1 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE MEDICINA VETERINÁRIA CÂMPUS DE ARAÇATUBA VALIDAÇÃO DA INTRADERMOREAÇÃO DE MONTENEGRO PARA O DIAGNÓSTICO DE LEISHMANIOSE EM FELINOS Ludmila Silva Vicente Sobrinho Médica Veterinária ARAÇATUBA – SP 2014 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE MEDICINA VETERINÁRIA CÂMPUS DE ARAÇATUBA VALIDAÇÃO DA INTRADERMOREAÇÃO DE MONTENEGRO PARA O DIAGNÓSTICO DE LEISHMANIOSE EM FELINOS Ludmila Silva Vicente Sobrinho Orientadora: Profª. Adjunto Mary Marcondes Tese apresentada à Faculdade de Medicina Veterinária - Unesp, Campus de Araçatuba, como parte das exigências para a obtenção do título de Doutor em Ciência Animal (Fisiopatologia Médica e Cirúrgica) ARAÇATUBA - SP 2014 Catalogação na Publicação(CIP) Serviço Técnico de Biblioteca e Documentação – FMVA/UNESP Sobrinho, Ludmila Silva Vicente S677v Validação da intradermoreação de montenegro para o diagnóstico de leishmaniose em felinos / Ludmila Silva Vicente Sobrinho. -- Araçatuba: [s.n], 2014. 88 f. il.; + CD-ROM Tese (Doutorado) – Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Medicina Veterinária, 2014. Orientador: Prof. Adj. Mary Marcondes 1. Antigeno. 2. Reação em Cadeia da Polimerase. 3. Imunidade celular. 4. Imunidade humoral. 5. Hipersensibilidade tardia I. T. CDD 571.9645 DADOS CURRICULARES DA AUTORA LUDMILA SILVA VICENTE SOBRINHO - nascida em 15 de outubro de 1980 na cidade de Araçatuba, Estado de São Paulo, Médica Veterinária formada pela Faculdade de Medicina Veterinária de Araçatuba FMVA - UNESP, em 2007. Durante o período acadêmico desenvolveu atividades relacionadas à iniciação á docência, como bolsista de Iniciação Científica, em dois projetos financiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Recebeu prêmio de “Menção Honrosa” pela apresentação de trabalho no XVII Congresso de Iniciação Científica promovido pela mesma instituição, em 2005. Foi Membro Suplente da representação Discente no Conselho Deliberativo do Hospital Veterinário “Luiz Quintiliano de Oliveira” (2005-2006) e Membro Titular no Conselho do Programa de Pós-graduação em Ciência Animal (2008-2009). Ingressou no Curso de Mestrado da Pós-graduação em Ciência Animal, Área de Concentração em Fisiopatologia Médica e Cirúrgica, na Faculdade de Medicina Veterinária FMVA - UNESP, em março de 2008, sob a orientação da Profª. Adjunto Mary Marcondes, com bolsa e auxílio pesquisa concedidos pela FAPESP. Em 2010, obteve o título de Mestre em Ciência Animal (Fisiopatologia Médica e Cirúrgica) com a dissertação intitulada “Leishmaniose felina e sua associação com imunodeficiência viral e toxoplasmose em gatos provenientes de área endêmica para leishmaniose visceral”. Atuou como Profª. Substituta na Disciplina de Enfermidades Infecciosas dos Animais Domésticos, do Curso de Graduação em Medicina Veterinária, na FMVA - UNESP, de agosto a dezembro/2011. Ingressou no Curso de Doutorado em Ciência Animal, Área de Concentração em Fisiopatologia Médica e Cirúrgica, na FMVA - UNESP, em março de 2011, sob a orientação da Profª. Adjunto Mary Marcondes, sendo contemplada com bolsa de estudo e auxílio pesquisa concedidos pela FAPESP. “Os resultados provêm do aproveitamento das oportunidades e não das soluções dos problemas. A solução dos problemas só restaura a normalidade. As oportunidades significam explorar novos caminhos”. Peter Drucker (1909-2005) DEDICATÓRIA À Deus, pelo sopro de vida, favor e amor derramados sobre mim... Aos meus pais, Sueli (mamãe in memoriam) e Vicente (papai) pelo exemplo de amor, cumplicidade, respeito, carácter, garra e persistência... Meus exemplos de vida! À minha amada família, Tânia (madrasta querida), Vanessa e Heitor (irmãos) pelo amor, compreensão, incentivo e amizade. Amo vocês!!! AGRADECIMENTO ESPECIAL À minha orientadora, Profª. Adjunto Mary Marcondes, pela confiança, dedicação, ensinamentos, incentivo, amizade e carinho durante todos esses anos. Por acompanhar cada etapa deste trabalho com entusiasmo e sabedoria. Agradeço pelas oportunidades de enriquecimento profissional e pessoal. A você minha admiração e gratidão! AGRADECIMENTOS À DEUS, pelo seu amor incondicional e incomparável, por cuidar de todos os detalhes da minha vida, por derramar mais uma porção de bom ânimo, sabedoria e equilíbrio quando surgem as “tempestades da vida”, por sempre me surpreender e me lembrar quem sou e quem Ele é... À minha amada família, ao meu pai e a Tânia pelo amor, apoio e incentivo em todas as decisões da minha vida, a minha irmã Vanessa por todo amor, cumplicidade, orientações, orações e amizade e ao meu irmão Heitor pelo bom humor, carinho e compreensão. Amo muito vocês! Aos docentes e funcionários da Faculdade de Medicina Veterinária de Araçatuba, FMVA - UNESP, pelos legados de ensinamento e profissionalismo. À Pós-graduação em Ciência Animal da Faculdade de Medicina Veterinária de Araçatuba, FMVA - UNESP, pela oportunidade oferecida para a realização dos Cursos de Mestrado e Doutorado. À FMVA - UNESP, na pessoa do Diretor Prof. Dr. Francisco Leydson Formiga Feitosa, por permitir a realização experimental do projeto em sua estrutura física. À Profª. Adjunto Valéria Marçal Félix de Lima, do Departamento de Clínica, Cirurgia e Reprodução Animal da FMVA - UNESP, por ter cedido gentilmente uma sala experimental, bem como ter permitido o uso dos equipamentos do Laboratório de Imunologia. Ao Prof. Adjunto Marcelo Vasconcelos Meireles, do Departamento de Clínica, Cirurgia e Reprodução Animal da FMVA - UNESP, por permitir o uso dos equipamentos do Laboratório de Ornitopatologia. À Profª. Adjunto Cáris Maroni Nunes, do Departamento de Apoio, Produção e Saúde Animal e a Profª. Adjunto Valéria Marçal Félix de Lima, do Departamento de Clínica, Cirurgia e Reprodução Animal da FMVA - UNESP, por sempre demonstrar cumplicidade e estima, bem como permitir o uso dos equipamentos do Laboratório de Bioquímica. À Profª. Drª. Sílvia Helena Venturoli Perri, do Departamento de Apoio, Produção e Saúde Animal da FMVA - UNESP, pela disposição, apreço e dedicação na realização da análise estatística. À Profª. Adjunto Marion Burkhardt de Koivisto, do Departamento de Clínica, Cirurgia e Reprodução Animal da FMVA - UNESP, por disponibilizar o uso do microscópio óptico para captura de imagens. Às funcionárias da Biblioteca da FMVA - UNESP, em especial à bibliotecária Izabel Pereira Matos, pelo auxílio na revisão das referências. Ao Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) do município de Araçatuba, por autorizar a colheita de amostras e pela receptividade. À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), pelo suporte financeiro, bem como pela concessão da bolsa de Doutorado. Ao prof. Dr. José Eduardo Tolezano, pesquisador científico Sênior e Diretor Técnico do centro de Parasitologia e Micologia do Instituto Adolfo Lutz, Coordenador da Rede Estadual de Laboratórios para o Diagnóstico das Leishmanioses do Instituto Adolfo Lutz, por gentilmente fornecer o antígeno de leishmanina de cepa dermotópica. Ao Prof. Dr. Fernando Tobias Silveira, docente da Universidade Federal do Pará - UFPA, do Núcleo de Medicina Tropical e médico-pesquisador em Saúde Pública do Instituto Evandro Chagas, por permitir a utilização do antígeno de leishmanina (cepa viscerotrópica) preparado em seu laboratório. Estendo minha gratidão à Profª. Adjunto Márcia Dalastra Laurenti, USP - LIM50, por empenhar esforço para que estes antígenos chegassem até mim. À Profª. Adjunto Márcia Dalastra Laurenti e a auxiliar de laboratório Thayse Yumie Tomokane, do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP, pela dedicação, receptividade e apoio no transcorrer de minha estada no Laboratório de Investigações Médicas (LIM-50) para a realização das técnicas de diagnóstico para leishmaniose visceral. À Drª. Vânia Lúcia Ribeiro da Matta, pesquisadora vinculada ao LIM-50, pela paciência, altruísmo, orientação sobre as técnicas de PCR e, sobretudo, pela compreensão, carinho e amizade. Minha eterna gratidão! À amiga Mariana Aschar, mestranda vinculada ao LIM-50, pelo compromisso, bom humor, cumplicidade e, sobretudo, pelo auxílio nas incansáveis tentativas de padronização das análises moleculares. Minha eterna gratidão! Aos amigos Silvana, Fernanda e Luizinho, Pós-graduandos do Laboratório de Bioquímica, pela disposição, carinho e auxílio na preparação das soluções. À amiga Profª. Drª. Dana Vanina Plaza, da Universidad Nacional del Litoral - UNL (Argentina), pelo auxílio no acompanhamento das intradermorreações e, sobretudo, pela troca de conhecimento, carinho e amizade, durante sua estada como Professora-visitante. À Drª. Fabiana Augusta Ikeda, pela amizade, incentivo e por permitir que alguns animais fossem coletados e acompanhados em sua clínica particular. Muito grata pela cumplicidade! Aos amigos dessa jornada: Juliana, Karina e Augusto, por auxiliar e compartilhar cada fase desta pesquisa, pelos maravilhosos momentos partilhados, que mesmo em meio a tantas adversidades e intercorrências, enfrentamos juntos, com dedicação, compromisso e competência. Obrigada por tudo! Aos estagiários de Iniciação Científica Jaqueline, André, Mariana e Paula, pelo auxílio na colheita das amostras, bem como pelos bons momentos que passamos juntos. À minha querida amiga Cássia, que mesmo longe sempre demonstrou carinho, apoio e cumplicidade. Obrigada por todos os momentos, risadas, conversas e reflexões. Você é uma guerreira amiga... um exemplo! Amo você! À minha amada amiga Raquel, pela cumplicidade, compreensão, incentivo, bom humor, orações e amor. Obrigada por fazer parte de todos os momentos da minha vida. Amo você! Aos parentes, amigos, residentes, pós-graduandos, funcionários e docentes que ajudaram e fizeram parte, direta ou indiretamente, da concretização deste trabalho. Aos meus filhos peludos, Mel, Tutu, Nisty e Bluffy (in memorian), pelo estímulo, inspiração, companheirismo, amizade e a mais pura expressão do amor. A todos os proprietários dos animais do experimento, por terem depositado sua confiança em mim e na equipe de pesquisa, permitindo que o estudo fosse concluído. A todos os animais do experimento que, mesmo sem compreenderem a importância do estudo, compartilharam sua existência, doando-se para a ciência e fazendo o bem. SUMÁRIO Página I. INTRODUÇÃO.......................................................................................................... II. REVISÃO DE LITERATURA................................................................................... 1. Epidemiologia das leishmanioses........................................................................ 2. Aspectos imunopatológicos.................................................................................. 3. Leishmaniose felina.............................................................................................. III. OBJETIVO.............................................................................................................. IV. MATERIAL E MÉTODOS...................................................................................... 1. Local da pesquisa................................................................................................. 2. Cepas de Leishmania........................................................................................... 3. Animais................................................................................................................. 4. Delineamento experimental.................................................................................. 5. Colheita de sangue total....................................................................................... 6. Exame parasitológico direto................................................................................. 7. ELISA para pesquisa de anticorpos anti-Leishmania spp.................................... 8. RIFI para pesquisa de anticorpos anti-Leishmania spp....................................... 9. Amplificação de DNA de Leishmania spp. pela qPCR........................................ 9.1 Extração de DNA........................................................................................ 9.2 Quantificação e pureza do DNA................................................................. 9.3 Padronização e titulação dos primers JW11/JW12.................................... 9.4 Determinação da curva padrão.................................................................. 10. Intradermoreação de Montenegro (IDRM)......................................................... 11. Análise estatística.............................................................................................. V. RESULTADOS ...................................................................................................... 1. População estudada............................................................................................ 2. Amostragem populacional infectada por Leishmania spp................................... 2.1 Exame parasitológico direto....................................................................... 2.2 ELISA indireto e RIFI.................................................................................. 2.3 PCR em Tempo Real (qPCR)..................................................................... 2.4 Detecção dos fragmentos de DNA............................................................. 2.5 Análise de concordância Kappa................................................................. 2.6 Intradermorreação de Montenegro (IDRM)................................................ VI. DISCUSSÃO......................................................................................................... VII. CONCLUSÕES.................................................................................................... REFERÊNCIAS.......................................................................................................... APÊNDICES............................................................................................................... 01 03 03 05 07 13 14 14 14 14 15 16 16 17 18 19 19 19 19 21 23 24 26 26 27 31 32 33 37 37 37 39 45 46 LISTA DE TABELAS Página Tabela 1. Valores de coeficiente Kappa e sua respectiva concordância, de acordo com Landis & Koch (1977).......................................................................... Tabela 2. Número e percentagem de 96 gatos, provenientes de área endêmica para leishmaniose visceral, segundo o sexo, faixa etária e condição clínica.......................................................................................................... Tabela 3. Número e percentagem de 53 gatos infectados por Leishmania spp., provenientes de área endêmica para leishmaniose visceral, segundo o sexo, faixa etária e condição clínica........................................................... Tabela 4. Exame clínico e resultados do Exame parasitológico direto de linfonodo e medula óssea, ELISA indireto com a média das densidades ópticas (D.O.), título da Reação de Imunofluorescência Indireta (RIFI), Intradermorreação de Montenegro (IDRM) e Reação em cadeia da polimerase em tempo real (qPCR) dos 22 gatos com alterações clínicas e infectados por Leishmania spp................................................................ Tabela 5. Resultados da pesquisa de formas amastigotas de Leishmania spp. por meio do exame parasitológico direto em citologia aspirativa por agulha fina (CAAF) de linfonodo e medula óssea, em número absoluto e percentagem, de 16 gatos do município de Araçatuba-SP........................ Tabela 6. Condição clínica e resultados do Exame parasitológico direto de linfonodo e medula óssea, ELISA indireto com a média das densidades ópticas (D.O.), título da Reação de Imunofluorescência Indireta (RIFI), Intradermorreação de Montenegro (IDRM) e Reação em cadeia da polimerase em tempo real (qPCR) dos 53 gatos infectados por Leishmania spp........................................................................................... 25 26 27 28 32 34 Tabela 7. Resultados dos métodos de ELISA indireto, RIFI e do exame parasitológico direto dos 96 gatos, considerando-se a técnica de qPCR em amostras de medula óssea como padrão ouro para a análise do coeficiente de concordância Kappa.................................. 37 LISTA DE FIGURAS Página Figura 1. Desenvolvimento das linhagens das células Th1 e Th2 a partir da célula TCD4+. A diferenciação de cada linfócito T é iniciada pela presença de citocinas...................................................................................................... Figura 2. Quadros e gráficos representativos das várias titulações dos primers JW11/JW12 para padronização da concentração utilizada nos ensaios, destacando-se em verde (quadro) a proporção 600/600 nM que determinou ciclo de threshold (Ct) mais precoce....................................... Figura 3. Quadros e gráficos representativos das diluições (107 a 102) da cultura de Leishmania infantum chagasi para padronização da curva padrão com os primers JW11/JW12...................................................................................... Figura 4. Fotografia da face interna do membro pélvico direito (inoculo de Leishmania infantum chagasi) e esquerdo (NaCl 0,9%) (A); demonstração da técnica de IDRM, no momento de sua execução na face interna do pavilhão auricular direito (inoculo de L. (L.) amazonensis) (B)........................................................................................ Figura 5. Manifestações clínicas de gatos infectados, diagnosticados pelos métodos parasitológico e/ou molecular. Esplenomegalia confirmada no transoperatório da Ovariosalpingohisterectomia (A), perda de peso (B), rarefação pilosa em pavilhão auricular (C), úlcera em ponta de orelha (D), alopecia periocular bilateral e úlcera no focinho (E)......................... Figura 6. Fotomicrografia de citolologia aspirativa por agulha fina (CAAF) de medula óssea de gato. Notar a presença extracelular da forma amastigota de Leishmania spp. Objetiva de imersão (100X)..................... 06 21 22 24 31 32 Figura 7. Fotomicrografia da reação de imunofluorescência indireta (RIFI). Notar promastigotas de Leishmania spp. fluorescentes na titulação de 1:40 (40X)........................................................................................................... Figura 8. Fotografia da face interna da orelha direita, apresentando pápula eritematosa com área equivalente a 30 mm2 (A=5.6 mm2) no local de aplicação do antígeno de L. (L.) amazonensis transcorridas 24 h do teste (A: medição horizontal e B: medição vertical)................................. 33 38 LISTA DE APÊNDICES Apêndice A. Termo de Consentimento Esclarecido. Apêndice B. Resultados do exame parasitológico direto (linfonodo: Linf.; medula óssea: M.O.), valores de densidades ópticas médias (D.O.) e resultados do ELISA indireto, títulos de anticorpos anti-IgG de gato da RIFI, resultados da qPCR e IDRM, de 96 gatos do município de Araçatuba-SP. Apêndice C. Quadro representativo das diluições (107 a 103) da cultura de Leishmania infantum chagasi, duplicata das amostras de medula óssea de 53 gatos com DNA de Leishmania detectável pela técnica de qPCR e triplicatas dos controles negativos da reação (CN1 e CN2: dois gatos não infectados; NTC: No Template Control). VALIDAÇÃO DA INTRADERMOREAÇÃO DE MONTENEGRO PARA O DIAGNÓSTICO DE LEISHMANIOSE EM FELINOS RESUMO – As leishmanioses são protozoonoses transmitidas nas Américas por fêmeas de flebotomíneos do gênero Lutzomyia infectadas por Leishmania infantum chagasi durante a hematofagia. Embora os cães estejam bem estabelecidos como os principais reservatórios para a doença em áreas urbanas, vários relatos de gatos naturalmente infectados em todo o mundo podem indicar um papel importante desta espécie no ciclo da enfermidade. A detecção de anticorpos circulantes em gatos infectados é difícil, e estes animais são supostamente menos propensos a desenvolver sinais clínicos quando comparados aos cães. Este estudo teve como objetivo avaliar gatos residentes em área endêmica para leishmaniose visceral (LV) por métodos parasitológico e sorológico (ELISA e RIFI), PCR em tempo real (qPCR) e Intradermoreação de Montenegro (IDRM), a fim de verificar se este último pode ser uma ferramenta para identificar gatos infectados. Para tanto, foram utilizados 96 gatos adultos, independentemente do sexo, sintomáticos ou não, provenientes do município de Araçatuba, São Paulo. Considerando os resultados da qPCR e/ou do exame parasitológico, a frequência de infecção em felinos foi de 55,21% (53/96). Dos gatos infectados, 58,49% (31/53) eram assintomáticos, 62,26% (33/53) fêmeas e 41,51% (22/53) com idade entre 1 e 3 anos (p = 0,0002). A maioria dos felinos infectados apresentou baixos títulos de anticorpos (37/53, 69,81%) e não demonstrou alterações clínicas (24/37, 64,86%). Somente dois (2,08%) foram sororeativos na RIFI com títulos de anticorpos iguais a 1:40. Os 96 animais apresentaram IDRM negativa com leishmanina de L. infantum chagasi (4.107 parasitos/mL). Destes, 11 gatos foram selecionados e apenas um felino apresentou IDRM positiva com leishmanina de L. (L.) amazonensis (107 parasitos/mL). Os achados indicaram que a qPCR demonstrou eficácia e deve ser empregada para o diagnóstico da doença em gatos e a IDRM, nas condições em que foi testada, não se constitui uma ferramenta para a identificação de gatos infectados por L. infantum chagasi. Palavras-chave: felino, imunidade celular, imunidade humoral, hipersensibilidade tardia, Reação em Cadeia da Polimerase. MONTENEGRO TEST FOR DIAGNOSIS OF LEISHMANIASIS IN FELINE SUMMARY – Leishmaniasis are protozoan zoonotic diseases transmitted in the Americas by female sandflies of the genus Lutzomyia infected by Leishmania infantum chagasi during blood feeding. Although dogs are well established as the main reservoirs for the disease in urban areas, various reports of cats naturally infected worldwide may indicate an important role of this species in the disease cycle. Since the detection of circulating antibodies in infected cats is difficult, and infected cats in endemic areas are reportedly less likely to develop clinical signs when compared to dogs, this study aimed to evaluate cats living in endemic area by means of parasitological and serological (ELISA and IFAT), real time PCR and Montenegro skin test (MST), in order to use the later test to identify infected cats that did not develop antibody titers or clinical signs of the disease. For this purpose, 96 adult cats, regardless of sex, symptomatic or asymptomatic, from Araçatuba, São Paulo, were evaluated. Considering the results of qPCR and/or parasitological examination, the prevalence of infection in the evaluated population was 55.21% (53/96). Of the infected cats, 58.49% (31/53) were asymptomatic, 62.26% (33/53) females and 41.51% (22/53) aged between 1 and 3 years (p = 0.0002). Most of the infected cats had low antibody titers (37/53, 69.81%) and showed no clinical alterations (24/37, 64.86%). Only two (2.08%) were seroreactive by IFAT with titers of antibodies equal to 1:40. All 96 cats showed negative to MST with leishmanin of L. infantum chagasi (4.107 parasites/mL). Of these, 11 cats were selected and just one was positive to MST with leishmanin of L. (L.) amazonensis (107 parasites/mL). These findings indicate that qPCR demonstrated efficacy and should be used for visceral leishmaniasis diagnosis in cats and the MST, in the conditions in which it was tested, does not constitute a tool for identifying cats infected by L. infantum chagasi. Keywords: cellular immunity, delayed hipersensivity, feline, humoral immunity, PolymeraseChainReaction. 1 I – INTRODUÇÃO As leishmanioses são doenças infecciosas com potencial zoonótico, caráter cosmopolita e de grande impacto na saúde pública, causadas por diferentes espécies de protozoários do gênero Leishmania e transmitidas por vetores dípteros. O espectro da enfermidade clínica resultante da infecção está na dependência da espécie infectante e da condição imune do hospedeiro vertebrado. Desta maneira, as formas da doença podem ser cutânea mucocutânea, cutânea difusa e visceral. As mudanças decorrentes do desenvolvimento urbano, alterações climáticas e competência adaptativa do vetor permitiram a expansão incessante das leishmanioses. Embora a literatura compile informações que confirmam a participação de vários mamíferos na cadeia epidemiológica da leishmaniose visceral, o reservatório doméstico mais relevante para a L. infantum chagasi é o cão (Canis familiaris). Por outro lado, existem relatos de gatos (Felis catus) naturalmente infectados, que levam a crer numa possível participação desta espécie na cadeia epidemiológica da doença. No tocante ao inquérito epidemiológico, o número de gatos infectados ou mesmo doentes em áreas endêmicas parece ser bem inferior ao de cães, sugerindo que aqueles desenvolvam principalmente imunidade celular quando infectados pelo parasito, imunidade esta efetiva para controlar a infecção e conferir certo grau de resistência natural. Deste modo, a maioria dos pesquisadores que visa estabelecer um diagnóstico mais sensível e específico, frente às leishmanioses em felinos, considera os testes sorológicos pouco eficientes quando comparados à resposta humoral dos cães. Diferente de cães, gatos sintomáticos nem sempre desenvolvem anticorpos. Neste entrecho, o crescente número de gatos infectados por Leishmania spp. tem demonstrado a necessidade de identificar estes animais, bem como compreender a resposta imunológica desta espécie, uma vez que já foi comprovado que gatos com leishmaniose possuem capacidade de infectar flebotomíneos. Alguns cães desenvolvem uma resposta imune celular específica contra Leishmania spp., a qual tem sido avaliada por meio da intradermoreação de Montenegro (IDRM). Esta ferramenta diagnóstica se destaca pela capacidade em detectar cães infectados e aparentemente saudáveis, provenientes de áreas endêmicas para leishmaniose, que não são identificados por meio da sorologia. 2 Deste modo, as características de ausência de sinais clínicos, soronegatividade e baixa carga parasitária em felinos infectados por Leishmania spp., constituem um desafio diagnóstico para identificar estes animais. Como a intradermoreação de Montenegro (IDRM) parece ser um método particularmente útil para identificar animais infectados por Leishmania spp. que possuem uma resposta imune basicamente celular e, portanto, não são identificados por meio da sorologia, considera-se importante verificar se esta técnica é capaz de identificar gatos em áreas de risco para doença. Em virtude da dificuldade do diagnóstico de leishmaniose em felinos o objetivo do presente estudo foi avaliar gatos residentes no município de Araçatuba (SP), por meio dos exames parasitológico, sorológicos (ELISA indireto e RIFI), PCR em tempo real e intradermoreação de Montenegro (IDRM), para verificar se a IDRM, nas condições em que é utilizada para cães e seres humanos, também pode ser aplicada como uma ferramenta no diagnóstico da doença nesta espécie animal. 3 II – REVISÃO DE LITERATURA 1. Epidemiologia das leishmanioses A leishmaniose abrange um grupo de doenças causadas por diferentes espécies de protozoários do gênero Leishmania. Estes organismos são pleomórficos intracelulares com formas promastigotas (flageladas) e amastigotas (aflageladas) que se reproduzem assexuadamente por fissão binária. Pertencem à classe Zoomastigophora, à ordem Kinetoplastida, caracterizada pela presença de uma única mitocôndria, rica em DNA, denominada cinetoplasto, e à família Trypanosomatidae (CIARAMELLA; CORONA, 2003; RODGERS et al., 1990). As leishmanias do complexo Leishmania braziliensis e Leishmania mexicana são os agentes causadores da leishmaniose tegumentar (LT), enquanto os agentes etiológicos da leishmaniose visceral (LV) fazem parte complexo Leishmania donovani. Deste modo, a Leishmania donovani e a Leishmania infantum (sinonímia: Leishmania infantum chagasi) são causadoras da forma viscerotrópica na Ásia e África, sendo que a segunda espécie ocorre também na Europa e nas Américas (SHAW et al., 2006). Ao passo que, a forma dermotrópica é causada no Brasil pela infecção da Leishmania (Viannia) guyanensis, Leishmania (Viannia) lainsoni, Leishmania (Viannia) lindenbergi, Leishmania (Viannia) naiffi, Leishmania (Viannia) shawi, Leishmania (Viannia) braziliensis e a Leishmania (Leishmania) amazonensis (BASANO; CAMARGO, 2004; ESCH; PETERSEN, 2013). O ciclo biológico do protozoário é heteroxênico, sendo composto por hospedeiros vertebrados e invertebrados. Os hospedeiros vertebrados são animais silvestres ou domésticos, enquanto que os invertebrados são representados por fêmeas de insetos dípteros, pertencentes à ordem Díptera, família Psychodidae, subfamília Phebotominae e gêneros Phlebotomus (Velho Mundo) e Lutzomyia (Novo Mundo) (BANETH; SOLANO-GALLEGO, 2012; SILVEIRA, et al., 1991). Os principais vetores envolvidos na transmissão das leishmanioses no Brasil compreendem várias espécies do gênero Lutzomyia, a saber, Lutzomyia complexa, Lutzomyia intermedia, Lutzomyia whitmani, Lutzomyia wellcomei (infectados por L. (V.) braziliensis), Lutzomyia flaviscutellata, Lutzomyia olmeca nociva e o Lutzomyia reducta (infectados por L. (L.) amazonensis) (GOMES et al., 1994; PITA-PEREIRA et al., 2009; REBÊLO et al., 1999), bem como o Lutzomyia longipalpis e a Lutzomyia cruzi (infectados por L. infantum chagasi) (BRASIL, 2006; ROMERO; BOELAERT, 4 2010). São insetos pequenos, com 2 a 3 mm de comprimento, revestidos por pelos de coloração palha, caracterizados pelo pouso com as asas entreabertas e discretamente eretas, deslocando-se em voos curtos e silenciosos (REY, 2001). A cadeia epidemiológica inicia-se com o repasto sanguíneo de fêmeas aladas dotadas de formas promastigotas metacíclicas, consideradas infectantes. As formas infectantes são inoculadas na epiderme e fagocitadas por células do sistema mononuclear fagocítico (SMF) e, no interior de macrófagos diferenciam-se em formas amastigotas (aflageladas, redondas com um cinetoplasto evidente) e multiplicam-se por intensa divisão binária. Uma vez repletos de amastigotas, os macrófagos rompem-se e as liberam para outras células fagocíticas no fígado, baço, linfonodos, medula óssea, pele e outros órgãos. Ao picar o hospedeiro vertebrado infectado, o vetor ingere macrófagos parasitados que romperão em seu intestino médio torácico (Estomodeu), liberando as formas amastigotas prontas para novas divisões binárias e diferenciação em promastigotas (flageladas), que posteriormente originarão as paramastigotas (flageladas e fixas ao Estomodeu). Finalmente, o ciclo evolutivo do parasito no hospedeiro invertebrado é completado em 72 horas quando as paramastigotas se transformam em promastigotas metacíclicas (forma infectante) (BANETH; SOLANO-GALLEGO, 2012), que podem bloquear o proventrículo e serem regurgitadas no momento da picada (DIETZE et al., 1991). As leishmanioses são doenças endêmicas em 98 países, somando 350 milhões de pessoas vivendo em áreas de risco (DESJEUX, 2004; ESCH; PETERSEN, 2013). Quanto à LV, estima-se que a cada ano há um aumento de 200 a 400 mil novos registros, com mais de 90% dos casos ocorrendo no Brasil, Índia, Bangladesh, Sudão e Etiópia. A LT possui ampla distribuição com 700 mil a 1,2 milhões de pessoas acometidas nas Américas, Bacia do Mediterrâneo, Oriente Médio, Ásia Central e Ocidental (WHO, 2014). O Brasil está entre os dez países com elevada estimativa que, juntos, correspondem a 75% da incidência mundial para a forma dermotrópica. A estimativa preliminar de mortalidade aponta para 20 a 40 mil óbitos por leishmaniose a cada ano, sendo que 2,7 mil mortes ocorreram no Brasil com registros nos Estados do Pará, Tocantins, Maranhão, Piauí, Ceará, Bahia, Minas Gerais e São Paulo. Todavia, há uma ressalva de que os dados são subestimados, pois não há notificação compulsória em todos os países (ALVAR, et al., 2012; WHO, 2014). 5 O levantamento entomológico no Estado de São Paulo registrou, até 2013, a presença do Lutzomyia longipalpis em 148 municípios, sendo que em 76 houve confirmação de 2.384 casos humanos de LV e 171 óbitos (CVEa, 2014). A partir destes registros, o número de casos humanos, caninos e felinos aumentou e alcançou maior dispersão geográfica, totalizando a ocorrência da zoonose nos 76 dos 645 municípios do território paulista (CVEa, 2014). Segundo os dados do Grupo de Vigilância Epidemiológica (GVE), de 2010 a 2013, a região de Araçatuba registrou 55 casos humanos confirmados de LT e 16 casos de LV com dois óbitos (CVEb; CVEc, 2014). O município de Araçatuba é a segunda maior cidade do noroeste paulista, onde se concentram casos confirmados de LV e LT em humanos (CVEb; CVEc, 2014), bem como casos de LV em caninos (ZANETTE et al., 2014) e felinos (SOBRINHO et al., 2012; VIDES et al., 2011). 2. Aspectos imunopatológicos Estudos realizados em modelos murinos (BALB/c) inoculados com L. major demonstraram que macrófagos parasitados e outras células apresentadoras de antígenos ativam linfócitos T do subtipo CD4+. Estes são estimulados a produzir interleucinas que incitam o desenvolvimento de duas subpopulações de linfócitos T auxiliares (T helper), Th1 e Th2 (BARBIÉRI, 2006; MICHALICK; GENARO, 2007). Quando ativados, os linfócitos Th1 estimulam a produção de citocinas pró- inflamatórias como o fator de necrose tumoral alfa (TNF-α), as interleucinas IL-1, IL- 2, IL-6 e IL-12 e o interferon gama (IFN-γ), o qual eleva a eficiência dos fagócitos e dos linfócitos citotóxicos. Uma vez ativados, os macrófagos produzem superóxido e óxido nítrico (NO), os quais são potentes radicais livres capazes de controlar o parasitismo e eliminar da infecção (ABBAS et al., 2008; PINELLI et al.,1999; WEAVER et al., 2007). Por outro lado, quando a infecção induz a uma resposta de linfócitos Th2, há síntese de citocinas anti-inflamatórias como o fator transformador de crescimento beta (TGF-β) e as interleucinas IL-4, IL-5, IL-6, IL-10 e IL-13, bem como a proliferação de células B e subsequente produção de anticorpos (Figura 1) (MURRAY et al., 2003). Ainda que intensa, a proliferação de imunoglobulinas é pouco efetiva na resposta imunológica contra o parasito intracelular e deletéria devido à deposição de complexos imunes circulantes em vários tecidos (MARTÍNEZ- MORENO et al., 1995; SANTOS-GOMES et al., 2002; WEAVER et al., 2007). Tanto 6 a IL-12 como a IL-4, liberadas no início do processo inflamatório, desempenham um papel crucial no curso da infecção; já que influenciam a resposta imune inata e incitam os linfócitos TCD4+ (ABBAS et al., 2008). Desta maneira, a resposta Th1 está relacionada à resistência e proteção contra a infecção, ao passo que a Th2 está envolvida na suscetibilidade e progresso da doença (BARBIÉRI, 2006; MICHALICK; GENARO, 2007). Figura 1. Desenvolvimento das linhagens das células Th1 e Th2 a partir da célula TCD4+. A diferenciação de cada linfócito T é iniciada pela presença de citocinas específicas. Embora os primeiros estudos tenham demonstrado que a resposta imune à infecção por Leishmania ocorria apenas por meio da dicotomia entre as vias Th1 e Th2, pesquisas recentes demonstraram a participação de uma terceira linhagem de linfócitos CD4+, denominada Th17 (AWASTHI; KUCHROO, 2009; BETTELLI et al., 2007). Este linfócito expressa, dentre outras interleucinas pró-inflamatórias, a IL-17, que induz à formação de vários mediadores, tais como a IL-1, IL-6, TNF-α, óxido nítrico (NO) e metaloproteinases, levando ao recrutamento de neutrófilos e desenvolvimento do processo inflamatório (GUEDES et al., 2010). Novoa et al. (2011) sugeriram a participação da IL-17 no controle da infecção por L. (V.) braziliensis. 7 O balanço da resposta imune mediada por células está relacionado a fatores como os tipos de citocinas presentes no sítio biológico de estimulação, ao tipo de célula apresentadora de antígeno (APC), a natureza e à quantidade de antígeno, à via de inoculação e ao padrão genético do hospedeiro (ABBAS et al., 2000). Em seres humanos assintomáticos ou com alterações subclínicas a via imunológica mediada por células Th1 estimula a produção de IL-2 e IFN-γ com síntese de óxido nítrico pelos fagócitos, contudo, com a progressão da doença ocorre produção de anticorpos, neutralizando a IL-12 com subsequente bloqueio da síntese de IFN-γ (CARVALHO et al., 1992). 3. Leishmaniose felina Embora a literatura compile informações que confirmam a participação de vários mamíferos na cadeia epidemiológica da leishmaniose visceral, o reservatório doméstico mais relevante para a L. infantum chagasi é o cão (Canis familiaris). Por outro lado, existem relatos de gatos (Felis catus domesticus) naturalmente infectados, que levam a crer numa possível participação desta espécie na cadeia epidemiológica da doença (CARDIA, et al., 2013; SOBRINHO et al., 2012; VIDES et al., 2011). A leishmaniose felina tem sido descrita desde 1912, quando identificaram pela primeira vez um gato infectado por Leishmania spp. na Argélia (SERGENT et al., 1912). A partir desta constatação, outros autores descreveram casos de leishmaniose felina no Irã (HATAM et al., 2010), Israel (NASEREDDIN et al., 2008), Grécia (CHATZIS et al., 2014; DAIKOU et al., 2009), Suíça (RUFENACH et al., 2005), França (GREVOT et al., 2005; OZON et al., 1998), Itália (PENNISI et al., 2004; POLI et al., 2002; VITA et al., 2005), Portugal (MAIA et al., 2014; 2010), Espanha (AYLLON et al., 2008; HÉRVAS et al., 1999; LEIVA et al., 2005; MARTÍN- SÁNCHEZ et al., 2007; MIRÓ, et al., 2014; SHERRY et al., 2011), Estados Unidos (TRAINOR et al., 2010) e no Brasil (BRAGA et al., 2014; BRESCIANI et al., 2010; CARDIA, et al., 2013; COELHO et al., 2011; Da SILVA et al., 2010; NETO et al., 2011; SOBRINHO et al., 2012; VIDES et al., 2011). A equipe de Evandro Chagas identificou o primeiro caso de leishmaniose felina no Brasil, quando pesquisava possíveis reservatórios no Estado do Pará (MELLO, 1940), sem, no entanto, identificar a espécie do protozoário. Somente em 1996 um novo caso foi descrito em Minas Gerais (PASSOS et al., 1996). 8 Posteriormente, ocorreram dois relatos de LT, um no Rio de Janeiro (SCHUBACH et al., 2004) e outro no Mato Grosso do Sul (SOUZA et al., 2005). O primeiro diagnóstico confirmado de LV em gato nas Américas ocorreu no ano de 2000, em um animal do município de Cotia, Estado de São Paulo (SAVANI et al., 2004). Em Araçatuba-SP, área endêmica para LV, foi descrita a ocorrência de leishmaniose em gatos, sem discriminar a espécie envolvida na infecção (BRESCIANI, et al., 2010; NETO, et al., 2011; SOBRINHO et al., 2012). No entanto, Tolezano et al. (2007) detectaram L. (L.) amazonensis em dois cães do município supracitado. De acordo com Bray (1982), um bom reservatório deve ter contato próximo com o homem e o vetor, bem como ser suscetível à infecção para permitir a reprodução do protozoário, garantindo a sobrevivência do hospedeiro pelo menos até a próxima fase de transmissão (evolução crônica). Maroli e et al. (2007) foram pioneiros ao confirmarem o poder de infectividade de um gato cronicamente infectado por L. infantum chagasi, demonstrando taxas de repasto sanguíneo, por meio de xenodiagnóstico, e de infecção semelhantes às de cães sintomáticos submetidos às mesmas condições. O segundo relato de xenodiagnóstico positivo em gato foi realizado no Brasil por Da Silva e et al. (2010), os quais reafirmaram a capacidade transmissiva do gato infectado por L. infantum chagasi, podendo participar no ciclo de transmissão da doença. Ambos os estudos com xenodiagnóstico em gatos infectados foram conduzidos sob condições laboratoriais, desta forma, os autores salientam que novas pesquisas são necessárias para elucidar o verdadeiro papel do gato no ciclo epidemiológico da zoonose, comprovando a transmissibilidade ao vetor na natureza (Da SILVA, et al., 2010). Como a comunidade científica ainda desconhece o verdadeiro papel epidemiológico dos felinos nas leishmanioses, todos os dados em conjunto permitem sugerir que a espécie possa atuar como um reservatório alternativo, em vez de acidental (MAIA et al., 2010). Ademais, alguns pesquisadores defendem a hipótese de o gato se portar como uma sentinela, no que diz respeito à manutenção da doença em área endêmica (KIRKPATRICK et al., 1984). Contudo, a opinião dos cientistas parece unânime no que tange a “versatilidade” imunológica da espécie felina, fato que reforça o postulado de resistência natural à infecção pelo protozoário 9 em questão (DAIKOU et al., 2009; PENNISI, 2002; POLI et al., 2002; SOLANO- GALLEGO et al., 2007). A enfermidade em felinos tem sido pesquisada nos últimos 20 anos, principalmente no Brasil e na Europa (PENNISI et al., 2010). Os sinais clínicos da leishmaniose felina não são patognomônicos e incluem manifestações clínicas tais como linfoadenomegalia local ou generalizada, desidratação, depressão, perda de peso, lesões cutâneas como alopecia difusa e dermatite úlcero-crostosa; alterações oftálmicas como uveíte, ulcerações no estroma corneal e iridociclite granulomatosa; estomatite e gengivite, diarreia e êmese (DUNAN et al., 1989; GREVOT et al., 2005; HÉRVAS et al., 1999, 2001; LEIVA et al., 2005; MAROLI et al., 2007; OZON et al., 1998; PENNISI, 1999; VIDES et al., 2011). Apesar da descrição de gatos infectados sintomáticos, a elevada frequência de animais com ausência de sintomas da doença sugere que os felinos parecem ser mais refratários à doença por L. infantum chagasi, quando comparados aos caninos (POLI et al., 2002; SOLANO-GALLEGO et al., 2007). Contudo, diferente dos cães, gatos que desenvolvem sinais clínicos compatíveis com a LV nem sempre apresentam uma resposta imune humoral detectável por meio das técnicas de ELISA e imunofluorescência indireta (RIFI), ademais, estes testes não apresentam boa concordância com o exame parasitológico direto (COSTA et al., 2010; SOBRINHO et al., 2012; VIDES et al., 2011). Apesar da prevalência da doença em populações de gatos, em áreas endêmicas de diversos países, variar de 0,9 a 60% (AYLLON et al., 2008; CHATZIS et al., 2014; MARTÍN-SÁNCHEZ et al., 2007; MIRÓ et al., 2014; NASEREDDIN et al., 2008; POLI et al., 2002; SOBRINHO et al., 2012; SOLANO-GALLEGO et al., 2007; VITA et al., 2005), e de grande parte deles serem assintomáticos (CHATZIS et al., 2014; NASEREDDIN et al., 2008; SOBRINHO et al., 2012; SOLANO-GALLEGO et al., 2007; VITA et al., 2005), um estudo realizado com 55 gatos de área endêmica apresentando dermatopatias revelou uma prevalência de infecção de 49,1%. Chama a atenção o fato de que cinco animais (18,5%) foram identificados exclusivamente por imunoistoquímica das lesões de pele, não tendo sido identificados por meio de exames sorológicos (ELISA e RIFI) ou exame parasitológico direto, mediante a citologia aspirativa por agulha fina de órgãos linfoides (VIDES et al., 2011). 10 A confirmação do diagnóstico de leishmaniose felina sugere que a taxa de prevalência (0,7 a 49,1%), na cidade de Araçatuba-SP, seja dinâmica ao longo do tempo, dependendo da abundância e distribuição dos vetores, bem como do número de hospedeiros vertebrados infectados, ou esteja relacionada ao método de diagnóstico empregado (BRESCIANI et al., 2010; COSTA et al., 2010; ROSSI et al., 2007; SOBRINHO et al., 2012; VIDES et al., 2011). Neste contexto, o crescente número de gatos infectados por Leishmania spp. em áreas endêmicas tem demonstrado a necessidade de um diagnóstico sensível e específico para felinos. Em inquéritos sorológicos a taxa de prevalência da leishmaniose em felinos é inferior à constatada em cães, sugerindo que aqueles desenvolvam principalmente imunidade celular (resistência/proteção), fazendo com que haja um grande número de casos subestimados, que representam risco potencial para transmissão aos vetores (SIMÕES-MATTOS et al., 2005). Estudos demonstraram que os felinos podem representar uma fonte de alimento durante o repasto sanguíneo de flebotomíneos, sendo ainda mais atrativos quando comparados aos cães (JOHNSON et al., 1993; OGOSUKU et al., 1994). Uma ferramenta útil para identificar pacientes expostos tanto às áreas endêmicas para leishmaniose visceral quanto tegumentar, assintomáticos ou curados da infecção por Leishmania spp. que, portanto, nem sempre desenvolvem anticorpos anti-Leishmania spp., é a Intradermoreação de Montenegro (IDRM) (CRESCENTE et al., 2009; GIDWANI et al., 2009; JOSÉ et al., 2001; REIS et al., 2008; SATOW et al., 2013; SILVA et al., 2011). O método consiste na aplicação do antígeno de leishmanina (promastigotas cultivadas in vitro - leishmaninas) por via intradérmica e, após 48 a 72 horas, avalia-se o diâmetro da pápula formada. Em casos de uma área ≥ 5 mm2 considera-se o resultado positivo devido a uma reação de hipersensibilidade do tipo tardia (KHALI et al., 2005; SOKAL, 1975). A resposta de hipersensibilidade tardia, mediante a inoculação intradérmica de leishmanina, avalia a presença ou ausência de resposta imune celular do paciente, a qual se processa quando as promastigotas adentram a cútis. As mesmas são capturadas por células apresentadoras de antígenos, processadas e apresentadas na superfície celular como complexos peptídeos MHC (Complexo Principal de Histocompatibilidade). Em seguida, os linfócitos T são estimulados a interagir com os antígenos apresentados e a secretar várias citocinas, principalmente o TNF-α que ativa o endotélio vascular e promove efeitos 11 inflamatórios. Posteriormente, há aumento da permeabilidade vascular e extravasamento de exsudato inflamatório com migração de outros fagócitos, linfócitos e eritrócitos, levando ao desenvolvimento de edema e eritema local em um a três dias (ROITT et al., 2003). Rotberg (1952) demonstrou que antígenos de Leishmania preparados com parasitos íntegros ou particulados foram capazes de sensibilizar o local e produzir uma reação intradérmica tardia, propondo uma concentração de 107 parasitos/mL para o inóculo em pacientes com LT. Posteriormente, Melo et al. (1977) sugeriram uma padronização do antígeno de L. (V.) braziliensis para uma concentração de 40µg/mL de nitrogênio proteico. Embora o teste de Montenegro seja indicado para o auxílio no diagnóstico da LT, alguns estudos comprovaram sua eficácia na identificação de seres humanos e cães com LV. Ainda que a padronização do inóculo seja controversa com relação ao diagnóstico de ambas as formas clínicas da doença (CRESCENTE et al., 2009; SILVEIRA et al., 2010; 2012; SOLANO-GALLEGO et al., 2001; VIANA, et al., 2011). Estudos prévios verificaram que a resposta intradérmica em cães depende do tipo e da quantidade do antígeno inoculado, confirmando a existência de discrepâncias na literatura quanto à padronização do inóculo (BALEEIRO et al., 2006; SOLANO-GALLEGO et al., 2001). No caso de cães com formas clínicas frustras ou regressivas (assintomáticos) a reação é positiva, sendo negativa quando apresentam forma clínica aguda e crônica (GENARO, 1993; PARANHOS-SILVA et al., 2001; PINELLI et al., 1994; SOLANO-GALLEGO et al., 2001;). Até onde é de nosso conhecimento, esta técnica ainda não foi realizada em felinos domésticos provenientes de área endêmica para leishmaniose visceral. Destarte, ao compilar as evidências científicas a respeito do comportamento imunopatológico e epidemiológico de gatos acometidos por leishmaniose, entende- se que os diagnósticos clínico e sorológico são insuficientes para confirmar a infecção, haja vista que pode não haver correlação entre o título de anticorpos e a manifestação clínica da doença (SIMÕES-MATTOS et al., 2005). Diante do exposto, a avaliação da resposta imune celular, por meio do teste de Montenegro, em gatos residentes em área de risco para leishmaniose é de fundamental importância, uma vez que os mesmos são capazes de infectar os 12 flebotomíneos, não apresentam sinais clínicos patognomônicos e são, em sua maioria, indetectáveis por técnicas sorológicas convencionais. 13 III – OBJETIVO Diante do exposto, o objetivo do presente estudo foi avaliar gatos residentes em área endêmica para leishmaniose visceral, por meio de exames parasitológico, sorológicos (ELISA indireto e RIFI), PCR em tempo real e Intradermoreação de Montenegro (IDRM), para verificar se a IDRM, nas condições em que é utilizada para cães e humanos, também pode ser aplicada como uma ferramenta no diagnóstico de leishmaniose em felinos. 14 IV – MATERIAL E MÉTODOS 1. Local da pesquisa O presente trabalho foi realizado no município de Araçatuba, região noroeste do Estado de São Paulo, localizada sob a latitude 21º12’32’’ sul e uma longitude 50º25’58’’ oeste, estando a uma altitude de 390 m relativa ao nível do mar. Os procedimentos foram executados nas dependências da Faculdade de Medicina Veterinária - UNESP do município supracitado. 2. Cepas de Leishmania Utilizou-se como antígeno de sensibilização nas técnicas sorológicas de ELISA indireto e RIFI, e para confecção da curva padrão da reação em cadeia da polimerase em tempo real (qPCR), cepa de Leishmania infantum chagasi (MHOM/BR/72/cepa46). Outra cepa de Leishmania infantum chagasi (MCAO/BR/2003/M22697 de Barcarena-PA) foi processada como antígeno de leishmanina (SILVEIRA et al., 2012) para a intradermoreação de Montenegro aplicada em todos os felinos. Uma segunda cepa, de L. (L.) amazonensis (cepa MHOM/BR/73/PH8 de referência da Organização Mundial da Saúde) foi utilizada para a realização da IDRM em 11 gatos, dos quais o DNA de Leishmania foi amplificado em amostras de medula óssea, por meio da qPCR. Esta leishmanina foi fornecida pelo Centro de Produção e Pesquisa de Imunobiologia (CPPI), da Secretaria de Estado da Saúde do Paraná. 3. Animais A população de estudo foi constituída por 96 gatos adultos, independente de sexo e raça, sintomáticos ou assintomáticos, provenientes de abrigos ou residências do município de Araçatuba-SP, área endêmica para leishmaniose visceral canina e humana. Os felinos foram classificados de acordo com as variáveis sexo (macho e fêmea), faixa etária (de seis meses a um ano, de um a três anos, de três a cinco anos e acima de cinco anos) e sintomas (sintomático e assintomático). Foi confeccionada uma ficha de dados individuais, na qual constavam a procedência, idade aproximada (estimada pela análise da arcada dentária), sexo, 15 raça e possíveis sinais clínicos encontrados durante o exame físico geral. Todos os animais foram castrados, em troca de sua participação no projeto, e acompanhados durante o pós-operatório com antibióticos e analgésicos até a retirada dos pontos. Os animais foram submetidos à pesquisa do antígeno p27 para o vírus da leucemia felina e anticorpos monoclonais p24 para o vírus da imunodeficiência felina, por meio do kit comercial SNAP® FIV Antibody/FeLV Antigen Combo Test1, conforme as instruções do fabricante. Os gatos sororreagentes ao teste foram excluídos deste estudo para que não houvesse a possibilidade de coinfecção e interferência nos resultados diagnósticos. 4. Delineamento experimental Após o esclarecimento de todos os procedimentos para os proprietários, estes assinaram um Termo de Consentimento (Apêndice A) e os gatos de sua propriedade foram submetidos a um exame físico geral, cujas alterações foram anotadas em fichas individuais, onde constaram também a resenha e anamnese dos mesmos. Após o exame físico geral e registro dos sinais clínicos, os animais foram anestesiados com cloridrato de cetamina 10%2 na dose de 15mg/Kg/IM e cloridrato de xilazina 2%3 na dose de 1mg/Kg/IM para a colheita de sangue total, realização da citologia aspirativa por agulha fina (CAAF) de linfonodo poplíteo e de medula óssea, seguido de orquiectomia ou ovariosalpingohisterectomia e da IDRM. Os felinos foram acompanhados no período pós-operatório com a administração de cloridrato de tramadol4 na dose de 3 mg/Kg/SC/SID e cloridrato de enrofloxacina 2,5%5 5mg/Kg/SC/SID. A utilização de qualquer anti-inflamatório foi descartada para que não houvesse interferência na interpretação dos resultados do teste de Montenegro. Uma alíquota do material obtido por punção de medula óssea, em citrato de sódio, foi utilizada para realização de PCR em tempo real (qPCR) para pesquisa de Leishmania spp., o soro foi utilizado para pesquisa de anticorpos ____________________ 1 IDEXX Laboratories Inc., Westbrook, Maine, USA. 2 Cetamin® - Syntec do Brasil Ltda, Cotia-SP. 3 Xilazin® - Syntec do Brasil Ltda, Cotia-SP. 4 Tramadon® - Cristália Produtos Químicos Farmacêuticos Ltda, São Paulo-SP. 5 Flotril® - Schering-Plough do Brasil Química e Farmacêutica Ltda, São Paulo-SP. 16 Anti-Leishmania spp. por meio do ensaio imunoenzimático (ELISA indireto) e da reação de imunofluorescência indireta (RIFI), e os esfregaços dos órgãos linfóides foram utilizados para realização do exame parasitológico direto. Amostras de medula óssea de oito gatos foram colhidas em citrato de sódio e encaminhadas ao Laboratório Helixxa6 para a realização do sequenciamento genético para a identificação da espécie de Leishmania spp.. A leitura da IDRM foi realizada nos período de 24, 48 e 72 horas pós- inoculação das leishmaninas. O experimento foi delineado conforme os Princípios Éticos na Experimentação Animal (COBEA) e aprovado pela Comissão de Ética na Experimentação Animal (CEEA), segundo o protocolo FOA-9048/10. 5. Colheita de sangue total Após a tricotomia e antissepsia local, a colheita da amostra de sangue total foi realizada por punção da veia jugular, utilizando-se, para tanto, agulhas 25 x 7 mm, acopladas a seringas estéreis. Alíquotas de sangue foram acondicionadas em tubos a vácuo e mantidas em temperatura ambiente até a coagulação e retração visível do coágulo. Em seguida, foi centrifugado a 3000 rpm, durante cinco minutos para melhor separação do soro. Este, por sua vez, foi transferido para microtubos apropriados, com o auxílio de pipeta automática, e congelado imediatamente a - 20C até o momento da realização das provas sorológicas. 6. Exame parasitológico direto A citologia aspirativa por agulha fina (CAAF) do linfonodo poplíteo foi realizada com o auxílio de uma agulha 25 x 7 mm acoplada em seringa de 10 mL, e a amostra de medula óssea foi obtida na região da crista ilíaca, com agulha 40 x 12 mm acoplada à seringa de 20 mL. Posteriormente, para a confecção dos esfregaços, as lâminas foram coradas com corante hematológico7 e observadas para pesquisa direta de formas amastigotas de Leishmania spp. em objetiva de imersão. O material da punção de medula ____________________ 6 Helixxa Bases for Life, Campinas-SP, Brasil. 7 Panótico Rápido® Laborclin, Campinas-SP, Brasil. 17 óssea, no volume de 0,5 mL, foi acondicionado a - 20ºC em microtubos contendo citrato de sódio, para posterior realização da qPCR para pesquisa de DNA de Leishmania spp.. 7. ELISA para pesquisa de anticorpos anti-Leishmania spp. A pesquisa de IgG no soro, determinada por meio da técnica de ELISA indireto, foi realizada da seguinte maneira: as microplacas8 foram sensibilizadas com antígeno total de L. infantum chagasi (cepa MHOM/BR/72/cepa46) numa concentração de 20 g/mL em tampão carbonato 0,05 M com pH 9,5, e incubadas 18 horas a 4ºC. Após a lavagem com PBS-Tween por três vezes, as placas foram bloqueadas com 150 L de solução salina tamponada (PBS) acrescida de leite em pó desnatado a 10%9, e incubadas a 37ºC durante duas horas em câmara úmida. Após nova lavagem com PBS-Tween por três vezes, 100 L das amostras de soros controles positivos, de soros controle negativos (animais hígidos de área não endêmica para leishmaniose visceral), e das amostras de soros dos gatos a serem testados, foram diluídos em 1:200 em PBS contendo 0,05% de Tween 20 e incubados por uma hora a 37ºC. Foram adicionados à placa 100 L, por poço, de proteína A marcada com peroxidase10, previamente titulada em 1:40.000 em PBS-T 0,05%. Após a incubação por 45 minutos a 37ºC, foram adicionados 100 L da solução de tetrametilbenzidina dihidroclorada TMB11 (0,4 mg/mL). As microplacas foram incubadas em câmara escura por 30 minutos a 25ºC. A reação foi interrompida adicionando-se a cada poço 50 L de H2SO4 2N, e a densidade óptica (D.O.) foi determinada a 450nm, utilizando-se o leitor de ELISA12. Entre cada etapa as microplacas foram lavadas com PBS-T por três vezes13. Os resultados foram expressos pela média da densidade óptica obtida dos soros em duplicata. Como controles positivos da reação utilizaram-se soros de gatos que apresentaram formas amastigotas nos esfregaços de medula óssea e/ou linfonodo poplíteo, bem como elevados títulos de IgG anti-Leishmania spp., ____________________ 8 Costar® 3590. 9 Molico® - Nestlè. 10 P8651 Sigma - Aldrich Brasil LTDA, São Paulo-SP. 11 555214 BD San Diego, EUA. 12 Labsystems Multiskan EX, Thermo Fisher Scientific Inc. - Waltham, MA. 13 Lavadora de placa Wellwash 4 - Labsystems. 18 pertencentes à “soroteca” do grupo de pesquisa coordenado pela Profª. Adjunto Mary Marcondes, e como controles negativos, soro de gatos hígidos e provenientes de área não endêmica para as leishmanioses. A determinação do ponto de corte foi estabelecida utilizando-se a média das densidades ópticas de 17 animais soronegativos, acrescida de dois desvios padrões. Desta forma, foi considerado o ponto de corte de 0,225. 8. RIFI para pesquisa de anticorpos anti-Leishmania spp. Cada círculo das lâminas de imunofluorescência14 foi sensibilizado com 20 L da suspensão de parasitos (L. infantum chagasi, cepa MHOM/BR/72/cepa46) em solução salina tamponada (SST). Após a secagem em estufa, as mesmas foram embaladas em papel extrafino e papel alumínio, e acondicionadas em freezer a - 20ºC. No momento do uso, as lâminas foram descongeladas em estufa a 37º C durante cinco minutos. Em cada círculo, previamente impregnado com antígeno foram adicionados 20 L das amostras de soro dos gatos a serem testados, bem como dos controles positivo e negativo, diluídas em SST com pH 7,2 na concentração de 1:20 e 1:40. As lâminas foram incubadas em câmara úmida a 37ºC por 30 minutos e lavadas, por imersão, três vezes com SST durante cinco minutos cada. Após a secagem, foram acrescidos 20 µL de anticorpo anti-IgG de gato conjugado com isotiocinato de fluoresceína15 diluído a 1:100 em azul de Evans 4 mg%16. Após a secagem, as lâminas foram montadas com glicerina tamponada em carbonato-bicarbonato em pH 8,0 e recobertas com lamínula para leitura em microscópio de imunofluorescência17 com objetiva de 40X. Foram consideradas reagentes as amostras que demonstraram as promastigotas fluorescentes, inclusive o flagelo, e não reagentes as que apresentarem os parasitos sem fluorescência, com coloração avermelhada. O ponto de corte da reação foi 1:40. ____________________ 14 Perfecta® 213. 15 F4262, FITC antibodyproduced in goat, Sigma-Aldrich - St. Luis, MO, EUA. 16 Direct Blue 53, CI 23860, E 2129, 100 g, Sigma-Aldrich - St. Luis, MO, EUA. 17 Olympus® modelo BX51TRF. 19 As amostras de soro reagentes foram novamente testadas em titulações seriadas na razão de 2 a partir de 1:40, ou seja, 1:80, 1:160, 1:320, até que a última diluição não apresentasse promastigotas fluorescentes, para determinar o título de anticorpos presentes na amostra. 9. Amplificação de DNA de Leishmania spp. pela qPCR 9.1 Extração de DNA Após o descongelamento, em temperatura ambiente, as amostras de medula óssea em citrato de sódio foram submetidas à extração de DNA por meio de kit comercial18, segundo as recomendações do fabricante. 9.2 Quantificação e pureza do DNA O DNA genômico foi quantificado em espectrofotômetro19, através do qual foram obtidas amostras com valores da relação de absorbância 260/280 entre 1,8 e 2,0. Alíquotas do DNA extraído foram estocadas a - 20°C. 9.3 Padronização e titulação dos primers JW11/JW12 Os oligonucleotídeos de escolha foram baseados em estudos prévios com amplificação de kDNA de Leishmania spp. (MELO et al., 2013; NICOLAS et al., 2002; RANASINGHE et al., 2008). Deste modo, foram utilizados os primers JW11/JW12 (Foward 5’-CCT ATT TTA CAC CAA CCC CCA GT-3’ e Reverse 5’-GGG TAG GGG CGT TCT GCG AAA- 3’), que amplificam 116 pb do minicírculo do kDNA da Leishmania spp.. O ensaio para determinação da titulação dos primers encontra-se descrito a seguir. As reações de qPCR foram processadas em termociclador20, utilizando-se mastermix comercial com fluoróforo SYBR Green21, 600 nM de cada oligonucleotídeo iniciador e 5 μL de DNA, totalizando um volume de 25 μL. ____________________ 18 DNeasy Blood & Tissue kit 69506, Qiagen®, Valencia, CA, EUA. 19 NanoDrop ND-1000, Nano-Drop Technologies®, Wilmington, DE, EUA. 20 CFX96TM Real-Time System, Bio-Rad®, Hercules, CA, EUA. 21 SYBR® Green JumpStart Taq ReadMix S4438, Sigma-Aldrich®, Saint Louis, MO, EUA. 20 As amostras, em duplicata, foram submetidas inicialmente ao processo de desnaturação a 94°C por 2 minutos, seguido por 40 ciclos de amplificação (94°C por 15 segundos), seguido de 60°C por 1 minuto, momento em que os dados de fluorescência foram captados. Posteriormente, as amostras foram submetidas à temperatura de 60ºC a 95ºC, com incremento de 0,5°C a cada 5 segundos, para a realização da curva de dissociação (melting curve). Um valor de ciclos de threshold (Ct) foi calculado para cada amostra, pela determinação do ponto em que a fluorescência ultrapassou o limiar de detecção. Em cada placa de qPCR foi acrescentado controles negativos para a reação, em triplicata, representados pelo mastermix, acrescido de água livre de nucleases substituindo a amostra (No Template Control - NTC); dois controles negativos, em triplicata (CN), de amostras de medula óssea de gatos não infectados por Leishmania spp. (Apêndice D). A titulação dos primers para padronização das concentrações está em destaque no quadro a seguir. Os oligonucleotídeos foram reconstituídos em água livre de nucleases, obedecendo a proporção de 600/600 nM, a qual demonstrou Ct mais precoces, com melhores eficiências nas curvas de dissociação ou melting curve, cujo pico de cada alíquota foi único e marcado exatamente na temperatura 83,5ºC para os primers JW11/JW12 (Figura 2). 21 Figura 2. Quadros e gráficos representativos das várias titulações dos primers JW11/JW12 para padronização da concentração utilizada nos ensaios, destacando-se em verde (quadro) a proporção 600/600 nM que determinou ciclo de threshold (Ct) mais precoce. 9.4 Determinação da curva padrão A construção da curva padrão foi determinada por meio da diluição do DNA de L. infantum chagasi (cepa MHOM/BR/72/cepa46), extraído da cultura com 2,25.108 promastigotas/mL pelo método do fenol-clorofórmio. A incubação da cultura utilizou tampão de lise com acetato de sódio (0,2M), 25 µL de SDS (10%) e 5 µL de proteinase K22 a 20 µg/mL, durante 1 hora a 56ºC. Ao produto da digestão foi adicionado fenol:clorofórmio:álcool isoamílico 25:24:123, sendo o DNA precipitado em etanol absoluto gelado e ressuspendido com 180 µL de tampão TE (10 mM Tris, 1 mM EDTA, pH 7,5). ____________________ 22 P2308, Sigma-Aldrich®, Saint Louis, MO, EUA. 23 P3803, Sigma-Aldrich®, Saint Louis, MO, EUA. 22 A relação da absorbância 260/280 foi de 1,92. Prosseguiu-se com 10 diluições seriadas em triplicata (2,25.107 a 2,25.10-2 promatigotas/mL) para comporem a curva padrão de quantificação, as quais foram acondicionadas a - 20ºC. No decorrer da experimentação optou-se por realizar uma curva padrão com amostras de cultura menos diluídas (107 a 102 promatigotas/mL) para estabelecer uma quantificação mais precisa, na tentativa de excluir a ocorrência de primer-dimer, bem como testar os primers JW11/JW12 na concentração de 600/600nM (Figura 3). Figura 3. Quadros e gráficos representativos das diluições (107 a 102) da cultura de L. infantum chagasi para padronização da curva padrão com os primers JW11/JW12. 23 A análise de regressão linear, para curva padrão com JW11/JW12, revelou um slope de -3,33 com eficiência de 99,3% (mensuram a eficiência da reação de amplificação na fase log-linear) e coeficiente de correlação linear de 0,998 (R2; mensura o ajuste dos dados na curva padrão, ou seja, reflete a linearidade e reprodutibilidade em 0,999). Neste ensejo, a diluição de 102 consiste no limiar de detecção de amplicons, conforme constatado por Ranasinghe et al. (2008). Deste modo, para compor o ensaio com as amostras de medula óssea foram aplicadas, em duplicata para cada placa, as diluições de 107 a 103 promatigotas/mL, juntamente com os controles negativos (medula de dois gatos não infectados - CN 1 e CN 2) e o No Template Control (NTC). 10. Intradermoreação de Montenegro (IDRM) Os procedimentos para o teste intradérmico foram fundamentados em estudos prévios de leishmaniose tegumentar americana em pacientes humanos (SILVEIRA et al., 1991;1998) e leishmaniose visceral em cães (SILVEIRA et al., 2012). O antígeno de L. infantum chagasi foi produzido por meio do cultivo de formas promastigotas da fase estacionária (RPMI) da cepa regional (MCAO/BR/2003/M22697 de Barcarena-PA), que foram inativadas com timerosal (1:10.000) na concentração final de 4.108 parasitos/mL (~6,5 mg de proteínas/mL) (SILVEIRA et al., 2012). Posteriormente, 0,1 mL desta suspensão (4.107 parasitos; ~ 0,65 mg de proteína) foi utilizada para a inoculação intradérmica na face medial da coxa direita de cada felino. Como controle negativo da reação, a dose de 0,1 mL de NaCl 0,9% foi inoculada na face medial coxa contralateral. Em função dos resultados nos 96 gatos, houve uma suspeita de que houvesse algum problema com a qualidade do antígeno. Sendo assim, optamos por testá-lo em cinco cães naturalmente infectados por Leishmania spp. e assintomáticos, com o intuito de verificar a potencialidade da leishmanina. Todos os animais apresentaram resultados de IDRM positivos em até 72 horas. A constatação de testes cutâneos reagentes ao antígeno de leishmanina com cepa de Leishmania infantum chagasi descartou a hipótese de inviabilidade da leishmanina utilizada também nos felinos. 24 Do total de animais avaliados na primeira etapa do experimento, 11 gatos assintomáticos e com diagnóstico de leishmaniose confirmado pela qPCR, foram submetidos ao teste de Montenegro com antígeno de L. (L.) amazonensis (cepa de referência OMS MHOM/BR/73/PH8). Seguindo as especificações da bula, tal como é usado em seres humanos, inoculou-se 0,1 mL de leishmanina contendo 107 parasitos/mL na concentração de 40 µg/mL de nitrogênio protéico na face interna do pavilhão auricular direito. Como controle negativo das reações, a dose de 0,1 mL de NaCl 0,9% foi inoculada na face interna do pavilhão auricular esquerdo. As regiões de inoculação das leishmaninas e da solução fisiológica foram mensuradas em três etapas: 24, 48 e 72 horas pós-inoculação, sendo considerados positivos os gatos com enduração ou eritema ≥ 25 mm2 de área (KHALI et al., 2005; SOKAL, 1975). A demonstração das técnicas em gatos está representada a seguir (Figura 4 A e B). Figura 4. Fotografia da face interna do membro pélvico direito (inoculo de Leishmania infantum chagasi) e esquerdo (NaCl 0,9%) (A); demonstração da técnica de IDRM, no momento de sua execução na face interna do pavilhão auricular direito (inoculo de L. (L.) amazonensis) (B). 11. Análise estatística Os resultados foram submetidos à análise estatística através dos testes não paramétricos de Qui-quadrado (2) para proporções. 25 O coeficiente Kappa foi usado para avaliar a concordância entre os métodos de ELISA indireto, RIFI, exame parasitológico direto e qPCR; interpretados de acordo com Landis e Koch (1977) (Tabela 1). Os resultados das análises estatísticas foram considerados significativos quando p < 0,05. As análises foram efetuadas empregando-se o programa Statistical Analysis System (SAS, 1999). Tabela 1. Valores de coeficiente Kappa e sua respectiva concordância, de acordo com Landis e Koch (1977) Kappa Níveis de concordância 0,00 - 0,20 não significante 0,21 - 0,40 fraca 0,41 - 0,60 moderada 0,61 - 0,80 boa 0,81 - 1,00 excelente 26 V – RESULTADOS 1. População estudada A população objeto de estudo foi composta por 96 gatos, provenientes de abrigos e residências com livre acesso à rua, sendo 64 (66,67%) fêmeas e 32 (33,34%) machos, 94 (97,92%) animais sem raça definida e dois (2,08%) gatos da raça Siamesa. Os felinos entre seis meses e um ano de idade compreendiam 41,67% (40/96) da população estudada, 35,41% (34/96) possuíam entre um e três anos, 15,63% (15/96) de três a cinco anos e 7,29% (7/96) tinham idade superior a cinco anos (Tabela 2). No que tange à condição clínica dos animais avaliados, 59,37% (57/96) eram clinicamente sadios, enquanto 40,63% (39/96) apresentavam alterações clínicas ao exame físico geral (Tabela 2). Tabela 2. Número e percentagem de 96 gatos, provenientes de área endêmica para leishmaniose visceral, segundo o sexo, faixa etária e condição clínica Variáveis População estudada Sexo Macho 32 (33,34%) Fêmea 64 (66,67%) Raça Definida 2 (2,08%) Indefinida 94 (97,92%) Faixa etária 6 meses-1 ano 40 (41,67%) 1-3 anos 34 (35,41%) 3-5 anos 15 (15,63%) >5 anos 7 (7,29%) Condição clínica Sintomático 39 (40,63%) Assintomático 57 (59,37%) 27 2. Amostragem populacional infectada por Leishmania spp. Foram considerados infectados apenas os gatos cujo diagnóstico foi concluído com o resultado dos exames parasitológicos direto e/ou a qPCR, determinando uma frequência de infecção de 55,21% (53/96) na população estudada. O perfil amostral de acordo com as variáveis sexo, raça, faixa etária e condição clínica revelou uma associação estatisticamente significativa apenas entre os grupos etários e a ocorrência de leishmaniose (p = 0,0002), sendo os gatos entre um e três anos de idade mais predispostos à infecção, seguido dos animais entre seis meses e um ano, três e cinco anos e com idade superior a cinco anos (Tabela 3). Tabela 3. Número e percentagem de 53 gatos infectados por Leishmania spp., provenientes de área endêmica para leishmaniose visceral, segundo o sexo, faixa etária e condição clínica Variáveis Animais infectados P Sexo Macho 20 (37,74%) 0,0741 Fêmea 33 (62,26%) Faixa etária 6 meses-1 ano 20 (37,74%) 1-3 anos 22 (41,51%) 0,0002* 3-5 anos 8 (15,09%) >5 anos 3 (5,66%) Condição clínica Sintomático 22 (41,51%) 0,2164 Assintomático 31 (58,49%) *Teste de 2 para proporções (p < 0,05 significativo). Apesar de a maioria dos animais infectados serem assintomáticos, 41,51% (22/53) dos gatos demonstraram um quadro clínico diversificado e compatível com a doença, sobretudo com relação às dermatopatias (Tabela 4 e Figura 5). 28 Tabela 4. Exame clínico e resultados do exame parasitológico direto de linfonodo e medula óssea, ELISA indireto com a média das densidades ópticas (D.O.), título da Reação de Imunofluorescência Indireta (RIFI), Intradermorreação de Montenegro (IDRM) e Reação em cadeia da polimerase em tempo real (qPCR) dos 22 gatos com alterações clínicas e infectados por Leishmania spp. Animais Exame clínico Exame parasitológico ELISA indireto (D.O. média) RIFI IDRM qPCR linfonodo medula óssea Magro, desidratação 8%, diarreia, puliciose, 1 secreção ocular mucoide bilateral e - - - - - + seborreia Magro, puliciose, linfoadenomegalia 2 de poplíteos - - - - - + Magro, desidratação 6%, icterícia, 3 descamação furfurácea dorsal, - - 0,343 - - + DUA e alopecia circular occiptal 4 Caquexia, desidratação 6%, puliciose - - - - - + Magro, linfoadenomegalia de poplíteos e 5 esplenomegalia - - 0,289 - - + 6 Linfoadenomegalia de poplíteos - - - - - + Linfoadenomegalia de poplíteos e 7 puliciose - - 0,504 - - + continua... 29 continuação... Animais Exame clínico Exame parasitológico ELISA indireto (D.O. média) RIFI IDRM qPCR linfonodo medula óssea Linfoadenomegalia de submandibulares 8 e poplíteos - - - - - + Esplenomegalia, alopecia periocular 9 bilateral, ulceração no focinho, + - - 1:40 - + espirro e tosse Alopecia circular eritematosa 10 em região dorsal - + 0,330 1:40 - + Magro, rarefação pilosa em pavilhão 11 auricular, descamação furfurácea e - + - - - + alopecia em região cefálica Magro, rarefação pilosa em região 12 cervical dorsal e puliciose - + - - - + Esplenomegalia, rarefação pilosa 13 disseminada em região ventral - - 2,009 - - + Esplenomegalia, rarefação pilosa em 14 pavilhão auricular com crostas - + 0,267 - - + melicéricas 15 Linfoadenomegalia de poplíteos - - - - - + continua... 30 continuação... Animais Exame clínico Exame parasitológico ELISA indireto (D.O. média) RIFI IDRM qPCR linfonodo medula óssea 16 Hepatoesplenomegalia - + - - - + Magro, secreção ocular serosa bilateral, 17 secreção nasal purulenta bilateral, - - 1,038 - - + espirro e tosse 18 Magro e secreção ocular purulenta bilateral - - 1,339 - - + 19 Linfoadenomegalia de poplíteos e puliciose - + - - - + Lesões ulcerativas e crostosas em 20 pavilhões auriculares - - 0,258 - - + Lesão crostosa em pavilhão 21 auricular direito - - - - - + Linfoadenomegalia de poplíteos, alopecia 22 periocular bilateral, secreção ocular e - + - - - + úlcera em ponta de orelha esquerda (-) negativo, (+) positivo. 31 Figura 5. Manifestações clínicas de gatos infectados, diagnosticados pelos métodos parasitológico e/ou molecular. Esplenomegalia confirmada no transoperatório da Ovariosalpingohisterectomia (A), perda de peso (B), rarefação pilosa em pavilhão auricular (C), úlcera em ponta de orelha (D), alopecia periocular bilateral e úlcera no focinho (E). 2.1 Exame parasitológico direto A citologia aspirativa por agulha fina de linfonodo e de medula óssea evidenciou formas amastigotas do parasito em 16,67% (16/96) dos animais. Apenas dois felinos apresentaram parasitismo em ambos os órgãos linfóides, 75% (12/16) somente na medula óssea e 12,50% (2/16) exclusivamente em linfonodo (Tabela 5 e Figura 6). 32 Tabela 5. Resultados da pesquisa de formas amastigotas de Leishmania spp. por meio do exame parasitológico direto em citologia aspirativa por agulha fina (CAAF) de linfonodo e medula óssea, em número absoluto e percentagem, de 16 gatos do município de Araçatuba-SP Tecido CAAF Nº de animais Percentagem medula óssea 12 75% linfonodo 2 12,50% medula óssea e linfonodo 2 12,50% Total 16 100% Figura 6. Fotomicrografia de citolologia aspirativa por agulha fina (CAAF) de medula óssea de gato. Notar a presença extracelular da forma amastigota de Leishmania spp. Objetiva de imersão (100X). 2.2 ELISA indireto e RIFI Dos 96 gatos submetidos à sorologia, 31 (32,29%) apresentaram valores de densidade óptica (D.O.) acima do ponto de corte para a técnica de ELISA e dois 10µm 33 (2,08%) foram sororeativos na reação de imunofluorescência indireta com títulos de anticorpos iguais a 1:40 (Figura 7). A maioria dos felinos infectados apresentou baixos títulos de anticorpos (37/53) e não demonstrou alterações clínicas (24/37) (Tabela 6). Dos 16 gatos que apresentaram formas amastigotas no exame parasitológico direto, bem como DNA do parasito em medula óssea, apenas 25% (4/16) foram sororeagentes (Tabela 6). Figura 7. Fotomicrografia da reação de imunofluorescência indireta (RIFI). Notar promastigotas de Leishmania spp. fluorescentes na titulação de 1:40 (40X). 2.3 PCR em Tempo Real (qPCR) Das 96 amostras de medula óssea, em 55,21% (53/96) amplificou-se DNA do protozoário (Tabela 6). 34 Tabela 6. Condição clínica e resultados do exame parasitológico direto de linfonodo e medula óssea, ELISA indireto com a média das densidades ópticas (D.O.), título da Reação de Imunofluorescência Indireta (RIFI), Intradermorreação de Montenegro (IDRM) e Reação em cadeia da polimerase em tempo real (qPCR) dos 53 gatos infectados por Leishmania spp. Animais Condição clínica Exame parasitológico ELISA indireto (D.O. média) RIFI IDRM qPCR linfonodo medula óssea 1 Sintomático - - - - - + 2 Sintomático - - - - - + 3 Sintomático - - 0,343 - - + 4 Assintomático - - - - - + 5 Sintomático - - - - - + 6 Assintomático + + - - - + 7 Sintomático - - 0,289 - - + 8 Sintomático - - - - - + 9 Assintomático - - - - - + 10 Assintomático - - - - - + 11 Assintomático + - - - - + 12 Sintomático - - 0,504 - - + 13 Sintomático - - - - - + 14 Assintomático - - - - - + 15 Assintomático - - - - - + 16 Sintomático + - - 1:40 - + 17 Assintomático - - - - - + 18 Sintomático - + 0,330 1:40 - + 19 Sintomático - + - - - + 20 Assintomático - + - - - + 21 Assintomático + + 0,291 - - + continua... 35 continuação... Animais Condição clínica Exame parasitológico ELISA indireto (D.O. média) RIFI IDRM qPCR linfonodo medula óssea 22 Sintomático - + - - - + 23 Assintomático - - - - - + 24 Sintomático - - 2,009 - - + 25 Assintomático - - - - - + 26 Assintomático - + - - - + 27 Assintomático - + - - - + 28 Assintomático - + - - - + 29 Sintomático - + 0,267 - - + 30 Assintomático - - 2,088 - - + 31 Assintomático - - - - - + 32 Sintomático - - - - - + 33 Assintomático - - - - - + 34 Assintomático - + - - - + 35 Assintomático - - - - - + 36 Sintomático - + - - - + 37 Assintomático - - 0,326 - - + 38 Sintomático - - 1,038 - - + 39 Assintomático - - - - - + 40 Sintomático - - 1,339 - - + 41 Assintomático - - 0,359 - - + 42 Assintomático - - 0,617 - - + 43 Assintomático - - - - - + continua... 36 continuação... Animais Condição clínica Exame parasitológico ELISA indireto (D.O. média) RIFI IDRM qPCR linfonodo medula óssea 44 Assintomático - - - - - + 45 Assintomático - - - - - + 46 Sintomático - + - - - + 47 Assintomático - - 0,355 - + + 48 Assintomático - - - - - + 49 Sintomático - - 0,258 - - + 50 Sintomático - - - - - + 51 Assintomático - - - - - + 52 Assintomático - - - - - + 53 Sintomático - + - - - + (-) negativo, (+) positivo. 37 2.4 Detecção dos fragmentos de DNA Os sequenciamentos dos fragmentos de DNA do produto de amplificação da qPCR de oito gatos resultaram em 97% de identidade com a Leishmania infantum chagasi (GenBank® acesso número: EU437403.1). 2.5 Análise de concordância Kappa Dos 96 felinos avaliados, 15 (28,3%) apresentaram sororeatividade por ELISA indireto e presença de DNA de Leishmania infantum chagasi em medula óssea (Kappa = - 0,0383), 16 (30,19%) apresentaram exame parasitológico direto positivo e presença de DNA do protozoário (Kappa = - 0,0522), sendo que apenas dois animais (3,77%) foram sororeagentes por meio da RIFI e apresentaram DNA do parasito em medula óssea (Kappa = 0,0048) (Tabela 7). A descrição completa dos resultados dos testes diagnósticos está apresentada no Apêndice B. Tabela 7. Resultados dos métodos de ELISA indireto, RIFI e do exame parasitológico direto dos 96 gatos, considerando-se a técnica de qPCR em amostras de medula óssea como padrão ouro para a análise do coeficiente de concordância Kappa Técnicas qPCR Kappa positivo negativo ELISA positivo 15 (28,3%) 16 (37,3%) - 0,0383* negativo 38 (71,7%) 27 (62,8%) RIFI positivo 2 (3,77%) 0 (0%) 0,0048* negativo 51 (96,23%) 43 (100%) Parasitológico positivo 16 (30,19%) 0 (0%) - 0,0522* negativo 37 (69,81%) 43 (100%) *concordância não significante (Kappa 0,20 – 0,0). 2.6 Intradermorreação de Montenegro (IDRM) Com relação à aplicação do teste de Montenegro apenas um animal apresentou hipersensibilidade tardia com área papular de 30 mm2 de 24 a 48 horas, mediante a inoculação do antígeno de L. (L.) amazonensis na concentração de 107 38 promastigotas/mL (Figura 8 A e B). A gata possuíra três anos de idade, era assintomática, teve um diagnóstico da infecção confirmado por meio da qPCR, com títulos de anticorpos para a técnica de ELISA indireto (D.O. = 0,355) e ausência de formas amastigotas no esfregaço dos tecidos linfoides. Figura 8. Fotografia da face interna da orelha direita, apresentando pápula eritematosa com área equivalente a 30 mm2 (A=5.6 mm2) no local de aplicação do antígeno de L. (L.) amazonensis transcorridas 24 h do teste (A: medição horizontal e B: medição vertical). B A 39 VI – DISCUSSÃO O reconhecimento de novos hospedeiros definitivos e intermediários, bem como suas particularidades imunológicas frente à exposição e/ou infecção por Leishmania spp. são de suma importância para que se obtenham métodos diagnósticos e profiláticos efetivos. Na presente pesquisa a prevalência da infecção por Leishmania infantum chagasi em gatos foi de 55,21%, superior às observadas em estudos prévios na mesma região endêmica. Fato que demonstra a eficácia da qPCR como um importante método de identificação de gatos infectados por Leishmania, conforme salientado por outros autores (CHATZIS et al., 2014; MAIA et al., 2010). Estudos com diferentes métodos de diagnóstico conduzidos na cidade de Araçatuba-SP demonstraram taxas de prevalência para leishmaniose felina, variando de 0,7% a 49,1% (BRESCIANI, et al., 2010; COSTA et al., 2010; NETO et al., 2011; SOBRINHO et al., 2012; VIDES et al., 2011). Essa divergência pode ser devida às diferentes técnicas empregadas para a investigação diagnóstica. Na atual investigação, não houve associação entre a ocorrência de infecção por Leishmania e as variáveis sexo e condição clínica, corroborando com os achados de Sherry et al. (2011). Contudo, houve maior predisposição da infecção em gatos de um a três anos de idade (p = 0,0002), discordando dos resultados de outros autores que não observaram esta correlação ao avaliarem populações de felinos com idades variando de 3,6 meses a 17 anos (NASEREDDIN et al., 2008, SOBRINHO et al., 2012; SOLANO-GALLEGO et al., 2007). Foram evidenciadas formas amastigotas do parasito por meio da citologia aspirativa por agulha fina de linfonodo e/ou medula óssea em 16,67% dos animais (16/96), dado superior aos relatados previamente em felinos da mesma área endêmica, quando encontraram taxas de parasitismo em 0,7% em imprints de linfonodo (BRESCIANI et al., 2010), 4% em esfregaço de linfonodo (COSTA et al., 2010) e 9,93% em esfregaços de linfonodo e medula óssea (SOBRINHO et al., 2012). Apesar de terem sido observadas formas amastigotas do parasito nos dois tipos de tecido, a medula óssea foi o tecido linfoide que apresentou maior sensibilidade, conforme elucidado por Vides et al. (2011), todavia, ao contrário dos achados de Sobrinho et al. (2012) que evidenciaram mais formas amastigotas nos linfonodos. Deste modo, para elevar a sensibilidade desta técnica o ideal é 40 puncionar ambos os órgãos, conforme salientado por Vides et al. (2011), especialmente, quando a parasitemia parece baixa. Embora o exame parasitológico direto tenha sido empregado como teste ouro por vários autores, é sabido que sua sensibilidade é baixa (CHATZIS et al., 2014; NEITZKE-ABREU et al., 2013) e sofre influência do grau de parasitismo, do tipo de material coletado e de uma possível terapia prévia com medicamentos leishmanicidas ou leishmaniostáticos (SLAPPENDEL; GREENE et al., 1990). Neste ensejo, optou-se por considerar também a reação em cadeia da polimerase em tempo real (qPCR) como teste padrão ouro para estabelecer a população amostral infectada, uma vez que a técnica molecular têm demonstrado eficácia (CHATZIS et al., 2014), sobretudo, quando o título de anticorpos é inconclusivo ou em áreas onde a soropositividade possa ser devido a reações cruzadas com tripanosomídeos, como acontece em cães (MIRÓ et al., 2008; ZANETTE et al., 2014). O relato de gatos naturalmente infectados por Leishmania infantum chagasi, confirmados por diagnóstico molecular e parasitológico em amostras de linfonodo e baço, aponta para uma taxa de prevalência de 5,76% na cidade de Andradina, situada a 113 Km de Araçatuba (COELHO et al., 2011). Esta publicação reforça a constatação do aumento do número de casos de leishmaniose felina na região e sugere a participação da espécie na dispersão da protozoonose, tal como salientou Maia et al. (2010). No corrente estudo, a maioria dos gatos infectados não apresentava alterações clínicas, semelhante aos achados de Nasereddin et al. (2008) e Chatzis et al. (2014). Os últimos autores avaliaram grupos homogêneos de gatos hígidos e sintomáticos, obtendo 42% (21/50) de positividade em amostras de medula óssea de gatos saudáveis por meio da técnica de PCR. A condição de gatos hígidos e infectados por Leishmania infantum chagasi apresentada neste trabalho foi similar a observada nos estudos de Maia et al. (2014), Miró et al. (2014) e Sobrinho et al. (2012) que, embora utilizando métodos diagnósticos diferentes, inferiram que as alterações clínicas observadas em gatos com leishmaniose não poderiam ser atribuídas exclusivamente por este agente, já que constataram coinfecção com outros patógenos. Cabe ressaltar que, no presente experimento, apesar de terem sido evidenciadas algumas dermatopatias nos gatos infectados, não se pode afirmar que tais lesões eram resultantes da ação direta do parasito, ainda que Vides et al. (2011) 41 tenham confirmado o diagnóstico por imunohistoquímica de pele em felinos da mesma área endêmica. Ademais, os gatos triados no estudo foram testados apenas para as principais retroviroses (FIV e FeLV), pois a correlação entre as lesões cutâneas e a infecção não foram o objetivo deste trabalho. Não obstante, as alterações clínicas observadas nos gatos também podem estar associadas às condições de manejo inadequadas, pois os felinos eram semi-domiciliados e o acesso à rua lhes possibilitaria contato com outros animais. A maioria dos felinos parasitados pelo protozoário era assintomática e não apresentou títulos de anticorpos anti-Leishmania spp., confirmando as observações de outros autores (DIAKOU et al., 2009; PENNISI, 2002; MAIA et al., 2008, 2010; MARTÍN-SÁNCHEZ et a., 2007). Este fato sugere que felinos em áreas endêmicas para leishmaniose são frequentemente expostos ao parasito, no entanto, a infecção parece não ser suficientemente capaz de promover a soroconversão como ocorre em cães (IKEDA- GARCIA; FEITOSA, 2006). A hipótese de que o gato teria uma “resistência natural” ao parasito, como argumentado por Daikou et al. (2009), Pennisi (2002), Poli et al. (2002) e Solano-Gallego et al. (2007), poderia explicar a presença da infecção com ausência de títulos de anticorpos e de alterações clínicas. Neste ensejo, é importante destacar que de acordo com os estudos de Larangeira (2008), cães infectados e assintomáticos demonstraram poder de infectividade aos vetores. Tal fato promove uma séria reflexão no tocante ao subdiagnóstico da infecção em felinos portadores de Leishmania spp. que não manifestam alterações clínicas e nem título de anticorpos, já que são fonte de alimento aos flebotomíneos dispersores da protozoonose, conforme discutido por Portús et al. (2002), Maroli et al. (2007) e Da Silva et al. (2010). Os resultados dos métodos sorológicos de ELISA indireto e imunofluorescência indireta exibiram coeficientes de concordância insignificantes quando comparados à reação em cadeia da polimerase em tempo real, discordando dos índices de Sherry et al. (2011) ao considerarem uma concordância moderada entre as técnicas de qPCR e ELISA. A dessemelhança entre os valores de Kappa pode ser explicada pelos diferentes tipos de conjugados e diluições dos soros empregados e interpretação 42 dos resultados, conforme esclarecido por Neto et al. (2011) e Solano-Gallego et al. (2007). A concordância entre os resultados dos testes molecular e parasitológico direto também foi insignificante, provavelmente, em virtude da baixa carga parasitária nesta espécie, dificultando a observação microscópica no exame parasitológico direto, como verificado por Braga et al. (2014). A maioria dos gatos infectados apresentou amplificação de DNA em ciclos de threshold tardios, caracterizando valores elevados de Ct e próximos ao limiar de detecção da reação na diluição de 102 parasitos, segundo descrito por Ranasinghe et al. (2008), isso sugere uma baixa carga parasitária (Apêndice C). Destarte, os dados obtidos com testes sorológicos nesta pesquisa reforçam a conjetura de que os felinos infectados por Leishmania infantum chagasi frequentemente desenvolvem baixos títulos de anticorpos ou permanecem soronegativos, concordando com a afirmação de Martín-Sánchez et al. (2007) e Poli et al. (2002). Em gatos parasitados a resposta imune humoral parece falha ou reduzida, sugerindo que os exames sorológicos não são confiáveis para o diagnóstico nesta espécie, confirmando os relatos de Maia et al. (2010) e Simões-Mattos et al. (2005). Os protocolos para o teste de Montenegro empregados nos gatos foi baseado nos estudos prévios que avaliaram cães (SILVEIRA et al., 2012) e seres humanos (SILVEIRA et al., 1991;1998). Nos 96 gatos, o teste intradérmico com antígeno de Leishmania infantum chagasi na proporção de 4.107 parasitos/mL, como utilizado em cães de área endêmica para LV, resultou em 100% de negatividade, mesmo tendo uma concentração quatro vezes superior à utilizada nos testes em humanos de área endêmica para LV e LT (107 parasitos/mL) (CRESCENTE et al., 2009; SILVEIRA et al., 1991; 1998). Não há na literatura científica descrição sobre uma possível tolerância imunológica ou anergia à leishmanina, desta forma, não existem dados para tecer comparações. Ao ponderarmos sobre alguns fatores que pudessem ter influenciado os resultados, verificamos que Baleeiro et al. (2006) obtiveram diferenças na leitura do teste de hipersensibilidade tardia quando da utilização de antígenos de Leishmania infantum chagasi, L. (V.) braziliensis e L. (L.) amazonensis em cães de área endêmica para LV, ao passo que Bern et al. (2006) constataram maior sensibilidade e potência ao aplicar o antígeno de L. (L.) amazonensis quando comparado ao 43 inoculo de Leishmania infantum chagasi em seres humanos oriundos de área endêmica para LV. Ainda que o teste de Montenegro seja plenamente aceito, divergências na produção do antígeno podem afetar a resposta imune e a detecção de várias formas de leishmaniose em áreas geográficas distintas (AKUFFO et al., 1995; GIDWANI et al., 2009). Foi testado outro antígeno de cepa dermotrópica em 11 felinos acompanhados por 72 horas. Como existem relatos de casos de LT na região de Araçatuba (TOLEZANO et al., 2007), o antígeno escolhido foi produzido a partir da cepa de L. (L.) amazonensis na concentração de 107 parasitos/mL, tal como foi empregado nos estudos pretéritos em seres humanos de área endêmica para LV (BERN et al., 2006; SILVA et al., 2011) e pela Rede de Saúde Pública em pacientes de área endêmica para LT, resultando em apenas um animal com resposta positiva. O desenvolvimento da resposta imune em gatos, qual seja natural ou adquirida, frente à infecção por Leishmania spp. ainda não está completamente elucidada. Alguns autores discorrem sobre o balanço entre Th1 e Th2, bem como os componentes imunes capazes de promover “resistência” (imunidade celular) e “suscetibilidade”, no entanto, pesquisas recentes têm demonstrado a participação de outras linhagens linfocíticas, como é o caso do Th17 (AWASTHI; KUCHROO, 2009; BETTELLI et al., 2007) que expressa a IL17, interleucina pró-inflamatória que desencadearia o controle da infecção, como avaliado por Novoa et al. (2011). No tocante a expressão de citocinas em gatos naturalmente infectados por L. infantum chagasi, Vides (2014) evidenciou uma diminuição da expressão gênica de IL-4, IL-10, IL-12 e IFN-γ tanto em animais sintomáticos quanto assintomáticos, sugerindo que esta espécie não apresenta ativação das respostas de Th1 e Th2 frente à infecção, e que o controle desta ocorra por meio da imunidade inata. Estes resultados poderiam explicar a ausência de respostas do teste de Montenegro nos animais da presente pesquisa. Ao analisar o perfil da única gata com teste intradérmico positivo, nota-se que apesar de não apresentar alterações clínicas, a mesma possuía uma densidade óptica discretamente acima do ponto de corte da reação imunoenzimática. Alguns autores encontraram elevados títulos de anticorpos em cães e seres humanos com IDRM positiva, inferindo apenas que não houve predominância de determinado tipo de imunidade, mas que as respostas celular e humoral estão 44 mescladas (CRESCENTE et al., 2009; SOLANO-GALLEGO et al., 2005). Entretanto, outros felinos assintomáticos e sabidamente infectados não desenvolveram resposta de hipersensibilidade tardia, sugerindo que, ou a imunidade celular destes animais não se encontra aumentada, ou o teste necessita de novas padronizações para o uso nesta espécie animal. Segundo Baleeiro et al. (2006) e Solano-Gallego et al. (2001) o resultado desta “exposição provocativa” dependeria do tipo e da quantidade do inoculo, e da condição imune do paciente. Neste aspecto, uma condição imunossupressora influenciaria a interpretação da IDRM, evento que não parece ter ocorrido no presente estudo uma vez que todos os gatos com infecção por retrovírus foram excluídos do experimento. O fato de a maioria dos gatos não ter apresentado positividade por meio da IDRM não exclui a possibilidade destes apresentarem imunidade celular preservada e/ou um equilíbrio entre Th1 e Th2 na dependência da fase de infecção. Cabe salientar que não é possível prever o tempo de infecção dos gatos avaliados e, portanto, é considerável que a gata em questão tenha sofrido reexposição com infecção recente, induzindo também uma resposta humoral, tal como constatado por Solano-Gallego et al. (2005) quando do diagnóstico de cães de área endêmica para leishmaniose. Outra perspectiva para tentar entender a discrepância entre os resultados do perfil imune seria considerar o fator de resistência natural do gato à infecção por Leishmania spp. no âmbito imunogenético, como afirmado por diversos autores ao atentar para a importância no conhecimento da interação parasita-hospedeiro (DAIKOU et al., 2009; PENNISI, 2002; POLI et al., 2002; SOLANO-GALLEGO et al., 2007). Deste modo, os resultados obtidos nas condições do presente estudo sugerem que a IDRM não é uma ferramenta adequada para o diagnóstico da enfermidade em gatos, o que torna ainda mais difícil a identificação de animais infectados, dado que o exame sorológico também não se mostra um método fidedigno. 45 VII – CONCLUSÕES Os resultados obtidos nas condições do presente estudo permitiram concluir que: - a técnica de PCR em Tempo Real demonstrou eficácia para a detecção de DNA do parasito em amostras de medula óssea e, portanto, deve ser o método de escolha para o diagnóstico de leishmaniose em