UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “Júlio de Mesquita Filho” Instituto de Artes Pós-Gradução em Música EDSON HANSEN SANT ’ ANA A CONCEPÇÃO INTERVALAR EM ALMEIDA PRADO: UM ESTUDO EM TRÊS OBRAS PÓS-RUPTURA SÃO PAULO 2017 ii iii EDSON HANSEN SANT ’ANA A CONCEPÇÃO INTERVALAR EM ALMEIDA PRADO: UM ESTUDO EM TRÊS OBRAS PÓS-RUPTURA Tese apresentada à Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”, como exigência parcial para obtenção do grau de Doutor em Música. Área de Concentração: Música, relações interdisciplinares. Linha de Pesquisa: Música, epistemologia e cultura Orientador(a): Profa. Dra. Dorotéa Machado Kerr Co-orientador: Prof. Dr. Marcos José Cruz Mesquita São Paulo 2017 iv FICHA CATALOGRÁFICA PRODUZIDA PELO SERVIÇO DE BIBLIOTECA E DOCUMENTAÇÃO DO INSTITUTO DE ARTES DA UNESP (SÃO PAULO-SP) S232c Sant’Ana, Edson Hansen, 1965 - A concepção intervalar de Almeida Prado: um estudo em três obras pós-ruptura / Edson Hansen Sant’Ana. - São Paulo, 2017. 532 f.: il. color. + anexo. Orientador: Profª. Drª. Dorotéa Machado Kerr. Co-orientador: Prof. Dr. Marcos José Cruz Mesquita. Tese (Doutorado em Música) – Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”, Instituto de Artes. 1. Prado, Almeida, 1943-2010. 2. Música - Análise, apreciação. 3. Composição (Música). I. Kerr, Dorotéa Machado. II. Mesquita, Marcos José Cruz. III. Universidade Estadual Paulista, Instituto de Artes. IV. Título. CDD 780.15 Título em ingles: “THE INTERVAL CONCEPTION IN ALMEIDA PRADO: A STUDY IN THREE POST-RUPTURE WORKS.” Palavras-chave em ingles (Keywords): Characteristic range. Musical systems. Interval rule. Interval parameters. Poetics of timbre. Titulação: Doutor em Música Banca examinadora: Profa. Dra. Dorotéa Machado Kerr (UNESP) Prof. Dr. Lutero Rodrigues (UNESP) Prof. Dr. Mauricio Funcia de Bonis (UNESP) Profa. Dra. Beatriz Magalhães Castro (UnB) Prof. Dr. Diósnio Machado Neto (USP) Data da defesa: 08/11/2017. v vi vii A Deus, toda a glória! À minha mãe, Da. Cecília Hansen Sant’Ana (in memorian). Ao meu filho Elds Nills Hansen Sant’Ana (e o menino gosta mesmo de Música!). A todas às pessoas que passaram (sinto respeito) e passam em minha vida. viii ix AGRADECIMENTOS Minha profunda gratidão a Deus por toda direção, cuidado e proteção: declaro-me abençoado! Quero apresentar breves palavras de reconhecimento e contentamento por estar aqui nesta oportunidade para apresentar a vocês o resultado do trabalho desta pesquisa. Fui agraciado pelo amor, sempre dedicado de minha querida mãe, Da. Cecília, mesmo que não esteja entre nós e já tenha descansado, tudo o que sou hoje, tem o dedo, o exemplo e as palavras dela. Em sua pessoa agradeço a todos queridos de minha família: ao meu filho Elds Nills, aos meus irmãos Miriam, Daniel, Nilva e Edna. Uma menção de reconhecimento ao meu pai Mozart Sant’Ana e aos meus tios maternos e paternos. Como já disse, reforço que deveras importante, foram as pessoas (TODAS) que passaram e passam em minha vida. Sinto-me honrado em ter sido aluno da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP - São Paulo - SP), e ter concluído todas as exigências prévias para defender a tese deste Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Música no Instituto de Artes. Contei com o apoio docente, e, assim agradeço aos professores em nome da orientadora Profa. Dra. Dorotéa Machado Kerr e do co-orientador Prof. Dr. Marcos Mesquita. Relembro a atuação sempre célere dos professores que pertenceram às gestões de 2014 a 2017 do Conselho de Pós Graduação em Música do Instituto de Artes (UNESP) por meio de resoluções de apoio aos estudantes desse programa. Minhas considerações ao pessoal da PPG – Angela Lunardi, Fábio Akio Maeda, Gedalva Rodrigues Santana (a bem humorada!) e Neusa de Souza Padeiro. Agradeço à Fabiana Colares que, de maneira atenciosa e eficiente, concedeu-me informações valiosas concernentes à aplicação das normas atuais que regem a escrita acadêmica na UNESP (ABNT) – como isso facilitou meu trabalho! Menciono também o atendimento sempre cordial, elucidativo e eficiente da atual coordenadora da Pós-Graduação em Música, Profa. Dra. Margarete Arroyo. Minhas lembranças aos colegas de Pós-Graduação pela amizade e companheirismo, são eles: Carlos Eduardo do Nascimento, Carlos Henrique Cascarelli Iafelice, Cláudio Faga Pacheco, George Olof de Freitas Alveskog, Heraldo Veridiano dos Santos, Isaías Lopes Ferreira, Marla Ebinger Moraes Lüdtke, Paulo Zorzetto, Pedro Henrique Lopes Messias, x Pedro Lopes da Silva Macedo, Rafael Y Castro e Regina Célia Rocha Felice. Meus sinceros votos de sucesso a todos colegas e aprendizes desta casa. Fica registrado meu reconhecimento e contentamento aos professores e aos funcionários do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso (IFMT), especialmente àqueles lotados ao campus de Juína - MT. Assim, igualmente, agradeço aos servidores da Pró-Reitoria de Pesquisa do IFMT (PROPES), ao Reitor Prof. José Bispo Barbosa, reafirmando que a instituição concedeu-me apoio irrestrito, na forma da licença para capacitação no PPG em Música da UNESP. Minha gratidão aos professores da UNICAMP, em especial àqueles que deixaram suas contribuições marcantes em minha vida acadêmica – Claudiney Carrasco (Harmonia Vocal e Trilha Sonora), Najat Gaziri (Análise), Maria Lúcia Pascoal (Harmonia), Damiano Cozzella (Arranjo Coral), Raul do Valle (Composição), José Gramani (Rítmica), Cyro Pereira (Orquestração) e tantos outros. Já na Universidade de Brasília (UnB), destacando a importância do papel de duas professoras da linha musicológica – Beatriz Magalhães Castro e Maria Alice Volpe – sendo esta última, a orientadora da pesquisa e dissertação de mestrado intitulada Expressividade intervalar nos Poesilúdios de Almeida Prado, sendo ao meu ver, este trabalho uma espécie de start para o atual e pretendido aprofundamento que ora apresento. Pelo percurso, outros pesquisadores-professores contribuíram observando e arguindo a proposta de fundamentação teórica por mim empreendida, ainda assim destaco as conversas com Ilza Nogueira (UFPB) e Maria Lúcia Pascoal (UNICAMP) – duas professoras que têm prestado contribuições destacadas às pesquisas brasileiras nos campos da Teoria e da Análise. Aos pesquisadores Robson Alexandre de Nadai (Sonata n. 3) e Thiago Costa (Noturno n. 7) pelas concessões das partituras, como fontes e musicografias de suas respectivas pesquisas, para que eu reutilizasse-as no corpo desta tese. Também agradecido aos muitos pesquisadores que, por esse Brasil e mundo afora, cada qual em suas pesquisas e textos, forneceram material historiográfico-composicional vasto para a realização de meus estudos aplicados às obras selecionadas de Almeida Prado. Grato à violinista Constança Almeida Prado Moreno pelo gesto sempre atencioso de antender-me com informações valiosas sobre a produção composicional de seu pai. Em forma de um ato póstumo, rendo meu tributo ao compositor Almeida Prado, lembrando que recebi das mãos dele as Cartas Celestes I, xi quando fui seu aluno de Composição (1992-1995) no Departamento de Música do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). À minha orientadora, Profa. Dra. Dorotéa Machado Kerr, meu profundo agradecimento pelas horas dedicadas em cada sessão de orientação. Enalteço sua amizade e, sua competência apontando-me os caminhos para aperfeiçoar o texto que apresento hoje. Em igual medida, registro também minha gratidão ao co-orientador, Prof. Dr. Marcos Mesquita, que com sua bagagem e experiência no campo da Teoria e Análise Musical, apontou-me percursos mais seguros e coerentes para a construção do referencial teórico- analítico. Aos dois ilustres professores e orientadores meus sinceros agradecimentos! Agradeço também aos membros titulares da banca, que além da minha orientadora (UNESP), foram: Prof. Dr. Lutero Rodrigues (UNESP), Prof. Dr. Mauricio Funcia de Bonis (UNESP), Profa. Dra. Beatriz Magalhães Castro (UnB) e o Prof. Dr. Diósnio Machado Neto (USP), os quais contribuíram com suas arguições fortalecendo a reflexão e o ajuste de meu trabalho. Assim, apresentei o resultado do assunto desafiador que ainda é Almeida Prado. xii xiii Libertar-se de exigências de “coerência absoluta” em relação a um sistema teórico fechado pode ser um bom conselho para evitar estagnações e para assegurar uma maior riqueza de recursos. (BARROS, 2013, p. 224). xiv xv RESUMO O objeto de estudo deste trabalho é o processo intervalar na construção composicional de Almeida Prado em suas três fases pós-ruptura, chamadas de Pós-Tonal, Síntese e Pós- Moderna. A concepção intervalar do compositor é demonstrada por análises realizadas em três obras, uma de cada fase pós-ruptura: Sonata n. 3, Cartas Celestes I e Noturno n. 7, respectivamente. A análise tem sua metodologia baseada em um recorte arbitrário que buscou compreender três intervalos básicos que podem ser somados a outros três intervalos enarmônicos como ampliação das possibilidades intervalares na escrita. O desenvolvimento teórico da pesquisa aprofundou-se a partir de um foco e uma análise intervalar que, conceitualmente, buscaram uma superação terminológica de uma formulação anterior nomeada como expressividade intervalar (SANT’ANA, 2009) para a atualização terminológica definida como intervalo característico. O embasamento teórico para essa concepção intervalar deu-se a partir das proposições de Boulanger (1926), Costère (1954, 1962), Forte (1973), Straus ([1990] 2013), Pousseur ([2005] 2009) e Menezes (2002). Como contextualização crítico-histórica, foi realizada uma revisão sucinta de tendências teórico- analíticas e seus problemas, reconsiderando-se as observações de Schoenberg ([1922] 2001, [1954] 2004), Kerman ([1985] 1987), Cook (1987, 2007) e Kramer (2015). Para se validar a construção e o caráter da ferramenta teórico-analítica aqui empreendida, utilizou-se a teoria de Lacey (2008) associada à visão teórico-musicológica desses autores. Com o processo analítico, apresentado no quarto capítulo, procurou-se demonstrar a grande incidência do(s) intervalo(s) característico(s) na construção estrutural das obras, desvelando-se um número variado de estratégias composicionais adotadas por Almeida Prado associadas a esses intervalos. Ainda no quarto capítulo, foi aplicada a ferramenta denominada régua intervalar, que pode ajudar na melhor compreensão dos intervalos com mais potencial de dissonância, os quais agem por meio de interação e contraste frente ao background aparentemente tonal dos intervalos mais consonantes ligados aos primeiros sete parciais (harmônicos) da série harmônica. Assim, em uma pesquisa futura, a ferramenta e a proposição analítica aqui desenvolvidas podem contribuir na compreensão e na sistematização dos tipos de objetos harmônicos pensados como entidades tímbricas que são moldados a partir dessa concepção intervalar. Palavras-chave: Intervalo característico. Sistemas musicais. Régua intervalar. Parâmetros intervalares. Poética do timbre. xvi xvii ABSTRACT The object of study this work is the interval process in the compositional construction of Brazilian pianist and composer Almeida Prado in his three post-rupture phases, called Post- Tonal, Synthesis and Post-Modern. The intervalar conception of the composer is demonstrated by analyses carried out in three works - one from each post-rupture phase (Sonata n. 3, Cartas Celestes I and Noturno n. 7). The analysis has its methodology based on an arbitrary crop that sought to understand three basic intervals that can be added to three other enharmonic intervals as an extension of the interval possibilities in writing. The theoretical development of the research was deepened from a focus and an interval analysis that, conceptually, sought a terminological overcoming of an earlier formulation named as intervalar expressivity (SANT'ANA, 2009) for the terminological update defined as a characteristic interval. The theoretical basis for this interval conception came from the propositions of Boulanger (1926), Costère (1954, 1962), Forte (1973), Straus ([1990] 2013), Pousseur ([2005] 2009) and Menezes (2002). As a critical-historical context, a brief review of theoretical-analytical trends and their problems was carried out, reconsidering the observations of Schoenberg ([1922] 2001, [1954] 2004), Kerman ([1985], 1987), Cook (1987, 2007) and Kramer (2015). To validate the construction and character of the theoretical- analytical tool undertaken here, Lacey (2008)’s theory was used associated with the theoretical-musicological view, methodologically adopted in this work. Like the analytical process contained in the fourth chapter, one tried to demonstrate the great incidence of the characteristic interval (s) in the structural construction of the works, revealing a varied number of compositional strategies adopted by Almeida Prado associated to these intervals. Still in the fourth chapter, the tool called interval rule was applied, which can help in better understanding the intervals with more potential of dissonance that act through interaction and contrast against the seemingly tonal background of the more consonant intervals linked to the first seven (harmonic) partials of the harmonic series. Thus, in a future research, the tool and the analytical proposition developed here, can contribute to the comprehension and systematization of the types of harmonic objects thought as timbral entities that are shaped from this intervalar conception. Keywords: Characteristic range. Musical systems. Interval rule. Interval parameters. Poetics of timbre. xviii xix ABREVIATURAS TGS Teoria Geral de Sistemas TS Teoria de Sistemas EAS Engenharia e Análise de Sistemas ic intervalo característico IDI índice de distância intervalar DICA densidade intervalar por classe de alturas LAO local das alturas nas oitavas c. compasso mov. movimento (primeiro, segundo, I, II, etc.) M maior m menor intervalo(s) característico(s) 2a m segunda menor 7a M sétima maior 9a m nona menor intervalo(s) característico(s) [enarmônicos] 1a aum primeira aumentada [segunda menor] 8a dim oitava diminuta [sétima maior] 8a aum oitava aumentada [nona menor] intervalos genéricos (consonantes e meio-dissonantes) 2a M segunda maior; 9a M: nona maior (meia-dissonância) 3a m terça menor; 10a m: décima menor (consonante) 3a M terça maior; 10a M: décima maior (consonante) 4a J quarta justa; 11a J: décima primeira justa (consonante) 4a aum quarta aumentada (potencial de dissonância versus neutralidade) 5a dim quinta diminuta (potencial de dissonância versus neutralidade) 5a J quinta justa; 12a J: décima segunda justa (consonante); xx 6a m sexta menor; 13a m: décima terceira menor (consonante) 6a M sexta maior; 13a M: décima terceira maior (consonante) 7a m sétima menor, 14a m: décima quarta menor (meia-dissonância) 8a J oitava justa; 15a J: décima quinta justa (consonante) Linguagem harmônica utilizada em parte da análise na Sonata n. 3 C, Cm Dó maior, Dó menor (nominação harmônica alfabética ou anglo-saxônica) C7, Cm7 Dó maior com sétima menor, Dó menor com sétima menor C7M Dó maior com sétima maior Cm7M Dó menor com sétima maior Co Dó diminuto Cm7(b5) Dó meio diminuto C(#5) Dó aumentado (Dó maior com quinta aumentada) C7(b9) Dó maior com sétima menor e nona menor C7(9) Dó maior com sétima menor e nona maior C7M(9b) Dó maior com sétima maior e nona menor C7M(9) Dó maior com sétima maior e nona maior Csus4 Dó com quarta substituindo a terça (contexto harmônico: maior ou menor) Csus Dó sem terça (contexto harmônico: maior ou menor) C7(b13) Dó maior com sétima menor e décima terceira menor C7(13) Dó maior com sétima menor e décima terceira maior Obs.: e outras possíveis notações alfabéticas/cifras das estruturas harmônicas xxi LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Nonas e décimas terceiras (ou sextas) ..................................................................... 40 Figura 2 - O mesmo efeito intervalar-tímbrico em outra sequência de acordes no Prélude .. 41 Figura 3 - As nonas nos blocos sonoros quartais da introdução de Le Fils des Etóiles ............ 42 Figura 4 - Controle intervalar com fins de efeitos tímbricos ................................................... 43 Figura 5 - Intervalos preferenciais em Hyperprism .................................................................. 44 Figura 6 - Disponibilização intervalar em Messiaen privilegiando intervalos potenciais de dissonância dura como em Hyperprism de Varèse .................................................................. 46 Figura 7 - Ressonâncias superiores e ressonâncias inferiores em Almeida Prado ................ 124 Figura 8 - Modos de transposição limitada I, II e III de Messiaen .......................................... 179 Figura 9 - Modo IV .................................................................................................................. 180 Figura 10 - Modo V ................................................................................................................. 180 Figura 11 - Modos VI e VII ...................................................................................................... 180 Figura 12 - Primeiro chacram (primeira classe) ..................................................................... 183 Figura 13 - Segundo chacram (primeira classe) ..................................................................... 184 Figura 14 - Terceiro chacram (primeira classe) ...................................................................... 184 Figura 15 - Quarto chacram (primeira classe) ........................................................................ 184 Figura 16 - Quinto chacram (primeira classe) ........................................................................ 184 Figura 17 - Sexto chacram (primeira classe) .......................................................................... 185 Figura 18 - Primeiro chacram (segunda classe) ..................................................................... 185 Figura 19 - Segundo chacram (segunda classe) ..................................................................... 185 Figura 20 - Terceiro chacram (segunda classe) ...................................................................... 185 Figura 21 - Quarto chacram (segunda classe) ........................................................................ 186 Figura 22 - Quinto chacram (segunda classe) ........................................................................ 186 Figura 23 - Sexto chacram (segunda classe) .......................................................................... 186 Figura 24 - Sistema-T de Tacuchian ........................................................................................ 189 Figura 25 - Subconjuntos à direita derivados do Sistema-T ................................................... 189 Figura 26 - Harmônicos “temperados” com mais ou menos cents de Hz na série para uma compensação harmônica geral .............................................................................................. 193 Figura 27 - Sobreposição de terças (acorde maior com sétima menor: dominante) ............ 194 Figura 28 - Acorde com: 7a m, 9a M, 11a aum e 13a M ........................................................... 194 Figura 29 - De uma sétima menor anterior (Fá) para uma sétima maior (Fá#) ..................... 195 xxii Figura 30 - Escala de tons inteiros .......................................................................................... 195 Figura 31 - Sobreposição de duas quartas justas, uma diminuta e duas aumentadas .......... 196 Figura 32 - Quartas inseridas em aberturas com sexta maior e nona maior com caráter tonal ................................................................................................................................................ 196 Figura 33 - Série harmônica de Sol ......................................................................................... 197 Figura 34 - A sensibilização da segunda menor na construção da “funcionalidade harmônica ambígua” em Tristão e Isolda ................................................................................................. 199 Figura 35 - Naturezas dos intervalos: dissonância e consonância ......................................... 206 Figura 36 - Níveis de menor tensão a maior tensão .............................................................. 207 Figura 37 - Intervalos polares da teoria de Costère ............................................................... 208 Figura 38 - Intervalo de 9a m fazendo aproximação à concepção de Costère ....................... 209 Figura 39 - A polaridade, a consonância e a dissonância dos intervalos ............................... 210 Figura 40 - 9a menor e sua equivalência com a 2a menor (1a aumentada) ........................... 217 Figura 41 - 8a aumentada e sua equivalência com a 2a menor (1a aumentada) ................... 217 Figura 42 - 7a maior e sua equivalência com a 2a menor (1a aumentada) ............................ 218 Figura 43 - 8a diminuta e sua equivalência com a 2a menor (1a aumentada) ....................... 218 Figura 44 - Acorde com ocorrências de intervalo característico de densidade máxima (duas segundas menores superpostas) ............................................................................................ 235 Figura 45 - Todas as notas Dó do teclado de um piano (88 teclas) ....................................... 244 Figura 46 - O Dó3 e o Dó7 ...................................................................................................... 245 Figura 47 - Acorde de Messiaen anotado por Almeida Prado em um manuscrito ................ 260 Figura 48 - Noturno n. 7 (c. 12-14) de Almeida Prado: predominância de segundas menores na horizontalidade ................................................................................................................. 268 Figura 49 - Diagonalidade ascendente: Ré3, Mib5 (9a m); diagonalidade descendente: Réb5, Dó2 (9a m); horizontalidade descendente: Láb2, Sol2 ........................................................... 270 Figura 50 - Segundas menores em horizontalidade e diagonalidade .................................... 271 Figura 51 - Sétimas maiores em horizontalidade e diagonalidade ........................................ 272 Figura 52 - Oitavas aumentadas em horizontalidade e diagonalidade. ................................ 272 Figura 53 - As direcionalidades em rede com todo(s) intervalo(s) característico(s) ............. 273 Figura 54 - Rede de intervalo(s) característico(s)................................................................... 276 Figura 55 - Lista dos intervalo(s) característico(s) na Galáxia NGC = M 31 ........................... 277 Figura 56 - A concepção intervalar de Almeida Prado é anterior à Europa ........................... 278 Figura 57 - Um excerto da partitura das Cartas Celestes I contendo a análise intervalar preliminar (ver Anexos).......................................................................................................... 284 Figura 58 – Cluster diatônico (teclas brancas): componentes de segundas maiores e menores ................................................................................................................................................ 310 xxiii Figura 59 - Cluster pentatônico (teclas pretas) sob intervalo característico ......................... 311 Figura 60 - Cluster diatônico composto de segundas maiores e menores ............................ 311 Figura 61 - Intervalo característico como ideia de acompanhamento (ostinato) ................. 312 Figura 62 - Processo cumulativo de segundas menores ........................................................ 313 Figura 63 - Segundas menores por acumulação .................................................................... 313 Figura 64 - Predominância do tipo intervalar: segunda menor ............................................. 314 Figura 65 - Relação diagonal de intervalos característicos de 9a m e 8a dim ......................... 315 Figura 66 - Segundas menores em predominância horizontal .............................................. 316 Figura 67 - Semicolcheias no c. 27 indicando aceleração rítmica .......................................... 316 Figura 68 - Contraponto de segundas menores: intensificação e clímax sonoro .................. 317 Figura 69 - Modelização rítmica-intervalar com base no intervalo característico ................ 318 Figura 70 - Padronização da ocorrência do(s) intervalo(s) característico(s) .......................... 319 Figura 71 - A organização intervalar em diagonalidade ......................................................... 319 Figura 72 - Ocorrência do intervalo característico em modelo rítmico: a tercina. ................ 320 Figura 73 - Partindo da oitava ao intervalo característico: direcionalidade vertical ............. 321 Figura 74 - Modelo intervalar-rítmico por aumentação separado por intervalo característico ................................................................................................................................................ 322 Figura 75 - Direcionalidade horizontal com intervalo característico de segunda menor em cromatismo ............................................................................................................................ 323 Figura 76 - Sobreposição quartais em horizontalidade das segundas menores ................... 323 Figura 77 - Acordes quartais com clímax utilizando intervalo(s) característico(s) ................ 324 Figura 78 - Espelhamento de relações pelo intervalo característico de segunda menor ...... 325 Figura 79 - Módulo 2: direcionalidade vertical e direcionalidade horizontal ........................ 365 Figura 80 - Seleção aleatória de seis módulos rítmico-intervalares: ocorrências de intervalo característico (ic) .................................................................................................................... 365 Figura 81 - Segundas menores como ideia de batimento ..................................................... 367 Figura 82 - Tremolos como batimentos intervalares ............................................................. 367 Figura 83 - A tematização intervalar. ..................................................................................... 369 Figura 84 - Aceleração rítmica em direcionalidade horizontal .............................................. 370 Figura 85 - Reapresentação da tematização intervalar ......................................................... 371 Figura 86 - Ocorrência de todos os tipos de intervalo(s) característico(s) (p. 11, 4º sistema). ................................................................................................................................................ 371 Figura 87 - Intensificação e complexidade com o recurso das três direcionalidades nos três primeiros sistemas da seção E (p. 12-13, 1º - 3º sistema). .................................................... 372 xxiv Figura 88 - O mesmo trecho sem anotações gráficas de uma análise intervalar como exercício mental .................................................................................................................................... 373 Figura 89 - O tipo intervalar de segunda menor (e o equivalente de primeira aumentada) 374 Figura 90 - O tipo intervalar de sétima maior (e o equivalente de oitava diminuta) ............ 375 Figura 91 - O tipo intervalar de nona menor (e o equivalente de oitava aumentada) .......... 376 Figura 92 - Organização intervalar associada aos materiais sobrepostos em diferentes ordens e tipos ..................................................................................................................................... 378 Figura 93 - Camadas em sobreposição com intervalo(s) característico(s)............................. 380 Figura 94 - Estrutura acórdica complexa................................................................................ 381 Figura 95 - Organização em espelhamento do(s) intervalo(s) característico(s) .................... 384 Figura 96 - Oitava justa e sua semantização pela “não ocorrência” do intervalo característico ................................................................................................................................................ 387 Figura 97 - Intervalo(s) característico(s) com “pedalização transtonal”. ............................... 388 Figura 98 - O processo rítmico de quatro pulsos (um ou mais grupos) + três pulsos com intervalo(s) característico(s) ................................................................................................... 389 Figura 99 - Ocorrência de acordes da “lista dos 24 acordes” ................................................ 389 Figura 100 - Clusters em escalas acordais ascendentes com referências das segundas ....... 390 Figura 101 - Intervalo característico e semantização da forma ............................................ 391 Figura 102 - Sistema tonal e o(s) intervalo(s) característico(s) .............................................. 402 Figura 103 - Intervalos quartais intercalados por intervalo(s) característico(s) .................... 406 Figura 104 - Repetição da segunda menor como ostinato melódico .................................... 407 Figura 105 - Um padrão triádico: sétimas maiores e a predominância das nonas menores 407 Figura 106 - Outro caso de estruturas triádicas tonais em sobreposição a uma altura (nota) gerando intervalo característico ............................................................................................ 408 Figura 107 - Relação dominante-tônica entre o acorde inicial e o acorde final do trecho. .. 409 Figura 108 - Predominância de uma lógica harmônica tonal entremeada pelo mecanismo do(s) intervalo(s) característico(s). ......................................................................................... 410 Figura 109 - Direcionalidades e o(s) intervalo(s) característico(s) ......................................... 421 Figura 110 - Tematização intervalar melódica ....................................................................... 422 Figura 111 - Horizontalidade (tematização intervalar melódica: segundas menores) versus verticalidade (nonas menores)............................................................................................... 422 Figura 112 - Complexidade e multidirecionalidade intervalar. .............................................. 423 xxv LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Universidades brasileiras que desenvolveram pesquisa sobre Almeida Prado ...... 64 xxvi xxvii LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Almeida Prado: considerações sobre sua própria produção musical .................... 68 Quadro 2 - Uma linha de tempo das obras em direção à atonalidade (segundo Koellreutter) ................................................................................................................................................ 103 Quadro 3 - Influências sobre Almeida Prado ......................................................................... 127 Quadro 4 - Comparativo de estratégias formais/estruturais e espaciais dos dodecafonistas ................................................................................................................................................ 133 Quadro 5 - Os modos hexatônicos nos modos de transposição limitada.............................. 181 Quadro 6 - Os modos octatônicos e nonatônicos nos modos de transposição limitada ...... 182 Quadro 7 - Os chacram da primeira classe e os intervalos 1, 2 e 3 ....................................... 187 Quadro 8 - Os chacram da segunda classe e os intervalos 1, 2 e 3 ....................................... 188 Quadro 9 - Classe de intervalos no total cromático ............................................................... 205 Quadro 10 - Bases teórico-conceituais para o estudo do processo intervalar em Almeida Prado ...................................................................................................................................... 221 Quadro 11 - Os 24 acordes sob nomes do alfabeto grego e seu(s) intervalo(s) característico(s) ................................................................................................................................................ 358 xxviii xxix LISTA DE DIAGRAMAS Diagrama 1 - Uma interpretação entre sistema, poética e técnica a partir de Aristóteles ..... 81 Diagrama 2 - Modelo para o estudo dos sistemas musicais segundo a EAS ........................... 86 Diagrama 3 - Sistema tonal e seus níveis hierárquicos ............................................................ 89 Diagrama 4 - Sistema tonal expandido .................................................................................... 92 Diagrama 5 - Tonalidade flutuante e tonalidade suspensa originalmente pertencentes à tonalidade expandida ............................................................................................................... 93 Diagrama 6 - Sistema tonal flutuante ...................................................................................... 94 Diagrama 7 - Sistema tonal suspenso....................................................................................... 97 Diagrama 8 - Sistema tonal livre ............................................................................................ 100 Diagrama 9 - Sistema pandiatônico ....................................................................................... 101 Diagrama 10 - Sistema atonal livre ou não-serial .................................................................. 108 Diagrama 11 - Sistema atonal ou serial-dodecafônico .......................................................... 111 Diagrama 12 - Sistema pantonal ............................................................................................ 113 Diagrama 13 - Grandes contextos tonal e atonal e seus sistemas ........................................ 114 Diagrama 14 - Os subespaços entendidos como especializações do grande contexto da atonalidade ............................................................................................................................. 115 Diagrama 15 - Gradações e espaços entre os dois grandes contextos tonal e o atonal ....... 116 Diagrama 16 - “Espaço entre”: um lugar entre o sistema tonal e o sistema atonal .............. 119 Diagrama 17 - Poesilúdio n. 2 (c. 1-2) ..................................................................................... 121 Diagrama 18 - Poesilúdio n. 3 (c. 1) ........................................................................................ 122 Diagrama 19 - Poesilúdio n. 4 (c. 4) ........................................................................................ 122 Diagrama 20 - Poesilúdio n. 5 (c. 16-17) ................................................................................. 122 Diagrama 21 - Poesilúdio n. 6 (c. 2-4) ..................................................................................... 123 Diagrama 22 - O “espaço entre” o tonal e o atonal: o sistema transtonal ............................ 126 Diagrama 23 - Os campos harmônicos e a relação ampliada de segunda menor entre eles: sétima maior (oitava diminuta) e nona menor (oitava aumentada) – compondo o “cromatismo orgânico” de Webern ....................................................................................... 131 Diagrama 24 - Comparativo da operabilidade em vários sistemas musicais em Berg e Almeida Prado ...................................................................................................................................... 134 Diagrama 25 - Uma demonstração simples da transitividade da teoria de Lewin ................ 156 Diagrama 26 - Tonnetz de Hyer .............................................................................................. 156 Diagrama 27 - Princípio que define intervalo em Lewin ........................................................ 157 xxx Diagrama 28 - Uma inter-relação da análise e seus dados entre subcampos de conhecimento musical. ................................................................................................................................... 171 Diagrama 29 - Matriz de Tacuchian ....................................................................................... 190 Diagrama 30 - Desalinhamento de afinação das oitavas com base nas relações de quintas 192 Diagrama 31 - Classe de alturas (Mod12) da Teoria dos Conjuntos e o polar axial de Lendvai ................................................................................................................................................ 224 Diagrama 32 - Eixos: principal e secundário .......................................................................... 225 Diagrama 33 - Teoria Transformacional ................................................................................. 226 Diagrama 34 - Os intervalos e as densidades harmônicas em classe intervalar.................... 229 Diagrama 35 - Esfera de Tymoczko em sua concepção intervalar ......................................... 230 Diagrama 36 - A forma cilíndrica do Diagrama 34 evidenciando a tensão do(s) intervalo(s) característico(s) ...................................................................................................................... 231 Diagrama 37 - Intervalo musical e intervalo real ................................................................... 236 Diagrama 38 - Representação que indica o problema do “intervalo aberto” (intervalo real). ................................................................................................................................................ 237 Diagrama 39 - Representação matemática do “intervalo fechado” (intervalo musical). ...... 237 Diagrama 40 - Índice de distância intervalar (IDI) .................................................................. 238 Diagrama 41 - Classe de alturas segundo Forte como índice de densidade intervalar ......... 240 Diagrama 42 - Tessitura do piano convencional no âmbito das alturas: do Lá0 ao Dó8. ...... 242 Diagrama 43 - Forma de escala cromática de Dó0 a Dó1 ...................................................... 243 Diagrama 44 - A representação das notas Dó em suas diferentes densidades ..................... 244 Diagrama 45 - Comparativo por meio de envelope ADSR entre o Dó3 e o Dó7 do exemplo da Figura 44. ................................................................................................................................ 245 Diagrama 46 - Espectrograma das notas Dó3 e Dó7, respectivamente ................................ 246 Diagrama 47 - Representação tridimensional do Dó3 ........................................................... 248 Diagrama 48 - Régua intervalar nas oitavas do total cromático com auxílio direto do índice de densidade intervalar (IDI) em função do índice de densidade intervalar por classe de alturas (DICA)...................................................................................................................................... 251 Diagrama 49 - Régua intervalar do acorde 1 ......................................................................... 252 Diagrama 50 - Régua intervalar do acorde 2 ......................................................................... 253 Diagrama 51 - Régua intervalar do acorde 3 ......................................................................... 254 Diagrama 52 - Régua intervalar do acorde 4 ......................................................................... 255 Diagrama 53 - Régua intervalar do acorde 5 ......................................................................... 256 Diagrama 54 - Régua intervalar do acorde 6 ......................................................................... 257 Diagrama 55 - Intervalo(s) característico(s) relacionado(s) ao sistema tonal e a um arquétipo de Messiaen como ideia de representação de qualquer sistema musical ............................ 258 xxxi Diagrama 56 - Ausência da terça menor (Mib) no acorde de Messiaen ............................... 260 Diagrama 57 - A ocorrência do(s) intervalo(s) característico(s) na mão esquerda do acorde ................................................................................................................................................ 261 Diagrama 58 - A ocorrência do(s) intervalo(s) característico(s) na mão direita do acorde ... 262 Diagrama 59 - Princípio da tridimensionalidade .................................................................... 265 Diagrama 60 - Rede intervalar de Pousseur por uma tridimensionalidade abstrata (atemporal) ................................................................................................................................................ 266 Diagrama 61 - Horizontalidade e verticalidade ...................................................................... 269 Diagrama 62 - Intervalo(s) característico(s) e as direcionalidades ........................................ 274 Diagrama 63 - A representação da horizontalidade “diagonal” avaliando o acréscimo ou decréscimo de semitons ......................................................................................................... 275 Diagrama 64 - Intervalos característicos em superposição (cluster) e sobreposição ............ 276 Diagrama 65 - Intervalos característicos e as direcionalidades nas regiões de oitavas ........ 277 Diagrama 66 - Tese da subdeterminação de Lacey................................................................ 280 Diagrama 67 - Esquema formal das Cartas Celestes I ............................................................ 355 Diagrama 68 - Intervalo(s) característico(s) observados no contexto de outros intervalos (avaliação da Figura 82) ......................................................................................................... 368 Diagrama 69 - Contraste por meio de classe de materiais distando uma segunda menor no Poesilúdio n. 3 ........................................................................................................................ 379 Diagrama 70 - Os intervalos e suas ocorrências no todo do complexo harmônico .............. 382 Diagrama 71 - Estrutura acórdica em todo seu contexto intervalar (correlações de cores no ic) ................................................................................................................................................ 385 Diagrama 72 - Esquema formal de 6 compassos no Poesilúdio no. 4 .................................... 392 Diagrama 73 - Subversões intervalares planejadas ............................................................... 403 Diagrama 74 - Transformação por meio de enarmonia ......................................................... 405 Diagrama 75 - Transformação intervalar por ocorrência programada do intervalo característico .......................................................................................................................... 405 xxxii xxxiii SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................................................ 39 1 ALMEIDA PRADO ................................................................................. 57 1.1 A AUTONARRATIVA ÀS REFERÊNCIAS PROGRESSIVAS .................. 57 1.1.1 Fase nacionalista: primeira referência .................................................. 58 1.1.2 Fase Pós-Tonal: a ruptura ...................................................................... 60 1.1.3 Darmstadt - Alemanha, depois Paris - França ....................................... 61 1.2 BALANÇO BIBLIOGRÁFICO DA TEMÁTICA ALMEIDA PRADO ......... 64 1.3 SUA POÉTICA: TRÂNSITO ENTRE SISTEMAS .................................. 66 1.3.1 Problemas terminológicos na dissolução da tonalidade ...................... 70 1.3.2 Definição de sistema e proposição para sistemas musicais ................. 82 1.3.3 Um espaço “entre sistemas” para sua praxis...................................... 118 1.3.4 Influências, percursos e referências a partir de poéticas de compositores europeus: exemplos em uma breve síntese ................ 126 2 TENDÊNCIAS TEÓRICO-ANALÍTICAS NO SÉCULO XX ........................... 139 2.1 SÉCULO XX: PROFISSIONALIZAÇÃO, ACADEMIZAÇÃO E FUSÃO DA TEORIA E ANÁLISE ...................................................................... 141 2.2 BABBITT, FORTE, RAHN E STRAUS E A TEORIA DOS CONJUNTOS 146 2.2.1 Crítica à teoria ..................................................................................... 150 xxxiv 2.3 PELA GEOMETRIA, UM OUTRO LADO DA MATEMÁTICA: TEORIA TRANSFORMACIONAL DE LEWIN ................................................ 154 2.4 O REPOSICIONAMENTO DE COOK EM FAVOR DAS ABORDAGENS PSICOLÓGICAS ............................................................................ 158 2.5 POR UMA ANÁLISE PELA COMPOSIÇÃO ..................................... 166 3 ANÁLISE INTERVALAR: PROPOSIÇÃO TEÓRICA................................... 177 3.1 A IMPORTÂNCIA INTERVALAR NA MÚSICA DO SÉCULO XX: MESSIAEN COMO UMA DAS REFERÊNCIAS ................................ 177 3.2 BASE TEÓRICA: BOULANGER, COSTÈRE, FORTE/STRAUS, POUSSEUR E MENEZES ................................................................................. 191 3.3 SUPERAÇÃO DO TERMO EXPRESSIVIDADE INTERVALAR EM DIREÇÃO AO INTERVALO CARACTERÍSTICO ................................ 214 3.3.1 Possíveis tangências entre o conceito do intervalo característico e outras teorias contemporâneas .......................................................... 223 3.4 RÉGUA INTERVALAR COMO FERRAMENTA DE NÃO-EXCLUSÃO DOS “OUTROS INTERVALOS” ............................................................. 232 3.4.1 Índice de distância intervalar (IDI) ...................................................... 234 3.4.2 Densidade intervalar por classe de alturas (DICA) .............................. 239 3.4.3 Local das alturas nas oitavas (LAO) ..................................................... 241 3.4.4 Régua intervalar: índice de distância intervalar (IDI) + densidade intervalar por classe de alturas (DICA) + local das alturas nas oitavas (LAO) .................................................................................................... 249 3.5 O PRINCÍPIO DAS DIRECIONALIDADES ........................................ 263 3.5.1 Horizontalidade ................................................................................... 267 3.5.2 Verticalidade ....................................................................................... 268 xxxv 3.5.3 Diagonalidade ...................................................................................... 269 3.6 O PRINCÍPIO DAS DIRECIONALIDADES NA FORMAÇÃO DA MALHA ESTRUTURAL DO(S) INTERVALO(S) CARACTERÍSTICO(S) ............. 270 3.6.1 A decomposição da rede: as direcionalidades implícitas no interior da malha intervalar .................................................................................. 275 4 A ANÁLISE DAS OBRAS E A SIMPLICIDADE DO MÉTODO .................... 279 4.1 SONATA N. 3 .............................................................................. 289 4.1.1 Introdução ........................................................................................... 309 4.1.2 Clusters: segundas menores – itens importantes nessa estrutura acórdica (I mov.: c. 1-2) ....................................................................... 309 4.1.3 Intervalo característico como acompanhamento (I mov.: c. 3-7) ....... 311 4.1.4 Segundas em acumulação (I mov.: c. 7-8; I mov.: c. 19-20) ................ 312 4.1.5 Tematização por intervalo característico (I mov.: c. 9-10) .................. 313 4.1.6 Relações de direcionalidade diagonal (II mov.: c. 6-7) ........................ 314 4.1.7 Intensificação das segundas menores (tematização em horizontalidade) [II mov.: c. 17-19]................................................................................. 315 4.1.8 Aceleração rítmica com segundas menores (II mov.: c. 27-31) .......... 316 4.1.9 Modelo motívico com segunda menor na estrutura rítmica (II mov.: c. 71-73; c. 84) ......................................................................................... 318 4.1.10 Relação intervalar e diagonalidade (II mov.: c. 74) ............................. 319 4.1.11 Padronização da ocorrência do intervalo característico dentro de um modelo rítmico (II mov.: c. 94) ............................................................ 319 4.1.12 Sobreposição intervalar tematizada (II mov.: c. 134-136) .................. 320 4.1.13 Modelo motívico intercalado pelo intervalo característico: segunda menor (II mov.: c. 141-143) ................................................................. 321 xxxvi 4.1.14 Ascendência cromática: aparente simplificação do intervalo característico ....................................................................................... 322 4.1.15 Intensificação dos intervalos ascendentes de segundas menores: com sobreposição de quartas justas (II mov.: c. 147-150) ......................... 323 4.1.16 Continuidade da intensificação da sobreposição intervalar de quartas = acorde quartal sobre acorde quartal (II mov.: c. 155-157) ................. 324 4.1.17 Relação espelhada de segundas menores (II mov.: c. 172-173) ......... 324 4.2 CARTAS CELESTES I ..................................................................... 327 4.2.1 Anotações formais do compositor ...................................................... 355 4.2.2 Acordes nomeados pelo alfabeto grego ............................................. 356 4.2.3 Módulos intervalares-rítmicos (seção A: p. 6-7) ................................. 365 4.2.4 Segundas menores e o trinado como ideia de um microprocesso composicional (seção B: p. 7, 5º sistema) ........................................... 366 4.2.5 Ideia de tremolo descendente do trinado da seção anterior – alturas com disposições de intervalo(s) característico(s) (seção C: p. 8, c. 1 - 3º sistema) ............................................................................................... 367 4.2.6 Tematização por intervalo(s) característico(s) (seção D: p. 9, 1º sistema)369 4.2.7 Intensificação e complexidade intervalar (seção E: p. 12-13, 1º - 3º sistema) ............................................................................................... 372 4.2.8 Coleção de contrastes e ordens de materiais por intervalo característico (seção F: p. 14, 1º - 3º sistema) .................................... 377 4.2.9 Sobreposição de camadas por intervalo característico (seção G: p. 14, 4º - 5º sistema) .................................................................................... 379 4.2.10 Eixo espelhado na organização intervalar (seção G: p. 15, 2º sistema)384 4.2.11 Simplificação intervalar com caráter semântico pelo não uso do(s) intervalos(s) característico(s) (seção G: p. 15, 3º sistema) ................. 386 xxxvii 4.2.12 Jogo de baixos com intervalo(s) característico(s) acentuados pela pedalização transtonal (seção H: p. 15, 6o sistema) ........................... 387 4.2.13 Ritmização das estruturas verticalizadas em aglomerados intervalares (seção G: p. 18, 1o sistema) ................................................................. 388 4.2.14 Clusters como elementos de coda das segundas (M e m): a nova seção K intercalada pela seção A................................................................... 390 4.3 NOTURNO N. 7 ........................................................................... 395 4.3.1 Introdução ........................................................................................... 401 4.3.2 Sistema tonal e o uso de intervalo(s) cararacterístico(s) (c. 22) ......... 401 4.3.3 Acorde quartal e intervalo característico (c. 1) ................................... 405 4.3.4 Desenvolvimento do material pela ideia de padronização do(s) intervalo(s) característico(s) (c. 2-8) .................................................... 406 4.3.5 Estrutura acórdica triádica com intervalo característico de nona menor: disposições de politonalidade alcançando resultados pandiatonais paradoxalmente semantizados em uma centralidade cadencial (c. 35- 37) ........................................................................................................ 407 4.3.6 Sentido tonal: dominante/tônica para o trecho ................................. 408 4.3.7 Relevância da concepção intervalar pelo intervalo característico no sistema tonal (c. 18-19) ....................................................................... 409 4.4 DIÁLOGO .................................................................................... 411 4.4.1 Introdução: considerações sobre a obra Diálogo e a concepção intervalar ............................................................................................. 419 4.4.2 Poética intervalar aplicada a partir dos aspectos de horizontalidade, verticalidade e diagonalidade ............................................................. 420 4.4.3 Tematização intervalar ........................................................................ 421 4.4.4 Tematização intervalar melódica ........................................................ 421 4.4.5 Algumas considerações sobre Diálogo (1967) .................................... 423 xxxviii 5 CONCLUSÃO ...................................................................................... 425 5.1 AMPLIANDO OS HORIZONTES ANALÍTICOS INTERVALARES AO CONJUNTO COMPOSICIONAL DE ALMEIDA PRADO NO CDMC- CIDDIC-UNICAMP ....................................................................... 426 5.2 UMA SÍNTESE DOS RESULTADOS ANALÍTICOS ............................ 428 5.3 BALANÇO DE SUA REFORMULAÇÃO POÉTICA ............................ 432 5.4 DIRECIONAMENTOS FUTUROS PARA ESTA PESQUISA ................ 434 REFERÊNCIAS .............................................................................................. 437 ÍNDICE REMISSIVO ...................................................................................... 465 ANEXOS ...................................................................................................... 469 OBRAS DE ALMEIDA PRADO: ANOTAÇÕES E RASCUNHOS DA ANÁLISE [INTERVALOS CARACTERÍSTICOS] ................................................................ 469 NOTA SOBRE OS RASCUNHOS DA ANÁLISE [INTERVALOS CARACTERÍSTICOS]471 ENTREVISTA/ENCONTRO COM FLO MENEZES .............................................. 527 VISITA/PESQUISA AO CIDDIC-CDMC-UNICAMP ........................................... 539 39 INTRODUÇÃO A preocupação central desse trabalho foi verificar a importância da concepção intervalar na composição de Almeida Prado (1943-2010). A ideia surgiu de algumas hipóteses, resultados analíticos e proposição teórica quanto aos problemas intervalares materializados a partir de uma pesquisa anterior procedida no mestrado. A proposição teórica exposta na dissertação Expressividade intervalar nos Poesilúdios de Almeida Prado (2009) foi revisada com finalidade de verificar também se tal estruturação intervalar ocorreria em outras obras musicais de Almeida Prado pertencentes às fases Pós-Tonal, Síntese e Pós-Moderna. A partir da revisão bibliográfica, que incluiu a tese de doutorado do compositor Almeida Prado ([1985] 1986) e os inúmeros trabalhos produzidos por pesquisadores que estudaram as obras do compositor, apresento nesse momento duas premissas que orientam ou que fundamentam esta tese, e são elas: 1a premissa: baseada em uma das afirmações de Almeida Prado que, reiteradas vezes, revelou ser um compositor “muito tímbrico”, afirmando: “Você não pode tocar minha música sem pensar no timbre, sem procurar efeitos de ataque [...]” (MOREIRA, 2004, p. 76), avaliei e interpretei a afirmação pressupondo que o timbre fosse também configurado pelas atuações organizadas dos intervalos em três direcionalidades: nas relações lineares, nas relações verticais e nas relações diagonais. Note-se que nessa premissa alocariam-se os compositores que desenvolveram mudanças estéticas no âmbito do total cromático, visto que os compositores, um bom número deles já no início do século XX, passaram a reconstruír sua poética por meio do conceito de som sob um viés da altura indeterminada e futurista. O que se percebeu, foi uma delimitação que Almeida Prado empreendeu para aprofundar sua discussão estético-poética, sem adentrar na prática da música eletroacústica propriamente dito. No entanto, ainda assim continuou a almejar o controle de timbres através das seleções intervalares na estrutura do material harmônico sabendo das condições 40 fenomenológicas das alturas e seus formantes (a onda senoidal, o número de harmônicos, a distribuição e o destaque dos harmônicos em certas oitavas, a intensidade de cada harmônico e o atributo da duração do tempo em cada harmônico). Pareceu-me que ao valorizar as ressonâncias superiores e inferiores como prática e teoria disseminadas por Olivier Messiaen (1908-1992), Almeida Prado pretendia manipular, no total cromático, essas propriedades sonoras, e assim, esse conhecimento estava implícito em suas formulações intervalo- harmônicas. Dessa maneira, a compreensão da importância do intervalo e sua relação com o timbre passa por uma revisitação histórica do que seriam as organizações harmônicas na estética da escola francesa em fins do século XIX. Compreender a linha genealógica do possível surgimento do conceito “timbre harmônico” a partir da seleção de determinadas alturas e intervalos na estrutura acórdica, para que no total cromático, pudesse evidenciar certos harmônicos por meio da ressonância dos tipos sonoros como produtos variáveis de cor, tal estudo, passaria, inicialmente, pela consideração de estruturas harmônicas em que o grau de nona é mais evidenciado, como acontece na obra de Emmanuel Chabrier (1841-1894), na abertura da ópera cômica Le roi malgré lui (1887). É muito provável que Erik Satie (1866-1925) tenha escutado tais procedimentos em Chabrier e tenha utilizado em Le Fils des Etóiles os blocos paralelos de harmonias sob uma base de superposição intervalar. As nonas e as décimas terceiras podem ser observadas nessa redução para piano do Prélude da ópera de Chabrier: Figura 1 - Nonas e décimas terceiras (ou sextas) 41 Fonte: elaborado pelo autor (CHABRIER, 1887) Compassos 1-8 do Prélude (Act I) da ópera Le roi malgré lui. A posteriori, nos compassos 9 a 12, o peso orquestral foi retirado por meio de indicações na dinâmica, no entanto, o mesmo procedimento intervalar-harmônico é similar ao demonstrado na Figura 1. A inclusão dos graus harmônicos de nona continua até ao final desta abertura do Prélude como demonstrado abaixo (compassos 13 ao 18). Figura 2 - O mesmo efeito intervalar-tímbrico em outra sequência de acordes no Prélude Fonte: elaborado pelo autor (CHABRIER, 1887) Compassos 13-18 do Prélude (Act I) da ópera. 42 À suposta alusão de que Satie possa ter ouvido no Prélude (Act I) de Chabrier (1887) a inferência das nonas e das décimas terceiras, em parte, essa afirmação pode ser demonstrada (abaixo) na análise intervalar dos blocos sonoros por organização quartal que ocorrem na introdução de Le Fils des Etóiles – a organização intervalar quartal acaba ocorrendo de maneira diluída nos três atos da obra. Outro dado que chama a atenção é a predileção pela ênfase à nona como último som (região aguda) na montagem harmônica dessas estruturas acórdicas no Prelude du 1er Acte. Figura 3 - As nonas nos blocos sonoros quartais da introdução de Le Fils des Etóiles Fonte: elaborado pelo autor Na coluna à esquerda observe-se o padrão intervalar contínuo adotado para os blocos sonoros que ocorrem em mais seis semifrases semelhantes às duas da figura acima. Outro dado realçado na nota mais aguda de cada estrutura acórdica: a nona. A partir desse exemplo, poder-se-ia preponderantemente considerar que, cada vez mais, a harmonia da escola francesa passaria a ser enfatizada pela ideia de blocos sonoros, fortalecendo a importância da estruturação dos intervalos como elemento de cor na composição de timbres. Esse cunho poético perpassa as obras de Claude Debussy1 (1862-1918) e Maurice Ravel2 (1875-1937). Ressalve-se que Ravel explorou mais profundamente o timbre 1 “A observação das técnicas de composição usadas por Debussy nos leva a constatar os valores sonoros que constituem a sua linguagem, o novo som que era procurado, um som no qual: as alturas se organizam em timbres; o tempo atinge uma dimensão de espaço; a dinâmica e o timbre se integram na estrutura; o discurso passa a ser descontínuo.” (PASCOAL, 1991, p. 11). 2 “Com extremo cuidado timbrístico, numa instrumentação requintada, Ravel colore suas valsas para piano num universo orquestral. O ballet foi concretizado, e temos então, nós pianistas, uma referência preciosa das evocações orquestrais feitas pelo próprio compositor. Poderíamos fazer esta analogia direta com a textura orquestral mesmo sem esta referência, pois Ravel procura em suas obras pianísticas explorar efeitos e colorações tipicamente orquestrais, assim como seus contemporâneos: Cesar Frank, Saint-Saëns, Fauré, Poulanc, Chabrier, Korsakov e Debussy. Esta corrente de compositores que busca utilizar efeitos diversos com orquestração mesmo em obras 43 com seu modalismo requintado e com seu profundo conhecimento de orquestração adquirido a partir de Hector Berlioz (1803-1869). Referindo-se a Debussy, o tratamento sonoro em sua produção composicional envolveu o controle seletivo de determinados graus harmônicos na construção acórdica. Como exemplificação observe-se os últimos compassos do Prélude X (La Cathédrale engloutie). Figura 4 - Controle intervalar com fins de efeitos tímbricos Fonte: elaborado pelo autor (DEBUSSY, 1910) De Claude Debussy, os compassos 82-89 do Prélude X (La Cathédrale engloutie). É preciso lembrar que há um lugar de destaque, na escola francesa, para Edgar Varèse (1833-1965), e como referência básica cite-se sua obra Hyperprism composta entre 1922 e 23. Acrescenta-se que muito da progressão e do desenvolvimento de Varèse se deu ao fato dele ter a princípio se desagregado estético-politicamente da escola francesa quando viu um certo comodismo por parte dos compositores da época. Essa situação o fez migrar para os EUA, e para piano, de onde provém Maurice Ravel, surge após, Berlioz que muda os paradigmas das sonoridades orquestrais com seu Tratado de Orquestração, o qual foi dissecado e utilizado por Maurice Ravel em sua formação musical. [...] A técnica orquestral de Ravel foi fruto de longos anos de estudo, de incessante questionamento de performances, muita experimentação, e incontáveis pesquisas.” (ORENSTEIN, 1991, p. 136, grifo nosso). 44 assim, associou à inovação tecnológica propiciada pela cultura norte-americana e àqueles compositores ligados à teoria quântica de campos que era derivada dos trabalhos sobre eletromagnetismo. Assim, citar Hyperprism é fazer uma indicação às novas referências insurgentes na música do século XX, essa obra configurou-se como representante importante da poética que passou a expressar-se em “[...] termos de som e não [somente] em termos de notas sobre o papel.” (VARÉSE, 1983, p. 145). Nessa obra, também ficou evidenciado o controle e estudo do timbre através da seletividade de intervalos preferenciais – aqueles potenciais de brilho tímbrico intenso - conhecidos como dissonâncias duras. Um fato digno de nota, nesta peça, foi o “peso na coloração sonora” alcançada por um grupo camerístico reduzido de instrumentos com afinação fixa associada a um staff percussivo como pano de fundo. Assim, nessa estética, a estruturação intervalar seria, cada vez mais, alvo de atenção por parte dos compositores, e de antemão, tal atenção passaria a ser preponderante para objetivos de potencialização da energia harmônica. Um pequeno excerto dos compassos 31 ao 33, executado pelas trompas em Hyperprism, oferece uma ideia do cuidado intervalar privilegiado que Varèse teve ao explorar o material sonoro na estrutura harmônica. Figura 5 - Intervalos preferenciais em Hyperprism Fonte: elaborado pelo autor (VARÈSE, 1922-23) Compassos 31-33 de Hyperprism (segunda menor, oitava diminuta e nona menor). Desse mesmo caminho estético-sonoro construído pela escola francesa, Messiaen produziu também sua teorização intervalar que provocou inúmeras possibilidades de variações 45 sonoras no âmbito tímbrico. Os seus modos de transposição limitada forneceram boa parte da base e gênese que organizou e selecionou as alturas em sua construção acórdica verticalizada e horizontalizada que funcionou de maneira entrecruzada com elementos da tonalidade (acordes tríadicos com oitava e as oitavas sem a tríade no seu interior – intervalo estrutural primordial a partir da série harmônica). O seu “acorde de ressonância” foi uma interpretação diferenciada e ‘não natural’ dos harmônicos inferiores possíveis da série invertida, construindo, assim, uma combinação de “harmônicos superiores” (naturais) com os “harmônicos inferiores” (não naturais) – os quais, estes últimos, encontram-se na parte grave da estrutura do acorde. A despeito dessa sua conjuntura teórica, apontei também em Messiaen o mesmo cuidado na disponibilização intervalar achado em Hyperprim e Octandre de Varèse. Essa evidência pôde ser demonstrada no exemplo abaixo, excertado da peça XII - La parole toute- puissante da obra Vint regards sur l’Enfant-Jésus de 1944. Ressalte-se que esse procedimento foi profícuo nesta peça e em grande parte das obras do compositor. Portanto, se esse argumento não é construído sob a existência de um processo esparso nas obras de Messiaen, ao mesmo tempo, em que se busca sua comprovação analítica, tal averiguação não pode ser enfraquecida ou desvalorizada sob a ótica de que uma análise, em si, é um recorte – pois o próprio recorte é uma possibilidade contida na metodologia de qualquer análise. Veja-se um exemplo de livre escolha nos compassos iniciais de La parole. 46 Figura 6 - Disponibilização intervalar em Messiaen privilegiando intervalos potenciais de disso- nância dura como em Hyperprism de Varèse Fonte: elaborado pelo autor (MESSIAEN, 1944) Compassos 1-3 de XII - La parole toute-puissante da obra Vint regards sur l’Enfant-Jésus. Nos primeiros compassos de todas as peças dessa coleção (Vint regards), excluindo a XIX e a XX, há sempre na construção acórdica uma ocorrência de intervalos de dissonância dura – segunda menor (primeira aumentada), sétima maior (oitava diminuta) e nona menor (oitava aumentada). Há uma programação vertical sistematizada desses intervalos, os quais, revelaram- se também parte integrante da agenda teórico-poética de Messiaen. Em linhas gerais, Messiaen em suas principais publicações teóricas – no Le Traité de rythme, de couleur, et d'ornithologie e no Technique de mon langage musical, incluindo a obra Modes des valeurs et d’intensités nesse gênero – propicia direcionamentos e informações, que somados ao seu legado composicional, apontam os caminhos do seu pensamento. Vários de seus alunos compositores foram influenciados por esse percurso evolutivo da escola francesa quanto à preocupação tímbrica, até chegarem alguns deles, por influência de seus ensinamentos, à música espectralista. Assim, compreender a concepção intervalar de Almeida Prado é inserí-lo nessa vertente teórico-estética de compositores que também provocaram mudanças no tratamento intervalar do total cromático. Essa linhagem, iniciada incipientemente em Chabrier, passou por Satie, ampliou-se a partir da leveza textural-harmônica de Debussy, seguiu pelo aprofundamento do tratamento intervalar em Varèse, e, em Messiaen, chegou a 47 uma reconfiguração da tradição que objetivava uma inovação teórica que continuasse a desenvolver a projeção tímbrica. Por meio de seu “acorde de ressonância”, Messiaen desenvolveu a fusão entre timbre e harmonia, conceitos valorizados em Debussy e que se propalaram à música espectralista3 – um pouco à frente de seu tempo. Compreendendo ‘ressonância’ como a “Intensificação e enriquecimento de um som por vibrações suplementares [...]” (MICHAELIS, 2000, p. 1830), tal definição remete à ideia da série harmônica atrelada à visão de uma fundamental e seus harmônicos. A partir de Messiaen, Almeida Prado acrescentou em sua já sistematizada concepção intervalar a preocupação com os aspectos de ressonância. Mesmo que Messiaen não tenha sido um espectralista4 de fato, é comprovadamente perceptível que Almeida Prado, a partir daquelas composições produzidas durante a sua estada na Europa e aquelas que foram escritas no pós-Europa, tenha continuado nessa compreensão e visão a respeito dos constituintes harmônicos de um som/altura na estruturação acórdica. Esses constituintes intervalares na estrutura acórdica, derivados do entendimento da representação dos harmônicos na série, continuaram, por princípio, sendo pensados também como suas “vibrações suplementares”. Foi nesse sentido que estabeleci minha primeira premissa que relacionou a concepção de intervalo ao timbre. Dessa maneira, o timbre harmônico e/ou a harmonia-timbre, como conceitos precursores e básicos da música espectral, são consolidados pelo uso intencional de determinados intervalos. Esses intervalos podem ser chamados de preferenciais, exercendo controle da densidade sonora. Paulo Zuben (2005, p. 78) disse que “[...] o som faz-se perceptível através do timbre, do qual altura é uma dimensão.” Assim, se o intervalo é a relação de duas alturas, e conforme o que disse, a altura é “um distrito” do “grande território do timbre”, posso dizer, como propus nesta premissa, que o timbre harmônico deve ser relacionado em primeira instância a intervalos pré-determinados em certas localizações específicas nas oitavas. Se “O timbre tem tanto um dado objetivo, quantificável enquanto objeto acústico [...]” (ZUBEN, 2005, p. 21), então em um âmbito pormenorizado e primariamente anterior ao timbre, o que deve ser objeto de qualificação, quantificação e análise é o intervalo - e/ou os intervalos. 3 Viviana Moscovich (1997, p. 21-22) colocou Claude Debussy (1862-1918), Edgard Varése (1883-1965), Giacinto Scelsi (1905-1988) e Olivier Messiaen (1908-1992) como os grandes precursores da música espectral. 4 Compositor que é preocupado com o estudo e a aplicação de ferramentas que manipulem o som na razão de seu espectro (composição e estudo das parciais [harmônicos] de um som ou altura). 48 2a premissa: fundamentada em outra afirmação de Almeida Prado, na qual declarou que sua composição está em um território que é “uma fusão desses dois sistemas” (tonal e atonal), um “novo sistema”, um sistema ‘entre’, o qual “[...] trabalha com mecanismos intervalares e não se subordina às regras de qualquer sistema.” (NADAI, 2007, p. 25), direcionei minha percepção em direção à busca de uma compreensão possível, ou que fosse a mais próxima possível de seu princípio, aquele que o fazia transitar entre esses sistemas musicais referidos. Qual seria a lógica intervalar desse novo sistema? Ainda sem dar uma maior atenção à lógica intervalar (que virá à frente como base e tema do percurso teórico deste estudo), para avançar na proposta desta segunda premissa, uma inicial reflexão sobre a definição de “sistema” foi necessária. Assim, compreendeu-se um systema (do grego), como um “Conjunto de princípios verdadeiros ou falsos, donde se deduzem conclusões coordenadas entre si, sobre as quais se estabelece uma doutrina, opinião ou teoria [...]” (MICHAELIS, 2000, p. 1952). A definição também aceitaria a possibilidade de uma complexidade ainda não compreendida, a ser produzida por uma sistematização intrínseca ao objeto contemplado e/ou analisado. Por uma correlação descendente de systema, a “sistematização” deveria ser avaliada também como decorrente da ação de “sistematizar”. Conforme o dicionário Michaelis (2000, p. 1953), “sistematizar” é um verbo transitivo direto que foi definido como “Reduzir-se a sistema; compilar princípios, formando um corpo de doutrina.” Assim, subestabeleceu-se uma inseparável proximidade epistêmica entre a ação (sistematizar), o processo (sistematização) e o próprio conceito originador systema – tanto o “sistematizar” (a ação) como a “sistematização” (o processo) foram fortemente ligados ao “princípio sistêmico” gerado pelo “sistema”. Quando Almeida Prado falou sobre sua música estar entre os “sistemas tonal e atonal”, tentou concretizar nessa música uma fusão desses dois sistemas, o que ele em linhas gerais estabeleceu, foi uma definição de espaços majoritários que alocariam todas as gradações dos tipos sistêmicos musicais pertencentes ao que é tonal e atonal. Sua definição se ateve ao 49 processo que o fez transitar entre os sistemas “tonal e atonal”. Foi nesse sentido que a “sistematização” como processo deveria ser entendida como base ou ação de um sistema, e nesses termos ele poderia atribuir à atonalidade a concepção de ser um “sistema musical”, porque o “processo” estaria atrelado aos “princípios desse sistema” – uma organização sistêmica que visaria negar a tonalidade. Em Almeida Prado, tanto a tonalidade como a atonalidade foram definidas como sistemas que compreendem sua atuação em grandes contextos de espaço. Assim, o quanto compôs em cada obra musical no tonal ou no atonal estaria a cargo do ato analítico e suas ferramentas, uma classificação e uma clarificação quanto a isso, mesmo que fossem demonstradas, seriam em uma ordem gradativa. O compositor sempre quis exercer sua poética que acenou com a nuance e a indefinição harmônica, nesta, seria estar para mais ou para menos entre esses dois grandes contextos – o tonal e o atonal. Anteriormente, em sua tese de doutorado, o compositor também revelou que esse “novo sistema” é um “sistema organizado de ressonâncias”, ora baseado no conceito da série harmônica e dos harmônicos possíveis (PRADO, [1985] 1986, p. 559) – o compositor chamou esse sistema de transtonalismo. O “transtonalismo como sistema de organização das alturas encontra um dos seus fundamentos no acorde de ressonância de Messiaen.” (GUIGUE e PINHEIRO, 2001, p. 4). “Nesse sistema, as estruturas sonoras são expandidas pela utilização de procedimentos e técnicas que são oriundos dos outros sistemas [...]” Esse novo sistema, que é “entre”, é um espaço para o trânsito de novas regras e combinações que resultam da fusão e gradação das normativas que determinam “novas cores, mas mútua coexistência desses sistemas” (SANT’ANA, 2009a, p. 3). Assim, a existência de uma lógica de distâncias entre as alturas foi um fato verificado que pareceu ser singular na sua construção, o que propiciou uma convivência dos sistemas musicais, de maneira a confirmar e solidificar sua proposta de transtonalismo. Definiu-se que, nesta pesquisa, as distâncias entre as alturas nos sistemas musicais devessem ser observadas como unidades dentro do total cromático (doze alturas no sistema temperado) denominando-se como intervalo mínimo, a segunda menor (semitom) – e como intervalo máximo, qualquer outro múltiplo dessa segunda menor, nos termos de ocorrência em um âmbito das oitavas possíveis e audíveis explicitadas na paleta convencional do piano ou em 50 um instrumento orquestral. Assim, todo o conjunto conceitual envolvendo o intervalo no total cromático, chamei de concepção intervalar. Entendi que as possibilidades, variabilidades e referencialidades estiveram substancialmente na organização do material intervalar, agindo como constitutivo básico das “estruturas acórdicas” (SANT’ANA, 2009c). Por sua vez, o funcionamento interseccionado de cada sistema compreendeu, a posteriori, o tipo de planificação dessas “estruturas acórdicas” definidas pelo intervalo. Assim, em síntese e em rápida compreensão retroativa, as classificações e o entendimento de tais estruturas sempre estiveram regidos pelo seu fundamento: o próprio intervalo. Portanto, diante dessas premissas, continuei apresentando o mesmo fenômeno, que anteriormente foi chamado de “expressividade intervalar” (SANT’ANA, 2009c) – conceito ampliado a partir de um termo ipsis litteris veiculado por Almeida Prado em uma entrevista concedida a Nadai (2007, p. 117). Após análise detalhada, consubstanciei os intervalos de segunda menor e seus correlativos – a sétima maior (8a dim.), e a nona menor (8a aum.). Esses intervalos foram observados como recorrentes e relevantes na organização da malha estrutural presente na obra Dezesseis Poesilúdios de Almeida Prado. Dessa maneira, continuei percebendo ser importante avançar e revisar alguns conceitos que envolveram o problema do intervalo nas obras subsequentes ao nacionalismo musical de Almeida Prado. Sabendo que o compositor classificou sua produção composicional em quatro fases, sendo a primeira chamada de “Nacionalista” e as outras três fases posteriores, como fases de ruptura com esse nacionalismo tonal, chamadas pelo próprio Almeida Prado de “Pós-Tonal”, “Síntese” e “Pós-Moderna”, estabeleci as perguntas que foram o norte dessa pesquisa: a) O aspecto intervalar, como delineado na pesquisa anterior (2009) sobre os Dezesseis Poesilúdios (1985) de Almeida Prado, seria estendido com esse grau de importância ao plano composicional de outras obras das três fases pós-ruptura? b) Seria coerente, e não contraditório, em bases epistemológicas5, usar o termo expressividade intervalar anteriormente adotado? 5 “Epistemologia pode ser definida etimologicamente como discurso racional (logos) da ciência (episteme). A palavra grega episteme pode ser traduzida por conhecimento estabelecido, conhecimento seguro. A palavra grega logos, dona de várias acepções, pode ser […] traduzida por ‘teoria racional’.” (CASTAÑON, 2007, p. 6). 51 c) Haveria necessidade de se criar e adotar um novo termo que abarcasse a concepção, importância e modelagem intervalar como foram demonstradas nas análises das obras pós-ruptura de Almeida Prado? Para buscar comprovações às questões que envolveram a lógica intervalar nas obras das fases pós-ruptura, especificamente procurei obter um tipo de abordagem analítica condizente com a poética de Almeida Prado, na qual as ferramentas pudessem demonstrar a importância da concepção intervalar na construção que o compositor aplicou em cada uma das três obras escolhidas: Sonata n. 3, Cartas Celestes I e o Noturno n. 7. Interessou-me aqui seguir uma abordagem que conseguisse estabelecer um vínculo condizente com seu “novo espaço sonoro” (PRADO, [1985] 1986, p. 530-9), como um ambiente “pandiatonal” (MOREIRA, 2002) nomeado como “sistema transtonal de ressonâncias” (YANSEN, 2005) que se articularia por meio dos “mecanismos intervalares” (NADAI, 2007), ora chamados em primeira definição como “expressividade intervalar” (NADAI, 2007; SANT’ANA, 2009c). Pretendi desenvolver estruturações crítico-analíticas que decorressem do próprio conjunto teórico-composicional de Almeida Prado. Sua concepção intervalar, antes chamada de expressividade intervalar, ficou agora reconhecida sob o que chamei de intervalo(s) característico(s), entendido(s) como ocorrência(s) intervalar(es) singular(es) em cada peça analisada. Das obras em questão – Sonata n. 3, Cartas Celestes I e o Noturno n. 7 – pertenceriam respectivamente às fases “Pós-Tonal”, “Síntese” e “Pós-Moderna”. Não poderia negar que minha escolha em abordar a produção musical de Almeida Prado, tenha sido corroborada ao fato do já marcante interesse da comunidade acadêmico-científica por suas obras. Certa vez, o próprio compositor levantou o assunto quando falou de si ao Jornal da Unicamp (2006): “Sou um dos compositores brasileiros mais estudados na pós-graduação. Nem o Villa-Lobos, que merecia o triplo, foi objeto de tantas teses. Surpreendo-me com o que os pesquisadores encontram no meu trabalho [...]” (LEVY, 2006). O conjunto composicional de Almeida Prado foi moldado pelas aberturas e possibilidades que surgiram em sua carreira como pianista, compositor, professor e aluno de diversos mestres relevantes no cenário musical brasileiro e internacional, pelos quais recebeu 52 influências importantes. Entre as influências relevantes para o compositor no Brasil, aponto a pianista e professora Dinorá de Carvalho (1905-1980), bem como os compositores e professores Osvaldo Lacerda (1927-2011) e Camargo Guarnieri (1907-1993). A posteriori, quando se introduziu no cenário internacional, na França, Almeida Prado foi orientado por seus dois principais professores na Europa: Nadia Boulanger (1887-1979) e Olivier Messiaen (1908-1992). Quanto à trajetória de Almeida Prado, é também importante destacar sua função como professor de Composição no Departamento de Música da Universidade Estadual de Campinas, onde expressou sua visão particular de mundo aos seus alunos. Sendo ele conhecedor do repertório canônico da música erudita ocidental, e ao mesmo tempo, aberto e receptivo em seu processo de composição à música do século XX, produziu um conjunto de mais de 570 obras – uma parte editada na Alemanha pela Editora Tonos Musik Verlag, de Darmstadt. Durante a pesquisa, soube-se que a Academia Brasileira de Música possui grande parte do acervo das composições do autor. Esta instituição tem também editado algumas de suas obras e tem à disposição alguns títulos para venda ao público. Ressalta-se o catálogo6 completo das obras do compositor organizado por Valéria Peixoto e lançado pela mesma ABM em 2016. Outra instituição depositária de cópias de suas composições, a Coordenação de Documentação de Música Contemporânea (CDMC) do Centro de Integração, Documentação e Difusão Cultural (CIDDIC) da UNICAMP, possui 300 obras7 catalogadas. Quanto às questões e preocupações levantadas neste trabalho, minhas justificativas foram fundamentadas em dois eixos: 1) Como aluno de Almeida Prado, na disciplina de Composição por oito semestres na UNICAMP (1992-1995), colecionando um conjunto de informações orais que somadas a minha experiência de compositor-analista, entendi que poderia trazer algumas contribuições sobre sua produção composicional, validando atuais e futuros consensos e dissensos insurgentes a partir das pesquisas já realizadas, e/ou a serem realizadas. 2) Por meio de revisão bibliográfica empreendida de 2007 até 2009 durante a pesquisa de mestrado (SANT’ANA, 2009c), e outra que posteriormente continuei realizando 6 http://www.abmusica.org.br/noticia.php?n=almeida-prado-catalogo-de-obras&id=69 7 http://www.ciddic.unicamp.br/colecao_almeida_prado.php 53 no doutorado até ao presente momento (2009-2017), consegui construir um posicionamento pessoal e particular que tem se mostrado discordante dos enfoques e métodos analíticos aplicados em um número considerável de pesquisas que trataram das obras de Almeida Prado. Assim, pretendi que as análises que constassem nesta tese pudessem ser uma alternativa em relação àquelas análises provenientes de possíveis tendências acadêmicas de se reportarem à macro-média- micro análise de White (1994), à análise schenkeriana e/ou à Teoria dos Conjuntos de Forte (1973) e Straus (1990). Como exemplo, a análise de White, como utilizada por alguns pesquisadores da obra de Almeida Prado, tem uma propensão de tentar fixar a sua produção pós-ruptura em um ambiente tonal por ferramentas que são oriundas desse sistema. Sabe-se que o compositor realizou superações em relação ao sistema tonal, dirigindo-se à atonalidade livre a partir da tonalidade. Deveria também ser lembrado que o método de White foi aplicado em pesquisas que se preocupavam com a performance musical, assim, esse método parece prestar um papel de compreensão que auxilie à execução da obra como vinculada ao sistema tonal. Portanto, mesmo que as obras do compositor, em algum momento, possam ter algum vínculo inicial com a tonalidade, a utilização desse método não pode ser validada somente por essa justificativa. O material musical do compositor foi ampliado, alargado e subvertido do tonal em direção ao modal, ao atonal e ao transtonal. O método de John White tem um cerne metodológico que funciona muito bem para obras da tradição musical no Barroco, Classicismo, Romantismo e outros repertórios vinculados à tonalidade. Para as obras de Almeida Prado, em certo sentido, tais análises realizaram algum avanço quanto à performance ao utilizar conceitos como “fragmentos”, “material transposto”, “material variado” e “timbre”. No entanto, como amostra de um caso observado, a classificação de “material transposto com variação de algumas notas” de Yansen (2005, p. 66 e p. 138), nesta situação percebi que a ferramenta ou o próprio analista estiveram limitados por uma concepção generalizadora não explicando “algumas notas com variação”. Nesses termos, essas “algumas notas com variação” poderiam compor um modo escalar diferente? Poderiam ser uma série dodecafônica completa ou incompleta? Qual seria o mecanismo de variação dessas notas? Seria 54 somente variação rítmico-intervalar? Esse tipo de enfoque analítico abarcaria essa poética das multiplicidades adotada por Almeida Prado? Observei que várias obras de Almeida Prado foram concebidas sob um viés macroestrutural fazendo alusão às modalidades e aos gêneros musicais consolidados e recorrentes da prática musical comum (estudos, sonatinas, sonatas, noturnos, etc.). Apesar de o compositor ter trazido referências textuais quanto ao título e à forma desses gêneros estilísticos, ele construiu novas aplicações e modelagens para frase, tema, período, seção, desenvolvimento, transição, etc. Essas estruturas e modelos não são colocados de forma estrita como no tonalismo. Há reutilizações através das rupturas, dos deslocamentos, das remodelações, dos contrastes, das estratificações, das dubiedades, das ambiguidades, das semantizações – toda gama e possibilidades de multiplicidade teórico-formal ressignificada musicalmente. Assim, julguei importante, quanto aos métodos analíticos, que estes não fossem fincados em parâmetros tonais ou neotonais (WHITE, 1994). Definitivamente, eles não poderiam dar conta de seus processos composicionais. Em se tratando de Almeida Prado, verificou-se a necessidade de uma pesquisa mais aprofundada quanto a sua concepção intervalar, que fosse ambientada no seu transtonalismo. O próprio compositor, quando da ruptura com o tonalismo nacionalista, definiu que não queria mais fazer aquela “música de 1890” (VASCONCELOS, 2007). No primeiro capítulo desta tese desenvolvi um tipo de revisão que fundiu dados históricos, os quais, muitas vezes, foram contados pelo próprio compositor em várias entrevistas realizadas por pesquisadores de suas obras. Naturalmente, verificou-se que a seleção das citações, das contribuições e dos dados dessas outras pesquisas alinham-se em direção ao meu pensamento e à minha proposta teórico-analítica. Ainda no primeiro capítulo, fiz uma tentativa de construir o caminho genealógico da poética de Almeida Prado, apontando a influência dos compositores Guarnieri-Mendes8-Boulanger-Messiaen. O segundo capítulo tratou de uma síntese histórica das principais tendências teórico- analíticas no século XX, principalmente as duas mais conhecidas na atualidade – a neoriemanniana e a neoschenkeriana. Neste capítulo também constou um conjunto de definições epistêmicas que puderam justificar uma análise a partir de ferramentas construídas 8 O papel de Gilberto Mendes no novo direcionamento de Almeida Prado será tratado no capítulo 1 (subtítulo Fase Pós-Tonal: a ruptura). 55 de uma composição musical. Assim, considerações de Nicholas Cook, Lawrence Kramer e outros autores – como os musicólogos brasileiros Régis Duprat e Ilza Nogueira – corroboraram ao que se tornou um dos meus argumentos básicos a partir do que Ricardo Bordini disse que: “[...] o melhor modelo de análise para a música que tem seu registro grafado em partitura [...] é a própria música.” (BORDINI, 1994, p. 123). No terceiro capítulo apresentei uma breve revisão histórica sobre o problema e a compreensão do intervalo no Século XX que, em conjunto com minha proposição teórica intervalar, norteou a análise desenvolvida no capítulo quatro. Busquei validar uma anterior prática estrutural-analítica das questões intervalares nas obras selecionadas, apresentando assim, uma visão que justificasse o tipo metodológico de minha pesquisa, conectando esta visão aos dados manipulados no processo analítico em direção a um reconhecimento consciente dos caminhos poéticos trilhados pelo compositor, sem forçar um método-teoria pré-existente. Os entrecortes teórico-conceituais, aplicados ao seu material composicional, buscaram também uma contextualização por um senso crítico musicológico que pudesse explicar seu percurso sócio musical na história da música contemporânea dos séculos XX e XXI. No quarto capítulo ocorreu o desenvolvimento da praxis analítica desta proposição teórica (concebida no terceiro capítulo) na forma de uma ferramenta que enfatizou o(s) intervalo(s) característico(s) nas três obras das fases pós-ruptura de Almeida Prado. Pretendendo o aprofundamento da análise, estabeleceu-se a possibilidade da não exclusão dos intervalos genéricos (aqueles derivados dos sete primeiros harmônicos da série harmônica e base para o sistema tonal) por meio de uma ferramenta denominada régua intervalar. A partir daí vislumbrou-se outras possibilidades das relações intervalares nas estruturas acórdicas ensejadas pelo compositor, resultando então na criação de três parâmetros quantificáveis chamados de: índice de distância intervalar (IDI), densidade intervalar por classe de alturas (DICA) e local das alturas nas oitavas (LAO). Por fim, na conclusão, busquei relacionar a poética e a visão de mundo do compositor. Nesse sentido, as entrevistas concedidas a inúmeros pesquisadores contribuíram para delinear alguns conceitos importantes que puderam ser conectados com as construções teórico- analíticas formuladas neste trabalho. No aspecto prático, esses conceitos foram 56 substancializados a partir do zoom (maximizante e ou minimizante) que compreendeu o campo analítico musical e o contexto sociomusical de Almeida Prado. Assim, pretendi que este texto pudesse avançar para além dos resultados e dados materiais, em direção a um posicionamento sócio-crítico-histórico engajado às pluralidades dessa música transtonal produzida pelo compositor. 57 1 ALMEIDA PRADO 1.1 A AUTONARRATIVA ÀS REFERÊNCIAS PROGRESSIVAS Dada a importância do gênero entrevista e a utilização das ferramentas-conceitos da narrativa (autonarrativa) como autobiografia, fez-se uma reflexão sobre a possibilidade de encontrar dados e informações que contribuíssem para o aprofundamento do conhecimento da composição de Almeida Prado nas entrevistas que ele concedeu ao longo de sua vida. Conforme Delory-Momberger, a “razão narrativa” comporia a “atividade biográfica” (2012, p. 525). A “(auto)-biografia” utilizaria da autonarração, o sujeito que narraria sua própria história (NÓVOA, 1998). O tempo e o espaço das ações realizadas pelos sujeitos dentro de seus grupos sociais poderiam identificar as negociações dos acontecimentos ocorridos em suas vidas. No caso de Almeida Prado, as entrevistas realizadas por um bom número de jornalistas e pesquisadores, além de comporem um marco de aspecto histórico, também trouxeram importantes dados musicológicos sobre seu ato compositivo. A temporalidade contida na sua narrativa individual remeteu ao dinamismo dessa história que apreendeu as estruturas de relações sociais e os processos de mudança pelos quais passou o compositor ao longo de suas fases composicionais. Verificada a existência de muitos projetos de pesquisa que versaram sobre suas obras, realizados por autores como Moreira (2002, 2004), Bitondi (2004), Rocha (2005), Nadai (2007), Pires (2007), Scarduelli (2007), Taffarello (2007, 2010), Benetti Junior (2008), Gomes Filho (2010), Yansen (2005, 2010), Costa (2011), notou-se, nesses estudos, que foi utilizada a ferramenta da entrevista, e que tais entrevistas ofereceriam elementos que poderiam ser ainda mais estudados. Dessa forma, comprovar-se-ia outras questões em seu percurso, quando da ruptura com o nacionalismo de Guarnieri em direção a outras soluções estruturais do material, surgidas a partir do contato de Almeida Prado com compositores europeus. Deve-se lembrar, com ressalvas, que existiriam outras importantes entrevistas realizadas com o compositor, como aquela da jornalista Ana Lúcia Vasconcelos (2007). No entanto, priorizou-se estabelecer para esta primeira seção do trabalho o registro importante da 58 entrevista realizada pela Academia Brasileira de Música (2001), sob os cuidados de Valéria Peixoto, com o título de Encontros com Almeida Prado. 1.1.1 Fase nacionalista: primeira referência [...] Guarnieri foi meu professor cinco anos e ele me deu o artesanato sonoro nacionalista de acordo com a ótica pós Mario de Andrade. Mas ele era totalmente avesso a qualquer caminho dodecafônico, serial, atonal. Ele era contra. Agora, aos vinte anos eu tinha necessidade de conhecer o outro lado e não compor uma música de 1890. (VASCONCELOS, 2007). A partir da fase nacionalista, Almeida Prado adquiriu e conservou um elemento importante, para sua carreira como compositor, que proveio do modernismo brasileiro: a capacidade antropofágica9. Essa herança lhe foi transmitida pelas ações de seu professor Camargo Guarnieri10, homem atrelado a Mário de Andrade (1893-1945), tendo este também sido participante da Semana de 192211. Segundo Achille Picchi (2012), Guarnieri era um seguidor da cartilha de Mário de Andrade, intitulada O Ensaio sobre a música brasileira, uma versão não tão “festiva”12 da antropofagia pregada por Oswald de Andrade (1890-1954). O Manifesto da Poesia Pau-Brasil (1924) e o Manifesto Antropofágico (1928), ambos escritos por Oswald de Andrade, apresentaram expressões que puderam ser materializadas na poética de Almeida Prado. O segundo manifesto trouxe, em uma de suas várias expressões- conceito, a descrição de que o “Especulativo, a ciência. Desvia-se e transfere-se.” (ANDRADE, 1928, parágrafo 55). Essa proposta modernista pareceu encontrar eco nas obras pós-ruptura de Almeida Prado em diversas operações poéticas – empirismo, liberdade, multiplicidade, subversão e ruptura. A capacidade antropofágica, musicalmente falando, tratava do processo 9 De acordo com Oswald de Andrade, no Manifesto Antropofágico (1928, parágrafo 55), “É a escala termométrica do instinto antropofágico. De carnal, ele se torna eletivo e cria a amizade. Afetivo, o amor. Especulativo, a ciência. Desvia-se e transfere-se. Chegamos ao aviltamento. A baixa antropofagia aglomerada nos pecados de catecismo - a inveja, a usura, a calúnia, o assassinato. Peste dos chamados povos cultos e cristianizados, é contra ela que estamos agindo. Antropófagos.” 10 “Os compositores situados na primeira geração do movimento, Heitor Villa-Lobos, Francisco Mignone e Camargo Guarnieri, haviam se consolidado entre as décadas de 1920 e 1930.” (SANTOS, 2009, p. 1). 11 “O nacionalismo de Guarnieri/Andrade, vazado nas propostas do movimento modernista desencadeado pela Semana de 1922, embora tivesse traços de renovação artística não representou uma estética de renovação artística radical.” (FABRIS, 1994b, p. 20-21 apud SALLES (2003, p. 145). 12 Termo cunhado pelo coorientador Marcos Mesquita em referência ao teor dos manifestos modernistas redigidos por Oswald de Andrade durante a sessão de orientação em agosto de 2015. 59 de deglutição e digestão dos materiais musicais europeus segundo a ótica brasileira enviesada por sua visão composicional particular, sob a qual ele praticaria sua grande habilidade no processamento por apropriações: a sua poética do “ecletismo total” (GROSSO, 1997 apud ASSIS, 1997, p. 7; apud GUIGUE e PINHEIRO, 2001, p. 4), (SANT’ANA, 2009a, p. 4-6; 2009b, p. 33). No que diz respeito a Almeida Prado, “[...] tudo, tanto na música brasileira, como na sua própria música, na música europeia, quanto todas as motivações e enunciados de outras artes, [poderiam] em sua concepção, ser a