PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS (ÁREA DE ZOOLOGIA) SIMBIONTES DO TRATO DIGESTIVO DE FORMIGAS (HYMENOPTERA: FORMICIDAE) MURILLO LINO BUTION Tese apresentada ao Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de Rio Claro, para a obtenção do título de Doutor em Ciências Biológicas (Área de Concentração: Zoologia). Rio Claro Estado de São Paulo – Brasil 2009 PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS (ÁREA DE ZOOLOGIA) SIMBIONTES DO TRATO DIGESTIVO DE FORMIGAS (HYMENOPTERA: FORMICIDAE) MURILLO LINO BUTION Tese apresentada ao Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de Rio Claro, para a obtenção do título de Doutor em Ciências Biológicas (Área de Concentração: Zoologia). Rio Claro Estado de São Paulo – Brasil 2009 Orientador: Prof. Dr. FLÁVIO HENRIQUE CAETANO 595.796 Bution, Murillo Lino B984s Simbiontes do trato digestivo de formigas (Himenoptera: Formicidae) / Murillo Lino Bution. - Rio Claro: [s.n.], 2009 104 f. : il., figs., gráfs. Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista, Instituto de Biociências Orientador: Flávio Henrique Caetano 1. Formiga. 2. Microbiota intestinal. 2. DGGE. 3. Ultra-morfologia. 4. Ultra-estrutura. 5. Enzimologia. 6. Histoquímica. I. Título. Ficha catalográfica elaborada pela STATI – Biblioteca da UNESP Campus de Rio Claro/SP i Dedicado a... Meus pais, Edson e Célia, pelo amor, confiança, carinho, exemplo de educação, honestidade e por serem meu maior motivo de orgulho. À vocês devo tudo na vida... Meu irmão Ronaldo e Maria Flora, amigos de todas as horas, pelo apoio, amor e confiança... ii Ao meu querido amigo Flávio, pelo carinho, confiança, amparo nos momentos difíceis, respeito, puxões de orelha, conselhos. Meu eterno muito obrigado... Ao Prof. Dr. Flávio Henrique Caetano pela orientação dedicada, exemplo de seriedade, competência, ética e que trabalha muito para minha formação acadêmica e pessoal... iii AGRADECIMENTOS Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela concessão da Bolsa de Doutorado Proc. 142211/2006-0. Ao Laboratório de Microscopia Eletrônica da UNESP, Campus de Rio Claro, na pessoa do Prof. Dr. Flávio Henrique Caetano. Ao Laboratório de Genética e Evolução pertencente ao Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), na pessoa da Profa. Dra. Vera Nisaka Solferini, que muito colaborou para o desenvolvimento desta tese. A Professora Dra. Vera Nisaka Solferini, pelos ensinamentos de excelência que me foram transmitidos ao longo de todo o tempo em que desenvolvi parte dos estudos necessários a obtenção desta tese. Ao Professor Dr. Wanderley Dias da Silveira e sua equipe de técnicos, Izildinha e Sandra, pelos ensinamentos, equipamentos e serviços técnicos prestados. A Antônio Teruyoshy Yabuky, Cristiane Miléo, Gerson Melo Souza, Célia Bresil e aos Drs. Ricardo e Suzete Destéfano, pela presteza, amizade, ensinamentos práticos e serviços técnicos prestados. A Octávio, Cristina, Carmen, Talissa e Tássia Bution, Guilherme, Wagner, Cícero (Cicinho), Mário Moreira e família, Manuel, Carlos (Chapinha), Regina, Orlindo “vô Filinho” e a todos os meus familiares, meu eterno muito obrigado. Aos amigos Dú e sua esposa Adelaide, Bruna e Guilherme, Ivan Martins, Rogério Begosso, Cristina, Cynara de Melo Rodovalho, Matheus, Leandro Xavier Ferreira (Lee), Frederico e Leonardo Nojimoto, Lenita, Afonso Celso, Leonardo, Maria Carolina, Sérgio Clemente, Ernadez, Wagner, Danilo, Skeeter, Mel, Eduardo e Frederico Pfaffenback, Alex Mello, Mariana, Adriano, Roberta, Diogo, Murilo e Érika pela amizade e apoio de todas as horas. Ao Professor Dr. Harold Gordon Fowler pela oportunidade de trabalhar em conjunto e pelos conhecimentos transmitidos. A todos os professores que contribuíram para minha formação acadêmica e pessoal. A todos que direta ou indiretamente contribuíram para realização deste trabalho. A Deus. iv ÍNDICE Página RESUMO ........................................................................................................................1 ABSTRACT .....................................................................................................................2 INTRODUÇÃO ..............................................................................................................3 CAPÍTULO 1 .................................................................................................................12 CAPÍTULO 2 .................................................................................................................40 CAPÍTULO 3 .................................................................................................................51 CAPÍTULO 4 ................................................................................................................. 68 CAPÍTULO 5 ................................................................................................................86 CONCLUSÕES ..............................................................................................................97 1 RESUMO Foram realizados estudos comparados do proventrículo, ventrículo, íleo e túbulos de Malpighi de três espécies pertencentes ao gênero Cephalotes: C. atratus, C. pusillus e C. clypeatus, objetivando buscar relações entre elas, assim como, diferenças histoquímicas e ultra-estruturais tanto da parede como do conteúdo destas porções do trato digestivo, que pudessem ser utilizadas para a melhor compreensão da função intestinal, bem como esclarecer quais e como os recursos alimentares são aproveitados em cada parte do trato digestivo. As características ultra-estruturais do ventrículo de Cephalotes atratus, C. clypeatus e C. pusillus, mostram que o epitélio do ventrículo repousa sobre uma lâmina basal contínua e é formado basicamente por três tipos celulares, sendo estas as células digestivas, as células regenerativas e as goblet cells. Nestas formigas, o retículo endoplasmático rugoso além de atuar na produção de enzimas digestivas também está envolvido na estocagem de íons em vacúolos especializados presentes no ventrículo. Estas concreções são os esferocristais e podem estar contribuindo com a estabilização do pH e permanência das bactérias simbiontes presentes por entre as microvilosidades. Secções realizadas ao longo do íleo revelaram diferenças entre três principais regiões: proximal, mediana e distal. As especializações estruturais presentes no íleo destas três espécies de formigas resultam em implicações especialmente relacionadas com as bactérias simbiontes aí hospedadas. Também foram realizados testes para verificar a diversidade da microbiota intestinal das porções em questão, usando a técnica DGGE. Assim sendo, o perfil molecular dos simbiontes do ventrículo e íleo de Cephalotes atratus, C. clypeatus e C. pusillus foi obtido analisando a região variável V3 do gene 16S do rDNA bacteriano. Foram estudadas duas amostras de C. atratus, três de C. clypeatus e seis de C. pusillus. Os resultados mostram que as amostras entre os simbiontes de C. atratus e C. clypeatus embora coletadas em locais geograficamente distantes, apresentaram índices de similaridade entre 80 e 94%. A variabilidade de simbiontes encontradas nas amostras de C. pusillus oscilou entre 45 e 71%, tanto em amostras próximas como em amostras distantes. Neste estudo, verificamos que as técnicas moleculares de PCR e DGGE mostraram-se eficazes para o propósito da pesquisa e puderam ser consideradas ferramentas versáteis para análises de microbiotas intestinais. 2 ABSTRACT This study compared the proventriculus midgut, ileum, and Malpighian tubules of three ants of the genus Cephalotes: C. atratus, C. pusillus, and C. clypeatus, by examining histochemical and ultrastructural differences in the wall and the content of these portions that could be used to better understand the intestinal function, as well as clarify which and how food resources are used in each part of the digestive tract. The ultrastructural analysis of the midgut of Cephalotes atratus, C. clypeatus, and C. pusillus reveled that the epithelium of the midgut lays on a basal lamina and is composed basically of three cell types: digestive cells, generative cells, and goblet cells. In these ants, the rough endoplasmic reticulum, in addition to producing digestive enzymes, is involved in ion storage in specialized vacuoles present in the midgut. These concretions are spherocrystals and may contribute to stabilize the pH and to maintain symbiotic bacteria found in between microvilli. Sections along the ileum revealed differences among the three main regions: proximal, medial, and distal. The structural specializations present in the ileum of these three ants have implications especially to the symbiotic bacteria. The DGGE method was also performed to assess the diversity of the intestinal microbiota of the portions of the digestive tract. The molecular profile of the symbionts of the midgut and ileum of Cephalotes atratus, C. clypeatus, and C. pusillus was obtained using the variable region V3 of the bacterial 16S rDNA gene sequence. Two samples of C. atratus, three of C. clypeatus, and six of C. pusillus were analyzed. The results showed similarity indices from 80% to 94% between the samples of symbionts from C. atratus and C. clypeatus, despite being collected in sites geographically distant. The variability of symbionts found in the samples of C. pusillus ranged from 45% and 71% in samples geographically close as well as distant. In this study, PCR-DGGE was efficient for the purpose of this study and can be considered a versatile tool to analyze the intestinal microbiota. 3 INTRODUÇÃO 1.1- Morfologia geral do trato digestivo No trato digestivo dos insetos existem três regiões principais com esfíncteres (válvulas) controlando o movimento do alimento entre estas regiões. Tais regiões são o intestino anterior (estomodeu), intestino médio (mesêntero) e o intestino posterior (proctodeu) (GULLAM & CRANSTON, 2000). O intestino anterior e posterior, de origem ectodérmica, são revestidos por uma fina camada cuticular denominada íntima. Entretanto, o intestino médio possui origem endodérmica, não sendo revestido pela camada cuticular observada nas demais regiões, porém, aí existe a membrana peritrófica que reveste e o protege contra injúrias (mecânicas ou químicas) que possam vir a ocorrer pela passagem do bolo alimentar nesta região do trato digestivo (CHAPMAN, 1975). O intestino anterior dos insetos adultos é, em geral, composto das seguintes partes: cavidade bucal, faringe, esôfago, papo e proventrículo; o intestino médio é composto pelo ventrículo e cecos gástricos e o intestino posterior pelo intestino fino (ou íleo) e o reto (SNODGRASS, 1935; CAETANO 1984; CHAPMAN, 1975). Os estudos realizados com formigas mostram que, de um modo geral, o trato digestivo apresenta-se muito semelhante ao das abelhas, com faringe revestida com delicados espinhos voltados para traz, com função de sugar o alimento líquido em alguns casos, e em outros de apenas ajudar na deglutição e comunicar a cavidade bucal com o esôfago. No final do seu trajeto, o esôfago abre-se em um saco periforme, o papo, com paredes finas nas quais, como no esôfago, encontra-se uma camada de musculatura circular e longitudinal externamente ao epitélio. Não existem glândulas no papo e a camada cuticular impede qualquer absorção de alimento nessa região deixando-lhe a função exclusiva de armazená-lo. O proventrículo é a parte do intestino anterior que maior grau de diversificação apresenta de uma para outra espécie. Segundo Emeri (1888) é possível delimitar subfamílias através das características do proventrículo. Esta porção do trato digestivo em muitos casos apresenta nitidamente três regiões: o bulbo que fica dentro do papo; o pescoço ligando este ao ventrículo, formado por um tubo delgado que em alguns casos se dilata abruptamente e 4 finalmente, a válvula estomodeal ou cardíaca que se situa no lúmen da extremidade anterior do ventrículo (CAETANO, 1984). Segundo Wheeler (1926), o proventrículo detém grande importância social ao permitir o represamento de alimento líquido no papo, este, com finalidade de transporte e alimentação de outros indivíduos da colônia. O bulbo do proventrículo pode ser dividido em lobos, que se fecham pela pressão do líquido contido no papo (processo passivo) ou por ação da musculatura circular aí presente (processo ativo). O lúmen do bulbo apresenta-se em forma de cruz de malta e pode ser obliterado pela contração dos músculos circulares presentes no pescoço do proventrículo (EISNER, 1957). Assim, acredita-se que o desempenho adequado da função social do papo está relacionado com a eficiência do bulbo do proventrículo (EISNER, 1957; WIGGLESWORTH, 1974 e CAETANO, 1984 e 1988). Caetano et al., (1998) acreditam que o principal responsável pelo mecanismo de trofalaxia nas formigas seja o esôfago, o qual apresenta forte musculatura oblíqua externa. Nas formigas estudadas até o presente momento, o bulbo do proventrículo mostra-se constituído por quatro lábios móveis, fato este que parece indicar que o aspecto quadripartido é constante para a família Formicidae (TOMOTAKE, 1996). Entretanto Eisner (1957) observou a presença de seis lábios móveis em Amblyopone australis, fato único dentre os Formicidae. Os representantes das subfamílias Dolichoderinae, Pseudomyrmicinae e Formicinae apresentam o bulbo do proventrículo altamente elaborado, com a cúpula do bulbo bastante espessa e com projeções cuticulares com forma de espinhos cuja função provável seria a de barrar a passagem de partículas sólidas para o ventrículo (EISNER, 1957; CAETANO, 1984). O pescoço do proventrículo nas formigas apresenta-se como um tubo delgado que liga o proventrículo ao ventrículo, geralmente é revestido por duas camadas de musculatura, uma longitudinal e outra circular (CAETANO, 1984 e 1988; TOMOTAKE, 1996). Entretanto Eisner (1957) observou várias camadas de músculos longitudinais em representantes da subfamília Formicinae. A válvula cardíaca é a ultima porção do proventrículo e situa-se no interior do ventrículo. É formada por uma projeção do epitélio do intestino anterior, que dobra sobre si mesmo e tem como função impedir o retorno do alimento contido no ventrículo (EISNER, 1957; WIGGESWORTH, 1974; CAETANO, 1984, 1988 e 1989). O ventrículo ou estômago apresenta-se como um saco relativamente pequeno, globular cuja parede é glandular e com capacidade de dilatação média (CAETANO, 1984). No 5 ventrículo de algumas espécies da subfamília Dolichoderinae, existem simbiontes, cuja função ainda é desconhecida (CAETANO et al, 2002). A histologia do intestino médio é bastante uniforme e as variações que ocorrem são mais relacionadas ao tamanho das células digestivas, as quais podem apresentar-se como sendo de dois tipos: aquelas com inúmeras microvilosidades longas, com corpos de laminação concêntrica e corpos mielínicos geralmente múltiplos (absorção e excreção) e um segundo tipo com poucas e curtas microvilosidades, grânulos de secreção e corpos mielínicos simples (CAETANO & CRUZ LANDIM, 1983). Em Formica, (JEANTET, 1971) descreve também dois tipos de células dentre as chamadas células digestivas. As células digestivas são colunares, com núcleo na posição mediana e apresentam citoplasma vacuolizado. As células regenerativas são pequenas e distribuem-se aos grupos na base das células digestivas sobre a lâmina basal. Externamente à lâmina basal são encontradas fibras musculares circulares e/ou longitudinais (CAETANO, 1984 e 1988) e obliquas (ARAB & CAETANO, 2001). Segue-se ao ventrículo, o íleo que apresenta aspecto muito semelhante ao proventrículo quando em corte transversal (CAETANO, 1984). Em Pachycondyla (=Neoponera) villosa, o íleo apresenta células sem microvilosidades na sua porção inicial. Essas células possuem invaginações da membrana basal bastante pronunciada e com poucas mitocôndrias. Um segundo tipo de célula surge logo após a primeira região e apresentam-se com muitas e longas microvilosidades. Essa região contém também inúmeras mitocôndrias alongadas. Estas células são mais altas do que aquelas da primeira região. Em ambos os tipos celulares observa-se interdigitações das membranas laterais, extremamente elaboradas, mostrando ser esta uma região com grande mobilidade, talvez por ação da forte musculatura circular aí presente. O primeiro tipo de célula parece estar relacionado com absorção de material da hemolinfa e o segundo tipo com a absorção de material do lúmen (CAETANO, 1989). Quanto à histologia, Caetano (1988), descreve o íleo sendo composto por uma cutícula fina que recobre o epitélio formado por células cúbicas. Este epitélio assenta-se sobre a lâmina basal bastante delgada e abaixo desta encontra-se a musculatura circular e longitudinal mais externa. Em Dinoponera gigantea e Panaponera clavata (CAETANO et al., 1986/87; CAETANO et al., 2002), descrevem que nesta região ocorrem espinhos cuticulares arranjados em fileiras longitudinais que desaparecem no ponto onde a musculatura circular regride de volume. Tais espinhos parecem ter a função de puxar e perfurar a membrana peritrófica. Após o íleo segue-se o reto que se apresenta como uma estrutura saculiforme com uma camada fina de musculatura recobrindo-o. O reto abre-se no exterior por meio do ânus que é 6 dotado de um esfíncter muscular. Encontra-se ainda na parede do reto as papilas retais (WHEELER, 1926). Estas papilas são responsáveis pela absorção de água, íons de sais e aminoácidos (WIGGLESWORTH, 1974). O número de papilas retais é constante dentro da subfamília, exceto Pheidole (Myrmicinae) que têm número igual ao das formigas de correição (Ecitoninae e Dorylinae). Podemos encontrar, também, formas aberrantes como no caso dos machos de Atta sexdens rubropilosa, os quais apresentam duas papilas longas e duas redondas, estas resultantes da divisão incompleta de uma longa (CAETANO 1984 e 1988; CAETANO et al., 2002). 1.2- A Tribo Cephalotini A tribo Cephalotini (subfamília Myrmicinae) compreende formigas arbóreas detentoras de peculiaridades biológicas complexas de grande importância na fauna neotropical, que freqüentemente tem causado especulações aos mirmecologistas a respeito de sua anatomia única que é associada hábitos alimentares incomuns (HOLLDOBLER & WILSON,1990). No final do século XIX, Emeri relatava notáveis plasticidades estruturais observadas em proventrículos de diferentes espécies de formigas. Descrições sobre o proventrículo de formigas da tribo Cephalotini feitas por Caetano (1988), mostram uma estrutura altamente complexa, cuja função parece ser a de separar o alimento líquido do sólido a fim de permitir a passagem daquele para o ventrículo. Caetano (1984) remete à frágil musculatura do bulbo do proventrículo de Cephalotes atratus e C. (= Zacryptocerus) pusillus a uma função filtradora, e não a de um separador de alimentos como visto em abelhas, cuja musculatura apresenta-se bem desenvolvida. O referido autor descreve para o proventrículo de C. pusillus, musculatura bem desenvolvida e com a presença de inúmeras projeções cuticulares arborescentes grandes, que podem completar a ação do bulbo. Análises sobre as características anatômicas da válvula cardíaca de C. atratus e C. pusillus realizadas por Caetano (1984), demonstra que esta é uma estrutura de tamanho diminuto que se projeta para o interior do ventrículo. Geralmente, cada uma das regiões do trato digestivo das formigas apresenta uma porção globosa: no intestino anterior é o papo, no intestino médio é o próprio ventrículo e no intestino posterior é o reto (CAETANO & LAGE FILHO, 1982). Entretanto nas formigas da tribo Cephalotini há uma quarta porção globosa, o íleo, que se apresenta dilatado para abrigar bactérias (CAETANO, 1984 e 1989). 7 Caetano (1989) descreve o íleo de C. atratus como sendo uma estrutura portadora de profundas dobras na íntima em direção ao lúmen. Esta característica, frente às grossas camadas de musculatura circular e longitudinal, somadas a grande quantidade de traqueíolas infiltradas nos tecidos, sugere o aumento da superfície de absorção e fixação de bactérias e elevado metabolismo. Nas formigas desta tribo, existem indícios de que a ação da forte musculatura circular sirva também para aumentar o contato dos microrganismos com o material contido no lúmen (CAETANO et al., 2002). A função destas bactérias é desconhecida, mas Caetano & Cruz-Landim (1982) sugerem que estas exerçam alguma forma de mutualismo alimentar com suas formigas hospedeiras. A maneira pela qual estes microrganismos se alojam no trato digestivo destas formigas parece estar relacionada com uma forma de trofalaxia abdominal de ocorrência entre operárias adultas e as recém emergidas, no qual a extrusão de uma gota de líquido retal pela operária é consumida pelo indivíduo recém emergido. Este comportamento é comum em cupins, nos quais, os indivíduos jovens adquirem bactérias e protozoários necessários para a digestão de celulose (ROCHE & WHEELER, 1997) O fenômeno, observado em Zacryptocerus varians, é iniciado após a emergência das novas operárias (HOLLDOBLER & WILSON, 1990). O característico comportamento trofaláxico existente entre indivíduos recém emergidos e operárias dessa tribo chamou a atenção devido a constatação do desenvolvimento de coloração após a realização desta trofalaxia. Assim sendo, as jovens operárias que num primeiro momento apresentavam-se desprovidas de coloração, iniciam um processo de aquisição da mesma após a realização da trofalaxia abdominal (WHEELER, 1984; BANDÃO et al., 1987). Estes últimos autores verificaram que os indivíduos recém nascidos apresentam o íleo dilatado, porém sem a característica mancha escura presente nos adultos (CAETANO, 1984), o que quer dizer que estavam livres de microrganismos. A ausência de informações sobre os aspectos mais refinados do trato digestivo de formigas desta tribo levou-nos a várias perguntas as quais esperamos contribuir com os resultados deste estudo. Deste modo realizamos o estudo comparado do ventrículo e íleo de três espécies pertencentes ao gênero Cephalotes: Cephalotes atratus, C. pusillus e C. clypeatus. Paralelamente estudos da ultra-morfologia do proventrículo foram realizados com intuito de buscar relações entre as três espécies. 8 1.3- Bactérias simbiontes em formigas As formigas são de interesse particular não só por causa do papel ecológico diante de muitos ecossistemas terrestres, mas também devido ao fato delas possuírem repertórios impressionantes de comportamentos sociais (HOLLDOBLER & WILSON, 1990). Uma das características do sucesso evolutivo das formigas é a habilidade de formarem sociedades complexas com divisão de trabalho entre os indivíduos da colônia. Além destas interações sociais complexas, elas também mostram a capacidade extraordinária para constituir associações com outros organismos tais como outros insetos, plantas, fungos e bactérias (ZIENTZ et al., 2005). Limitações impostas pelas plantas ao seu uso como recurso alimentar (defesas químicas e mecânicas), impõe às formigas e a outros insetos a necessidade de possuírem mecanismos que lhes permitam contornar essas limitações. Um dos tipos mais interessantes de mecanismos adotados pelos insetos para lidar com essas limitações é o estabelecimento de relações simbióticas com microrganismos (JONES, 1983). Estas relações que envolvem bactérias, fungos e protozoários, podem variar desde mutualismo até comensalismo (DOUGLAS, 1998; AMANN et al., 1995). Assim, acredita-se que a microbiota intestinal evoluiu como um valioso recurso metabólico para alguns insetos com dietas subnutridas. Para muitas espécies de insetos, a relação com suas microbiotas permanecem indefinidas, a exceção ocorre em cupins, baratas e recentemente formigas, que constituem os trabalhos mais elucidativos a respeito desta relação. Bactérias simbiontes têm sido descritas em diversas espécies de formigas. No gênero Camponotus (SCHRODER et al., 1996), tais bactérias estão situadas no interior de células especializadas denominadas de “bacteriócitos”, presentes no ventrículo. Essas bactérias, primeiramente observadas por Blochmann (1882), apresentam características semelhantes aos “endocytobionts” presentes no ventrículo de Odontomachus bauri (Ponerinae) descritas por Caetano et al., (2008). Embora tenha sido descoberta em torno de vinte anos, a flora bacteriana do aparelho digestivo das formigas da tribo Cephalotini ainda é muito pouco conhecida, tanto no que diz respeito a sua composição quanto ao seu papel. Um dos fatores responsáveis por esta deficiência são as metodologias dependentes de cultivo empregadas nos estudos das comunidades bacterianas que, em geral, não são capazes de detectar todas as bactérias presentes na comunidade. Assim sendo o estudo ora proposto, teve a intenção de buscar maiores informações sobre estas formigas com seus simbiontes pela via ultra-estrutural e 9 histoquímica de três formigas do gênero Cephalotes – as espécies C. atratus, C. clypeatus e C. pusillus. A fim de contornar este problema utilizamos para o estudo destas comunidades a técnica PCR/DGGE para amplificação e separação do rDNA 16S bacteriano. Por dispensar a etapa de cultivo, esta técnica permitiu elaborar o perfil da microbiota em estudo. 1.4- Referências bibliográficas ARAB, A & CAETANO, F. H. Functional ultraestruture of the midgut of the fire ant Solenopsis saevissima Forel 1904 (Formicidae: Myrmicinae) Cytobios, 45-53. 2001. AMANN R. I.; LUDWING, W., SCHLEFER, K. H. Phylogenetic identification and insitu detection of individual microbial cells without cultivation. Microbiol. Rev.59:143–69. 1995. BILLEN, J. & BUSCINGER, A. 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Arch Microbiol. 184: 199–206. 2005. 12 CAPÍTULO 1 MORFOLOGIA COMPARADA DO TRATO DIGESTIVO DE FORMIGAS CEPHALOTES 13 MORFOLOGIA COMPARADA DO TRATO DIGESTIVO DE FORMIGAS CEPHALOTES Resumo: Nós conduzimos estudos morfológicos comparativos do trato digestivo de Cephalotes atratus, C. clypeatus e C. pusillus, buscando descrever semelhanças, assim como diferenças histoquímicas, enzimáticas e ultra-morfológicas tanto da parede como do conteúdo do trato digestivo entre as três espécies, objetivando contribuir para o entendimento entre os simbiontes e seus hospedeiros. Palavras-chave: Microrganismos, Histoquímica, Ultra-morfologia, Cephalotes. Abstract: We conducted comparative morphological studies of the digestive tract of Cephalotes atratus, C. clypeatus and C. pusillus, aiming at describing the relationships among these three species, as well as the histochemical, enzymatic, and ultra-morphological differences of the wall and the contents of the digestive tract, therefore contributing for the understanding of the relationships between symbionts and their host. Keywords: Microorganisms; Histochemistry; Ultramorphology; Cephalotes. 1. Introdução: Aproximadamente 185 espécies de formigas pertencem à tribo Cephalotini (subfamília Myrmicinae). Dos quatro gêneros inicialmente constituintes desta tribo (KEMPF, 1951 e 1973), apenas Cephalotes e Procryptocerus são reconhecidos nos dias de hoje (ANDRADE & BARONI URBANI, 1999), sendo os gêneros Cryptocerus e Zacryptocerus sinonimizados a Cephalotes. Apesar da grande variabilidade de hábitos alimentares dos formicidae, o trato digestivo destes insetos mostra pouca variação (CAETANO, 1984, 1988 e 1989). Assim, este padrão tem motivado diversos estudos que são utilizados para a compreensão da função intestinal. Por meio destes estudos, torna-se possível esclarecer quais e como os recursos alimentares são aproveitados em cada parte do trato digestivo. 14 1.1 Proventrículo Himenópteros adultos são distintos em seus hábitos alimentares, subsistindo em sua maioria de alimentos líquidos (EISNER, 1957). Quando as operárias da tribo cephalotini forrageiam para suprir as demandas nutricionais da colônia, parte dos nutrientes líquidos obtidos não passa diretamente para o ventrículo. Ao invés disso, primeiro é retido temporariamente no papo; de tempos em tempos, o proventrículo permite a passagem de pequenas quantidades de nutrientes. Estes fluem do papo para o ventrículo, conferindo ao proventrículo a importante função no controle do fluxo de alimento no trato digestivo (EISNER 1957; CAETANO, 1988). De acordo com Caetano (1988), este órgão é a porção do intestino anterior que apresenta maior grau de diversificação dentre os Formicidae. Na maioria dos casos mostra nitidamente três regiões: o bulbo que fica dentro do papo; o pescoço ligando este ao ventrículo, formado por um tubo delgado e finalmente, a válvula estomodeal que se situa no lúmen da porção anterior do ventrículo. Nas formigas estudadas até o momento, o bulbo do proventrículo mostra-se constituído por quatro lábios móveis, fato este que parece indicar que o aspecto quadripartido é constante para a família Formicidae (TOMOTAKE, 1996). Entretanto EISNER (1957) observou a presença de seis lábios móveis em Amblyopone australis, o único dentre os Formicidae. Apesar da constância da organização do trato digestivo, o proventrículo é o exemplo de uma estrutura que varia de maneira exacerbada dentre os Formicidae. Darwin, em sua teoria sobre a origem das espécies, descreve que ao longo da evolução, estruturas que não atuam como fator decisivo na seleção natural poderiam variar bastante quanto a sua morfologia. Eisner (1957) acredita que a análise morfológica do proventrículo é um fator que pode auxiliar na determinação de subfamílias e até gêneros dentre as formigas, assim sendo, tem grande importância para estudos de filogenia. Os representantes das subfamílias Dolichoderinae, Pseudomyrmicinae e Formicinae apresentam o bulbo do proventrículo altamente elaborado, com a cúpula do bulbo bastante espessa e com projeções cuticulares com formas de espinhos. A função provável destas projeções cuticulares seria a de barrar a passagem de partículas sólidas para o ventrículo (EISNER, 1957; CAETANO, 1984). 15 O pescoço do proventrículo nas formigas apresenta-se como um tubo delgado, que liga o proventrículo ao ventrículo, geralmente revestido por duas camadas de musculatura, uma longitudinal e outra circular (CAETANO, 1984 e 1988; TOMOTAKE, 1996). A válvula estomodeal ou cardíaca é a última porção do proventrículo e situa-se no interior do ventrículo. Ela é constituída por uma projeção do epitélio do estomodeu, que se dobra sobre si mesmo e tem como função impedir o retorno de alimento contido no ventrículo (EISNER, 1957; WIGGLESWORTH, 1974; CAETANO, 1984, 1988 e 1989). 1.2 Ventrículo O intestino médio é de origem endodérmica, não sendo, portanto, revestido por cutícula. Entretanto, existe a membrana peritrófica que reveste o intestino médio e o protege contra injúrias (mecânicas ou químicas) que possam vir a ocorrer pela passagem do bolo alimentar (CHAPMAN, 1975; CAETANO, 1984 e 1988; ZARA & CAETANO, 1998, CAETANO et al., 2002). Além desta função, a membrana peritrófica compartimentaliza o intestino médio, permitindo a circulação eficiente de enzimas nos compartimentos endo e ectoperitróficos (TERRA & FERREIRA, 1994 e TERRA et al., 1996; TERRA, 2001). De acordo com a composição, esta pode ser classificada como gel ou matriz (TERRA & FERREIRA, 1994; TERRA, 2001). A membrana peritrófica possui poros que permitem a passagem de pequenas partículas alimentares e bactérias que vão de encontro às células desta porção do intestino (GULLAM & CRANSTON, 2000). Para Caetano et al., (1994) as vesículas de secreção produzidas no ventrículo de Pachycondyla striata atravessam a membrana peritrófica. Assim que atinge o espaço endoperitrófico tais vesículas começam a mostrar sinais de desintegração. O ventrículo nas formigas é composto de uma única camada de células que repousa sobre a contínua lâmina basal (CAETANO, 1984, 1988; LEHANE & BILLINGSLEY, 1996). Histologicamente as células digestivas são colunares e podem se apresentar como sendo de dois tipos fisiológicos distintos: aquelas com inúmeras microvilosidades longas, com corpos com laminação concêntrica (esferocristais) e corpos mielínicos geralmente múltiplos (absorção e excreção) e um segundo tipo com poucas e curtas microvilosidades, grânulos de secreção e corpos mielínicos simples (CAETANO & CRUZ-LANDIM, 1983). Outro tipo celular encontrado junto às células digestivas são as células regenerativas. Tais células são pequenas e distribuem-se aos grupos na base das células digestivas sobre a 16 lâmina basal (CAETANO & CRUZ LANDIM, 1983; CAETANO, 1984, 1988; CAETANO et al., 2002). Externamente à lâmina basal são encontradas fibras musculares circulares e longitudinais (SNODGRASS, 1935; CAETANO, 1984 e 1988). 1.3 Íleo Tipicamente, cada uma das regiões do trato digestivo das formigas apresenta uma porção globosa: no intestino anterior é o papo, no intestino médio é o próprio ventrículo e no intestino posterior é o reto (CAETANO & LAGE FILHO, 1982). Entretanto nas formigas da tribo Cephalotini há uma quarta porção globosa, o íleo, que se apresenta dilatado para abrigar microrganismos como bactérias e fungo filamentoso (CAETANO, 1989). O íleo em conjunto com o reto, compõe o intestino posterior nos insetos. A função deste, junto com os túbulos de Malpighi está relacionada com o processo excretor e homeostase de íons e água (WIGGLESWORTH, 1974; CHAPMAN, 1975). Segundo Wheeler (1926), os túbulos de Malpighi nada mais são do que evaginações da parede do íleo. No processo excretor dos insetos, a urina primária, isosmótica, é formada nos túbulos de Malpighi e liberada no íleo, onde o volume e a composição desta urina vai sendo ajustada ao longo do intestino posterior de acordo com as necessidades do inseto. Assim sendo, ocorre reabsorção de substâncias tais como água, íons e resíduos metabólicos do material contido no lúmen (WIGGLESWORTH, 1974; PHILLIPS, 1981; IRVINE et al., 1988; LECHELEITNER & PHILLIPS, 1989). Bactérias endosimbióticas têm sido descritas em diversas espécies de formigas do gênero Camponotus (SCHRODER et al., 1996). Entretanto tais bactérias estão situadas no interior de células denominadas de “bacteriócitos”, presentes no ventrículo. Essas bactérias foram observadas por Blochmann (1882), e são diferentes dos microrganismos presentes no trato digestivo de formigas da tribo Cephalotini estudadas por Caetano (1984), Caetano e Cruz-Landim (1985) e Jaffé et al., (2001), as quais consistem de uma complexa população de bactérias e fungo. Devido a esta particularidade, a presença e a função de simbiontes no íleo de formigas da tribo Cephalotini, descritos pela primeira vez por Caetano (1984), e adquiridos por meio da trofalaxia abdominal realizada entre indivíduos adultos e recém emergidos (BRANDÃO et al., 1987) tem sido motivo de especulações entre os mirmecologistas. Porém, pouco se sabe 17 sobre as características desta relação, principalmente no que concerne ao aspecto histoquímico, enzimológicos e também ultra-morfológicos. Assim, nós conduzimos estudos comparativos do íleo, assim como outras porções como o proventrículo e ventrículo de C. atratus, C. clypeatus e C. pusillus, com objetivo de mostrar relações entre as três espécies, bem como, diferenças histoquímicas, enzimológicas e ultra-morfológicas tanto da parede como do conteúdo destas porções do trato digestivo, no intuito de contribuir para o entendimento das relações entre os simbiontes e seus hospedeiros. 2. Materiais e métodos 2.1 Materiais: Operárias maiores de Cephalotes pusillus e operárias de C. clypeatus foram coletadas em árvores localizadas no campus UNESP/ Rio Claro, enquanto que as operárias maiores de C. atratus foram coletadas em árvores localizadas às margens do Rio Jacaré-pepira, no município de Brotas, Estado de São Paulo/Brasil. 2.2 Métodos 2.2.1 Ultra-morfologia (MEV): Os proventrículos, ventrículos e íleos foram removidos e fixados em glutaraldeído 4% durante 24h, desidratado em uma série crescente de álcool (70 a 100%), dois banhos de acetona 100% e desidratado no ponto crítico (Balzers CPD 030). Após desidratação, o material foi vaporizado com ouro no sputtering Balzers SD 050. Os proventrículos, ventrículos e íleos foram examinados no S.E.M. Jeol P 15. 2.2.2 Histologia: As formigas foram dissecadas em fixador paraformoldeído 4% em tampão Fosfato de Sódio 0,1 M (pH 7,4) durante duas horas, sendo posteriormente lavada pelo mesmo tampão, desidratado em álcool (70, 80, 95%), embebido e incluído em resina Leica. Os cortes histológicos com 6-8�m de espessura foram recolhidos em lâminas e corados com Hematoxilina e Eosina (JUNQUEIRA & JUNQUEIRA, 1983). 18 2.2.3 Histoquímica: Parte das lâminas foram coradas com PAS (JUNQUEIRA & JUNQUEIRA, 1993) para carboidratos neutros e polissacarídeos contendo ligações 1-2 glicol; o Azul de Toluidina pH 3,5 (JUNQUEIRA & JUNQUEIRA, 1983) para polissacarídeos ácidos e DNA; Picrossírius red (=Direct red- 80) (JUNQUEIRA & JUNQUEIRA, 1983) para fibras colágeno; Azul de Bromofenol (PEARSE, 1960) e Xilidine Ponceau (MELLO & VIDAL, 1980), para proteínas, principalmente as básicas; Tricrômico de Mallory (JUNQUEIRA & JUNQUEIRA, 1983), para detecção de estruturas basófilas e acidófilas, e a técnica de von Kossa (PEARSE, 1960), para detecção de cálcio. Todas as lâminas foram examinadas no fotomicroscópio Leica. As imagens foram capturadas com o capturador de imagens Leica DFC 280 e digitalizadas usando-se o programa Leica Image Manager 50. 2.2.4 Testes Enzimológicos: As formigas foram imobilizadas por resfriamento e imediatamente dissecadas. Os proventrículos, ventrículos e íleos foram removidos e submetidos à solução fixadora (glutaraldeído 0,5% e tampão cacodilato de sódio 0,2M, pH 7,2), a 4°C por 1 hora. Após fixação, o material foi rapidamente lavado no mesmo tampão cacodilato e incubado por 45min. a 37 °C, no meio descrito por LEWIS & KNIGHT (1977). Após incubação, o material foi lavado em tampão Tris maleato a 4°C, e pós-fixado em solução neutra tamponada de formalina: acetona (9:1), por 20 min. Foi efetuada rápida lavagem em acetona pura, seguida por desidratação em uma série crescente de etanol (70 a 95%), seguida de inclusão em resina acrílica (LEICA). Todas as lâminas foram examinadas no fotomicroscópio Leica. Cortes com 6-8�m de espessura foram recolhidos em lâminas e lavados por 4 min. com uma solução de sulfeto de amônia 1%, secas e montadas em bálsamo do Canadá. As imagens foram capturadas e digitalizadas usando-se o programa Leica Qwin. 3. Resultados e discussão 3.1. Proventrículo A imagem do bulbo do proventrículo mostra uma estrutura de aparência delicada, semelhante a um cogumelo (Figura 1B). Tal característica está de acordo com o descrito por Caetano (1984). Entretanto a homogeneidade da superfície do bulbo desaparece quando o material amorfo que recobre esta estrutura não é preservado ou é removido. A ausência deste 19 material revela uma superfície repleta de estriações e projeções com formato de espinhos (Figuras 1C a 1F). As projeções cuticulares são estruturas ocas e são observadas atravessando a camada de material amorfo que as recobre (Figura 1F), fornecendo assim, uma excelente base de sustentação para esta camada. Caetano (1984 e 1988) descreve a provável função destes espinhos como sendo a de impedir a passagem de alimentos sólidos para o ventrículo. O material amorfo observado recobrindo o bulbo do proventrículo, parece atuar otimizando a capacidade de filtração atribuída às projeções cuticulares. Tal função parece ser a de constituir uma barreira que fica entre o alimento contido no lúmen e as projeções cuticulares. O alimento após ultrapassar a camada amorfa e as projeções cuticulares, flui para uma das diversas estriações que são observadas por toda a superfície do bulbo (Figura 1E), para então ser conduzido ao lúmen do proventrículo e posteriormente ao ventrículo. O teste de H.E. permitiu a visualização histológica do proventrículo, o qual apresenta o bulbo com cutícula de coloração laranja, sendo sulcado em toda a superfície. Nestes sulcos, a cutícula apresenta espinhos com aspecto arborescente (Figura 2A). Segundo Caetano (1984), as células epiteliais do bulbo apresentam ligeira basofilia e o mesmo ocorre com as células epiteliais do pescoço do proventrículo. O referido autor descreve que revestindo o lúmen do pescoço do proventrículo há uma cutícula bem desenvolvida, facilmente vista em cortes transversais. Na detecção de compostos protéicos, as técnicas do Azul de Bromofenol (PEARSE, 1996) e Xilidine Ponceau (MELLO & VIDAL, 1980) resultaram nas colorações azul e vermelho-alaranjado respectivamente (Figuras 2B e 2C). Ambas as reações para a detecção de proteínas evidenciam intensa coloração tanto para o tecido epitelial, quanto para o material amorfo que recobre o bulbo do proventrículo. Os testes para polissacarídeos com a aplicação das técnicas de P.A.S. (JUNQUEIRA & JUNQUEIRA, 1983) e Azul de Toluidina ácido (JUNQUEIRA & JUNQUEIRA, 1983) mostraram reações positivas para polissacarídeos e glicoconjugados. A primeira técnica baseia-se na capacidade do ácido periódico oxidar as ligações carbono-carbono das seqüências 1-2 glicol dos hidratos de carbono, produzindo aldeídos. Estes, então são revelados pelo reagente Schiff (JUNQUEIRA & JUNQUEIRA, 1983). A reação P.A.S. evidenciou grânulos positivos no citoplasma das células epiteliais e no espaço subcuticular, demonstrando a presença dos referidos compostos nesta região (Figuras 2D e 2F). 20 A técnica Picrossírius red (JUNQUEIRA & JUNQUEIRA, 1983), detectou a presença de colágeno e de fibras reticulares delineando toda a região basal das projeções cuticulares do bulbo e pescoço do proventrículo (Figura 2F). O epitélio do bulbo e a musculatura do pescoço do proventrículo reagiram com intensidade mediana a esta técnica, portanto pouco colágeno deve estar associado ao órgão. O proventrículo demonstra ser algo mais que a simples ligação do papo para o ventrículo. Ele é a estrutura responsável pelo represamento do alimento líquido, que deverá permanecer no estômago social ou papo, o qual tem as funções de transportar controlar a alimentação dos demais membros da colônia, assim sendo, o proventrículo tem função social muito importante (EISNER, 1957; WIGGLESWORTH, 1974). Outro aspecto atribuído ao proventrículo, diz respeito a ponto de vista filogenético. Segundo Eisner (1957), a presença de um bulbo do proventrículo elaborado serve como característica adaptativa ao demonstrar ser uma estrutura refinada e especializada para o processo de seleção de nutrientes. A eficiência deste filtro parece ser otimizada pela presença de uma cobertura amorfa, que reveste toda a superfície do bulbo do proventrículo. A análise histoquímica desta estrutura demonstrou que esta é composta de polissacarídeos e proteínas, os quais são constituintes fundamentais de muco. Toda esta região do trato digestivo apresenta-se intensamente esclerotizada. Segundo Chapman (1975), quanto mais esclerotizada for à quitina, mais difícil é a coloração desta, razão pela qual a cutícula apresentou sua coloração natural amarela ou castanha. Não se detectou diferenças entre as três espécies estudadas quanto à natureza histoquímica, porém a ultra-morfologia permitiu diferenciar o bulbo das três espécies. 2.2. Ventrículo O ventrículo é alongado, muito amplo quanto à largura em C. atratus (Figura 5D) ao passo que ele possui comprimento similar ao de C. clypeatus. As fibras da musculatura circular estão localizadas abaixo da musculatura longitudinal, seguindo o padrão encontrado para outras espécies de formigas (CAETANO, 1984 e 1988). Traquéias penetram o ventrículo, sendo indicativo de elevada demanda de oxigênio e intenso metabolismo (LEHANE, 1996). 21 O epitélio do ventrículo das três espécies é formado por dois tipos celulares: as células digestivas e as regenerativas (Figuras 3A e 3C) assim como observado por Caetano & Cruz- Landim (1983) e Caetano (1984, 1988 e 1989) para outras espécies de formigas. Entretanto em C. atratus, C. clypeatus e C. pusillus, um terceiro tipo de célula é observado na região de transição do epitélio do proventrículo para o ventrículo, constituindo um epitélio de transição (Figura 3B). Este tipo celular, junto com a válvula cardíaca ou estomodeal, está envolvido na produção da membrana peritrófica, assim como o observado para larvas e adultos das formigas Ectatoma edentatum e Pachycondyla (=Neoponera) villosa, respectivamente (CAETANO, 1988; ZARA & CAETANO, 1998; CAETANO & ZARA, 2001). A membrana peritrófica em C. atratus, C. clypeatus e C. pusillus pode ser classificada como do tipo I, isto, devido às características como local de produção e tipo de secreção (microapócrina) (TERRA, 2001). As células digestivas se apresentam com dois tipos histológicos distintos ao microscópio óptico, sendo elas as células colunares e as goblet cells (Figuras 3A, 3C, 3E, 3F) O epitélio do ventrículo mostra-se com grande quantidade de células regenerativas basófilas com forma globular, constituindo pequenos grupos na base das células digestivas (Figuras 3A e 3C). Esta característica indica que seu citoplasma apresenta grande atividade do retículo endoplasmático rugoso, ribossomos e RNAs. As células colunares são altas e geralmente apresentam núcleo na porção mediana (Figuras 3A e 3C), assim como numerosas vesículas que se coram diferentemente pelo H.E., fato que caracteriza estas células como secretoras, assim como descrito por Chapman (1975) e Wigglesworth (1974). Estas, diferentemente das células regenerativas, são estruturas acidófilas, que freqüentemente apresentam as extremidades apicais dilatadas e com vesículas de grande tamanho eliminadas de maneira apócrina (Figuras 3A e 3C). Este mecanismo de secreção é igual ao observado em adultos de Pachycondyla striata (CAETANO et al., 1994) e larvas de P.(=Neoponera) villosa (CAEATANO & ZARA, 2001). Para estes autores tais vesículas contêm enzimas digestivas, as quais são descarregadas sobre o alimento no espaço endoperitrófico, após fusão com a membrana peritrófica. Assim, C. atratus, C. clypeatus e C. pusillus (subfamília Myrmicinae) apresentam a mesma característica observadas para larvas e adultos da subfamília Ponerinae (CAETANO, 1988; ZARA & CAETANO, 1998 e CAETANO & ZARA, 2001), sendo esta subfamília considerada como uma das menos derivadas por Holldobler & Wilson (1990). Desta maneira, tal padrão de secreção parece ser o modelo básico para os Formicidae. 22 Outro grupo de células digestivas, as goblet cells, tem a região basal alargada e profunda invaginação do ápice, formando uma cavidade. Esta cavidade mostra-se revestida por muitas microvilosidades longas, as quais são facilmente observadas na maioria das técnicas empregadas (Figuras 3A, 3C-3F). O Azul de Toluidina (JUNQUEIRA & JUNQUEIRA, 1983), possibilitou-nos observar fortes reações nas vesículas das células digestivas de C. atratus, C. clypeatus e C.pusillus (Figura 3D). Os resultados obtidos com Azul de Bromofenol e Xilidine Ponceau mostraram reações de intensidade mediana no citoplasma de células digestivas. Entretanto, as vesículas presentes no citoplasma das células digestivas mostraram reações muito fracas, quase imperceptíveis (Figuras 3E e 4A). O resultado apresentado pelas vesículas indica a existência de pequena concentração de proteínas complexadas com polissacarídeos ácidos. Estudos realizados por Jeantet (1971) com Formica e por Caetano (1988) com diversas formigas tais como Ectatomma quadridens, Pachycondyla (=Neoponera) villosa, Camponotus rufipes e Azteca bicolor, observaram o mesmo padrão quanto à intensidade fraca das reações (CAETANO, 1988). Schumaker et al. (1993) descreve o conteúdo destas vesículas em himenópteros como sendo proteases constituídas apenas por serina (tripsina e quimotripsina). Por outro lado, são inúmeras as carboidrases presentes (�-amilase, celulases, hemicelulases, dentre outras). Com o uso do PAS, foi possível detectar grandes concentrações de glicoproteínas contendo grupamentos 1-2 glicol presentes na periferia das vesículas (Figura 3F). Reações de baixa intensidade ao PAS foram encontradas no interior das vesículas, opondo-se as descrições feitas por Caetano (1988) em E. quadridens, Pachycondyla (=Neoponera) villosa, C. rufipes, A. bicolor e por Jeantet (1971) em estágios larvais até imago de operárias, machos e rainhas de Formica. O citoplasma das células digestivas mostrou reações medianas para o PAS, o que pode indicar a presença de glicogênio. Segundo Junqueira & Junqueira (1983), esta técnica marca com precisão glicogênio contendo o grupamento 1-2 glicol. A membrana peritrófica apresenta reações positivas quando submetida à aplicação das técnicas para detecção de proteínas (Xilidine) e polissacarídeos neutros (PAS) e ácidos (Azul de toluidina). Além destes compostos protéicos detectados, o colágeno foi positivamente corado diante da aplicação da técnica picrossírius red. A presença do colágeno na composição da membrana peritrófica é perfeitamente compreendida, pois sua propriedade possibilita 23 flexibilidade e resistência a esta estrutura. Reid & Lehane (1984) descrevem outro composto constituinte da membrana peritrófica que apresenta propriedades semelhantes às do colágeno, a peritrofina. O emprego desta técnica para detecção de colágeno resultou em fortes reações para a periferia das vesículas digestivas (Figura 4B), o que indica a correspondência entre a periferia das vesículas e a membrana peritrófica. King & Akai (1982 e 1984), propõe que na lâmina basal dos insetos só foi identificado colágeno IV, sendo que em C. atratus, C. clypeatus e C. pusillus tem-se a presença destes elementos fibrilados do tecido conjuntivo (lâmina basal) (Figura 4B). Todas as técnicas empregadas demonstraram reações positivas na lâmina basal. Em geral, as formigas alimentam-se preferencialmente de fluídos compostos principalmente de polissacarídeos, desta maneira a presença de microrganismos no ventrículo seria necessária para a complementação de sua dieta (CAETANO, 1989; ROCHE & WHEELER, 1997). Jones (1983) descreve que nos casos em que a base do recurso alimentar fornece baixa qualidade nutricional, há a possibilidade de organismos que sofrem estas limitações alimentares, adotarem mecanismos que possibilitem otimizar o uso deste recurso. Assim, o mecanismo adotado por estas formigas, a exemplo de outros insetos como cupins, baratas e besouros, é a simbiose estabelecida com microrganismos intestinais. Esta estratégia descrita por Caetano (1990) para C. atratus e van Borm et al., (2002) para formigas do gênero Tetraponera, também está presente em cupins (POTRIKUS & BREZNAK, 1981) e em afídeos (SASAKI & ISHIKAWA 1995; DOUGLAS, 1998). A atividade das enzimas digestivas está diretamente relacionada com o pH do conteúdo ventricular (TERRA, 1994). Desta maneira, no ventrículo de C. atratus, C. clypeatus e C. pusillus assim como nos demais himenópteros, o pH é ácido. Esta característica pôde ser observada por meio da aplicação da técnica de Tricrômico de Mallory (Figura 4C). Terra (2001), Schumaker et al. (1993) e Wigglesworth (1974) descrevem valores de pH entre 5 e 6 para himenópteros, havendo também um decréscimo do pH em direção a região posterior do ventrículo. Nossos dados sugerem que este pH levemente ácido, o qual se aproxima do pH neutro, é menos ácido perto do ápice das células digestivas do que na região central do lúmen do ventrículo (Figura 4C). O pH próximo ao neutro perto da região apical das células digestivas pode ser oriundo da secreção de cálcio (Figuras 4D, 4E) mostrado através do teste de von Kossa. A predominância da secreção de cálcio provém de esferocristais, os quais podem estar 24 associados a outros compostos, entretanto, alguns íons de cálcio livre são possíveis de se observar no lúmen e no interior de células digestivas, entre as vesículas (Figura 4E). A intensa secreção de Íons Ca++ observada por meio da aplicação da técnica de von Kossa, indica que este composto pode estar relacionado com a estabilização do pH levemente ácido, e assim sendo, pode ser um fator que contribui com a permanência dos microrganismos nesta porção do trato digestivo. 3.3. Íleo Na maioria dos insetos o íleo consiste de um tubo indiferenciado, com epitélio coberto por cutícula e se liga ao reto. Esta descrição faz com que não se desperte interesse por esta porção do intestino posterior, porém dados relativamente recentes tem mostrado que o íleo é muito mais do que um simples tubo com a função de terminar a digestão iniciada no ventrículo (CAETANO, 1984, 1988, 1989, 1990, 1998). O íleo possui mesma origem embrionária (ectoderma) que o intestino anterior, mas as células epiteliais são usualmente mais largas e freqüentemente apresentam conspícuas estriações da lâmina basal (WIGGLESWORTH, 1974; CHAPMAN, 1975) e microvilosidades da porção apical (CAETANO, 1989). A imagem do íleo em C. atratus, C. clypeatus e C. pusillus mostra que essa estrutura representa a maior porção do intestino posterior, assim como descrito por Caetano (1984) (Figura 5A). O referido autor descreve o íleo de C. atratus como sendo uma estrutura portadora de profundas dobras na íntima em direção ao lúmen (Figura 5B). Esta característica, somada a grossas camadas de musculatura circular e longitudinal, além da grande quantidade de traqueíolas infiltradas nos tecidos, sugere o aumento da superfície de absorção e adesão de bactérias (CAETANO, 1989). Na região mediana o íleo apresenta musculatura circular muito desenvolvida, diminuindo à medida que se dirige para a região distal. Caetano (1984) acredita que tal musculatura bem desenvolvida sirva para misturar o alimento com os simbiontes nessa região, facilitando o contato destes com o material a ser digerido. O íleo para as três espécies em estudo apresentam aspecto muito semelhante ao proventrículo quando em corte transversal (Figura 5B). Ambas as estruturas são de origem ectodérmicas e, portanto, são revestidas por cutícula (WIGGLESWORTH, 1974; CHAPMAN, 1975). Entretanto, a cutícula presente sobre a superfície do lúmen do íleo é mais 25 delgada do que a cutícula que reveste o proventrículo. Isto explica a sua permeabilidade, por ser uma das vias de absorção e excreção conhecidas nesta porção do trato digestivo (WIGGLESWORTH, 1974; CHAPMAN, 1975; PHILLIPS, 1977; PHILLIPS et al., 1986 e 1988). As células epiteliais são baixas na região proximal e aumentam à medida que se dirigem para a região posterior do íleo. Isto faz supor seu papel na absorção do material digerido na região precedente. Este epitélio assenta-se sobre a lâmina basal bastante delgada, e abaixo desta encontra-se a musculatura circular e longitudinal mais externa, assim como descrito por Caetano (1988), para diferentes espécies de formigas. Esta musculatura é espessa na região mediana e vai regredindo à medida que se dirige para a região posterior. A massa de material fibroso presente no íleo de C. atratus, C. clypeatus e C. pusillus é constituída de microrganismos e foi descrita por Caetano (1984, 1988, 1989 e 1990) e Caetano & Cruz-Landim (1985) para as espécies C. atratus, C. (=Z.) clypeatus. Os referidos autores constataram que esta estrutura era constituída de aproximadamente 10 tipos diferentes de bactérias e um tipo de fungo filamentoso não septado, cuja função provável seria a de atuar como simbiontes. Jaffé et al., (2001) estudando C. atratus e C. pusillus, observou interações metabólicas entre os microrganismos e seus hospedeiros. Em geral, as formigas alimentam-se de fluídos ricos em polissacarídeos e ou lipídios, desta maneira a presença de microrganismos no íleo seria necessária para a complementação de sua dieta (CAETANO, 1989; ROCHE & WHEELER, 1997). Jones (1983) propõe que nos casos onde o recurso alimentar tem baixa qualidade nutricional, existe a possibilidade dos organismos adotarem mecanismos que possibilitem otimizar o uso deste recurso. Para estes autores, fica claro que a procura de fezes de pássaros seja destinada ao suprimento da demanda de compostos nitrogenados, os quais seriam utilizados pelos microrganismos presentes no ventrículo (BUTION et al., 2006) e íleo (BUTION & CAETANO, 2008). Os compostos nitrogenados ao serem assimilados pelos microrganismos podem fornecer como subproduto de seu metabolismo alguns sais e aminoácidos que carecem nas dietas destas formigas, as quais são onívoras. Em C. atratus, C. clypeatus e C. pusillus, a região de passagem do ventrículo para o íleo é delimitada de um lado pela válvula pilórica, e de outro por uma dobra do epitélio (segunda válvula) (Figura 6A e 6B). Nesta região entre as duas válvulas desembocam os túbulos de Malpighi. Após a segunda dobra do epitélio, o íleo se estreita abruptamente e forma uma bolsa na qual se observa à presença de microrganismos, como já descrito nos 26 trabalhos de Caetano anteriormente mencionados. Caetano (1984) a denominou de “bexiga”. O epitélio da segunda válvula apresenta-se com característica secretora (Figura 6B), mas sua real função permanece desconhecida. O pH do conteúdo do trato digestivo é uma importante propriedade que a principio poderia afetar os microrganismos aí presentes. O íleo apresenta-se ligeiramente mais ácido que o ventrículo e isto se dá particularmente devido às secreções dos túbulos de Malpighi (CHAPMAN, 1975). De acordo com Erthal et al., (2004), o pH do íleo em Acromyrmex subterraneus varia de 5,0 - 4,5, havendo uma gradual acidificação em direção ao reto. Segundo os autores, o reto apresenta pH em torno 5,0 - 3,0. A técnica de Tricrômico de Mallory mostrou que o íleo possui pH ácido (ao redor do neutro) (Figura 6C). Este pH levemente ácido no lúmen do íleo deve estar relacionado com a liberação de cálcio no ventrículo que chega até o íleo, o qual foi detectado com a técnica de von Kossa (Figura 6D) para este íon. Assim sendo, este pH levemente ácido (corrigido pelo cálcio aí presente) pode explicar a permanência destes microrganismos no íleo destas formigas, sem que sejam destruídos por um pH extremamente ácido. A maior parte do cálcio eliminado via células do ventrículo estão complexadas com outros íons formando os esferocristais (CAETANO & CRUZ-LANDIM, 1985; CAETANO, 1990) e parte parece estar livre (BUTION & CAETANO, 2008). Assim sendo, a natureza ácida do íleo parece ser lentamente corrigida pela ação deste composto sobre os esferocristais dissolvendo-os. Tal hipótese deve-se ao fato dos esferocristais serem comuns no ventrículo (células digestivas e lúmen), nos túbulos de Malpighi (células e lúmen), mas não serem observados no lúmen do íleo. Este decréscimo no gradiente do pH ao longo do trato digestivo, também é descrito na maioria dos insetos (WIGGLESWORTH, 1974; CHAPMAN, 1975; TERRA & FERREIRA, 1994). Desta maneira, acreditamos que C. atratus, C. clypeatus e C. pusillus apresentam este mesmo padrão de decréscimo no pH, pois a ausência de microrganismos no reto, somada a fortes reações para o caráter ácido observados mediante a técnica de tricrômico de Mallory, evidenciam um provável decréscimo no gradiente do pH, quando comparado ao íleo ou a qualquer outra região do trado digestivo. Estas condições na região do reto parecem ser mais austeras para os microrganismos se abrigarem quando em comparação ao íleo. 27 Dentre os testes histoquímicos aplicados, Picrossírius red (colágeno) teve reações fortemente positivas ao logo de toda a superfície e lâmina basal do epitélio do íleo (Figura 6E), mas em especial, no local onde desembocam os túbulos de Malpighi. A presença de colágeno nesta região de conexão do íleo com os túbulos de Malpighi é perfeitamente compreendida, pois suas propriedades estruturais conferem certa resistência a esta região, particularmente sujeita a trações (JUNQUEIRA & JUNQUEIRA, 1983; LEHNINGER et al., 1993). A flexibilidade e resistência permitem a livre movimentação da extremidade distal dos túbulos de Malpighi na hemolinfa sem que haja comprometimento, por ruptura na extremidade proximal, junto ao íleo. Como a maioria das técnicas empregadas, o Picrossírius red também reagiu com a delgada lâmina basal. De acordo com King & Akai (1982 e 1984), na lâmina basal dos insetos ocorre colágeno IV. Desta forma, esta técnica é bastante precisa para a detecção de colágeno nos tecidos dos insetos. Xilidine Ponceau e azul de bromofenol foram utilizadas na detecção de proteínas totais, ambas as técnicas mostraram reações de intensidade média para o epitélio e o lúmen. Entretanto, tanto a lâmina basal quanto a massa de microrganismos contida no lúmen, mostraram fortes reações a estas técnicas (Figuras 6F e 7A). Polissacarídeos ácidos e neutros foram detectados mediante a aplicação das técnicas de azul de toluidina e PAS. Reações de intensidade mediana para ambas as técnicas foram vistas no citoplasma das células epiteliais (Figuras 7B e 7C). Entretanto, vesículas presentes neste epitélio foram fortemente coradas apenas para o PAS, indicando serem estas, compostas basicamente de polissacarídeos neutros (Figura 7C). Acreditamos que tais vesículas se apresentam em digestão, pois a técnica para enzimas de fosfatase ácida mostraram-nas presentes nas áreas correlatas do citoplasma das células epiteliais. Assim, este teste detectou a presença deste grupo de enzimas por todo o epitélio do íleo de C. atratus, C. clypeatus e C. pusillus (Figura 7D). Na região proximal do íleo, onde as células epiteliais são baixas, o teste de ATPase detectou a presença desta enzima próxima à lâmina basal (Figura 7E). Isto parece indicar que esta região está relacionada com a absorção de substâncias da hemolinfa, as quais são dirigidas para o lúmen, onde são liberadas ou reaproveitadas pelos microrganismos. Esta região poderia estar atuando na excreção. Caetano (1998) mostrou figuras de excreção nas células do íleo de Dinoponera australis. Entretanto, na região distal do íleo, as reações 28 ocorreram na parte apical das células epiteliais, denotando a função de absorção desta porção (Figura 7F). Esta afirmação encontra apoio em (CAETANO, 1989) para o íleo de Pachycondyla villosa, o qual apresenta na sua porção inicial células sem microvilosidades. Essas células possuem invaginações da membrana basal bastante pronunciada e com muitas mitocôndrias. Um segundo tipo de célula surge logo após a primeira região e apresentam-se com muitas e longas microvilosidades. Essa região contém também inúmeras mitocôndrias alongadas. Estas células são mais altas do que aquelas da primeira região. Em ambos os tipos celulares observa-se interdigitações das membranas laterais, extremamente elaboradas, mostrando ser esta uma região com grande mobilidade, talvez por ação da forte musculatura circular aí presente. O primeiro tipo de célula parece estar relacionado com absorção de material da hemolinfa e o segundo tipo com a absorção de material do lúmen. Estudos ultra-estruturais de C. (=Z.) rohweri e Formica nigricans realizados por Roche & Wheeler (1997) e Villaro (1999) respectivamente, mostram características semelhantes às descritas por Caetano (1989), indicando ser este o padrão ultra-estrutural comum dentre os Formicidae. A presença maciça de microrganismos no íleo, frente às adaptações morfológicas que garantem um elevado suprimento de oxigênio e de metabólitos, somadas à capacidade absortiva e digestiva observadas nas células epiteliais, nos leva a acreditar que esta região do trato digestivo é uma estrutura bastante especializada e adaptada para abrigar microrganismos, estabelecendo com eles uma legítima simbiose. 4. Figuras 29 Figura 1. (A) Corte longitudinal do proventrículo de C. atratus (cutícula arborescente - ca; camada de material amorfo que recobre o bulbo - Cam; epitélio do bulbo - Ep; epitélio do papo - Epp; lúmen - L e musculatura - M do pescoço, musculatura circular - MC; longitudinal - ML e interna - Mit do bulbo do proventrículo. (B) Micrografia Eletrônica de Varredura (MEV) da superfície anterior do proventrículo de C. pusillus; note que o aspecto liso do bulbo do proventrículo deve-se a presença de uma camada de material amorfo - Cam, que recobre toda esta estrutura. (C,D) MEV da superfície anterior do proventrículo de C. pusillus; nessas imagens, a camada que o recobre foi parcialmente removida, evidenciando a superfície coberta por projeções cuticulares arborescentes – ca e os lábios móveis - Lm. (E) MEV da superfície do proventrículo de C. clypeatus; mostrando estriações que conduzem ao pescoço do proventrículo; orifício central (Oc). (F) MEV de projeções cuticulares atravessando a camada que o recobre; a cutícula arborescente parece fornecer sustentação a esta camada. 30 Figura 2. Cortes longitudinais do proventrículo de C. atratus, mostrando diversas reações para as técnicas utilizadas. (A) H.E; (B) Xilidine Ponceau (para proteínas totais); (C) Azul de Bromofenol (para proteínas); (D) PAS (para polissacarídeos); (E) Azul de Toluidina ácido (para polissacarídeos); (F) Picrossírius red (para colágeno). 31 Figura 3- Cortes histológicos do ventrículo de Cephalotes atratus, C. clypeatus e C. pusillus. (A) H.E. em C. clypeatus: O epitélio mostrando as células colunares (cc), as células regenerativas (cge) e as "goblet cells" (glc), sobre a lâmina basal (lb). A musculatura circular interna (mc), a musculatura longitudinal externa (ml), núcleo (n), a membrana peritrófica (mp) e o lúmen (lu).(B) H.E. em C. clypeatus: região anterior do ventrículo mostrando o epitélio de transição (et) e a válvula estomodeal (vle), esta última produzindo a membrana peritrófica (mp). (C) H.E. em C. pusillus: Detalhe do epitélio do ventrículo mostrando as células regenerativas(cge) com citoplasma fortemente corado com Hematoxilina; as células colunares (cc), com numerosas vesículas (ve) coradas diferentemente pelo H.E. Observe as "goblet cells" (glc).(D)Azul de toluidina em C. atratus: esta figura mostra as células colunares (cc) com vesículas (ve) e lâmina basal (lb) bastante corada. (E) Azul de bromofenol em C. atratus: Células colunares (cc) com núcleo (n) na região mediana, e vesículas (ve) pouco coradas. (F) PAS em C. clypeatus: baixa intensidade na reação de PAS foi observada no interior das vesículas (ve). 32 Figura 4. (A) Xilidine Ponceau em C. pusillus: As vesículas (ve) foram fracamente coradas. (B) Picrossírius red em C. pusillus: A forte reação na lâmina basal (lb), indicando a presença de colágeno. (C) Tricrômico de Mallory em C. atratus: As células epiteliais (ce) estão em amarelo (pH básico) e o lúmen levemente ácido-azul-(lu). (D) von Kossa em C. atratus: Observe as reações positivas nas vesículas (ve), mostrando a secreção de cálcio pelas células colunares (cc). (E) Detalhe da figura anterior. 33 Figura 5- Comparação do trato digestivo de formigas Cephalotes. (A) Visão geral do trato digestivo de Cephalotes pusillus, mostrando: o papo (p), proventrículo (pv), o corpo gorduroso (cg), ventrículo (v), túbulos de Malpighi (tm), íleo (i), bolsa de microrganismos (bm) e o reto(re).(B) Corte transversal da região distal do íleo de C. atratus. Observe as profundas dobras do epitélio em direção ao lúmen. Esta característica mostra o aumento da área de absorção e adesão de microrganismos. (C) Vista da dilatação na região anterior do íleo em C. atratus. Esta, denominada de bolsa de microrganismos. (D)Visão geral do trato digestivo de C. clypeatus, mostrando o papo (p), proventrículo (pv), ventrículo (v), túbulos de Malpighi (tm), íleo (i), bolsa de microrganismos (bm) e ovário (ov) e traquéia (tr). (E) Imagem do íleo de C. pusillus mostrando a região anterior dilatada e região distal mais estreita e tubular, a qual se liga ao reto. 34 Figura 6- Secções histológicas do íleo de Cephalotes atratus, C. clypeatus e C. pusillus. (A) H-E em C. clypeatus. Visão geral mostrando parte do epitélio do ventrículo (epv), a bexiga (b), os túbulos de Malpighi (tm) desembocando nesta região, íleo (i) com a presença de microrganismos (mi) em seu lúmen (lu). (B) H-E em C. pusillus. Detalhe da bexiga (b), mostrando a válvula pilórica (vp), lúmen (lu) com a presença de microrganismos (mi), e a segunda dobra do epitélio (ep), o qual tem característica secretora. (C) Tricrômico de Mallory em C. atratus. Visão geral do íleo (i), mostrando as células epiteliais (ep) em amarelo e o pH ácido do lúmen -azul (lu). (D) von Kossa em C. clypeatus. Note as fortes reações no lúmen do íleo (i), mostrando a presença de secreção de cálcio oriundas do ventrículo (v). (E) Picrossírius red em C. atratus: As fortes reações na lâmina basal (lb), indicam a presença de colágeno. (F) Xilidine Ponceau em C. atratus: O citoplasma das células epiteliais apresentam reações medianas, enquanto que a lâmina basal e os microrganismos apresentam fortes reações para esta técnica. 35 Figura 7. (A) Azul de bromofenol em C. atratus: o epitélio apresenta reações medianas, enquanto que o lúmen possui fortes reações. (B) Azul de toluidina em C. atratus: Reações fortes nos microrganismos (mi) e lúmen (lu), entretanto o epitélio (ep) possui reações medianas. (C) PAS em C. atratus: Os mesmos resultados da figura anterior também são vistos aqui, entretanto, há a presença de vesículas no citoplasma. (D) Fosfatase ácida em C. pusillus: Note a presença destas enzimas por todo o epitélio (ep) e túbulos de Malpighi (tm). (E) ATPase em C. pusillus: A presença destas enzimas na região proximal do íleo são observadas na lâmina basal (lb). (F) ATPase em C. pusillus: A presença destas enzimas na região distal do íleo são observadas no ápice das células epiteliais. Estas últimas são mais altas que as células da região proximal. 36 5. Referências bibliográficas BLOCHMANN, F. Ueber das Vorkommen bakteriena¨hnlicher Gebilde in den Geweben und Eiern verschiedener Insekten. Zbl. Bakt. II 234–240. 1882. BRANDÃO, C.R.F., CAETANO, F. H., ALMEIDA, S.A.B.. Intestinal symbionts microorganisms, and abdominal trophallaxis in the neotropical myrmicinaetribe Cephalotini (Hymenoptera: Formicidae). In: Eder, J., Rembold, H. (Eds.), Chemistry and Biology of Social Insects. Verlag J. Perperny Verlag, Munich, p. 631. 1987 BUTION, M. L., CAETANO, F. H. Comparative study of the histology, histochemistry and ultramorphology of the proventriculus in the Cephalotini tribe (Hymenoptera: Formicidae). Sociobiology 46 (1), 185–193. 2005. BUTION, M. L., CAETANO, F. H., FABIO, B.B., GIOVANA, A.T.-G., ZARA, F.J. 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Resumo: Baseado na importância fisiológica dos túbulos de Malpighi para a homeostase nas formigas, este estudo objetivou caracterizar a enzimologia, a histologia, a histoquímica e a ultra-morfologia dos túbulos de Malpighi de operárias de Cephalotes atratus, C. clypeatus e C. pusillus, visando contribuir para o entendimento deste órgão nas formigas acima mencionadas e assim poder esclarecer como os túbulos de Malpighi contribuem para a manutenção de microrganismos simbiontes no íleo destas formigas. Palavras-chave: Túbulos de Malpighi, formigas, microrganismos simbiontes, íleo. Abstract: Given the physiological importance of the Malpighian tubules to homeostasis in ants, this study aimed to characterize the enzymology, histology, histochemistry, and ultramorphology of the Malpighian tubules of Cephalotes atratus, C. clypeatus, and C. pusillus, as a contribution for the understanding of this organ, as well as to examine its role in the maintenance of symbiotic microorganisms in the ileum of these ants. Keywords: Malpighian tubules, Ants, Symbiotic microorganisms, Ileum 1. INTRODUÇÃO Bactérias endosimbióticas têm sido descritas em diversas espécies de formigas do gênero Camponotus (SCHRODER et al., 1996). Entretanto tais bactérias estão situadas no interior de células denominadas de “bacteriócitos”, presentes no ventrículo. Essas bactérias foram observadas por Blochmann (1882), e são diferentes dos microrganismos presentes no trato digestivo de formigas da tribo Cephalotini estudadas por Caetano (1984, 1988) e Caetano & Cruz-Landim (1985), as quais consistem de uma complexa população de bactérias e fungo. A presença e a função de simbiontes no íleo de formigas da tribo Cephalotini, descritos pela primeira vez por Caetano (1984), e adquiridos por meio da trofalaxia abdominal realizados entre indivíduos adultos e recém emergidos (BRANDÃO et al., 1987) 42 tem sido motivo de especulações entre os mirmecologistas. Porém, pouco se sabe sobre as características desta relação, principalmente no que concerne ao aspecto histoquímico, enzimológico e também ultra-morfológico. Assim, foram realizados estudos com os túbulos de Malpighi de C. atratus, C. clypeatus e C. pusillus, com objetivo de mostrar relações entre as três espécies, bem como, diferenças histoquímicas, enzimológicas e ultra-morfológicas tanto da parede como do conteúdo desta porção do sistema excretor, no intuito de contribuir para o entendimento das relações entre os simbiontes e seus hospedeiros. 2. MATERIAIS E MÉTODOS 2.1 Material: Operárias maiores de Cephalotes pusillus e operárias de C. clypeatus foram coletadas em árvores localizadas no campus UNESP/ Rio Claro, enquanto que as operárias maiores de C. atratus foram coletadas em árvores localizadas às margens do Rio Jacaré-pepira, no município de Brotas, Estado de São Paulo/Brasil. 2.2 Métodos 2.2.1 Ultra-morfologia (MEV): Os túbulos de Malpighi foram removidos e fixados em glutaraldeído 4% durante 24h, desidratados em uma série crescente de álcool (70 a 100%), dois banhos de acetona 100% e desidratados no ponto crítico (Balzers CPD 030). Após desidratação, o material foi vaporizado com ouro no Sputtering Balzers SD 050. Os túbulos de Malpighi foram examinados no S.E.M. Jeol P 15. 2.2.2 Histologia: As formigas foram dissecadas e fixadas em fixador paraformoldeído 4% em tampão Fosfato de Sódio 0,1 M (pH 7,4) durante duas horas, sendo posteriormente lavada pelo mesmo tampão, desidratado em álcool (70, 80, 95%), embebido e incluído em resina Leica. Os cortes histológicos com 6-8�m de espessura foram recolhidos em lâminas e coradas com Hematoxilina e Eosina (JUNQUEIRA & JUNQUEIRA, 1983). 43 2.2.3 Histoquímica: Parte das lâminas foram coradas com PAS (JUNQUEIRA & JUNQUEIRA, 1983) para carboidratos neutros e polissacarídeos contendo ligações 1-2 glicol; o Azul de Toluidina pH 3,5 (JUNQUEIRA & JUNQUEIRA, 1983) para polissacarídeos ácidos e DNA; Picrossirius red (JUNQUEIRA & JUNQUEIRA, 1983) para fibras colágeno; Azul de Bromofenol (PEARSE, 1960) e Xilidine Ponceau (MELLO & VIDAL, 1980), para proteínas, principalmente as básicas; Tricrômico de Mallory (JUNQUEIRA & JUNQUEIRA, 1983), para detecção de estruturas basófilas e acidófilas, e a técnica de von Kossa (PEARSE, 1960), para detecção de cálcio. Todas as lâminas foram examinadas no fotomicroscópio Leica. As imagens foram capturadas com o capturador de imagens Leica DFC 280 e digitalizadas usando-se o programa Leica Image Manager 50. 2.2.4 Testes Enzimológicos: As formigas foram imobilizadas por resfriamento e imediatamente dissecadas. Os túbulos de Malpighi foram removidos e submetidos à solução fixadora (glutaraldeído 0,5% e tampão cacodilato de sódio 0,2M, pH 7,2), a 4°C por 1 hora. Após fixação, o material foi rapidamente lavado no mesmo tampão cacodilato e incubado por 45min. a 37 °C, no meio descrito por LEWIS & KNIGHT (1977). Após incubação, o material foi lavado em tampão Tris maleato a 4°C, e pós-fixado em solução neutra tamponada de formalina: acetona (9:1), por 20 min. Foi efetuada rápida lavagem em acetona pura, seguida por desidratação em uma série crescente de etanol (70 a 95%), seguida de inclusão em resina acrílica (LEICA). Todas as lâminas foram examinadas no fotomicroscópio Leica. Cortes com 6-8�m de espessura foram recolhidos em lâminas e lavados por 4 min. com uma solução de sulfeto de amônia 1%, secas e montadas em bálsamo do Canadá. As imagens foram capturadas e digitalizadas usando-se o programa Leica Qwin. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO Nas espécies estudadas, existem seis túbulos de Malpighi com a extremidade distal livre na cavidade do corpo (Figuras 1, 1a e 2). Histologicamente, os túbulos de Malpighi possuem células piramidais ou cúbicas, com núcleos na posição mediana ou basal, no qual se observa a presença de um a três nucléolos (Figuras 4 e 4A). Em corte transversal nota-se que os túbulos de Malpighi possuem até oito células formando seu diâmetro (Fig. 4A). Em C. atratus, C. clypeatus e C. pusillus, a região de passagem do ventrículo para o íleo (piloro), é delimitada de um lado pela válvula pilórica, e de outro por uma dobra do 44 epitélio (epitélio glandular) (Figura 3). Nesta região, entre a válvula pilórica e o epitélio glandular, desembocam os túbulos de Malpighi. Após a segunda dobra do epitélio, o íleo se estreita abruptamente e em seguida alarga-se, formando uma bolsa na qual, observa-se à presença de microrganismos, como já descrito nos vários trabalhos de Caetano, anteriormente mencionados. A função do epitélio com característica secretora (Figura 3) permanece desconhecida. O pH ácido do íleo parece ser corrigido pela ação do cálcio excretado pelas células dos túbulos de Malpighi e pelas células do ventrículo (CHAPMAN, 1975; BUTION et al., 2007). Tal hipótese encontra apoio no fato dos esferocristais serem comuns no ventrículo e nos túbulos de Malpighi, mas não serem observados no lúmen do íleo (Figuras 6, 7, 8). O pH levemente ácido pode facilitar a presença dos microrganismos nesta região (Figura 9). O teste de Picrossírius red (colágeno) obteve fortes reações na região onde desembocam os túbulos de Malpighi (Figura 5). A presença de colágeno na região de conexão do íleo com os túbulos de Malpighi confere resistência a esta região, particularmente por ser sujeita a tração. A flexibilidade e resistência desta região permitem a livre movimentação da extremidade distal dos túbulos de Malpighi na hemolinfa, pela ação da musculatura helicoidal ai presente, sem o comprometimento por ruptura na extremidade proximal. Xilidine ponceau e azul de bromofenol foram utilizadas na detecção de proteínas totais, ambas mostraram reações de intensidade média para o epitélio e o lúmen, embora o azul de bromofenol tenha apresentado fortes reações para vesículas presentes em seu citoplasma. Tanto a lâmina basal, quanto à massa de microrganismos contida no lúmen, mostraram fortes reações a estas técnicas (Figuras 10 e 15). Polissacarídeos ácidos e neutros foram detectados mediante a aplicação das técnicas de azul de toluidina e PAS. Reações de intensidade mediana para ambas as técnicas foram vistas no citoplasma das células epiteliais (Figuras 14 e 16). Entretanto, vesículas presentes neste epitélio foram fortemente coradas apenas para o PAS, indicando serem estas, compostas basicamente de polissacarídeos neutros. A técnica para enzimas de fosfatase ácida detectou a presença deste grupo de enzimas por todo o epitélio dos Túbulos de Malpighi de C. atratus, C. clypeatus e C. pusillus, indicando a abundante presença destes compostos, os quais propiciam a quebra entre ligações fosfato-éster (Figura 13). Estes metabólitos, oriundos do material contido na hemocele, podem ser estocados e ou simplesmente excretados (WIGGLESWORTH, 1974; PHILLIPS, 45 1981). Entretanto há indícios que os microrganismos presentes no lúmen do íleo estejam metabolizando estes excretas, onde os subprodutos deste podem ser reabsorvidos no íleo e nas papilas retais (BUTION et al., 2007). O teste de ATPase detectou a presença desta enzima próxima à lâmina basal (Figuras 11 e 12). Isto indica que esta região está relacionada com a absorção de substâncias da hemolinfa, as quais são dirigidas para o lúmen, onde são liberadas e reaproveitadas pelos microrganismos, como descrito por Bution et al., (2007) para a região anterior do íleo. Os resultados enzimológicos e histoquímicos apresentaram o mesmo padrão para todas as espécies. A presença maciça de microrganismos no íleo da tribo Cephalotini, frente às adaptações morfológicas que garantem o elevado suprimento de metabólitos oriundos dos túbulos de Malpighi, somada à capacidade absortiva e digestiva observada nas células epiteliais do íleo (BUTION et al., 2007), nos leva a acreditar que esta região do trato digestivo estabelece com os microrganismos, uma legitima simbiose, o que leva a otimização dos recursos alimentares explorados por estas formigas bem como aqueles oriundos das vias de excreção. 4. Conclusões É sabido que os hábitos alimentares das espécies da tribo Cephalotini podem incluir fezes úmidas de pássaros, líquidos extraídos de homópteros, carniça e pólen. Os compostos, parcialmente oriundos dos túbulos de Malpighi, ao serem assimilados pelos microrganismos podem fornecer como subproduto, alguns sais e aminoácidos ausentes na dieta destas formigas, como previamente descrito por Jaffé et al., (2001). A flexibilidade e resistência desta região de conexão dos túbulos de Malpighi no íleo são provavelmente conferidas pela grande concentração de colágeno, permitindo desta maneira, a livre movimentação da extremidade distal dos túbulos de Malpighi na hemolinfa, através da presença da musculatura helicoidal nesta estrutura, sem que haja comprometimento por ruptura na extremidade proximal. Os dados apresentados e discutidos indicam que a adaptação estrutural presente no íleo de formigas da tribo Cephalotini, deve estar relacionada com a utilização de materiais oriundos do ventrículo e dos túbulos de Malpighi. 5. Figuras 46 Figuras 1, 1A e 2. Microscopia Eletrônica de Varredura de C. pusillus.Visão da porção terminal do ventrículo (Vt), região onde desembocam os túbulos de Malpighi “piloro” (P) e bolsa de microrganismos (Bm) com traquéias (Tr) em sua superfície. Figuras 3 e 4, Técnica de Hematoxilina- Eosina em cortes histológicos de C. atratus, mostrando a visão geral de parte do ventrículo, válvula pilórica (Vp), epitélio glandular (Epg) e túbulos de Malpighi (Tm). Figura 5, A presença de colágeno na região que conecta o íleo com os túbulos Malpighi pode conferir resistência e força a esta área, especialmente por ser sujeita a tensões C. clypeatus, picrossírius red (seta=colágeno). IL= íleo. Mi= microrganismos. 47 Figuas 6, 7, 8. C. clypeatus Técnica de Von Kossa, onde o é mostrado o cálcio (Ca) presente no interior das células e lâmina basal (Lb). Figura 9. Tricômico de Mallory em C. atratus (azul celeste= substâncias basófilas, amarelo= substâncias acidófilas) mostrando o epitélio (Ep) e o pH levemente ácido no lúmen do íleo . Figura 10. Xilidine Ponceau (proteínas) mostrou fortes reações no íleo (IL), Epitélio Glandular (Epg) e lúmen (Lu). 48 Figuras 11 e 12. C atratus, ATPase. A presença desta enzima é detectada na lamina basal (Lb). Figuras 13. C. atratus Fosfatase-ácida, note a presença desta enzima por todas as células epiteliais dos túbulos de Malpighi. Figura 14, C. clypeatus PAS (carboidrato), polissacarídeos neutros puderam ser detectados com esta técnica, principalmente na lâmina basal e em vesículas presentes no epité