José Queiroz de Miranda Neto unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA ‘‘JÚLIO DE MESQUITA FILHO’’ C A P E S OS NEXOS DE RE-ESTRUTURAÇÃO DA CIDADE E DA REDE URBANA: O papel da Usina Belo Monte nas transformações espaciais de Altamira-PA e em sua região de influência Orientador: Eliseu Sposito UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” CAMPUS DE PRESIDENTE PRUDENTE FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA JOSÉ QUEIROZ DE MIRANDA NETO OS NEXOS DE RE-ESTRUTURAÇÃO DA CIDADE E DA REDE URBANA O papel da Usina Belo Monte nas transformações espaciais de Altamira-PA e em sua região de influência Presidente Prudente – SP 2016 JOSÉ QUEIROZ DE MIRANDA NETO OS NEXOS DE RE-ESTRUTURAÇÃO DA CIDADE E DA REDE URBANA O papel da Usina Belo Monte nas transformações espaciais de Altamira-PA e em sua região de influência Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Geografia da Faculdade de Ciência e Tecnologia da UNESP - Campus de Presidente Prudente - Área de Concentração: Produção do Espaço Geográfico, para obtenção do Título de Doutor em Geografia. Orientador: Prof. Dr. Eliseu Savério Sposito Presidente Prudente – SP 2016 FICHA CATALOGRÁFICA Miranda Neto, José Queiroz de. M644n Os nexos de re-estruturação da cidade e da rede urbana : o papel da Usina Belo Monte nas transformações espaciais de Altamira-PA e em sua região de influência / José Queiroz de Miranda Neto. - Presidente Prudente: [s.n], 2016. 370 f. : il. Orientador: Eliseu Savério Sposito Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Tecnologia Inclui bibliografia 1. Reestruturação da cidade. 2. Reestruturação urbana. 3. Altamira. 4. Amazônia. I. Sposito, Eliseu Savério. II. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências e Tecnologia. III. Título. À minha mãe, Maria de Lourdes À minha esposa Kelly Faro À minha filha Beatriz AGRADECIMENTOS Em razão das diversas contribuições, diretas e indiretas, envolvidas no desenvolvimento desta pesquisa, gostaria de registrar aqueles que estiveram mais próximos e que, de alguma forma, também foram protagonistas nesse importante período de formação. Agradeço, então: Ao meu orientador Eliseu Savério Sposito, que soube conduzir a orientação com paciência e compreensão, sempre incentivando a autonomia na produção intelectual. Aos professores Everaldo Melazzo e Arthur Whitacker, que contribuíram decisivamente no desenvolvimento deste trabalho entes, durante e após a qualificação de doutorado. Aos professores da Pós-graduação em Geografia da FCT/Unesp, por proporcionarem um excelente período de formação durante o curso de doutorado. À CAPES, por proporcionar a existência do Doutorado Interinstitucional (DINTER), que está contribuindo diretamente à formação docente no estado do Pará. Aos professores responsáveis pelo DINTER Calos Bordalo, na UFPA e João Osvaldo, na UNESP, que viabilizaram todos os procedimentos necessários para o andamento do programa em nível institucional. Aos colegas e amigos do DINTER, que acompanharam, ajudaram e foram presentes em vários momentos importantes (incluindo aqueles de descontração). Muitos que, de início eram colegas e se tornaram amigos, como Benedito, Mauro, Léia e Adolfo. Aos colegas dos cursos de Mestrado e Doutorado da UNESP de Presidente Prudente, que estiveram presentes em várias situações de nossa acolhida na instituição. Ao colega e amigo do DINTER, Willame Ribeiro, que também contribuiu de modo decisivo no desenvolvimento desta tese a partir de várias considerações e apontamentos importantes. Aos amigos Alessandro Galvão, Paulo Paixão e José Antônio Herrera, que dividiram as angustias e desafios de se fazer a pesquisa acadêmica e ajudaram com perguntas, acertos finais, livros e outras contribuições diretas e indiretas. Aos que contribuíram a partir de entrevistas, em especial o Padre Frederico Tschol da Prelazia do Xingu, que concedeu importantes informações a respeito da história de Altamira, porém faleceu antes da concretização desta Tese. À Presidenta do Brasil eleita Dilma Vana Rousseff, que junto ao seu antecessor Luiz Inácio Lula da Silva possibilitaram um novo momento para a formação superior no Brasil. À minha família: esposa, mãe, irmão e filhos, pela ternura e pela paciência nos momentos mais tensos do desenvolvimento deste trabalho. Aos habitantes da região do Xingu e da Transamazônica, principalmente àqueles que reexistem diante das investidas do grande capital e deixam suas marcas indissolúveis na história. “Para agir sobre a realidade, deve-se determinar seus pontos críticos de crise, transformação em outra coisa; deve-se captar o ponto e o instante em que uma ação suplementar relativamente fraca pode produzir o resultado decisivo” (Henry Lefebvre – Lógica formal, lógica Dialética) RESUMO As implicações espaciais da instalação de grandes projetos na Amazônia, como estradas, usinas hidrelétricas e indústrias de mineração, têm sido objeto de várias frentes de análise em Geografia no intuito de debater a respeito do papel transformador desses empreendimentos em contextos urbanos particulares. A partir de 2010, quando é liberada a licença de instalação da usina hidrelétrica de Belo Monte, percebe-se uma dinâmica social diferenciada, sobretudo marcada pela produção de novas formas espaciais e novas relações que envolvem a cidade e a rede urbana. Considerando essa realidade, a presente pesquisa resolveu articular o processo de construção da usina de Belo Monte ao tema das cidades médias, tendo como como base a seguinte questão: em que medida as transformações espaciais desencadeadas a partir da instalação da usina hidrelétrica de Belo Monte produzem uma reestruturação da cidade e uma reestruturação urbana? A área efetiva de estudos abrange, portanto, duas escalas de análise articuladas: a cidade de Altamira-PA, situada às margens do rio Xingu, a 54 km² de distância da área de construção da usina de Belo Monte, e a Região de Influência de Altamira (RIA). Esta última é baseada em dois estudos complementares do IBGE (REGIC de 2007 e Divisão Urbano-regional, de 2013) e corresponde aos centros urbanos situados no interfluxo entre o rio Xingu (Vitória do Xingu, Senador José Porfírio e Porto de Moz) e a rodovia Transamazônica (Altamira, Anapu, Pacajá, Medicilândia Uruará e Brasil Novo). No que se refere a Altamira, parte-se da ideia de que esta cidade atua como uma cidade média, uma vez que funciona como uma intermediadora entre as grandes cidades e os centros locais, permitindo-se adentrar aos autores que trabalham nesse campo de estudo. A pesquisa em questão possui como objetivo geral analisar os eventos resultantes da instalação da usina hidrelétrica de Belo Monte em Altamira-PA e em sua região de influência (RIA), de modo a verificar em que medida produzem a reestruturação da cidade e a reestruturação urbana. Com a utilização do método dialético, pretende-se fazer a leitura do movimento, da contínua transformação, do perpétuo vir-a-ser, enfatizando-se a lei da transformação da quantidade em qualidade. Por essa perspectiva, os dados sobre a cidade (o crescimento populacional, a expansão territorial, a criação novos loteamentos e as transformações na paisagem) e os dados regionais (a intensidade das interações espaciais, os atendimentos de saúde, as diferenças do PIB municipal, as características das finanças públicas, a distribuição das instituições financeiras e as mudanças no quadro empresarial) são devidamente analisados e articulados em um modelo explicativo denominado de “nexos de re-estruturação da cidade e da rede urbana”, que situa os acontecimentos, práticas e processos espaciais de acordo com um eixo de transformação estrutural (da estruturação à reestruturação) e com a escala de análise (da cidade e da rede urbana). A tese comprovada pela pesquisa é de que os feixes de vetores desencadeados pela usina hidrelétrica promovem transformações que se vinculam tanto à estruturação (lógica mais duradoura de constituição espacial) quanto à reestruturação (rupturas nas tendências anteriores) e se apresentam em intensidades diferenciadas de acordo com cada escala analisada. Pela disposição dos nexos inseridos dentro do modelo explicativo, é possível afirmar, portanto, que as transformações desencadeadas pela usina hidrelétrica de Belo Monte possuem um caráter concentrador, com mudanças que apontam mais em direção à reestruturação da cidade que no sentido da reestruturação urbana. Palavras Chave: reestruturação da cidade, reestruturação urbana, Altamira, Amazônia. ABSTRACT The spatial implications of large projects installation in the Amazon, such as roads, hydroelectric plants and mining industries have been the subject of several fronts of analysis in geography in order to demonstrate the transformative role of these enterprises in particular urban contexts. Starting in 2010, when the license installation of the hydroelectric plant of Belo Monte is released, it is clear a different social dynamic, particularly marked by the production of new spatial forms and new relationships involving the city and the urban network. Given this reality, this study decided to articulate the process of construction of the Belo Monte plant to the issue of medium- sized cities, based on the following question: how far the spatial transformations triggered from the installation of the hydroelectric plant of Belo Monte produce a city reorganization and an urban reorganization? The effective area of study covers, therefore, two articulated scales of analysis: the city of Altamira (Pará), situated at the margins of the Xingu river – 54km² away from the area of construction of the Belo Monte plant –, and the Region of Influence in Altamira (RIA). This latter is based on two complementary studies of IBGE (REGIC of 2007 and Division Urban-Regional, of 2013) and corresponds to the urban centers in the interflow between the Xingu river (Vitória do Xingu, Senador José Porfírio and Porto de Moz) and the Trans-Amazonian highway (Altamira, Anapu, Pacajá, Medicilândia, Uruará and Brasil Novo). With regard to Altamira, it is started from the idea that this city serves as a medium-sized city, since it functions as an intermediary between the big cities and local centers, allowing to enter authors who work in this field of study. The research in question has as main objective to analyze the events resulting from the installation of the hydroelectric plant of Belo Monte in Altamira-PA and its area of influence (RIA) in order to verify how much they produce the reorganization of the city and the urban reorganization. With the use of the dialectical method, is intended to do the reading of the movement, of the continuous transformation, of the perpetual coming-to-be, with emphasis on the law of transformation of quantity into quality. Under this perspective, the data about the city (population growth, territorial expansion, new allotments creation, and the changes in the landscape) and the regional data (the intensity of spatial interactions, the health care, the differences of local GDP, the characteristics of public finances, the distribution of financial institutions and changes in the business environment) are properly analyzed and articulated in an explanatory model called “nexus of re- structuring of the city and the urban network”, which places the events, practices and spatial processes according to an axis of structural transformation (from structuration to restructuring) and with the analysis scale (of the city and the urban network). The thesis confirmed by the research is that the vectors beams triggered by the hydroelectric plant promotes transformations that are linked both to the structuration (the most enduring logic of space constitution) as to the restructuring (ruptures in the previous tendencies) and are present in different intensities according to each analyzed scale. By the arrangement of inserted nexus within the explanatory model, it can be said, therefore, that the changes triggered by the hydroelectric plant of Belo Monte have a concentrator character, with changes that point more toward the restructuring of the city than in the direction of urban restructuring. Keywords: restructuring of the city, urban restructuring, Altamira, Amazon. LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Valor da produção de Altamira por setor de atividades - 1968 ......................................... 114 Tabela 2 – Empreendimentos imobiliários até o ano de 2000 ............................................................ 138 Tabela 3 – Cidades de origem de trabalhadores (escritório) .............................................................. 165 Tabela 4 – Cidades de origem de trabalhadores (obras) ................................................................... 166 Tabela 5 – Empreendimentos imobiliários entre 2000 e 2010 ............................................................ 194 Tabela 6 – Informações gerais sobre a ada urbana – 2013 ............................................................... 224 Tabela 7 – As áreas de Reassentamento Urbano Coletivo (RUC) ..................................................... 226 Tabela 8 – Distâncias em relação à área central – ADA e RUC ........................................................ 228 Tabela 9 – Imigrantes com destino ao município de Altamira (trabalho e estudo) - censo 2000 ...... 267 Tabela 10 – Imigrantes com destino ao município de Altamira para fins de trabalho - censo 2010 .. 269 Tabela 11 – Migrações pendulares para fins de trabalho – 2010 (com retorno diário) ...................... 270 Tabela 12 – Imigrantes com destino ao município de Altamira para fins de estudo - censo 2010 .... 271 Tabela 13 – Empresas aereas e embarques no aeroporto de Altamira ............................................. 283 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Principais fontes de dados utilizadas na pesquisa ............................................................ 27 Quadro 2 – Técnicas de pesquisa conforme a fonte de dados obtida .................................................. 28 Quadro 3 – Diferentes usos do termo estrutura em relação ao espaço social ..................................... 46 Quadro 4 – Reestruturação regional e reestruturação da forma urbana .............................................. 49 Quadro 5 – Amazônia: rede urbana em dois momentos ...................................................................... 79 Quadro 6 – Municípios do Pará e do Amazonas de acordo com o PIB e o IDH .................................. 82 Quadro 7 – Tipologias das cidades médias da calha solimões-amazonas .......................................... 87 Quadro 8 – Formação da região de influência de Altamira ................................................................ 124 Quadro 9 – População da região de influência de Altamira – 1970 a 2000 ....................................... 125 Quadro 10 – Composição acionária da norte energia S.A. ................................................................ 153 Quadro 11 – Incorporadoras que atuam em Altamira até dezembro de 2015 ................................... 212 Quadro 12 – Empreendimentos do programa mcmv em Altamira ...................................................... 219 Quadro 13 – Resumo das transformações no espaço intraurbano de Altamira ................................. 247 Quadro 14 – Rede urbana de Altamira em diferentes versões da regic ............................................. 258 Quadro 15 – Nº de atendimentos ambulatoriais em Altamira por município de origem ..................... 274 Quadro 16 – Empresas de transporte intermunicipal em Altamira ..................................................... 278 Quadro 17 – Movimento anual de carga aérea e correios (t/ano) ...................................................... 282 Quadro 18 – Receitas orçamentárias realizadas por tipo de imposto (em r$ 1.000) ........................ 301 Quadro 19 – Instituições financeiras, ano de operação e n° de agências na ria ................................ 306 Quadro 20 – Postos de atendimento na ria entre 2009 e 2014 .......................................................... 307 Quadro 21 – Novas empresas em Altamira classificadas por atividade principal .............................. 321 Quadro 22 – Nexos de re-estruturação da cidade (quadrantes a e b) ............................................... 333 Quadro 23 – Nexos de re-estruturação da rede urbana (quadrantes c e d) ....................................... 334 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 – Evolução da população do município de Altamira entre 1950 e 2010 ............................. 132 Gráfico 2 – Composição acionária da CCBM ..................................................................................... 154 Gráfico 3 – Evolução do movimento anual de passageiros no aeroporto de Altamira ....................... 280 Gráfico 4 – Evolução da população urbana e projeção para 2015 na RIA ......................................... 288 Gráfico 5 – População rural e urbana nos municípios da região imediata de Altamira - 2010 ........... 290 Gráfico 6 – Taxa de urbanização nos municípios da região imediata de Altamira ............................. 291 Gráfico 7 – Produto interno bruto municipal (em R$ 1.000) ............................................................... 293 Gráfico 8 – PIB per capita (em reais) com valores corrigidos pelo deflator do PIB ............................ 295 Gráfico 9 – Valor Adicionado Bruto da Indústria (em R$ 1.000) ......................................................... 296 Gráfico 10 – Valor adicionado Bruto dos serviços (em R$ 1.000) corrigido pelo deflator do PIB ...... 297 Gráfico 11 – Valor adicionado Bruto da administração pública (em R$ 1.000) .................................. 299 Gráfico 12 – Soma de Impostos, líquidos de subsídios, sobre produtos (em R$ 1.000) .................... 300 file:///C:/Users/JN/Dropbox/TESE%20-%20TEXTOS/TESE%20-%2014-10-2016.docx%23_Toc464504608 Gráfico 13 – Número de Agências da RIA .......................................................................................... 305 Gráfico 14 – Operações de crédito nos municípios da RIA (em reais) corrigidos pelo IPCA ............. 309 Gráfico 15 – Operações de crédito por banco em Altamira (em reais) corrigidos pelo IPCA ............ 310 Gráfico 16 – Financiamentos por banco em Altamira (em reais) corrigido pelo IPCA ....................... 311 Gráfico 17 – Financiamentos imobiliários em Altamira (em reais) corrigido pelo IPCA ..................... 312 Gráfico 18 – Número de unidades empresariais locais ...................................................................... 315 Gráfico 19 – Pessoal ocupado assalariado ......................................................................................... 316 Gráfico 20 – Novas empresas em Altamira entre 2009 e 2014 .......................................................... 317 Gráfico 21 – Novas empresas em Altamira por tipo de atividade entre 2009 e 2014 ........................ 318 Gráfico 22 – Novas empresas em Altamira por tipo de atividade entre 2009 e 2014 ........................ 319 Gráfico 23 – Mão de obra da Usina de Belo Monte entre julho de 2012 e dezembro de 2014 .......... 326 Gráfico 24 – Admissões e demissões por mês do Consórcio Construtor Belo Monte (CCBM) ......... 327 Gráfico 25 – Admissões e desligamentos em Altamira – Construção ................................................ 328 Gráfico 26 – Admissões e desligamentos em Altamira – Serviços..................................................... 328 Gráfico 27 – Admissões e desligamentos em Altamira – Comércio ................................................... 328 Gráfico 28 – Admissões e desligamentos em Altamira – Indústria..................................................... 328 LISTA DE MAPAS Mapa 1 – Definição da área em estudo: centros urbanos e unidades territoriais ................................. 20 Mapa 2 – Rede Urbana da Amazônia Legal – 1970 ............................................................................. 76 Mapa 3 – Rede Urbana da Amazônia Legal – 2010 ............................................................................. 78 Mapa 4 – Município de Souzel – 1874/1911 ......................................................................................... 97 Mapa 5 – Volta Grande do Xingu – 1896 ............................................................................................ 100 Mapa 6 – Altamira – Pontos de Ocupação entre os séculos XVII e XIX ............................................ 101 Mapa 7 – Altamira na década de 1940 ............................................................................................... 109 Mapa 8 – Formação da Região de Influência de Altamira .................................................................. 124 Mapa 9 – Rede Urbana articulada por Altamira - 1995....................................................................... 128 Mapa 10 – Expansão Urbana de Altamira: 1960 – 2010 .................................................................... 137 Mapa 11 – Arranjo geral de Belo Monte ............................................................................................. 149 Mapa 12 – Sistema Elétrico Brasileiro ................................................................................................ 156 Mapa 13 – Deslocamentos de trabalhadores para Belo Monte .......................................................... 164 Mapa 14 – Altamira: caracterização intraurbana em 2010 ................................................................. 192 Mapa 15 – Localização das áreas comerciais de Altamira - 2010 ...................................................... 193 Mapa 16 – Bairros de Altamira em 2010 ............................................................................................. 197 Mapa 17 – População residente por setores censitários em 2000 e 2010 ......................................... 199 Mapa 18 – População residente por número de domicílios em 2000 e 2010 ..................................... 200 Mapa 19 – Rendimento médio por setores censitários em 2000 e 2010............................................ 202 Mapa 20 – Evolução da Malha Urbana de Altamira entre 1970 e 2014 ............................................. 204 Mapa 21 – Loteamentos Urbanos em Altamira - 2015 ....................................................................... 208 Mapa 22 – Núcleo Urbano de Altamira – ADA Urbana ....................................................................... 224 Mapa 23 – Deslocamentos da ADA Urbana para as RUC ................................................................. 227 Mapa 24 – Cobertura da rede de abastecimento de água ................................................................. 238 Mapa 25 – Cobertura do sistema de coleta de esgoto ....................................................................... 239 Mapa 26 – Valores observados dos terrenos urbanos de acordo com o caderno de preços ............ 245 Mapa 27 – Rede urbana de Altamira de acordo com a REGIC entre 1972 e 2007 ........................... 259 Mapa 28 – Altamira: REGIC e Divisão Urbano Regional .................................................................... 262 Mapa 29 – Rede Urbana de Altamira: Fluxos da produção agropecuária .......................................... 263 Mapa 30 – Níveis de integração entre os centros: demais temas - REGIC 2007 .............................. 264 Mapa 31 – Deslocamento para fins de trabalho e estudo – 2000 ...................................................... 266 Mapa 32 – Deslocamentos para fins de trabalho e estudo na RIA - 2010 ......................................... 269 Mapa 33 – Fluxos de atendimentos ambulatoriais na Região de Influência de Altamira ................... 274 Mapa 34 – Principais fluxos de transportes intermunicipais ............................................................... 279 Mapa 35 – Principais destinos e fluxos aéreos entre 1999 e 2014 (pousos e decolagens) ............... 281 Mapa 36 – Densidade de empresas criadas em Altamira entre 2010 e 2014 .................................... 324 Mapa 37 – Localização das empresas criadas entre 2010 e 2014 em Altamira - PA ........................ 326 file:///C:/Users/JN/Dropbox/TESE%20-%20TEXTOS/TESE%20-%2024%20-%2010.docx%23_Toc465115867 file:///C:/Users/JN/Dropbox/TESE%20-%20TEXTOS/TESE%20-%2024%20-%2010.docx%23_Toc465115874 file:///C:/Users/JN/Dropbox/TESE%20-%20TEXTOS/TESE%20-%2024%20-%2010.docx%23_Toc465115898 file:///C:/Users/JN/Dropbox/TESE%20-%20TEXTOS/TESE%20-%2024%20-%2010.docx%23_Toc465115899 file:///C:/Users/JN/Dropbox/TESE%20-%20TEXTOS/TESE%20-%2024%20-%2010.docx%23_Toc465115902 file:///C:/Users/JN/Dropbox/TESE%20-%20TEXTOS/TESE%20-%2024%20-%2010.docx%23_Toc465115903 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 – Nexos de re-estruturação da cidade e da rede urbana ....................................................... 59 Figura 2 – Nexos de re-estruturação da cidade e da rede urbana em cidades médias do Brasil ........ 71 Figura 3 – Relacionamento funcional dos povoamentos da fronteira ................................................... 84 Figura 4 – Questões relacionadas às diferentes abordagens sobre a urbanização. ............................ 89 Figura 5 – Vista parcial de Altamira à margem do Xingu em fevereiro de 1955 ................................ 110 Figura 6 – Avenida Sete de Setembro em 1940 ................................................................................. 111 Figura 7 – Avenida Cel. José Porfírio em 1940 .................................................................................. 112 Figura 8 – Esquema de planejamento urbano-rural para o projeto Altamira-1 ................................... 119 Figura 9 – Agrópolis de Brasil Novo em 1970 ..................................................................................... 120 Figura 10 – Belo Monte e integração entre nos espaços de produção e consumo de energia ......... 159 Figura 11 – Áreas de maior concentração de trabalhadores (apenas obras) .................................... 167 Figura 12 – Esquema das relações entre os agentes locais em Altamira .......................................... 171 Figura 13 – Anel de agentes e processos sob o efeito da usina de Belo Monte ................................ 173 Figura 14 – Estrutura urbana e os processos de crescimento da cidade segundo Burgess ............. 180 Figura 15 – Estrutura urbana de Altamira segundo Tourinho (2011) ................................................. 187 Figura 16 – Evolução da malha urbana de Altamira ........................................................................... 190 Figura 17 – Casas em palafitas no leito do Igarapé Ambé ................................................................. 196 Figura 18 – Diferentes situações do circuito imobiliário em Altamira ................................................. 215 Figura 19 – Fotos do Residencial Santa Benedita .............................................................................. 220 Figura 20 – Fotos do residencial Ilha do Arapujá ................................................................................ 222 Figura 21 – Painel Fotográfico da ADA Urbana .................................................................................. 226 Figura 22 – Painel Fotográfico das RUC e Vila dos Trabalhadores ................................................... 230 Figura 23 – Painel Fotográfico das ocupações irregulares ................................................................. 233 Figura 24 – Outdoor da Norte Energia em um dos pontos da cidade ................................................ 236 Figura 25 – Igarapé Altamira: antes e depois das intervenções paisagísticas ................................... 240 Figura 26 – Principais intervenções do projeto de requalificação urbana em Altamira ...................... 241 Figura 27 – Distância média das áreas habitacionais em relação à área central .............................. 243 Figura 28 – Casas de alto padrão em bairros periféricos de Altamira ................................................ 246 Figura 29 – Tipos de organização espacial dendrítica e capitalista avançada ................................... 260 Figura 30 – Tipos de unidades de atendimento presentes na RIA ..................................................... 304 Figura 31 – Definições das unidades territoriais do RIA por grupos de classificação ........................ 313 Figura 32 – Estabelecimentos do comércio varejista em Altamira ..................................................... 322 Figura 33 – Os nexos de re-estruturação da cidade e da rede urbana - Altamira e RIA.................... 331 file:///C:/Users/JN/Dropbox/TESE%20-%20TEXTOS/TESE%20-%2014-10-2016.docx%23_Toc464486476 file:///C:/Users/JN/Dropbox/TESE%20-%20TEXTOS/TESE%20-%2014-10-2016.docx%23_Toc464486480 file:///C:/Users/JN/Dropbox/TESE%20-%20TEXTOS/TESE%20-%2014-10-2016.docx%23_Toc464486499 LISTA DE SIGLAS ACIAPA Associação Comercial, Industrial Agropastoril ADA Área Diretamente Afetada ANAC Agência Nacional de Aviação Civil ANEEL Agência Nacional de Energia Elétrica BACEN Banco Central do Brasil BASA Banco da Amazônia S.A. CAGED Cadastro Geral de Empregados e Desempregados CCBM Consórcio Construtor Belo Monte CNAE Código Nacional de Atividade Econômica COFINS Contribuição para Financiamento da Seguridade Social COMARA Comissão de Aeroportos da Região Amazônica COOTAIT Cooperativa de Transporte Rodoviário de Passageiros COSAMPA Companhia de Saneamento do Pará DEMUTRAM Departamento Municipal de Trânsito EIA Estudo de Impacto Ambiental FAPESPA Fundação Amazônia Paraense de Amparo à Pesquisa FEBRABAN Federação Brasileira de Bancos FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Serviço FORT XINGU Fórum Regional de Desenvolvimento Econômico e Socioambiental da Transamazônica e Xingu GEDTAM Grupo de Estudos Desenvolvimento e Dinâmicas Territoriais na Amazônia HOTRAN Horário de Transporte IBAMA Instituto Brasileiro de Meio Ambiente IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ICMS Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços IDESP Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social do Pará IDH Índice de Desenvolvimento Humano IDHM Índice de Desenvolvimento Humano Municipal INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma agrária INFRAERO Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada IPI Imposto sobre Produtos Industrializados IPTU Imposto Predial e Territorial Urbano ISS Imposto Sobre Serviços de qualquer natureza ITBI Imposto de Transmissão de Bens Imóveis Inter-Vivos JUCEPA Junta Comercial do Estado do Pará LOTAP Loteamento Nossa Senhora de Aparecida MAB Movimento dos Atingidos por Barragens MDTX Movimento pelo Desenvolvimento da Transamazônica e Xingu MOC Módulo de Colonização MTE Ministério do Trabalho e Emprego MXVPS Movimento Xingu Vivo para Sempre NEPECAB Núcleo de Estudos e Pesquisas das Cidades na Amazônia OLAP Olaria Aparecida PAA Posto Avançado de Atendimento PAB Posto de Atendimento Bancário Especial PAC Programa de Aceleração do Crescimento PAE Posto de Atendimento Eletrônico PBA Plano Básico Ambiental PDRS-X Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável do Xingu PGE Projetos de Grande Escala PIB Produto Interno Bruto PIC Programa Integrado de Colonização PIN Programa de Integração Nacional PMCMV Programa Minha Casa Minha Vida POLAMAZÔNIA Programa de Polos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia RAIS Relação Anual de Informações REGIC Região de Influência das Cidades RIA Região de Influência de Altamira RIMA Relatório de Impacto Ambiental RMB Região Metropolitana de Belém RUC Reassentamento Urbano Coletivo SECTAM Secretaria Executiva de Ciência e Tecnologia e Meio Ambiente SEPLAN Secretaria de Planejamento do Município de Altamira SEPOF Secretaria Executiva de Planejamento, Orçamento e Finanças do Estado do Pará SERFHAU Serviço Federal de Habitação e Urbanismo SIN Sistema Interligado Nacional SINE Sistema Nacional de Emprego SMER Secretaria Municipal de Estradas de Rodagem SPVEA Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia STF Superior Tribunal Federal SUDAM Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia VAB Valor Adicionado Bruto ZFM Zona Franca de Manaus SUMÁRIO INTRODUÇÃO .............................................................................................................................................. 16 DEFINIÇÃO DO PROBLEMA ................................................................................................................................... 21 OBJETIVOS ............................................................................................................................................................ 23 O MÉTODO, AS TÉCNICAS E AS FONTES DA PESQUISA.............................................................................. 24 AS BASES CONCEITUAIS E A ESTRUTURAÇÃO DOS CAPÍTULOS ............................................................. 28 CAPÍTULO 1 – OS NEXOS DE RE-ESTRUTURAÇÃO DA CIDADE E DA REDE URBANA..................... 33 1.1 A CIDADE, O URBANO E A RE-ESTRUTURAÇÃO ...................................................................................... 38 1.1.1 Estrutura, Estruturação e o Espaço Social ........................................................................... 39 1.1.2 Teorizando a mudança: os nexos de re-estruturação ......................................................... 51 1.1.3 Cidades médias: transformações na forma urbana e redefinição dos papéis regionais . 64 1.2 CIDADES MÉDIAS NA AMAZÔNIA: RUPTURAS NA DINÂMICA ESPACIAL E OS NEXOS DA MODERNIDADE ..................................................................................................................................................... 73 1.2.1 A gênese e a estruturação da rede urbana na Amazônia .................................................... 74 1.2.2 As cidades médias na Amazônia e as diferentes abordagens de análise ......................... 83 CAPÍTULO 2 - DA CATEQUESE À INTEGRAÇÃO NACIONAL: UM HISTÓRICO DE ALTAMIRA E DE SUA REGIÃO DE INFLUÊNCIA ................................................................................................................... 90 2.1 NO CORAÇÃO DA “VOLTA GRANDE”: FUNDAÇÃO DA VILA E PRIMEIRAS OCUPAÇÕES.................. 92 2.1.1 Entre florestas, rios e cachoeiras: a conquista do Xingu. ................................................. 93 2.1.2 O Município de Souzel e a Vila de Altamira ........................................................................ 96 2.2 A ECONOMIA DA BORRACHA E A VIDA URBANA ................................................................................... 102 2.2.1 O significado da economia da borracha para a região do Xingu...................................... 103 2.2.2 A cidade de Altamira na alvorada do século XX................................................................. 106 2.3 DE PEQUENO NÚCLEO À CIDADE CENTRAL: ALTAMIRA E O PROGRAMA DE COLONIZAÇÃO .... 115 2.3.1 Uma nova concepção de desenvolvimento: o PIC Altamira ............................................. 116 2.3.2 A dinâmica territorial e composição da rede urbana ......................................................... 121 2.4 A EVOLUÇÃO URBANA DE ALTAMIRA E A AS CONSEQUÊNCIAS DA MIGRAÇÃO ........................... 129 2.4.1. Altamira e a absorção dos fluxos migratórios regionais ................................................. 130 2.4.2. As consequências da migração e os assentamentos urbanos ...................................... 133 CAPÍTULO 3 - A USINA HIDRELÉTRICA E SEU PAPEL NA DINÂMICA ESPACIAL: AGENTES, ESCALAS E PROCESSOS ........................................................................................................................ 140 3.1 DE KARARAÔ A BELO MONTE: PARA ENTENDER A BARRAGEM DO RIO XINGU ............................ 142 3.1.1 O Brasil no contexto das grandes hidrelétricas: o projeto Kararaô ................................. 143 3.1.2 Entre o Estado e o capital privado: nasce Belo Monte ...................................................... 147 3.2 BELO MONTE: AGENTES, PROCESSOS E ESCALAS DE AÇÃO ........................................................... 150 3.2.1 A instalação da Usina Hidrelétrica e as redefinições iniciais ........................................... 160 3.2.2 A redefinição do espaço político e as novas racionalidades: os agentes nas escalas local e regional................................................................................................................................ 168 CAPÍTULO 4 - METAMORFOSES DA CIDADE: ALTAMIRA E AS TRANSFORMAÇÕES ESPACIAIS INTERNAS .................................................................................................................................................. 175 4.1 A CIDADE DE ALTAMIRA E A ESTRUTURA ESPACIAL INTERNA .......................................................... 177 4.1.1 Notas sobre a estrutura espacial intraurbana da cidade capitalista ................................ 177 4.1.2 O espaço intraurbano antes de Belo Monte........................................................................ 185 4.2. UHE BELO MONTE E A REDEFINIÇÃO DO ESPAÇO INTRAURBANO ................................................. 203 4.2.1 O mercado, o Estado e os novos espaços residenciais .................................................... 206 4.2.2 As ações diretas da Norte Energia e a “requalificação urbana” ...................................... 234 4.3 SÍNTESE DAS PRINCIPAIS TRANSFORMAÇÕES NA CIDADE DE ALTAMIRA ..................................... 242 CAPÍTULO 5 - A USINA HIDRELÉTRICA E A REGIÃO DE INFLUÊNCIA DE ALTAMIRA (RIA) ........... 250 5.1 AS INTERAÇÕES ESPACIAIS E AS CENTRALIDADES URBANAS NA REGIÃO DE INFLUÊNCIA DE ALTAMIRA (RIA) ................................................................................................................................................... 255 5.1.1 A rede urbana de Altamira: REGIC e Divisão Urbano-Regional ........................................ 257 5.1.2 A mobilidade para fins de trabalho e de estudo na RIA .................................................... 265 5.1.3 Os deslocamentos para atendimento de saúde ................................................................. 273 5.1.4 As alterações recentes nos fluxos de transporte de passageiros ................................... 276 5.2 UHE BELO MONTE E AS ALTERAÇÕES RECENTES NA RIA ................................................................. 285 5.2.1 Os indicadores populacionais e a dinâmica econômica regional: o efeito Belo Monte..286 5.2.2 Novas atividades econômicas e o papel central de Altamira............................................ 313 5.3 ALTAMIRA E OS NEXOS DE REESTRUTURAÇÃO DA CIDADE E DA REDE URBANA ....................... 329 CONCLUSÃO ............................................................................................................................................. 337 REFERÊNCIAS........................................................................................................................................... 355 16 INTRODUÇÃO 17 tese a ser comprovada nesta pesquisa é a de que a instalação da usina hidrelétrica de Belo Monte atua enquanto um evento de re-estruturação da cidade de Altamira e da região sob sua influência. A despeito do que se denomina, aqui, de “re-estruturação”, deve-se considerar uma realidade em que seja possível combinar tanto os elementos da estruturação (que remetem às fases anteriores, mais duradouras ou tradicionais de constituição espacial) quanto da reestruturação (relacionada ao novo, àquilo que representa uma qualidade diferente do que se apresentava anteriormente). Essa realidade decorre da capacidade do grande empreendimento hidrelétrico em acelerar processos espaciais que anteriormente se caracterizavam como pouco dinâmicos, além de criar práticas e processos novos, inéditos ao local e à região, porém devidamente alinhados aos interesses hegemônicos. O resultado é uma realidade formada por uma gama de situações complexas e de difícil classificação, que designam formas híbridas e lógicas bem particulares de constituição capitalista. As implicações espaciais da instalação de grandes empreendimentos na Amazônia, como estradas, usinas hidrelétricas e indústrias de mineração, têm sido objeto de várias frentes de análise em Geografia, a exemplo de estudos em Becker (1990), Trindade Jr & Rocha (2002) Silva (2013), Trindade Jr. et al (2016), dentre outros. Estes trabalhos apresentam importantes elementos a respeito da nova forma do urbano após a integração da Amazônia à economia nacional e confirmam o papel transformador dos grandes projetos de infraestrutura nesses contextos particulares. Ocorrem, portanto, redefinições espaciais na proporção em que a racionalidade hegemônica (mediada por esses objetos) passa a determinar o ritmo das ações, 18 mobiliando fluxos, pessoas, relacionamentos, formas de usos do solo e novos ordenamentos. Em vista disso, nas áreas em que se instalam esses empreendimentos o espaço se altera profundamente, novos sujeitos se instalam, alguns desaparecem e outros passam a redesenhar sua ação. Na pesquisa aqui delineada, a ideia inicial partiu da articulação entre três importantes processos: a) a instalação da usina de Belo Monte no rio Xingu e as redefinições espaciais resultantes; b) a dinâmica intraurbana de Altamira-PA após a instalação do grande empreendimento hidrelétrico; e c) as formas e características da rede urbana articulada ao centro urbano de Altamira e as transformações advindas do projeto hidrelétrico. Em função da complexidade e da abrangência que envolvia cada um desses processos, buscou-se os vínculos teóricos necessários para se construir uma proposta unificada e se elaborar as questões fundamentais. Empreendeu-se, a partir de então, uma análise dos trabalhos mais recentes em realidades urbanas semelhantes a que se pretendia estudar, chegando-se aos autores1 que abordam a respeito das cidades médias e dos papéis que estas desempenham no Brasil contemporâneo. Nas diferentes obras analisadas, observou-se uma associação recorrente entre os dados apresentados e as perspectivas da “reestruturação da cidade” e da “reestruturação urbana”, sobretudo ancoradas no trabalho de Soja (1993) e de Sposito (2005). A partir de então, os esforços foram direcionados a compreender a relação entre a produção de energia elétrica e a reestruturação produtiva do capitalismo, de modo a perscrutar os elementos teóricos e empíricos para se articular o geral e o particular no âmbito da pesquisa. As formulações que resultaram deste estudo preliminar, entretanto, não foram muito promissoras2, gerando uma perplexidade inicial que deu um novo impulso ao projeto de tese. Foi necessário um tempo relativamente longo até se perceber que o encaixe arbitrário entre o fenômeno da usina hidrelétrica e o tema da reestruturação precisava ser melhor formulado. A partir desse momento, começa a nascer a antítese necessária ao desenvolvimento do 1 A maior parte desses autores será referenciada no Capítulo 1 desta tese. 2 Pelo menos dois trabalhos foram apresentados em eventos nacionais por parte do autor desta tese e que abordam esse aspecto: o artigo “Mobilidade do trabalho e reestruturação urbana em cidades médias: UHE Belo Monte e as transformações na cidade de Altamira-PA” apresentado no III Simpósio Internacional Cidades Médias – III CIMDEPE e o artigo “UHE Belo Monte e a reestruturação da cidade de Altamira-PA: agentes, processos e redefinições espaciais”, apresentado no Encontro Nacional da ANPEGE. Ambos relacionam o tema em questão ao tema da reestruturação urbana e da restruturação da cidade, respectivamente. 19 projeto, representada pela negação da conjunção teórico-empírica anteriormente empreendida. Tornava-se cada vez mais evidente que as formulações até então desenvolvidas a respeito do fenômeno urbano no Brasil explicavam apenas em parte o que estava acontecimento em Altamira e em sua região de influência. As abordagens correntes a respeito de crise e reestruturação urbana (SOJA, 1993), de reestruturação urbana e reestruturação da cidade (SPOSITO, 2005), de ajuste espacial (HARVEY, 2005a) e da passagem da cidade à sociedade urbana (LEFEBVRE, 1999) ao mesmo tempo em que se mostravam relevantes, precisavam de algum tipo de explicação adicional para chegar a uma formulação coerente. Essa explicação adicional não poderia surgir de outra forma a não ser por um estudo mais aprofundado a respeito dos conceitos de estrutura, estruturação e suas relações com o espaço social. A partir dessa prospecção teórica, chega-se a uma formulação denominada de “nexos de re-estruturação da cidade e da rede urbana”, que designa uma forma metodológica necessária para ler a realidade de Altamira e de sua região de influência em seu movimento, com camadas e nuances necessárias para divisar o novo e o velho em processo de transformação. Não há, por conseguinte, uma passagem total, um salto de um momento qualitativo para outro, mas nexos que vão, gradativamente, alterando suas qualidades individuais até um momento de irrupção. Para que essa formulação seja compreendida de forma mais nítida, é necessário conhecer as diferentes etapas trilhadas ao longo deste trabalho, a começar pelo percurso metodológico adotado e alguns detalhes importantes da pesquisa. Nesta introdução, serão apresentados os elementos que deram base ao trabalho: os objetivos propostos, o método de análise e os procedimentos metodológicos utilizados. Faz-se necessária, também, uma caracterização da área em estudo a fim de se entender com maior clareza os estágios subsequentes, como se propõem a seguir: CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA EM ESTUDO Uma das ideias correntes neste trabalho é a possibilidade de se compreender a cidade como centro de região ou, como sugere Santos (1965, p. 137), como “o núcleo responsável pela coordenação e direção das diferentes atividades do espaço organizado em seu derredor”. Apesar de tal noção parecer ultrapassada em áreas Localização 0 62 124 186 248 Km Escala Gráfica Informações Base de dados: Malha digital do IBGE Elaboração: Prof. Me. José Queiroz de Miranda Neto - Universidade Federal do Pará - UFPA. Sistema de Projeção: SIRGAS 2000 DEFINIÇÃO DA ÁREA EM ESTUDO: CENTROS URBANOS E UNIDADES TERRITORIAIS - 2010 Legenda Maranhão Tocantins Mato Grosso Amazônas Amapá OCEANO ATLÂNTICO Altamira Centros Urbanos Distrito de Castelo dos Sonhos Rodovias federais Município de Altamira Municípios da Região de Influência de Altamira Região de influência de Altamira Demais municípios - Pará Unidades de Conservação Terras Indígenas Massa d’água Demais estados do Brasil Mapa 1 - Definição da área em estudo: centros urbanos e unidades territoriais Fonte: Malha Digital do IBGE; Organização: José Queiroz de Miranda Neto.. 20 mais dinâmicas do país3, não se pode negar a sua atualidade em regiões que ainda preservam características de ocupação na fronteira. Em algumas porções da Amazônia, onde as distâncias entre os centros locais de diferentes redes urbanas podem ser muito grandes, certas localidades centrais (capitais regionais ou centros sub-regionais) podem constituir a principal (se não a única) referência para a aquisição de bens e serviços de maior importância. Desse modo, cidade e região precisam ser devidamente articuladas tendo em vista reconhecer como estes se relacionam ao empreendimento hidrelétrico de Belo Monte. A área efetiva de estudos corresponde aos centros urbanos na confluência entre o rio Xingu e a Rodovia Transamazônica (BR-230), a saber: Altamira, Anapu, Brasil Novo, Medicilândia, Pacajá, Senador José Porfírio, Uruará, Vitória do Xingu e Porto de Moz. Esses centros foram produzidos em lógicas distintas de ocupação da região, iniciando-se com a antiga cidade de Souzel (atual Senador José Porfírio), que a partir do desenvolvimento da economia da borracha no início do século XX perde sua importância econômica para Altamira, em especial no que concerne ao tamanho populacional e à presença de serviços urbanos importantes. Altamira, juntamente com Porto de Moz, Senador José Porfírio e Vitória do Xingu remontam essa história mais antiga, que reproduz os traços da colonização portuguesa na Amazônia. Mais tarde, com a construção da rodovia Transamazônica e com o desenvolvimento dos projetos de colonização dirigida a partir de 1970, surgem os centros urbanos de Pacajá, Brasil Novo, Medicilândia, Uruará e Anapu, consolidando a rede urbana sob a influência de Altamira. A região em questão é delimitada a partir de dois estudos complementares do IBGE. Primeiro, aquele que designa as Regiões de Influência das Cidades (REGIC) referente ao ano de 2007 (IBGE, 2008). Outro estudo distingue as regiões do Brasil baseadas na integração entre os centros urbanos em diferentes níveis, abarcando as respectivas áreas municipais, denominado Divisão Urbano-regional do Brasil (IBGE, 2013). Para fins de simplificação, se utiliza aqui a denominação Região de Influência de Altamira (RIA), que nada mais é que combinação entre os centros urbanos 3 Mesmo Milton Santos passa a analisar a rede urbana de outra maneira ao afirmar que “à medida que o país de industrializa ou melhoras suas comunicações internas, produz-se um verdadeiro ‘curto- circuito’. Aglomerações de um nível inferior não tem necessidade de passar pelas cidades do nível imediatamente superior, mas dirige-se diretamente às cidades mais importantes” (SANTOS, 1979, p. 227). Concorda que tal tendência é verdadeira para o Brasil, mas não é o que se observa em regiões que são menos afetadas pelo processo de industrialização e cujas distâncias tomam outras proporções. Mapa 1 - Definição da área em estudo: centros urbanos e unidades territoriais 21 definidos na REGIC e a as áreas municipais classificadas na divisão urbano-regional do Brasil, conforme indica o Mapa 1. Essa escolha se justifica por se constatar, de modo preliminar, que as interações espaciais que envolvem esses centros são mais fortes e, portanto, designam uma articulação bem definida. Altamira, por sua vez, é a cidade-sede do maior município do Brasil, com uma área de 159.695,938 km², superando a extensão de vários estados brasileiros e, mesmo, de países como Portugal e Suíça. Nesta unidade político-administrativa se encontram vastas e numerosas terras indígenas, assim como extensas unidades de conservação, muitas das quais criadas nos últimos anos por conta das políticas de ordenamento e gestão do território. Ao sul do município se localiza, também, o distrito de Castelo dos Sonhos, que contém um núcleo urbano de 6.528 habitantes (IBGE, 2010), situando-se a 970 km da cidade de Altamira (sede municipal). Dada essa elevada distância, o núcleo de Castelo dos Sonhos possui relações mais próximas com os centros urbanos do estado do Mato Grosso, como Guarantã do Norte e Matupá, não sendo efetivamente polarizado por Altamira do ponto de vista dos fluxos econômicos. Essa diferença se torna ainda maior se forem considerados os obstáculos territoriais entre ambos os núcleos, pois entre a sede municipal e o distrito existe um verdadeiro “tampão” de áreas indígenas e unidades de conservação, que correspondem a 65% da extensão territorial total. O Mapa 1 apresenta a área em estudo, com os centros urbanos vinculados à cidade de Altamira, as unidades territoriais municipais, as unidades de conservação e as terras indígenas presentes na região, dentre outras informações. Essa representação foi proposta para que o leitor tenha a dimensão mais próxima da realidade complexa em que se insere a região em estudo. DEFINIÇÃO DO PROBLEMA Entre 1970 e 2000, a região de influência de Altamira se desenvolveu rapidamente por ocasião do programa de colonização implantado ao longo da Transamazônica, materializando oito centros urbanos em uma área de expansão da atividade agropecuária. Neste contexto, a cidade de Altamira serviu como lócus de articulação dos serviços públicos e demais atividades do setor terciário e consolidou importantes funções intermediárias, notadamente por conta da distância que possui 22 em relação à Metrópole Regional (Belém) e também em relação às Capitais Regionais do estado do Pará (Santarém e Marabá). Tal situação geográfica permite que esta cidade se apresente como o principal centro provedor dos produtos e serviços de maior raridade que circulam na rede urbana e que, por conta de sua especificidade, atende os demais centros locais da região. Pelo reconhecimento dessas características, se concebe a cidade de Altamira como uma cidade média, que nas definições de Sposito (2005, p. 331) diz respeito àquela que apresenta “papeis de intermediação na rede urbana”, isto é, atua como um elo entre as grandes cidades e os centros locais, conferindo-lhe algumas propriedades diferenciadas no cenário nacional. A partir dessa ponderação, considera-se, a princípio, que as alterações de grande impacto nesse tipo centro urbano podem influenciar as mudanças no conjunto da rede, em especial por conta das funções que a cidade exerce como ponto de suporte das trocas regionais. A partir de 2010, quando é liberada a licença de instalação da usina hidrelétrica de Belo Monte, a cidade de Altamira começa a atravessar um conjunto de mudanças que alteram a sua estrutura interna e as suas propriedades enquanto centro urbano. Dentre as alterações mais importantes, é possível citar a ampliação da população urbana, a criação de novas infraestruturas, as alterações nas localizações residenciais, assim como a ampliação e a diversificação das atividades empresariais. Na escala regional, inicia-se o asfaltamento da transamazônica e o movimento de pessoas e mercadorias vai se tornando mais forte, alterando a intensidade de articulação entre os centros da RIA. Percebe-se, portanto, uma dinâmica social diferenciada por conta da introdução da usina hidrelétrica, marcada pela produção de novas formas espaciais e novas relações que envolvem a cidade e a rede urbana. Diante desse quadro de mudanças, questiona-se, então, em que medida os eventos desencadeados pela usina hidrelétrica de Belo Monte produzem uma reestruturação da cidade e uma reestruturação urbana em Altamira-PA e em sua região de influência? A partir desta questão principal, surgem outras que também precisam ser respondidas, como: de que forma se dão as alterações na estrutura espacial intraurbana de Altamira após a introdução da usina hidrelétrica de Belo Monte? E, por último, quais as implicações da usina hidrelétrica de Belo Monte nas articulações entre os centros urbanos na região de Influência de Altamira (RIA)? Essas questões definem a problemática da pesquisa e norteiam o trabalho em toda a sua extensão, reunindo os principais aportes teórico-metodológicos e instrumentos 23 necessários para a discussão do tema proposto. Do mesmo modo, os objetivos devem ser orientados a estas questões, conforme se verá a seguir. OBJETIVOS Esta tese possui como objetivo geral analisar os eventos resultantes da instalação da usina hidrelétrica de Belo Monte na cidade de Altamira-PA e em sua região de influência (RIA) a partir das perspectivas da reestruturação da cidade e da reestruturação urbana. A partir deste objetivo geral, desdobram-se os seguintes objetivos específicos: a) Entender as relações entre os conceitos de estrutura, estruturação e a constituição do espaço social, tomando-se como base a realidade de Altamira e de sua região de influência; b) Reconhecer os processos históricos que envolveram a cidade de Altamira e sua região de influência desde a formação das primeiras aglomerações até a constituição atual da rede urbana; c) Identificar as alterações na estrutura espacial intraurbana de Altamira a partir da introdução da usina hidrelétrica de Belo Monte, verificando os agentes e os processos sociais relacionados; d) Evidenciar de que forma os eventos resultantes da construção da usina hidrelétrica alteram a articulação entre os centros urbanos na RIA e/ou implicam no papel de centralidade conferido à Altamira. Para atingir esses objetivos, o presente estudo examinou as mudanças estruturais mais importantes no âmbito do espaço intraurbano e, também, os aspectos que dizem respeito à rede urbana. Desse modo, empreende-se uma análise multiescalar, tendo em vista as mudanças na ordem local, assim como a posição de Altamira na constituição da rede urbana correspondente. Tendo em vista a complexidade da tarefa proposta, recorreu-se a alguns elementos de análise adotados pela Rede de Pesquisadores sobre Cidades Médias (ReCiMe), que reúne um conjunto de temas de pesquisa e sugere metodologias importantes para as investigações em 24 curso sobre as cidades médias no Brasil e em alguns países da América Latina. Esse alinhamento se dá, também, por conta da vinculação desta tese ao projeto desenvolvido na UNESP de Presidente Prudente, denominado “Redes urbanas, cidades médias e dinâmicas territoriais”, uma vez que trata da complexidade funcional de um centro urbano no interior da Amazônia, moldado de acordo com as lógicas contemporâneas do capitalismo. Nesta direção, pretende-se contribuir junto aos pesquisadores que se dedicam a esse campo de estudos, de modo a adicionar conhecimentos e propor novos parâmetros metodológicos para a compreensão do tema. O MÉTODO, AS TÉCNICAS E AS FONTES DA PESQUISA O método utilizado na pesquisa é o Método Dialético, que em sua concepção clássica diz respeito àquele que “procede pela refutação das opiniões do senso comum, levando-as à contradição para chegar então à verdade, fruto da razão” (JAPIASSU; MARCONDES, 2006, p. 187). No que tange às especificidades do método, a concepção utilizada neste trabalho se alinha à abordagem desenvolvida por Karl Marx, a partir da qual se permite uma importante leitura social, conforme aponta Sposito (2004, p. 44) Para Marx, a dialética compreende necessariamente a noção de movimento na História. Esse movimento ocorre quando, na confrontação de tese e antítese, a síntese contém aspectos positivos da tensão e apresenta-se como estagio superior que, por sua vez, anterior, se coloca também como uma nova tese. Preserva-se, então, nesse enfoque, a leitura do movimento, da contínua transformação, do perpétuo vir-a-ser. Trata-se, portanto, de uma visão de mundo que concebe a história como perspectiva fundamental, mas que também agrega como componente intrínseco o “materialismo”, ou seja, “o papel constitutivo da ação transformadora na reprodução e na transformação das formas sociais” (BOTTOMORE, 2012, p. 376). Desse modo, a relação entre os homens e as condições materiais de sua existência, incluindo seus instrumentos, técnicas de trabalho e as formas de apropriação da natureza se transformam continuamente. Porém, em determinados momentos esses elementos se apresentam de forma mais 25 estável, de modo que se possa distinguir uma forma dominante, isto é, o modo-de- produção. É, portando, no reconhecimento das especificidades do modo-de-produção capitalista que reside o trabalho proposto, tendo em vista a forma particular em que este se reproduz em dada parcela do espaço. Do ponto de vista dos estudos mais recentes em Geografia Humana, entende- se que há uma inseparabilidade entre criação do espaço e o modos-de-produção, conforme indica Mendoza (1982, p. 150) ao afirmar que o entendimento do espaço supõe “aceitá-lo como um dos resultados dos processos de produção e historicamente atuantes no seio das estruturas sociais”. Nesse caso, a partir da compreensão dialética do espaço, este se torna, ao mesmo tempo, um produto e um produtor, pois na medida em que é produzido pela sociedade também age sobre a mesma, interferindo em sua organização, na dinâmica produtiva e do trabalho, assim como nos fluxos de pessoas e de matéria/energia. Por conta do método utilizado, o objeto de estudo deve ser analisado do ponto de vista de seu movimento, de suas transformações e de seu desenvolvimento articulados. Os fenômenos ligados à pesquisa são concebidos, então, como fatos sociais, produzidos em sua conexão com o mundo e gerados a partir das contradições inerentes ao movimento histórico. Por essa razão, diferentemente das abordagens empiristas ou abstratas que outrora se faziam presentes nos estudos sobre a cidade e o urbano, pretende-se, aqui, ampliar o horizonte geográfico a partir de uma análise voltada ao espaço social, que na concepção de Lefebvre (2000, pp. 20-21) “não pode, pois, ser isolado e estático. Se dialietiza: produto-produtor, suporte de relações econômicas e sociais”. É, portanto, a partir dessa vinculação entre o método de interpretação da realidade e a concepção teórico-filosófica de espaço que se desenvolve este trabalho. Por se tratar de uma perspectiva de estudo relacionada à ideia de “reestruturação”, é necessário encontrar no método proposto os aspectos que se relacionam às propriedades de movimento e de transformação. Entretanto, ao se tratar de processos complexos que acometem uma cidade ou uma extensa região, por exemplo, estes são compostos por diversos elementos (formas espaciais, processos sociais e diferentes aspectos da realidade que interagem em conjunto) que também estão em constante transformação, ainda que em diferentes intensidades. É, portanto, a interação entre esses elementos que dá qualidade à cidade e ao urbano ao ponto de distingui-los de outras cidades e de outros urbanos. Esse problema lógico 26 remete à lei dialética da transformação da quantidade em qualidade, isto é, quando uma dada mudança quantitativa atinge certa medida ao ponto de irromper as fronteiras em direção ao novo. Essa lei, segundo Lefebvre (1983 [1969], p. 215) “consiste na mediação através do qual a quantidade ataca a qualidade a fim de modificá-la”. De acordo com Cheptulin (1982, p. 216) as mudanças qualitativas “são bruscas, constituindo uma ruptura de gradaçã1969o e de continuidade. Por isso, as mudanças qualitativas são chamadas de saltos”. O exercício proposto neste trabalho consiste, então, em verificar as qualidades individuais das partes que formam o todo (os aspectos que, em conjunto, constituem a cidade e a região em estudo) e tentar discernir de que forma estes se alteram no contexto de instalação da usina hidrelétrica. Posteriormente se fará o movimento inverso, como sugere Lefebvre (1983 [1969], p. 210) “é sempre necessário voltar das partes ao todo, pois este é que contém a realidade, a verdade, a razão de ser das partes”. Através desse caminho, será possível identificar se as mudanças processadas a partir da usina hidrelétrica promovem (ou não) os saltos qualitativos para se relacionar, de fato, a realidade em estudo ao que se entende por reestruturação da cidade e reestruturação urbana. Além de se apresentar o método de análise, faz-se necessário, também, discorrer a respeito dos mecanismos de instrumentalização da teoria proposta: as fontes de dados e as técnicas de pesquisa utilizadas, de modo que se possa obter, na realidade concreta, os elementos que ajudam a dar respostas à problemática de pesquisa. As fontes de dados utilizadas na execução da pesquisa estão relacionadas aos centros de estudo, pesquisa e informação sobre as cidades no Brasil e a as instituições regionais e locais de planejamento, assim como as empresas responsáveis pela elaboração dos Estudos de Impacto Ambiental (EIA) e Plano de execução de projetos locais ligados ao projeto Belo Monte, como a LEME Engenharia e a Norte Energia S.A. Além destes, cabe destaque às pesquisas desenvolvidas junto ao Grupo de Estudos Desenvolvimento e Dinâmicas Territoriais na Amazônia - GEDTAM (Campus de Altamira/UFPA), que ofereceu suporte ao tema de pesquisa. Por se tratar de algumas especificidades relacionadas ao tema das cidades médias no Brasil, utilizou-se, também, algumas variáveis de pesquisa sugeridos pela ReCiMe, que se baseia em quatro eixos principais: 1) ramos de atividades econômicas que representam as ações dos novos agentes; 2) equipamentos e infraestruturas; 3) 27 dinâmica populacional e mercado de trabalho; 4) condições de moradia (SPOSITO; ELIAS; SOARES, 2010, p. 12). O Quadro 1 especifica as principais fontes de dados utilizadas de acordo as informações demandadas no projeto de tese: QUADRO 1 – PRINCIPAIS FONTES DE DADOS UTILIZADAS NA PESQUISA Fonte de Dados Informações necessárias Secretaria de Planejamento do Município de Altamira (SEPLAN) Dados sobre o crescimento e as tendências de ocupação da cidade de Altamira presentes no Plano Diretor Municipal. Instituições regionais e estaduais de planejamento e gestão (SEPOF, IDESP, FAPESPA). Dados conjunturais sobre a região em estudo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) Censo demográfico - Contagem da população, amostra de domicílios; Microdados do Censo Demográfico; Bases cartográficas municipais. Dados sobre a urbanização de Altamira Produto Interno Bruto Municipal Cadastro Central de Empresas Sistema Nacional de Emprego – SINE (Ministério do Trabalho e Emprego) Oferta de vagas em Altamira e região por atividade econômica. SISTEMA DATASUS/SESPA Dados de atendimento de saúde Banco Central do Brasil Dados sobre agências bancárias, postos de atendimento e atividades financeiras. Junta Comercial do Estado do Pará Dados sobre as empresas instaladas na cidade de Altamira após a implantação da usina hidrelétrica. RAIS e CAGED (Ministério do Trabalho e Emprego) Informações sobre trabalho e emprego. Eletronorte, LEME Engenharia, ELETROBRÁS e Norte Energia S.A. Planos de reassentamento, Plano de requalificação urbana; dados sobre domicílios na Área de influência direta. Fonte: Elaboração Própria Dadas às características do trabalho proposto, utiliza-se como principais técnicas de pesquisa a manipulação de dados secundários, obtidos por órgão oficiais, empresas e instituições nacionais, regionais e locais de referência, cujas informações deverão ser trabalhadas e confrontadas com entrevistas junto aos sujeitos locais, avaliações in loco (medições, observações) e registros de campo (fotografias). O Quadro 2 apresenta, de modo sucinto, as técnicas de pesquisa conforme o tipo de informação a ser obtido. 28 QUADRO 2 - TÉCNICAS DE PESQUISA CONFORME A FONTE DE DADOS OBTIDA Tipo de Informação Técnica utilizada Dados históricos da urbanização e da estruturação das cidades médias na Amazônia, com ênfase para a formação cidade de Altamira e de sua região. Pesquisa bibliográfica Manipulação de dados secundários Entrevistas abertas. Informações sobre a caracterização atual das cidades na Amazônia, com destaque a região de influência de Altamira (RIA) Pesquisa bibliográfica Manipulação de dados secundários. Caracterização da dimensão intraurbana da cidade de Altamira; Pesquisa bibliográfica Manipulação de dados secundários Entrevistas aberta. Avaliações in loco Registros de campo Influência da Usina Hidrelétrica de Belo Monte na configuração urbana regional; Pesquisa bibliográfica Manipulação de dados secundários Entrevista aberta. Fonte: Elaboração Própria Pela forma em que se estruturam as informações oficiais no Brasil, que se baseiam prioritariamente nas unidades municipais como fonte de referência para a pesquisa (como faz o Censo Demográfico, por exemplo), por vezes se utiliza a definição de “município” ao invés de “centro urbano” ou de “cidade”. Tal distinção se faz pela natureza das informações obtidas, embora se reconheça que algumas variáveis se estabelecem prioritariamente nos centros urbanos, como a instalação de agências bancárias ou o levantamento das atividades de serviços, por exemplo. AS BASES CONCEITUAIS E A ESTRUTURAÇÃO DOS CAPÍTULOS Antes de adentrar ao desenvolvimento deste trabalho, algumas observações iniciais precisam ser feitas em relação aos conceitos utilizados, em especial aqueles que se repetem ao longo dos capítulos e, por isso, precisam ser definidos a priori. É necessário, também, apresentar cada um dos cinco capítulos delineados na tese, de forma a proporcionar ao leitor a melhor compreensão sobre a sequência lógica da mesma. No que diz respeito ao conceito de cidade, cabe uma definição que possa reunir as características mais gerais e, ao mesmo tempo, esteja alinhada com a proposta definida na presente pesquisa. Nesta direção, utiliza-se a definição de Beaujeu-Garnier (1980, p. 22) de cidade como “uma organização medianeira entre os indivíduos e grupos locais, por um lado, e o meio exterior, por outro”. Seria, então, um 29 ente capaz de proteger e, ao mesmo tempo, de perturbar a relação entre os homens e as sociedades, conectando-os entre as diferentes escalas (BEAUJEU-GARNIER, 1980, p. 22). Ao se trabalhar com as transformações que envolvem a cidade e a região, utiliza-se também o conceito de sistema urbano, que remete à “construção de modelos sobre as relações e processos sociais e econômicos que determinam o padrão geográfico urbano” (CLARK, 1982, p. 128). Neste último caso, será uma referência bem mais utilizada para o estudo das relações entre as cidades e as zonas sob sua influência. Essas relações, por sua vez, se tornam possíveis pela mediação das redes urbanas, que seriam, de acordo com Beaujeu-Garnier (1980, p. 406) “um facto espacial de repartição dos elementos (aqui, as cidades) no interior de um quadro (a região, a nação...)”. No que diz respeito ao papel desempenhado pela usina hidrelétrica enquanto um fator de transformação, considera-se que este grande objeto técnico seja um portador de “eventos”. Na definição de Santos (2014a, p. 95) um evento é “resultado de um feixe de vetores, conduzidos por um processo, levando uma nova função ao meio preexistente”. No caso em questão, esse feixe de vetores corresponderia às ações diversas (normas, acordos e decisões tomadas nas escalas nacional e global) necessárias ao desenvolvimento do grande empreendimento hidrelétrico. Esse evento, entretanto, apenas se completa quando integrado ao meio (SANTOS, 2014a), que acontece nas escalas regional e local. Para se analisar relação entre os eventos suscitados pelo grande projeto e o meio local/regional em que se integram, utiliza-se recorrentemente o conceito de forma-conteúdo, que, segundo Santos (2014a, p. 25), corresponde a “uma forma que não tem existência empírica e filosófica se a considerarmos separadamente do conteúdo, e um conteúdo não poderá existir sem a forma que a abrigou”. Por essa definição, será possível entender que cada novo objeto produzido é, também, o resultado de ações geradas pela sociedade em seu movimento. Por conseguinte, este objeto será igualmente responsável por produzir transformações na ordem social (SANTOS, 2014a). Ao longo do trabalho, outros conceitos serão desenvolvidos e devidamente esclarecidos ao leitor. Em cada capítulo produzido, há uma ideia central a ser evidenciada e que ajuda a responder as questões delineadas na pesquisa, reunindo os elementos teóricos e empíricos necessários. 30 No Capítulo 1, denominado Os nexos de re-estruturação da cidade e da rede urbana, pretende-se entender de que forma é possível associar o tema em estudo às perspectivas de análise da reestruturação da cidade e da reestruturação urbana (SOJA, 1993; SPOSITO, 2005). De início, busca-se encontrar as relações entre estrutura, estruturação e o espaço social, com a contribuição de autores que abordam esse tema desde as suas concepções mais gerais (SAUSSURE, 2006; PIAGET, 1979) até as acepções mais próximas da análise espacial (HARVEY, 1980; CASTELLS, 2000; SOJA, 1993; LEFEBVRE, 1973 e SANTOS, 2004). A partir do debate travado com esses autores, desenvolve-se a proposta dos “nexos de re- estruturação da cidade e da rede urbana”, produzida com a finalidade de analisar o fenômeno que atinge a cidade de Altamira e a sua região de influência como multiescalar e multitemporal, interpretando as mudanças (os nexos) em seu movimento de transformação. Ainda no Capítulo 1, apresentam-se algumas particularidades da rede urbana na Amazônia, com destaque ao papel conferido às cidades médias a partir da década de 1970. Tendo em vista as características evidenciadas na realidade amazônica, pelo menos três abordagens de análise são utilizadas para reconhecer as especificidades do contexto urbano regional: a “urbanização desarticulada” (BROWDER; GODFREY, 2006), a “urbanodiversidade amazônica” (TRINDADE JR., 2011) e as “cidades médias de responsabilidade territorial” (SCHOR; MORAES, 2008). As definições deste capítulo são, portanto, fundamentais para o desenvolvimento da tese em toda sua extensão. Ao considerar o materialismo histórico e dialético como princípio fundamental para o trabalho proposto, torna-se necessário buscar as determinações históricas para a análise do fenômeno urbano e da constituição das cidades na região em estudo. No Capítulo 2, denominado Da catequese à integração nacional: um histórico de Altamira e de sua região de influência, empreende-se um levantamento histórico-geográfico necessário para o desenvolvimento do trabalho, partindo da catequese indígena em meados do século XVII até o momento imediatamente anterior à instalação da usina hidrelétrica (por volta de 2010). Por conta da ausência de informações sistematizadas a esse respeito e tendo em vista preencher algumas lacunas em relação ao tema, preferiu-se fazer um levantamento mais detalhado da formação dos centros urbanos na confluência entre o rio Xingu e a rodovia Transamazônica. No capítulo em questão, os fatos apresentados são articulados a uma análise teórica mais dedicada sobre a 31 constituição da cidade e do urbano na Amazônia, em especial a partir das contribuições de Becker (1990) e de Corrêa (2006a). Devido à necessidade de se entender a problemática do empreendimento hidrelétrico e as implicações de sua instalação em diferentes escalas, no Capítulo 3, denominado A usina hidrelétrica e seu papel na dinâmica espacial: agentes, escalas e processos, reconstituiu-se a história de implantação da usina de Belo Monte e elencou-se os principais fatos relacionados à instalação deste grande projeto na região. O capítulo discute, além disso, a respeito das dimensões da produção, da circulação e do consumo de energia elétrica no Brasil, utilizando-se de esquemas explicativos para evidenciar de que forma o circuito da energia elétrica promove transformações em diferentes escalas espaciais e envolve diferentes sujeitos (representantes do Estado, do mercado e da sociedade civil). Trata-se, então, de uma parte do trabalho que pretende articular o tema da usina hidrelétrica às perspectivas mais atuais sobre reestruturação produtiva e reestruturação urbana, além de apontar outros aspectos relevantes. No Capítulo 4, denominado Metamorfoses da cidade: Altamira e as transformações espaciais internas apresenta-se as principais mudanças desencadeadas a partir da instalação do grande empreendimento hidrelétrico no espaço intraurbano de Altamira. Concede-se, nesta parte do trabalho, uma especial atenção aos aspectos que envolvem a expansão territorial urbana, as modificações no circuito imobiliário local, a atuação das empresas incorporadoras e as intervenções do Estado na oferta de residências do programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) e da Norte Energia S.A. na criação de loteamentos para fins de Reassentamento Urbano Coletivo (RUC). Discute-se, também, sobre a produção de novas formas- conteúdo na área central da cidade (construção de parques no leito dos igarapés e intervenções paisagísticas importantes). Ao final, apresenta-se um quadro síntese das transformações evidenciadas que, posteriormente, dão base à identificação dos nexos de re-estruturação da cidade. Um componente essencial deste trabalho, de acordo com o objetivo geral proposto, é saber de que maneira a construção da barragem de Belo Monte concorre para as mudanças nas articulações entre os centros urbanos da RIA e nos papeis centrais de Altamira em relação à sua rede urbana. Esse tema é desenvolvido no Capítulo 5, denominado A usina hidrelétrica e a região de influência de Altamira (RIA). Primeiramente, situa-se a região em estudo no âmbito da REGIC e das interações 32 espaciais levantadas pelo IBGE (deslocamento para fins de trabalho e estudo em 2000 e 2010), tendo em vista reconhecer as especificidades da rede urbana em destaque. Posteriormente, apresenta-se as alterações em relação aos atendimentos de saúde entre 2009 e 2013, de modo a se perceber a influência exercida pelo grande empreendimento em relação a esse tipo de atendimento. Por meio dos dados da população urbana regional, do PIB municipal e seus valores adicionados, das finanças públicas municipais, da atividade bancária e da atividade empresarial, argumenta-se a respeito do conjunto de alterações nos indicadores regionais que se associam as desigualdades internas da RIA. Discorre-se, também, a respeito das localizações da atividade empresarial em Altamira, tendo em vista as propriedades dos novos empreendimentos privados diante da expansão econômica verificada nos últimos anos. Ao final do Capítulo 5, reúne-se os diferentes elementos analisados ao longo do trabalho em uma síntese geral que contém o gráfico representativo dos nexos de re-estruturação da cidade e da rede urbana. Trata-se, então, do momento em que se consolida a presente tese, com a apresentação de 38 nexos distribuídos entre as escalas da cidade e da rede urbana e que se vinculam à estruturação, à reestruturação ou à transição entre ambos (os limiares). Nas considerações finais, apresenta-se uma síntese dos capítulos delineados, destacando alguns pontos de maior relevância, assim como as observações que não puderam ser elucidadas no desenvolvimento do trabalho. Por fim, são resumidas quatro sentenças que respondem a problemática de pesquisa, como forma de deixar mais clara ao leitor a contribuição efetiva da tese proposta. 33 CAPÍTULO 1 OS NEXOS DE RE-ESTRUTURAÇÃO DA CIDADE E DA REDE URBANA 34 ste capítulo foi desenvolvido com o objetivo de expor os fundamentos teóricos e metodológicos necessários para se compreender o processo de re- estruturação que envolve a cidade de Altamira e sua região de influência. A utilização do termo “re-estruturação” diz respeito a uma realidade que envolve tanto a estruturação quanto a reestruturação, a partir do reconhecimento de nexos4 que vinculam diferentes práticas, processos e acontecimentos nas esferas da cidade e da rede urbana. Para se chegar a essa definição, faz-se indispensável interpretar algumas das principais transformações contemporâneas pelas quais atravessam algumas cidades médias no Brasil, reunindo diferentes contextos regionais. Tal discussão surgiu da necessidade de se buscar elementos explicativos para a análise de cidades que se encontram distantes dos principais centros de desenvolvimento econômico do país e que, em função da disseminação dos novos vetores da modernidade, começam a se articular de forma mais intensa à dinâmica capitalista recente. Por essa perspectiva, são sugeridas algumas proposições teórico- metodológicas no sentido de se compreender de que forma se dispõem os nexos que conectam as escalas de análise do fenômeno urbano (da cidade e da rede urbana) às mudanças estruturais (da estruturação à reestruturação). Através desse caminho, será possível compreender que o contexto de instalação da usina hidrelétrica de Belo Monte produz alterações em diferentes âmbitos escalares e temporais da realidade urbana. 4 A definição de “nexo” e sua relação com o trabalho proposto serão definidas no item 1.2.2. 35 Uma das escolhas teóricas que norteia a tese proposta é a utilização do termo “cidade média” para se referir a um conjunto de qualidades e processos recentes que envolvem a cidade de Altamira. Tal escolha pode ser justificada pelo fato de se reconhecer na realidade em estudo alguns dos aspectos que já foram analisados em contextos semelhantes ao longo do país, em especial a partir dos trabalhos desenvolvidos pela ReCiMe5. Por se tratar de um conceito que envolve um olhar sobre cidade e a região, é importante desvendar os elementos teóricos que conectam os eventos desencadeados entre diferentes escalas de análise, sendo, por isso, necessário reconhecer determinados aspectos do fenômeno da urbanização de modo mais amplo. Por conta disso, os argumentos a seguir sugerem algumas das principais tendências da urbanização contemporânea relacionada às cidades médias em função da redefinição da lógica espacial capitalista. Por volta de 1970, a dinâmica do capitalismo mundial passa a ser marcada por uma crise do fordismo e pela emergência de uma economia flexível, como designa Harvey (2005a). Essa transição histórica possui fortes rebatimentos espaciais, na qual se verifica, dentre vários outros aspectos, um declínio das cidades industriais e uma desconcentração de população e atividades econômicas dos grandes centros para outros de menor porte. Trata-se, portanto, de um ajuste espacial que desponta como mecanismo de absorção da superacumulação de capital, uma vez que “promove a produção de novos espaços dentro dos quais a produção capitalista possa prosseguir no teste de novas possibilidades de exploração da força de trabalho” (HARVEY, 2005b, p. 172). Esse ajuste possibilita, igualmente, alterações dos padrões de crescimento do espaço de assentamento, como sugere Gottdiener (2010, p. 229) “tal processo envolve ao mesmo tempo aglomeração e descentralização dispersas numa escala regional em expansão”. Objetivamente, se verifica uma concentração de certas atividades estratégicas da ordem global (administração financeira e de turismo, sedes de grandes empresas, centrais de processamento de informações etc.) dentro de certos locais, enquanto que as atividades mais habituais relacionadas à indústria, ao comércio, aos serviços e às estruturas políticas abandonam as áreas de localização históricas (GOTTDIENER, 2010). 5 A esse respeito ressalta-se o conjunto de trabalhos que compõem a série “Cidades em Transição”, que evidenciam alguns detalhes da realidade urbana de Passo Fundo e Mossoró (ELIAS; PEQUENO, 2010), de Tandil e Uberlândia (ELIAS; SPOSITO; SOARES, 2010), de Chillán e Marília (SPOSITO; SOARES, 2012), Campina Grande e Londrina (ELIAS; SPOSITO; SOARES, 2013) e, mais recentemente, de Marabá e Los Ángeles (SPOSITO; ELIAS; SOARES, 2016). 36 Esse momento de transição é, também, teorizado por Soja (1993) que trabalha sob a perspectiva de uma “reestruturação”, isto é, de “uma ruptura nas tendências seculares e uma mudança em direção a uma ordem e uma configuração significativamente diferente da vida social” (SOJA, 1993, p. 193). Trata-se de um conjunto de modificações devidamente ancoradas no processo produtivo, porém com rebatimentos que vão para além dos circuitos espaciais da indústria, estendendo-se em toda a cadeia de relações entre a sociedade e o espaço. O desafio perpassa, portanto, pelas tentativas de espacializar esse processo de reestruturação em suas diferentes dimensões e escalas de análise, como forma de dar sentido teórico e prático às recentes transformações no mundo contemporâneo. Esse novo paradigma ensejou a reflexão sobre as novas dinâmicas regionais, com a formação de mercados integrados e competitivos, bem como ao estudo das novas relações entre as cidades, sugerindo a existência de uma “reestruturação urbana” (SOJA, 1993). Santos (1998) viu nessa transição a emergência de uma nova realidade onde “o próprio espaço geográfico pode ser chamado de meio técnico-científico- informacional” (SANTOS, 1998, p. 123). Este meio geográfico, por sua vez, propicia a ampliação das trocas de matéria e energia e promove uma maior solidariedade entre os lugares. No Brasil, uma importante feição dessa nova tendência diz respeito à desconcentração espacial de atividades que antes se faziam presentes nos centros econômicos de maior densidade técnica (as metrópoles) e que, agora, tendem a se localizar em espaços relativamente distantes dos grandes centros, porém verticalmente integrados através redes urbanas modernas e cada vez mais fluidas6 (as Regiões Concentradas do Brasil). Assim, “cada ponto do território modernizado é chamado a oferecer aptidões específicas à produção” (SANTOS & SILVEIRA, 2001, p. 105). Em certa medida, são as cidades médias e de porte médio que respondem a essas novas investidas do capital, permitindo a expansão das atividades industriais, comerciais e de serviços especializados para além dos centros históricos de concentração da economia nacional. É evidente, entretanto, que se trata de um processo incompleto, desigualmente distribuído e não homogêneo. Nas regiões Sudeste e Sul, por exemplo, 6 De acordo com Santos (2009) ocorre no Brasil, ao mesmo tempo, uma tendência à metropolização e à desmetropolização, pois a superconcentração de pessoas e de atividade econômicas continua acentuada na metrópole, ainda que se verifique uma tendência paralela de crescimento e de mudanças de conteúdos em cidades intermediárias, sobretudo motivadas pela disseminação acentuada dos vetores modernos. 37 onde se tem um maior desenvolvimento dos transportes a partir de grandes autopistas e um emaranhado de estradas vicinais, bem como de aeroportos e intensa atividade aeroviária “a circulação se torna fácil e o território fluido. E essa fluidez do território tem como consequência uma acessibilidade (física e financeira) maior dos indivíduos” (SANTOS, 1998, p. 150). Há, portando, uma maior densidade da divisão do trabalho, com a presença de especializações urbanas e uma maior tendência à circulação da produção, à ampliação do consumo e à geração de riqueza. Nesse contexto, as cidades médias se ajustam a uma dinâmica mais ampla de integração das atividades, com centros que se dedicam a funções urbanas especializadas em uma zona de grande dinamismo do capital. Em contraste, nas regiões do país cuja divisão do trabalho é menos densa ocorre, como sugere Santos (2009, p. 58), uma “acumulação de funções numa mesma cidade e, consequentemente, as localidades de mesmo nível, incluindo as cidades médias, são mais distantes uma das outras”. Essa distância é apenas uma das evidências relacionadas à presença mais rarefeita de infraestruturas e demais fatores vinculados à disseminação da ciência, da tecnologia e da informação. A diferenciação entre cidades de mesmo nível na rede urbana se estende, igualmente, à existência de novos conteúdos e de formas de uso do solo distintas na escala intraurbana. Ao longo deste capítulo, serão citados alguns exemplos de cidades médias mais abertas à introdução de elementos novos da espacialidade capitalista e, portanto, mais tendentes a uma reestruturação. Outras, no entanto, ainda se constituem a partir de lógicas de estruturação há tempos arraigadas ao espaço e, por isso, não podem ser traduzidas propriamente como rupturas. Há, ainda, situações intermediárias em que os aspectos evidenciados na realidade empírica sugerem um estado de transição, que no trabalho em questão é analisado a partir do conceito de “limiar” sugerido por Batella (2013)7. As mudanças ocorrem, então, em diferentes intensidades e também sob uma multiplicidade de fenômenos particulares que podem, ocasionalmente, funcionar como oportunidades para a expansão do capital. A partir do caso da cidade de Altamira, constata-se a existência de um feixe de vetores relacionado à introdução da usina hidrelétrica de Belo Monte. Trata-se, portanto, de um evento (SANTOS, 2014a) que desencadeia diversos processos e práticas espaciais de diferentes sujeitos que, de modo vertiginoso, passam a produzir 7 Esse conceito e sua contribuição para o trabalho em questão serão definidos no item 1.1.2. 38 novas formas-conteúdo e alterar a dinâmica da cidade, além de interferir nos nexos que estruturam a rede urbana. Há, entretanto, um problema teórico que surge a partir deste conjunto de fenômenos, qual seja: o de definir em que medida aquilo que se processa na realidade em estudo corresponde, de fato, à produção de uma materialidade qualitativamente diferente do que se vinha produzindo até então. A resposta que se obteve é um pouco mais complexa e sua base de sustentação é esboçada ao longo deste capítulo. Em função da proposta delineada, não haveria outra forma de encaminhar essa discussão a não ser por uma leitura mais apropriada dos conceitos de estrutura, estruturação e reestruturação. Por conta disso, a primeira seção deste capítulo, denominada “A cidade, o urbano e a re-estruturação”, tenta abarcar esse aspecto, confluindo, ao final, em uma forma de ler as transformações pelas quais atravessam algumas cidades médias na atualidade a partir de um modelo explicativo denominado “nexos de re-estruturação da cidade e da rede urbana”. A segunda seção, nomeada “Cidades médias amazônicas: rupturas na dinâmica espacial e os nexos da modernidade” se dedica à interpretação de algumas particularidades das cidades médias amazônicas, tendo em vista situar a realidade de Altamira ao seu contexto mais próximo. Espera-se, com isso, a produção de uma base mais sólida para se reconhecer que o evento que atinge a cidade média em estudo se assenta nas diferentes escalas de re-estruturação espacial, de acordo com a disposição dos nexos que afetam a cidade e a rede urbana. 1.1 A CIDADE, O URBANO E A RE-ESTRUTURAÇÃO No âmbito das ciências sociais, tem sido utilizada de forma recorrente a palavra “reestruturação” seguida de seus adjetivos, como “reestruturação produtiva”, “reestruturação econômica” e “reestruturação espacial”. Nas últimas décadas, um dos debates florescentes nos estudos sobre a cidade e o urbano é aquele que busca evidenciar as mudanças recentes na constituição da espacialidade capitalista, levando alguns autores utilizar o termo “reestruturação urbana” (SOJA, 1993; SPOSITO, 2005; GOTTDIENER, 2010;) para se referir a esse quadro de mudanças. No entanto, esse constante olhar para frente não pode se furtar das permanências, daquilo que resiste às vezes de modo mais débil às vezes de forma mais firme. Em regiões onde o 39 capitalismo se desenvolve de maneira menos dinâmica, os vetores da modernidade se estabelecem lado a lado de elementos cuja tradição é mais longa, mais profunda e enraizada no espaço. Pretende-se, aqui, articular alguns dos principais usos dos termos estrutura e estruturação em relação às abordagens sobre o espaço social, tendo em vista situar o estudo da cidade de Altamira a uma dinâmica de re-estruturação que atinge as cidades médias em diferentes contextos regionais. Em princípio, aborda-se sobre o termo “estrutura” desde as suas concepções mais elementares até a sua utilização por alguns teóricos estruturalistas, de modo a compreender os princípios gerais que regem o seu funcionamento. Na sequência, o conceito fundamental a ser trabalhado é o de “estruturação”, com o intuito de evidenciar o caráter de constante transformação que experimentam os espaços na contemporaneidade. A partir de então, parte-se para uma forma de reconhecer as transformações em algumas cidades médias do Brasil, avaliando em que medida se pode estar tratando de uma nova realidade urbana fundada na ideia de “reestruturação” ou, de modo mais complexo, seja possível divisar uma lógica que inclua a interseção entre a estruturação e a reestruturação. 1.1.1 Estrutura, Estruturação e o Espaço Social Daqui em diante serão feitas algumas referências a respeito dos conceitos de estrutura e de estruturação, tendo em vista a necessidade de se reconhecer alguns dos elementos teóricos que fundamentam a análise corrente nessa Tese. A palavra “estrutura” possui uma ampla quantidade de definições de acordo com o ramo científico a que se relaciona. Segundo Bastide (1971), o termo provém do latim structura, que por sua vez se desdobra do verbo struere, no português “construir”. Tem, portanto, um sentido original voltado à ideia de edificação, de algo que é constituído a partir de partes que formam um todo e que nele estabelecem uma unidade. Tal conotação é bem recorrente no senso-comum, especialmente quando se faz referência a determinadas formas materiais construídas, como uma casa ou um edifício por exemplo. Japiassú e Marcondes (2006, p. 96) também apresentam uma concepção mais geral ao afirmar que se trata de um conjunto de elementos que “formam um sistema, um todo ordenado de acordo com certos princípios 40 fundamentais. A forma ou modo de ordenação desse sistema, considerado em abstrato”. Haveria, dessa forma, estruturas relacionadas a certas representações da realidade, como a estrutura do átomo, da língua portuguesa, da sociedade etc. De acordo com Abbagnano (2007, p. 438), a palavra estrutura é “por um lado, sinônimo de forma (...) e por outro lado, é sinônimo de sistema, como conjunto ou totalidade de relações”. Nas ciências matemáticas, a principal referência ao termo é feita por Bertrand Russell em sua obra “Introdução à Filosofia Matemática”, para o qual a estrutura corresponde às similaridades entre duas ou mais relações de elementos, formando um mapa ou um plano de uma relação (RUSSELL, 2006). Percebe-se aí a existência de equivalências entre diferentes relações de elementos que podem sugerir hipóteses sobre um universo com a mesma estrutura. Essa é uma descrição formal mais geral (sentido de forma, de constituição e de construção) e apresenta similitudes com outras acepções do pensamento científico e filosófico. A definição de estrutura enquanto sistema, por sua vez, foi utilizada por Ferdinand Saussure em seu Cours de linguistique générale, onde afirma que “a língua é um sistema cujas partes todas devem ser consideradas em sua solidariedade sincrônica” (SAUSSURE, 2006, p. 102). Há, portanto, uma relação de interdependência entre os elementos que formam a língua, os quais são constituídos em um espaço de tempo relativamente longo. Ainda de acordo com Saussure (2006, p. 112) “em língua, como um jogo de Xadrez, existem regras que sobrevivem a todos os acontecimentos”, em referência aos princípios gerais que existem independentemente dos fatos concretos. A partir dessa concepção sistêmica, começa-se a inferir sobre a existência de comportamentos que são comuns a diferentes comunidades de sujeitos, mas que não são percebidos de forma consciente pelos mesmos, de modo que apenas o pesquisador é capaz de compreender e explicar essas estruturas. Sobre essa característica, a maior referência é atribuída ao antropólogo Claude Lévi-Strauss em sua obra “As estruturas elementares do parentesco”, na qual afirma que “a evolução da sociedade humana mostra sucederem às estruturas lógicas - e não precedê-las - elaboradas pelo pensamento inconsciente” (LÉVI-STRAUSS, 1982, p. 312). Nestes termos, como afirma Piaget (1979, p. 51) “a estrutura não pertence à consciência e sim ao comportamento e o indivíduo adquire dela apenas um conhecimento restrito”. Traduz-se, portanto, em encadeamentos lógicos, em conexões mentais entre os indivíduos que representam o primado do social (do coletivo) sobre o mental (o “eu”, 41 o vivido). Estas estruturas subjacentes da sociedade se reproduzem nas relações concretas e nelas se realizam, porém apenas podem ser alcançadas a partir de uma formalização, isto é, de mediações teórico-metodológicas capazes de investigá-las e interpretá-las. Tal forma de se interpretar os fenômenos, que passa a ser adotada por vários autores de diferentes ramos do conhecimento científico – inclusive de alguns segmentos das ciências naturais, vale ressaltar8 – é denominada de “estruturalismo”, o qual, segundo Abbagnano (2007, p. 440) “é, ao mesmo tempo, método de investigação, análise epistemológica e conhecimento filosófico”. Dada a abrangência desse tipo de abordagem, o presente trabalho se concentrará tão somente no reconhecimento do conceito de estrutura, sem cuidar das bases de constituição do estruturalismo de modo mais amplo. Convém, agora, definir a ponte necessária para se reconhecer a importância do conceito de estrutura para a teoria do espaço social, de modo a se justificar os usos subsequentes deste termo. A definição de Piaget (197