Quelly Christina França Alves Schiave – Tese de Doutorado UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE MEDICINA UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS UFAM QUELLY CHRISTINA FRANÇA ALVES SCHIAVE PERFIL CLÍNICO E GINECOLÓGICO DE INDÍGENAS DA AMAZÔNIA BOTUCATU 2022 1 Quelly Christina França Alves Schiave – Tese de Doutorado QUELLY CHRISTINA FRANÇA ALVES SCHIAVE PERFIL CLÍNICO E GINECOLÓGICO DE INDÍGENAS DA AMAZÔNIA Tese apresentada à Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de Botucatu, para obtenção do título de Doutora em Tocoginecologia Aluna: Quelly Christina França Alves Schiave Orientador: Prof. Titular Agnaldo Lopes da Silva Filho BOTUCATU 2022 E GINECOLÓGICO DE INDÍGENAS DA AMAZÔN 2 Quelly Christina França Alves Schiave – Tese de Doutorado 3 Quelly Christina França Alves Schiave – Tese de Doutorado Dedicatória 4 Quelly Christina França Alves Schiave – Tese de Doutorado Dedico essa obra ao meu marido Arrison, um grande homem, que chora e sorri junto comigo, um homem que vive minhas lutas e conquistas, um grande companheiro, incentivador e um inigualável pai. 5 Quelly Christina França Alves Schiave – Tese de Doutorado Aos meus filhos, Sofia e Vitor, autores dos meus sentimentos mais profundos, do amor mais puro e verdadeiro. 6 Quelly Christina França Alves Schiave – Tese de Doutorado Agradecimentos Ao meu grande Deus por ter ouvido minhas orações, me sustentando em todo momento. Aos meu pais, por todas as orações à Deus em meu favor. Às minhas irmãs, mulheres fortes, batalhadoras que tiveram que correr para eu andar. Aos meus irmãos por todo carinho. À minha amada cachorrinha Amora, por ter sido tão presente em minha vida, por ter me dado tanto amor em todo o tempo. Ao Cacique Messias Kokama (†), por toda receptividade e acolhimento que teve comigo, como se eu fizesse parte do seu povo. Por intermédio dele, o impossível aconteceu resultando nesta pesquisa. À Vanda Witoto, por toda ajuda e participação ativa durante o contato com as mulheres indígenas e na realização da coleta de dados. Ao meu estimado orientador prof. Dr. Agnaldo Lopes da Silva Filho, por ter aceitado me orientar, fazendo com que esse sonho pudesse se tornar realidade. Sinto uma grande admiração pelo sr, e que honra a minha ter sido orientada por esse grande profissional que és. À querida profa. Dra. Débora Cristina Damasceno, que por amor à docência, nos guiou com muita sabedoria e paciência por esse caminho cheio de desafios. Cada ser humano é único, mas suas qualidades e competências devem ser “copiadas”, pois seu legado precisa ser continuado pelo bem da ciência. Obrigada profa., por ter sido luz na escuridão, por ter sido calor no frio, e por sido o amor nas dificuldades que enfrentamos. Obrigada. À minha querida amiga que o DINTER me presenteou, Dra. Hilka Flávia do Espírito Santo, obrigada por ter acreditado em mim, por ter segurado minha mão, por ter sido meu apoio. Com você, tudo se fez. Aos colegas do DINTER em Tocoginecologia, Alexandre Miralha, Bruno Monção Paolino, Carlos Henrique Esteves Freire, Francilene Xavier, Hilka Flávia Espírito Santo, Kleber Prado Liberal Rodrigues, Maria Raika Guimarães, Michel Tavares e Patrícia Leite Brito, por terem sido uma rede de apoio nessa jornada. À Profa. Dra. Selma Suely Baçal de Oliveira, Pro-Reitora Pós-Graduação UFAM, que não mediu esforços para a pareceria com a UNESP através do DINTER. À Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de Botucatu, pela oportunidade estendida para o norte do Brasil, em especial para o Amazonas. 7 https://www.youtube.com/watch?v=HGeY4JYohaU Quelly Christina França Alves Schiave – Tese de Doutorado À Universidade Federal do Amazonas -UFAM, o Instituto de ciências biológicas e seus Diretores, em especial ao professor Titular José Fernando Marques Barcellos e ao Departamento de Morfologia e seus Chefes profa dra Grazyelle Sebrenski da Silva, por ter me apoiado para a realização desta pesquisa. À todas as mulheres indígenas que participaram voluntariamente desta pesquisa, tornando tudo possível. 8 Quelly Christina França Alves Schiave – Tese de Doutorado Biografia da aluna Filha de Aristides e Izolina, casada com Arrison Schiave e mãe de dois filhos incríveis, Sofia e Vitor. Graduada em Fisioterapia pela Universidade Nilton Lins (UNINILTONLINS), no ano de 2004, pós-graduada em Terapia Manual e Postural pelo Centro Universitário de Maringá (CESUMAR) no ano de 2007. É mestra em Biologia Urbana, pela Universidade Nilton Lins (UNINILTONLINS) em 2009, tendo desenvolvido fisicamente o projeto de pesquisa intitulado “Protocolo para Relaxamento Muscular correlacionando Disfunção da Articulação Temporomandibular e Stress associado a Atividade Laboral” sob orientação da Profa. Dra. Mônica Ferreira Nozawa. Este estudo foi publicado na Revista Terapia Manual no ano de 2011. No ano de 2010, iniciou na docência, no curso de Fisioterapia na Faculdade Metropolitana de Manaus (FAMETRO), até ingressar na Marinha do Brasil como Fisioterapeuta no ano de 2013. Em 2015 foi aprovado no concurso para docente de carreira na Universidade Federal do Amazonas (UFAM), para a área de Anatomia, onde realiza diversos projetos de pesquisa, ensino e extensão, junto aos alunos do curso de Medicina, na área de Saúde da mulher e Anatomia. Participou como orientadora em diversos trabalhos apresentados em Congressos, tendo o trabalho apresentado no I Congresso Internacional de Saúde Única (interface mundial) por Thaise Farias Rodrigues como modalidade Acervo Saúde, intitulado “Alterações anatômicas na mulher gestante versus infecção urinária: uma estratégia de educação em saúde” recebido Menção Honrosa pelo prêmio de melhor trabalho aprovado pela comissão científica da Evento. Ingressou em 2019 no Programa de Pós- graduação em Tocoginecologia (Nível: Doutorado) pela FMB/UNESP para desenvolver o projeto intitulado “Perfil clínico e ginecológico de indígenas da Amazônia” sob a orientação do Prof. Dr. Agnaldo Lopes da Silva Filho. Durante o Doutorado orientou alguns projetos de pesquisa em fase de finalização. 9 Quelly Christina França Alves Schiave – Tese de Doutorado 10 Quelly Christina França Alves Schiave – Tese de Doutorado Considerações Gerais 11 Quelly Christina França Alves Schiave – Tese de Doutorado Os povos indígenas são os habitantes originários do território brasileiro antes da chegada dos europeus no final do século XV. Existe uma grande diversidade de povos indígenas no Brasil. Segundo critérios do Censo de 2010, a população de índios é de aproximadamente 817 mil. Uma parcela deles vive em tribos (aldeados) e sobrevivem por meio do cultivo de alimentos, bem como da caça e pesca (Silva, c2022). A FUNAI considera a população indígena em “povos indígenas isolados” para se referir, especificamente, a grupos indígenas com ausência de relações permanentes com as sociedades nacionais ou possuem pouca frequência de interação com não-índios ou com outros povos indígenas. “Povos indígenas de recente contato” são aqueles povos ou grupos indígenas que mantêm relações de contato permanente e/ou intermitente com segmentos da sociedade nacional e que, independentemente do tempo de contato, apresentam singularidades em sua relação com a sociedade nacional e seletividade (autonomia) na incorporação de bens e serviços. Com relação aos “indígenas urbanizados”, são aqueles que possuem interação e vivem em sociedade (FUNAI, c2022). Há confirmação do aumento da proporção de indígenas urbanizados. Segundo resultados preliminares do Censo Demográfico realizado pelo IBGE em 2010, dos 817.963 indígenas brasileiros, 502.783 deles vivem na zona rural e 315.180 habitam as zonas urbanas brasileiras (FUNAI, c2022) É um direito de cada indivíduo indígena viver da forma como quiser, seja isolado ou próximo da sociedade. Assim, um índio brasileiro tem direito de escolher se ele viverá com sua comunidade, em uma aldeia ou se ele viverá integrado em nossa sociedade. O fato dele viver isoladamente ou de forma integrada também não altera em nada o direito dos povos indígenas lutarem pela preservação de sua cultura e de suas terras. Portanto, um índio tem total direito de usar qualquer tecnologia presente em nossa sociedade, falar o idioma português e isso não afeta em nada a sua identidade enquanto índio (Brasil escola, c2022). Os registros históricos demonstram que a decisão de isolamento desses povos indígenas pode ser em função dos resultados negativos advindos com a interação social, como infecções, doenças, epidemias, morte, atos de violência física, espoliação de seus recursos naturais ou eventos que tornam vulneráveis seus territórios, ameaçando suas vidas, seus direitos e sua continuidade histórica como grupos culturalmente diferenciados. Esse ato de vontade de isolamento também se relaciona com a experiência de um estado de autossuficiência social e econômica, quando a situação os leva a suprir de forma autônoma suas necessidades sociais, 12 Quelly Christina França Alves Schiave – Tese de Doutorado materiais ou simbólicas, evitando relações sociais que poderiam desencadear tensões ou conflitos inter étnicos (FUNAI, c2022). Se a população indígena opta por viver em um contexto urbanizado, constata-se que a vulnerabilidade física e sociocultural desses povos indígenas surge ou se agrava devido à ausência de ações diferenciadas e específicas de atenção à saúde e prevenção de doenças infectocontagiosas; introdução de sistemas educacionais que não estão embasados em modelos metodológicos diferenciados e específicos, ou seja, que não atendem a uma relação de reconhecimento de outras formas de alteridade; a presença de missionários que desenvolvam o proselitismo religioso nas terras indígenas e a introdução de dinâmicas de uma economia de mercado e de consumo sem um processo de escuta aos povos indígenas quanto às expectativas e perspectivas dessas novas relações ou um acompanhamento que busque a valorização de suas próprias formas de organização socioeconômica (FUNAI, c2022). Como exemplo de indígenas que vivem em tribos urbanizadas, podemos citar o Parque das Tribos, que está localizado no Ramal Bancrevéa, no Bairro Tarumã, na zona oeste da cidade de Manaus. É formado como espaço pluriétnicos, com designação dos povos indígenas. Essa região foi formada em 2012, porém, ela ainda está em processo de reconhecimento por parte do Ministério Público (Estadual e Federal) como região de moradia para povos indígenas (Santos, 2016). O Parque das Tribos fica na periferia da capital amazonense, tem pouca infraestrutura, falta de saneamento básico e má distribuição de energia elétrica. Apenas em 2018 recebeu iluminação pública, asfaltamento e água. Há promessas para construção de uma unidade básica de saúde. A população indígena do Parque das Tribos vive em contexto urbanizado. Neste espaço, há 21 etnias e as mulheres são lideradas pela Cacique Lutana Kokama, que luta por melhores condições para existência desta população e pela reconexão com a cultura indígena em ambiente urbano. Buscam isso por meio da educação, arte e da saúde. As mulheres do Parque das Tribos desejam ser ouvidas, querem espaços e serem tratadas com respeito. Formada em pedagogia, Cláudia Baré viu na educação uma oportunidade de mostrar para a sociedade que o Parque das Tribos era sinônimo de fortalecimento cultural. Ela implementou lá a educação escolar indígena, por meio do Espaço Cultural Indígena Uka Umbuesara Wakenai Anumarehi. Considerando a necessidade de entender melhor uma tribo urbanizada na região Amazônica e visando introduzir o tema assoalho pélvico e a importância do reconhecimento do corpo por mulheres indígenas, decidimos nos inserir no Parque das Tribos. Para isso, foi realizado um contato com o Cacique Messias (†), do povo Kokama, que 13 Quelly Christina França Alves Schiave – Tese de Doutorado se interessou pelo estudo. Em seguida, houve um direcionamento para o advogado do Parque das Tribos, Dr. Isael Munduruku, que cuidou de todo o processo jurídico deste estudo. Após o Termo de Anuência ter sido assinado e o projeto ter sido submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), foi iniciado um projeto de extensão intitulado “Disfunções do Assoalho Pélvico e Qualidade de Vida”, no qual foram abordadas questões a respeito da saúde da mulher, sexualidade, doenças relacionadas às mulheres. Esse projeto de extensão foi orientado por mim, Quelly, e realizado com a finalidade de promover conhecimentos a respeito do tema e estabelecer contato com as mulheres para diminuir as barreiras culturais. A coleta de dados foi realizada com a ajuda da técnica de enfermagem do Parque das Tribos, Vanda Witoto, que luta pelos direitos das mulheres no local. Sendo assim, após a primeira aproximação com as mulheres indígenas deste parque, tivemos a oportunidade de introduzirmos o projeto de pesquisa relacionado à tese de Doutorado em questão. Referências Bibliográficas Silva, /DN. “Povos indígenas do Brasil”; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/brasil/o-indigenas (acesso em Aug8, 2022). https://www.gov.br/funai/pt-br/atuacao/povos-indigenas (acesso em Aug8, 2022). https://outraspalavras.net/outrasmidias/parque-das-tribos-mulheres-indigenas-lideram resgate cultural/ (acesso em Aug8, 2022). Santos GS. Territórios pluriétnicos em construção: a proximidade, a poiesis e a praxis dos indígenas em Manaus. 2016. Tese (Doutorado em Sociedade e Cultura na Amazônia) - Universidade Federal do Amazonas, Manaus, 2016. 14 Quelly Christina França Alves Schiave – Tese de Doutorado LISTA DE TABELAS e FIGURAS CAPÍTULO 1 / ARTIGO I Tabela 1 – Perfil clínico e sociodemográfico de mulheres indígenas urbanizadas do Amazonas ...............................................................................................................................29 Tabela 2 – Avaliação da ocorrência de incontinência urinária em indígenas do Parque das Tribos – Amazonas por meio do International Consultation on Incontinence Questionnaire – Short Form (ICIQ-SF) ............................................................................................................30 Tabela 3 –Composição e frequência de perda de gases, fezes líquidas ou sólidas em mulheres indígenas com incontinência fecal por meio do Questionário Wexner...................................31 Tabela 4- Avaliação dos fatores associados à ocorrência da incontinência urinária de indígenas urbanizadas que vivem no Parque das Tribos, Manaus/AM...................................................32 Tabela 5- Avaliação dos fatores associados à ocorrência da incontinência fecal de indígenas urbanizadas que vivem no Parque das Tribos, Manaus/AM...................................................32 CAPÍTULO 2 / ARTIGO 2 Tabela 1 – Escores de avaliação do Female Sexual Function Index – FSFI de indígenas urbanizadas do Amazonas ......................................................................................................50 Tabela 2 – Avaliação da disfunção sexual em mulheres indígenas urbanizadas do Parque das Tribos – Amazonas por meio do Questionário de Função Sexual Feminina (Female Sexual Function Index – FSFI) ..........................................................................................................50 Tabela 3 – Avaliação dos fatores associados com a ocorrência de disfunção sexual em mulheres indígenas urbanizadas do Parque das Tribos...........................................................51 Figura 1 – Escores dos índices de função sexual feminina de indígenas urbanizadas do Parque das Tribos – Amazonas de acordo com o Questionário Female Sexual Function Index (FSFI)......................................................................................................................................50 15 Quelly Christina França Alves Schiave – Tese de Doutorado LISTAS DE ABREVIATURAS E SIGLAS IST – Infecções sexualmente transmissíveis OMS – Organização Mundial de Saúde RANI – Registro Administrativo de Nascido Indígena TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido CEP – Comitê de Ética e Pesquisa UFAM – Universidade Federal do Amazonas CONEP – Comissão Nacional de Ética em Pesquisa com Seres Humanos UNIFESP – Universidade Federal de São Paulo DSEIs – Distritos Sanitários Especiais Indígenas IU – Incontinência urinária IUE – Incontinência urinária de esforço IUM – Incontinência urinária mista IUU – Incontinência urinária urgência IF – Incontinência Fecal ICS – Sociedade Internacional sobre Incontinência FSFI – Female Sexual Function Index PE - Pernambuco 16 Quelly Christina França Alves Schiave – Tese de Doutorado SUMÁRIO 1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS 18 1.1 Saúde da mulher indígena 18 1.2 Função sexual da mulher indígena 18 2. JUSTIFICATIVA 19 3. OBJETIVOS 19 3.1 Geral da Tese 19 3.2 Específicos referentes ao capítulo 1 19 3.3 Específicos referentes ao capítulo 2 19 CAPÍTULO 1: ANÁLISE DO PERFIL SOCIODEMOGRÁFICO E OCORRÊNCIA DE INCONTINÊNCIA URINÁRIA E FECAL EM MULHERES INDÍGENAS URBANIZADAS DA AMAZÔNIA 20 1. INTRODUÇÃO 24 2. METODOLOGIA 25 2.1 Tipo de estudo 25 2.2 Local de estudo 25 2.3 População de estudo 25 2.4 Delineamento amostral 26 2.5 Critérios de inclusão e não inclusão 26 2.6 Coleta de dados 26 2.6.1 Instrumentos para coleta de dados 27 Questionários de Perfil clínico e sociodemográfico 27 International Consultation on Incontinence Questionnaire – Short Form (ICIQ-SF) 27 Wexner 27 2.7 Análise estatística 27 3. RESULTADOS 28 4. DISCUSSÃO 33 5. CONCLUSÃO36 17 Quelly Christina França Alves Schiave – Tese de Doutorado REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 39 CAPÍTULO 2: ANÁLISE DA FUNÇÃO SEXUAL DAS MULHERES INDÍGENAS URBANIZADAS DA AMAZÔNIA 43 1. INTRODUÇÃO 46 2. METODOLOGIA 47 2.1 Tipo de estudo 47 2.2 Local de estudo 47 2.3 População de estudo 47 2.4 Delineamento amostral 47 2.5 Critérios de inclusão e não inclusão 47 2.6 Coleta de dados 48 2.6.1Instrumentos para coleta de dados: Questionário Female Sexual Function Index (FSFI) 48 2.7 Análise estatística 49 3. RESULTADOS 49 4. DISCUSSÃO 52 5. CONCLUSÃO53 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 56 CONSIDERAÇÕES FINAIS 57 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 58 APÊNDICES 59 Figura 1: Fluxograma de alocação da população do estudo 60 Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) 61 ANEXOS 64 ANEXO A – Aprovação do CEP/CONEP 65 ANEXO B - Questionário sociodemográfico e de saúde da mulher 65 ANEXO C - International Consultation on Incontinence Questionnaire - Short Form 67 ANEXO D - Questionário Wexner 68 ANEXO E - Questionário Female Sexual Function Index (FSFI) 68 18 Quelly Christina França Alves Schiave – Tese de Doutorado 1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS 1.1 Saúde da mulher indígena As mulheres indígenas constituem uma parte da população culturalmente distinta, que demanda a composição de uma política de saúde adequada aos contextos étnicos dos quais elas fazem parte. A pluralidade étnica e sociocultural dos povos indígenas coopera para que esse fragmento populacional seja extremamente complexo 1. A saúde indígena tem sido influenciada por diversas modificações envolvendo processos históricos, sociais, econômicos e ambientais nas diversas regiões do país ao longo do tempo, impactando, assim, o perfil da saúde dessa população. Em relação à saúde da mulher indígena, é necessário olhar sua identidade e o papel dessas mulheres porque constituem um grupo bastante suscetível ao desenvolvimento de doenças 2. Considerando essa questão e por se tratar de um grupo populacional vulnerável, as mulheres indígenas merecem uma atenção especial, com ações de saúde preventiva visando à melhora nos hábitos de vida para redução do aparecimento de doenças e obtenção de qualidade de vida e bem-estar, respeitando e reestabelecendo seus valores culturais que outrora foram desvalorizados 3. Além disso, é observado que as políticas públicas indigenistas ainda são insuficientes para atender às necessidades dos indígenas e, apesar dos esforços dos pesquisadores em desenvolver estudos com a população indígena, pesquisas específicas sobre a saúde da mulher indígena têm sido contempladas de forma bem limitada 4. 1.2 Função sexual da mulher indígena Devido ao modelo de sociedade instaurado desde a colonização, estando a mulher subordinada ao homem, o lugar feminino vem sendo conquistado pouco a pouco com a participação das mulheres em espaços gerais. Nesse cenário, as indígenas vivenciam diaria- mente o enfrentamento do preconceito por serem mulheres e por serem indígenas; lutam contra as desigualdades sociais e atuam na construção da Constituição cidadã, que marca a inserção mais evidente da mulher indígena na luta pelos seus direitos 5. Nos fóruns nacionais organizados por mulheres indígenas, o tema da saúde sexual e reprodutiva tem sido discutido entre essas mulheres. 6 Tendo sido observado condições pouco favoráveis para elas negociarem o sexo seguro, evitarem gravidez e, em geral, para tomarem decisões quanto à sexualidade e reprodução, o que as deixa expostas a infecções por transmissão sexual e outros agravos. Espera-se que os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres indígenas estejam de acordo com as tradições e com foco cultural, desde que essas culturas não violentem as 19 Quelly Christina França Alves Schiave – Tese de Doutorado mulheres e que sejam reconhecidas pelas políticas públicas 7, 8. A política de saúde direcionada às mulheres indígenas, no que diz respeito à questão sexual, ainda não apresenta resultados efetivos porque as informações epidemiológicas e da função sexual são escassas nessa população. É necessário considerar a diversidade, as especificidades socioculturais e o isolamento geográfico para criar estratégias diferenciadas que possibilitem o acesso à promoção da saúde a partir do diálogo intercultural para valorizar a participação das mulheres indígenas na formulação de políticas de atenção à sua saúde sexual e reprodutiva 9. 2. JUSTIFICATIVA Estudar a condição e realidade da saúde dos povos indígenas sobretudo das mulheres são necessárias pois é um assunto que, ao ser inserido na pauta de discussões de políticas de saúde pública dos brasileiros esquecidos, resgata o valor histórico e cultural dos povos indígenas, contribuindo, assim, com sua visibilidade para provocar boas práticas de saúde para esta população. O suporte em saúde pública transcultural tem sido abordado no Brasil, mas não houve registro sobre incontinência fecal e nem registro que direcione sobre a função sexual. Há poucos relatos da saúde sexual e reprodutiva da mulher indígena e incontinência urinária nessa população. Desta forma, é relevante a análise de dados levantados a partir desta pesquisa, fundamentando-se em uma perspectiva diferente, com foco na saúde sexual principalmente na função sexual das mulheres indígenas. 3. OBJETIVOS 3.1- Geral da Tese Avaliar o perfil clínico e ginecológico de mulheres indígenas urbanizadas no Amazonas. 3.2- Específicos referente ao capítulo 1 I- Descrever o perfil sociodemográfico de mulheres indígenas. II- Descrever as principais características clínicas das mulheres indígenas. III- Identificar a ocorrência de incontinência urinária em mulheres indígenas. IV- Identificar a ocorrência de incontinência fecal em mulheres indígenas. 3.3- Específicos referente ao capítulo 2 I- Investigar a presença de disfunção sexual em mulheres indígenas. II- Registrar os fatores associados à disfunção sexual. 20 Quelly Christina França Alves Schiave – Tese de Doutorado CAPÍTULO I 21 Quelly Christina França Alves Schiave – Tese de Doutorado ANÁLISE DO PERFIL SOCIODEMOGRÁFICO E OCORRÊNCIA DE INCONTINÊNCIA URINÁRIA E FECAL EM MULHERES INDÍGENAS URBANIZADAS DA AMAZÔNIA Analysis of the sociodemographic profile and occurrence of urinary and fecal incontinence in urbanized indigenous women in the Amazon Botucatu 2022 RESUMO A saúde indígena tem sido influenciada por diversas modificações envolvendo processos históricos, sociais, econômicos e ambientais ao longo do tempo, impactando o perfil de saúde 22 Quelly Christina França Alves Schiave – Tese de Doutorado dessa população. Justificativa: Estudar a respeito da realidade da saúde dos povos indígenas, sobretudo as mulheres, se faz necessário pois resgata o valor histórico e cultural desses povos. Sendo assim, é necessário pesquisar e discutir este tema para documentar a situação da saúde indígena no Brasil. Isto proporcionará visibilidade a fim de provocar boas práticas de saúde para esta população. Objetivo: Descrever o perfil sociodemográfico e as principais características clínicas das mulheres indígenas de Manaus. Metodologia: Estudo observacional do tipo transversal, realizado no Parque das Tribos em 95 mulheres indígenas com faixa etária acima de 18 anos. A coleta de dados ocorreu por meio da aplicação de questionários para obter informações sobre o perfil sociodemográfico e de saúde destas mulheres. Os questionários International Consultation on Incontinence Questionnaire – Short Form (ICIQ-SF) para identificar a presença de incontinência urinária e Wexner, que avalia a incontinência fecal, foram utilizados. Resultados: As indígenas avaliadas pertenciam a 21 etnias inseridas no contexto urbano, sendo que 52,6% das indígenas possuíam ensino médio completo e 44,2% realizavam atividades domésticas. A média de filhos das entrevistadas foi de 2,8 e o parto vaginal foi predominante (52,6%). 11,6% das indígenas praticaram atividade física regularmente e 38,9% apresentaram hipertensão arterial sistêmica. Sobre o perfil de saúde, 50,5% possuíam ciclo menstrual regular, 14,7% estavam no climatério, 36,8% usavam anticoncepcional, 3,2% tiveram câncer, 28,4% realizaram o exame preventivo e 22,1% das mulheres fizeram mamografia alguma vez na vida. Houve uma prevalência de 58,9% para incontinência urinária e de 5,3% para incontinência fecal. Conclusão: Devido ao distanciamento das raízes indígenas, os achados deste estudo permitem mostrar que o perfil de saúde das mulheres indígenas urbanizadas do Parque das Tribos está muito próximo ao das mulheres não indígenas. Palavras-Chave: Indígenas urbanizadas. Perfil de saúde. Incontinência urinária. Incontinência fecal. 23 Quelly Christina França Alves Schiave – Tese de Doutorado ABSTRACT Indigenous health has been influenced by several changes involving historical, social, economic and environmental processes over time, impacting the health profile of this population. Justification: Studying the reality of the health of indigenous peoples, especially women, is necessary because it rescues the historical and cultural value of these peoples. Therefore, it is necessary to research and discuss this topic in order to document the situation of indigenous health in Brazil. This will provide visibility in order to provoke good health practices for this population. Objective: To describe the sociodemographic profile and the main clinical characteristics of indigenous women in Manaus. Methodology: Observational cross-sectional study, carried out in Parque das Tribos with 95 indigenous women aged over 18 years. Data collection took place through the application of questionnaires to obtain information about the sociodemographic and health profile of these women. The International Consultation on Incontinence Questionnaire – Short Form (ICIQ-SF) to identify the presence of urinary incontinence and the Wexner questionnaire, which assesses fecal incontinence, were used. Results: The evaluated indigenous women belonged to 21 ethnic groups inserted in the urban context, with 52.6% of the indigenous women having completed high school and 44.2% performing domestic activities. The average number of children of the interviewees was 2.8 and vaginal delivery was predominant (52.6%). 11.6% of the indigenous women practiced regular physical activity and 38.9% had systemic arterial hypertension. Regarding the health profile, 50.5% had a regular menstrual cycle, 14.7% were in the climacteric, 36.8% used contraceptives, 3.2% had cancer, 28.4% underwent the preventive examination and 22.1% of women had a mammogram at least once in their lives. There was a prevalence of 58.9% for urinary incontinence and 5.3% for fecal incontinence. Conclusion: Due to the distance from indigenous roots, the findings of this study show that the health profile of urbanized indigenous women in Parque das Tribos is very close to that of non-indigenous women. Keywords: Urbanized indigenous. Health profile. Urinary incontinence. Fecal incontinence. 24 Quelly Christina França Alves Schiave – Tese de Doutorado 1. INTRODUÇÃO O Ministério da Saúde define a prática de ações educativas, preventivas, de diagnóstico, tratamento e recuperação no período da menarca, ciclo gravídico-puerperal e climatério como “atenção à saúde da mulher”. As medidas devem incluir controle e tratamento das infecções sexualmente transmissíveis (IST), câncer de colo de útero e de mama, além de outras necessidades identificadas a partir do perfil populacional das mulheres 1. As pesquisas no âmbito da saúde feminina englobam avaliação comportamental, demográfica e saúde reprodutiva. Com relação aos povos indígenas, essas pesquisas são limitadas, pois há poucos dados na literatura 2. Mesmo com o progresso na atenção da saúde indígena, esta população ainda apresenta maior proporção de óbitos sem assistência médica comparada aos brancos e a pior proporção de causas mal definidas 3. A Organização Mundial da Saúde (OMS) define saúde como “um Estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente ausência de afecções e enfermidades”. Então, trata-se de um direito essencial do homem, que deve ser garantido, independente de raça, de religião, da ideologia política ou da condição socioeconômica 4. No entanto, em virtude do contexto cultural, histórico e socioeconômico, esse direito muitas vezes é violado, atingindo grupos minoritários, principalmente as mulheres, e ser mulher indígena é ser duplamente minoria em virtude do gênero e da etnia. Por isso, essas questões são de extrema relevância, pois tais fatores interferem na qualidade de vida, bem como nas taxas de morbidade e mortalidade, além do acesso aos serviços de saúde 5. As doenças do aparelho digestivo e geniturinário estão entre as principais morbidades mais relatadas pelos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs) do Acre 6. Sobre essa temática, a incontinência urinária é uma realidade na população feminina no cenário global, caracterizada por perda involuntária de urina; um agravo de etiologia multifatorial, com prevalência estimada em até 39% entre os homens e de 6 a 25 vezes mais nas mulheres, podendo esse fato ser explicado pela anatomia da uretra feminina, que é mais curta quando comparada à do homem e, por condições comuns ao seu ciclo vital, que interferem no desempenho adequado do assoalho pélvico. Dentre os fatores de risco para ocorrência de incontinência urinária, cita-se idade, gravidez, paridade, climatério, utilização de medicamentos, cirurgias pélvicas, índice de massa corporal, exercícios físicos de alto impacto, tabagismo, dentre outros 7. 25 Quelly Christina França Alves Schiave – Tese de Doutorado A incontinência fecal (IF) é caracterizada pela perda não intencional de fezes sólidas ou líquidas, que pode prejudicar acentuadamente a qualidade de vida. Os distúrbios intestinais mais comuns são diarréia, trauma do esfíncter anal (lesão obstétrica ou cirurgia prévia), urgência retal e carga de doença crônica, que são considerados os principais fatores de risco para incontinência fecal. Outros fatores que podem ser incluídos são os distúrbios neurológicos, doença inflamatória intestinal e distúrbios anatômicos do assoalho pélvico 8. Alguns estudos relatam que é difícil estimar a verdadeira prevalência de IF na população em geral. No entanto, esses estudos sugerem que é na faixa entre 7 a 16% 9, 10. Além da avaliação médica, essas incontinências podem ser diagnosticadas por meio de questionários traduzidos e validados, como o International Consultation on Incontinence Questionnaire – Short Form (ICIQ-SF), que avalia a incontinência urinária e o Wexner que analisa a incontinência fecal 11, 12, 13. Com relação à saúde feminina indígena, ainda há muito o que pesquisar, analisar e discutir. Entretanto, parece haver uma barreira quanto às variáveis antropológicas, como estilo de vida e padrões culturais. A escassez sobre assuntos envolvendo saúde das mulheres indígenas na literatura, sobretudo relacionada à incontinência urinária e fecal, dificulta a tomada de decisões adequadas por parte dos profissionais de saúde para promover e recuperar a saúde dessa população. Nesse contexto, esse estudo é guiado pela hipótese de que as mulheres indígenas da Amazônia possuem incontinência urinária e fecal e perfil sociodemográfico distinto ao das mulheres não indígenas. Sendo assim, essa pesquisa visa avaliar o perfil clínico das mulheres indígenas urbanizadas. 2. METODOLOGIA 2.1- Tipo de estudo Estudo observacional transversal do tipo analítico. 2.2– Local de estudo O Parque das Tribos é uma região de moradia para povos indígenas 14, 15 localizado no Bairro Tarumã na Zona Oeste da cidade de Manaus, no estado do Amazonas, Brasil. 2.3 – População de estudo 26 Quelly Christina França Alves Schiave – Tese de Doutorado A pesquisa foi realizada em mulheres indígenas urbanizadas com auto declaração ou Registro de Administrativo de Nascido Indígena (RANI), com a faixa etária acima de 18 anos que vivem no Parque das Tribos. Essa população foi escolhida por terem suas associações representativas, pertencendo a um bairro da cidade de Manaus, o que facilita o acesso geográfico e a comunicação com elas. Além disso, essas indígenas têm fluência na língua portuguesa por terem sido alfabetizadas nas escolas missionárias na área indígena e pelo tempo de permanência em meio urbano. 2.4 – Delineamento amostral A amostra foi calculada com base na população alvo de 124 mulheres indígenas urbanizadas, apresentando erro amostral de 5,0% e confiança de 95%, totalizando amostra mínima de 94 indígenas, cujo cálculo da amostra foi realizado conforme equação apresentada: n= N × Z2× p(1−p) d2× ( N−1 )+Z2 × p(1−p) Onde: N = 124 (valor da população alvo); Z = 1,96 (valor da distribuição normal para 95% de confiança); p = 0,5 (valor esperado da proporção); d = 0,05 (valor do erro amostral). 2.5 – Critérios de inclusão e exclusão Os critérios de inclusão foram mulheres indígenas urbanizadas pertencentes a qualquer etnia do Parque das Tribos, com idade acima de 18 anos, comunicantes da língua portuguesa e que aceitaram participar da pesquisa assinando o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) (Apêndice). Seriam excluídas mulheres indígenas que estivessem grávidas, com infecção urinária e/ou que solicitasse o desligamento da pesquisa durante a coleta de dados. 2.6 - Coleta de dados O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa-CEP/UFAM e da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CONEP), sob o CAAE 15978919.9.0000.5020, parecer 3.943.090 (Anexo A). A coleta de dados foi realizada no período de junho a novembro de 2020, por meio de questionários que aborda questões sociodemográficas e perfil clínico da mulher indígena, incontinência urinária e incontinência fecal. Os questionários 27 Quelly Christina França Alves Schiave – Tese de Doutorado foram aplicados individualmente na residência das indígenas, sempre pela pesquisadora e técnica de enfermagem do Parque das Tribos. 2.6.1 – Instrumentos para coleta de dados:  Questionários de Perfil clínico e sociodemográfico: esses instrumentos continham questões com perguntas diretas com a finalidade de coletar informações a respeito da idade, ocupação, escolaridade, paridade, tipo de parto, hipertensão arterial sistêmica, ciclo menstrual, uso de anticoncepcional, climatério, realização de mamografia e preventivo (Anexo B).  International Consultation on Incontinence Questionnaire – Short Form (ICIQ- SF): esse instrumento foi utilizado para avaliar a incontinência urinária. Apresenta informações sobre a frequência, quantidade e ocorrência de perda urinária. É composto por seis perguntas, trazendo algumas vantagens em relação a outros questionários existentes: é mais simples, didático e objetivo, o que facilita o preenchimento do mesmo, além de ser mais preciso e conciso com os objetivos que se pretendem atingir com a pesquisa 11 (Anexo C).  Wexner: esse instrumento foi utilizado para avaliar a incontinência fecal. Apresenta informações a respeito da perda de fezes e gases, consistindo em cinco questões: três sobre incontinência fecal (perda de fezes sólidas, fezes líquidas e gases), uma questão sobre uso de protetor de calcinha e uma questão sobre alterações no estilo de vida. As entrevistadas foram orientadas a responder com qual frequência as questões citadas ocorrem. Para cada pergunta, existem cinco respostas possíveis que fornecem um escore final de zero a vinte. Quanto maior o escore, maior a gravidade dos sintomas e pior a qualidade de vida 13 (Anexo D). 2.7 – Análise estatística Os resultados da análise estatística apresentados nesta pesquisa foram obtidos com o uso do software R versão 4.0.5. As variáveis quantitativas foram descritas pelas medidas de centralidade e de dispersão. A descrição das variáveis qualitativas foi dada pelas frequências 28 Quelly Christina França Alves Schiave – Tese de Doutorado absolutas e relativas. Os testes foram realizados considerando um nível de 5% de significância (α ). O nível de confiança para os intervalos de confiança foi definido como 95% (1−α). Foi utilizado o Teste Exato de Fisher para avaliar a relação entre as variáveis qualitativas e o teste de Mann-Whitney para as variáveis quantitativas. Para as avaliações com indícios de associação, foi calculado a razão de chances (RC = odds ratio) com seus respectivos intervalos de confiança. 29 Quelly Christina França Alves Schiave – Tese de Doutorado 3. RESULTADOS A amostra do estudo foi composta por 95 mulheres indígenas do Parque das Tribos, localizado na cidade de Manaus, Amazonas. Na localidade, foram encontradas 21 etnias: Apurinã, Kuripako, Marubo, Miranha, Munduruku, Mura, Piratapuia, Sateré Mawé, Tariano, Tikuna, Baniwa, Tukano, Tupinnamba, Wanano, Kokama, Baré, Dessano, Kanamary, Karapanã, Kulina e Witoto. A etnia Tukano foi a mais observada na amostra, com 18 mulheres indígenas, representando 18,9% das entrevistadas. A idade média encontrada foi de 36±12 anos, sendo que a mulher mais nova apresentou 18 anos e a mais velha 74 anos. A maioria dessas indígenas era do lar (44,2%) e mais da metade delas (52,6%) possuíam ensino médio completo. Em média, as mulheres tinham três filhos, e o parto vaginal (52%) foi o tipo mais comum entre as indígenas. Considerando a hipertensão arterial sistêmica (HAS), 37 (38,9%) das entrevistadas relataram apresentar essa condição clínica e 84 (88,4%) das indígenas relataram comportamento sedentário. Ao coletarmos informações a respeito de algumas questões sobre a saúde da mulher, 48 (50,5%) das entrevistadas relataram possuir ciclo menstrual regular, 14,7% estavam no climatério, 38,9% faziam uso de anticoncepcional e 3,2% tiveram câncer, sendo que duas delas apresentaram câncer de mama e uma teve câncer de ovário. Das 95 mulheres indígenas que participaram da pesquisa, apenas 28,4% realizaram o exame preventivo e 22,1% mamografia alguma vez na vida, como mostra a Tabela 1. 30 Quelly Christina França Alves Schiave – Tese de Doutorado Tabela 1. Perfil clínico e sociodemográfico de mulheres indígenas urbanizadas no Amazonas (n = 95). Variável n (%) Idade Média ± desvio padrão 36±12 Ocupação Aposentada 3 (3,2) Artesã 26 (27,4) Autônoma 5 (5,3) Do lar 42 (44,2) Estudante 4 (4,2) Outros 12 (12,6) Tec. Enfermagem 3 (3,2) Escolaridade Fundamental 38 (40) Médio 50 (52,6) Superior 3 (3,2) Analfabeta 4 (4,2) Paridade (média ± desvio padrão) 2,8 ± 1,9 Tipo de parto Vaginal 50 (52,6) Cesariana 16 (16,8) Vaginal e Cesariana 13 (13,7) Anticoncepcional Sim 37 (38,9) Sedentarismo Sim 84 (88,4) Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) Sim 37 (38,9) Câncer Mama 2 (2,1) Ovário 1 (1,1) Preventivo Sim 27 (28,4) Mamografia Sim 21 (22,1) Ciclo menstrual regular Sim 48 (50,5) Climatério Sim 14 (14,7) 31 Quelly Christina França Alves Schiave – Tese de Doutorado Com a empregabilidade do ICIQ-SF, foi possível identificar que dentre as 95 mulheres indígenas avaliadas, a incontinência urinária apresentou positividade em 58,9% da amostra, sendo possível identificar também a quantidade e frequência de perda urinária. Os dados mostraram que o tipo mais frequente foi a incontinência urinária de esforço (IUE), seguido da incontinência urinária de urgência (IUU) e incontinência urinária mista, conforme mostrados na Tabela 2. Tabela 2. Avaliação da ocorrência de incontinência urinária em indígenas urbanizadas que vivem no Parque das Tribos, Manaus/AM, por meio do International Consultation on Incontinence Questionnaire – Short Form (ICIQ-SF) (n =56). Variável n (%) Frequência de perda urinária 1 vez dia 13 (23,2) 1 vez sem 12 (21,3) 2 ou 3 vezes sem. 11 (19,5) 3 vezes sem. 1 (2,0) Diversas vezes 14 (25,0) Tempo todo 5 (9,0) Quantidade de perda urinária Grande 11 (19,5) Moderada 20 (36,0) Pequena 25 (44,5) IUE Presente 33 (59,0) IUU Presente 14 (25,0) IUM Presente 9 (16,0) Legenda: IUE= Incontinência Urinária de Esforço; IUU= Incontinência Urinária de Urgência; IUM= Incontinência Urinária Mista. 32 Quelly Christina França Alves Schiave – Tese de Doutorado Sobre a incontinência fecal, foi observada uma prevalência de 5,3% de indígenas com essa disfunção. A Tabela 3 apresenta os resultados obtidos pelo questionário Wexner para avaliar a incontinência fecal. Tabela 3. Composição e frequência de perda de gases, fezes líquidas ou sólidas em mulheres indígenas urbanizadas que vivem no Parque das Tribos, Manaus/AM, com incontinência fecal utilizando o Questionário Wexner (n=5). Composição da perda Frequência Gases Fezes Líquidas Fezes Sólidas Nunca - - - Raramente - - - Algumas vezes - 4 - Frequentement e 4 - - Sempre 1 1 - Nunca = 0; Raramente = < 1 vez/mês; Algumas vezes = < 1 vez/semana, mas > 1 vez/mês; Frequentemente = < 1 vez/dia, mas > 1 vez/semana; Sempre = > 1 vez/dia. Os fatores utilizados para avaliar a associação das incontinências urinária e fecal foram Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS), idade, climatério e tipo de parto. Esses dados são mostrados na Tabela 4 e 5. Houve uma associação significativa entre incontinência urinária com idade e HAS. Sendo assim, a chance de desenvolver incontinência urinária entre as mulheres hipertensas é, aproximadamente, 2,94 vezes a chance daquelas que não apresentaram hipertensão. Além disso, foi verificada significante associação entre incontinência fecal com a idade e climatério. A idade média das mulheres com incontinência fecal foi de 55,6 e a chance das mulheres que se encontravam no climatério de desenvolver 33 Quelly Christina França Alves Schiave – Tese de Doutorado esse tipo de incontinência foi de 29,8 vezes em relação àquelas que não estavam no climatério. Tabela 4. Avaliação dos fatores associados à ocorrência da incontinência urinária de indígenas urbanizadas que vivem no Parque das Tribos, Manaus/AM. Variável Incontinência Urinária n = 56 P-valor Idade (anos) * 0,009* Média (desvio padrão) 38,1 (10,8) Tipo de parto 0,943 Sem resposta 7 Vaginal 30 (61,2%) Vaginal e cesariano 9 (18,4%) Cesariano 10 (20,4%) HAS * 0,013* Negativo 21 (37,5%) Positivo 35 (62,5%) Climatério 1,000 Ausente 48 (85,7%) Presente 8 (14,3%) Nota: Os dados são números da amostra com percentuais entre parênteses. Legenda: HAS= Hipertensão Arterial Sistêmica. *significância estatística: p-valor < 0,05 Tabela 5. Avaliação dos fatores associados à ocorrência da incontinência fecal de indígenas urbanizadas que vivem no Parque das Tribos, Manaus/AM. Variável Incontinência fecal n = 5 P-valor Idade (anos) * 0,001* Média (desvio padrão) 55,6 (4,3) Tipo de parto 0,523 Sem resposta 0 Vaginal 3 (60,0%) 34 Quelly Christina França Alves Schiave – Tese de Doutorado Vaginal e cesariano 2 (40,0%) Cesariano 0 (0,0%) HAS 0,363 Negativo 3 (60,0%) Positivo 2 (40,0%) Climatério * 0,001* Ausente 1 (20,0%) Presente 4 (80,0%) Nota: Os dados são números da amostra com percentuais entre parênteses. Legenda: HAS= Hipertensão Arterial Sistêmica. *significância estatística: p-valor < 0,05 4. DISCUSSÃO O presente estudo avaliou o perfil de saúde ginecológica das mulheres indígenas urbanizadas pertencentes ao Parque das Tribos no Amazonas, onde foram encontradas indígenas pertencentes a várias etnias, sendo a etnia Tukano a mais numerosa. Isso se dá ao fato da etnia Tukano ser originada da região Alto Rio Negro, pertencente ao município de São Gabriel da Cachoeira, localizado no estado do Amazonas 16. Neste local, há o maior número de pessoas do país que se auto declaram indígenas 17, 18 e grande parte dos indígenas habitantes do Parque das Tribos migraram desse município para a capital do estado. Os nossos achados permitem observar que pelo fato das mulheres indígenas pertencentes ao Parque das Tribos estarem em um contexto urbanizado, foi verificado que essas indígenas apresentaram elementos semelhantes aos das mulheres não indígenas. Isto nos sugere que o ambiente urbanizado, longe das tribos de origem, pode influenciar na cultura, crenças, valores e interação com os modos de vida indígena, o que pode interferir nas condições de saúde dessa população. Nosso estudo mostrou que a média de idade das indígenas foi de 36 anos, a qual foi superior à média encontrada em outros estudos que avaliaram mulheres indígenas do Parque Indígena Xingu no Mato Grosso 19 e indígenas de 40 aldeias da África 20, que apresentaram uma média de 31 e 32,6 anos, respectivamente. Porém, foi similar à média de 36 anos encontrada no estudo sobre as indígenas atendidas no Ambulatório do Índio da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) 21. A maioria das indígenas do Parque das Tribos tem como ocupação cuidar do domicílio, dados esses que corroboram o estudo que avaliou a população indígena da comunidade Itacoatiara Mirim em São Gabriel da Cachoeira, onde as mulheres que lá habitam 35 Quelly Christina França Alves Schiave – Tese de Doutorado possuem a responsabilidade dos cuidados da casa e dos filhos 22, bem como as mulheres indígenas do Parque Indígena Xingu 23. As pesquisas realizadas em relação ao perfil sociodemográfico da população indígena mostram que o nível de escolaridade mais predominante é o Ensino Fundamental 24, 22. Neste estudo, mais da metade das indígenas entrevistadas possuem ensino médio completo. É importante destacar que o estudo sobre as características sociodemográficas de indígenas no último censo brasileiro em 2010, aponta o aumento da escolaridade neste período com diminuição do grupo com ensino fundamental incompleto e aumento na escolaridade da categoria ensino fundamental completo ou mais 25, 26, o que justifica os achados em nossa pesquisa. O padrão reprodutivo das mulheres indígenas nas áreas rurais apresenta níveis elevados de paridade comparado ao das indígenas das áreas urbanas, variando de 4 a 8 filhos por mulher21. A média da paridade entre as mulheres indígenas do Parque Indígena Xingu é de 5 a 6 filhos 23 e a do nosso estudo com indígenas urbanizadas foi de aproximadamente três filhos. Ao analisarmos esses dados, as mulheres indígenas do nosso estudo possuem uma menor paridade e se aproxima da taxa de paridade das mulheres brasileiras não indígenas (em torno de dois filhos) 27. Isso pode estar relacionado ao fato das mulheres indígenas do presente estudo possuir nível de escolaridade superior ao dos estudos analisados e por estarem vivendo em um contexto urbanizado, pois esses fatores facilitam o controle da fecundidade 27. O parto vaginal foi o mais predominante (52,6%) nesta investigação, valores similares aos encontrados em mulheres indígenas em outros artigos 28, 23, 22. Com relação ao uso de contraceptivos, 36,8% das indígenas urbanizadas relataram fazer uso de pílulas anticoncepcionais, uma prevalência que difere da literatura. Uma pesquisa realizada na terra indígena Krenak em Minas Gerais observou que o método contraceptivo mais difundido entre as 72 indígenas dessa etnia é a pílula anticoncepcional, um percentual que chega a 55,6% 29. Outro estudo mostrou a adesão de 17,8% de indígenas de várias etnias ao uso de pílulas anticoncepcionais 21. É presumível que, entre as mulheres indígenas apresentadas nessas pesquisas, inclusive à do nosso estudo, estejam recebendo informações mais modernas e eficientes sobre controle da natalidade do que há anos atrás em virtude do contato continuado com a sociedade branca, bem como um maior acesso aos postos de saúde 21. Foi verificado que apenas 11,6% das indígenas do Parque das Tribos praticam exercícios físicos regularmente e as outras 88,4% são sedentárias. Este é um dado preocupante, pois configura como fator de risco para doenças crônicas, pois o sedentarismo 36 Quelly Christina França Alves Schiave – Tese de Doutorado está associado à presença de algumas doenças, com destaque para hipertensão arterial, diabete e neoplasias 30, 31. O Inquérito Nacional de Saúde Indígena revelou que há um aumento de 12,0% a cada ano na chance de um indígena apresentar hipertensão arterial sistêmica 32. Em nossa pesquisa, esta condição clínica foi encontrada em 38,9% das indígenas. Nos povos Khisêdjê, a hipertensão se mostrou presente em 38,9% dos 78 indígenas entrevistados 33, confirmando nossos achados. Um dos fatores, entre tantos, que coopera para o crescimento de doenças não transmissíveis na população indígena é o processo de ocidentalização desses grupos étnicos, mais uma vez explicado pelo contato e interações dos indígenas com não indígenas. Isto é verificado pela semelhante tendência de crescimento das referidas morbidades nos vários grupos étnicos distribuídos fora das terras indígenas 34. Nesse novo contexto social indígena, onde essa população está vivendo longe de suas origens, o suicídio, alcoolismo, violências e doenças como IST-AIDS, diabete, hipertensão arterial sistêmica e neoplasias estão sendo vistas na população indígena 35, 36. No contexto de neoplasias, a população indígena apresenta baixa incidência de câncer37, corroborando os resultados encontrados em nossa pesquisa. Apenas 3,2% das indígenas relataram ter tido câncer, sendo dois de mama e um de ovário. Não encontramos casos de câncer de colo uterino. Assim, foi verificado que há uma baixa adesão ao exame preventivo, sendo que apenas 28,4% das indígenas do Parque das Tribos já realizaram o rastreamento oncótico alguma vez na vida. O Ministério da Saúde preconiza que mulheres com faixa etária entre 25 e 59 anos realizem o exame preventivo 38. Sob essa perspectiva, encontramos em nosso estudo que 75,8% das indígenas nessa faixa etária já deveria ter realizado o rastreamento para câncer de colo de útero. A baixa adesão ao exame pode justificar o fato de não termos encontrado câncer de colo de útero nessa população. Em relação ao rastreamento do câncer de mama, verificamos que 21 (22,1%) das indígenas já realizaram esse exame. De acordo com as Diretrizes para o rastreamento do câncer de mama feito pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA) 39, as mulheres devem realizar a mamografia a partir dos 50 anos de idade. Encontramos 14 (14,8%) indígenas nessa faixa etária em nossa pesquisa. Com isso, pudemos observar uma boa adesão à mamografia, o que justifica o diagnóstico dos dois cânceres (2,1%) de mama na população estudada. Mais da metade das mulheres indígenas de nossa pesquisa relataram possuir ciclo menstrual regular e a menarca ocorreu em média aos 13 anos de idade. Uma pesquisa envolvendo índias Yanomamis, no interior do estado do Amazonas, observou que a menarca dessa população ocorreu em média aos 12 anos de idade 40, mostrando pouca diferença entre 37 Quelly Christina França Alves Schiave – Tese de Doutorado mulheres indígenas do Parque das Tribos e as Yanomamis. Quando comparamos esses dados com mulheres não indígenas, a idade média para menarca está entre 12 e 13 anos 41, 42, o que mostra não haver diferenças significativas entre indígenas e não indígenas. Em geral, a idade de ocorrência da menarca pode estar associada à genética, individualidade biológica, condições ambientais e estado socioeconômico e nutricional de uma população43, com variação de 50% a 80% nas idades da menarca. A redução dessa idade vem ocorrendo desde o início do século XIX e tem a nutrição e a adiposidade como fatores de risco significativos41, 42. Em nossa pesquisa, 14 (14,8%) indígenas relataram estar na fase de climatério, que iniciou em média aos 45 anos de idade. Quando 100 mulheres ribeirinhas no Pará foram avaliadas, foi verificado que a idade inicial do climatério também ocorreu aos 45 anos 44, o que corrobora nossos achados. Por outro lado, em indígenas Yanomamis, a idade média do climatério foi aos 40 anos de idade 40, diferente dos nossos resultados. O Ministério da Saúde relata que o climatério pode ser iniciado por volta dos 40 anos em mulheres brasileiras 45. Os dados apresentados mostram diferenças de idade do início do climatério entre as índias Yanomamis, com as ribeirinhas do Pará e as indígenas do nosso estudo. Entretanto, a idade inicial do climatério depende de algumas questões relacionadas ao contexto de vida de cada mulher sob influência do estado psíquico, biológico e social 46. Em relação à ocorrência de incontinência urinária nas mulheres indígenas do nosso estudo, foi encontrada uma prevalência de 58,9%. De acordo com as bases de dados investigadas, foi encontrada uma única pesquisa relatando a prevalência de incontinência urinária em mulheres indígenas 23. Com uma população de 377 indígenas residentes no Parque indígena do Xingu, no Mato Grosso, foi mostrado que apenas 22 mulheres (5,8%) apresentaram incontinência urinária. Essa análise mostra uma prevalência maior de incontinência urinária nas mulheres do nosso estudo quando comparado a das indígenas do Parque Indígena Xingu. Essa diferença pode ser devido ao fato das indígenas do Parque Indígena Xingu serem aldeadas e de nosso estudo serem mulheres indígenas urbanizadas, fator este que pode ser influenciado em função dos aspectos culturais, comportamentais e posturas adotadas no dia a dia 47. A Sociedade Internacional sobre Incontinência (ICI) relata estimativas de prevalência para incontinência urinária variando de 5% a 69% de qualquer tipo 9, sendo um valor aproximado encontrado em outro estudo que relata que a maioria das pesquisas mostram uma prevalência de qualquer tipo de incontinência urinária na faixa de 13%-50% 48 , valores semelhantes encontrados em nossa pesquisa. Sobre o tipo de incontinência urinária, nossa 38 Quelly Christina França Alves Schiave – Tese de Doutorado pesquisa mostrou que o tipo mais prevalente foi a incontinência urinária de esforço, presente em 59% das indígenas do nosso estudo. O tipo de incontinência urinária mais prevalente encontrado nas indígenas do Xingu e em mulheres incontinentes não indígenas de Minas Gerais foi o tipo mista 23, 49, resultados estes que diferem dos encontrados em nossa pesquisa. Porém, um estudo realizado em mulheres ribeirinhas (origem indígena) do estado do Amapá, mostrou que o tipo de incontinência urinária mais prevalente a de esforço 28, apresentando um resultado semelhante ao nosso. Sendo assim, a literatura relata que o tipo de incontinência mais comum na população feminina é a de esforço 50, 51, 52, corroborando nosso estudo. Os fatores de risco para incontinência urinária de esforço são paridade, parto natural, diabetes mellitus, hipertensão arterial sistêmica e climatério 28, 52, 53. Avaliando os fatores associados com a incontinência urinária em nosso estudo, houve indícios da associação entre a incontinência urinária com a idade e hipertensão arterial sistêmica. Climatério e tipo de parto não apresentaram significância. Sendo assim, a média da idade entre as incontinentes do nosso estudo foi 38,1 anos e 33,1 anos para as indígenas sem incontinência. Isto posto, foi observada associação estatística significativa entre a hipertensão arterial sistêmica com a incontinência urinária. Deste modo, a chance de desenvolver IU entre as mulheres hipertensas é maior do que das mulheres sem hipertensão. As alterações miccionais que provocam sintomas característicos para incontinência urinária em mulheres hipertensas, provavelmente, estejam relacionadas com o uso de diuréticos, pois essa medicação aumenta o débito urinário 28, 53. Além dos dados já apresentados sobre incontinência urinária, a quantidade de perda de urina é um fator importante a ser relatado, pois é um determinante para a qualidade de vida das mulheres. O relato de pequenas perdas de urina é o sintoma mais comum encontrado na literatura 50, sendo esse dado semelhante com o resultado do nosso estudo, que mostrou que a perda urinária em pequena quantidade foi a mais prevalente, se mostrando presente em 26,3% das mulheres indígenas incontinentes. Foi encontrada uma prevalência de 5,26% para incontinência fecal nas mulheres indígenas do nosso estudo, resultado este, que está em consonância com os valores descritos na literatura. Há relatos que a prevalência de incontinência fecal nas populações em geral encontra-se na faixa entre 7 a 16% 54, 43, como mostra uma pesquisa realizada em mulheres na Tunísia, que apresentou uma prevalência de 6,2% para incontinência fecal 55. Outro estudo mostrou uma prevalência entre 2,2-24% 48. Estudos sugerem que a incontinência fecal na população feminina esteja relacionada com o aumento da idade, sobrepeso, obesidade, doenças neurológicas graves, hipertensão arterial sistêmica, parto natural, presença de 39 Quelly Christina França Alves Schiave – Tese de Doutorado incontinência urinária e constipação intestinal, sendo vistos como fatores de risco na população feminina54, 55 . Quando analisamos os fatores associados à incontinência fecal em nosso estudo, verificamos que essa disfunção se mostrou associada à idade e climatério. A idade média das mulheres com incontinência fecal foi de 55,6 anos e a chance de uma mulher desenvolver esse tipo de incontinência entre as mulheres no climatério foi maior do que naquelas em que o climatério foi ausente. Apesar da prevalência de incontinência fecal do nosso estudo ter se mostrado dentro dos valores descritos na literatura, a chance de desenvolver essa disfunção se mostrou altamente afetada para as mulheres no climatério. Isso mostra que o fator hormônio- dependente parece ter grande influência na funcionalidade esfincteriana, mostrando que incontinência fecal é considerada uma disfunção frequente com a chegada do climatério devido à diminuição do nível de estrogênio 54. A saúde indígena feminina é influenciada por modificações causadas no estilo de vida desta população, onde o processo histórico de mudanças sociais, econômicas e ambientais, juntamente com a expansão demográfica e econômica nas diversas regiões do país ao longo do tempo atingiu os determinantes do perfil da saúde dessa população. Em regiões onde as indígenas têm um relacionamento mais próximo com a população geral, nota-se o aparecimento de novos problemas de saúde relacionados às mudanças introduzidas no seu modo de vida e na alimentação, como por exemplo hipertensão arterial, diabetes, câncer 56, que corrobora os achados mencionados anteriormente em nosso estudo. Mais estudos são fundamentais quanto às necessidades das mulheres indígenas respeitando seus princípios e valores. Os pontos fortes do presente estudo incluem a população estudada: as mulheres indígenas, especialmente considerando as dificuldades de acesso a essa população, tanto nas questões geográficas quanto culturais; nossa pesquisa é inédita em relação à presença de incontinência fecal, pois não há registro na literatura a respeito dessa temática em mulheres indígenas. Como limitação, podemos mencionar as questões culturais das mulheres indígenas, pois nem todas podiam participar da pesquisa porque muitas delas dependiam da autorização do marido, cacique ou dos técnicos de saúde da região que permitam sua participação. Mas, mesmo com a permissão, nem sempre elas estavam dispostas a participar. Desta maneira, visando aprimorar e aumentar o conhecimento sobre o assunto abordado, é possível melhorar as tomadas de decisões por parte dos profissionais de saúde para promover e recuperar a saúde dessa população. 40 Quelly Christina França Alves Schiave – Tese de Doutorado 5. CONCLUSÃO Com a análise dos perfis sociodemográfico e de saúde, foi possível observar que, pelo fato das mulheres indígenas do nosso estudo estarem vivendo num contexto urbanizado, o perfil de saúde dessas indígenas é semelhante ao perfil de saúde das mulheres não indígenas, o que nos leva a inferir que o distanciamento das raízes indígenas provoca uma alteração no estilo de vida, afetando a saúde dessa população e aproximando-a cada vez mais do “homem branco”. Mesmo com o progresso na atenção à saúde indígena feminina, há ainda escasso número de pesquisas referentes a essa população, sobretudo a respeito da saúde ginecológica da mulher indígena. Sendo assim, há muito o que se pesquisar, analisar e discutir para diminuir as barreiras quanto às variáveis antropológicas, estilo de vida e padrões culturais desta população. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Vieira RA. Política de saúde em comunidade indígena na metrópole paulista. Presidente Prudente: Universidade Estadual Paulista, 2011. 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Quelly Christina França Alves Schiave – Tese de Doutorado CAPÍTULO II 45 Quelly Christina França Alves Schiave – Tese de Doutorado ANÁLISE DA FUNÇÃO SEXUAL DAS MULHERES INDÍGENAS URBANIZADAS DA AMAZÔNIA Analysis of the Sexual Function of urbanized indigenous women in the Amazon Botucatu 2022 46 Quelly Christina França Alves Schiave – Tese de Doutorado RESUMO A função sexual feminina representa um componente importante da saúde e, quando alguns dos fatores relacionados à sexualidade são comprometidos, pode apresentar um quadro de disfunção sexual. A disfunção sexual é caracterizada por uma alteração na capacidade da pessoa experimentar o prazer sexual. Justificativa: O suporte em saúde pública tem sido abordado no Brasil, mas seu trabalho não registrou nenhum estudo sobre a função sexual em mulheres indígenas urbanizadas da Amazônia. Partindo do pressuposto, entende-se a relevância da análise de dados levantados a partir dessa pesquisa com foco na função sexual das mulheres indígenas. Objetivo: Investigar a presença de disfunção sexual de mulheres indígenas e registrar os fatores associados a esta disfunção. Metodologia: Estudo observacional do tipo analítico, realizado no Parque das Tribos, Manaus, Brasil, em 95 mulheres indígenas acima de 18 anos. Foram coletadas informações a respeito da função sexual feminina por meio do Questionário Female Sexual Function Index (FSFI). Resultados: As mulheres indígenas do estudo apresentaram idade média aproximada de 37 anos e em média três filhos. Mais da metade da população realizou parto natural. Cerca de 51% das entrevistadas relataram ter ciclo menstrual regular, 15% estar no climatério e 39% afirmaram que tomavam pílula contraceptiva. Foi observada a ocorrência de disfunção sexual em 77,9% das indígenas avaliadas. Pelos domínios que compõem o FSFI, “desejo” foi a menor média dos escores de acordo com as avaliações das indígenas. Nossos achados mostram associação entre o sedentarismo e a disfunção sexual. Os dados deste estudo revelaram disfunção sexual nas mulheres indígenas e, pelo índice do escore de disfunção sexual, esta população possui maior risco de desenvolver disfunção sexual em relação às mulheres não indígenas. Levando em consideração os dados evidenciados sobre disfunção sexual em mulheres indígenas, podemos inferir que esses achados podem, sobretudo, influenciar na prática cotidiana das instituições de saúde pública. Conclusão: As mulheres indígenas avaliadas apresentam alta prevalência de disfunção sexual. Espera-se que os resultados deste estudo possam contribuir para a saúde sexual da mulher indígena visando a elaboração de um modelo de atenção à saúde sexual dessa população. Palavras-chave: Índias, disfunção sexual, sexualidade, saúde pública. 47 Quelly Christina França Alves Schiave – Tese de Doutorado 1. INTRODUÇÃO A função sexual feminina é caracterizada por uma resposta biológica a um estímulo e representa um importante componente da saúde e da qualidade de vida 1. Essa função pode ser avaliada usando alguns domínios que envolvem o ciclo de resposta sexual, como desejo, excitação e orgasmo 1. No entanto, esses domínios são influenciados por fatores biológicos, psicológicos, socioeconômicos, éticos e espirituais que, quando alterados, podem comprometer a resposta sexual e podem levar ao quadro de disfunção sexual 2, 3. A disfunção sexual é caracterizada por alterações clinicamente significativas na capacidade de uma pessoa responder ou experimentar o prazer sexual 4. A prevalência mundial de mulheres que reportaram a manifestação de disfunção sexual está entre 40 a 50% e pode haver variação conforme a população estudada5. Segundo o “Estudo do Comportamento Sexual do Brasil”, 49% dos brasileiros que apresentam disfunção sexual reportam que o domínio envolvendo o ciclo de resposta sexual mais acometido é o desejo 6. O tema sobre saúde sexual e reprodutiva feminina tem chamado a atenção pelos movimentos organizados por mulheres indígenas que observam condições pouco favoráveis para tomarem decisões quanto à sexualidade e reprodução 7, 8. Contudo, as concepções culturais dessa população sobre corpo e reprodução ainda são pouco conhecidas por equipes de saúde e, para chegar ao entendimento entre a cultura tradicional indígena e a cultura ocidental, essas equipes devem ampliar os conhecimentos e buscar compreensão do cuidado transcultural 9. A escassez de produção científica acerca da saúde sexual da mulher indígena nos instigou a realizar o presente estudo e, ainda que haja o reconhecimento das demandas de saúde da mulher indígena e de suas particularidades pela Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas, ainda não figuram como objeto de estudo no âmbito “sexualidade”. A invisibilidade das mulheres indígenas nos estudos da área da saúde sexual confirma a necessidade de uma abordagem científica que modifique a realidade nesse contexto específico. Nesse sentido, a justificativa deste estudo é a ausência de discussões que compreendam a perspectiva da saúde sexual das mulheres indígenas. Nós hipotetizamos que as mulheres indígenas que vivem no Parque da Tribos apresentam disfunção sexual. Sendo assim, os objetivos deste estudo foram avaliar a função sexual feminina, investigar a presença de disfunção sexual e registrar os fatores associados à disfunção sexual de mulheres indígenas. 48 Quelly Christina França Alves Schiave – Tese de Doutorado 2. METODOLOGIA 2.1- Tipo de estudo Estudo observacional transversal do tipo analítico. 2.2– Local de estudo Parque das Tribos - região de moradia para povos indígenas 10, 11, localizado no Bairro Tarumã na Zona Oeste da cidade de Manaus, estado do Amazonas, Brasil. 2.3– População de estudo A pesquisa foi realizada em mulheres indígenas com auto declaração ou Registro de Administrativo de Nascido Indígena (RANI), com a faixa etária acima de 18 anos que vivem no Parque das Tribos. Essa população foi escolhida por ter suas associações representativas, pertencendo a um bairro da cidade de Manaus, o que facilita o acesso geográfico e a comunicação. Além disso, essas indígenas têm fluência na língua portuguesa por terem sido alfabetizadas nas escolas missionárias na área indígena e pelo tempo de permanência no meio urbano. 2.4– Delineamento amostral A amostra foi calculada com base na população alvo de 124 mulheres indígenas, apresentando erro amostral de 5,0% e confiança de 95%, totalizando amostra mínima de 94 indígenas, cujo cálculo da amostra foi realizado conforme equação apresentada: n= N × Z2× p(1−p) d2× ( N−1 )+Z2 × p(1−p) Onde: N = 124 (valor da população alvo); Z = 1,96 (valor da distribuição normal para 95% de confiança); p = 0,5 (valor esperado da proporção); d = 0,05 (valor do erro amostral). 2.5– Critérios de inclusão e exclusão Os critérios de inclusão foram mulheres indígenas pertencentes a qualquer etnia do Parque das Tribos, com idade acima de 18 anos que já tenha tido atividades sexuais, comunicantes da língua portuguesa, aceitaram participar da pesquisa e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) (Apêndice). A exclusão se daria na presença de vaginite, câncer de 49 Quelly Christina França Alves Schiave – Tese de Doutorado colo de útero, pós-cirúrgico ginecológico, tratamento para corrimento vaginal, gravidez, bem como as mulheres indígenas que, por qualquer motivo, desistiram de continuar participando da pesquisa. 2.6- Coleta de dados O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa-CEP/UFAM e da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CONEP) sob o CAAE 15978919.9.0000.5020, parecer 3.943.090 (Anexo A). A coleta de dados foi realizada no período de junho a novembro de 2020, por meio de questionários que aborda aspectos sociodemográficos e função sexual feminina (Female Sexual Function Index - FSFI). Os questionários foram aplicados individualmente na residência das indígenas sempre pela pesquisadora e agente de saúde do Parque das Tribos. 2.6.1– Instrumentos para coleta de dados: Female Sexual Function Index (FSFI) (Anexo E): contem 19 questões e avalia a função sexual nas últimas quatro semanas à aplicação do questionário e apresenta escores em cada componente. Para cada questão, existe um padrão de resposta. As opções de resposta recebem pontuação entre 0 a 5, de forma crescente em relação à presença da função questionada. Apenas nas questões sobre dor, a pontuação é definida de forma invertida. Deve- se notar que, se o escore de algum domínio for igual a zero, significa que a relação sexual não foi referida pela entrevistada nas últimas quatro semanas. Ao final, foi apresentado um escore total, que é o resultado da soma dos escores de cada domínio multiplicado por um fator que promove uma homogeneidade da influência de cada domínio no escore total. O ponto de corte do escore total definido como 26 discrimina a população com maior e menor risco de apresentar disfunção sexual 12 (Tabela 1). A análise é realizada reunindo as respostas em seis domínios diferentes: Desejo: itens 1 e 2 x (0,6); Excitação: itens 3, 4, 5 e 6 x (0,3); Lubrificação: itens 7, 8, 9, e 10 x (0,3); Orgasmo: itens 11, 12 e 13x (0,4); Satisfação: itens 14, 15 e 16 x (0,4); Dor: itens 17, 18 e 19x (0,4). Para escores dos domínios, os escores individuais são somados e multiplicados pelo fator correspondente. Para obter o escore total da escala, os escores para cada domínio são somados. O escore varia de 2 a 36 pontos. Se for menor ou igual a 26, designa disfunção sexual 13, 14. 50 Quelly Christina França Alves Schiave – Tese de Doutorado Tabela 1. Escores de avaliação do Female Sexual Function Index – FSFI de indígenas urbanizadas do Amazonas. Domínio Questões Variação do Escore Fator de multiplicação Escore mínimo Escore máximo Desejo 1,2 1a 5 0,6 1,2 6 Excitação 3 ,4 ,5 , 6 0a 5 0,3 0 6 Lubrificação 7 , 8 , 9 ,10 0a 5 0,3 0 6 Orgasmo 11 , 12 ,13 0a 5 0,4 0 6 Satisfação 14 , 15 , 16 0 (ou 1 ) a 5 0,4 0,8 6 Dor 17 , 18 ,19 0a 5 0,4 0 6 TOTAL 2 36 Fonte: Thiel et al., 2008 15 (adaptado) 2.7– Análise estatística Os resultados da análise estatística apresentados nesta pesquisa foram obtidos com o uso do software R versão 4.0.5. As variáveis quantitativas foram descritas pelas medidas de centralidade e de dispersão. A descrição das variáveis qualitativas foi dada pelas frequências absolutas e relativas. Os testes foram realizados considerando um nível de 5% de significância (α ). O nível de confiança para os intervalos de confiança foi definido como 95% (1−α). Foi utilizado o Teste Exato de Fisher para avaliar a relação entre as variáveis qualitativas e o teste de Mann-Whitney para as variáveis quantitativas. Para as avaliações com indícios de associação, foi calculado a razão de chances (RC = odds ratio) com seus respectivos intervalos de confiança. 3. RESULTADOS A população do estudo foi constituída por 95 mulheres indígenas pertencentes ao Parque das Tribos com idade média aproximada de 37 anos. A maioria das indígenas tinha três filhos e mais da metade da população realizou parto natural. Cerca de 51% das entrevistadas relataram possuir ciclo menstrual regular, aproximadamente 15% alegaram estar no climatério e 39% afirmaram que usavam pílulas contraceptivas. Com o resultado do escore total do FSFI de cada entrevistada, foi possível observar a ocorrência de disfunção sexual em 77,9% das 51 Quelly Christina França Alves Schiave – Tese de Doutorado indígenas. A Tabela 2 apresenta as medidas descritivas de cada domínio avaliado pelo FSFI. Foi observado que o escore total do FSFI teve uma média de 21,2. Ao analisarmos os domínios que compõem o FSFI, foi verificado que o domínio “desejo” apresentou a menor média dos escores das indígenas avaliadas (Figura 1). Tabela 2. Avaliação da disfunção sexual em indígenas urbanizadas do Parque das Tribos – Amazonas por meio do Questionário de Função Sexual Feminina (Female Sexual Function Index – FSFI). FSFI - score Mínimo Média ± DP Máximo Desejo 1,2 3,15 ± 1,27 6 Excitação 0 3,42 ± 1,53 6 Lubrificação 0 3,43 ± 1,48 6 Orgasmo 0 3,52 ± 1,58 6 Satisfação 0,8 3,88 ± 1,94 6 Dor 0 3,80 ± 1,84 6 Score total 2,0* 21,2 ± 7,4 36* *valores de referência do questionário. Dor Satisfação Orgasmo Lubrificação Excitação Desejo 3.8 3.88 3.52 3.43 3.42 3.15 Índice de Função Sexual Feminina Figura 1. Escores dos índices de função sexual feminina de indígenas urbanizadas do Parque das Tribos – Amazonas de acordo com o questionário Female Sexual Function Index (FSFI). 52 Quelly Christina França Alves Schiave – Tese de Doutorado Ao avaliarmos a associação de alguns fatores relacionados à disfunção sexual, o Teste Exato de Fisher forneceu indícios de associação entre sedentarismo e disfunção sexual. Entre as mulheres com sedentarismo, a chance estimada (odds ratio) de desenvolver disfunção sexual foi de 0,73 (IC 95%: 0,06 – 3,35) vezes a chance em relação àquelas não sedentárias (Tabela 3). Variável Total n = 95 Disfunção sexual P-valorAusente n = 21 Presente n = 74 Idade < 40 anos 60 14 (23,3%) 46 (76,7%) 0,7057 > 40 anos 35 7 (20,0%) 28 (80,0%) Paridade (média ± desvio-padrão) 3,0 (1,9%) 2,6 (1,4%) 2,8 (2,0%) 0,359 Tipo de parto 0,857 Vaginal 50 (52,6%) 10 (47,6%) 40 (54,0%) Vaginal e Cesariana 13 (13,8%) 3 (14,3%) 10 (13,5%) Cesariana 16 (16,8%) 5 (23,8%) 11 (14,9%) Sem resposta 16 (16,8%) 4 (14,3%) 13 (17,6%) Anticoncepcional 1,000 Não 58 (61,1%) 13 (60,0%) 45 (60,8%) Sim 37 (38,9%) 8 (40,0%) 29 (39,2%) Sedentarismo 0,014* Ausente 11 (11,6%) 2 (10,0%) 9 (12,2%) Presente 84 (88,4%) 19 (90,0%) 65 (87,8%) Climatério 0,515 Ausente 81 (84,9%) 12 (57,0%) 69 (93,2%) Presente 14 (15,1%) 9 (43,0%) 5 (6,8%) Tabela 3. Avaliação dos fatores associados com a ocorrência de disfunção sexual em indígenas urbanizadas do Parque das Tribos. *p <0,05 – valor significativo pela avaliação realizada pelo Teste Exato de Fisher e de Mann-Whitney. 53 Quelly Christina França Alves Schiave – Tese de Doutorado 4. DISCUSSÃO O presente estudo revelou que mulheres indígenas do Parque das Tribos apresentaram pontuação de disfunção sexual de acordo com o questionário formulado. Trata-se de uma pesquisa original pois não há artigos da literatura até o momento considerando a base de dados analisada. Isto mostra esta alta prevalência de disfunção sexual nesta população indígena específica. Além disso, o índice do escore de disfunção sexual encontrado em nossa pesquisa se mostrou inferior quando comparado com os índices avaliados em estudos que abordam mulheres não indígenas, sugerindo que a população indígena possui maior risco de desenvolver disfunção sexual. De acordo com um estudo epidemiológico sobre a vida sexual dos brasileiros, a prevalência de disfunções sexuais em mulheres é de 50,9% 15. Outra pesquisa que avaliou 36 mulheres no nordeste do Brasil mostrou que 50% dessas mulheres apresentaram disfunção sexual 6. Já em outra pesquisa realizada em 100 mulheres brasileiras, a prevalência foi de 36,18% 16. Em nosso estudo, a prevalência de disfunção sexual foi mais elevada quando comparada com os dados encontrados na literatura. Essa significativa diferença pode estar relacionada ao fato da comparação ter sido realizada em mulheres indígenas e não indígenas, pois fatores como estilo de vida, crenças, cultura, percepção em relação à sexualidade, traumas psicológicos e processos biológicos são capazes de moldar a percepção feminina diante do contexto sexual 7. Embora a problemática acerca da disfunção sexual seja expressiva quando se trata da saúde física e psíquica das mulheres, essa dificuldade é ainda maior quando se trata de mulheres indígenas porque a investigação sobre a disfunção sexual ainda é um desafio, tendo em vista a dificuldade cultural de se abordar um assunto tão íntimo e delicado. Nota-se que a média do escore total obtida em nossa pesquisa foi de 21,2 e está abaixo dos valores encontrados em outros estudos com mulheres brasileiras. Esse resultado nos leva a inferir que as mulheres indígenas estão mais predispostas ao desenvolvimento de disfunção sexual quando comparado as mulheres não indígenas pois, quanto mais baixo for o escore, maior o risco de apresentar a disfunção sexual 12. Além disso, essa análise nos conduz a refletir como a vida sexual é vista por essas mulheres indígenas e o quanto é necessário investigar, analisar e estudar sobre essa temática nessa população com características e cultura próprias. Uma avaliação de 212 mulheres universitárias acima de 18 anos, sendo 84 brasileiras e 128 italianas com idade entre 18 a 39 anos, usando o questionário FSFI, demonstrou que as brasileiras apresentaram um escore total de 25,3 e as italianas 21,7 16. Outro estudo que 54 Quelly Christina França Alves Schiave – Tese de Doutorado utilizou o mesmo método avaliativo em mulheres brasileiras no nordeste do país mostrou um escore total médio de 23,72 2. No entanto, 100 mulheres brasileiras no sul do país tiveram uma média de escore total de 26,5, similar à nota de corte (26,5) preconizada pelo FSFI 15. Isso mostra a necessidade de ampliarmos os horizontes para promover mais pesquisas, que nos trazem à luz o conhecimento sobre os fatores psicossociais e culturais na função sexual feminina indígena, conduzindo o cuidado para a promoção da saúde sexual e reprodutiva dessa população. Com relação aos domínios da função sexual, avaliados por meio do FSFI, nossa pesquisa verificou que o domínio “desejo” apresentou escore mais baixo e “satisfação” o escore mais alto, o que corrobora outros estudos da literatura. Apesar do nosso estudo ter apresentado o domínio “satisfação” com escore mais alto, 77,6% dessas indígenas apresentaram disfunção sexual. Isso pode ser explicado pelo fato de que o orgasmo não é sinônimo de satisfação porque, para a mulher, o relacionamento e a integração com o parceiro são os pontos mais importantes para satisfação feminina 17. Para alguns autores, a presença de um parceiro fixo reduz as chances de disfunção sexual feminina devido à segurança que o relacionamento proporciona a ela, pois a mulher tem mais intimidade com seu corpo e de seu parceiro, consegue quebrar “tabus” morais e desempenha sua sexualidade de forma satisfatória 16, 18, 19. Quando universitárias brasileiras e italianas foram avaliadas, o domínio “desejo” teve escores mais baixos para as brasileiras e o domínio “orgasmo” mais baixo para as italianas. No entanto, os domínios com escores mais altos foram “lubrificação” para brasileiras e “excitação” para as italianas 16. Outro pesquisador analisou 370 mulheres brasileiras com idade entre 40 e 65 anos e verificou que o domínio “excitação” teve escore mais baixo e o domínio “satisfação” escore mais alto 20. Estudos mostram que o desejo sexual hipoativo é o distúrbio mais comum na saúde sexual das mulheres 21, 2, 22, 23. Esse dado corrobora nossos achados com o domínio “desejo” com um escore médio mais baixo. As dificuldades sexuais relacionadas com o “desejo” apresentam causa multifatorial, sendo que a diminuição do desejo sexual pode estar relacionada a distúrbios da excitação sexual, dispareunia e anorgasmia 24. A disfunção sexual pode estar associada a diversos fatores como idade, sedentarismo, menopausa, uso de anticoncepcional e fatores psicológicos 16, 17. Ao analisarmos os fatores associados à disfunção sexual, foi encontrado associação significativa apenas com o sedentarismo. Apesar da associação do sedentarismo com diversos desfechos em saúde, a relação entre disfunção sexual feminina e sedentarismo ainda é pouco 55 Quelly Christina França Alves Schiave – Tese de Doutorado descrita 25. Um estudo relata que o sedentarismo gera prejuízos para a sexualidade, provocando diminuição do desejo sexual e da atividade sexual, insatisfação que gera a disfunção sexual 26, 25. Investigação sobre as práticas de saúde sexual e reprodutiva de 18 indígenas da etnia Xukuru do Ororubá, na Aldeia de Cimbres, terra Xukuru, localizada na Serra do Ororubá, município de Pesqueira (PE), 7 mostrou ser distinta do nosso estudo. Não houve relato sobre as disfunções sexuais propriamente ditas. Entretanto, outros aspectos sobre sexualidade de forma generalizada foram empregados, com perguntas como “Pra você, o que significa saúde sexual e reprodutiva?” “O que significa seu corpo?” e foram abordadas também questões sobre significado da relação sexual e uso de método contraceptivo, o que possibilita nossas discussões sobre o aparecimento das disfunções sexuais nessa população. Enquadradas no seu próprio conceito de corpo, que mostra dependência da figura masculina (seus corpos pertencem aos homens), as indígenas da Aldeia de Cimbres certificaram que não conseguiam visualizar outro tipo de conhecimento da sexualidade. Compreendendo o contexto dessas mulheres Xukuru do Ororubá, podemos entender também a herança de medos, impedimentos e dificuldades na abordagem da saúde sexual e reprodutiva 7. Aprisionadas no significado de corpo e na dependência da figura masculina, as participantes demonstraram que a sexualidade não estava relacionada com descoberta das áreas do corpo e que poderiam proporcionar prazer a elas mesmas 7. 370 mulheres brasileiras entre 40 e 65 anos foram avaliadas e o risco de disfunção sexual feminina foi fortemente associado ao estilo de vida sedentário, visto que a prevalência de disfunção sexual era maior entre aquelas sedentárias (78,5%) contra 57,6% daqueles que praticavam atividade física regular 6. Esses achados corroboram nossos achados já que evidenciamos uma associação significativa entre sedentarismo e disfunção sexual. Nesse contexto complexo, o exercício físico regular, com seus múltiplos efeitos, destaca-se como estratégia a ser considerada no tratamento da disfunção sexual. O exercício altera positivamente o funcionamento oxidativo das células e tecidos, o que contribui para melhor função sexual. Além disso, auxilia no âmbito psicológico e social, proporcionando maior autoestima, maior confiança no esforço físico, redução da ansiedade, depressão e melhor convívio social 27. Com a finalidade de realizar uma análise comparativa dos nossos resultados com outras pesquisas envolvendo mulheres indígenas, encontramos dificuldades para tal devido à ausência de pesquisas realizadas sobre função sexual nessa população. Esse fato mostra a 56 Quelly Christina França Alves Schiave – Tese de Doutorado necessidade da realização