UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA CAMPUS DE PRESIDENTE PRUDENTE FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA GEDRA – GRUPO DE ESTUDOS DINÂMICA REGIONAL E AGROPECUÁRIA RUA ROBERTO SIMONSEN, 305 - TEL. (0XX18)3 229-5375 - FAX (0XX18) 3221-8212 - CAIXA POSTAL 467 - CEP 19060-900 - PRESIDENTE.PRUDENTE (SP). E Mail: posgraduação@prudente.unesp.br Erika Vanessa Moreira A RURALIDADE E A MULTIFUNCIONALIDADE NOS ESPAÇOS RURAIS DE PIEDADE E PILAR DO SUL-SP. Presidente Prudente Junho de 2012 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA CAMPUS DE PRESIDENTE PRUDENTE FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA GEDRA – GRUPO DE ESTUDOS DINÂMICA REGIONAL E AGROPECUÁRIA RUA ROBERTO SIMONSEN, 305 - TEL. (0XX18)3 229-5375 - FAX (0XX18) 3221-8212 - CAIXA POSTAL 467 - CEP 19060-900 - PRESIDENTE.PRUDENTE (SP). E Mail: posgraduação@prudente.unesp.br Erika Vanessa Moreira Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Geografia da FCT/UNESP de Presidente Prudente para obtenção do título de Doutora em Geografia, sob a orientação da Profa. Dra. Rosangela Aparecida de Medeiros Hespanhol. Presidente Prudente Junho de 2012 Moreira, Erika Vanessa. M837r A ruralidade e a multifuncionalidade nos espaços rurais de Piedade e Pilar do Sul-SP / Erika Vanessa Moreira. - Presidente Prudente : [s.n], 2012 377 f. : il. Orientador: Rosangela Aparecida de Medeiros Hespanhol Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Tecnologia Inclui bibliografia 1. Ruralidade. 2. Multifuncionalidade. 3. Estratégias. I. Hespanhol, Rosangela Aparecida de Medeiros. II. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências e Tecnologia. III. A ruralidade e a multifuncionalidade dos espaços rurais de Piedade e Pilar do Sul-SP. Ao meu avô Eduardo, que descansou antes da conclusão desta tese... A minha avó Clarinda, que luta pela vida... Ao meu noivo Leandro, meu alicerce. AGRADECIMENTOS A finalização de uma tese envolve uma verdadeira rede social. Os nomes que aqui constam estiveram direta e indiretamente presentes na consecução deste trabalho. Foram meses em que tive que conviver com problemas pessoais e com as responsabilidades acadêmicas. A Deus, nosso protetor e nossa luz, por iluminar nossos percalços e mostrar que tudo tem um objetivo para acontecer. Aos avós maternos, Eduardo (in memorian) e Clarinda, pela criação e estímulos. Aos avós paternos, Shiguei e Tereza, pela constante preocupação. Aos meus pais, Deonice e Shinco, pela oportunidade. À Rosangela Hespanhol, pelo apoio, orientação por onze anos e compreensão nos momentos que precisei. A minha eterna orientadora. À família Moreira, pela força. Aos colegas do GEDRA (turmas pioneira e contemporânea), Adriano, Aline, Anderson, Carlos, Diane, Douglas, Evandro, Fernando, Guilherme, Hellen, Jéssica, Larissa, Maryna, Roberta, Robson, Sergio e Vania pelos bate-papos na sala do grupo e pelas reuniões periódicas. Aos colegas da Pós-Graduação, sobretudo aos ingressantes da turma de 2008. A todos os professores da Pós-Graduação, em especial àqueles responsáveis pelas disciplinas cursadas. Aos amigos da Pós-Graduação (turma de 2008), Adriano Amaro, Carla Leão, Cláudia Yuri e Renan, Clayton, Cleverson, Diane, Emmanuel, Rafael Catão e Raquel, Valéria, Vitor e Leda, Talita. Ao Professor Eliseu Sposito, pela oportunidade de participar do estágio- sanduíche em Havana, por meio do Projeto de Cooperação Brasil-Cuba. Aos professores Maria Encarnação Beltrão Sposito (Carminha) e Arthur Magon Whitacker. Embora já os admirasse, sem dúvida foi a experiência em Cuba a que nos aproximou profissional e pessoalmente. Ao Professor Eduardo Sanmarful Orbis, pela orientação em Havana. À CAPES, pela bolsa-sanduíche em Havana, Cuba. À FAPESP, pela bolsa doutorado que contribuiu para o pleno desenvolvimento da pesquisa de campo e levantamento teórico. Aos professores Rosangela Custodio Thomaz e Antonio Lázaro Sant’Ana pela leitura minuciosa e pelas valiosas contribuições no exame geral de qualificação. Aos alunos da disciplina Geografia Rural (matutino e noturno) pela oportunidade de debater o espaço rural e as questões inerentes ao mundo agrário. À professora salvadorenha Ana Mabel pelas valiosas aulas de espanhol. À professora Alvina Rotta pela minuciosa correção ortográfica. Ao casal Pepe e Adis pela hospitalidade e pelo apoio familiar oferecido durante a minha estadia em Havana. Aos professores Reynier Rico e Xiomara Moreno pelo suporte oferecido durante a minha estadia em Cienfuegos. Aos professores Alfonso e Annelis (sem esquecer da pequena Camila) pela imensa ajuda durante a pesquisa de campo em Camaguey. Ao pessoal do CEDEM que gentilmente me proporcionou um espaço para realizar a missão de estudo em Havana. Aos professores Ana Rute do Vale, Ruth Tskukamoto e novamente a Rosangela Custodio Thomaz e ao Antonio Lázaro Sant’Ana pela participação na banca de defesa da Tese. A todas as cooperativas e associações visitadas em Piedade e Pilar do Sul. Ao casal Maria Aparecida e Noel, de São Miguel Arcanjo, pela hospitalidade oferecida durante nossa pesquisa de campo aos meninos Wellington, Tamires (Tata) e Paloma, pelo apoio com as entrevistas. Aos produtores rurais entrevistados de Piedade e Pilar do Sul, pela disponibilidade e pela atenção durante a pesquisa de campo. Ao meu noivo, Leandro, que foi fundamental em todas as etapas desta tese, sendo o meu grande incentivador nesta caminhada. O centro do mundo está em todo lugar. O mundo é o que se vê de onde se está. (Documentário Milton Santos, 2005) RESUMO MOREIRA, Erika Vanessa. A ruralidade e a multifuncionalidade nos espaços rurais de Piedade e Pilar do Sul-SP. Presidente Prudente, 2012. 380f. Tese (Doutorado em Geografia) – Faculdade de Ciências e Tecnologia – Universidade Estadual Paulista – Campus de Presidente Prudente. O principal objetivo do trabalho de doutorado foi abordar a ruralidade e a multifuncionalidade no espaço rural dos municípios paulistas de Piedade e Pilar do Sul, a fim de compreender as especificidades regionais. Defendemos a tese de que as funções existentes no espaço rural dos municípios de Piedade e Pilar do Sul são oriundas de demandas urbanas e não levam, necessariamente, à marginalização da atividade agrícola, pelo contrário, a agricultura permitiu e favoreceu a existência de outras funções. A ruralidade contemporânea não é apenas uma característica cultural perpetuada e construída no espaço rural, senão também a expressão de um modo de vida em que o saber-fazer, as relações interpessoais e os valores são estabelecidos numa relação intersubjetiva entre os indivíduos e o espaço, independente da sua localização, seja rural ou urbana. Utilizamos como procedimentos metodológicos para alcançar o objetivo estabelecido: levantamento bibliográfico; coleta e sistematização de dados tanto de fonte secundária obtidos em várias fontes, entre 1970 e 2006, quanto de fonte primária, por meio de questionário, aplicado junto a 90 produtores rurais em Piedade e 67 em Pilar do Sul. Também entrevistamos os responsáveis pelos órgãos públicos relacionados ao turismo e à agricultura e estabelecimentos não agrícolas. As estratégias econômicas e sociais praticadas pelos produtores rurais foram os parâmetros usados para compreendermos a ruralidade contemporânea. A partir delas podemos mensurar e comparar os sistemas produtivos, as técnicas utilizadas, as relações contratuais adotadas etc. Os resultados da pesquisa de campo reforçam que a agricultura é a principal fonte de renda para 85,1% dos produtores rurais pesquisados em Pilar do Sul e 74,4% em Piedade. Constatamos que a combinação de atividades e rendas são formas de estratégias orçamentárias. O uso do fogão à lenha, a linguagem popular caipira, o emprego de ervas medicinais e a forte religiosidade são características culturais dos moradores dos bairros rurais que permanecem até o contexto atual. Palavras-Chave: Ruralidade. Multifuncionalidade. Estratégias sociais e econômicas. Bairros rurais. Pilar do Sul e Piedade. ABSTRACT MOREIRA, Erika Vanessa. The rurality and multifunctionality in rural spaces of Piedade and Pilar do Sul-SP. Presidente Prudente, 2012. (Doctor’s degree in Geography) - School of Science and Technology – Paulista State University, Presidente Prudente. This thesis aims to analysis the rurality and multifunctionality in rural spaces of Piedade and Pilar do Sul municipalities, in order to understand the regional specifics. Our thesis is that the existing functions in rural spaces of these municipalities are the outcome of urban demands that does not necessarily lead to marginalization of agriculture. By contrast, agriculture in both municipalities allowed and encouraged the existence of other functions. The contemporary rurality is not just a cultural feature perpetuated and built in rural spaces, but also the expression of a lifestyle in which the know-how, the interpersonal relationships and the values are established from the intersubjective relationship between people and space, regardless of their location – whether rural or urban. To achieve the goal of this thesis, we used a set of working methods, such as bibliographical research, data collection and systematization through secondary sources (from 1970 to 2006) and applied questionnaires to 90 and 67 farmers of Piedade and Pilar do Sul municipalities, respectively. There were also interviews with those responsible for public agencies related to tourism and agriculture and non-agricultural establishments. The social and economic strategies practiced by farmers were the parameters used to understand the contemporary rurality, because from them we can measure and compare the systems, the techniques, the adopted contractual relationships and so forth. The results of fieldwork support that agriculture is the main source of income for 85.1% and 74.4% of surveyed farmers, respectively, of Piedade and Pilar do Sul municipalities. We found that the combination of activities and income are ways of budget strategies. The use of wood stove, the “caipira” folk language, the use of medicinal herbs, and the strong religiosity are the cultural characteristics of residents in rural neighborhoods that remain to the current context. Keywords: Rurality. Multifunctionality. Social and economic strategies. Rural neighborhoods. Piedade and Pilar do Sul municipalities. SUMÁRIO Apresentação............................................................................... 31 1 Introdução.................................................................................... 32 1.1 Objetivos ....................................................................................... 31 1.2 Hipótese......................................................................................... 33 1.3 Percurso metodológico.................................................................. 36 1.4 Da microrregião geográfica ao bairro rural: recorte espacial........ 41 1.5 Estrutura da tese............................................................................ 47 2 O rural e a ruralidade.................................................................... 50 2.1 O rural além da definição oficial: conceituações teórico- metodológicas................................................................................. 51 2.2. O campo e a sociedade urbana: leitura a partir das ideias de Lefebvre.......................................................................................... 71 2.3. O renascimento rural: leitura a partir das contribuições de kayser 74 2.4. Ruralidade tradicional e ruralidade contemporânea....................... 77 2.4.1 A nova ruralidade no contexto latino-americano............................. 83 2.4.2 Variáveis da ruralidade contemporânea: como quantificar?.......... 90 2.5 Resumo do capítulo........................................................................ 96 3 O rural e a ruralidade no contexto histórico da MRG de Piedade.......................................................................................... 97 3.1 Região de Paranapiacaba: historicidade ....................................... 100 3.1.1 O sistema de sesmaria na região e o declínio da mineração em Minas Gerais................................................................................... 100 3.2. O tropeirismo e a importância da região no cenário nacional........ 105 3.3 Lei de terras e imigração: combinações tensionadas.................... 108 3.3.1. O cooperativismo e a participação da imigração japonesa na agricultura...................................................................................... 118 3.3.2 O imigrante japonês e sua participação no cenário agrícola......... 121 3.4 A população rural e o processo de urbanização na MRG de Piedade.......................................................................................... 128 3.4.1. Perfil demográfico e urbanização na MRG de Piedade................. 133 3.5. Resumo do capítulo...................................................................... 140 4 O agrícola no espaço rural na MRG de Piedade........................ 141 4.1. Estrutura fundiária: predominância de propriedades com até 50 hectares.......................................................................................... 142 4.2. Utilização das terras: diversificação e semi-especialização produtiva......................................................................................... 152 4.3 Pessoal ocupado e condição do produtor rural na MRG de Piedade.......................................................................................... 168 4.4 Crédito agrícola e formas de organização coletiva........................ 170 4.5 Resumo do capítulo....................................................................... 182 5 Multifuncionalidade da agricultura e do espaço rural em Piedade e Pilar do Sul................................................................. 183 5.1. Diferenças conceituais e geográficas – PAC e Programa Leader 183 5.2. Multifuncionalidade no espaço rural............................................... 190 5.3 A multifuncionalidade construída na agricultura de Piedade e Pilar do Sul..................................................................................... 194 5.3.1 Lazer e Turismo: tipos e modalidades....................................... 196 5.3.2 Prestação de serviços............................................................... 220 5.3.3 Novas formas de habitat: loteamentos de chácaras e chácaras. de finais de semana.................................................. 222 5.4 Resumo do capítulo....................................................................... 225 6 Os bairros rurais de Piedade e Pilar do Sul.............................. 226 6.1 Caracterização dos bairros rurais.................................................. 226 6.2 História e memória: imigrantes e migrantes.................................. 231 6.3 Infraestrutura e serviços de uso coletivo nos bairros rurais.......... 239 6.4 O rural e o cultural: religiosidade................................................... 259 6.5 Resumo do capítulo........................................................................ 269 7 As múltiplas estratégias sociais e econômicas nos bairros rurais: facetas da ruralidade contemporânea ........................... 271 7.1. As estratégias mercantis e não mercantis...................................... 271 7.1.1. No debate teórico das estratégias: família e bairro rural................ 275 7.2. As estratégias fundiárias e o acesso à terra.................................. 281 7.3 As estratégias de comercialização e institucionais........................ 286 7.4 As estratégias técnicas.................................................................. 304 7.5 As estratégias organizacionais....................................................... 308 7.6 As estratégias orçamentárias......................................................... 311 7.7 Resumo do capítulo........................................................................ 319 8 Conclusão...................................................................................... 320 9 Referências ................................................................................... 327 10 Apêndice ..................................................................................... 349 LISTA DE FIGURAS 01 Roteiro Branco, que abarca a área central de Piedade................. 210 02 Roteiro Azul, que abarca a porção norte do município de Piedade.......................................................................................... 210 03 Roteiro amarelo, que abarca a porção oeste do município de Piedade.......................................................................................... 211 04 Roteiro Verde, que contempla a porção sul do município de Piedade.......................................................................................... 211 LISTA DE FOTOGRAFIAS 01 Praça central e coreto em Pilar do Sul na década de 1940, área adquirida pela Diocese de Sorocaba.................................................... 104 02 Igreja situada na Praça central em Pilar do Sul, no ano de 2009........ 104 03 Família de Yoshio Sassaki, de Pilar do Sul.......................................... 113 04 Entrada da Biblioteca do Bairro Colônia Pinhal................................... 116 05 Entrada do núcleo da Colônia Pinhal fundada em 1963, com o apoio da Cooperativa Sul Brasil...................................................................... 116 06 Portal construído na entrada da Colônia Pinhal, entre São Miguel Arcanjo e Pilar do Sul-SP, em homenagem aos 100 anos da imigração japonesa no Brasil................................................................ 117 07 Portal construído na entrada do município de Piedade-SP, no sentido Tapiraí, em frente à Associação Cultural e Desportiva Nipo- brasileira de Piedade............................................................................ 117 08 Mercado e loja de insumos da Cooperativa Sul Brasil em Pilar do Sul. 124 09 Produção da uva benitaka em Pilar do Sul.......................................... 126 10 Parte interna da Vinícola Torre Alta, em São Miguel Arcanjo.............. 126 11 Cartaz de divulgação do 2º Roteiro gastronômico da alcachofra em Piedade................................................................................................. 127 12 Flor de alcachofra, na época da colheita.............................................. 127 13 Polpas de frutas comercializadas em uma propriedade rural de Pilar do Sul. .................................................................................................. 132 14 Produção de alcachofra em Piedade................................................... 132 15 Flores produzidas em estufa na propriedade da família Kadota, em Piedade................................................................................................ 132 16 Hortaliças produzidas em sistema de estufa, no Bairro Pinhal de Cima, em Pilar do Sul........................................................................... 132 17 A diversificação de cultivos agrícolas em Piedade.............................. 155 18 O caqui fuyu em Piedade é um dos tipos mais resistentes e menos vulneráveis às adversidades climáticas................................................ 153 19 Plantação de maçã, em Pilar do Sul, na época da limpeza................. 156 20 Instalação de um parreiral no Bairro Pinhal de Cima, em Pilar do Sul. 156 21 Cultivo de uva Itália no Bairro Pinhal de Baixo, em Pilar do Sul.......... 156 22 Cultivo de caqui no Bairro Roseiras, em Piedade................................ 156 23 Área de reflorestamento da VCP - Votorantim Celulose e Papel, na Rodovia José de Carvalho, entre Piedade e Pilar do Sul...................... 157 24 Fazenda pertencente ao Grupo Suzano - Papel e Celulose, no Bairro Pinhal de Baixo, em Pilar do Sul.......................................................... 157 25 Cultivo de milho no Bairro Pinhal de Baixo, em Pilar do Sul................ 160 26 Cultivo de feijão no Bairro Pinhal de Cima, em Pilar do Sul................. 160 27 Cultivo do eucalipto em fase de crescimento no Bairro do Turvinho, em Pilar do Sul, de propriedade da VCP.............................................. 163 28 Cultivo do eucalipto em fase de corte no Bairro do Turvinho, em Pilar do Sul, sob responsabilidade da VCP.................................................. 163 29 Pátio da CEASA de Piedade e, ao fundo, o Galpão cedido para o funcionamento da Escola Técnica de Piedade..................................... 167 30 Área de carregamento dos produtos agrícolas.................................... 167 31 Vista do restaurante da Pousada........................................................ 205 32 Vista interna da pousada..................................................................... 205 33 Pesqueiro Água Viva, Pilar do Sul....................................................... 206 34 Vista aérea da pousada Vale dos Eucaliptos, em Piedade.................. 206 35 Entrada do restaurante do Sitio Caminho das Águas.......................... 209 36 Parte externa do sítio utilizado para roteiros técnicos e de lazer......... 209 37 Exemplo de placa indicativa: Cicloturismo no Bairro Limal.................. 212 38 Exemplo de placa indicativa particular: Pousada Vale dos Eucaliptos. 212 39 Folder de divulgação do tropeirismo..................................................... 213 40 Vila Élvio, em Piedade.......................................................................... 212 41 Cachoeira Nascente das Águas........................................................... 214 42 Quiosques alugados nas proximidades da cachoeira........................... 214 43 Centro de Tradições Tropeiras (CTT) em Pilar do Sul......................... 216 44 Abertura do Colhe e Pague no ano de 2011......................................... 217 45 Turista participando do Colhe e Pague em Piedade............................. 217 46 Flor da alcachofra................................................................................. 219 47 Conservas Regina de alcachofra......................................................... 219 48 Mercado no Bairro Paineiras, em Pilar do Sul, na core area localizada às margens da Rodovia José de Carvalho.......................... 243 49 Supermercado no Bairro Correas, em Piedade................................... 243 50 Minimercado no Bairro Caetezal de Baixo, em Piedade...................... 243 51 Mercado no Bairro dos Leites, em Piedade......................................... 243 52 Uma das core areas do Bairro Caetezal, em Piedade.......................... 244 53 Core area do Bairro do Pombal, em Pilar do Sul.............................. 244 54 Preparação do solo para o cultivo de milho e feijão, em uma propriedade com mais de 100 alqueires (242 hectares) no Bairro do Pinhal de Baixo, em Pilar do Sul........................................................... 245 55 Cultivo de folhosas e leguminosas no sistema tradicional, numa área de morro com topos ondulados, no Bairro Caetezal, em Piedade..... 245 56 Transporte Coletivo Urbano no Bairro Caetezal, em Piedade............. 247 57 Placa do Programa Luz para Todos no Bairro do Pombal, em Pilar do Sul......................................................................................................... 247 58 Posto de Assistência Médica no Bairro do Pombal, em Pilar do Sul... 247 59 Posto de Saúde do Bairro dos Corrêas, em Piedade.......................... 247 60 Escola do Bairro das Paineiras, Pilar do Sul........................................ 248 61 Escola do Bairro das Roseiras, Piedade.............................................. 248 62 Sede da Associação dos Moradores do Bairro dos Corrêas, vista parcial da entrada do bairro e placa indicativa..................................... 248 63 Estrada rural em boa condição no Bairro Pinhal de Baixo, Pilar do Sul........................................................................................................ 250 64 Estrada rural com ravinas no Bairro do Funil, em Piedade.................. 250 65 Casa da década de 1940, reformada, no Bairro Turvinho, em Pilar do Sul........................................................................................................ 252 66 Antiga construção de barro, no Bairro dos Buenos, em Piedade........ 252 67 Casas de alvenaria construídas no alto do morro, no núcleo do Bairro dos Corrêas, em Piedade..................................................................... 253 68 Casa de alto padrão, no núcleo do Bairro do Pombal, em Pilar do Sul......................................................................................................... 253 69 Os latões de coleta de lixo, em Pilar do Sul, ficam expostos nas estradas rurais para serem coletados uma vez por semana pelo serviço de limpeza municipal................................................................ 256 70 Caçamba para coleta de lixo em Piedade. Os bairros rurais de Piedade são abrangidos pela coleta semanal de lixo doméstico......... 256 71 Preparo do solo com calcário e pulverização das mudas, no Bairro do Funil, Piedade....................................................................................... 258 72 Uso do arado mecânico e adubação orgânica e química no Bairro dos Buenos, Piedade............................................................................ 258 73 Igreja Católica no Bairro Leites, Piedade............................................. 263 74 Igreja Católica no Bairro Funil, Piedade............................................... 263 75 Igreja evangélica no Bairro dos Corrêas, Piedade............................... 264 76 Igreja evangélica no Bairro Caetezal, Piedade..................................... 264 77 Minissantuário construído na principal estrada do Bairro Caetezal, Piedade................................................................................................. 266 78 Uso dos fogões à lenha e a gás, na família Bueno de Camargo, Bairro dos Buenos, Piedade................................................................. 268 79 Nêsperas com proteção, no Bairro Bandeirantes, Pilar do Sul............. 299 80 Plantação de caqui no Bairro Pinhal de Cima, Pilar do Sul.................. 299 81 Cultivo da alcachofra na propriedade do Sr. Toyouemura, no Bairro Sarapuí dos Antunes, Piedade.............................................................. 300 82 Alcachofra protegida, no Bairro Sarapuí dos Antunes, Piedade.......... 300 83 Lavagem e amarração dos maços de alho-poró pela Família Corrêas, Piedade.................................................................................. 301 84 Cultivo de rabanete no Bairro dos Leites, Piedade – um dos produtos que mais consomem insumos.............................................................. 306 85 Cultivo de hortaliças para a venda junto ao PAA, no Bairro Caetezal de Cima, Piedade.................................................................................. 306 86 Produção de flores em estufa, no Bairro Caetezal de Cima, Piedade. 306 87 Produção de rúcula no sistema hidropônico, Bairro Caetezal de Baixo, Piedade................................................................................................ 306 LISTA DE GRÁFICOS 01 Dinâmica da população rural, entre 1950 e 2010, na MRG de Piedade............................................................................................... 135 02 Dinâmica da população urbana, entre 1950 e 2010, nos municípios da MRG de Piedade............................................................................ 135 03 Número total de estabelecimentos agropecuários, entre 1970 e 2006, na MRG de Piedade.................................................................. 143 04 Área dos estabelecimentos agropecuários, entre 1970 e 2006, na MRG de Piedade................................................................................. 143 05 Comparação dos preços da terra nua em diferentes EDRs nos anos de 1996, 2006 e 2008......................................................................... 151 06 Área destinada a lavouras temporárias nos municípios da MRG de Piedade, nos anos de 1996 e 2006...................................................... 158 07 Área destinada às lavouras permanentes nos municípios da MRG de Piedade, nos anos de 1996 e 2006................................................ 159 08 Faixa etária dos produtores rurais pesquisados (%)........................... 279 09 Faixa etária dos cônjuges (%)............................................................. 280 LISTA DE MAPAS 01 Localização dos municípios de Piedade e Pilar do Sul-SP............... 37 02 Bairros rurais pesquisados em Pilar do Sul....................................... 45 03 Bairros rurais pesquisados em Piedade............................................ 46 04 Localização da MRG de Piedade, segundo o IBGE.......................... 99 05 Localização das colônias em Pilar do Sul-SP................................... 114 06 Principais rodovias que ligam Piedade e Pilar do Sul à RMSP e a Sorocaba........................................................................................... 129 07 Principais rodovias existentes na MRG de Piedade.......................... 131 08 Grau de urbanização (%) na MRG de Piedade, em 2006................. 138 09 Participação em da fruticultura (%) no valor total das lavouras permanentes na MRG de Piedade, em 2006.................................... 161 10 Localização dos pontos de lazer e turismo em Pilar do Sul-SP........ 207 11 Distribuição da produção agrícola de Pilar do Sul, segundo o número de produtores rurais pesquisados........................................ 297 12 Distribuição da produção agrícola de Piedade, segundo o número de produtores rurais pesquisados..................................................... 298 LISTA DE QUADROS 01 Entrevistas realizadas durante a pesquisa de campo em junho e em dezembro de 2009................................................................................... 38 02 Fontes de dados secundários, locais e variáveis selecionadas.............. 40 03 Bairros rurais identificados nos municípios de Piedade e Pilar do Sul... 42 04 Número, localização e tipo de produção predominante nas propriedades rurais pesquisadas............................................................ 44 05 Diversas definições oficiais adotadas pelos países para definir o rural e o urbano............................................................................................... 52 06 Diferenças nos espaços rurais e espaços urbanos, segundo Bagli........ 57 07 As quatro perspectivas teóricas do estudo do rural................................ 70 08 As diferentes perspectivas teóricas no estudo da nova ruralidade......... 88 09 Quatro cenários traçados para a materialização da ruralidade na realidade francesa para 2030.................................................................. 92 10 As famílias de origem japonesa que se instalaram no município de Pilar do Sul.............................................................................................. 113 11 A relação entre a fruticultura e a imigração japonesa............................. 121 12 Grau de urbanização e tipologia, segundo a Fundação SEADE............. 137 13 Principais linhas de crédito rural do Governo Federal utilizadas pelos produtores rurais da área pesquisada..................................................... 172 14 Caracterização das organizações coletivas visitadas em Piedade e Pilar do Sul/SP........................................................................................ 179 15 As atividades existentes nos espaços rurais de Piedade e Pilar do Sul. 195 16 Estabelecimentos visitados, entrevistados e contatados em Piedade e Pilar do Sul.............................................................................................. 203 17 Calendário festivo de Piedade................................................................. 215 18 Calendário festivo de Pilar do Sul........................................................... 215 19 Principais equipamentos urbanos e serviços existentes e identificados nos bairros rurais pesquisados................................................................ 241 20 Número de igrejas nos bairros rurais...................................................... 264 21 Formas de acesso à terra........................................................................ 285 22 Tipos de mercado.................................................................................... 293 23 Contexto Histórico da Previdência Social Rural no Brasil....................... 316 LISTA DE TABELAS 01 População rural e urbana na MRG de Piedade, entre 1970 e 2010. 134 02 Número total de estabelecimentos e área total ocupada, entre 1970 e 2006................................................................................................... 144 03 Número de estabelecimentos agropecuários, entre 1970 a 20006 segundo grupos de área, na MRG de Piedade.................................... 146 04 Área dos estabelecimentos agropecuários, entre 1970 a 20006 segundo grupos de área, na MRG de Piedade..................................... 147 05 Número total de unidades produtivas e área ocupada na MRG de Piedade, entre 1996 e 2007................................................................. 147 06 Valor do hectare da terra, segundo os EDRs....................................... 151 07 Utilização das terras em lavouras temporárias e permanentes na MRG de Piedade, entre 1970 e 2006, segundo o número de informantes e área ocupada em hectares, na MRG de Piedade.......... 152 08 Utilização das terras em pastagens, matas e inutilizadas, na MRG de Piedade, entre 1970 e 2006 segundo o numero de informantes, na MRG de Piedade.................................................................................. 153 09 Valor total da produção e a participação econômica da fruticultura, entre 1996 e 2006, na MRG de Piedade.............................................. 161 10 Quantidade produzida na silvicultura, por tipo de produto, entre 1996 e 2007, na MRG de Piedade................................................................ 163 11 Efetivo de animais, entre 1996 e 2006, na MRG de Piedade.............. 165 12 Principais produtos agropecuários exportados pela MRG de Piedade, em 2006, segundo a Secretaria do Comércio Exterior do Ministério das Relações Internacionais - SECEX................................. 166 13 Condição do Produtor, entre 1970 e 2006, na MRG de Piedade......... 169 14 Mão de obra nas UPAs, entre 1996 e 2007, na MRG de Piedade...... 171 15 Acesso ao crédito rural, em 1996 e 2007, na MRG de Piedade, por meio das UPAs..................................................................................... 173 16 Número de UPAs que possuem trator e número total de tratores, entr 1996 e 2007, na MRG de Piedade......................................................... 174 17 Número de UPAs que utilizam sistema de irrigação, entre 1996 e 2007, na MRG de Piedade..................................................................... 175 18 Número de UPAs que utilizam diferentes tipos de técnicas, entre 1996 e 2007, na MRG de Piedade....................................................... 176 19 Número de produtores rurais filiados a associação, cooperativa e sindicato, em 1996 e 2007, na MRG de Piedade................................. 177 20 Atividades econômicas nas UPAs, 2007/8, na MRG de Piedade........... 202 21 Tempo de residência do produtor rural no bairro rural......................... 251 22 Onde reside o produtor rural pesquisado............................................. 252 23 Formas de obtenção da água............................................................... 252 24 Destino do lixo doméstico..................................................................... 255 25 Os tipos de manejos utilizados............................................................. 257 26 Origem do pai do produtor rural entrevistado....................................... 258 27 Origem da mãe do produtor rural entrevistado..................................... 261 28 Último local de moradia dos produtores rurais antes do deslocamento para o atual................................................................... 262 29 Religião predominante na família......................................................... 263 30 Estado civil do produtor rural pesquisado............................................. 277 31 Tamanho da família.............................................................................. 278 32 Número de filhos que residem na casa do progenitor.......................... 278 33 Estrato de área das propriedades rurais pesquisadas......................... 283 34 Situação de acesso à terra nas propriedades rurais pesquisadas....... 284 35 O(s) filho(s) pretende(m) continuar na atividade agrícola.................... 287 36 Atividades econômicas desenvolvidas nas propriedades rurais pesquisadas.......................................................................................... 289 37 Renda bruta anual obtida com a atividade agrícola nas propriedades rurais pesquisadas................................................................................ 290 38 Como é feita a distribuição da renda agrícola...................................... 291 39 Como são comercializados os produtos............................................... 292 40 Como é realizado o pagamento............................................................ 295 41 Município receptor dos produtos agrícolas........................................... 296 42 Tipos de lavoura permanente desenvolvidos....................................... 299 43 Tipos de lavoura temporária desenvolvidos......................................... 301 44 Mão de obra utilizada no dia da pesquisa de campo nas propriedades pesquisadas.................................................................... 303 45 Destino final das embalagens dos produtos químicos......................... 307 46 Participação em alguma organização coletiva..................................... 309 47 Membros da família com outra atividade remunerada......................... 312 48 Tipo de atividade não agrícola exercida............................................... 313 49 Fontes de renda das famílias dos produtores rurais............................ 314 50 Renda bruta anual das famílias rurais.................................................. 318 51 Principais dificuldades apontadas pelos produtores rurais................... 319 LISTA DE SIGLAS E ABREVIAÇÕES APA Área de Preservação Ambiental APP Área de Preservação Permanente APPC Associação Paulista de Produtores de Caqui APRUP Associação de Pequenos Produtores Rurais de Piedade BB Banco do Brasil BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social BRATAC Sociedade Colonizadora do Brasil Ltda. CAC Cooperativa Agrícola de Cotia CAP Caixas de Aposentadorias e Pensões CAPES Coordenadoria de Aperfeiçoamento do Pessoal do Ensino Superior CATI Coordenadoria de Assistência Técnica Integral CEAGESP Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo CEASA Central de Abastecimento S.A. CMDR Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural CNPJ Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica CNPq Conselho Nacional de Pesquisa e Tecnologia CPDA Centro de Pesquisa e Desenvolvimento CTT Centro de Tradições Tropeiras DOU Diário Oficial da União ECO Conferencia do Meio Ambiente no Rio de Janeiro EDR Escritório de Desenvolvimento Rural EDR Escritório de Desenvolvimento Rural ENGA Encontro Nacional de Geografia Agrária ETEC Escola Técnica Estadual EUA Estados Unidos da América FAO Food and Agriculture Organization FAPESP Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo FCT Faculdade de Ciências e Tecnologia FEOGA Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola GEDRA Grupo de Estudos Dinâmica Regional e Agropecuária IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IEA Instituto de Economia e Administração IICA Instituto Interamericano de Cooperação para Agricultura INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INRA Institut de la Statistique et des Études Économiques INSS Instituto Nacional de Seguridade Social IPTU Imposto Predial Territorial Urbano IR Imposto de Renda ISTAT Istituto Nazionale di Statistica ITR Imposto Territorial Rural KKKK Kaigai Kogyo Kabushiki Kaisha LEADER Ligações Entre Ações para o Desenvolvimento da Economia Rural LOAS Lei Orgânica de Assistência Social LUPA Levantamento de Unidades de Produção Agrícola MAPA Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário MDS Ministério do Desenvolvimento Social MFA Multifuncionalidade da Agricultura MODERFROTA Programa de Modernização da Frota de Tratores Agrícolas e Implementos Associados e Colheitadeiras MRG Microrregião Geográfica NRA Nova Ruralidade OCDE Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico OMC Organização Mundial do Comércio OMT Organização Mundial do Turismo ONG Organização Não-Governamental ONU Organização das Nações Unidas OP Orçamento Participativo ORNA Ocupação Rural Não-Agrícola PAA Programa de Aquisição de Alimentos PAC Política Agrícola Comum PAM Produção Agrícola Municipal PEA População Economicamente Ativa PEMBH Programa Estadual de Microbacias Hidrográficas PET Programa Estratégico PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios PNMT Plano Nacional de Municipalização do Turismo PNUMA Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente PPGG Programa de Pós-Graduação em Geografia PROAGRO Programa de Garantia da Agropecuária PRONAF Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar RA Região Administrativa RG Região de Governo RMSP Região Metropolitana de São Paulo RS Rio Grande do Sul SBCJ Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa SEADE Sistema Estadual de Análise de Dados Estatísticos SECEX Secretaria do Comércio Exterior SIDRA Sistema de Banco de Dados Agregados SOS Save Our Souls SP São Paulo SUDEC Secretaria Municipal de Urbanismo e Desenvolvimento Econômico UE União Europeia UEL Universidade Estadual de Londrina UFRG Universidade Federal do Rio Grande do Sul UNESP Universidade Estadual Paulista UPA Unidade Produtiva URBA Urbanidades USP Universidade de São Paulo VCP Votorantim Celulose e Papel ZAU Zona Urbana ZOC Zona de Ocupação Controlada ZOR Zona Rural ZUD Zona de Uso Disciplinado 31 APRESENTAÇÃO rural é o ponto de partida para esta pesquisa. A busca pela compreensão do mundo rural e seus significados diante o processo de urbanização é o eixo central deste trabalho. Não nascemos no espaço rural e tampouco tivemos familiaridade com esse espaço, mas convivíamos, cotidianamente, com práticas e valores rurais na cidade, em outras palavras, com a ruralidade. A utilização do fogão à lenha, ainda que raramente, nos finais de semana, o uso de plantas medicinais, o cultivo de hortaliças e leguminosas no fundo do quintal, as “simpatias” nas datas específicas, os pratos “da roça” ficaram marcados na memória. Antes de ingressarmos no curso de Licenciatura em Geografia, em 2000 e, mais tarde, na Geografia Rural, sabíamos definir claramente o que era rural e o que era urbano. Os livros didáticos e os meios de comunicação desenhavam uma nítida e clara separação entre o rural (agrícola) e o urbano (industrial). O espaço rural era sempre visto como o campo, a agricultura, o lugar do homem simples (rústico), pobre e sofrido, mas com belas paisagens e tranquilidade; o espaço urbano, em contraposição, era o local da indústria e do comércio, o lugar do homem moderno, próspero e audacioso. Mero engano. Pura ideologia. Com o amadurecimento teórico adquirido por meio das leituras e dos debates realizados em eventos e reuniões do grupo de pesquisa (GEDRA), percebemos que rural e urbano não podem ser considerados mundos antagônicos, mas interdependentes. Mas, como conceituá-los? Essa questão tão importante que permeia a maior parte dos trabalhos de Geografia e, também, de outras áreas das Ciências Sociais, é o ponto central da tese que propomos. O 32 1. INTRODUÇÃO ste trabalho de pesquisa versa sobre a ruralidade e as múltiplas funções existentes no espaço rural de Piedade e Pilar do Sul. O principal objetivo almejado com esta pesquisa de doutorado é analisar a dinâmica do espaço rural nos municípios supracitados, entre a década de 1990 e o início do século XXI (2012), destacando-se as distintas estratégias e atividades realizadas no espaço rural, tendo a agricultura como a sua principal articuladora. Buscamos compreender o espaço rural, não sob uma visão dependente do urbano, estruturado apenas no setor agropecuário, mas articulado ao urbano, a partir das atividades, das funções e dos agentes1 que nele atuam. A discussão sobre a ruralidade, neste trabalho, tem como processo mais amplo, na área de pesquisa, a urbanização2. O complexo embate entre o rural e o urbano será basilar para a compreensão tanto da ruralidade contemporânea como da multifuncionalidade no espaço rural. Ambas as noções – ruralidade e multifuncionalidade – não são contrapostas, embora tenham surgido em contextos políticos e geográficos distintos, mas são reflexos dos novos intercâmbios e das novas dinâmicas do espaço rural, tanto na América Latina quanto na Europa. No Brasil, os estudos sobre a relação rural-urbano e as questões teórico-metodológicas que envolvem o rural se tornaram preocupação frequente, predominantemente nos anos de 1990. Todavia, isso não significa que antes desse período não existissem trabalhos e debates sobre essa temática. Tanto a influência da literatura europeia, em especial a francesa, como o contexto histórico nacional – após o período marcado por governos militares (1964-1984), com políticas voltadas à construção de infraestrutura (rodovias, viadutos etc.) e o incentivo direto à industrialização – contribuíram para colocar tal temática no cerne de estudos e projetos de pesquisa. 1 A partir das reflexões desenvolvidas, optamos por utilizar “agentes” em lugar de “atores sociais”, em virtude da complexidade dessa noção e da impossibilidade de contemplá-la adequadamente na tese. 2 O espaço rural e o espaço urbano integram a racionalidade espacial que marca a sociedade atual (RUA, 2005). E 33 Entre os anos 1960 e 1970, ocorreu um intenso movimento populacional do campo para a cidade, em especial para as cidades locais e para as capitais. O êxodo rural3 se pautou em dois processos: a urbanização e a modernização agrícola4. Diante desse quadro, com o fim da ditadura militar e após um período de crises (social, econômica e política) na década de 1980, as políticas nacionais ganharam um novo direcionamento nos anos de 1990, pautado nos ideais neoliberais, cujas ações tinham como foco atender os interesses do capital externo. No início do decênio, as commodities agrícolas (laranja, café, soja, cana-de-açúcar etc.) tiveram retração em suas exportações, fato que atingiu diretamente o mercado de trabalho agrícola. Nesse período, intensificaram-se as ações dos movimentos sociais no intuito de colocar a questão agrária na pauta das políticas nacionais, tendo como proposta viabilizar assentamentos para famílias rurais expropriadas e, também, famílias residentes nas cidades. Houve, portanto, a intensificação das relações campo-cidade, seja na busca de uma fonte de renda no mercado de trabalho urbano, seja na implantação de novas atividades não-agrícolas nas áreas rurais próximas aos centros urbanos. Os trabalhos de pesquisa foram desenvolvidos no âmbito das ciências humanas, tanto para estabelecer uma conceituação do rural e da ruralidade, quanto para procurar respostas para os velhos problemas agrários e as novas atividades e funções presentes no espaço rural. Todavia, essas chamadas novas funções e atividades não podem ser generalizadas, pois dependem de fatores distintos, não só do ponto de vista locacional, como também do econômico. 1.1. Objetivos O objetivo da tese de doutorado é abordar a ruralidade e a multifuncionalidade no espaço rural dos municípios paulistas de Piedade e Pilar do Sul, a fim de compreender as especificidades regionais. 3 Temos como base para entender tal processo a obra de Eunice Durhan, A caminho da cidade, publicado em 1984. 4 A modernização da agricultura foi seletiva, desigual e parcial. Não podemos negar que houve mudanças tanto nos sistemas produtivos como do ponto de vista organizacional. Todavia, esse processo foi seletivo, porque abarcou alguns cultivos, sobretudo aqueles direcionados à produção de combustíveis (cana-de-açúcar); foi desigual, porque privilegiou os médios e grandes produtores e aqueles situados nas regiões Sul e Sudeste. E, parcial, porque a mecanização não atingiu todas as etapas de produção (GRAZIANO DA SILVA, 1998). 34 O objetivo principal desta tese se desdobra em outros, de caráter específico: 1. Contextualizar, de maneira pormenorizada, o processo de formação socioespacial dos municípios em questão, no âmbito regional (microrregião geográfica). 2. Caracterizar as estruturas produtiva e fundiária, contemplando as transformações ocorridas na MRG de Piedade, no período de 1970 até os dias atuais (2012). 3. Analisar as atividades econômicas (agrícola, de serviços e agroindustrial) e as funções (lazer, turismo, moradia, preservação cultural e ambiental) no espaço rural dos municípios selecionados. 4. Identificar e compreender as múltiplas formas de estratégias sociais e econômicas praticadas pelos produtores rurais, sob a luz da ruralidade contemporânea. Em Piedade e Pilar do Sul, a economia local está pautada na agropecuária, com destaque para a produção de frutas, hortaliças e olerícolas, o desenvolvimento da apicultura (Piedade é um dos principais municípios produtores de mel do país) e a criação de pequenos animais para consumo da carne ou para fins diversos. Contudo, a incorporação do sentido mercadológico5 e as novas demandas de consumo e de lazer ocasionaram, de um lado, mudanças na estrutura produtiva dos dois municípios e, de outro, a permanência da estrutura fundiária, marcada pela expressiva participação de pequenas propriedades rurais com até 50 hectares, em Piedade. Essa manutenção das pequenas propriedades rurais está atrelada a outra questão levantada: a reprodução social6 e a transmissão hereditária da terra dos pequenos produtores ocorrem, em grande parte, pelos resultados favoráveis (retorno econômico) da agricultura. As distintas estratégias serão, portanto, essenciais no estudo da ruralidade construída nessa área de pesquisa. A nosso ver, as estratégias envolvem tanto ações de caráter mercantil como não 5 Gazolla (2009) aponta que o processo mercadológico envolve uma relação de produção, circulação e comercialização de determinados produtos agropecuários. 6 A conceituação de Dowbor (2003) sobre reprodução social será utilizada nesta tese. Segundo o autor, a reprodução social é um processo que envolve tanto a produção como os serviços sociais, e as diversas atividades de gestão do desenvolvimento, como planejamento, segurança e outros. A reprodução social, na concepção do referido autor, necessita de uma visão estrutural, onde a economia e o social não são pares dicotômicos, mas integrados. 35 mercantil, que consolidam valores e práticas favoráveis à permanência dos produtores na agricultura. 1.2. Hipótese Como hipótese norteadora do presente trabalho, apresentamos a ideia de que a partir da década de 1970, nas áreas selecionadas, a estrutura produtiva foi alterada pela crescente mercantilização das relações sociais e econômicas. A implantação das rodovias SP-79, SP-264 e SP-250, que ligam os municípios a diversas cidades do estado, foi um fator relevante na estruturação dessa área como expansão do cinturão verde metropolitano. É nesse contexto que os meios de transporte e comunicação aparecem como elementos importantes, mas não únicos, para a dinamização das áreas no seu sentido produtivo. A tese defendida é que a multifuncionalidade existente no espaço rural em Piedade e Pilar do Sul tem na agricultura a sua principal articuladora e dinamizadora. Essa multifuncionalidade, aliada a uma agricultura extremamente forte, expressa a ruralidade contemporânea, que se fundamenta em dois fatores: a proximidade com centros e aglomerados urbanos, isto é, a situação geográfica, e as demandas urbanas pelos bens tangíveis (novos alimentos diferenciados – nichos de mercado) e intangíveis (potencialidades naturais, como contato com a mata atlântica, tranquilidade, paisagem bucólica etc.). A consolidação da ruralidade – enquanto expressão do rural – e das múltiplas funções, entendidas como distintas atividades (ambiental, comercial, industrial e de serviços), é o resultado do processo de adaptação às condições impostas pelas mudanças no cenário rural e agrícola e que, no caso pesquisado, não destituiu a primazia da agricultura, mas permitiu a coexistência de funções (moradia, lazer, turismo, serviços e agrícola) numa área que tradicionalmente é conhecida como extensão do cinturão verde metropolitano. Se as demandas urbanas influenciam as múltiplas atividades no espaço rural, não é possível entender esse espaço apenas na dimensão micro e centrado nas relações endógenas. A relação rural-urbano no contexto regional é fundamental para se compreender essas demandas nos espaços rurais de Piedade e Pilar do Sul, haja vista que as múltiplas atividades existentes são, em sua maioria, 36 influenciadas pela proximidade e acessibilidade dos citadinos tanto à Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) como a Sorocaba. 1.3. Percurso metodológico Para conseguirmos um trabalho articulado e focado na discussão do espaço rural no contexto regional, adotamos como recorte espacial de análise os municípios de Piedade e Pilar do Sul (Mapa 01), situados no sudeste do Estado de São Paulo, e entre um aglomerado urbano, a Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), e um centro regional, Sorocaba. 37 38 A primeira etapa do trabalho consistiu no levantamento teórico das temáticas abordadas, quais sejam, ruralidade, rural-urbano, estratégias e multifuncionalidade. O trabalho de campo7 contribuiu para o amadurecimento teórico e a busca de respostas às inquietações surgidas no decorrer da pesquisa. O empírico e o teórico são indissociáveis nos estudos de Geografia Agrária. A primeira visita teve como objetivo o reconhecimento da MRG de Piedade, composta por cinco municípios – Ibiúna, Piedade, Pilar do Sul, São Miguel Arcanjo e Tapiraí. Realizamos, também, nessa fase, entrevistas com representantes do poder público municipal e estadual, nos municípios de Piedade e Pilar do Sul (Quadro 01). Município Local Piedade Casa da Agricultura Secretaria Municipal de Agricultura Secretaria Municipal de Cultura e Turismo Assessoria de Imprensa da Prefeitura Municipal Secretaria de Planejamento Urbano e Urbanismo Sindicato Rural Patronal Associação dos Produtores de Caqui Associação dos Produtores de Alcachofra Cooperativa Agrotécnica Associação dos Pequenos Produtores Rurais - APRUP Escola Técnica Estadual - ETEC Pilar do Sul Casa da Agricultura Secretaria Municipal da Agricultura e Meio Ambiente Secretaria Municipal de Cultura e Turismo Departamento de Desenvolvimento Econômico e Urbanismo Sindicato Rural Patronal Sindicato dos Trabalhadores Rurais Cooperativa Agropecuária de Pilar do Sul Cooperativa Sul Brasil de Pilar do Sul Associação Paulista dos Produtores de Caqui S.A. da Associação Paulista de Produtores de Caqui Cooperativa dos Agricultores Familiares Sorocaba Escritório Regional do IBGE Quadro 01: Entrevistas realizadas durante a pesquisa de campo em junho e em dezembro de 2009. Org. Erika Moreira (2011). A escolha por esses dois municípios – Piedade e Pilar do Sul se deu por conta da presença significativa de propriedades rurais com até 50 hectares, forte 7 A primeira etapa foi realizada entre 21 e 26 de junho de 2009; a segunda compreendeu o período entre os dias 12 e 18 de dezembro de 2009; a terceira abrangeu de 30 de junho a 18 de julho de 2010; e a quarta abarcou entre os dias 17 e 23 de janeiro de 2012. 39 participação da agricultura na economia local e microrregional, proximidade geográfica e a existência de estabelecimentos voltados ao lazer e ao turismo. Na segunda visita, optamos por mapear e delimitar os bairros rurais onde seria aplicado o questionário elaborado, além de selecionar os produtores rurais para a realização das entrevistas semiestruturadas, no intuito de obtermos o maior número de informações sobre os bairros e a contextualização histórica da área. Não pretendemos utilizar a transcrição das entrevistas ipsis litteris, haja vista ser essa uma técnica que exige maior aprofundamento no tratamento das falas. O procedimento metodológico adotado não visa à obtenção de história oral nem à utilização da técnica de memória coletiva dos moradores, porque o cerne das discussões situa-se numa análise quantiqualitativa dos dados levantados a partir do questionário aplicado aos produtores rurais dos municípios supracitados. E, na terceira ida a campo, aplicamos o questionário aos produtores rurais residentes nos bairros rurais selecionados em Piedade e Pilar do Sul, assim como os roteiros de entrevistas nos estabelecimentos não agrícolas. A ultima etapa foi realizada para a aplicação do inventário turístico (anexo) junto aos responsáveis dos estabelecimentos não agrícolas. Com o fito de compreender as mudanças conjunturais ocorridas na MRG de Piedade, em especial a realidade produtiva e fundiária dos municípios de Piedade e Pilar do Sul, utilizamos dados de fontes secundárias disponibilizados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), LUPA (Levantamento Censitário das Unidades de Produção Agropecuária do Estado de São Paulo), IEA (Instituto de Economia Agrícola), SECEX (Secretária do Comércio Exterior) e SEADE (Sistema Estadual de Análise de Dados). Foram levantadas e sistematizadas no Quadro 02, as fontes e as variáveis selecionadas. 40 Fo nt e Lo ca l Va riá ve is C en so s A gr op ec uá rio s de 1 97 0, 1 98 0, 19 95 /6 e 2 00 6. C en so s im pr es so s e co ns ul ta s ao S ID R A – w w w .s id ra .ib ge .g ov .b r - n úm er o e ár ea d os e st ab el ec im en to s; - g ru po s de á re a; - u til iz aç ão d as te rra s; - s ilv ic ul tu ra e m at as ; - e fe tiv o bo vi no ; - m aq ui ná rio s; - p es so al o cu pa do ; - c on di çã o do p ro du to r; -v al or e p ro du çã o da fr ut ic ul tu ra ; - a ss is tê nc ia té cn ic a. P ro du çã o A gr íc ol a M un ic ip al (P A M ), de 19 90 e 2 00 8. S ID R A – w w w .s id ra .g ov .b r - p rin ci pa is la vo ur as p er m an en te s (á re a co lh id a, q ua nt id ad e pr od uz id a e va lo r); - p rin ci pa is la vo ur as te m po rá ria s (á re a co lh id a, q ua nt id ad e pr od uz id a e va lo r). C en so s D em og rá fic os (1 95 0, 1 96 0, 1 97 0, 19 80 , 1 99 1, 2 00 0 e 20 10 - pr el im in ar es ). C en so s im pr es so s e si te w w w .ib ge .g ov .b r - pe rfi l d a po pu la çã o ru ra l e u rb an a da M R G d e P ie da de . B al an ça c om er ci al p or m un ic íp io , S E C E X (S ec re ta ria d o C om ér ci o E xt er io r), re fe re nt e ao a no d e 20 08 w w w .s ec ex .g ov .b r - pr in ci pa is p ro du to s ag ro pe cu ár io s ex po rta do s; - p rin ci pa is e m pr es as e xp or ta do ra s; - v al or d a pr od uç ão a gr op ec uá ria e xp or ta da . S EA D E - Pe rfi l d os m un ic íp io s pa ul is ta s, em re la çã o ao a no d e 20 05 w w w .s ea de .s p. go v. br - g ra u de u rb an iz aç ão ; - i nd ic ad or es s oc ia is ; - p op ul aç ão ru ra l e u rb an a. LU P A /C A TI e m d oi s pe río do s – 19 95 /9 6 e 20 07 /2 00 8 w w w .c at i.s p. go v. br - n úm er o e ár ea d as U PA s; -e st ra to s de á re a; -m aq ui ná rio s e im pl em en to s ag ríc ol as ; - u til iz aç ão d as te rra s; - m ão d e ob ra ; - a tiv id ad es e co nô m ic as ru ra is . IE A – In st itu to d e E co no m ia A gr íc ol a, n o an o de 2 00 8 C on su lta n o IE A – w w w .ie a. sp .g ov .b r - v al or d o he ct ar e da te rra -n ua p or E D R . Q ua dr o 02 : F on te s de d ad os s ec un dá rio s, lo ca is e v ar iá ve is s el ec io na da s. O rg : E rik a M or ei ra (2 00 9) . 41 Os dados foram coletados e sistematizados em tabelas, gráficos e mapas8, e analisados sob a luz das discussões teóricas que envolvem as dinâmicas rurais e os problemas agrários. A coleta de informações, por meio de arquivos históricos das prefeituras municipais de Piedade e Pilar do Sul, foi de extrema importância para um dos objetivos da pesquisa, que foi o de contextualizar o processo de formação histórica. Essa etapa consistiu em levantamento de referências sobre tropeirismo, imigração japonesa no Estado de São Paulo - em particular, no sul do Estado, imigração italiana e portuguesa e processo de deslocamento do cinturão-verde de São Paulo. 1.4. Da Microrregião Geográfica ao Bairro Rural: recorte espacial Embora a aplicação do questionário aos produtores tenha ocorrido nos bairros rurais dos municípios de Piedade e Pilar do Sul, isso não implica uma análise estática e restrita à escala micro. Pelo contrário, nessas unidades geográficas são mais visíveis as mudanças em suas diferentes dimensões, bem como os valores e as práticas que permaneceram, mesmo com a introdução de novas demandas urbanas e o desenvolvimento das múltiplas funções presentes no espaço rural. Por isso buscamos estabelecer uma articulação com as três unidades escalares (microrregião geográfica, município e bairro rural) e a unidade social (família). Entendemos a escala geográfica como um recurso metodológico para a análise de eventos que ocorrem nos planos operacional e teórico9, abrangendo as dimensões espacial, social e histórica. No caso da pesquisa, adotamos as escalas da microrregião, do município e do bairro rural, que, por sua vez, são todos da escala local, para compreender as transformações que ocorrem nesses espaços sem desvinculá-los dos eventos em escalas maiores. Não temos a primazia de estudar com profundidade a escala geográfica, haja vista que ela merece um amadurecimento teórico que vai além dos objetivos traçados para a consecução desta tese. Outra advertência que devemos fazer é que trabalhamos, 8 Foram elaborados cartogramas com base no Philcarto, Adobe Ilustrator e Corel Draw. 9 Para melhor aprofundar esse tema, ver Castro (1995). 42 neste estudo, com as escalas cartográficas – microrregião, município e bairro rural, ainda que nossos esforços vão além de uma análise estritamente cartesiana. Os municípios de Piedade e Pilar do Sul10 abarcam muitos bairros rurais (Quadro 03), formados com características étnicas, fundiárias e produtivas distintas, tanto no interior de cada município como entre eles. Todavia, ambos apresentam como elementos comuns a intensa participação da agricultura na economia, a religiosidade, o forte vínculo entre os moradores (grau de parentesco e compadrio) etc. Entre os fatores diferentes, podemos apontar a estrutura produtiva – diversificada ou semi/especializada, que vai, de certa forma, ser fundamental na organização social dos bairros rurais. Município Bairros Rurais Localização Geográfica Pilar do Sul Pinhal de Cima, Pinhal de Baixo, Bandeirantes, Meia Légua, Chapadão, Alegre, Pombal, Ponte Alta, Serra Velha, Tozan, Claro, Boa Vista, Reunidas e Barra. Oeste – Sentido São Miguel Arcanjo. Caxangá, Morro Grande, Turvo, Lajeado e Água Doce. Norte – Sentido Sorocaba e Sarapuí. Ribeirão, Lavrinhas, Brumado, Turvo dos Góes, Saudade e Moquém. Sul – Sentido Tapiraí. Paineiras, Turvinho, Vieiras, Bom Retiro e Guaretá. Oeste – Sentido Piedade. Piedade Roseiras, Cavalheiros, Bela Vista, Sarapuí dos Antunes, Correas, Sarapuí dos Luzes, Sarapuí de Cima, Buenos, Amola Faca e Liberdade. Oeste – Sentido Pilar do Sul. Prestes, Mendes e Paula, Boa Vista, Boa Vista de Baixo, Santos, Ruivos, Limal, Piratuba, Barreiro e Piraporão. Norte – Sentido Salto de Pirapora. Godinho, Ortizes, Oliveiras, Pintos, Soares, Vieirinha, Gurgel, Pires, Vargedo e Fazendinha. Leste – Sentido Ibiúna e São Paulo. Sarapuí de Baixo, Miguel Russo, Reducino, Cutianos, Tenórios, Bateia de Cima, Bateia de Baixo, Monos, Turvinho e Jacintos. Sul – Sentido Tapiraí. Quadro 03: Bairros rurais identificados nos municípios de Piedade e Pilar do Sul. Fonte: Site das prefeituras municipais. Num primeiro momento, tivemos a preocupação de definir, de maneira clara e objetiva, a amostra a ser utilizada para a consecução da pesquisa de campo junto aos produtores rurais residentes nos municípios de Piedade e Pilar do Sul. Todavia, seria problemático aplicar o questionário em toda a extensão 10 Em Piedade existem 60 bairros rurais e, em Pilar do Sul, 30. Todavia, no Quadro 03 constam apenas 30 em Piedade, porque muitos bairros rurais têm a adjetivação de alto, baixo e médio, em referência a altitude. 43 territorial dos municípios, haja vista que são municípios com predominância de propriedades rurais com até 50 hectares, conforme verificamos nos dados dos Censos Agropecuários de 2006. Os critérios para a aplicação de questionário aos produtores rurais foram: propriedades rurais com até 50 hectares, independente da condição do produtor e de moradia (rural ou urbana), e que desenvolva atividade agropecuária num dos dois municípios. Além dos questionários aos produtores rurais, foi aplicado roteiro de entrevista estruturado nas propriedades utilizadas para o lazer e o turismo, independente da sua localização geográfica, isto é, não restringimos nossa escala apenas aos estabelecimentos situados nos bairros rurais pesquisados, pois pretendemos ter uma análise mais abrangente dessas novas formas de lazer no espaço rural. Essa separação entre os dois tipos de propriedades permitiu ter uma noção mais ampla do perfil dos produtores rurais ‘tradicionais’ e os chamados ‘neorurais’. Estes últimos são agentes sociais de distintas esferas que podem regular as formas de uso social dos espaços rurais (FAVARETO, 2008). Podemos definir como neorurais, desde os aposentados urbanos que vão para os espaços rurais para desenvolver uma atividade agrícola diferenciada, até os empresários do setor hoteleiro. Graziano da Silva (1999) os define, a partir da perspectiva da urbanização do campo, como empresários de novas cadeias produtivas – nichos de mercado. Em Botelho Filho (2000) encontramos outra nomenclatura para os neorrurais, os chamados “agricultores por diversão”, para quem a renda obtida na agricultura é nominal, pois seus motivos não são meramente econômicos, mas status, busca de maior proximidade com a natureza, ou “redução da dívida na compra de imóveis e compra da terra como investimento” (BOTELHO FILHO, 2000, p. 122). Em virtude de o número total de propriedades rurais com até 50 hectares ser expressivo11, optamos por definir uma amostra de 5% do total dessas propriedades em Piedade e Pilar do Sul (quadro 4), sabendo que a adoção dessa amostragem priorizou uma análise mais acurada do ponto de vista qualitativo. 11 Os dados serão tratados no Capítulo 4, cujo objetivo é realizar uma análise conjuntural das estruturas produtiva e fundiária. 44 Município Bairros rurais Propriedades pesquisadas Tipo de produção predominante Piedade Caetezal de Baixo e de Cima 27 Hortaliças, flores e olerícolas Funil 08 Hortaliças e olerícolas Sarapuí dos Antunes 16 Hortaliças e olerícolas Leite 08 Hortaliças e olerícolas Buenos 06 Hortaliças e olerícolas Corrêas 25 Hortaliças e olerícolas Total - 90 - Pilar do Sul Pombal 19 Fruticultura e pecuária Pinhal de Cima 25 Fruticultura Pinhal de Baixo 10 Fruticultura Paineiras 07 Hortaliças Bandeirantes 05 Fruticultura Total - 67 - Quadro 04: Número, localização e tipo de produção predominante nas propriedades rurais pesquisadas. Fonte: Dados primários coletados na pesquisa de campo. Os bairros rurais (ver Mapas 02 e 03) foram selecionados pelos seguintes aspectos: a) predomínio de propriedades rurais com até 50 hectares; b) forte relação entre agricultura e religião, expressa por meio da promoção de festas e atividades culturais; c) existência de fruticultores e olericultores; d) existência de pousadas, pontos turísticos e estabelecimentos não agrícolas diversos; e) existência de imigrantes japoneses, italianos e alemães e seus descendentes; f) participação de produtores vinculados a organizações coletivas, como associação, cooperativa e sindicato rural. 45 46 47 A delimitação dos bairros rurais tem como parâmetro os cursos d’água, sejam ribeirões ou córregos, dos quais também se originam seus nomes, tais como Bairro do Pinhal e do Turvinho, em Piedade, e do Sarapuí, em Piedade. O questionário foi aplicado ao chefe da unidade produtiva, o responsável, portanto, pela exploração da propriedade, considerando tanto a figura do homem como a da mulher. Percebemos claramente nas propriedades rurais com descendentes de imigrantes japoneses, que o casal é responsável pela administração e organização da unidade produtiva, sendo frequente, portanto, a presença da esposa durante a aplicação do questionário. Excluímos da análise as propriedades rurais em que o empregado permanente era o responsável no momento de realização da pesquisa, em decorrência de seu desconhecimento sobre a renda obtida, os canais e os locais de comercialização, enfim, informações que seriam importantes para a pesquisa. 1.5. Estrutura da tese A tese está estruturada em seis capítulos, além da introdução, das considerações finais, das referências e dos apêndices. Sua organização procurou alcançar os objetivos que foram delineados. Com o anseio de contemplar as hipóteses traçadas, buscamos desenvolver a tese com o intuito de apontar que a agricultura dinamiza e articula as múltiplas funções que existem no espaço rural, bem como constrói, a partir dos sujeitos sociais, uma ruralidade fundamentada em novos contextos sociais e econômicos, em que as novas demandas urbanas de consumo e de lazer são fundamentais. As discussões sobre o rural e a ruralidade serão apresentadas no primeiro capítulo, cuja vertente defendida é a de que o rural é uma construção de valores na relação entre espaço, agentes e cotidiano. Serão debatidas as teses de Lefebvre (sociedade urbana) e Kayser (renascimento rural), para entendermos como a ruralidade é construída em novas bases econômicas e em novas relações socioespaciais. Quanto à ruralidade, trataremos, neste primeiro capítulo, das principais perspectivas de estudo no contexto latino-americano. Adotamos para este trabalho a perspectiva analítica da ruralidade, não como uma ruptura dos processos 48 e elementos tradicionais, mas como uma possibilidade de coexistência tanto entre os elementos tradicionais e contemporâneos como também entre os valores rurais e urbanos. Buscamos entender o rural como uma construção social, histórica e intersubjetiva, a partir da relação dos sujeitos com o espaço (processo e reflexo). O segundo capítulo tem como objetivo contextualizar o processo de ocupação da Microrregião Geográfica de Piedade, com o fito de mostrar como o rural e a ruralidade estiveram vinculados ao desenvolvimento da agricultura ao longo do período histórico. Optamos por traçar um panorama histórico da MRG, porque tivemos a necessidade de mostrar os elementos que influenciaram o processo de ocupação e povoamento. Enfatizamos também o processo de formação de sesmarias, o tropeirismo, a imigração japonesa e italiana e, sobretudo, a dinâmica da agricultura após os anos de 1960. A ênfase dada à imigração japonesa não é por acaso, mas se deve ao grau de importância que ela teve na organização espacial e econômica da região, principalmente em Piedade e Pilar do Sul. O terceiro capítulo foi fundamentado numa análise conjuntural (1970-2006) da estrutura fundiária, da estrutura produtiva, das relações de trabalho e do grau de mecanização da MRG de Piedade. O enfoque principal é a importância da agricultura especializada ou semiespecializada, em Pilar do Sul, e da atividade diversificada, em Piedade. Esse capítulo foi construído para dar suporte à tese que defendemos: a construção de uma ruralidade contemporânea em que a agricultura, na área de pesquisa, apresenta-se forte do ponto de vista econômico e, também, social. Consideramos que é um capítulo denso, por situar-se na análise dos dados estatísticos sistematizados e coletados a partir de fontes secundárias diversas, já detalhadas em momento anterior. A realização do estágio sanduíche na Universidade de Havana, em Cuba, entre julho e setembro de 2011, permitiu averiguar a importância dada aos dados estatísticos nas pesquisas acadêmicas. A geografia cubana, de maneira específica, prioriza em suas análises os dados estatísticos compilados a partir de diferentes fontes para traçar o planejamento; é uma geografia pragmática, em que se discute o teórico para a aplicação prática. Buscamos, no quarto capítulo, traçar uma contextualização teórica da noção de multifuncionalidade da agricultura e do espaço rural, com o intuito de absorver os elementos mais contundentes em nossa análise e de amenizar a simples transposição de conceitos da realidade europeia para a brasileira. Abordamos as principais atividades existentes no espaço rural de Piedade e Pilar do 49 Sul, com ênfase no turismo, no lazer, nas formas de moradia, na preservação ambiental e na prestação de serviços. Todas estas funções são integradas à atividade econômica predominante, a agricultura, de maneira direta ou indireta. Vimos a necessidade de enfocar essas múltiplas funções como parte do processo de construção da ruralidade contemporânea. No quinto capítulo, realizamos a caracterização dos bairros rurais selecionados para a aplicação de questionário, ressaltando tanto as questões vinculadas à organização espacial, quanto aos aspectos socioambientais. Procuramos, também, mostrar como os bairros rurais são tratados pelo poder público local. A nomenclatura de bairro rural não é recente, pois Candido (2003), Muller (1954; 1966), Queiroz (1978) e Fernandes (1971 e 1972) já retrataram essa forma de organização espacial no espaço rural paulista. As múltiplas estratégias adotadas pelos produtores rurais para a reprodução econômica no campo são o eixo central do sexto capítulo. Nele realizamos uma análise dos dados coletados na pesquisa de campo. No início do capítulo, contextualizamos as estratégias econômicas e sociais a partir dos autores selecionados que, por sua vez, abordaram a necessidade de contemplar, nas análises sobre o tema, os elementos exógenos (área, fatores políticos e econômicos etc.) e endógenos (tamanho da família, composição etária, grau de instrução etc.). Os capítulos desenvolvidos contemplam a ruralidade em diferentes contextos históricos. Atualmente, temos como faceta da ruralidade contemporânea, a multifuncionalidade, em que se mesclam, no campo, atividades tipicamente urbanas e rurais. Todavia, a agricultura ainda se mantém, no caso da área de pesquisa, como elemento dinamizador dessa multifuncionalidade existente no rural e das múltiplas estratégias econômicas. Uma forma adotada para mensurar a ruralidade contemporânea é a análise a partir das estratégias, visto que são ações planejadas ou intuitivas para a manutenção da família no campo. 50 2. O RURAL E A RURALIDADE A realidade evolui mais rapidamente do que a nossa capacidade de sistematizar a sua compreensão, e os processos são mais ricos e complexos do que a nossa capacidade de descrevê-los (DOWBOR, 2003, p. 05). endo a realidade dinâmica e centrada no movimento do devir, é necessário apreendê-la numa relação entre mudanças, permanências e adaptações. O espaço rural, nesse processo constante de reconfiguração, não desapareceu, tampouco se estagnou. Intensificaram-se os problemas de diferentes dimensões e as relações socioespaciais. Como afirma Dowbor (2003), os processos são ricos e complexos, portanto, torna-se de suma importância definir claramente os recortes analítico, espacial e temporal a serem adotados, para que estejam coerentes com o objetivo inicial traçado. A tese que defendemos é a de que as funções existentes no espaço rural dos municípios de Piedade e Pilar do Sul são oriundas de demandas urbanas e não levam, necessariamente, à secundarização da atividade agrícola, pelo contrário, a agricultura na área pesquisada permitiu e favoreceu a existência de outras funções. Essas ‘múltiplas’ funções estão, portanto, no caso dos municípios de Piedade e Pilar do Sul, vinculadas à força econômica e social que a agricultura exerce no âmbito da microrregião. As práticas agrícolas, sejam especializadas ou diversificadas, reforçam a importância do espaço rural e da construção de uma ruralidade contemporânea estruturada em novas formas e em novos processos socioespaciais. As ‘novas’ e ‘velhas’ funções se mesclam e se contrariam, numa convivência entre a ruralidade tradicional e a contemporânea. Essa relação abarca diferentes agentes sociais (produtores rurais tradicionais, produtores rurais tecnificados, empresários do setor de hotelaria, caseiros, aposentados urbanos etc.) que proporcionam mudanças significativas na organização espacial e econômica do rural e do agrícola nos municípios de Piedade e Pilar do Sul. É no intuito de averiguarmos o rural e a ruralidade como pares indissociáveis do urbano e da urbanidade, que propomos a construção deste capítulo. É do escopo deste trabalho discorrer sobre o rural como um espaço em S 51 que o modo de vida cria valores a partir dos pares ruralidade-urbanidade e campo- cidade. Existem posições distintas sobre a concepção de rural, desde a abordagem dicotômica, em que rural e urbano são vistos como mundos antagônicos, até a vertente lefebvreviana, que distingue o rural e o urbano a partir da divisão social do trabalho. Nas primeira e segunda subseções deste capítulo, buscamos realizar uma análise das diferentes vertentes teóricas sobre a concepção de rural, com ênfase nos autores da geografia rural e suas distintas posições, bem como nos da sociologia rural, da antropologia e da economia rural. As ideias de Kayser e Lefebvre estão presentes nas terceira e quarta subseções, com o objetivo de entender o rural e a ruralidade, com seus pares dialéticos - o urbano e a urbanidade. Objetivamos também entender que essa ruralidade mencionada pelos autores franceses pode apresentar tanto similitudes como diferenciações da realidade rural brasileira, em termos político, social e cultural. O que faz a ruralidade contemporânea se diferenciar da tradicional é a apreensão de novos elementos e novos processos, como as novas formas de habitat, a entrada de agentes sociais até então minoritários, como os caseiros, e a acessibilidade proporcionada pela melhoria das vias de circulação e dos meios de transporte coletivo. Todos esses aspectos corroboram para defender a hipótese que a função agrícola é proeminente na MRG de Piedade, mais especificamente em Piedade e Pilar do Sul, por duas razões: econômica, com a consolidação do cinturão verde e as novas demandas de consumo agroalimentar, e espacial, pela situação geográfica (múltiplas combinações de elementos naturais e humanos). Por fim, essa ruralidade é construída com base em distintas estratégias, sejam agrícolas ou não agrícolas, como a construção de simulacros para a atividade turística. A existência da multifuncionalidade no espaço rural fomenta uma discussão do espaço rural além da sua função produtiva agrícola, o que trataremos a posteriori. 2.1. O rural além da definição oficial: as conceituações teórico-metodológicas A nossa proposta, nesta seção, é efetuar uma discussão teórica sobre o rural, sob a ótica de diferentes campos das Ciências Sociais. Essa 52 proposição surgiu com a necessidade de compreendermos o rural, não meramente como um espaço físico de desenvolvimento das atividades agropecuárias, mas como construção espacial, social e histórica, bem mais amplo que o setor agropecuário12. Para tanto, buscamos enveredar pelas Ciências Sociais para apresentarmos um caminho menos segmentado e estagnado e mais dinâmico e articulado. Isso não significa que uma vertente teórico-metodológica seja mais importante que outra. É na relação dialética que construímos o fundamento de um paradigma13. O que pretendemos, em linhas gerais, é mostrar como a conceituação de rural e de ruralidade pode ser construída a partir da tríade: espaço-identidade- estratégias. Muitos trabalhos já tiveram como eixo central a discussão do rural, não apenas no campo geográfico, mas também na sociologia rural, na economia rural, na antropologia cultural e na história. É preciso distinguir definição e conceituação de rural. Isso porque, enquanto definição envolve, sumariamente, tipologias e instrumentos de ação político-administrativa, a conceituação é bem mais estruturada, abarcando um corpo teórico-metodológico em sua discussão. Como exemplo de tipologias criadas para caracterizar o que é rural e urbano em diferentes países, construímos o Quadro-Síntese 05. 12 A tese sobre a existência de um rural mais amplo que o agrícola já foi defendida por economista (GRAZIANO da SILVA, 1999), sociólogo (SCHNEIDER, 2009), antropólogo (CARNEIRO, 2003) e geógrafo (RUA, 2005). Portanto, não vamos discorrer sobre a diferença entre rural (espaço), agrário (relações de trabalho) e agrícola (produção), haja vista a necessidade de conceber os três eixos como indispensáveis para a compreensão da ruralidade. 13 Não é nosso propósito discorrer teoricamente sobre os paradigmas do rural contemporâneo, mas consideramos, a partir das leituras de Abramovay (1998), que o Estado é o principal determinante na integração do agricultor familiar ao mercado, mediante as políticas públicas. 53 Pa ís es D ef in iç õe s of ic ia is B ra si l R ur al : d om ic íli os lo ca liz ad os fo ra d o pe rím et ro u rb an o. U rb an o: d om ic íli os lo ca liz ad os n as á re as u rb an iz ad as o u nã o, c or re sp on de nt es à s ci da de s (s ed es m un ic ip ai s) , à s vi la s (s ed es d is tri ta is ) o u às á re as u rb an as is ol ad as . Ó rg ão re sp on sá ve l: In st itu to B ra si le iro d e G eo gr af ia e E st at ís tic a – IB G E Irl an da R ur al : á re as q ue tê m p op ul aç ão in fe rio r a 1 00 h ab /k m 2 . C rit ér io d e de ns id ad e po pu la ci on al . E sc óc ia R ur al : a té 5 00 h ab . C rit ér io p op ul ac io na l. Ja pã o R ur al : 5 00 h ab /k m 2 . C rit ér io d e de ns id ad e po pu la ci on al . N or ue ga R ur al : a té 2 00 h ab /k m 2 . C rit ér io d e de ns id ad e po pu la ci on al . G ré ci a R ur al : a té 1 0. 00 0 ha b. o u 30 h ab /k m 2 . C rit ér io d e de ns id ad e po pu la ci on al o u po pu la ci on al . D in am ar ca R ur al : a té 2 00 h ab ita çõ es o u 10 .0 00 h ab ita nt es . C rit ér io p op ul ac io na l. H ol an da e In gl at er ra R ur al : f or m a pr ed om in an te d e us o do s ol o é a ag ro pe cu ár ia . Al em an ha R ur al e U rb an o sã o de fin id os p or tr ês a sp ec to s: u til iz aç ão d o so lo , a sp ec to s ec on ôm ic os e d em og rá fic os . Fr an ça A d ef in iç ão o co rr e po r m ei o do z on ea m en to – Z AU (z on as u rb an as ) e o s po lo s ru ra is (q ua tro ti po s) . R ur al : s ão s ub di vi di do s em q ua tro c at eg or ia s: s ob fr ac a in flu ên ci a ur ba na ; p ol os ru ra is ; p er ife ria d os p ol os ru ra is e ru ra l i so la do . Ó rg ão re sp on sá ve l: IN R A/ IN SE E – In st itu t d e la S ta tis tiq ue e t d es É tu de s É co no m iq ue s. EU A A d ef in iç ão s e dá p or m ei o do s co nd ad os : 4 (q ua tro ) co nd ad os m et ro po lit an os e 6 ( se is ) co nd ad os n ão m et ro po lit an os . R ur al : sã o co ns id er ad os ru ra is , os co nd ad os co m m en os de 2. 50 0 ha bi ta nt es si tu ad os em ár ea s nã o m et ro po lit an as . Ó rg ão re sp on sá ve l: ES R /U SD A C on da do s: s ão d iv is õe s ad m in is tra tiv as e e xi st em 2 .0 66 n os E U A . Itá lia R ur al : h á o us o de c rit ér io p op ul ac io na l ( po pu la çã o in fe rio r a 10 .0 00 h ab ita nt es ) e m ai s tre ze c rit ér io s fu nc io na is (e co no m ia , e du ca çã o, h ab ita çã o, a tiv id ad es e tc .). Ó rg ão re sp on sá ve l: IS TA T – Is tit ut o N az io na le d i S ta tis tic a P er u R ur al : d ef in id o pe lo n úm er o de h ab ita çõ es c on tíg ua s. C hi le R ur al : at é 1. 50 0 ha bi ta nt es , do s qu ai s 50 % s ão o cu pa do s em a tiv id ad es p rim ár ia s. C rit ér io p op ul ac io na l e fu nc io na l. 54 C ub a14 U rb an o: po pu la çã o ac im a de 1. 99 9 ha bi ta nt es e co m pe lo m en os 4 (q ua tro ) se rv iç os bá si co s (e sc ol a, at en di m en to m éd ic o, p av im en ta çã o da s ru as , i lu m in aç ão p úb lic a, á gu a en ca na da , r ed e de e sg ot o et c. ). R ur al : p op ul aç ão a té 1 .9 99 h ab ita nt es . C rit ér io s po pu la ci on al e fu nc io na l. C os ta R ic a, H ai ti e U ru gu ai R ur al : lo ca lid ad es c om c ar ac te rís tic as n ão u rb an as , se ja e m t er m os e co nô m ic os ( m er ca do d e tra ba lh o) , de fu nç õe s ad m in is tra tiv as e tc . Q ua dr o- Sí nt es e 05 : D iv er sa s de fin iç õe s of ic ia is a do ta da s pe lo s pa ís es p ar a de fin ir o ru ra l e o u rb an o. Fo nt e: A br am ov ay (2 00 0) ; V ei ga (2 00 1) ; E nd lic h (2 00 6) e K ag ey am a (2 00 8) . O rg .: E rik a M or ei ra (2 01 1) . 14 E m C ub a, o nd e re al iz am os o e st ág io -s an du íc he , e nt re ju nh o e se te m br o de 2 01 1, a d ef in iç ão d o ru ra l e d o ur ba no e nv ol ve o s cr ité rio s po pu la ci on al e fu nc io na l. Sã o co ns id er ad os p ob la do s ru ra is , aq ue le s qu e tê m e nt re 2 00 e 1 .9 99 h ab ita nt es e q ue t en ha m m en os d e qu at ro ( 04 ) se rv iç os b ás ic os : ág ua en ca na da , ru as p av im en ta da s, r ed e de e sg ot o, c en tro s ed uc ac io na is , se rv iç os m éd ic os e i lu m in aç ão p úb lic a. S ão c on si de ra do s ca se ria o u ba te y, o s ag lo m er ad os c om a té 2 00 h ab ita nt es , e as g ra nj as o u fin ca s sã o cl as si fic ad as c om o ru ra l d is pe rs o, is to é , co m m en os d e 20 0 ha bi ta nt es o u ci nc o (0 5) vi vi en da s, c om u m a di st ân ci a de a té 2 00 k m e nt re e la s. 55 Visualizamos, por meio do Quadro-Síntese 05, alguns critérios utilizados para definir o rural e o urbano em diferentes países. Todavia, são critérios adotados, de maneira geral, pelos interesses administrativos. A utilização de um ou mais critérios é problemática, pois envolve não apenas elementos físicos, culturais ou ambientais, mas também a historicidade. Bernardelli (2006), ao discorrer sobre essa relação emblemática, aponta que os critérios mais utilizados na classificação do rural e do urbano são: o tamanho populacional; a densidade demográfica; os aspectos morfológicos ou as formas urbanas; as atividades econômicas; o modo de vida; as inter-relações urbanas; e as inovações. Abramovay15 (2000), ao discutir as medidas e as funções da ruralidade, aponta três inconvenientes na definição do rural pautado nos critérios quantitativos: a) os critérios estabelecidos internacionalmente são arbitrários; b) a comparabilidade internacional das informações sobre o meio rural fica seriamente comprometida; c) o critério de patamar populacional não permite uma abordagem regional da ruralidade. O referido autor enumera três aspectos intrínsecos ao rural: a relação com a natureza16; a relativa dispersão populacional; e a dependência do rural ao sistema urbano. Se o rural extrapola os limites físicos de área agrícola (área territorialmente definida por critérios políticos, econômicos ou ambientais), a ruralidade é a expressão do viver no rural, sem considerar a existência de uma sociedade urbana, isto é, uma construção fundamentada na inter-relação entre indivíduo e espaço. É importante ressaltarmos que essa abordagem apresentada por Abramovay (2000) não é uma definição criteriosa do rural, mas uma construção de cunho teórico da ideia do rural. As definições apresentadas anteriormente permitem, ainda que de maneira um pouco limitada, estabelecer uma vinculação com as políticas públicas, sejam urbanas ou rurais. A operacionalidade dessa discussão é ‘resolvida’, no campo político e administrativo, a partir desses critérios elaborados por institutos 15 A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE – criou em 1996, a partir de seus 26 países membros, uma tipologia de rural pautada na densidade demográfica. Foram então agrupados em regiões predominantemente rurais (mais de 50% da população residindo em áreas rurais), significativamente rurais (entre 15% e 50%) e predominantemente urbanizadas (abaixo de 15%). Esse critério foi amplamente criticado por Abramovay (2000) e Veiga (2002). 16 Alentejano (2003) estabelece como diferença entre rural e urbano, a relação do sujeito com a terra. 56 governamentais. A transposição do plano operacional para o analítico e do analítico para o operacional é conflituosa. No entanto, a colaboração acadêmica vai além dessa simplificação e definição do rural e do urbano, pois procuramos, por meio de pesquisas e discussões, compreender que os espaços rurais e urbanos são estruturados por agentes sociais com interesses distintos no uso do solo, com densidade de atividades e relações produtivas distintas. O objetivo por nós traçado foi o de ultrapassar a simples definição do espaço rural e da ruralidade para entender esse par na sua relação conflituosa-dialética, articulada com o urbano e a urbanidade, tendo como recorte espacial os municípios de Piedade e Pilar do Sul. Endlich (2006), ao discutir as relações entre o rural e o urbano, entende-os como modos de vida. Essa ideia se baseia na perspectiva teórica defendida por Lefebvre17. A autora separa o campo e a cidade com base na divisão territorial do trabalho. Para ela, enquanto o campo é o lugar do trabalho material/prático/manual, a cidade é o local do trabalho intelectual. Nessa perspectiva, permanece um caráter interdependente entre ambos, e a historicidade e a rede são elementos importantes para definir o que constitui o rural e o urbano. O urbano, enquanto modo de vida, penetra nos espaços rurais, com sistemas de objetos (eletrodomésticos, por exemplo) e sistemas de valores (novos hábitos alimentares, novas relações de trabalho etc.). Em seu trabalho sobre as pequenas cidades na rede urbana paranaense, Endlich (2006) evidencia que a relação urbanidade-ruralidade coexiste no plano econômico (atividades industriais, comerciais e agrícolas), no plano cultural-simbólico (manutenção do savoir-faire e das práticas lúdico-religiosas) e no plano social (com a existência das redes interpessoais). A ruralidade, portanto, não se reproduz apenas nos espaços ditos rurais, mas na relação com a urbanidade no plano do urbano. O tempo, as temporalidades, a relação com a terra e o cotidiano são os elementos-chave utilizados por Bagli (2006a; 2006b) para conceituar o rural. No espaço urbano, o tempo é marcadamente rápido, “o cotidiano é construído sobre um tempo mecânico”, cujas transformações se processam constante e visivelmente. O tempo lento é marcado por uma “lógica territorial mais próxima da natureza” e que, 17 Mostrar-se-á, num momento posterior, que essa tese de Lefebvre sobre a sociedade urbana vai ser questionada por Veiga (2002) e Favareto (2008). 57 portanto, se identifica com o espaço rural (BAGLI, 2006b, p. 162). Aqui podemos levantar algumas indagações: o tempo lento estaria ligado apenas ao espaço rural? O tempo que se propõe é apenas a duração? Mas o tempo não se dissocia do espaço, que por sua vez, é extensão, então, como podemos interpretar o tempo no rural na relação duração-extensão? Não podemos generalizar a existência do tempo lento no espaço rural, pois, no contexto atual, com a adoção de inovações tecnológicas em determinados cultivos (commodities agrícolas), o tempo de giro está vinculado à demanda internacional, e não há um tempo regido apenas pela natureza, mas também pela dimensão econômica. A autora supracitada ressalta que, embora no rural nada seja estático, as mudanças não se apresentam com tanta transitoriedade (BAGLI, 2006b). Esses tempos determinam as temporalidades18 (permanências ou resistências). Assim, no rural há temporalidades diferenciadas vinculadas às fases agrícolas, marcadas por rotinas e normas conectadas ao tempo da natureza. No urbano, o tempo mecânico segue a lógica ditada pelo capital, em que as temporalidades se fundamentam em outras rotinas e normas. Dessa forma, a autora mantém a classificação dual do rural e do urbano. Elementos Rural Urbano Tempo Tempo lento19. A existência de uma lógica vinculada à natureza. Tempo rápido. A lógica é ditada pelo capital (mecânico). Temporalidades Estabelecidas pelas fases do trabalho agrícola e as relações cotidianas. Estabelecida pelo tempo mecânico. Hábitos Atividades e horários ditados pelos ciclos da natureza. Atividades e horários vinculados ao tempo mecânico. Paisagens As transformações são pouco percebidas e v