DAS TRANSFORMADAS INTEGRAIS AO CÁLCULO FRACIONÁRIO APLICADO À EQUAÇÃO LOGÍSTICA Najla Varalta Dissertação apresentada à Universidade Esta- dual Paulista “Júlio de Mesquita Filho" para a obtenção do título de Mestre em Biometria. BOTUCATU São Paulo-Brasil Fevereiro – 2014 DAS TRANSFORMADAS INTEGRAIS AO CÁLCULO FRACIONÁRIO APLICADO À EQUAÇÃO LOGÍSTICA Najla Varalta Orientador: Prof. Dr. Rubens de Figueiredo Camargo Dissertação apresentada à Universidade Esta- dual Paulista “Júlio de Mesquita Filho" para a obtenção do título de Mestre em Biometria. BOTUCATU São Paulo-Brasil Fevereiro – 2014 Varalta, Najla. Das transformadas integrais ao cálculo fracionário aplicado à equação logística / Najla Varalta. - Botucatu, 2014 Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista, Instituto de Biociências de Botucatu Orientador: Rubens de Figueiredo Camargo Coorientador: Fernando Luiz Pio dos Santos Capes: 10104003 1. Cálculo fracionário. 2. Biomatemática. 3. Tumores - Crescimento. 4. Transformadas integrais. 5. Equações integrais. Palavras-chave: Biomatemática; Cálculo fracionário; Dinâmica de tumores de câncer; Equação logística. FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA SEÇÃO TÉC. AQUIS. TRATAMENTO DA INFORM. DIVISÃO DE BIBLIOTECA E DOCUMENTAÇÃO - CAMPUS DE BOTUCATU - UNESP BIBLIOTECÁRIA RESPONSÁVEL: ROSEMEIRE APARECIDA VICENTE - CRB 8/5651 Dedicatória À minha família, mãe, irmã e pai. “Se eu vi mais longe, foi por estar de pé sobre ombros de gigantes.” -Isaac Newton Agradecimentos Primeiramente, agradeço a Deus por ter me proporcionado à oportu- nidade de conviver com tantas pessoas maravilhosas que me ajudaram direta ou indiretamente para a conclusão deste trabalho. Ao meu orientador Rubens, a quem devo os meus sinceros agradeci- mentos pela ajuda incansável na elaboração desta dissertação, bem como seus ensi- namentos, conselhos, exemplo e amizade construída durante esses anos. Ao meu co-orientador Fernando por suas idéias e correções ao longo da construção deste trabalho. À Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior (CA- PES) por ter financiado parte deste trabalho. À minha amada família: minha mãe Maria de Fátima V. Varalta, minha irmã Nataly Varalta e ao meu pai José Ernesto Varalta, pela preocupação, apoio e incentivo diário em minha vida. Aos Professores Doutores José Antônio Tenreiro Machado (Instituto de Engenharia do Porto, Portugal), Francesco Mainardi (Universidade de Bologna, Itália) e Edmundo Capelas de Oliveira (UNICAMP) por disponibilizarem referências importantes e por profícuas discussões. Agradeço à minha família, em particular ao meu Tio Adonis e sua família, minha tia Carmen e a minha madrinha Kátia Maia. Aos meus amigos da graduação e da pós-graduação. Em especial, aos meus amigos Renan Gonçalves, Paula Vergílio, Vanessa Alves, Antoneli Santos, Ana Rodrigues, Lucas Paro, Tho- mas Vilches, e Lucas Tauil por vocês sempre estarem dispostos a me ajudar, ouvir, apoiar e confiar em mim. Inúmeros foram os amigos que fizeram parte desta minha v caminhada, infelizmente não citei todos, pois seria inevitável o esquecimento, mas agradeço tudo e a todos que me ajudaram. A todo o corpo docente da Licenciatura em Matemática, UNESP cam- pus Bauru e do Instituto de Bioestatística de Botucatu, pelo apoio e embasamento teórico indispensável para esta dissertação. Em particular, agradeço ao Professor Doutor Luiz Francisco da Cruz pelos conselhos e orientações durante minha gra- duação, e também ao Professor Doutor Alexys Bruno Alfonso que me ajudou com sábios conselhos, discussões e também na parte numérica desta dissertação. Sem me esquecer também, do papel fundamental da Ivone Barbiere que me ajudou com to- das as documentações necessárias durante este percurso e do Professor Doutor José Raimundo Passos, que ajudou na correção deste trabalho. Muito Obrigada! Sumário Página LISTA DE FIGURAS ix RESUMO x SUMMARY xii 1 INTRODUÇÃO 1 2 FUNÇÕES ESPECIAIS 5 2.1 Funções Gama e Beta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 2.1.1 Função Gama . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 2.1.2 Propriedades da Função Gama . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6 2.1.3 Função Beta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8 2.1.4 Relações entre Função Beta e Gama . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8 2.2 Transformada de Laplace . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9 2.2.1 Convolução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10 2.2.2 Transformada de Laplace Inversa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 2.3 Funções de Mittag-Leffler . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 2.3.1 Função de Mittag-Leffler de Um Parâmetro . . . . . . . . . . . . . . . 11 2.3.2 Função de Mittag-Leffler de Dois Parâmetros . . . . . . . . . . . . . . 12 2.3.3 Propriedades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12 2.3.4 Casos Particulares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 2.3.5 Uma relação importante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14 vii 2.3.6 Transformada de Laplace . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15 2.4 Função de Gel’fand-Shilov . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16 2.4.1 Transformada de Laplace . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 3 CÁLCULO FRACIONÁRIO 18 3.1 Um prelúdio ao Cálculo Fracionário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18 3.2 Um dilema pertinente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21 4 A INTEGRAL FRACIONÁRIA 23 4.1 Integrais de Ordem n . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23 4.1.1 Teorema . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24 4.2 Integrais Fracionárias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24 4.2.1 Definição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25 4.2.2 Outras definições . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25 4.3 Lei dos expoentes para Integrais Fracionárias . . . . . . . . . . . . . . . . 26 4.3.1 Alguns exemplos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28 5 DERIVADAS FRACIONÁRIAS 29 5.1 Definição de Riemann-Liouville . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29 5.2 Definição de Caputo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31 5.2.1 Generalização da função et . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32 5.3 Riemann-Liouville x Caputo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 5.3.1 Transformada de Laplace . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36 5.4 Definição segundo Grünwald-Letnikov . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39 5.5 Leis dos Expoentes para a Derivada Fracionária . . . . . . . . . . . . . . 40 6 APLICAÇÕES 42 6.1 Equação Logística . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45 6.1.1 Modelo Clássico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47 6.1.2 Modelo Fracionário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49 6.1.3 Análise Comparativa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51 viii 6.2 Dinâmica Tumoral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51 6.2.1 Modelos de Crescimento Tumoral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55 7 CONCLUSÕES 58 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 60 Lista de Figuras Página 1 Gráfico de Eα,α+1(x α) para diferentes valores de α. . . . . . . . . . . . . 15 2 Gráfico da função de Gel’fand-Shilov. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 3 Gráfico de Eα(t). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33 4 Gráfico de Eα(−t). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33 5 Gráfico de Eα(t α). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34 6 Gráfico de Eα(−tα). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34 7 Bactérias em um meio ideal. Figura extraída de: http://www.rocketswag.com/medicine/disease-prevention/infectious- diseases/bacteria/What-Helps-Bacteria-Grow.html; acessada em 15 jan. 2014. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43 8 Crescimento de bactérias em um meio ideal. . . . . . . . . . . . . . . . . 45 9 Solução da equação (35), em N(t). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51 10 Tamanho do tumor em relação às divisões celulares. Figura retirada de Rodrigues et al. (2011). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53 11 Figura da angiogênese tumoral retirada de Rodrigues et al. (2011). . . . 54 12 Crescimento tumoral, em N(t). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55 13 Crescimento de tumor em humanos de acordo com os modelos Exponen- cial, Logístico, Gompertz e Logístico Fracionário. . . . . . . . . . . . . . 57 DAS TRANSFORMADAS INTEGRAIS AO CÁLCULO FRACIONÁRIO APLICADO À EQUAÇÃO LOGÍSTICA Autora: NAJLA VARALTA Orientador: Prof. Dr. RUBENS DE FIGUEIREDO CAMARGO RESUMO Neste trabalho, apresentamos algumas definições de funções inerentes ao Cálculo Fracionário bem como as definições para Derivada e Integral Fracionárias. Como um dos objetivos primordiais deste trabalho é solucionar problemas reais, foi dado um enfoque à derivada fracionária segundo Caputo, uma vez que esta definição é mais pertinente a este tipo de problema, como vamos ver mais adiante. Apresentamos o modelo exponencial que descreve o crescimento bac- teriano em um meio ideal e propomos uma generalização do mesmo via Cálculo Fracionário. Com o intuito de refinar a solução dada pela clássica equação logística e ampliar o seu campo de aplicações no estudo de dinâmicas tumorais, propomos e resolvemos uma generalização para a mesma, utilizando o Cálculo Fracionário, isto é, substituímos a derivada de ordem 1 presente na equação ordinária por uma de- rivada de ordem não inteira 0 < α ≤ 1. Em ambos os casos, a solução da equação fracionária tem, como caso particular, a solução do modelo clássico. xi Por fim, apresentamos a parte original deste trabalho, i.e., analisamos a aplicabilidade do modelo Logístico Fracionário para a descrição do crescimento de tumores de câncer, isto é, sabendo os modelos de crescimentos tumorais presentes na literatura, mostramos graficamente que o comportamento do modelo proposto é, em diversos casos, mais conveniente para descrever o crescimento de tumores de câncer do que os modelos usualmente utilizados. FROM INTEGRAL TRANSFORMS TO FRACTIONAL CALCULUS APPLIED TO LOGISTIC EQUATION Author: NAJLA VARALTA Adviser: Prof. Dr. RUBENS DE FIGUEIREDO CAMARGO SUMMARY This work presents the definitions of some important functions inherent to Fractional Calculus as well as the definitions for Fractional Integral and Fractional Derivative. One of the main goals of this work is to solve real problems, that is why focus was given on fractional derivatives, in accordance with Caputo, once this definition is more pertinent to this kind of problem. It was introduced the exponential model wich describes bacterial growth in an ideal way and it was proposed its generalization through Fractional Calculus. In order to refine the solution given by the classical logistic equation and expand its application range in the study of tumor dynamics, we propose and solve its generalization, using the Fractional Calculus , i. e., we replace the derivative of order 1 in the ordinary equation by a non-integer order derivative 0 < α ≤ 1. In both cases, the solution of the fractional equation has as a special case the solution of the classic model. xiii Finally, we present the original part of this work, i.e., we analyse the applicability of the fractional logistic model to describe the growth of cancer tumor, that is, we compare the model with some presented in the literature and showed graphically that in several cases our model is more convenient than the usual ones. 1 INTRODUÇÃO A principal motivação para se estudar métodos para resolver equações diferenciais é buscar entender o processo físico que se acredita ser inerente à equação estudada. A importância das equações diferenciais é que mesmo as equações mais simples correspondem a modelos físicos úteis, como, por exemplo, o crescimento de uma população, proliferação de uma doença, sistemas massa-mola, circuitos elétricos, dentre outros. A construção, bem como a compreensão, de um processo complexo é alcançada, em geral, através da compreensão de modelos mais elementares. Desta forma, o conhecimento profundo e detalhado destes modelos mais básicos é o pri- meiro, e fundamental passo, para se estudar problemas mais complexos e detalhistas (Boyce & DiPrima (2006)). A arte de obter uma equação diferencial cuja solução descreva bem a realidade traz consigo uma enorme dificuldade, nas palavras de Albert Einstein “Toda nossa ciência, medida contra a realidade, é primitiva e infantil e ainda assim a coisa mais preciosa que temos”. Exemplificando, a dengue é um problema de difícil mode- lagem pois, não tem relação somente com o ciclo de vida do mosquito transmissor, estão também envolvidas variáveis como políticas governamentais de saneamento e a intensidade das chuvas. Este tipo de dificuldade é verificada em praticamente to- das as áreas do conhecimento como, por exemplo, na economia, mercado de ações, previsão do tempo, dentre outros. De maneira geral, quanto mais próximos estamos de descrever perfeitamente um fenômeno, mais complexas são as equações relativas a ele. Segundo Cohen (2004) “Mathematics is biology’s next microscope, only better; biology is mathematics’ next physics, only better” (“A matemática é o próximo 2 microscópio da biologia, só que melhor; a biologia é a próxima física da matemática, só que melhor”), nesse sentido, a Biometria que visa o estudo nas diversas áreas das ciências da vida através da modelagem matemática e simulações de biossistemas vem tendo grande destaque, no caso particular da biologia do câncer em humanos. É uma linha de pesquisa em desenvolvimento que descreve a maneira de surgimento e tratamento da doença, porém o nível de detalhes contemplados por um modelo de crescimento de câncer o torna muito difícil de ser estudado devido ao número de variáveis e equações envolvidas (Rodrigues (2011)). Neste contexto, o cálculo de ordem não-inteira, tradicionalmente conhecido como fracionário1, desempenha um papel de enorme destaque. São inúme- ras as áreas do conhecimento nas quais o cálculo fracionário mostrou-se como uma ferramenta precisa para se refinar a descrição de fenômenos naturais tais como pro- babilidade, biomatemática, psicologia, funções especiais, mecânica dos fluidos, fenô- menos de transporte, redes elétricas e recentemente na medicina (Camargo (2009). A maneira canônica de utilizar essa poderosa ferramenta é substituir a derivada de ordem inteira da equação diferencial ordinária ou parcial, que descreve um determinado fenômeno, por uma de ordem não-inteira. De maneira natural, esse método nos conduz a equações diferenciais de ordem não-inteira e a necessidade de resolvê-las (Camargo (2009); Camargo et al. (2008); Podlubny (1999)). Usualmente, a solução de uma equação diferencial fracionária é dada em termos da ordem da derivada e a solução da respectiva equação de ordem inteira é recuperada como caso particular deste parâmetro e, em muitos casos, a ordem da derivada que torna a solução da equação mais próxima da realidade não é inteira (Camargo (2009); Camargo et al. (2009a); El-Sayed et al. (2007)). Por outro lado, a equação logística foi publicada em 1838 por Pierre François Verhulst para modelar o crescimento da população mundial baseado na ava- liação de estatísticas populacionais disponíveis, complementando a teoria do cresci- 1De fato, o nome cálculo fracionário não é o mais preciso já que a derivada pode ser de ordem real ou até mesmo complexa. Entretanto, por tradição, este nome ainda é o mais utilizado. 3 mento exponencial de Thomas Robert Malthus. Ela pode ser aplicada em modelos com dependência temporal e possui uma vasta área de aplicação, já que os fatores inibidores são levados em consideração. Por exemplo, se fossemos modelar a evolução da gripe A, os fatores inibidores poderiam ser o isolamento das pessoas infectadas, as ações governamentais e as formas de prevenção pelos meios de comunicação. Além disso, a equação logística se mostrou aplicável em uma série de eventos probabilísti- cos e relacionados à teoria do caos e às dinâmicas industriais e empresariais (Forys & Marciniak-Czochra (2003); Verhulst (1838)). Recentemente, a equação logística tem sido aplicada para descrever o crescimento de populações, tanto em âmbito laboratorial quanto em habitat natural, sugerindo que os limitantes do crescimento exercem influência nos fatores de mortali- dade e fecundidade com o crescimento populacional. Contudo o modelo logístico não explica muito bem em casos onde há relações mais complexas atuando, como intera- ções dentro de teias alimentares ou dependências de vários recursos, como ocorre na maior parte dos casos na natureza. O modelo também não é adequado para casos em que o recurso é abundante, ou seja, a população crescerá ilimitadamente, sem uma capacidade suporte, sendo mais adequado o modelo malthusiano. Com o intuito de generalizar a equação logística e dar uma descrição melhor para alguns desses even- tos, El- Sayed, estudou a equação logística de ordem fracionária por uma análise numérica (El-Sayed et al. (2007); Erjaee et al. (2012); Forys & Marciniak-Czochra (2003); Gatenby & Vincent (2013); Gatenby (2009); Gerlee (2013); Rodrigues et al. (2011); Ricklefs (1996)). No caso da dinâmica tumoral, as células tumorais competem entre si por recursos vitais e com isto, a equação logística é de suma importância uma vez que este modelo de dinâmica populacional aborda tal interação. Nas palavras de Gatenby (2009) “Os princípios para um bem-sucedido tratamento do câncer pode estar na dinâmica evolutiva de ecologia aplicada”, mostrando assim, a importância da modelagem matemática em epidemiologia e em biologia populacional (Murray (2002)). 4 Neste trabalho, estudamos a modelagem matemática por meio de equa- ções diferenciais, a metodologia das transformadas integrais, dando ênfase à trans- formada de Laplace, às funções especiais Gama, Gel’fand-Shilov e de Mittag-Leffler e, por fim, ao cálculo fracionário e suas aplicações em equações diferenciais como fer- ramenta para refinar a descrição de fenômenos naturais. Em relação às aplicações, apresentamos a solução analítica da equação logística fracionária e analisamos a apli- cabilidade desta equação fracionária para melhorar a descrição da dinâmica de tumor de câncer e comparamos este modelo com alguns modelos clássicos apresentados na literatura. O trabalho está dividido da seguinte forma: No Capítulo 1 fazemos uma breve introdução ao nosso trabalho. No Capítulo 2 apresentamos algumas funções inerentes ao Cálculo Fra- cionário como a Função Gama, que é a generalização fracionária do fatorial, a Função Beta, algumas propriedades importantes destas funções e a Função de Mittag-Leffler de um e dois parâmetros, função esta que está para o Cálculo Fracionário assim como a Função Exponencial está para o Cálculo Clássico. No Capítulo 3 apresentamos um prelúdio do cálculo fracionário, sua história e algumas das primeiras definições e elucubrações. No Capítulo 4 definimos a integral de ordem arbitrária, estabelecemos uma relação entre integrais de ordens inteiras e fracionárias, demonstramos a validade da lei dos expoentes para integrais fracionárias e, por fim, alguns exemplos. No Capítulo 5, assim como foi feito no capítulo anterior, formalizamos a definição de derivada fracionária, apresentamos a definição para derivada fracionária segundo Caputo e quais casos a lei dos expoentes se aplica para a derivada fracionária. No Capítulo 6 apresentamos nossas aplicações. Primeiramente, abor- damos o modelo exponencial, que descreve o crescimento de bactérias em um meio ideal, feito isso, utilizamos a ferramenta do Cálculo Fracionário para refinar sua solu- ção. Além disso, apresentamos a clássica Equação Logística e seu modelo Fracionário, bem como sua solução e sua aplicação na dinâmica tumoral. 2 FUNÇÕES ESPECIAIS Tanto o estudo do cálculo elementar quanto o do cálculo fracionário, estão intrinsecamente relacionados ao conhecimento das funções a eles relacionados, suas definições, propriedades e características. Neste capítulo temos o objetivo de salientar algumas destas funções inerentes ao cálculo fracionário (de Oliveira (2005)). 2.1 Funções Gama e Beta São ditas Funções de Euler de segunda e primeira espécies, as funções Gama e Beta respectivamente, sendo estas de suma importância para a Matemática, no âmbito teórico e prático (de Oliveira (2005)). 2.1.1 Função Gama A função Gama, também conhecida como função Gama de Euler de segunda espécie, Γ(z), é indiscutivelmente a função básica do Cálculo Fracionário, considerada uma generalização do conceito de fatorial, esta generalização permite o cálculo de n! no caso em que n �∈ Z (Podlubny (1999)). Esta função pode ser definida pela integral imprópria: Γ(z) = ∫ ∞ 0 e−ttz−1dt. (1) Com Re(z) > 0, a integral é convergente. Propriedade: A partir da definição, para n ∈ N, temos: Γ(n) = ∫ ∞ 0 e−ttn−1dt = (n− 1)!. 6 Demonstração: Vamos mostrar por indução em n, assim temos: i) Para n = 1, Γ(1) = ∫ ∞ 0 e−tdt = 1 = 0!. ii) Supondo válida para n a equação (1), i.e., Γ(n) = ∫ ∞ 0 e−ttn−1dt. Mostraremos assim, a validade para n + 1, isto é, Γ(n+ 1) = (n)!. Temos que Γ(n+ 1) = ∫ ∞ 0 e−ttndt = [−e−ttn]t=∞ t=0 + n ∫ ∞ 0 e−ttn−1dt = nΓ(n) = n(n− 1)! = n! Logo, de i) e ii) segue-se Γ(n) = (n− 1)!. 2.1.2 Propriedades da Função Gama Dentre as propriedades da função Gama podemos salientar a mais bá- sica, que consiste em: Γ(z + 1) = zΓ(z). Claramente, integrando por partes, segue que: Γ(z + 1) = ∫ ∞ 0 e−ttzdt = [−e−ttz]t=∞ t=0 + z ∫ ∞ 0 e−ttz−1 = zΓ(z). Uma outra propriedade que também é importante salientar é que a função Gama tem polos simples nos pontos z = −n, com (n = 0, 1, 2, 3..., ). Para tanto, reescrevendo a expressão (1), temos: Γ(z) = ∫ 1 0 e−ttz−1dt+ ∫ ∞ 1 e−ttz−1dt. Com isto, a partir da expansão da série da função exponencial, pode- mos reescrever a primeira integral como sendo: ∫ 1 0 ∞∑ k=0 (−t)k k! tz−1dt. 7 Pois, se Re(z) = x > 0, então Re(z + k) = x+ k > 0 e tz+k|t=0 = 0. Assim, podemos escrever ∫ 1 0 e−ttz−1dt = ∫ 1 0 ∞∑ k=0 (−t)k k! tz−1dt = ∞∑ k=0 (−1)k k! ∫ 1 0 tk+z−1dt = ∞∑ k=0 (−1)k k!(k + z) . Em relação à segunda integral, é definida considerando uma variável z ∈ C. Seja esta segunda integral ϕ(z), assim temos: ϕ(z) = ∫ ∞ 1 e−ttz−1dt = ∫ ∞ 1 e[(z−1) ln(t)]−tdt. A função e(z−1) ln(t)−t é uma função contínua em z e t para z arbitrário e t ≥ 1. Além disso, se t ≥ 1 (e assim ln(t) ≥ 0), é uma função definida em z. Considerando o plano dos complexos, isto é, sendo z da forma z = x+ yi, um domínio fechado e limitado D, e tomando x0 = max[Re(z)], temos: |e−ttz−1| = |e(z−1) ln(t)−t|. Como z = x+ yi, podemos reescrever |e(x−1) ln(t)−t|.|e(yi) ln(t)|, assim: |e(x−1) ln(t)−t| ≤ e(x0−1) ln(t)−t = e−ttx0−1. Logo ϕ(z): i) Converge uniformemente em D; ii) É regular no domínio D; 8 iii) Como o domínio D é arbitrário, as propriedades de ϕ(z) são válidas em todo o plano dos complexos. Por (i), (ii) e (iii), conclui-se que a integral ϕ(z) é diferenciável. Considerando as considerações citadas acima, segue: Γ(z) = ∫ 1 0 e−ttz−1dt+ ∫ ∞ 1 e−ttz−1dt = ∞∑ k=0 (−1)k k! 1 k + z + ∫ ∞ 1 e−ttz−1dt. Assim, Γ(z) nos pontos z = −n, com n = 0, 1, 2, 3, ..., tem apenas polos simples. 2.1.3 Função Beta A função Beta, denotada por B(p, q), é definida a partir de uma integral definida, ou seja: B(p, q) = ∫ 1 0 tp−1(1− t)q−1dt. (2) Considerando a seguinte mudança de variável com t = sen2(θ), temos: B(p, q) = 2 ∫ π 2 0 sen2p−1(θ) cos2q−1(θ)dθ. (3) 2.1.4 Relações entre Função Beta e Gama Uma relação de suma importância entre as funções Beta e Gama é dada por: B(p, q) = Γ(p)Γ(q) Γ(p+ q) . (4) A priori, considere o produto: Γ(p)Γ(q) = ∫ ∞ 0 e−uup−1du ∫ ∞ 0 e−vvq−1dv = ∫ ∞ 0 ∫ ∞ 0 e−u−vup−1vq−1dudv. Introduzindo a mudança de variável u = x2 e v = y2, temos que: Γ(p)Γ(q) = 4 ∫ ∞ 0 ∫ ∞ 0 e−(x 2+y2)x2p−1y2q−1dxdy. 9 Tomando as coordenadas polares no plano x = r cos(θ) e y = rsen(θ), segue que: Γ(p)Γ(q) = [ 2 ∫ ∞ 0 e−r 2 r2p+2q−1dr ][ 2 ∫ π 2 0 cos2p−1(θ)sen2q−1(θ)dθ ] . Pela definição da função Beta expressa por (3), temos: Γ(p)Γ(q) = 2B(p, q) ∫ ∞ 0 e−r 2 r2p+2q−1dr. Assim, tomando na equação acima t = r2 na integral, obtemos: Γ(p)Γ(q) = B(p, q) ∫ ∞ 0 e−ttp+q−1dt, com isto, Γ(p)Γ(q) = B(p, q)Γ(p+ q). Logo, o resultado obtido é B(p, q) = Γ(p)Γ(q) Γ(p+ q) . 2.2 Transformada de Laplace A metodologia que iremos utilizar neste trabalho é a Transformada de Laplace (Camargo (2005)). Esta ferramenta será fundamental para apresentarmos nossas aplicações, em particular quando estudamos equações diferenciais de ordem fracionária. Definição 1 Seja f(t) uma função definida no intervalo 0 ≤ t < ∞. Definimos a Transformada de Laplace de f(t), denotada por L [f(t)] ou F (s), pela integral: F (s) ≡ L [f(t)] = ∫ ∞ 0 e−stf(t)dt, onde o parâmetro da transformada, s, é tal que Re(s) > 0. A convergência desta integral em uma região do plano complexo pode ser garantida para uma classe ampla de funções denominadas admissíveis. Definição 2 Uma função f : [0,∞) → R é chamada admissível se satisfizer as condições abaixo: i) A função f for contínua por partes em [0,∞). 10 ii) Existirem duas constantes positivas M e μ tais que |f(t)| < Meμt, para todo t ∈ [0,∞). A condição ii) equivale a dizermos que f(t) é de ordem exponencial μ. Sabemos que a transformada de Laplace de uma função admissível existe e está bem definida (Camargo (2009)). 2.2.1 Convolução De maneira geral, a Transformada de Laplace do produto de duas fun- ções não é igual ao produto das transformadas. Introduziremos um produto conve- niente para que esta propriedade seja válida. Em nossas aplicações, esta propriedade será de suma importâcia como veremos posteriormente. Definição 3 Sejam f(t) e g(t) duas funções de ordem exponencial α e β, e com transformada de Laplace F (s) e G(s), respectivamente, no intervalo [0,∞). Definimos Produto de Convolução (ou apenas Convolução) de f(t) e g(t), denotada por (f ∗ g)(t), como sendo (Boyce & DiPrima (2006); Camargo (2009)): (f ∗ g)(t) = ∫ t 0 f(t− τ)g(τ)dτ = ∫ t 0 f(τ)g(t− τ)dτ. (5) Primeiramente, vamos calcular a transformada de Laplace do produto de Convolução, ou seja: L [(f ∗ g)(t)] = ∫ ∞ 0 e−stdt ∫ t 0 f(τ)g(t− τ)dτ. Introduzindo a mudança de variável τ ′ = t− τ , temos: L [(f ∗ g)(t)] = ∫ ∞ τ ′ dτ ∫ t 0 e−s(τ+τ ′ )f(τ)g(τ ′ )dτ. Para t < 0 definimos g(t) = 0, o limite superior da integral t pode ser tomado ∞, assim: L [(f ∗ g)(t)] = ∫ ∞ 0 g(τ ′ )e−sτ ′ dτ ′ ∫ ∞ 0 f(τ)e−sτdτ = F (s)G(s), (6) i.e., a transformada de Laplace do produto de convolução é o produto das transfor- madas. 11 2.2.2 Transformada de Laplace Inversa Utilizamos a transformada de Laplace na resolução de um problema de valor inicial envolvendo equações diferenciais, obtendo assim uma equação algébrica e resolvemos esta equação. Para recuperarmos a solução do problema de partida devemos definir o conceito de transformada de Laplace Inversa pelo teorema que se segue (Camargo (2005)): Teorema Seja a transformada de Laplace da função f(t), F (s) = L [f(t)]. Então a transformada de Laplace inversa de f(t), L −1[F (s)] = f(t), é dada por: f(t) = ⎧⎪⎨ ⎪⎩ 1 2πi ∫ γ+i∞ γ−i∞ F (s)estds se t > 0 0 se t < 0. Onde a integração deve ser feita ao longo de uma reta s = γ no plano complexo, com s = x + yi, x, y ∈ R. O número complexo γ deve ser escolhido de forma que todas as singularidades do integrando estejam à sua esquerda, i.e., Re(s) > γ. Nos casos em que há pontos de ramificação, usamos o contorno de Bromwich modificado enquanto que no caso onde nenhuma das singularidades é ponto de ramificação, podemos usar o contorno de Bromwich (Camargo (2005)). Propriedade: Aplicando a transformada de Laplace inversa em (6), temos: L −1[F (s)G(s)] = (f ∗ g)(t). 2.3 Funções de Mittag-Leffler Nesta seção, vamos apresentar uma das mais importantes e utilizadas funções relacionadas ao Cálculo Fracionário, a clássica Função de Mittag-Leffler. 2.3.1 Função de Mittag-Leffler de Um Parâmetro A generalização da função exponencial, que desempenha um papel de enorme destaque na teoria de equações diferenciais de ordem inteira é dita como 12 função de Mittag-Leffler de um parâmetro (Camargo et al. (2006, 2009b)), denotada por2 Eα(z). Trata-se de uma função complexa com dependência de um parâmetro também complexo, com Re(α) > 0, estudada por Mittag-Leffler em 1903 (Mittag- Leffler (1903b,a, 1905); Wiman (1905)). Esta função é expressa por: Eα(z) = ∞∑ k=0 zk Γ(αk + 1) . (7) Note que, tomando α = 1, segue que: E1(z) = ∞∑ k=0 zk Γ(k + 1) = ∞∑ k=0 zk k! = ez, podendo assim, ser considerada como generalização fracionária da função exponen- cial. 2.3.2 Função de Mittag-Leffler de Dois Parâmetros Agarwal (Argawal (1953)) propôs dois parâmetros complexos à função de Mittag-Leffler, e esta é de suma importância para a teoria do cálculo fracionário. Utilizando a metodologia das Transformadas de Laplace, Agarwal e Humbert (Camargo (2009)) definiram algumas relações para esta função. A função de Mittag-Leffler de dois parâmetros é definida por: Eα,β(z) = ∞∑ k=0 zk Γ(αk + β) , (8) sendo Re(α) > 0 e Re(β) > 0. É facil verificar que quando β = 1, se reduz em: Eα,1(z) = Eα(z). 2.3.3 Propriedades Pode-se observar que segue da definição: 2A notação Eα(z) será usada quando a variável for um número complexo. Por outro lado, Eα(t) e Eα(x) serão usadas quando a variável admitir apenas valores reais. 13 i) Eα,β(z), com α = 1 e β = 2: E1,2(z) = ∞∑ k=0 zk Γ(k + 2) = ∞∑ k=0 zk (k + 1)! = 1 z ∞∑ k=0 zk+1 (k + 1)! = ez − 1 z . ii)Eα,β(z), com α = 1 e β = 3: E1,3(z) = ∞∑ k=0 zk Γ(k + 3) = ∞∑ k=0 zk (k + 2)! = 1 z2 ∞∑ k=0 zk+2 (k + 2)! = ez − 1− z z2 . Generalizando os casos exemplificados em (i) e (ii), obtemos a seguinte relação: Eα,β(z), com α = 1, β = m, m ∈ N e m ≥ 2: E1,m(z) = 1 zm−1 { ez − m−2∑ k=0 zk k! } . 2.3.4 Casos Particulares Exemplos: i) Eα,β(z), com α = 2 e β = 1: E2,1(z 2) = ∞∑ k=0 z2k Γ(2k + 1) = ∞∑ k=0 z2k (2k)! = cosh(z). ii) Eα,β(z), com α = 2 e β = 2: E2,2(z 2) = ∞∑ k=0 z2k Γ(2k + 2) = 1 z ∞∑ k=0 z2k+1 (2k + 1)! = senh(z) z . 14 iii) Eα,β(z), com α = 2 e β = 1: E2,1(−z2) = ∞∑ k=0 (−1)kz2k Γ(2k + 1) = ∞∑ k=0 (−1)kz2k (2k)! = cos(z). iv) Eα,β(z), com α = 2 e β = 2: E2,2(−z2) = ∞∑ k=0 (−1)kz2k Γ(2k + 2) = ∞∑ k=0 (−1)kz2k+1 (2k + 1)! = sen(z) z . 2.3.5 Uma relação importante Como foi visto anteriormente, apresentamos algumas relações para a função de Mittag-Leffler. Salientaremos, nesta seção, uma relação importante para este trabalho. Esta relação é dada por: Eα,α+1(−xα) = 1−Eα(−xα) xα . (9) De fato, pela definição da função de Mittag-Leffler com dois parâme- tros, temos: Eα,α+1(−xα) = ∞∑ n=0 (−xα)n Γ(αn+ α+ 1) = ∞∑ n=0 (−xα)n Γ[α(n+ 1) + 1] . Sem perda de generalidade, podemos reescrever a última equação da seguinte forma: Eα,α+1(−xα) = − 1 xα ∞∑ n=0 (−xα)n+1 Γ[α(n+ 1) + 1] . Com isto, Eα,α+1(−xα) = − 1 xα [ −1 + 1− xα Γ(α+ 1) + (xα)2 Γ(2α + 1) − (xα)3 Γ(3α+ 1) + ... ] . 15 Assim, Eα,α+1(−xα) = − 1 xα [ −1 + ∞∑ n=0 (−xα)n Γ(αn+ 1) ] . Sabemos por (7) que Eα(−x) = ∞∑ n=0 (−xα)n Γ(αn+ 1) , assim, concluímos: Eα,α+1(−xα) = 1−Eα(−xα) xα . Abaixo, apresentamos o gráfico da relação (9) para alguns valores de α. 0 0.1 0.2 0.3 0.4 0.5 0.6 0.7 0.8 0.9 1 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Função de Mittag−Leffler α E α, α+ 1(− xα ) α=0.1 α=0.3 α=0.5 α=0.7 α=0.9 Figura 1: Gráfico de Eα,α+1(x α) para diferentes valores de α. 2.3.6 Transformada de Laplace Com o intuito de obter a Transformada de Laplace para a função de Mittag-Leffler, vamos calcular a transformada de Laplace da função tkeat. Observemos que se |z| < 1,∫ ∞ 0 e−te±ztdt = 1 1∓ z . (10) De fato, por meio da representação em série de ez temos:∫ ∞ 0 e−te±ztdt = 1 1∓ z = ∞∑ k=0 (±z)k k! ∫ ∞ 0 e−ttkdt. 16 Devido à definição da função Gama (1), segue que: ∞∑ k=0 (±z)k = 1 1∓ z . Aplicando a derivada em relação a z em ambos os lados da equação (10), obtemos: ∫ ∞ 0 e−pttke±ztdt = k! (1∓ z)k+1 , se |z| < 1. Com a seguinte mudança de variável, ±z = ±a− p+ 1, temos:∫ ∞ 0 e−pttke±atdt = k! (p∓ a)k+1 , se Re(p) > |a|, isto é, a transformada de Laplace da função tke±at. Com este mesmo procedimento iremos calcular a Transformada de La- place da função tβ−1Eα,β(at α). Pela definição (8), temos que: L [ tβ−1Eα,β(±atα) ] = ∫ ∞ 0 e−sttβ−1Eα,β(±atα)dt = ∞∑ k=0 (±a)k Γ(αk + β) ∫ ∞ 0 e−sttαk+β−1dt. Introduzindo a mudança de variável u = st e pela definição (1), temos: ∞∑ k=0 (±a)k sαk+β = 1 sβ ∞∑ k=0 (±a sα )k = 1 sβ 1 1∓ a sα = sα−β sα ∓ a . Com isto, segue que: L [ tβ−1Eα,β(±atα) ] = sα−β sα ∓ a . (11) 2.4 Função de Gel’fand-Shilov Nesta seção, apresentaremos uma das funções primordiais do Cálculo Fracionário, a chamada função de Gel’fand-Shilov, função esta que é fundamental à introdução da Integral Fracionária, como vamos ver futuramente. Definição 4 Seja n um número natural e ν um número não-inteiro, definimos a função de Gel’fand-Shilov de ordem n e ν respectivamente como: φn(t) = ⎧⎪⎨ ⎪⎩ tn−1 (n− 1)! se t ≥ 0 0 se t < 0. e φν(t) = ⎧⎪⎨ ⎪⎩ tν−1 Γ(ν) se t ≥ 0 0 se t < 0. 17 Apresentamos abaixo, para alguns valores de α, o gráfico da função de Gel’fand-Shilov. 0 0.1 0.2 0.3 0.4 0.5 0.6 0.7 0.8 0.9 1 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Função Gel´fand−Shilov ν φ( ν) φ(0.1) φ(0.3) φ(0.5) φ(0.7) φ(0.9) Figura 2: Gráfico da função de Gel’fand-Shilov. 2.4.1 Transformada de Laplace A Transformada de Laplace da função de Gel’fand-Shilov é dada por: L [φα(t)] = s−α (12) De fato, aplicando a Transformada de Laplace na função de Gel’fand- Shilov, obtemos: L [φα(t)] = ∫ ∞ 0 e−st tα−1 Γ(α) dt = 1 Γ(α) ∫ ∞ 0 e−sttα−1dt. Introduzindo a seguinte mudança de variável: st = a ⇒ da = sdt, segue que: 1 Γ(α) ∫ ∞ 0 e−a (a s )α−1 da s = 1 Γ(α) ∫ ∞ 0 (e−a) aα−1 sα da = s−α Γ(α) ∫ ∞ 0 e−aaα−1da. Desse modo, pela definição da função Gama (1), temos: L [φα(t)] = s−α Γ(α) Γ(α) = s−α. 3 CÁLCULO FRACIONÁRIO O cálculo de ordem não inteira ou sua denominação clássica: Cálculo Fracionário, é quase tão antigo quanto o cálculo de ordem inteira usual, porém por não ter interpretações físicas e geométricas evidentes, o cálculo fracionário não foi difundido da mesma forma que o cálculo usual. De fato, o cálculo de ordem arbitrária, teve sua origem em 30 de setem- bro de 1695. Em uma carta, l’Hôpital perguntou ao seu amigo Leibinz: “É possível estender o conceito de uma derivada de ordem inteira Dny ≡ dn dxn y quando n fosse igual a 1 2 ?”. Em tom afirmativo, Leibniz concluiu que: D 1 2x será igual à x √ dx : x e finalizou: “Este é um aparente paradoxo do qual um dia importantes aplicações serão obtidas” (Camargo (2009); Podlubny (1999); Miller & Ross (1993)). Neste capítulo, vamos apresentar um prelúdio do cálculo fracionário e algumas das primeiras definições e elucubrações. 3.1 Um prelúdio ao Cálculo Fracionário Brilhantes matemáticos contribuiram para a construção do Cálculo Fracionário3 (Camargo (2009)), dentre eles Euler, que escreveu que a utilização de interpolações na derivada facilitaria na obtenção das derivadas de ordem genérica, em 1730. 3Vamos utilizar a notação I quando nos referirmos ao operador integral e D para denotar o operador derivada. 19 A chamada Lei dos Expoentes, apresentada por Lagrange em 1772, foi fundamental para a extensão do cálculo fracionário, mesmo não sendo válida para toda função y quando n e m são arbitrários. Esta lei consiste em: dm dxm . dn dxn y = dm+n dxm+n y. (13) Em 1819, Lacroix, almejando obter a derivada de ordem fracionária de um polinômio y = xm, com n sendo um número natural e m ≥ n, definiu a derivada fracionária da seguinte forma: dn dxn y = m! (m− n)! xm−n, (14) quando n não é um número inteiro, utilizando a função Gama (1), segue que: dn dxn y = Γ(m+ 1) Γ(m− n+ 1) xm−n. (15) A atualmente conhecida como representação integral de Fourier (Ca- margo (2005)), foi apresentada em 1822 por Fourier da seguinte maneira: f(x) = 1 2π ∫ ∞ −∞ f(α)dα ∫ ∞ −∞ cos[p(x− α)]dp. Considerando k ∈ N, segue que: i) n = (1 + 4k): cos(x+ nπ 2 ) = −sen(x); ii) n = (2 + 4k): cos(x+ nπ 2 ) = − cos(x); iii) n = (3 + 4k): cos(x+ nπ 2 ) = sen(x); 20 iv) n = 4k: cos(x+ nπ 2 ) = cos(x). Com isto, temos: dn dxn cos [p(x− α)] = pn cos [ p(x− α) + nπ 2 ] . Para u arbitrário, Fourier definiu: du dxu f(x) = 1 2π ∫ ∞ −∞ f(α)dα ∫ ∞ −∞ pu cos [ p(x− α) + uπ 2 ] dp. Em 1832, Liouville definiu a partir das contribuições dadas por Abel e Fourier a seguinte relação (Camargo (2009)): Dmeax = ameax. Para u arbitrário, concluiu que: Dueax = aueax. Naturalmente, se f(x) = ∞∑ n=0 cne anx, podemos escrever para a derivada fracionária a conhecida Primeira Fórmula de Li- ouville: Dνf(x) = ∞∑ n=0 cna ν ne anx. Sem perda de generalidade, esta expressão generaliza o conceito de derivada, uma vez que ν pode admitir um número natural, fracionário, real e até mesmo complexo. Entretanto, como esta função é atribuída a uma particular classe de funções, houve uma necessidade de desenvolver esta segunda definição: I = ∫ ∞ 0 ua−1e−xudu, 21 sendo a > 0 e x > 0. Assim, introduzindo a seguinte mudança de variável t = xu, e tendo a definição da função Gama (1), temos: I = ∫ ∞ 0 ua−1e−xudu = x−a ∫ ∞ 0 ta−1e−tdt = x−aΓ(a). Introduzindo o operador Dν em ambos os lados da equação apresentada acima e isolando x−a, obtemos: Dνx−a = (−1)ν Γ(a) ∫ ∞ 0 ua+ν−1e−xudu, isto é, Dνx−a = (−1)νΓ(a+ ν) Γ(a) x−(a+ν). Percebe-se que mesmo com tanto uso dos artifícios matemáticos, a fórmula vale apenas para funções do tipo x−a, com a > 0. 3.2 Um dilema pertinente Como já foi dito neste trabalho, um dos motivos que dificultou o de- senvolvimento do Cálculo Fracionário foi o fato de a derivada fracionária não possuir uma interpretação geométrica evidente. Como vamos ver, a derivada de ordem fracionária de uma constante pode ser diferente de zero. Para que o cálculo fracionário generalize o cálculo de ordem inteira, necessita-se trabalhar nesta controvérsia para que esta teoria seja consistente. Este fato despertou grande interesse no pesquisador William Center que dedicou algum tempo a esta questão (Camargo (2009)). Para ilustrar este fato, utilizando o método de Lacroix para o cálculo das derivadas e utilizando x0 para denotar a constante, atribuindo 1 2 à ordem da derivada, Center concluiu que d 1 2 dx 1 2 x0 = 1 Γ(1 2 ) x− 1 2 = 1√ xπ . 22 Desta vez, se utilizarmos a segunda definição de Liouville, segue que: (−1) 1 2Γ(a + 1 2 ) Γ(a) x−(a+ 1 2 ). Tomando o lima→0 Γ(a) =∞, William Center concluiu: D 1 2x0 = lim a→0 D 1 2x−a = lim a→0 (−1) 1 2Γ(a+ 1 2 ) Γ(a) x−(a+ 1 2 ) = 0. Com isto, Center não afirmou qual das duas opções apresentadas era a correta, pois em ambos os casos as definições eram bem estruturadas, porém afirmou que este dilema se reduz ao fato do real etendimento de dux0 dxu . 4 A INTEGRAL FRACIONÁRIA Neste capítulo apresentaremos a definição de integral de ordem arbi- trária e a validade da lei dos expoentes para integrais fracionárias. 4.1 Integrais de Ordem n Introduziremos o operador integral I para definir a integral de ordem interia n de tal forma que4: If(t) = ∫ t 0 f(t1)dt1 Com isto, temos: I2f(t) = I[If(t)] = ∫ t 0 ∫ t1 0 f(t2)dt2dt1. Analogamente, I3f(t) = I[I2f(t)] = ∫ t 0 ∫ t1 0 ∫ t2 0 f(t3)dt3dt2dt1. Desse modo, a integral de ordem n pode ser definida por: Inf(t) = ∫ t 0 ∫ t1 0 ∫ t2 0 ... ∫ tn−2 0 ∫ tn−1 0 f(tn)dtndtn−1...dt3dt2dt1. Lema: Se G(x, t) é uma função contínua em [c, b]x[c, b], com c < x < b, então temos que: ∫ x c dx1 ∫ x1 c G(x1, t)dt = ∫ x c dt ∫ x t G(x1, t)dx1. Em particular, para G(x1, t) = f(t) temos:∫ x c ∫ x1 c f(t)dx1dt = ∫ x c ∫ x t f(t)dtdx1. A demonstração deste lema pode ser encontrada em Stewart (2007). 4Também definimos, por conveniência, que I0f(t) = f(t) 24 4.1.1 Teorema Considere f(t) : R→ R integrável. A Integral de ordem n ∈ N é dada por (Camargo (2009)): Inf(t) = φn(t) ∗ f(t) = ∫ t 0 φn(t− τ)f(τ) dτ = ∫ t 0 (t− τ)n−1 (n− 1)! f(τ) dτ, (16) na qual denotamos por ∗ o produto de convolução e φn(t) a função de Gel’fand-Shilov. De fato, por indução matemática: i) Para n = 1: I1f(t) = ∫ t 0 f(τ)dτ = ∫ t 0 (t− τ)1−1 (1− 1)! f(τ)dτ = φ1(t) ∗ f(t). ii) Consideremos válido: Inf(t) = φn(t) ∗ f(t). Mostremos que In+1f(t) = φn+1(t) ∗ f(t), isto é, In+1f(t) = I[Inf(t)] = I[φn(t)∗f(t)] = ∫ t 0 φn(u)∗f(u)du = ∫ t 0 ∫ u 0 (u− τ)n−1 (n− 1)! f(τ)dτdu. A partir disso e utilizando o Lema anterior, temos: In+1f(t) = ∫ t 0 ∫ t τ (u− τ)n−1 (n− 1)! f(τ)dudτ. Assim, podemos escrever In+1f(t) = ∫ t 0 (t− τ)n n! f(τ)dτ = φn+1(t) ∗ f(t). Como queríamos demonstrar, de (i) e (ii) tem-se que: Inf(t) = φn(t) ∗ f(t). 4.2 Integrais Fracionárias Visto que é válido Inf(t) = φn(t) ∗ f(t), denotaremos uma integral de ordem fracionária ν de f(t) segundo Riemann-Liouville a partir das definições das funções Gama e Gel’fand-Shilov. 25 4.2.1 Definição Consideremos a função f(t) integrável. Definimos a integral fracionária de Riemann-Liouville de ordem ν de f(t) denotada por Iνf(t), como5: Iνf(t) = φν(t) ∗ f(t) = ∫ t 0 (t− τ)ν−1 Γ(ν) f(τ)dτ. Naturalmente, a integral de ordem ν, Iνf(t), está bem definida uma vez que a ordem não inteira restringue-se a função de Gel’fand-Shilov de ordem ν. A generalização do operador integral de ordem inteira para o de ordem não inteira se dá através da generalização fracionária do conceito de fatorial pela função Gama. 4.2.2 Outras definições Note que a escolha do limite inferior da integral é arbitrária. De fato, existem outras duas escolhas para este limite que dão nome a outras definições. Quando o limite inferior é −∞ temos a definição de Liouville e quando este limite é c, temos a definição de Riemann, isto é6 Definição 1: Sejam f uma função contínua por partes em (0,∞) e integrável em qualquer subintervalo de [0,∞) e Re > 0, para t > 0, definimos C, a classe de funções que satisfazem esta definição, assim temos: i) Versão de Riemann: com x > c cI ν xf(x) = 1 Γ(ν) ∫ x c (x− t)ν−1f(t)dt; (17) ii) Versão de Liouville: −∞I ν xf(x) = 1 Γ(ν) ∫ x −∞ (x− t)ν−1f(t)dt; (18) 5Conforme dito na introdução, alguns autores definem a integral de Riemann-Liouville como sendo a mesma integral com o limite inferior igual a c e não 0. 6Vale ressaltar que em (17), (18) e (19), são operadores lineares, isto é, se denotarmos por I qualquer uma dessas equações, f , g funções e α, β constantes, temos: I[αf(t) + βg(t)] = αIf(t) + βIg(t) . 26 iii) Versão de Riemann-Liouville: 0I ν xf(x) = 1 Γ(ν) ∫ x 0 (x− t)ν−1f(t)dt. (19) Em nosso trabalho consideramos apenas a definição de Riemann- Liouville. 4.3 Lei dos expoentes para Integrais Fracionárias A conhecida lei dos expoentes no cálculo de ordem inteira diz respeito às leis da soma e comutação de expoentes dos operadores de derivada e integral. Definimos a lei dos expoentes para integrais e derivadas com m,n = 0, 1, 2, ..., res- pectivamente como ImIn = Im+n e DmDn = Dm+n. Nesta seção, verificaremos que a lei dos expoentes é valida para in- tegrais fracionárias, porém esta propriedade não se aplica, em geral, quando nos referimos às derivadas de ordem fracionária como verificaremos no próximo capítulo. Teorema Seja I o operador integral fracionário e α, β ≥ 0 temos que IαIβ = Iα+β , (20) isto é, a propriedade de semigrupo e, consequentemente, a propriedade comutativa (Atiyah & MacDonald (1969)), IαIβ = IβIα, são satisfeitas. Demonstração: Consideremos a função de Gel’fand-Shilov definida em (2.4), φα(t). Desse modo, como α > 0, φα(t) ∈ C, isto é, esta função é localmente absolutamente integrável em R +. Sabemos que a integral fracionária pode ser definida através do produto de convolução de duas funções, ou seja, Iαf(t) = φα(t) ∗ f(t), com α > 0. 27 A partir disto, mostraremos a seguinte relação: φα(t) ∗ φβ(t) = φα+β(t). Reescrevendo esta igualdade através da definição do Produto de Con- volução, segue que: φα(t) ∗ φβ(t) = ∫ t 0 τα−1 Γ(α) (t− τ)β−1 Γ(β) = tβ−1 Γ(α)Γ(β) ∫ t 0 τα−1 ( 1− τ t )β−1 dτ. Fazendo a seguinte mudança de variável u = τ t ⇒ dτ = tdu, temos por (2) e (4), φα(t) ∗ φβ(t) = tβ−1 Γ(α + β)B(α, β) ∫ 1 0 (ut)α−1(1− u)β−1(tdu). Assim, tα+β−1 Γ(α + β)B(α + β) ∫ 1 0 (u)α−1(1− u)β−1(du), então tα+β−1 Γ(α + β) = φα+β(t). Com isto, temos os seguintes resultados: i)Iαf(t) = φα(t) ∗ f(t), com α > 0; ii)φα(t) ∗ φβ(t) = φα+β(t). A partir disso, iremos demonstrar a lei dos expoentes para Integrais Fracionárias do seguinte modo: IαIβf(t) = φα(t) ∗ Iβf(t) = φα(t) ∗ φβ(t) ∗ f(t). Assim 7, φα+β(t) ∗ f(t) = Iα+βf(t). 7Consideremos f de tal forma que Iαf(t) é plausível para todo α > 0. 28 4.3.1 Alguns exemplos Para ilustrar o cálculo de integrais de ordem fracionária, discutiremos nesta subseção, alguns casos triviais. Exemplo 1) Cálculo da integral de ordem não inteira α, da função f(t) = t0. Temos, Iαt0 = φα(t) ∗ t0 = ∫ t 0 (t− τ)0 [ τα−1 Γ(α) ] dτ, ou seja, Iαt0 = [ τα αΓ(α) ]τ=t τ=0 = tα Γ(α+ 1) . Exemplo 2) Cálculo da integral de ordem não inteira ν do monômio xμ com μ > −1, função esta pertencente à classe8 C . Segue da definição em (19) que: Iνxμ = 1 Γ(ν) ∫ x 0 (x− t)ν−1tμdt = 1 Γ(ν) ∫ x 0 [ x ( 1− t x )]ν−1 tνdt. Introduzindo a seguinte mudança de variável u = t x a equação pode ser escrita: Iνxμ = 1 Γ(ν) ∫ 1 0 xν(1− u)ν−1(xu)μdu = xν+μ Γ(ν) ∫ 1 0 uμ(1− u)ν−1du. De acordo com a definição da função Beta e a relação mostrada em (4), temos: xν+μ Γ(ν) B(μ+ 1, ν) = Γ(μ+ 1) Γ(μ+ ν + 1) xν+μ. Assim, podemos escrever Iνxμ = Γ(μ+ 1) Γ(μ+ ν + 1) xν+μ. (21) 8Classe C: Seja uma função f contínua por partes em (0,∞), com −1 < μ < 0, em uma vizinhança da origem onde sua integral fracionária também é definida. 5 DERIVADAS FRACIONÁRIAS No capítulo anterior, apresentamos uma versão fracionária para o ope- rador integral Iν de ordem ν com Re(ν) > 0. Vamos admitir, sem perda de generalidade, que a Integral Fracionária é uma antiderivada e atentemos também ao fato que a derivada é admitida como operação inversa à esquerda da integração. Neste capítulo, apresentaremos uma forma generalizada para o tão conhecido e trabalhado operador diferencial D = d dx . Como vamos ver, o sucesso para a utilização do cálculo fracionário, dá- se a partir de uma boa escolha do operador fracionário. Vamos apresentar algumas das mais importantes definições para a derivada fracionária. 5.1 Definição de Riemann-Liouville Para definir a Derivada Fracionária de Riemann-Liouville introduzire- mos o operador derivada D, sendo este inverso à esquerda da integral fracionária, isto é d dt If(t) = f(t).9 Considerando a lei dos expoentes (13), a definição de Riemann- Liouville, baseia-se em (Camargo (2009)): 9Note que: I[f ′(t)] = ∫ t 0 f ′(t1)dt1 = f(t)− f(0). Por outro lado, considerando F , uma primitiva de f(t), d dt If(t) = d dt ∫ t 0 f(t1)dt1 = d dt [F (t)− F (0)] = f(t). 30 Seja β um número complexo com Re(β) > 0, considerando n o menor inteiro maior que Re(β), isto é, n − 1 ≤ Re(β) < n e ν = n − β, temos então que 0 < Re(ν) ≤ 1. Com isto, a Derivada de Riemann-Liouville de ordem β de f(x), com x > 0, denotada por 0D β x é 0D β xf(x) = Dn[Iνf(x)] = Dn[φν(t) ∗ f(t)], (22) onde: Dn: a derivada de ordem n inteira, Iν: integral de Riemann-Liouville de ordem ν conforme definido na equação (19). Com isto, a derivada fracionária de f(x) de ordem β, com x > 0 e β ∈ C , é um operador inverso à esquerda10 de Iβ, isto é, sejam J o operador identidade e n um número natural, temos: 0D β xI β = J. Para ilustrar a definição apresentada, calcularemos a derivada de or- dem não inteira β do monômio xμ com μ > −1, Re(ν) > 0 e x > 0. De fato, pela equação (22) temos11: Dβf(x) = Dn[Iνxμ]. Pelo exemplo apresentado no capítulo anterior, sabemos que: Iνxμ = Γ(μ+ 1) Γ(μ+ ν + 1) xν+μ. 10Note também que, seja J o operador identidade temos 0D β xI β = J �= I β 0 Dβ x . 11Iremos omitir os subíndices do operador fracionário D quando estivermos utilizando a definição de Riemann-Liouville, colocando apenas nos casos que possam apresentar alguma ambiguidade. 31 Pela equação (22), temos: Dβxμ = Dn [ Γ(μ+ 1) Γ(μ+ ν + 1) xν+μ ] = Γ(μ+ 1) Γ(ν + μ− n+ 1) xμ+ν−n. Como ν = n− β a equação acima pode ser escrita como: Dβxμ = Γ(μ+ 1) Γ(μ+ 1− β) xμ−β . (23) 5.2 Definição de Caputo Segundo Caputo, a derivada fracionária é a integral fracionária de uma derivada de ordem inteira que difere apenas na ordem dos operadores lineares (in- tegral e derivada) da definição proposta por Riemann-Liouville na seção anterior (Gorenflo & Mainardi (2000)). Tomando β ∈ C, Re(β) > 0, considerando n o maior inteiro maior que Re(β), ou seja, n− 1 < Re(β) ≤ n e ν = n− β, isto é 0 < Re(ν) ≤ 1, a derivada de ordem β de f(x), com x > 0, denotada por Dβ ∗ é definida como sendo: Dβ ∗ f(x) = Iνx [D nf(x)] = φν(t) ∗ [Dnf(t)]. (24) Neste caso, tanto na definição de Riemann-Liouville quanto de Caputo, os índices têm o mesmo significado, com exceção do índice ∗. Claramente definimos, para o caso que β seja um número real, Dβ ∗ = Dn, isto é12, i) n− 1 < β < n: Dβ ∗ f(t) = 1 Γ(n− β) ∫ t 0 fn(τ) (t− τ)β+1−n dτ, ii) β = n: Dn ∗ f(t) = dn dtn f(t). 12Como consequência da definição, se β = n então Dβ [f(x)] = In−β[Dnf(x)] = In−n[Dnf(x)] = I0[Dnf(x)] = Dnf(x), isto é, a derivada usual é um caso particular. O caso da derivada segundo Riemann-Liouville é análogo. 32 Naturalmente, pelo fato desta definição requerer a integrabilidade da derivada de ordem n da função, a definição proposta por Caputo é mais restritiva que a definida por Riemann-Liouville. Com isto, vamos considerar esta hipótese satisfeita, sempre que utilizarmos o operador Dβ ∗ . Da mesma forma que apresentamos o cálculo da derivada de ordem não inteira β para a derivada segundo a definição de Riemann-Liouville, faremos o mesmo cálculo com função f(x) = xμ, com μ > −1, μ �= 0, Re(ν) > 0 e x > 0. Para tanto, sabemos que: i) Dnxμ = Γ(μ+ 1) Γ(μ− n+ 1) xμ−n, ii) De acordo com a equação (21): Iνxμ−n = Γ(μ− n+ 1) Γ(μ− n + ν + 1) xμ−n−ν . De (i) e (ii), temos: Iν [Dnxμ] = Dβ ∗ xμ = Iν [ Γ(μ+ 1) Γ(μ− n+ 1) xμ−n ] = Γ(μ+ 1) Γ(μ+ ν − n+ 1) xμ+ν−n. Tomando ν = n − β recuperamos o resultado obtido para a derivada de ordem fracionária segundo Riemann-Liouville, isto é, Dβ ∗ xμ = Γ(μ+ 1) Γ(μ+ 1− β) xμ−β . 5.2.1 Generalização da função et Como vamos ver no próximo capítulo, a função de Mittag-Leffler é de suma importância para as nossas aplicações. Com isto, considere dois casos para a função de Mittag-Leffler de um parâmetro: Eα(t) e Eα(t α). Iremos discutir breve- mente qual destes casos é mais conveniente para generalizar et tanto para recuperar et quanto a propriedade clássica d dt et = et. Temos assim, 33 i) Caso Eα(t): dα dtα Eα(t) = dα dtα ∞∑ k=0 tk Γ(αk + 1) , a partir disso, temos: ∞∑ k=1 dα dtα tk Γ(αk + 1) = ∞∑ k=1 Γ(k + 1) Γ(k − α + 1) tk−α Γ(αk + 1) �= Eα(t). Temos também que lim α→1 ∞∑ k=0 tk Γ(αk + 1) = et. Para ilustrar este caso, apresentaremos um gráfico para Eα(t) e outro para Eα(−t), assim temos respectivamente: �80 �60 �40 �20 t �4 �2 2 4 E Α �t� Α�1 Α�2 Α�3 Α�4 Α�5 Figura 3: Gráfico de Eα(t). 5 10 15 t �1 1 2 3 E Α �t� Α�1 Α�2 Α�3 Α�4 Α�5 Figura 4: Gráfico de Eα(−t). 34 ii) Caso Eα(t α): dα dtα Eα(t α) = dα dtα ∞∑ k=0 (tα)k Γ(αk + 1) , assim: ∞∑ k=1 dα dtα tαk Γ(αk + 1) = ∞∑ k=1 Γ(αk + 1) Γ(αk − α + 1) tαk−α Γ(αk + 1) = ∞∑ k=1 tα(k−1) Γ[α(k − 1) + 1] . Tomando n = k − 1, obtemos: ∞∑ n=0 tαn Γ(αn+ 1) = Eα(t α). Também temos que lim α→1 ∞∑ k=0 tαk Γ(αk + 1) = et. A seguir os gráficos para os casos em que Eα(t α) e Eα(−tα) respecti- vamente: �2 2 4 t 5 10 15 20 25 30 E Α �tΑ� Α�1 Α�2 Α�3 Α�4 Α�5 Figura 5: Gráfico de Eα(t α). �2 2 4 6 t �4 �2 2 4 E Α ��tΑ� Α�1 Α�2 Α�3 Α�4 Figura 6: Gráfico de Eα(−tα). 35 Logo, Eα(t α) é a generalização mais conveniente para et. 5.3 Riemann-Liouville x Caputo Ressaltamos inicialmente que as derivadas fracionárias de Caputo e Riemann-Liouville são operadores não locais, o que difere bastante estas definições da definição usual de derivada13. Com isto, para o êxito da utilização do cálculo fracionário requer a melhor escolha do operador derivada segundo a conveniência de cada questão. Antes de definirmos a derivada segundo Grünwald-Letnikov, apresen- taremos nesta seção uma breve discução envolvendo as definições segundo Caputo e Riemann-Liouville, visto que elas diferem na ordem dos operadores integral e deri- vada, ou seja, ao permutar a ordem da integral e a derivada fracionária, alteramos o resultado final. De fato, seja uma função f(t) a qual possa aplicar a integral e a deri- vada de ordem não-inteira, então: Dβf(t) = Dm[Im−βf(t)] �= Im−β [Dmf(t)] = Dβ ∗ f(t). Por outro lado, a comutação entre os operadores integral e derivada é possível quando em t = 0+ pois f(t) e suas derivadas de ordem inteira menores que m se anulam. Para ilustrar este fato e para salientar que as versões de Riemann- Liouville e Caputo são correspondentes em alguns casos, notamos que a derivada fracionária da função f(x) = xμ de ordem β ∈R, com μ �= 0 e μ > −1, coincidem nestas condições pois para todo n ≤ m− 1, temos f (n)(0+) = 0. De fato, integrando por partes m− 1 < β < m e t > 0, resulta em: Dβf(t) = Dβ ∗ f(t) + m−1∑ k=0 tk−β Γ(k − β + 1) f (k)(0+). 13De fato, estas definições são dadas a partir da integral e por isso preservam os chamados efeitos de memória (Camargo (2009)). 36 Pela equação (23), podemos reescrever a equação acima como: Dβ ∗ f(t) = Dβ [ f(t)− m−1∑ k=0 tk k! f (k)(0+) ] . Com isto, a derivada fracionária segundo Caputo, abrange tanto os valores iniciais da função f(t) quanto suas respectivas derivadas de ordem inteira menores que m − 1. Este fato leva alguns autores a considerar a derivada segundo Caputo mais precisa do que a de Riemann-Liouville, uma vez considerada a inter- pretação física desta definição. Como foi visto, as derivadas fracionárias segundo Riemann-Liouville e Caputo coincidem para polinômios não-constantes, mas diferem para contantes. De fato, segundo Caputo, tomamos a derivada de ordem inteira da função para posteriormente aplicarmos a integral fracionária de ordem β, com isto, a derivada fracionária de uma constante é nula, isto é14 Dβ ∗ = 0. 5.3.1 Transformada de Laplace Um outro ponto que difere a definição de derivada fracionária de Riemann-Liouville e Caputo é a transformada de Laplace. A transformada de La- place para a derivada fracionária segundo Riemann-Liouville requer o conhecimento de condições iniciais em termos das suas derivadas de ordem k = 1, 2, 3, ..., m− 1 e da integral fracionária Im−β de forma que, seja L [f(t)] = F (s) e m − 1 < β < m, temos: L [Dβf(t)] = sβF (s)− m−1∑ k=0 DkIm−βf(0+)sm−1−k, (25) de forma análoga, temos para a inversa L −1 [ sβF (s)− m−1∑ k=0 DkIm−βf(0+)sm−1−k ] = Dβf(t). (26) 14Note que as derivadas para polinômios não constantes coincidem, diferem para os polinômios constantes e para polinômios do tipo x−1 usa-se a derivada segundo Weyl (Camargo (2009)). 37 A transformada de Laplace para a derivada fracionária segundo Caputo (Podlubny (1999)) incorpora os valores iniciais da função e de suas derivadas de ordem inteira que tem interpretações físicas (Camargo (2009)). Assim temos: L [Dβ ∗ f(t)] = sβF (s)− m−1∑ k=0 f (k)(0)sβ−1−k. De fato, a partir da definição da derivada segundo Caputo e aplicando a Transformada de Laplace, segue: L [ Dβ ∗ f(t) ] = L [ Im−βDmf(t) ] . Pela definição de integral fracionária, temos: L [ Dβ ∗ f(t) ] = L [ Im−βDmf(t) ] = L [φm−β(t) ∗Dmf(t)] . Como a transformada de Laplace do produto usual de duas funções, geralmente não é o produto das transformadas, definimos o Produto de Convolução, que é um produto conveniente para que a propriedade da transformada do produto de convolução seja o produto das transformadas. Com isto, utilizando o resultado da equação (12) temos L [φm−β(t)] ∗L [Dmf(t)] = sβ−mL [Dmf(t)] , (27) ou seja, L [ Dβ ∗ f(t) ] = sβ−m [ smL [f(t)]− m−1∑ k=0 sm−1−kf (k)(0) ] . Assim, podemos escrever L [ Dβ ∗ f(t) ] = sβL [f(t)]− m−1∑ k=0 sβ−1−kf (k)(0). Salientando o caso particular em que 0 < β ≤ 1 e m = 1, temos: L [ Dβ ∗ f(t) ] = sβL [f(t)]− sβ−1f(0). (28) De maneira análoga, sua transformada de Laplace inversa é dada por: 38 L −1 [ sβF (s)− m−1∑ k=0 f (k)(0)sβ−1−k ] = Dβ ∗ f(t). Neste trabalho, utilizaremos a definição da derivada fracionária se- gundo Caputo, uma vez que esta derivada é mais pertinente a problemas físicos. Para ilustrar este fato, considere o problema: Sabendo que uma partícula se desloca com aceleração constante a(t) = a e que sua velocidade inicial e posição inicial são v(0) = 0 e S(0) = 0 respectiva- mente, determine sua equação de movimento S(t). Solução: Sabemos que dv dt = a(t), dS dt = v(t) e d2S dt2 = a(t). Com isto, temos dv dt = a(t)⇒ v(t) = ∫ adt⇒ v(t) = at + c1, com c1 uma constante. Como v(0) = c1, temos v(t) = at + v(0). Temos também dS dt = v(0) + at⇒ S(t) = ∫ [v(0) + at]dt⇒ S(t) = v(0)t+ at2 2 + c2, com c2 outra constante. Da mesma forma, como S(0) = c2, temos S(t) = S(0) + v(0)t+ at2 2 . De acordo com o problema de valor inicial, temos que S(t) = at2 2 . Sabemos que d2S dt2 = a(t), com isto, iremos resolver a generalização fracionária do problema anterior substituindo a derivada de ordem 2 por uma de ordem 1 < α ≤ 2, i.e., dα dtα S(t). Tomando L [S(t)] = S(s), segundo a definição da transformada de Laplace de Riemann-Liouville, temos L [ dα dtα S(t)] = L [a(t)], 39 então pela equação (25) e com m = 2 obtemos sαS(s)− 1∑ k=0 DkI2−αS(0)s1−k = a s . Assim, temos sαS(s)− I2−αS(t)|t=0s 1 −DI2−α−1S(t)|t=0s 0 = a s . Note que, como não temos informações sobre I2−αS(t)|t=0 não con- seguimos resolver este problema. Por outro lado, tomando a derivada de Caputo, obtemos: sαS(s)− 1∑ k=0 Sk(0)sα−1−k = a s . Da mesma forma, temos: sαS(s)− S(0)sα−1 − S ′ (0)sα−2 = a s . A partir das condições inicias do problema, S(0) = 0 e S ′ (0) = 0, segue que S(s) = a sα+1 ⇒ S(s) = as−(α+1) ⇒ S(t) = aφα+1(t). Por fim, temos S(t) = a tα Γ(α + 1) . Com α = 2, obtemos S(t) = a tα Γ(3) ⇒ S(t) = a t2 2 . Desta forma, recuperamos a solução do problema inicial. Mostrando assim, a maior conveniência da definição de Caputo. 5.4 Definição segundo Grünwald-Letnikov Apresentaremos a definição da derivada fracionária segundo Grünwald- Letnikov, sendo esta de grande aplicabilidade em problemas numéricos (Lorenzo & Hartley (1998)). 40 Considere uma função f(x) definida em um intervalo qualquer e seja x0 um ponto fixo no interior deste intervalo. Pela definição de derivada, temos: D1f(x0) = lim h→0 f(x0)− f(x0 − h) h , D2f(x0) = lim h→0 f(x0)− 2f(x0 − h) + f(x0 − 2h) h2 , Pelo triângulo de Pascal e utilizando indução matemática, segue que: Dnf(x0) = lim h→0 ∑ ∞ m=0(−1)m ( n m ) f [x0 −mh] hn . Com isto, a generalização da equação acima é dada com β ∈R para Dβ calculado em x0 da função f , isto é, a definição de Grünwald-Letnikov é expressa por: Dβf(x0) = lim h→0 ∑ ∞ m=0(−1)m ( β m ) f [x0 −mh] hβ . (29) Vale ressaltar que o resultado obtido quando calculamos a derivada fracionária de ordem β de um polinômio não constante segundo Riemann-Liouville ou Caputo, encontramos este mesmo resultado quando utilizamos a definição segundo Grünwald-Letnikov, (Camargo (2009); Podlubny (1999); Miller & Ross (1993)) ou seja, 0D β xx μ = Dβ ∗ xμ = Γ(μ+ 1) Γ(μ− β + 1) xμ−β . (30) Note que a equação (29) é o paradoxo citado na carta de Leibniz para l’Hôpital em 30 de setembro de 1695. 5.5 Leis dos Expoentes para a Derivada Fracionária De maneira geral, os operadores Dβ ∗ e Dβ não satisfazem a propriedade da chamada lei dos expoentes, diferentemente do operador integral visto anterior- mente. Para tanto, temos dois casos a considerar: 41 i)DαDβf(t) = DβDαf(t) �= Dα+βf(t); ii)DαDβg(t) �= DβDαg(t) = Dα+βg(t). No caso (i), considere a equação (23) e seja f(t) = t− 1 2 com a ordem fracionária α = β = 1 2 , obtemos: D 1 2D 1 2 f(t) = 0, da mesma forma, D 1 2D 1 2 f(t) = 0, porém D 1 2 + 1 2f(t) �= 0. Em relação ao caso (ii), ilustraremos o seguinte contra exemplo tam- bém utilizando a equação (23) e α = 1 2 , porém agora g(t) = t 1 2 e β = 3 2 . Assim, D 1 2g(t) = √ π 2 e D 3 2g(t) = 0, porém D 1 2D 3 2g(t) = 0. Por outro lado, podemos escrever D 3 2D 1 2 g(t) = −t 3 2 4 e D 1 2 + 3 2 g(t) = D2g(t) = −t 3 2 4 . A partir disso, apresentaremos o seguinte teorema cuja demonstração completa está em Miller & Ross (1993): Teorema Seja f(t) = tλη(t) ou f(t) = tλ ln tη(t), onde λ > −1 e η(t) = ∞∑ n=0 ant n com raio de convergência R, para 0 ≤ t < R, são válidas as seguintes fórmulas: i) μ ≥ 0 e 0 ≤ ν ≤ μ⇒ DνIμf(t) = Iμ−νf(t); ii) μ ≥ 0 e ν > μ⇒ DνIμf(t) = Dμ−νf(t); iii) 0 ≤ μ < λ+ 1 e ν ≥ 0⇒ DνDμf(t) = Dμ+νf(t). 6 APLICAÇÕES Neste capítulo mencionamos inicialmente algumas das mais diversas aplicações do Cálculo Fracionário. Estas aplicações abrangem amplamente o campo do conhecimento clássico, assim como equação integral de Abel, problemas de visco- elasticidade, e também aos campos menos conhecidos como divisores de tensão gene- ralizadas, multipolos fracionários, condutância elétrica de sistemas biológicos, entre outros (Podlubny (1999); de Oliveira & Maiorino (2003); Camargo et al. (2008)). Além de ter grande aplicabilidade em problemas advindos do cálculo de ordem inteira, o Cálculo Fracionário descreve mais precisamente fenômenos naturais, em destaque aos que tem dependência temporal, uma vez que ao comparar o cálculo de ordem inteira com o de ordem não inteira, nota-se que as derivadas fracionárias descrevem de maneira conveniente efeitos de memória e propriedades hereditárias15. Como foi dito, a solução de uma equação diferencial fracionária é ex- pressa em termos de um parâmetro correspondente à ordem da derivada e a solução da respectiva equação de ordem inteira é recuperada para um valor particular deste parâmetro. Em muitos casos, não é inteira a ordem da derivada que torna a solução da equação mais próxima da realidade (El-Sayed et al. (2007); Camargo (2009)). A metodologia utilizada neste trabalho para analisar equações fracionárias será a da transformada integral de Laplace, isto é, vamos aplicar a transformada de Laplace na equação, obtendo assim uma equação algébrica, resolver esta equação e, através da transformada de Laplace inversa, vamos recuperar a solução do problema de partida. Consideremos agora, um particular problema que envolve o crescimento de uma população de bactérias. Sabendo que nesta população o número de bactérias 15Dado o caráter não local das derivadas fracionárias. 43 no instante t varia em uma taxa proporcional a este número, iremos resolver a equação diferencial ordinária associada a este problema. Sendo P (t) a população de bactérias e k a constante de proporcionali- dade, temos: dP (t) dt = kP (t)⇒ dP (t) P (t) = kdt⇒ ∫ dP (t) P (t) = ∫ kdt. Assim, podemos escrever lnP (t) = kt+ ln c⇒ P (t) = ektc. Seja c a população inicial, logo P (0) = c⇒ P (t) = ektP (0). Abaixo, uma figura de bactérias em um meio ideal, isto é, uma subs- tância que permite a nutrição, o crescimento e a multiplicação dos microorganismos. Figura 7: Bactérias em um meio ideal. Figura extraída de: http://www.rocketswag.com/medicine/disease-prevention/infectious- diseases/bacteria/What-Helps-Bacteria-Grow.html; acessada em 15 jan. 2014. Como sabemos, há uma série de fatores que influenciam o crescimento da população tais como temperatura, quantidade de alimento, oxigênio, dentre ou- tros. Naturalmente, uma condição não ideal destes fatores levariam a uma diminui- ção no crescimento da população. Ao invés de considerar cada um destes fatores na 44 equação diferencial ordinária, vamos supor que a taxa de variação seja menor, i.e., vamos substituir a derivada de ordem 1 por uma derivada de ordem 0 < α ≤ 1, ou seja, dαP (t) dtα = kP (t). Utilizando o método das transformadas, segue: L [DαP (t)] = L [kP (t)] . Iremos calcular separadamente cada lado da igualdade, dessa forma: i) Primeiramente, iremos calcular o lado esquerdo da igualdade. Assim, pela equação (27) temos: L [DαP (t)] = L [φn−α(t)D nP (t)] = L [φn−α(t)]L [DnP (t)] . Pela definição da derivada de Caputo, como 0 < α ≤ 1 temos que n = 1, e considerando L [P (t)] = F (s), segue: L [φ1−α(t)]L [DP (t)] = sα−1[sF (s)− P (0)] = sαF (s)− sα−1P (0). ii) O outro lado da igualdade temos: L [kP (t)] = kL [P (t)] = kF (s). Por fim, de i) e ii): sαF (s)− sα−1P (0) = kF (s)⇒ F (s)[sα − k] = sα−1P (0). Assim, F (s) = sα−1P (0) sα − k . Pela equação (11) e tomando β = 1 e a = k, segue o seguinte resultado: L [ t0Eα(kt α) ] = sα−1P (0) sα − k . Sabendo que P (t) = L −1 [F (s)] , temos: P (t) = L −1 [ sα−1P (0) sα − k ] = P (0)L −1 [ sα−1 sα − k ] , 45 de onde podemos escrever P (t) = P (0)Eα(kt α). Tomando o α→ 1 na expressão anterior, temos lim α→1 P (t) = lim α→1 P (0)Eα(kt α) = P (0)ekt. Apresentamos abaixo o gráfico do modelo exponencial que descreve o crescimento de bactérias para alguns valores de α. 0.5 1.0 1.5 2.0 2.5 3.0 10 20 30 40 50 Α�1 Α�4�5 Α�3�5 Α�2�5 Figura 8: Crescimento de bactérias em um meio ideal. Pelo que concluímos, a solução do cálculo de ordem inteira é um caso particular da solução fracionária. De fato, em último caso, o cálculo fracionário abrange também a solução do problema de ordem inteira, descrevendo-o assim, tão bem quanto. Note que, quanto menor a ordem da taxa de variação mais rapida- mente se dá o crescimento. Este comportamento inesperado é investigado no artigo Camargo et al. (2014). 6.1 Equação Logística A equação logística foi publicada em 1838 por Pierre François Verhulst para modelar o crescimento da população mundial e baseou-se na avaliação de estatís- ticas populacionais disponíveis, complementando a teoria do crescimento exponencial de Thomas Robert Malthus. Ela pode ser aplicada em modelos com dependência 46 temporal e possui uma vasta área de aplicação já que os fatores inibidores são levados em consideração. Por exemplo, se fôssemos modelar a evolução da gripe A, os fatores inibidores poderiam ser o isolamento das pessoas infectadas, as ações governamentais e as formas de prevenção pelos meios de comunicação. Além disso, a equação logística se mostrou aplicável em uma série de eventos probabilísticos e relacionados à teoria do caos e às dinâmicas industriais e empresariais (Forys & Marciniak-Czochra (2003); Verhulst (1838)). Recentemente, a equação logística tem sido aplicada para descrever o crescimento de populações tanto no âmbito laboratorial quanto em habitat natural, sugerindo que os limitantes do crescimento exercem influência nos fatores de mortali- dade e fecundidade com o crescimento populacional. Contudo, o modelo logístico não explica muito bem em casos onde há relações mais complexas atuando como intera- ções dentro de teias alimentares ou dependências de vários recursos que ocorrem na maior parte dos casos na natureza (El-Sayed et al. (2007); Erjaee et al. (2012); Forys & Marciniak-Czochra (2003); Gatenby & Vincent (2013); Gerlee (2013); Rodrigues et al. (2011); Ricklefs (1996)). Este modelo também não é adequado para casos em que o recurso é abundante, ou seja, a população crescerá ilimitadamente, sem ne- nhuma capacidade suporte, sendo, neste caso, mais adequado o modelo malthusiano. Neste trabalho, com o intuito de refinar a solução dada pela clássica equação logística, cuja equação é de suma importância no estudo do crescimento de populações, modelagem de crescimento de tumores de câncer, dentre outros, propo- mos e analisamos uma generalização para a mesma, substituindo a derivada ordinária da equação por uma derivada de ordem não inteira. Analisamos também, a aplicabili- dade da equação logística fracionária para refinar a descrição na dinâmica de tumores de câncer e comparamos nosso modelo com alguns modelos clássicos presentes na li- teratura (Gerlee (2013); Phipps (2009)). Vale salientar que a versão fracionária de ordem 0 < α ≤ 1 da equação logística clássica foi solucionada numericamente por El-Sayed et al. (2007), no entanto, nós apresentaremos a solução analítica (Varalta et al. (2014)). 47 6.1.1 Modelo Clássico Em 1838, Verhulst publicou a equação logística definida como: d dt N(t) = kN(t) ( 1− N(t) r ) . (31) Aqui N(t) é o número de indivíduos no tempo t, k é a taxa de crescimento intrínseca e r é a capacidade suporte. Sem perda de generalidade, tomando r = 1, esta equação pode ser reescrita da forma: d dt N(t) = kN(t)[1 −N(t)]. (32) Esta é uma equação do tipo separável, então: dN N(1 −N) = kdt. Assim, aplicando o operador integral em ambos os lados e por frações parciais, obtemos: ∫ 1 N dN + ∫ 1 1−N = ∫ kdt. Dessa forma, sendo ln c a constante de integração, temos lnN + ln(1−N)−1 = kt + ln c, logo, a solução obtida é: N 1−N = ektc⇒ 1−N N = e−ktc−1 ⇒ N = 1 e−ktc−1 + 1 . Utilizando a condição inicial, temos N(0) = 1 c−1 + 1 ⇒ c−1 = 1 N(0) − 1. Reescrevendo a solução em função de N(0), temos: N = 1 e−ktc−1 + 1 ⇒ N = 1 1 + [ 1 N(0) − 1 ] e−kt . Note que além da equação logística ser do tipo separável é também do tipo Bernoulli, ou seja, é possível resolver esta equação não linear introduzindo uma 48 mudança na variável dependente, conveniente, que a transforma em uma equação linear. Isto é de grande valia, uma vez que utilizaremos o cálculo fracionário e para tanto, uma das condições para aplicar a Transformada de Laplace é que a dada equação seja linear. Uma equação diferencial ordinária do tipo Bernoulli é da forma: y ′ (t) + p(t)y(t) = q(t)yn(t). (33) Assim, introduzindo a mudança de variável v(t) = y1−n(t) ⇒ v ′ (t) = (1− n)y−n(t)y ′ (t), e multiplicando toda a equação por (1− n)y−n(t), temos: (1− n)y−n(t)y′(t) + p(t)(1− n)y1−n(t) = (1− n)q(t). A partir disto, resulta em: v ′ (t) + p(t)(1− n)v(t) = (1− n)q(t), sendo assim, uma equação linear. No caso proposto, a equação logística (32), é dada por: N ′ (t)− kN(t) = kN2(t). Fazendo a mudança de variável proposta, isto é v(t) = N1−2(t) ⇒ v(t) = N−1(t)⇒ v ′ (t) = −N−2(t)N ′ (t), segue que: −N−2(t)N ′ (t) + kN−1(t) = k ⇒ v ′ (t) + kv(t) = k. Assim, podemos escrever dv(t) dt = k[1− v(t)]. (34) A última equação é do tipo separável, logo dv 1− v = kdt⇒ ln(1− v) = kt + ln c⇒ ln(1− v) = −kt + ln c1, onde ln c1 = − ln c e v = v(t). Desse modo, temos v(t) = 1− c1e −kt. 49 Utilizando a condição inicial, temos v(0) = 1− c1 ⇒ c1 = 1− v(0) = 1− 1 N(0) . Logo, podemos escrever v(t) = 1− [ 1− 1 N(0) ] e−kt ⇒ N(t) = 1 1 + [ 1 N(0) − 1 ] e−kt . Note que 0 < N(0) < 1 e lim t→∞ N(t) = 1. 6.1.2 Modelo Fracionário Vamos utilizar os resultados apresentados acima para propor uma ge- neralização, via cálculo fracionário, para a equação logística (34), isto é: dαv(t) dtα = Dαv(t) = k[1− v(t)], (35) na qual 0 < α ≤ 1. Aplicando a Transformada de Laplace em ambos os lados, segue: L [Dαv(t)] = kL [1− v(t)] . Utilizando a equação (27), com m = 1 (já que 0 < α ≤ 1) iremos primeiramente, desenvolver o lado esquerdo da igualdade, logo, L [Dαv(t)] = L [φn−α(t)] ∗L [Dnv(t)] . Tomando n = 1, tem-se: L [φ1−α(t)] ∗L [Dv(t)] . De acordo com resultado obtido da equação (12) e F (s) = L [v(t)], segue: i) sα−1 [sF (s)− v(0)] = sαF (s)− sα−1v(0). Agora o segundo lado da igualdade, 50 ii) kL [1− v(t)] = kL [1]− kL [v(t)] = k [ 1 s − F (s) ] . Por fim, de (i) e (ii), temos: sαF (s)− sα−1v(0) = k [ 1 s − F (s) ] ⇒ sαF (s) + kF (s) = k [ 1 s ] + sα−1v(0). Dessa maneira, podemos escrever F (s) = k [ s−1 sα + k ] + v(0) [ sα−1 sα + k ] . Assim, obtemos: v(t) = L −1 L [v(t)] = L −1 [F (s)] = kL −1 [ s−1 sα + k ] + v(0)L −1 [ sα−1 sα + k ] . A partir disso, pelo resultado da equação (11), v(t) = tαkEα,α+1(−ktα) + v(0)Eα(−ktα), onde Eα,α+1(−ktα) e Eα(−ktα) são as funções de Mittag-Leffler de dois parâmetros e um parâmetro respectivamente. Agora, pela equação (9) com xα = −ktα, isto é Eα,α+1(−ktα) = 1−Eα(−ktα) ktα , temos: v(t) = −[−1 + Eα(−ktα)] + v(0)Eα(−ktα)⇒ v(t) = 1 + Eα(−ktα)[v(0)− 1]. Uma vez que tomamos v(t) = 1/N(t), obtemos na variável de partida: N(t) = 1 1 + [ 1 N(0) − 1 ] Eα(−ktα) . Note que, lim α→1 N(t) = 1 1 + [ 1 N(0) − 1 ] e−kt , ou seja, a solução de ordem inteira é um caso particular da solução da respectiva equação fracionária. 51 6.1.3 Análise Comparativa Apresentamos a seguir o gráfico da solução da equação (35), tomando N(0) = 0.2 e a capacidade suporte r = 1, para diferentes valores de α, temos: 0 �0.2 �0.4 �0.6 �0.8 �1 �1 2 4 6 8 10 0.2 0.4 0.6 0.8 1 t N(t) α α α α α k Figura 9: Solução da equação (35), em N(t). Como lim t→∞ Eα(−ktα) = 0 para todos os valores de 0 < α ≤ 1, temos lim t→∞ N(t) = lim t→∞ 1 1 + [ 1 N(0) − 1 ] Eα(−ktα) = 1, ou seja, para os valores considerados, todas as soluções convergem para o valor de suporte. 6.2 Dinâmica Tumoral Com o artifício de investigações científicas e a utilização da Matemá- tica na modelagem, na descrição e até mesmo na predição de um dado processo físico podemos entender melhor alguns fenômenos biológicos. Entretanto, tal utilização é recente, em particular em tumores e câncer, pois ainda encontramos dificuldade em modelar de forma satisfatória os controles de crescimento. Os modelos encontrados atualmente são baseados em simulações computacionais, equações diferenciais e ajus- tes de curvas, porém até os modelos mais sofisticados desconhecem o quanto que o tamanho do hospedeiro interfere no crescimento neoplásico (câncer não-controlado). 52 Existem diversos modelos de crescimento de tumor na literatura, por- tanto, é de suma importância saber qual melhor se adapta com dados experimentais. É fundamental compreender os pressupostos e as consequências de tais modelos, pois muitas vezes esses modelos suportam modelos mais complexos de crescimento do tu- mor (El-Sayed et al. (2007); Erjaee et al. (2012); Forys & Marciniak-Czochra (2003); Gatenby & Vincent (2013); Gerlee (2013); Rodrigues et al. (2011)). Pode-se considerar um volume de tecido como sendo uma “comunidade celular” constituída por “espécies” de células mesenquimais e epiteliais em equilíbrio dinâmico com o ambiente e uma com a outra (Gatenby & Vincent (2013)). Um pequeno número de células tumorais produzidas através de sucessivas mutações não- letais começam a interagir com a comunidade de células normais e não as reconhece, desencadeando assim, a aquisição de espaço e dos recursos vitais da comunidade existente. Este tumor pode ser benigno, quando as células mutantes permane- cem em um único local com uma fronteira bem definida com as células normais ou maligno, quando as células mutantes e as normais se misturam constituindo assim, o câncer (Weinberg (2008)). Na figura a seguir, apresentamos as dimensões do tumor para humanos segundo a divisão celular (Rodrigues et al. (2011)). O tempo de duplicação da massa tumoral diminui ao longo das divisões, acarretando assim, a inibição do crescimento tumoral (Schaebel (1975)). 53 Figura 10: Tamanho do tumor em relação às divisões celulares. Figura retirada de Rodrigues et al. (2011). Alguns conceitos básicos relacionados ao câncer: i) Metástase: formação de uma nova comunidade neoplásica a partir de outra primaria, porém sem continuidade física entre as duas. ii) Angiogênese tumoral: quando as células tumorais estimulam a formação de novos vasos sanguíneos. Vale ressaltar que sem a ocorrência de angiogênese, não há metástase e crescimento tumoral invasivo (Folkman (2002)). A seguir, uma figura que representa a formação de novos vasos sanguí- neos através de estímulos angiogênicos. 54 Figura 11: Figura da angiogênese tumoral retirada de Rodrigues et al. (2011). No caso da dinâmica tumoral, a saturação observada no crescimento de vários tipos de tumores não é bem descrita pelo modelo exponencial (Vaidya & Alexandro-Jr (1982)). Por este motivo, este modelo se aplica apenas para tumo- res avasculares, isto é, quando a angiogênese tumoral não tenha ocorrido, os quais segundo Kerbel (2000), possuem em torno de 1 a 2 mm de diâmetro no máximo (Rodrigues (2011); Rodrigues et al. (2011)). De fato, as células tumorais competem entre si por oxigênio e por re- cursos vitais. Foi proposto um modelo de dinâmica populacional que aborda tal interação por Lotka e Verhulst (Lotka (1925); Verhulst (1838)). Este modelo, conhe- cido como Equação Logística, é expresso por: d dt N(t) = kN(t) [ 1− N(t) r ] . (36) Na qual N(t) é o número de células tumorais no tempo t, k é a cons- tante de proporcionalidade em que k > 0 é taxa de crescimento intrínseca na qual as células se dividem, r > 0 é a capacidade suporte da população tumoral e ( 1− N(t) r ) representa a competição intraespecífica. Como foi visto anteriormente, a solução da equação (36) é dada por: 55 N(t) = r 1 + [ r N(0) − 1 ] e−kt . Note que lim t→+∞ N(t) = r, indicando assim, a saturação de crescimento. Para r N e N/r � 1, a equação (36) se reduz a: d dt N(t) = kN(t). (37) A equação (37) representa o crescimento exponencial pois não ocorre angiogênese em um tumor em estágio inicial, considerando-o constituído de uma única população celular. Pode-se assim, admitir que sua taxa de crescimento é proporcional ao número de células tumorais N(t). Apresentamos a seguir o gráfico que contempla nosso modelo logístico fracionário para alguns valores de α. Consideramos a população inicial N(0) = 4x109, a capacidade suporte de células r = 1012, k = 10−2/dia e com escala 1 : 1.000.000.000. 0 500 1000 1500 2000 2500 3000 0 100 200 300 400 500 600 700 800 900 1000 Crescimento tumoral Tempo (dias) N úm er o de c él ul as tu m or ai s (b ilh õe s) Logístico Fracionário com α=0,95 Logístico Fracionário com α=0,96 Logístico Fracionário com α=0,97 Logístico Fracionário com α=0,98 Logístico Fracionário com α=0,99 Figura 12: Crescimento tumoral, em N(t). 6.2.1 Modelos de Crescimento Tumoral Existem diversos modelos de crescimento tumoral presentes na litera- tura, com isto, é de suma importância conhecer qual é melhor descrito com dados experimentais Gerlee (2013); Phipps (2009). Porém, percebe-se na literatura, que o crescimento do tumor não segue uma lei universal Retsky (2004), então podemos 56 mencionar outros dois modelos mais usados16: i) o conhecido modelo Logístico Generalizado, é dado por (Gatenby & Vincent (2013)): dN(t) dt = r θ N(t) ( 1− N(t) k )θ , no qual a escolha de θ define a rapidez na qual a saturação é atingida. De acordo com Spratt et al. (1996), este modelo descreve melhor o crescimento de câncer de mama . Normalmente o parâmetro θ é maior que 1. Note que, se θ = 1 obtém- se o modelo logístico. Por outro lado, se θ → 0+, utilizando o limite fundamental lim x→0 kx − 1 x = ln k, tem-se o modelo de Gompertz a seguir. ii) Modelo de Gompertz (Gatenby & Vincent (2013)): dN(t) dt = −rN(t) ln ( N(t) k ) . Este modelo descreve melhor o crescimento volumétrico in vivo segundo Michelson et al. (1987). A seguir, apresentamos um gráfico de modelos presentes na literatura que descrevem o aumento da massa tumoral/volume ao longo do tempo, a partir do modelo de crescimento exponencial simples de um parâmetro para os modelos mais sofisticados, como Gompertz, Logística Generalizada e Equação Logística Fracioná- ria. 16Existem vários outros modelos que descrevem a dinâmica de tumor de câncer que não serão mencionados aqui (Gatenby & Vincent (2013)), devido ao fato de que eles são muito semelhantes aos que foram considerados. 57 0 500 1000 1500 2000 2500 3000 0 100 200 300 400 500 600 700 800 900 1000 Crescimento tumoral Tempo (dias) N úm er o de c él ul as tu m or ai s (b ilh õe s) Logístico Exponencial Logístico Generalizado Gompertz Logístico Fracionário com α=0,97 Logístico Fracionário com α=0,99 Figura 13: Crescimento de tumor em humanos de acordo com os modelos Exponen- cial, Logístico, Gompertz e Logístico Fracionário. Na figura 13, consideramos a população inicial N(0) = 4x109, a capacidade suporte de células r = 1012, k = 10−2/dia e para o modelo logístico generalizado θ = 2 com escala 1 : 1.000.000.000. Uma desvantagem dos modelos usuais é que eles tendem para a capa- cidade suporte de forma mais acelerada do que o esperado (El-Sayed et al. (2007); Erjaee et al. (2012); Forys & Marciniak-Czochra (2003); Gatenby & Vincent (2013); Gerlee (2013); Rodrigues et al. (2011)). Esta é uma das vantagens do modelo lo- gístico fracionário pois, notamos que a medida que a ordem da derivada diminui a convergência para o valor de suporte torna-se mais lenta. Esta convergência menos acelerada para o valor de suporte condiz com o crescimento de alguns tipos de tumor de câncer Rodrigues (2011); Rodrigues et al. (2011); Gatenby & Vincent (2013) o que torna esta equação bastante relevante para o estudo de dinâmicas tumorais, uma vez que, além contemplar a competição entre as células tumorais por recursos vitais, ela prevê que o tamanho máximo de um tumor leva mais tempo para ser atingido. 7 CONCLUSÕES O Cálculo Fracionário é tão antigo quanto o de ordem inteira. Por não ter uma interpretação física tão evidente começou seu desenvolvimento apenas na matemática pura, sem grandes aplicações. Entretanto, notamos que recentemente essa valiosa ferramenta tornou-se evidente, em especial na modelagem de fenômenos que possuem dependência temporal, uma vez que as derivadas fracionárias descre- vem de forma conveniente efeitos de memória quando comparado com as respectivas derivadas de ordem inteira. Neste trabalho, evidenciamos a importância do Cálculo Fracionário para generalizar e refinar a solução de equações diferenciais de ordem inteira, sendo estas de suma importância na descrição de diversos fenômenos no âmbito biológico. Com isto, propusemos uma generalização via Cálculo Fracionário para a clássica equação logística e mostramos que o modelo fracionário oferece uma descrição melhor que ou igual a do modelo clássico, uma vez que a solução da equação fracionária tem, como caso particular, a solução do modelo clássico. Aplicamos esta valiosa ferramenta na dinâmica tumoral e tivemos um resultado satisfatório pois notamos que à medida que a ordem da derivada dimi- nui a convergência para o valor de suporte torna-se mais lenta. Esta convergência menos acelerada para o valor de suporte condiz com o crescimento de alguns tipos de tumor de câncer (Rodrigues (2011); Rodrigues et al. (2011)), o que torna esta equação bastante relevante para o estudo de dinâmicas tumorais, uma vez que, além de contemplar a competição entre as células tumorais por recursos vitais, ela prevê que o tamanho máximo de um tumor leva mais tempo para ser atingido. Uma continuação natural deste trabalho é estudar o sistema apresen- 59 tado por Rodrigues (Rodrigues (2011); Rodrigues et al. (2011)) na versão fracionária, uma vez que sabemos o comportamento do crescimento tumoral e já o descrevemos no modelo fracionário, iremos analisar o crescimento ou decrescimento de tumores de câncer sobre a ação de agentes quimioterápicos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARGAWAL, R. P. A Propos d’une Note de M. Pierre Humbert. C. R. Seances Acad. Sci., v.236, p.2031–2032, 1953. ATIYAH, M. F.; MACDONALD, I. G. Introduction to Commutative Algebra. Reading MA: Addilson Wesley, 1969. BOYCE, W. E.; DIPRIMA, R. C. Equações Diferenciais Elementares e Pro- blemas de Valores de Contorno. Rio de Janeiro: LTC, 2006. 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