e as formas tradicionais oligárquicas como, o latifúndio local, constroem um discurso cientifico da legitimação dos “projetos de sustentabilidade”, como o projeto de Redd que no Acre, vem ser a primeira experiência da dinâmica de mercantilização do ar. Essa configuração impõe para populações tradicionais, mais um capitulo na história da luta pela terra, agora diante da nova roupagem, mas com o avanço e manutenção do latifúndio. 37 3.1 O suporte do Estado e a implantação da Economia Verde no Acre: a territorialização das políticas de compensação de carbono A crise ambiental ao mesmo tempo que cria uma série de documentos internacionais de comprometimento com a diminuição dos efeitos destrutivos no clima, cria também pretextos “para que as grandes empresas não cumpram seu compromisso público com as energia renováveis e para que os governos, por sua parte, deixem de cumprir metas pactuadas internacionalmente” (PAULA, 2013, p. 30). A questão ambiental uma vez na agenda internacional, trata-se de uma natureza para além de sua lógica de preservação, passa a ser tratada partindo da lógica da acumulação enquanto realização futura de capital. Encontrar formas de manter o modo de produção, com o discurso de modelos produtivos que sejam ambientalmente corretos e que ainda assim, garantam a produção do mercado contando com um dos fatores mais favoráveis para a nova forma de acumulação e exploração capitalista nos territórios tradicionais: a articulação e apoio da comunidade científica, que tenta criar um consenso comum referente aos projetos ligados a Economia Verde, tratando a respeito da materialização da ideologia do desenvolvimento sustentável, a partir da efetivação das ações políticas de organização e implementação de projetos de caráter consciente do uso dos recursos naturais relacionando erradicação da desigualdade enquanto um dos instrumentos que fundamenta o objetivo do projeto: La economía verde en el contexto del desarrollo sostenible y la erradicación de la pobreza. ​Afirmamos que cada país dispone de diferentes enfoques, visiones, modelos y instrumentos, en función de sus circunstancias y prioridades nacionales, para lograr el desarrollo sostenible en sus tres dimensiones, que es nuestro objetivo general. A este respecto, consideramos que la economía verde en el contexto del desarrollo sostenible y la erradicación de la pobreza es uno de los instrumentos más importantes disponibles para lograr el desarrollo sostenible y que podría ofrecer alternativas en cuanto a formulación de políticas, pero no debería consistir en un conjunto de normas rígidas. Ponemos de relieve que la economía verde debería contribuir a la erradicación de la pobreza y el crecimiento económico sostenible, aumentando la inclusión social, mejorando el bienestar humano y creando oportunidades de empleo y trabajo decente para todos, manteniendo al mismo tiempo el funcionamiento saludable de los ecosistemas de la Tierra. (NACIONES UNIDAS, 2012, p.10, ​grifo do autor). A concretização das políticas públicas no território (este já condicionado a dinâmica e interesses do modelo capitalista), procura determinar a construção de novas formas territoriais 38 a partir da monopolização capitalista e transformação dos bens naturais em elementos para especulação e financeirização no mercado, colocando sob sua condição, de violência territorial, modos de vida comunais e sustentáveis em sua essência. A partir disto, o território é “como infraestrutura ou base para acumulação e reprodução do modo de produção capitalista” (WHITACKER, p. 172)​. Segundo Paula e Morais (2013) o que caracteriza o modelo de sustentabilidade criado pelo mercado, seria o reconhecimento do bem natural enquanto capital, e o incentivo de investimento neste para um proveito mais eficiente dos bens naturais, ao mesmo tempo incentivar sua conservação e recuperação para redução da desigualdade. Nesse contexto, materializa-se no território, políticas públicas voltadas para a aplicação do princípio do desenvolvimento sustentável enquanto ferramenta de organização regional. O governo do Estado do Acre em 1999 com a eleição do Partido dos Trabalhadores (PT), usou enquanto conceito norteador da implementação de políticas públicas no Estado, a “Florestania”, buscando em sua teoria “conciliar o crescimento econômico com a inclusão social e a conservação ambiental” (WWF, 2013, p. 15-17), além da função de resgatar a cultura extrativista, bem como sua valorização histórica e cultural. No entanto, o conceito de florestania, bem como o início de movimentações internas governamentais do Estado para sua implementação, teve como um de seus fundamentos básicos o conceito de desenvolvimento sustentável, ao qual Bertha Becker (1999) discute ser uma forma de conciliar a lógica de expansão ao mesmo tempo que oculta a o próprio esgotamento desta. A região Amazônica ao mesmo tempo que, em momentos do desenvolver das formas de controle territorial, é usada partindo da lógica de destruição, também está condenada a determinação de soluções ambientais vinculadas a inserção do mercado e reformas neoliberais, enquanto espaço subordinado ao capital internacional, como é o caso do Banco Internacional de Desenvolvimento (BID). A “adequada governança na gestão dos recursos naturais” (ACOSTA, 2011),proposta pelas grandes instituições de mercado, pelo controle dos países desenvolvidos, geram um cenário de conflitos históricos ao desconsiderar as particularidades existentes no âmbito da construção do território extrativista. Na região da Amazônia Acriana, a forma definida dentro desse modelo de reformulação da estruturação do planejamento regional e ordenamento territorial, na 39 perspectiva de valorização das florestas e do meio extrativista se materializou a partir do Zoneamento Ecológico e Econômico (ZEE), efetivado pela articulação entre Governo do Estado e Governo Federal. Instituído no Acre pela lei n◦1.904, esse Zoneamento tem como atribuição orientar políticas públicas relacionadas a gestão territorial, tendo como norte o desenvolvimento sustentável de forma a garantir as potencialidades do meio sem ultrapassar os limites naturais deste, com a participação conjunta do setor governamental e popular que, na prática, apresenta-se mais como um meio institucionalizado de obter controle dos territórios à serviço dos interesses financeiros. A lei Federal 9.985/2000 , ​que institui o Sistema Nacional de Unidades de 3 Conservação (SNUC) estabelece o uso de coberturas florestais a partir de um uso “sustentável dos recursos florestais e a pesquisa científica, com ênfase em métodos para exploração sustentável de florestas nativas” (BRASIL, 2000, p. 1). Um dos grandes fatores de legitimização das discussões no círculo de debate internacional referente as formas de impor limites ao modelo de destruição do meio natural, a partir das conferências internacionais e uma série de documentos de compromisso com o desenvolvimento sustentável, baseava-se no discurso do uso racional dos recursos naturais e a valorização da cultura dos povos da floresta, bem como o importante processo de certificação florestal como elemento fundamental de legitimação dos planos de manejo florestal, por exemplo. Desse modo, o aprofundamento da mercantilização dos bens naturais assume a aparência de desenvolvimento sustentável. Para tanto, vale-se tanto do ocultamento das imposições emandadas da ​hegemon ​imperial – no sentido de instituir um marco regulatório padronizado nos Estados periféricos e semiperiféricos para o uso sustentálve das florestas – quanto do aval da ciência florestal. Conta ainda com a colaboração e cumplicidade de grandes organizações conservacionistas internacionais. Especialmente na massificação da ideia de que a utilização dos recursos naturais devem sujeitar-se aos mecanismos de mercado, cabendo ao Estado tão somente a institucionalização do novo marco regulatório e cumprimento das funções de controle nele estabelecidos. (PAULA E MORAIS, 2013, p. 351). No Acre, a rearticulação de velhas e novas oligarquias estatais, com acordos entre latifundiários e as agências internacionais para garantir a terra para implantação dos planos de sustentabilidade; a subordinação dos movimentos sociais pós eleições de 1999 concomitante com a adesão ao modelo neoliberal, sob gestão de agentes nacionais e internacionais, por 3 Disponível em : http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9985.htm 40 meio dos grandes financiamentos, como no caso da cooptação de sindicatos feita no Acre que fez este perder sua histórica força enquanto elemento territorial organizativo dos povos da floresta no questionamento, formação e resistência, perante as ações contraditórias do governo. Posteriormente, em dezembro de 2001, a Lei Estadual nº 1.426 determinou, em seu Artigo 20, que “o uso dos recursos das Florestas Públicas de 4 Produção poderá ser concedido sob o regime de concessão florestal, mas sob qualquer circunstância, a exploração deve resultar da aplicação de um plano de manejo aprovado e supervisado pelos órgãos” (BRASIL, 2001). A partir desse momento, preparava-se a legitimação jurídica para que os projetos de Manejos Florestais Sustentáveis (MFS) ​fossem aplicados tanto por parte das populações das 5 florestas como pelo setor privado. O projeto consistiu na abertura de um território para exploração de madeira sem grandes impactos ecológicos e sociais e que seguem uma normativa do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Se no plano governamental do década de 1970 a floresta era vista como um obstáculo a ser superado em nome do desenvolvimento, no início do século XXI a riqueza em biodiversidade no Acre é vista como um laboratório perfeito para os testes de eficiência e gestão dos projetos inseridos na lógica da Economia Verde, tendo como um dos principais financiadores, o Banco Mundial, além do papel principal do Estado como provedor na promoção dos processos de criador de condições para o desenvolvimento do capital. O Estado, com seu monopólio da violência e suas definições da legalidade, tem papel crucial no apoio e promoção desses processos, havendo [...] consideráveis provas de que a transição para o desenvolvimento capitalista dependeu e continua a depender de maneira vital do agir do Estado. (HARVEY,2008, p. 104). A articulação entre o setor público e o setor privado neste cenário inclina-se para criar privilégios aos mecanismos de mercado a partir do crescimento econômico com a conservação ambiental, denominado como a “economia de baixo carbono”. Entra como elemento central de efetivação dessa nova forma de articulação do 4 Disponível em: ​http://www.al.ac.leg.br/leis/wp-content/uploads/2014/09/Lei1426.pdf​. 5 ​É definida pelo Governo Federal como “a administração da floresta para obtenção de benefícios econômicos, sociais e ambientais, respeitando-se os mecanismos de sustentação do ecossistema objeto do manejo e considerando-se, cumulativa ou alternativamente, a utilização de múltiplas espécies de madeireiras, de múltiplos produtos e subprodutor não-madeireiros, bem como a utilização de outros bens e serviços florestais (BRASIL, s/d, p. 1). http://www.al.ac.leg.br/leis/wp-content/uploads/2014/09/Lei1426.pdf 41 mercado capitalista os Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA) , essencialmente 6 constituídos do aparato político e jurídico para comtemplar a política de captação de carbono e outras ações de caráter de conservação, estimulando o processo de mercantilização da natureza como nova forma necessária para garantir e expandir o modelo de expansão e acumulação do modelo capitalista mundial. O modelo extrativista como meio de apropriação de bens e territórios na manutenção de uma dinâmica colonial e neocolonial a partir do movimento do modo de produção capitalista e suas diferentes formas de transformar elementos constituintes do território em rentável. Com o discurso de revalorização da cultura extrativista, apoio financeiro e estatal, são impostas as comunidades tradicionais, agente facilitador com toda sua bagagem de apoio financeiro e estatal impõe para as comunidades tradicionais a forma com que deve ser seguida seu processo de reprodução no território como sujeito do campo, guiando, a partir de uma visão prioritária das necessidades de fornecer o aparato de forma a manter a garantia do lucro dos projetos, como e que o pequeno camponês da floresta deve plantar e qual espaço lhe é autorizado fazer tal atividade. Posteriormente, disputar na esfera ideológica um novo modelo de construção da dinâmica econômica de forma a valorizar as questões identitárias dos povos da floresta do Acre fizeram do desenvolvimento sustentável/Economia Verde, um modelo a ser implementado para garantir as expectativas propostas pelo governo de garantir coerentemente o discurso da sustentabilidade enquanto modelo de valorização econômica. Trataremos adiante que a implementação do projeto Purus de conservação das florestas e mercantilização dos créditos de carbono virá demonstrar que a articulação do Estado com o mercado internacional procuram construir a venda de um discurso de incentivo às ações sustentáveis sem mudar a estrutura de exploração e destruição ao qual se consiste o modelo capitalista desde seus primórdios. No Acre, o modelo sustentável surge com uma prática de violação dos direitos e soberanias territoriais e culturais das comunidades tradicionais com um elaborado discurso que trata dos trabalhadores da floresta e seus métodos rudimentares de produção da terra como agentes de desmatamento para garantir o lucro capitalista e a manutenção de um modelo latifundiário existente desde o período de formação territorial do Acre. 6 ​Define-se como “uma transação voluntária, na qual um serviço ambiental bem definido ou um uso da terra que possa assegurar este serviço é comprado por, pelo menos, um comprador de, pelo menos, um provedor sob a condição de que o provedor garanta a provisão deste serviço”(BRASIL, 2009, p. 11-12). 42 Para Lacoste (2001) os discursos de planejamento do território no âmbito da criação de ambientes harmônicos em busca do equilíbrio são usados como máscaras para organizar o suporte necessário para manter a maximização do lucro “mas também o de organizar estrategicamente o espaço econômico, social e político, de tal forma que o aparelho do Estado possa estar em condições de abafar os movimentos populares” (p. 30) A perda da autonomia da sua reprodução enquanto sujeito com uma cultura e identidade construída a partir da vida reproduzida na terra/floresta, lhes é não somente negada, mas retirada. Inicia-se um processo de resistência que vai para além da permanência na terra, mas pelo direito de garantir sua autonomia de vida social, econômica e política no território. Temos dessa forma, um conflito pela terra que possui, em sua origem, a falsa garantia de valorização do verde, e na realidade, um esverdeamento do processo expropriatório do capitalismo e a manutenção das raízes históricas de conflitos ao qual os camponeses estão sujeitos diante do movimento de destruição do capital. O protocolo de Kyoto ​um dos acordos internacionais mais conhecidos, e considerado 7 um dos sucessos diplomáticos no âmbito do desenvolvimento sustentável, é o acordo de caráter internacional que referencia as nações da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Meio Ambiente (CQNUMC) na criação de meios de mitigação da emissão de gases de efeito estufa, com atenção especial para o gás carbônico considerado o principal causador das mudanças climáticas. O consumo deste, é causado pela intensa atividade industrial para atendimento da demanda mundial por combustível e energia. É a partindo desse referenciamento que é integrado o sistema Cap-and-trade, criado na Califórnia, firmado em 2010, tem como objetivo a venda de créditos internacionais como meio de redução do desmatamento florestal ​retirando das empresas a responsabilidade de 8 reduzir a emissão direta dos gases, a partir da “compra” de créditos de carbono tendo como elemento a articulação política e empresarial de investimento em projetos que garantam a não emissão de gases de efeito estufa, com o objetivo de “compensar” a própria falta de cumprimento do acordo de redução. A implantação de programas de incentivos voltados para a ‘economia verde’ 7 ​O Ministério do Meio Ambiente o define como um tratado que, vigorado em 16 de fevereiro de 2005, tem como função complementar à Convenção- Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, definindo metas de redução de emissões para os países desenvolvidos e os que, à época, apresentavam economia em transição para o capitalismo, considerados os responsáveis históricos pela mudança atual do clima. 8 ​O acordo é firmado entre Acre, Chiapas e Califórnia. 43 pelos últimos governos do Acre vem ganhando força com as políticas internacionais para mudanças climáticas, notadamente pelo papel central que as florestas desempenham neste contexto. (CORNETTA, 2016, p. 237). No Acre, a floresta uma vez considerada um empecilho para implementação do modelo capitalista no início da ocupação territorial, passou de obstáculo a oportunidade de negócios financeiros, como forma de garantir a violação do território dos camponeses da floresta e manutenção do controle da terra pela elite agrária local. Em última instância essa lógica relativiza as exigências legais domésticas e internacionais sobre os controles de emissões de poluentes e outras restrições ambientais. Agora, os descumprimentos das metas de redução de emissões podem deixar de ser passíveis de sanções, se compensados num mercado de compra e venda de ‘estoque’ de carbono (​FAUTISNO; FURTADO, ​2015, p. 30). No histórico de políticas nessa nova fase do Acre, além do MFS (Manejo Florestal Sustentável) está a Política de Valorização do Ativo Ambiental (PVAAF) que dá origem ao Sistema de Incentivos aos Serviços Ambientais, aprovado como Lei Estadual N. 2.308 de 22 de Outubro de 2010. Fica Criado o Sistema Estadual de Incentivos a Serviços Ambientais – SISA, com o objetivo de fomentar a manutenção e a ampliação da oferta dos seguintes serviços e produtor ecossistêmicos: I – o sequestro, a conservação, a manutenção e o aumento do estoque e a diminuição do fluxo de carbono; II- a conservação da beleza cênica natural; III – a conservação da socio biodiversidade; IV – a conservação das águas e dos serviços hídricos; V – a regulação do clima; VI – a valorização cultural e do conhecimento tradicional ecossistêmico; e VII – a conservação e o melhoramento do solo (Art. 1◦ ACRE, 2010). 9 Entre os programas criados no SISA está o Incentivo aos Serviços Ambientais de Carbono (ISA Carbono) que é o projeto que incorpora as ações ligadas à Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação florestal (REDD+). Nesse sentido, o Sisa é considerado como o programa jurisdicional de Redd+ com maior potencial e mais relevante de todo o planeta. É uma “iniciativa governamental que expande a lógica do mercado de carbono contemplando as florestas como sumidouros de carbono e provedoras de outros serviços ambientais” (Relatoria do Direito Humano Ao Meio Ambiente da Plataforma Dhesca, 2015, p. 24) O SISA uma vez considerado como um dos programas mais desenvolvidos no campo 9 ​Acesso ao texto completo da Lei: ​http://www.al.ac.leg.br/leis/wp-content/uploads/2014/09/Lei2308.pdf​, http://www.al.ac.leg.br/leis/wp-content/uploads/2014/09/Lei2308.pdf 44 das políticas de pagamento por serviços ambientais, constrói no Acre um papel essencial dentro das políticas territoriais do Estado não voltada somente para as diretrizes internacionais no controle da emissão dos gases poluentes, mas uma forte ferramenta para garantir um arranjo do meio ambiente que seja atrativo para investimentos ligados aos planos de sustentabilidade ao redor do mundo. Os Serviços Ambientais no Acre alcançou uma significativa posição devido a uma rede de articulação que envolve o Governo do Acre e os grandes Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Banco BNDES, a Cooperação Técnica do Governo da Alemanha, World Wildlife Fund (WWF), Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), Forest Trends, Woods Hole Research Center e outras empresas do ramo de investimento ambiental, além de instituições do governo federal do Brasil, demonstra o Relatório da Economia Verde de 2015. O Acre foi o pioneiro no avanço do SISA pelos financiamentos recebidos pelo Fundo Amazônia; o Banco Alemão de Desenvolvimento (KfW); e da agência aléma de cooperação internacional GIZ; da WWF-Brasil e da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN). Vale ressaltar que, em 2012, o governo do Acre recebeu do banco alemão cerca de 25 milhões de euros, o equivalente a 90 milhões de reais para fomentar iniciativas que reduzam a missão de gases de efeito estufa (Repórter Brasil, 2017). Um elemento que fundamenta a articulação internacional entre o Governo do Acre e as agências de financiamento dos projetos é o próprio contexto histórico, inclusive a própria imagem do líder Chico Mendes, que passou a ser uma figura mundialmente conhecida na luta pela manutenção das florestas. Logo no início dos anos 2000 já com o novo governo, com o lema “Floresta em pé” inicia-se uma intensa participação do Acre, representado pelo seu então Governador Jorge Viana, como um território histórico de um fenômeno ambiental levanta a questão de que apesar de todo contexto de luta, a terra da seringueira permanecia sem uma regulação fundiária que garantisse a preservação ambiental, o fim do latifúndio, e a garantia dos direitos às populações locais. Michael Schmidlehner, ambientalista austríaco, mas naturalizado brasileiro, estudioso dos projetos de REDD afirma que dentro do contexto internacional ao qual estamos inseridos o projeto “visa transferir a responsabilidade para a crise climática de sociedades industrializadas para as comunidades locais, do norte para o sul” . 10 10 ​Matéria completa disponível em: 45 O REDD assegura para uma elite local latifundiária a garantia de acumulação de capital, uma vez que os proprietários recebem recursos financeiros das agências do projeto para ceder o espaço para instalação da atividade. Com essa assertiva, o discurso da “Economia Verde” no Acre possuiu ao longo de sua ascensão um ocultação de certa eficiência no que diz respeito a produção destrutiva que tal modelo, ao ser implementado nos territórios, levam diretamente para as comunidades tradicionais, reforçando um cenário de violação territorial e de direitos, além da manutenção de um modelo de exploração e esverdeamento do capitalismo. No entanto, devemos ressaltar que a Lei desde o início conta com uma série de questionamentos referentes ao objetivo do SISA concomitante com as intenções do governo do estado. O processo de consulta referente a Lei do SISA contou com a resistência por m