1 FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS – CÂMPUS MARÍLIA – PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO DENISE ANDRADE GESTÃO DOS FLUXOS DE INFORMAÇÃO DE UMA SECRETARIA DE ESTADO DE JUSTIÇA DO NORTE DO BRASIL MARÍLIA 2023 DENISE ANDRADE GESTÃO DOS FLUXOS DE INFORMAÇÃO DE UMA SECRETARIA DE ESTADO DE JUSTIÇA DO NORTE DO BRASIL Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação, como parte das exigências para a obtenção do título de Doutora em Ciência da Informação pela Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista (UNESP), Campus de Marília. Área de Concentração: Informação, Conhecimento e Tecnologia Linha de Pesquisa: Gestão, Mediação e Uso da Informação Orientadora: Profa. Dra. Marta Lígia Pomim Valentim MARÍLIA 2023 Benefícios e impactos da pesquisa à sociedade Este estudo traz como contribuição a possibilidade de aprimoramento na gestão da informação pública. No campo científico, a possibilidade de ampliação do debate sobre a informação pública, um olhar além da transparência, mais focado no fluxo informacional. Foi desenvolvido um modelo de gestão da informação que visa aproximar os cidadãos usuários da informação, por meio de ações que padronizem o acesso à informação e permita a inclusão social de uma comunidade marginalizada e excluída, promovendo o acesso a informações relevantes que, por sua vez, propiciam o exercício pleno da cidadania. Benefits and impacts of research on society This study brings as a contribution the possibility of improvement in the management of public information. In the scientific field, the possibility of broadening the debate on public information, a look beyond transparency, more focused on the informational flow. An information management model was developed that aims to bring information users closer together, through actions that standardize access to information and allow the social inclusion of a marginalized and excluded community, promoting access to relevant information that, in turn, , promote the full exercise of citizenship. DENISE ANDRADE Gestão dos Fluxos de Informação de uma Secretaria de Estado de Justiça do Norte do Brasil Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), como requisito parcial para a obtenção do título de Doutora em Ciência da Informação. Área de concentração: Informação, Conhecimento e Tecnologia Linha de pesquisa: Gestão, Mediação e Uso da Informação Banca Examinadora Profa. Dra. Marta Lígia Pomim Valentim (orientadora) Universidade Estadual Paulista (UNESP/Marília) Profa. Dra. Marcia Cristina de Carvalho Pazin Vitoriano (examinadora) Universidade Estadual Paulista (UNESP/Marília) Profa. Dra. Natália Maria do Nascimento (examinadora) Universidade Estadual Paulista (UNESP/Marília) Profa. Dra. Marlene Valério dos Santos Arenas (examinadora) Fundação Universidade Federal de Rondônia (UNIR/Porto Velho) Profa. Dra. Rosália Maria Passos da Silva (examinadora) Fundação Universidade Federal de Rondônia (UNIR/Porto Velho) Marília, 29 de março de 2023 Ao meu marido, José Roberto de Medeiros pelo amor, companheirismo e compreensão em mim. AGRADECIMENTOS Inicialmente agradeço à Deus por caminhar comigo nesta jornada, me fortalecendo, abrindo os meus olhos para o conhecimento para que eu pudesse propor uma nova realidade. À Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Filosofia e Ciências de Marília, por meio do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, pela oportunidade de crescimento profissional. À minha Orientadora Professora Dra. Marta Lígia Pomim Valentim, agradeço imensamente pelas orientações, sua dedicação, e a constante presença em todos os momentos de construção desta pesquisa. A senhora foi também a maior fonte de inspiração para a finalização desse estudo. Não consigo encontrar palavras suficientes para expressar o meu agradecimento. A senhora sempre será lembrada como uma referência profissional para mim. Muito, muito obrigada! Ao corpo docente do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação por compartilhar os conhecimentos, pelo cordialismo e profissionalismo demonstrado na condução do Programa. Ao Senhor Marcos Castelo Branco Alves Semeraro Rito, Secretário de Estado da Justiça de Rondônia e Senhora Helanne Cristina Magalhães Carvalho, Secretária de Estado da Justiça Adjunta de Rondônia por permitir a realização desse estudo junto à SEJUS. Às servidoras Thays Daniele Cunha Prado Nobre e Renata Ferreira Campos pela colaboração na coleta dos dados. Nas etapas de qualificação e tese tive a honra de contar com a participação das Professoras Dra. Marcia Cristina de Carvalho Pazin Vitoriano, Dra. Marlene Valério dos Santos Arenas, Dra. Natália Maria Nascimento e Rosália Maria Passos da Silva. Agradeço às valiosas contribuições no desenvolvimento desta pesquisa. Ao Professor Wander Pereira de Souza e à Professora Meire Darc Dantas de Figueiredo pela contribuição com sugestões sempre pertinentes. Obrigada por se colocar à disposição na revisão deste estudo. “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce. ” Fernando Pessoa (1972, p. 57) RESUMO O desenvolvimento tecnológico trouxe significativas mudanças no que tange à gestão da informação nas esferas pública e privada, bem como impactou no modo de acesso e busca à informação por parte da sociedade. No Brasil, com a entrada em vigor da Lei de Acesso à Informação, as instituições públicas tiveram que adaptar seus processos informacionais para atender ao dispositivo legal. Nessa perspectiva, esta pesquisa investiga os fluxos de informação no âmbito do sistema penitenciário brasileiro, mais especificamente no contexto da Secretaria de Estado da Justiça de Rondônia. O objetivo geral da pesquisa foi analisar a gestão e os fluxos de informação voltados à busca, compartilhamento e uso da informação na Secretaria de Estado da Justiça de Rondônia. Nesse intuito, apresenta-se um modelo genérico de gestão da informação voltado à administração pública, composto por onze etapas que compõem o ciclo informacional, enfatizando os dispositivos presentes na Lei de Acesso à Informação. Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa, descritiva-exploratória, aplicando-se os métodos Estudo de Caso e Análise de Conteúdo. Foram estabelecidas como técnica de coleta dos dados: análise de documentos, entrevista, grupo de foco, questionário. Como procedimentos de análise de dados aplicou-se a técnica Análise Categorial do método Análise de Conteúdo, cujas categorias foram definidas a posteriori. Ao final do estudo apresenta-se um framework voltado à gestão dos fluxos de informação que apoiam as atividades de disseminação, compartilhamento e uso da informação no contexto da Instituição estudada. Os resultados evidenciaram que a Secretaria de Estado da Justiça de Rondônia não possui um modelo de gestão da informação pré-definido, entretanto algumas etapas do gerenciamento da informação ocorrem nos diversos departamentos de diferentes níveis hierárquicos da Instituição. O estudo revelou, ainda, a necessidade de adoção de um modelo de gestão da informação alinhado aos objetivos estratégicos institucionais, visando o aprimoramento da geração de produtos e serviços de informação e, principalmente, subsidiar os processos de tomada de decisão, tendo em vista que as ações da administração pública brasileira impactam no atendimento das necessidades informacionais que não se limitam à própria instituição, pois se estende à sociedade brasileira. Espera-se que os resultados deste estudo possam contribuir para o gerenciamento de outras instituições públicas e, assim, aprimorar a gestão pública e os serviços oferecidos aos cidadãos. Palavras-chave: Gestão da Informação; Fluxos de Informação; Lei de Acesso à Informação; Processos Informacionais; Gestão Pública. ABSTRACT Technological development has brought about significant changes in terms of information management in the public and private spheres, as well as impacting on society's ways of accessing and searching for information. In Brazil, with the entry into force of the Access to Information Law, public institutions had to adapt their information processes to comply with the legal provision. From this perspective, this research investigates information flows within the Brazilian penitentiary system, more specifically in the context of the State Secretariat of Justice of Rondônia. The general objective of the research was to analyze the management and information flows aimed at the search, sharing and use of information in the State Secretariat of Justice of Rondônia. To this end, a generic model of information management aimed at public administration is presented, consisting of eleven steps that make up the information cycle, emphasizing the devices present in the Access to Information Law. This is a research with a qualitative approach, of the descriptive-exploratory, applying the Case Study and Content Analysis methods. Were established as a data collection technique: document analysis, interview, focus group, questionnaire. As data analysis procedures, the Categorical Analysis technique of the Content Analysis method was applied, whose categories were defined a posteriori. At the end of the study, a framework is presented aimed at the management of information flows that support the activities of dissemination, sharing and use of information in the context of the Institution studied. The results showed that the State Secretariat of Justice of Rondônia does not have a pre-defined information management model, however some stages of information management occur in the various departments of different hierarchical levels of the Institution. The study also revealed the need to adopt an information management model aligned with institutional strategic objectives, aiming at improving the generation of information products and services and, mainly, subsidizing the decision-making processes, considering that the actions of the Brazilian public administration impact on meeting the informational needs that are not limited to the institution itself, as it extends to the Brazilian society. It is hoped that the results of this study can contribute to the management of other public institutions and, thus, improve public management and the services offered to citizens. Keywords: Information Management; Information Flows; Access to Information Law; Informational Processes; Public Administration. LISTA DE FIGURAS P. Figura 1 - Visão complexa do mundo ............................................................ 40 Figura 2 - Modelo de GI – McGee e Prusak..................................................... 42 Figura 3 - Modelo de GI – Davenport e Prusak............................................... 44 Figura 4 - Modelo de GI – Choo...................................................................... 50 Figura 5 - Modelo de GI – Valentim............................................................... 51 Figura 6 - Modelo de GI – Rascão................................................................... 52 Figura 7 - Modelo de GI – Assis...................................................................... 53 Figura 8 - Modelo de GI – Ponjuán Dante...................................................... 54 Figura 9 - Modelo de GI – Nonato e Aganette................................................ 55 Figura 10 - Níveis hierárquicos versus grau de poder....................................... 63 Figura 11 - Modelo de fluxos de informação – Lesca e Almeida....................... 65 Figura 12 - Modelo de fluxos de informação – Leitão....................................... 67 Figura 13 - Modelo de fluxos de informação – Valentim.................................. 69 Figura 14 - Modelo de fluxos de informação – Beal......................................... 70 Figura 15 - Modelo de fluxos de informação – Forza e Salvador....................... 72 Figura 16 - Modelo de fluxos de informação – Barreto.................................... 73 Figura 17 - Etapas do método Análise de Conteúdo......................................... 86 Figura 18 - Classificação das formas lexicais..................................................... 87 Figura 19 - Modelo genérico de gestão da informação..................................... 90 Figura 20 - Modelo genérico de fluxos de informação...................................... 97 Figura 21 Organograma SEJUS....................................................................... 104 Figura 22 - Dendograma - estrutura de GI........................................................ 122 Figura 23 - Dendograma - necessidades informacionais................................... 123 Figura 24 - Dendograma - fontes de informação.............................................. 125 Figura 25 - Dendograma - coleta de informações............................................. 126 Figura 26 - Dendograma - organização e armazenamento da informação........ 127 Figura 27 - Dendograma - tratamento e disseminação da informação............. 129 Figura 28 - Dendograma - políticas de acesso e uso da informação.................. 130 Figura 29 - Dendograma - preservação e monitoramento................................ 132 Figura 30 - Dendograma - grupos de foco........................................................ 134 LISTA DE GRÁFICOS P. Gráfico 1 - Evolução do quantitativo de respostas............................................ 106 Gráfico 2 - Normatização da GI......................................................................... 109 Gráfico 3 - Setores da GI................................................................................... 110 Gráfico 4 - Modelo de GI.................................................................................. 111 Gráfico 5 - Políticas de GI................................................................................. 113 Gráfico 6 - Registro da informação................................................................... 114 Gráfico 7 - Canais informacionais..................................................................... 115 LISTA DE QUADROS P. Quadro 1 - Atividades propostas para as linhas de ação do SocInfo................. 26 Quadro 2 - Definições sobre gestão da informação.......................................... 34 Quadro 3 - Conceitos sobre fluxos de informação............................................ 59 Quadro 4 - Fatores que compõe o fluxo de informação................................... 75 Quadro 5 - Levantamento bibliográfico........................................................... 79 Quadro 6 - Abordagens de aplicação da análise de conteúdo........................... 85 Quadro 7 - Histórico das atribuições da SEJUS................................................. 101 Quadro 8 - Roteiro da entrevista..................................................................... 118 Quadro 9 - Categorias de unidade de análise................................................... 119 Quadro 10 - Composição dos temas................................................................... 121 Quadro 11 - Comparativo grupos de foco x entrevistas...................................... 135 Quadro 12 - Ações para implementação de modelo de GI.................................. 137 LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS ASSIPEN - Associação dos Funcionários do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento BM - Banco Mundial CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CDD - Classificação Decimal de Dewey CDU - Classificação Decimal Universal CHD - Classificação Hierárquica Descendente CI - Ciência da Informação DDC - Dewey Decimal Classification e-SIC - Sistema Eletrônico de Informação ao Cidadão FI - Fluxos de Informação FID - Federação Internacional de Informação e de Documentação FMI - Fundo Monetário Internacional GEI - Gestão Estratégica da Informação GesPública - Programa Nacional de Gestão Pública e Desburocratização GI - Gestão da Informação GRI - Gerencia de Recursos Informacionais IIB - Instituto Internacional de Bibliografia IID - Instituto Internacional de Documentação LAI - Lei de Acesso à Informação LaPES - Laboratório de Pesquisa em Engenharia de Software LGPD - Lei Geral de Proteção de Dados NIP - Núcleo de Informação Penitenciária OCDE - Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico PQSP - Programa da Qualidade no Serviço Público PrND - Programa Nacional de Desburocratização RBU - Repertório Bibliográfico Universal SEJUS - Secretaria de Estado de Justiça do Estado de Rondônia SGSI - Sistema de Gestão de Segurança da Informação SIC - Serviço de Informação ao Cidadão SIAPEN SISDEPEN - - Secretaria de Estado de Administração Penitenciária Sistema da Secretaria Nacional de Políticas Penais SocInfo - Programa Sociedade da Informação SPB - Sistema Penitenciário Brasileiro SPR - Sistema Penitenciário de Rondônia StArt - State of the Art through Systematic Review TIC - Tecnologias de Informação e Comunicação UDC - Universal Decimal Classification UFSCar - Universidade Federal de São Carlos SUMÁRIO P. 1 INTRODUÇÃO……………………………………………………………………………………….. 16 2 GESTÃO PÚBLICA…………………………………..……………………………………………... 22 2.1 Gestão Pública Brasileira………………..…………………………………………………….. 24 3 GESTÃO DA INFORMAÇÃO……………………………………….…………………………… 32 3.1 Teoria sistêmica como base epistemológica para a GI............................. 38 3.2 Modelos de Gestão da Informação.......................................................... 41 3.2.1 Modelo de McGee e Prusak...................................................................... 42 3.2.2 Modelo de Davenport e Prusak................................................................ 43 3.2.3 Modelo de Choo...................................................................................... 49 3.2.4 Modelo de Valentim................................................................................ 51 3.2.5 Modelo de Rascão................................................................................... 52 3.2.6 Modelo de Assis...................................................................................... 53 3.2.7 Modelo de Ponjuán Dante....................................................................... 54 3.2.8 Modelo de Nonato e Aganette................................................................. 55 3.3 Considerações Sobre os Modelos de Gestão da Informação...................... 56 4 FLUXOS DE INFORMAÇÃO....................................................................... 59 4.1 Níveis Organizacionais e Fluxos de Informação........................................ 62 4.2 Modelos de Fluxos de Informação........................................................... 64 4.2.1 Modelo de Fluxos de Informação de Lesca e Almeida................................ 65 4.2.2 Modelo de Fluxos de Informação de Leitão............................................... 66 4.2.3 Modelo de Fluxos de Informação de Valentim.......................................... 68 4.2.4 Modelo de Fluxos de Informação de Beal................................................. 70 4.2.5 Modelo de Fluxos de Informação de Forza e Salvador............................... 71 4.2.6 Modelo de Fluxos de Informação de Barreto............................................ 72 4.3 Considerações Sobre os Modelos de Fluxos de Informação....................... 73 5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS....................................................... 77 5.1 Abordagem e Natureza da Pesquisa......................................................... 77 5.2 Revisão de Literatura............................................................................... 78 5.3 Métodos de Pesquisa.............................................................................. 80 5.4 Universo e Sujeitos de Pesquisa............................................................... 82 5.5 Procedimentos de Coleta e Análise de Dados........................................... 83 6 RESULTADOS E DISCUSSÕES.................................................................... 89 6.1 Modelo Genérico de Gestão da Informação............................................ 89 6.2 Modelo Genérico de Fluxos de Informação............................................. 97 6.3 Documentos, questionário, entrevistas e grupos de foco........................ 99 6.4 Análise Documental................................................................................ 100 6.5 Análise do Questionário.......................................................................... 106 6.6 Análise das Entrevistas............................................................................ 118 6.6.1 Análise Categorial................................................................................... 119 6.6.1.1 Estrutura da GI.............................................................................................. 121 6.6.1.2 Necessidades Informacionais....................................................................... 123 6.6.1.3 Fontes de Informação................................................................................... 124 6.6.1.4 Coleta de Informações.................................................................................. 126 6.6.1.5 Organização e Armazenamento da Informação........................................... 127 6.6.1.6 Tratamento e Sistematização da Informação............................................... 128 6.6.1.7 Políticas de Acesso e Uso da Informação....................................................... 130 6.6.1.8 Preservação e Monitoramento..................................................................... 131 6.7 Análise dos Grupos de Foco..................................................................... 133 6.8 Comparação dos Resultados das Análises da Entrevista e dos Grupos de Foco........................................................................................................ 135 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................... 139 REFERÊNCIAS.......................................................................................... 142 APÊNDICES.............................................................................................. 157 APÊNDICE A – Termo de Consentimento Livre Esclarecido....................... 158 APÊNDICE B – Roteiro de Entrevista......................................................... 159 APÊNDICE C – Questionário..................................................................... 160 APÊNDICE D – Roteiro Grupo de Foco....................................................... 165 ANEXOS.................................................................................................. 166 ANEXO A – Registro de Solicitação de Informação.................................... 167 ANEXO B – Resposta à Solicitação de Informação.................................... 168 ANEXO C – Cargos de Direção Superior.................................................... 170 ANEXO D – Parecer do Comitê de Ética.................................................... 171 16 1 INTRODUÇÃO A partir da década de 1990 ocorreram profundas transformações na estrutura da administração pública brasileira, em especial no relacionamento entre o governo e a sociedade. Diversas normas foram emitidas por distintas esferas de governo no sentido de modernizar os órgãos que compõem a estrutura administrativa e adequá-los às demandas sociais e institucionais. Nessa perspectiva, a informação tornou-se um dos principais ativos das organizações públicas, e teve como consequência a necessidade do uso de Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) para o alcance de múltiplos objetivos, a melhoria no desempenho das atividades governamentais e a tomada de decisão, visando estreitar o relacionamento com a sociedade. Nesse contexto, o gerenciamento da informação é primordial, pois se trata de um instrumento essencial para a qualidade da prestação de serviços públicos e, consequentemente, para o atendimento das necessidades informacionais dos usuários. O arcabouço teórico utilizado para alicerçar esta pesquisa foi selecionado delimitando- se o período de 2012 a 2021. O período inicial de 2012 se justifica em virtude da entrada em vigor da Lei de Acesso à Informação (LAI), Lei nº 12.527 de 18 de novembro de 2011, a qual dispôs sobre os procedimentos a serem adotados pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios com o objetivo de garantir o acesso à informação a sociedade em geral. Além disso, os textos clássicos merecem destaque em virtude das contribuições no modelo de gestão pública e da Gestão da Informação (GI) adotados no Brasil como, por exemplo: Bresser-Pereira (1995; 1996) que foi o propulsor da reforma administrativa brasileira na Década de 1990. Os estudos de McGee e Prusak (1994), Davenport (1998), Choo (2003), Valentim (2006), Ponjuán Dante (2011) foram selecionados em virtude da contribuição que apresentam em relação às etapas que compõem o ciclo informacional, bem como pela representação dos autores em estudos sobre os Fluxos de Informação (FI). Quanto à coleta e análise dos dados foram utilizados como instrumentos de coleta documentos, questionário entrevista e grupo de foco. Para a análise dos dados utilizou-se Análise de Conteúdo com as categorias definidas à posterior. Como suporte à análise optou- se pelo software Iramuteq. No que tange a problemática de pesquisa, vale mencionar que com a promulgação da Lei nº 12.527 de 18 de novembro de 2011, a qual determinou as diretrizes para acesso à informação pública no Brasil, ocorreu um impacto significativo na GI no País. Com a entrada 17 em vigor desta normativa legal, ampliou-se a possibilidade de acesso pela sociedade dos dados oriundos do Estado, pela normalização das condições e procedimentos para, o que consequentemente acarretou maior participação popular na gestão pública. A referida Lei fortaleceu as transparências ativa e passiva ao determinar o direito dos cidadãos em dirigirem-se aos órgãos vinculados à administração pública para apresentarem seus pedidos de acesso a qualquer informação inter-relacionados aos seus interesses, cabendo ao Estado fornecê-la, com exceção daquelas protegidas por sigilo. A norma incluiu a obrigatoriedade de implementação do Serviço de Informação ao Cidadão (SIC) para que o solicitante/interessado possa receber o atendimento e a orientação necessários ao acesso à informação. A Lei também determina aos órgãos públicos a manutenção de informações de interesse público em seus sítios oficiais e, dessa maneira, propiciar transparência dos atos da gestão pública. No que se refere ao Governo do Estado de Rondônia, o acesso à informação ocorreu por meio da edição do Decreto nº 17.145, de 1 de outubro de 2012, o qual subordinou as entidades da administração direta e indireta do Poder Executivo Estadual, e as entidades privadas sem fins lucrativos que recebem recursos públicos ao cumprimento do Decreto, assegurando às pessoas naturais e jurídicas o direito de acesso à informação. O Decreto dispôs aos órgãos/entidades vinculados à administração pública a observância das transparências ativa e passiva na prestação de informações sob sua custódia ou produção. Na transparência ativa determinou a divulgação de informações de interesse coletivo ou geral no website institucional. Em relação à transparência passiva, orientou a criação e nomeação de uma Comissão de Gestão de Documentos para o atendimento e orientação ao público sobre o acesso à informação, prestação de informação sobre tramitação de documentos, recebimento e registro de solicitações de acesso à informação. À Controladoria Geral do Estado (CGE) coube coordenar e monitorar o Portal da Transparência do Estado de Rondônia (RONDÔNIA, 2012). Ressalta-se que no Sistema Penitenciário Brasileiro (SPB) as informações não estão estruturadas eficientemente, portanto, não propiciam aos gestores e aos demais usuários as informações necessárias ao desenvolvimento de atividades, tarefas e tomada de decisão de modo eficaz. A proposta do Modelo de Gestão da Política Prisional desenvolvido em parceria entre o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) e o Programa das Nações Unidas para o 18 Desenvolvimento (PNUD Brasil), no período de agosto de 2015 a julho de 2016, evidenciou a dificuldade de geração da informação, apesar da produção de determinações entre os diferentes setores da gestão prisional presentes na estrutura hierárquica (BRASIL, 2020). Ocorre que as determinações nem sempre são interpretadas de maneira uniforme entre os servidores que compõe o quadro do sistema prisional, como observado pela pesquisadora em uma visita a uma unidade prisional do interior do Estado de São Paulo. Em consulta realizada ao Portal da SEJUS em Rondônia, observou-se ainda a ausência de informações organizadas de modo a propiciar o acesso. Destaca-se que o grau de importância da informação cresce na mesma proporção que o tamanho da organização. Nesse sentido, a organização deve construir fluxos de informação que lhe possibilite gerar informações que subsidiem o processo decisório e possa responder mesmo que parcialmente as necessidades da sociedade. A partir dessas considerações formula-se a seguinte questão problema: como é estruturada a gestão e os fluxos de informação da SEJUS no que se refere à busca, compartilhamento, uso da informação e tomada de decisão? Defende-se a tese de que as estruturas informacionais de uma instituição são determinantes para uma boa gestão, uma vez que propiciam maior eficiência e eficácia aos processos organizacionais. Nessa perspectiva, evidencia-se que o gerenciamento da informação é fundamental para o estreitamento do relacionamento entre o governo e a sociedade. Os processos que envolvem a atividade requerem o uso de TIC, pois se constitui em uma ferramenta que propicia o alcance dos objetivos organizacionais. Nesse cenário, esta pesquisa busca conhecer a estrutura dos fluxos de informação da Secretaria de Estado de Justiça do Estado de Rondônia (SEJUS) e suas correlações no que tange ao atendimento das necessidades informacionais internas e externas ao órgão. Esta pesquisa tem como objetivo geral analisar a gestão e os fluxos de informação voltados à busca, compartilhamento e uso da informação na SEJUS. Para alcançar o objetivo geral foram definidos os seguintes objetivos específicos: a) identificar e analisar as normativas e sistemas institucionais voltados à gestão da informação, no período de 2012 a 2021; b) verificar a estrutura informacional institucional que subsidia o processo decisório; 19 c) verificar os fluxos de informação relacionados aos processos e atividades desenvolvidas pelos gestores, em consonância com a Lei 12.527/2011; d) verificar os procedimentos institucionais adotados para a disseminação e compartilhamento da informação no âmbito da estrutura organizacional, em atendimento à Lei 12.527/2011; e) identificar e caracterizar as dificuldades/facilidades de compartilhamento de informação junto aos gestores de processos; f) elaborar um framework voltado à gestão de fluxos de informação que apoiem as atividades de disseminação, compartilhamento e uso da informação. Justifica-se esta pesquisa por entender que as estruturas informacionais adotadas em uma instituição são determinantes para uma boa gestão, conforme mencionado anteriormente. Nesse intuito, estudar a GI e os FI se fazem necessários, pois podem subsidiar uma melhor compreensão do ambiente, visando o desenvolvimento de ações de curto, médio e longo prazos, proporcionando maior eficiência e eficácia aos processos organizacionais e, assim, possibilitar que a máquina administrativa pública possa atender as demandas informacionais da sociedade. Várias modificações ocorreram na estrutura administrativa do Governo do Estado de Rondônia até atualmente ser denominada Secretaria de Estado de Justiça. Por meio de Decreto-Lei nº 1, de 31 de dezembro de 1981 (RONDÔNIA, 1981) foi apresentada a primeira estrutura administrativa do Estado de Rondônia. De acordo com a norma, à Secretaria de Estado de Interior e Justiça coube a responsabilidade de supervisionar e fiscalizar o sistema penitenciário. Com a promulgação da Lei Complementar nº 40, de 5 de setembro de 1990, a Secretaria de Estado de Interior e Justiça recebeu a denominação de Secretaria de Estado dos Assuntos da Justiça. Em 1991, sob a denominação de Secretaria de Estado da Justiça e Defesa da Cidadania, assumiu a responsabilidade de organizar e administrar o sistema penitenciário, por meio da Lei Complementar nº 42, de 19 de março de 1991 (RONDÔNIA, 1991). Na estrutura administrativa apresentada em 1995, a atribuição referente a organização e administração do sistema penitenciário é outorgado à Superintendência de Justiça e Defesa da Cidadania. Considerou-se extinta a Secretaria de Estado da Justiça e Defesa da Cidadania tendo em vista que a instituição não aparece na norma que dispõe sobre a estrutura do Governo do Estado de Rondônia (RONDÔNIA, 1995). 20 Por meio da Lei Complementar nº 224, de 4 de janeiro de 2000, houve a alteração na denominação da instituição responsável pela organização e administração do sistema penitenciário, passando da Superintendência de Justiça e Defesa da Cidadania para a Superintendência de Assuntos Penitenciários (RONDÔNIA, 2000), que perdurou até setembro de 2004, quando foi extinta e suas atribuições transferidas para a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (RONDÔNIA, 2004). Finalmente em 2007 surge a denominação Secretaria de Estado de Justiça, resultado da alteração da nomenclatura da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária. Dentre as suas atribuições, compete a organização e a administração do sistema penitenciário, a supervisão das unidades prisionais e a elaboração e execução das políticas de administração penitenciária (RONDÔNIA, 2007). As unidades prisionais sob sua supervisão totalizam 54 (cinquenta e quatro) distribuídas entre a Capital e os municípios do interior do Estado, com uma população carcerária de 16.854 (dezesseis mil, oitocentos e cinquenta e quatro) reeducandos, sendo que 2.852 (dois mil, oitocentos e cinquenta e dois) encontram-se monitorados eletronicamente (RONDÔNIA, 2021). Ao realizar uma busca no website da SEJUS não se identificou documentos que propiciassem conhecer o funcionamento de sua estrutura administrativa. Embora tenha sido localizado o organograma da Instituição, não há nenhum documento que especifique as atribuições inter-relacionadas à estrutura representada no organograma institucional, o que pode representar dificuldades tanto no que tange a geração de informação, quanto no que se refere ao gerenciamento da informação. Diante dos fatos acima identificados, pressupõem-se que a SEJUS necessita adotar um modelo de gerenciamento de informações que propicie a interação da própria estrutura organizacional, de modo a possibilitar aos gestores a capacidade de agregar valor à informação, traduzindo-a em conhecimento e, consequentemente, propiciar ações consistentes. Coletar informações de unidades subordinadas pode contribuir para a maximização da agregação de valor à informação em nível macro. Nesse sentido, uma proposta de GI irá propiciar o estabelecimento de políticas de comunicação aos usuários internos e externos à SEJUS, bem como uma cooperação vertical, que abrange as demais estruturas administrativas do Estado de Rondônia. Uma proposta de GI em um ambiente complexo, com necessidades peculiares, cuja distância física das demais unidades dificulta a interação, proporcionará a definição de uma 21 estratégia que possibilite o tratamento e o gerenciamento da informação de maneira diferenciada, cuja cooperação abrangerá as demais estruturas administrativas do Estado e contribuirá para minimizar as distorções e lacunas existentes na Instituição. Nesse sentido, a GI vem contribuir para otimizar o desempenho da administração pública estadual no sentido de dar suporte aos processos organizacionais, subsidiar os gestores na tomada de decisão e, dessa maneira, proporcionar aos usuários da informação, em especial à sociedade, maior agilidade na prestação de informações e serviços oferecidos, podendo servir de parâmetro para as demais instituições existentes na estrutura administrativa do Estado de Rondônia. Este estudo também apresenta a contribuição para os campos da Ciência da Informação (CI) e da Administração, uma vez que irá demonstrar a importância do gerenciamento dos fluxos de informação e a geração de conhecimento individual e coletivo na implementação de um modelo de GI voltada a administração penitenciária pública. Quanto a estrutura da tese, esta é composta por seis seções, sendo: a primeira em que introduz o tema de pesquisa, apresenta o problema de pesquisa, a tese defendida, os objetivos gerais e específicos, a justificativa e a estrutura da tese; a segunda seção inicia a apresentação do referencial teórico da tese, cujo primeiro tema abordado se refere a gestão pública; a terceira seção disserta sobre a GI e os modelos de GI; a quarta seção descreve os FI e os modelos de FI; a quinta seção apresenta os procedimentos metodológicos; a sexta seção apresenta e discute sobre os resultados obtidos. A sétima seção apresenta as considerações finais. Na sequência se apresentam as referências, os apêndices e os anexos. 22 2 GESTÃO PÚBLICA Nesta Seção são abordados os pressupostos teóricos sobre a gestão pública, com o propósito de conhecer aspectos relevantes para a melhoria da GI do SPB, em especial o da SEJUS. Nesse intuito, são apresentadas as características do modelo de gestão adotado na administração pública brasileira, a partir da década de 1990, o qual se encontra vigente até o momento. Posteriormente, discorre-se sobre as especificidades da gestão pública brasileira e sua relação com as TIC, para a promoção da transparência e acesso à informação. Gerir é um ato de administrar algo. Na área pública trata-se de gerenciar, além dos bens, as políticas públicas e prestar contas à sociedade. Nesse sentido, a função da gestão pública é gerenciar os negócios do governo (FERREIRA, 1999) em uma dada realidade administrativa, em que o administrador instrumentaliza a vontade do legislador (OSÓRIO, 2005). Trata-se de uma atividade vinculada às normas legais e à política, e envolve o planejamento, a organização, a direção e o controle dos bens e interesses públicos (SANTOS, 2014), bem como requer um projeto que propicie a melhoria das organizações, dos métodos e da informação na dimensão estratégica (NASCIMENTO, 2014). Matias-Pereira (2016) argumenta que o conceito de gestão pública perpassa a interpretação de gestão de negócios de um governo, e pode ser entendida como a governança de uma rede complexa, integrada por inúmeros e distintos atores com objetivos e interesses conflitantes. Este autor confirma os posicionamentos de Ferreira (1999) e Santos (2014), em virtude de o governo não ser um ator independente para impor sua vontade de modo unilateral sobre os demais, e estar subordinado ao poder normativo e à política do Estado. Para que o Estado possa desenvolver suas funções é preciso identificar um modelo de gestão compatível com os objetivos almejados, com propostas capazes de aprimorar o funcionamento do sistema que, continuamente, necessita ser adaptado a um ambiente dinâmico de mudanças permanentes (CAPOBIANGO et al., 2013). O movimento de adequação da gestão pública a um modelo de gestão que atenda ao Estado é observado na década de 1970, com a crise mundial que se estabeleceu e teve como fatores: a crise do petróleo que provocou o esgotamento do modelo de intervenção estatal, nos moldes burocráticos; a crise econômica mundial que pôs fim à era de prosperidade iniciada no pós-Segunda Guerra Mundial. A crise se estendeu na década de 1980 e teve como 23 consequência dificuldades dos Estados em financiar seus déficits, crise de governabilidade e emergência da globalização e das inovações tecnológicas (GOMES, 2006). Nesse contexto, observou-se na década de 1980 um movimento crescente para a adoção de um modelo de gestão que compreendesse técnicas modernas e eficientes de gestão e capazes de proporcionar a melhoria na resolução dos problemas do Estado e no atendimento às demandas da sociedade. As reformas implementadas pelo Reino Unido, Estados Unidos, Nova Zelândia e Austrália influenciaram diversos países, destacando-se os membros da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), alcançando o Brasil em meados dos anos 1990 (CARNEIRO; MENICUCCI, 2013). Os governos da Inglaterra e dos Estados Unidos da América foram pioneiros na implementação das primeiras reformas no início da década de 1980, com as características do modelo privado de gerenciamento (MATIAS-PEREIRA, 2004), adotando algumas medidas provenientes do neoliberalismo. Essas medidas também passaram a ser adotadas por organismos internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM), que pressionaram os países que compunham a América Latina para a adoção das medidas em seus governos e, assim, pudessem adquirir recursos junto a esses organismos internacionais (MARKTANNER; WINTERBERG, 2009). Na análise dos ajustes neoliberais implementados no Brasil e no México, Silva Júnior (2006) afirma que a visão neoliberal se fundamenta na substituição do Estado pelo Mercado, atribuindo-se ao Mercado a responsabilidade de estruturar as bases para o desenvolvimento da sociedade. O autor ressalta que os países que implementaram as medidas neoliberais tiveram seus presidentes acusados de corrupção e alguns não conseguiram concluir seus mandatos, como o Presidente do Brasil, Fernando Collor de Mello, cuja gestão foi de 1990 até sua renúncia em 1992. Em novembro de 1989 foi realizada nos Estados Unidos uma reunião para discutir políticas econômicas para a América Latina, em que foram debatidas as políticas reformistas que passaram a ser defendidas em três organismos internacionais: o FMI, o BM e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Esses organismos exigiram da administração pública uma transformação que a tornasse menos burocrática e mais gerencial (SANTOS, 2014). 24 2.1 Gestão Pública Brasileira No Brasil, a reforma do aparelho do Estado foi implementada na década de 1990, como resposta às crises fiscais, no modo de intervenção do Estado, do modelo burocrático e da crise política. Em 1995 foi apresentado o Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado, com a proposta de aumentar a governança do Estado, com suas ações voltadas para o atendimento aos cidadãos. A reforma teve como objetivo a transformação da cultura burocrática em uma cultura gerencial. Identificou-se a necessidade de adoção de um modelo de gestão ágil, descentralizada, compatível com os avanços tecnológicos, voltada para o controle de resultados e que atendesse ao avanço da democracia em todo o mundo, que exige uma participação mais direta da sociedade na gestão pública (BRESSER-PEREIRA, 1997). Bresser Pereira (1997), o propulsor da reforma administrativa de 1995, apresenta as principais características da administração pública gerencial adotada no Brasil, denominada ‘Nova Administração Pública’: a) orientação da ação do Estado o cidadão-cliente; b) ênfase no controle dos resultados por meio de contratos de gestão; c) fortalecimento e aumento da autonomia da burocracia estatal; d) separação entre as secretarias formuladoras e executoras de políticas públicas; e) distinção de duas categorias de unidades descentralizadas: as agências executivas, que realizam atividades exclusivas de Estado, e os serviços sociais e científicos de caráter competitivo, em que o poder de Estado não está envolvido; f) transferência para o setor público não-estatal dos serviços sociais e científicos competitivos; g) adoção cumulativa, para controlar as unidades descentralizadas dos mecanismos de controle social direto, do contrato de gestão, e da formação de quase-mercados em que ocorre a competição administrada; h) terceirização das atividades auxiliares ou de apoio, que passam a ser licitadas competitivamente no mercado (BRESSER-PEREIRA, 1997, p.81). Após a implementação da reforma no Brasil, diversos estudos destacaram a governança no setor público como um instrumento de gestão na elaboração dos objetivos políticos eficientes e eficazes, comunicação pública e prestação de contas para a sociedade (TIMMERS, 2000). As práticas da governança objetivam a busca da transparência dos atos da gestão, as relações com a sociedade e a ampliação dos limites da eficiência operacional (FURLAN, 2006). Martins e Marini (2010) afirmam ser a governança mais que a gestão e mais que o governo, pois envolve a interação entre Estado, terceiro setor, mercado, e demais atores 25 sociais no desenvolvimento, na gestão de políticas públicas e no provimento de serviços oferecidos pelo Estado. Estes autores complementam o conceito ao destacarem que: Governança pública é capacidade de governo; é governar em rede de forma colaborativa; é governar orientado para resultados; todos estes elementos juntos para gerar valor público sustentável. Fortalecer a capacidade de governo e governar em rede não faz sentido se não estiverem a serviço de resultados e da geração de valor público, que, por sua vez, não ocorrem de forma fortuita, mas demandam o desenvolvimento de capacidades e relacionamentos interinstitucionais (MARTINS; MARINI, 2014, p.44). Matias Pereira (2010) identifica nos princípios da governança pública uma tendência na Administração Pública de qualificar a publicidade dos atos de gestão com maior precisão, simplicidade e clareza, de maneira a propiciar aos gestores as ferramentas para o acesso às informações. Observa-se desde a década de 1960 a edição de várias normas legais voltadas à adoção da Governança Pública, como: a Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, que dispõe sobre o orçamento público; o Decreto nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, que estabelece diretrizes para a reforma administrativa; a Lei nº 101, de 4 de maio de 2000, denominada Lei de Responsabilidade Fiscal, Decreto nº 6021, de 22 de janeiro de 2007, que criou a Comissão Interministerial de Governança Corporativa e de Administração de Participações Societárias da União; e a Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, que regula o acesso à informação. Essas normas representam um esforço do Estado em controlar os atos da administração pública e disponibilizar informações que propiciem o controle externo por parte da sociedade. A partir dos pressupostos apresentados cabe destacar a importância das TIC na administração pública brasileira para o exercício da governança pública, pois possibilitam conectar todas as decisões tomadas e aprimorar a gestão e a relação do Estado com a sociedade. Com a utilização das TICs é possível maior interação e participação entre governo e sociedade, fomenta a transparência e alavanca a modernização da gestão pública. De acordo com Pinho (2008), a relação entre as TIC e o governo ocorre por meio do governo eletrônico, uma plataforma que em um primeiro nível propicia a informatização das atividades da gestão pública e proporciona a disponibilização de serviços e informações ao cidadão. No Brasil, o movimento na gestão pública para se estabelecer uma conexão com a sociedade foi desencadeado em 1999, por meio do Programa Sociedade da Informação 26 (SocInfo), instituído pelo Decreto Presidencial nº 3.294, de 15 de dezembro de 1999, e fez parte do conjunto de projetos que compunham o Plano Plurianual 2000-2003, que resultou na elaboração do Livro Verde, denominado ‘Sociedade da Informação no Brasil’, publicado em 2000, sob a organização de Tadao Takahashi. O objetivo do Programa Sociedade da Informação é integrar, coordenar e fomentar ações para a utilização de tecnologias de informação e comunicação, de forma a contribuir para a inclusão social de todos os brasileiros na nova sociedade e, ao mesmo tempo, contribuir para que a economia do País tenha condições de competir no mercado global. A execução do Programa pressupõe o compartilhamento de responsabilidades entre os três setores: governo, iniciativa privada e sociedade civil (TAKAHASHI, 2000, p.10). Para o alcance dos objetivos do SocInfo foram definidas sete linhas de ação, o que exigiu planejamento, orçamento, execução e controle dessas ações. O Quadro 1 apresenta as atividades propostas para cada linha de ação. Quadro 1: Atividades propostas para as linhas de ação do SocInfo Linhas de Ação Atividade Proposta Mercado, trabalho e oportunidades Promoção da competitividade das empresas nacionais e da expansão das pequenas e médias empresas, apoio à implantação de comércio eletrônico e oferta de novas formas de trabalho, por meio do uso intensivo de tecnologias de informação e comunicação. Universalizaçã o de serviços para a cidadania Promoção da universalização do acesso à Internet buscando soluções alternativas com base em novos dispositivos e novos meios de comunicação, promoção de modelos de acesso coletivo ou compartilhado à Internet, bem como fomento a projetos que promovam a cidadania e a coesão social. Educação na sociedade da informação Apoio aos esquemas de aprendizado, de educação continuada e a distância baseados na Internet e em redes, mediante fomento às escolas, capacitação dos professores, autoaprendizado e certificação em tecnologias de informação e comunicação em larga escala; implantação de reformas curriculares visando ao uso de tecnologias de informação e comunicação em atividades pedagógicas e educacionais, em todos os níveis da educação formal. Conteúdos e identidade cultural Promoção da geração de conteúdos e aplicações que enfatizem a identidade cultural brasileira e as matérias de relevância local e regional; fomento a esquemas de digitalização para a preservação artística, cultural, histórica e de informações de ciência e tecnologia, bem como a projetos de P&D para geração de tecnologias com aplicação em projetos de relevância cultural. Governo ao alcance de todos Promoção da informatização da administração pública e do uso de padrões nos seus sistemas aplicativos; concepção, prototipagem e fomento às aplicações em serviços de governo, especialmente os que envolvem ampla disseminação de informações; fomento à capacitação em gestão de tecnologias de informação e comunicação na administração pública. P&D, tecnologias- chave e aplicações Identificação de tecnologias estratégicas para o desenvolvimento industrial, econômico e promoção de projetos de P&D aplicados a essas tecnologias nas universidades e no setor produtivo; concepção indução de mecanismos de difusão tecnológica; fomento a aplicações- piloto que demonstrem o uso de tecnologias-chave; promoção de formação maciça de 27 Linhas de Ação Atividade Proposta profissionais, entre eles os pesquisadores, em todos os aspectos das tecnologias de informação e comunicação. Infraestrutura avançada e novos serviços Implantação de infraestrutura básica nacional de informações, integrando as diversas estruturas especializadas de redes – governo, setor privado e P&D; adoção de políticas e mecanismos de segurança e privacidade; fomento à implantação de redes, de processamento de alto desempenho e à experimentação de novos protocolos e serviços genéricos; transferência acelerada de tecnologia de redes do setor de P&D para as outras redes e fomento à integração operacional. Fonte: Takahashi (2000). Observa-se que em todas as atividades vinculadas às linhas de ação do SocInfo, os requisitos básicos estão relacionados às TIC, pois não há de se promover comércio eletrônico, universalização do acesso à Internet, educação à distância, projetos de digitalização, informatização da administração pública, governo eletrônico, acesso e disseminação da informação sem as ferramentas oriundas das TIC. A partir das ações descritas no SocInfo seguiu-se para sua viabilização, por meio do Decreto Presidencial de 3 de abril de 2000, que contou com a participação de um grupo de trabalho interministerial para realização de estudos e diagnósticos. O trabalho do grupo contribuiu para a formulação da política de Governo Eletrônico e para o desenvolvimento do Portal Governo Eletrônico. Em 2002, o Comitê Executivo Eletrônico designado pela Presidência da República realizou um balanço de dois anos de governo eletrônico no Brasil, e destacou a necessidade de aperfeiçoamento na estrutura de divulgação, para a obtenção de maior impacto na sociedade e nos serviços públicos oferecidos. Em relação à universalização de acesso à Internet, o relatório evidenciou que as metas estabelecidas foram ousadas, o que inviabilizou o atingimento e, ainda, observou que não foi considerada a vocação dos órgãos e seu papel na gestão pública (BRASIL, 2002). O SocInfo perdeu prioridade na gestão pública federal a partir de 2003, em virtude de mudança na liderança política, falta de interação intra burocrática, dificuldade de articulação com a sociedade e falta de recursos (PINTO; FERNANDES, 2005). As metas do Portal Rede Governo não foram atingidas devido às limitações em relação ao conteúdo e a usabilidade, que implica no recurso informacional a favor do cidadão. O reduzido grau de interatividade do Portal e da maioria dos serviços disponibilizados podem estar relacionados à ausência de políticas de GI no âmbito da administração federal (JARDIM, 2007). 28 Apesar de as limitações evidenciadas nas avaliações, o Governo Federal manteve o Portal no período de 2000 a 2011 e, paralelamente, instituiu programas com foco na modernização da administração pública e no cidadão na perspectiva de cliente, como o Programa Nacional de Gestão Pública e Desburocratização (GesPública), resultado da fusão do Programa da Qualidade no Serviço Público (PQSP) e do Programa Nacional de Desburocratização (PrND), instituído por meio do Decreto nº 5378, de 23 de fevereiro de 2005. O Programa teve como objetivo contribuir para a melhoria da qualidade dos serviços públicos prestados aos cidadãos e para o aumento da competitividade do País mediante a melhoria contínua da gestão (BRASIL, 2005). O Documento de Referência (2007) do GESPÚBLICA classifica o programa como uma política pública voltada para a gestão alicerçada em um modelo de gestão pública singular, que incorpora as dimensões técnicas e social, antes restrita à dimensão política, e tem como premissas: a) ser de natureza pública; b) ser focada em resultados e demandas da sociedade ao se afastar da lógica de um serviço público apegado às normas da burocracia, de modo que a eficiência e a eficácia sejam avaliadas pela capacidade da gestão pública em melhorar a qualidade de vida dos cidadãos; c) ter um caráter federativo e republicano, pois sua base conceitual e instrumentos aplica-se a toda administração pública e se baseia nos princípios constitucionais da impessoalidade, da legalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência. Ao avaliar as contribuições decorrentes do Gespública, Grin (2015) concluiu que a apresentação dos fundamentos que o programa compreende ser a essência inovadora, são semelhantes às ações anteriores contempladas pelo Governo Federal, como a desburocratização, pautada desde o final da Década de 1970. O foco nos resultados e nos cidadãos presentes em diversos documentos que embasaram o debate sobre a reforma do Estado nos Anos 1990. Ressalta-se, ainda, a questão da qualidade na gestão pública, pois se trata de um movimento internacional desde os Anos 1980 em vários países. Apesar das críticas descritas por Grin (2015), observa-se uma inovação no Gespública por meio do Decreto nº 6.932, de agosto de 2009, que instituiu a Carta de Serviços ao Cidadão com informações sobre os serviços prestados pelos órgãos ou entidades vinculadas à administração pública, formas de acesso aos serviços e padrões de qualidade de atendimento ao público. 29 Falco (2000) define a carta de serviços públicos como um documento programático que objetiva criar uma nova relação entre os cidadãos e a administração pública e que aborda uma metodologia capaz de reorientar o serviço público em direção à demanda oriunda da sociedade. Corroborando com Falco (2000), Cordoba (2000) explica que não há um modelo padrão para as Cartas de Serviços, mas que se destina a informar o público sobre os aspectos de interesse. Para este autor as regras básicas de organização, estilo e apresentação da informação são definidas com uma margem de liberdade adequada às características de cada órgão, desde que garantida uma compreensão fácil e correta. Partindo da premissa de que não se estabelece um modelo fechado e único, as Cartas caracterizam-se como documentos informativos destinados ao público em geral a informá-lo sobre os aspectos de interesse, tanto intrínsecos quanto formais, e facilitadores dos benefícios e serviços a que se destinam e podem ter direito. Da mesma maneira, as regras básicas de organização, estilo e apresentação da informação são determinadas para que, sem prejuízo da margem de liberdade adequada às características de cada órgão ou organismo, seja garantida uma compreensão fácil e correta. A Carta de Serviços instituída por meio do Decreto nº 6.932/2009 objetivou facilitar e ampliar o acesso do cidadão aos seus serviços oferecidos pelo Estado, estimular a participação social no monitoramento do setor público, induzindo-o ao controle social e promovendo a melhoria da qualidade do atendimento prestado. Com o advento da Lei 12.527, de 18 de novembro de 2011, denominada LAI conforme anteriormente mencionado, modificam-se os meios de abordagem e atendimento relacionados ao acesso à informação. Na LAI é garantido o direito da sociedade em obter acesso à informação produzida ou custodiada pelos órgãos ou entidades ligadas direta ou indiretamente à administração pública, excetuando-se aquelas protegidas por sigilo. Amaral e Souza (2011) destacam que, com o advento da globalização, da Sociedade da Informação e do Conhecimento, e do desenvolvimento de TIC surge o excesso de informação disponível, fato que tende a dificultar a recuperação da informação relevante. No estudo realizado por Faraco, Niwa e Vicentim (2016), os autores entenderam que a preocupação da qualidade das informações por parte da administração pública brasileira fez com que esta se adequasse às TIC, direcionando recursos para a aquisição e desenvolvimento de ferramentas que propiciassem a comunicação com a sociedade. 30 Santos e Rover (2016) afirmam que com o acesso à informação e ao conhecimento, os cidadãos atingem uma maturidade cívica que lhe propicia o despertar para as questões públicas e, assim, se tornam formadores de opinião e colaboradores nos processos democráticos. Apesar das críticas presentes na literatura em relação à LAI, cabe ressaltar alguns avanços importantes para o acesso à informação no Brasil, como os citados por Paes et al. (2017) no estudo que avaliou os cinco anos de vigência da Lei. Nesses cinco anos que se passaram desde a entrada em vigor desta lei, muito se avançou na consolidação de um cenário de maior transparência e acesso à informação pública no Brasil. Houve progresso considerável no volume de informações acessíveis para a população. Diversas práticas necessárias de transparência ativa foram adotadas. Mecanismos para requerimento de informação foram estabelecidos em inúmeros órgãos públicos. A quantidade de cidades e estados que regulamentaram a LAI avançou consideravelmente. A taxa de pedidos de informação bem respondidos cresceu, assim como a quantidade de trabalhos jornalísticos de interesse público que utilizaram a LAI e a apropriação da sociedade civil dos mecanismos da lei (PAES et al. 2017, p.8). No estudo realizado por Vianna Júnior et al. (2019), que avaliou as contribuições da LAI para o avanço da transparência no Brasil com base na produção científica no período de 2011 a 2018, estes autores concluíram que a LAI é uma evolução institucional para o acesso à informação, para o controle social e para o acompanhamento das ações dos agentes públicos, mas observou-se uma certa resistência/dificuldade no acompanhamento da evolução da Internet pelo setor público e seu corpo técnico, em especial nos municípios de pequeno porte, por possuírem portais mais defasados em relação aos de nível federal. A literatura evidencia os termos ‘transparência’ e ‘publicidade’ quando se reporta à gestão pública e ao acesso à informação. A observância da transparência e da publicidade são diretrizes que norteiam o cumprimento da LAI e propiciam o exercício social nas atividades do Estado. Em relação à transparência, merece destaque o fato de a legislação brasileira explicar os termos “transparência ativa” e ``transparência passiva” por meio do Decreto 7.724, de 16 de maio de 2012. DA TRANSPARÊNCIA ATIVA [...] Art. 7º É dever dos órgãos e entidades promover, independente de requerimento, a divulgação em seus sítios na Internet de informações de interesse coletivo ou geral por eles produzidas ou custodiadas, observado o disposto nos arts. 7º e 8º da Lei nº 12.527, de 2011 (BRASIL, 2012). 31 Nota-se que, consoante o dispositivo legal, a transparência ativa pressupõe que as informações devem ser disponibilizadas independentemente de solicitação, ou seja, a administração pública tem o dever de disponibilizar as informações de interesse coletivo. Em se tratando da transparência passiva, o referido Decreto dispõe que a administração pública deve ser provocada a prestar a informação indisponível, por meio da solicitação do requerente. DA TRANSPARÊNCIA PASSIVA Seção I Do Serviço de Informação ao Cidadão Art. 9º Os órgãos e entidades deverão criar Serviço de Informações ao Cidadão - SIC, com o objetivo de: I - atender e orientar o público quanto ao acesso à informação; II - informar sobre a tramitação de documentos nas unidades; e III - receber e registrar pedidos de acesso à informação (BRASIL, 2012). Embora a obrigatoriedade da prestação da informação seja presente nos dispositivos legais, o estudo realizado Muller (2021) que analisou os portais dos municípios do Rio Grande do Sul evidenciou que dezenove municípios possuem um desempenho médio no atendimento às dimensões relacionadas à transparência e que, embora cinco municípios apresentem índices muito altos de transparência, esses não cumprem com todos os aspectos analisados. O desempenho médio evidenciado por Muller (2021) foi identificado a partir da utilização do Índice de Transparência da Gestão Pública (ITGP), considerando-se as perspectivas relacionadas à prestação de contas, divulgação de informações e participação da sociedade. A partir dos pressupostos apresentados destaca-se a necessidade de a administração pública assegurar que a informação seja administrada de modo a promover a qualidade da governança. Esse processo ocorre por meio das técnicas e ferramentas oriundas da gestão da informação. 32 3 GESTÃO DA INFORMAÇÃO Para entender a origem da GI é importante citar o movimento ocorrido no final do Século XIX e início do Século XX na Europa, denominado Movimento Bibliográfico. Este movimento teve como objetivo encontrar alternativas para a organização do crescente volume de documentos produzidos no período, em especial publicações científicas e técnicas, e contou com a participação de cientistas, pesquisadores, bibliotecários e bibliógrafos (SANTOS, 2007). Dentre os participantes destaca-se a presença de Paul Otlet1 (1868-1944) por sua proposta em atribuir à documentação um caráter científico. Diversos instrumentos documentários foram concebidos e construídos por Otlet durante seu trabalho no IIB; seu mérito, sem dúvida, foi o de ter reunido teoria e prática em um trabalho incansável para a consolidação de novas metodologias para a análise e síntese do conhecimento, visando à sua circulação. A erudição, o interesse pelas ciências sociais em particular e seu entusiasmo por certas vertentes do positivismo e cientificismo dominantes na época marcaram sua atuação. Na raiz do pensamento de Otlet está a crença de que a universalização do acesso ao conhecimento seria o caminho para a paz mundial (SANTOS, 2007, p.55). Paul Otlet trabalhou com Henri La Fontaine2 (1844-1943) e juntos constituíram em 1895, o Instituto Internacional de Bibliografia (IIB), com sede em Bruxelas, no Ministério de Interior da Bélgica, o qual coube a função de elaborar um Repertório Bibliográfico Universal (RBU), conforme o sistema de classificação de Dewey3 (1851-1931) denominado Dewey Decimal Classification (DDC), em português Classificação Decimal de Dewey (CDD). Paul Otlet e La Fontaine, passaram a defender e divulgar o IIB e suas ideias em diversos fóruns de 1 Paul Otlet (1868-1944) tem no Traité de Documentation: le livre sur le livre a expressão máxima de suas ideias; publicada em 1934, a obra é considerada o ápice na construção do pensamento desenvolvido desde a década de 1890, quando inicia seus estudos bibliográficos e documentalistas. Seu subtítulo nos chama atenção – Le livre sur le livre (o livro sobre o livro) – que sendo um tratado um “estudo a respeito de uma ciência, arte etc.” (AULETE, 2013) ou uma “obra que expõe ordenadamente os princípios de uma ciência ou arte” (MICHAELIS, c2020), enuncia o objeto de estudo da obra: o livro. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/eb/article/download/73450/45202/286610. Acesso em: 18 mar. 2022. 2 Jurista internacional belga e presidente da Associação Internacional Peace Bureau, entre 1907 e 1943. Doutorou-se em Direito pela Universidade de Bruxelas. Recebeu o Prémio Nobel da Paz em 1913 pelo seu trabalho pacifista defendendo os princípios de cooperação e paz internacionais. Fundou a Sociedade Belga para a Arbitragem e a Paz (1883). Entre 1920-21 representou a Bélgica na Sociedade das Nações. Disponível em: https://www.infopedia.pt/apoio/artigos/$henri-marie-lafontaine. Acesso em: 18 mar. 2022. 3 Melvil Dewey (1851-1931) publicou em 1876, de forma anônima, a primeira edição denominada ‘Classification and subject index for cataloging and arranging the books and pamphlets of a library’. Em 1885, publicou, assumindo a autoria, a segunda edição, com um novo título ‘Decimal classification and relative index’, o qual permaneceria até a décima sexta edição, em 1958. Disponível em: http://revista.ibict.br/liinc/article/view/4309/3947. Acesso em: 18 mar. 2022. 33 discussão científica. Em 1896, durante reunião em Londres, promovida pela Royal Society para debater sobre a Universal Decimal Classification4 (UDC), em português Classificação Decimal Universal (CDU), Herbert Havilland5 (1868-1921) declarou seu apoio ao projeto e sugeriu o uso da ficha catalográfica standard americana (ORTEGA, 2009). Em 1931 o IIB passou a ser denominado Instituto Internacional de Documentação (IID) e, em 1937, Federação Internacional de Documentação (FID). Em 1988 uma nova alteração foi realizada na razão social, a qual a FID passou à denominação de Federação Internacional de Informação e de Documentação (FID), perdurando até 2002, quando foi dissolvida (ORTEGA, 2009). A literatura do campo da Ciência da Informação (CI) reconhece a origem da GI na obra de Paul Otlet denominada Traité de documentation, publicada em 1934, em que se encontra as bases teóricas da disciplina. Na análise de Fontoura (2012) a obra de Otlet é um “[...] tratado da gestão da informação” devido às práticas da época em relação à documentação, que atualmente são desenvolvidas no âmbito da GI. Barbosa e Nassif (2012) destacam as contribuições de Otlet e La Fontaine para a GI no desenvolvimento dos princípios do campo da Documentação, os quais em meados da década de 1970 denominou-se Gerencia de Recursos Informacionais (GRI), conceito resultante da convergência entre informação e tecnologias de informação. Monteiro e Duarte (2019) citam a contribuição de Vannevar Bush6 (1890-1974) no 4 Classificação Decimal Universal (CDU) desenvolvido pelos belgas Paul Otlet (1868-1944) e Henri La Fontaine (1854-1943), a partir da Classificação Decimal do norte-americano Melvil Dewey (1851-1931), concebida para ordenação de livros e periódicos em bibliotecas. Disponível em: https://revista.enap.gov.br/index.php/RSP/article/download/2416/1307/6902. Acesso em: 18 mar. 2022. 5 Herbert Havilland (1868-1921) fundou e operou um dos maiores serviços de informação científica no início do Século XX, o Conciliam Bibliographicum. Realizou trabalho de inteligência durante a Primeira Guerra Mundial. Um dos primeiros pesquisadores a receber o Harvard Ph.D. Comprometido com o idealismo social e a paz internacional, dedicou-se a melhorar o acesso bibliográfico à literatura biológica e fundou o Concilium Bibliographicum em Zurique, Suíça, em 1895, mesmo ano em que Paul Otlet e Henri La Fontaine fundaram o Instituto Internacional de Bibliografia (IIB) em Bruxelas, Bélgica (tradução livre). Disponível em: https://www.asist.org/about/history-of-information-science/pioneers-of-information-science/herbert- haviland-field/. Acesso em: 18 mar. 2022. 6 Vannevar Bush (1890-1974) cientista norte-americano publicou o artigo “As we may think”, na revista The Atlantic Monthly, em 1945, após a Segunda Guerra Mundial. Presidiu o Instituto Carnegie para a Ciência, importante entidade de apoio à pesquisa científica dos Estados Unidos. A competência demonstrada na administração desse órgão e a experiência da cooperação científica entre civis e militares, durante a Primeira Guerra Mundial, resultou em sua nomeação para a Presidência do Comitê de Pesquisa da Defesa Nacional Americana, formado por cientistas e representantes de altas patentes das instituições de governo, pesquisa e ensino. O maior projeto do comitê, conhecido como Manhattan Project, deu-se sob seu comando. Foi Presidente do Office of Scientific Research and Development (OSRD). Disponível em: https://brapci.inf.br/index.php/res/download/95499. Acesso em: 18 mar. 2022. 34 desenvolvimento da GI por meio do ‘Memex’7, um dispositivo criado para automatizar as atividades de armazenamento, tratamento e recuperação da informação. Os pesquisadores Paul Otlet e Vannevar Bush deram início à GI, tendo em vista que suas proposições impulsionaram o movimento histórico em que a GI foi reconhecida posteriormente como disciplina, com objetivo de “[...] controlar, armazenar e recuperar eficientemente a informação produzida, recebida ou retida para usar a informação certa no momento adequado” (MONTEIRO; DUARTE, 2019, p. 93-94). No entendimento desses autores a origem da GI ocorreu a partir da concepção teórico- prática da GRI, de modo que a GI se tornou “[...] uma ferramenta empresarial que visava racionalizar as informações e utilizá-la estrategicamente” (MONTEIRO; DUARTE, 2019, p. 93). A GRI abrange três áreas: Administração, CI e Ciência da Computação. A diversidade dos campos científicos que subsidiam as pesquisas no âmbito da GRI propiciou diferentes terminologias e conceitos, tendo em vista que alguns pesquisadores utilizam a expressão ‘gestão da informação’ como sinônimo de ‘gestão de recursos informacionais’, entretanto, outros pesquisadores as distinguem (STARK; RADOS; SILVA, 2013, p. 62). A partir dos pressupostos de Stark, Rados e Silva (2013) apresenta-se algumas definições sobre GI (Quadro 2). Quadro 2: Definições sobre gestão da informação Autor Definição DAVENPORT (1994, p. 84) O gerenciamento de todo o ambiente informacional de uma organização. DAVENPORT (1998, p. 173) Um conjunto estruturado de atividades que incluem o modo como as empresas obtêm, distribuem e usam a informação e o conhecimento. DIAS, BELUZO (2003, p. 65) Um conjunto de conceitos, princípios, métodos e técnicas utilizados na prática administrativa e colocados em execução pela liderança de um serviço de informação [...] para atingir a missão e os objetivos fixados. CHOO (2003, p. 403) Sugerimos que a administração da informação seja vista como a administração de uma rede de processos que adquirem, criam, organizam, distribuem e usam a informação. VALENTIM (2008, p. 4) [...] conjunto de atividades que visa: obter um diagnóstico das necessidades informacionais; mapear os fluxos formais de informação nos vários setores da organização; prospectar, coletar, filtrar, monitorar, disseminar informações de diferentes naturezas; e elaborar serviços e produtos informacionais, objetivando apoiar o desenvolvimento das 7 Memex – “Considere um futuro dispositivo para uso individual, que é uma espécie de biblioteca e arquivo privado mecanizado. Precisa de um nome e, para cunhar um ao acaso, "memex" servirá. Um memex é um dispositivo no qual um indivíduo armazena todos os seus livros, registros e comunicações, é mecanizado para que possa ser consultado com extrema rapidez e flexibilidade. É um artefato íntimo que amplia sua memória. Consiste em uma mesa e, embora possa presumivelmente ser operado à distância, é principalmente o artefato no qual trabalha. Na parte superior estão telas translúcidas inclinadas, nas quais o material pode ser projetado para leitura conveniente. Há um teclado e conjuntos de botões e alavancas” (tradução livre). Disponível em: https://www.theatlantic.com/magazine/archive/1945/07/as-we-may-think/303881/. Acesso em: 1 mar. 2022. 35 Autor Definição atividades/tarefas cotidianas e o processo decisório nesses ambientes. DUARTE (2011, p. 162) O estudo dos processos informacionais, do modo como a informação pode ser organizada, armazenada, recuperada e utilizada para a tomada de decisões e para a construção do conhecimento. STARK; RADOS; SILVA (2013, p. 63) Um processo legítimo que vem da necessidade de integrar e coordenar a heterogeneidade dos recursos informacionais existentes nas organizações. CARVALHO; ARAÚJO JÚNIOR (2014, p. 73) Um processo que busca agregar valor à informação, utilizando para tanto os mecanismos de seleção, análise, armazenamento e disseminação, para que as informações sejam usadas nas tomadas de decisão e nos processos organizacionais. MONTEIRO, (2015, p. 8) Um conjunto de atividades realizadas com a finalidade de controlar, armazenar e recuperar de maneira eficiente a informação produzida, recebida ou retida, desde que traga benefícios para a organização em questão. Fonte: Elaborado pela autora (2022). Apesar da evidente interdisciplinaridade da GI com outros campos de conhecimento, observa-se, como demonstrado nas definições relacionadas, um vínculo expressivo com as áreas de Administração, CI e Ciência da Computação. Esse vínculo se explica em virtude das atividades desenvolvidas no âmbito da GI. Na área de Administração engloba as atividades de planejamento, organização, direção e controle. Na área de CI se apoia nas atividades de geração, coleta, organização, interpretação, armazenamento, recuperação, disseminação, transformação e uso da informação (CAPURRO; HJORLAND, 2007). Na área de Ciência da Computação traz os mecanismos automatizados para o armazenamento, manuseio e recuperação da informação (CAFEZEIRO; COSTA; KUBRUSLY, 2016). Retomando a origem da GI, destaca-se a promulgação da Lei Paperwork Reduction Act que representa a formalização de processos, atividades e tarefas. Essa Lei foi instituída para reduzir o elevado volume de informações coletadas da sociedade e de empresas pelo governo dos Estados Unidos e estabelecer uma política de informação e, dessa maneira, reduzir a burocracia e aprimorar a economia e a eficiência governamental e das empresas (MESA, 2006). Fontoura (2012) constatou que essa iniciativa, uma das primeiras, evidencia a prática da GI, criando um elo entre o Estado e a sociedade. Nas décadas de 1990 e 2000 a GI evoluiu inicialmente por meio de estudos que evidenciam como uma ferramenta estratégica apoiada na tecnologia e, posteriormente, por meio do desenvolvimento do ambiente digital, conforme apresentado por Monteiro e Duarte (2019, p. 94). A partir desse período histórico, despontou uma nova linha de estudos que se aprofunda na gestão da informação como uma ferramenta estratégica que envolve tecnologia e processos cada vez mais holísticos capazes de abranger 36 toda a diversidade e tipicidade organizacional em que a gestão da informação foi implantada. Apoiada em áreas de tecnologia e Administração de empresas, a gestão da informação se desenvolve em um novo ambiente, o digital, a partir dos anos 2000 a gestão da informação passa a ser implantada como ferramenta fundamental no processo de gestão das organizações, no intuito de oferecer a qualidade e eficácia dos sistemas dessas (MONTEIRO; DUARTE, 2019, p. 94). Baseado nos pressupostos sobre a origem da GI, seus conceitos, definições e a utilização de recursos advindos das TICs, e conteúdos informativos para o desenvolvimento de estratégias, no intuito da estruturação de processos e atividades organizacionais, aplicar a GI significa gerenciar os conteúdos produzidos pelas organizações por meio de “[...] um conjunto estruturado de atividades que incluem o modo como as empresas obtêm, distribuem e usam a informação e o conhecimento” (DAVENPORT; PRUSAK, 1998, p.173). Davenport e Prusak (1998) destacam que o processo de GI se inicia a partir da estruturação dos dados, seguido da organização da informação e da capacidade de captação do conhecimento. Para estes autores a aplicação da GI requer o gerenciamento de conteúdos informacionais produzidos por uma determinada organização. Marchiori (2002) diverge de Davenport e Prusak (1998) ao afirmar que a GI se inicia com a demanda da informação. A partir da demanda a GI se constitui em um processo de atendimento a um indivíduo ou grupo, cujas etapas envolvem elementos que podem subsidiar uma resposta adequada. Por meio da GI são identificados conteúdos de informação em diversos formatos e canais, sejam internos e/ou externos ao ambiente organizacional, contemplando indivíduos e/ou grupos aos quais oferecem seus serviços informacionais. Esta autora destaca, ainda, a agregação de valor à informação como parte do processo de gestão, sendo que nessa atividade é necessário um profissional com competências e habilidades para realizar os processos informacionais. Na perspectiva de Marchiori (2002), a GI agrega um conjunto de processos que engloba atividades de planejamento, direção, organização, distribuição e controle de recursos de qualquer natureza para a obtenção de um sistema, um produto e/ou um serviço, atividades estas oriundas da gestão sob a ótica da administração. Além disso, a GI deve incluir as dimensões estratégicas e operacionais. Sob o enfoque da tecnologia, a GI é compreendida em um contexto organizacional, e requer otimização por meio de diferentes arquiteturas que envolvem desde hardware, software a redes de telecomunicação adaptáveis aos diversos sistemas de informação. 37 O estudo de Dias e Belluzzo (2003) evidencia que o gerenciamento da informação requer políticas que impactem no interesse das organizações e em suas cadeias produtivas. As políticas envolvem a modernização, a otimização, o aumento da qualidade de produtos e processos. Para estas autoras a capacidade de adquirir, tratar e interpretar a informação de modo eficaz, propicia a difusão e a transmissão do conhecimento gerado na organização, por meio do uso intensivo dos canais de comunicação. Barbosa (2008) complementa o posicionamento de Dias e Belluzzo (2003) ao destacar que a obtenção e o uso da informação são fatores de transformação social e econômica. Nesse contexto, a adoção de uma perspectiva integradora da GI e do conhecimento nos ambientes organizacionais, propicia a competitividade da organização. North e Rivas (2010) compartilham do pensamento de Dias e Belluzzo (2003) ao afirmarem que uma organização orientada ao conhecimento, utiliza o conhecimento para aumentar a eficiência, resultando na geração de saberes baseados nas informações, transformando-as em diferenciais competitivos sustentáveis, os quais serão mensuráveis como êxitos em suas atividades. Stark, Rados e Silva (2013, p. 70) relatam que os elementos que compõem o sistema de GI, seus parâmetros, conexões e inter-relações devem ser interpretados para promover o gerenciamento da informação em uma visão sistêmica, pois a interação entre os componentes caracteriza a existência de um sistema como entidade. [...] é preciso entender qual é o ambiente da gestão da informação e seu papel dentro dele: as relações de interdependência, as fontes de recursos, os destinatários dos produtos e serviços, as regras que devem ser obedecidas. Principalmente, a missão do sistema dentro do ambiente: sua utilidade para outros sistemas. Ao entender a relação entre o sistema e seus componentes, dentro de uma perspectiva de totalidade, tem-se condições objetivas de intervir sobre essa realidade, de buscar soluções de forma mais eficiente e eficaz (STARK; RADOS; SILVA, 2013, p.70). Cabe destacar, ainda, um estudo realizado por Monteiro (2015) que identificou a relação da GI com a qualidade no campo negocial e no campo social, considerando a linha de pensamento da CI. No campo negocial a GI atua no sentido de organizar os estoques informacionais devido ao excesso informacional e, dessa maneira, disponibiliza informações com qualidade. No campo social a GI volta-se para a utilização prática da informação, ou seja, visa solucionar problemas pessoais de informação focando as necessidades informacionais. 38 3.1 A teoria sistêmica como base epistemológica para a Gestão da Informação Esta pesquisa se identifica com as correntes teóricas provenientes da CI. Nesse intuito, ao analisar as correntes teóricas da CI, Araújo (2009) apresenta a Teoria Matemática da Comunicação, também denominada Teoria da Informação, como sendo a primeira teoria a exprimir o conceito científico de informação, fato que impactou os estudos posteriores sobre a transferência da informação. O autor destaca a Teoria Geral dos Sistemas (TGS) no campo científico da CI, a partir do predomínio da lógica matemática no conceito de informação. A TGS começou a ser estudada na Década de 1950 pelo biólogo Ludwig von Bertalanffy, que buscava em seus estudos a produção de conceitos que proporcionassem condições de aplicações na realidade, considerando-se a ótica das questões científicas dos sistemas. Para Bertalanffy (2009) a TGS objetiva aprimorar a compreensão de sistema, considerado pelo autor como um conjunto de organismos vivos que buscam atingir objetivos comuns. O autor difundiu a ideia de que o organismo se refere ao todo maior que a soma das partes e que é necessário estudar as partes e os processos isoladamente, pois segundo este autor o todo é resultado da interação que ocorre entre as partes, entretanto não considera o todo a soma das partes. As pesquisas de Bertalanffy (2009) serviram de inspiração para outros pesquisadores no estudo de sistemas como, por exemplo, Edgar Morim, cujo aprofundamento teórico contribuiu enormemente para os estudos sob a complexidade dos sistemas. No estudo sobre as correntes teóricas da CI, Araújo (2009) identificou que a TGS apresentou duas manifestações significativas para a CI: a função da informação na sociedade e o desenvolvimento das teorias sobre os sistemas de informação. Em virtude dessas manifestações surgiram estudos dedicados ao mapeamento da importância das instituições e serviços de informação e a descrição dos processos necessários ao funcionamento dos sistemas de informação, identificando-se os conceitos sistêmicos em todo o raciocínio. Os sistemas de informação são sempre pensados a partir da lógica dos processos de entrada (entrada de dados, com a aquisição de itens informacionais, a seleção destes itens para a composição de determinado acervo), de processamento (os itens informacionais que dão entrada num sistema de informação precisam ser descritos, catalogados, classificados, indexados) e de saída (pelo acesso aos itens informacionais por parte dos usuários, na forma de disseminação, entrega da informação, empréstimo, etc.) (ARAÚJO, 2009, p. 195). Corroborando com Bertalanffy (2009), Araújo (2009) entende que a TGS tem como pilar o entendimento que “[...] o todo é maior do que as partes e de que as partes devem ser 39 estudadas, necessariamente, a partir da função que desempenham para a manutenção e sobrevivência do todo”. Nesse sentido, pode-se inferir que a TGS parte do pressuposto de que a organização é um conjunto de áreas/departamentos, que interligadas propiciam a continuidade da organização. A partir do estudo da TGS identificou-se uma forte relação que, por sua vez, alicerçou a Teoria da Complexidade. Para explicar essa relação é importante entender inicialmente o conceito de sistema. Sistema “[...] é uma forma lógica de apreensão da realidade” (LIEBER, 2001, p.1), um conjunto de partes interagentes e interdependentes que, conjuntamente, formam um todo unitário com determinado objetivo e efetuam determinada função” (OLIVEIRA, 2002, p.35) e, corresponde a “[...] disposição das partes de um todo que, de maneira coordenada, formam a estrutura organizada, com a finalidade de executar uma ou mais atividades ou, ainda, um conjunto de eventos que repetem ciclicamente na realização de tarefas predefinidas” (BATISTA, 2004, p.22). Baseado nos conceitos apresentados pode-se inferir que os sistemas atuam como facilitadores nos processos organizacionais. Uma organização é um sistema aberto que possui demandas informacionais de modo contínuo referente ao ambiente no qual está inserida. Nessa perspectiva, se faz necessária a adoção/desenvolvimento de um sistema de informações capaz de prestar à informação o tratamento necessário para ocorrer a geração de conhecimento organizacional, e esse conhecimento possa subsidiar a tomada de decisão (SILVA; SANTOS; KONRAD, 2016). Considerando-se a complexidade dos sistemas, tem-se que um sistema complexo é formado por um elevado número de unidades que interagem entre si e, a partir dessa interação, emerge um comportamento coletivo. É um tipo de sistema que não possibilita a representação e a descrição de maneira compacta. Ribeiro (2016) descreve o movimento das unidades que compõem o sistema complexo. Em um sistema complexo, as unidades armazenam e processam informações e estão constantemente evoluindo e se adaptando. As unidades captam essas informações, na maioria das vezes, de sua vizinhança, ou seja, de outras unidades que estão próximas em sua rede de interação. E às vezes, as unidades também captam informações globais, proveniente de um nível macroscópico. Por meio dessas informações, as unidades tomam suas decisões ou mudam seus estados individuais. Dessa forma, estes sistemas estão constantemente evoluindo em resposta às modificações de suas vizinhanças ou do próprio sistema como um todo, o que torna difícil (ou 40 talvez impossível!) descrevê-los em termos simples e compactados (RIBEIRO, 2016, p. 9). De acordo com a definição de Ribeiro (2016) entende-se que os sistemas complexos têm uma estrutura hierárquica e são compostos por muitos elementos em diferentes escalas, com todos os níveis sendo afetados uns pelos outros. Embora cada nível seja interligado e interdependente com outro nível, não há como isolar um comportamento ou reduzi-lo segundo o princípio da Teoria da Complexidade. Barbosa (2019, p. 103) complementa as observações de Ribeiro (2016) ao afirmar que “[...] o pensamento complexo para os sistemas reconhece a complexidade dos processos, dos seus comportamentos e de suas relações, visando uma melhor e mais abrangente compreensão da realidade”. Baseado nas definições de sistemas, Torres (2005) apresenta a concepção da Teoria da Complexidade quanto à interdependência de todos os fenômenos e, na visão complexa, a definição da realidade por meio de relacionamentos e processos, com foco na qualidade desses elementos (Figura 1). Figura 1: Visão complexa de mundo Fonte: Torres (2005). 41 Na concepção de Torres (2005), a adoção de uma liderança compartilhada ao invés de uma estrutura de comando e controle faz emergir a criatividade e a coevolução, fato que propicia às pessoas o envolvimento na tomada de decisão e, como consequência, tem-se a motivação. A criação de significado de forma consensual resultante do diálogo eleva a qualidade e a produtividade, pois o domínio coletivo proporciona a melhoria na interação dos grupos, de maneira que os participantes visualizem melhor as conexões no trabalho e desenvolvam a capacidade de alavancar a diversidade inerente a qualquer equipe. Como efeito das múltiplas interações, as quais o observador faz parte, este afeta e é afetado pela realidade observada, pois não há uma resposta correta. Para o autor supracitado, a Teoria da Complexidade “[...] é um novo modo de investigação das mudanças [...] um instrumento útil para entender as mudanças sociais no mundo, pois desafia as suposições convencionais de estabilidade natural, equilíbrio, processos lineares e previsibilidade” (TORRES, 2005, p. 6). Observa-se que o pensamento sistêmico, originado da TGS, pressupõe a complexidade, tendo em vista que a simplificação inibe as relações entre os fenômenos do universo. Nesse sentido, é necessário entender os diferentes níveis de complexidade para entender o todo. A evolução na atividade de GI evidencia o envolvimento da área nas relações e comunicações entre usuários, fontes de informação e tecnologia. Na literatura são abordados diversos modelos de GI que propiciam o entendimento da importância que a informação exerce nas organizações. 3.2 Modelos de Gestão da Informação Em geral as instituições possuem áreas específicas para o gerenciamento das informações de uma forma sistemática, utilizando-se de conceitos, técnicas e ferramentas no desenvolvimento da atividade. Modelos de GI estão disponíveis na literatura, sendo concebidos visando potencializar a informação, o desempenho organizacional e a tomada de decisão. Dentre os modelos explorados destacam-se os desenvolvidos por McGee e Prusak (1994), Davenport e Prusak (1998), Choo (2003), Valentim (2004), Rascão (2006), Assis (2008), Ponjuán Dante (2011). Stark, Rados e Silva (2013) realizaram um estudo que abordou a comparação entre os referidos modelos, e identificaram etapas comuns no que se refere aos processos vinculados ao ciclo da informação. Estes autores concluíram que os modelos direcionados ao processo 42 de GI apresentam como características principais a transformação de dados em produtos de informação voltados aos usuários internos ou externos. Nesse sentido, apresentam-se alguns modelos presentes na literatura que podem servir de suporte aos gestores da informação. 3.2.1 Modelo de McGee e Prusak O modelo de McGee e Prusak (1994) é baseado no gerenciamento estratégico da informação, e pressupõe a maximização da competitividade e da eficiência da organização. Para os autores “[...] a estratégia competitiva é um mapa de informações que responde a perguntas sobre a maneira pela qual a empresa irá operar em um mundo onde a informação desempenha um papel importante” (McGEE; PRUSAK, 1994, p. 43) como demonstra a Figura 2, a seguir. Fidelis e Cândido (2006) identificaram que a informação é fundamental na definição e execução da estratégia, sendo possível torná-la um veículo de avaliação de desempenho. Figura 2: Modelo de GI – McGee e Prusak Fonte: McGee e Prusak (1994). Observa-se no ciclo do processo a ênfase na análise e uso da informação a partir da identificação das necessidades e requisitos de informação. Os autores supracitados afirmam que no processo genérico de GI a ênfase atribuída à informação varia conforme o segmento econômico de cada organização, assim como as tarefas presentes no modelo em relação ao grau de importância. Os autores, ainda, afirmam que cada etapa possui um grau de importância, de acordo com as necessidades dos usuários da informação. 43 3.2.2 Modelo de Davenport e Prusak O modelo desenvolvido por Davenport e Prusak (1998) foi denominado ‘Ecologia da Informação’, e tem como base a maneira como as pessoas criam, distribuem, compreendem e usam a informação. Para estes autores, os gestores, ao adotarem uma abordagem ecológica, acreditam que a informação não é constituída apenas de dados e possui muitos significados no contexto organizacional. O processo de arquivamento não é uma tarefa simples e quanto maior a complexidade do modelo adotado, menor será sua aplicabilidade. A tecnologia faz parte de um dos componentes do ambiente da informação e recebe a mesma importância que os demais elementos. O modelo está centrado no uso eficiente da informação, ou seja, como as pessoas criam, distribuem e compreendem a informação. Nesse contexto, cabe ao gestor da informação planejar o ambiente de informação, de modo a eliminar a rigidez de alguns controles centrais inviáveis e delegar a responsabilidade por informações específicas às pessoas que necessitam e utilizam informações. As atividades do gestor da informação não se limitam a designs arquiteturais e TIC, mas englobam também “[...] estratégia, política e comportamento ligados à informação, além de suporte a equipes e processos de trabalho para produzir ambientes informacionais melhores” (DAVENPORT; PRUSAK, 1998, p. 43). Davenport e Prusak (1998) enumeram quatro atributos-chave para o modelo denominado ‘Ecologia da Informação’: 1) integração dos diversos tipos de informação; 2) reconhecimento de mudanças evolutivas; 3) ênfase na observação e na descrição; 4) ênfase no comportamento pessoal e informacional. Estes autores explicam que para haver integração são necessárias mudanças no gerenciamento e na estrutura organizacional. As pessoas responsáveis por essa integração informacional necessitam definir o seu papel no processo, ou seja, agir com clareza ao definir as atividades, identificar os tópicos-chaves, e entender como as diversas fontes, tipos e perspectivas da informação podem contribuir para a organização. Quanto ao reconhecimento de mudanças evolutivas, Davenport e Prusak (1998) reconhecem que os sistemas de informação devem ser flexíveis, de modo a propiciar as transformações que se fizerem necessárias, em virtude da dinâmica em torno da informação. Nessa perspectiva, a organização deve contemplar no planejamento as possíveis futuras transformações. No que se refere à ênfase na observação e na descrição do ambiente informacional 44 Davenport e Prusak (1998) afirmam que uma mesma informação pode ser usada em diferentes contextos e processos de trabalho. Relacioná-la às intenções e aos objetivos da organização se constitui em uma tarefa primordial, mas complexa. Assim, prever o futuro é impossível, tendo em vista a dinâmica dos ambientes interno e externo. Nessa perspectiva, o trabalho deve se concentrar no desenvolvimento de mapas informacionais atuais. Ao projetar novos projetos informacionais deve-se considerar o conhecimento gerado em projetos anteriores, como afirmam Davenport e Prusak (1998, p. 48). Precisamos começar a perguntar como a informação é reunida, compartilhada e utilizada hoje, e o que podemos aprender com ela. Sabemos muito pouco sobre o uso da informação nas organizações, e o primeiro passo é observar as 'espécies' (usuários da informação) relevantes em seu hábitat natural (DAVENPORT; PRUSAK, 1998, p. 48). O atributo ênfase relacionado ao comportamento informacional é centrado no usuário da informação. Nesse sentido, a informação produzida e distribuída deve ser pensada a partir da maneira que as pessoas realizam os processos de busca, apropriação, compartilhamento e uso. Davenport e Prusak (1998) atribuem à descrição um elemento fundamental na ecologia da informação, por propiciar o entendimento do ambiente informacional. A Figura 3 apresenta o modelo desenvolvido pelos autores. Figura 3: Modelo de GI – Davenport e Prusak Fonte: Davenport e Prusak (1998, p. 120). 45 O ambiente informacional é a base da abordagem ecológica da informação, constituído por seis componentes: estratégia, política, cultura/comportamento, equipe, processo e arquitetura, os quais são definidos por Davenport e Prusak (1998): a) Estratégias de informação: envolvem a alta administração e giram em torno do seguinte questionamento: Qual a utilidade da informação na organização? Para se obter a resposta é necessário traçar os princípios básicos para expressar a estratégia informacional da organização. As estratégias envolvem todos os aspectos da ecologia da informação e promovem a comunicação, o debate e o consenso. Isso significa afirmar que a estratégia gira em torno de escolha e ênfase, contribuir