RAFAEL MARQUES GUIMARÃES KONOPCZYK Composição florística, estrutura e heterogeneidade ambiental da comunidade arbórea de uma várzea em Porto Ferreira, SP, Brasil Dissertação apresentada ao Instituto de Biociências do Campus de Rio Claro, Universidade Estadual Paulista, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Ciências Biológicas (Biologia Vegetal). Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio de Assis Rio Claro Março / 2014 “Dedico esse trabalho a meu irmão Ívan (in memorian) e aos meus pais Márcio e Márcia” AGRADECIMENTOS A todas aquelas pessoas que de alguma maneira, direta ou indiretamente, me ajudaram a caminhar nesses dois anos de mestrado. Principalmente ao Prof. Dr. Marco A. Assis pela orientação, amizade, paciência, conversas e tudo que aprendi com ele nesse período, ao Prof. Dr. Reinaldo Monteiro por todas as caronas na “Kombi da alegria” ao Parque Estadual de Porto Ferreira (PEPF), pelas conversas, colaborações, comentários e sugestões sobre o trabalho, ao Prof. Dr. Antônio Camargo por todos os comentários e considerações feitas ao trabalho, à professora Alessandra Fidelis por contribuir nas análises, ao Prof. Dr. Jean Carlos Budke pelo envio de artigos e de sua tese, ao Prof. Dr. Carlos A. Joly por contribuir com sugestões de leitura de artigos, ao Prof. Dr. Juan José Neiff pelo envio de artigo, à Profa. Dra. Marta Cristina Teixeira Duarte pelos comentários valiosos na redação, ao Prof. Dr. Pedro Moraes pela ajuda na identificação das Lauraceae, ao Prof. Dr. Julio Lombardi pela ajuda na identificação de outros grupos de plantas, Prof. Dr. Luiz C. Bernacci por toda a ajuda e boa vontade em compartilhar informações de florestas inundáveis do interior paulista, ao Prof. Dr. Mário Assine pelas importantes considerações a respeito dos aspectos topográficos e geomorfológicos da várzea estudada, ao Prof. Dr. Danilo Muniz da Silva pela ajuda na interpretação das análises feitas no R, ao Prof. Dr. Renato Goldenberg pela identificação de uma Miconia, ao Prof. Dr. Marcos Sobral pela identificação de muitas Myrtaceae, ao prof. Dr. Milton Cesar Ribeiro pela conversa sobre a confecção de mapa e aos Profs. Drs. Sergius Gandolfi e Wolfgang Junk pela importante participação na banca. À Laís, Aline, Gisele (Gi) e Carlinhos do departamento de ecologia por toda ajuda nas análises de sedimento. Ao prof. Dr. Edson Gomes (In memorian) do Departamento de Geologia por permitir o uso do teodolito e aos técnicos Cláudio e Alan pelas diversas vezes que me emprestaram esse equipamento. À profa. Dra. Patrícia Maltempi do departamento de Biologia por conceder o empréstimo do macacão de borracha, ao Diovani que me recebeu no departamento e, principalmente ao Rafael Borba (Mão) que facilitou as coisas para que eu conseguisse essa roupa. A todos os funcionários do Parque Estadual de Porto Ferreira (PEPF), em especial Sônia, André, Pedro, Valéria, Paulão, seu Joaquim, Andréia, Suelen, Araína, João Paulo, Pudim que sempre me receberam muito bem todas as vezes que tive que ir fazer campo por um dia e nas vezes que precisei utilizar o alojamento. À dona Dirce por fornecer o histórico hidrológico do nível do rio Mogi Guaçu da régua de Porto Ferreira. Ao Sergio A. Antonini que também forneceu histórico hidrológico do rio Mogi Guaçu, no entanto aquele proveniente da régua de Pirassununga, pelo envio de fotos do rio e da régua e a toda ajuda que ele me ofereceu durante as visitas a Porto Ferreira. A todos @s colegas e amig@s que me ajudaram em campo nas diversas vezes que estive na várzea, estando seca ou inundada. Em especial, Rodrigo Morais, Vitor Kamimura (Lilo), Gabriel Sabino (Mió), Thiago Araujo (Reto), Gabriel Marcusso, João Godinho (Royal), Tainá Vilela (Ricota), Rodolfo de Castilho, Samuel Rosa (Skank), João Paulo (Batata), Pudim, Caio Fernandes (Balinha), Thiago Leal, Rafaela Constantini (Porteira), Fabíola Arantes (Gadu), Carlos Eismann (Kadu), Erick Rodrigues (Exu), Yuri Brenninkmeijer (Dylon), Fernando Morais, Murilo Amaral (Senta), Luana Gabriela, Elisa Carlini, Maíra Martins, Matheus Nogueira (Branca), Gustavo Peres (Mentira) pela boa vontade em ajudar com o GPS de precisão. Foram momentos bem legais, alguns bem engraçados, que passamos em campo. Valeu mesmo pessoal! À Mariana Oliveira (Maricota) por ter arrumado ajuda para a famigerada medição topográfica. Ao Dylon por ter me emprestado seu carro e a todos da república Villa que de alguma maneira colaboraram para que esse trabalho se concretiza-se, inclusive o Mococa que me chamava para tomar cerveja quando eu já não aguentava mais escrever. À Poly e à Tyra por alegrarem meu dia. À Vanessa da pós-graduação pelas tantas vezes que me auxiliou quando eu estava para vencer algum prazo. Ao Vitor Kamimura (Lilo) que me ajudou muito com as análises estatísticas feitas no programa R, as quais dificilmente teriam se concretizado sem essa grande ajuda. Ao Rodrigo Morais e Lilo pelas infindáveis discussões na salinha da pós sobre as análises do trabalho. Ao Gabriel Sabino (Mió) pela ajuda inestimável nas identificações de muitas espécies. À Mariana Saka (Mangá) e Leonardo Biral (Leo) por todas as vezes que também me ajudaram na identificação de espécies. À Lídia Duarte minha querida namorada que sempre me apoiou todo esse tempo, principalmente nos momentos mais difíceis e que também me ajudou em campo e com o abstract. Aos meus pais por sempre torcerem por mim e me incentivarem na minha busca pelo conhecimento. E pelas diversas vezes que me emprestaram o carro para as minhas idas a campo. À CAPES pela bolsa de concedida, à FAPESP (processo n° 2013/11960-5) pelo financiamento do projeto, à Fundunesp (processo n° 1948/009/13-PROPe/CDC), ao Instituto Florestal pelo aceite do desenvolvimento do trabalho e ao Departamento de Botânica da UNESP de Rio Claro por todo apoio no desenvolvimento do trabalho. A Deus por toda energia positiva e conquistas que vem me oferecendo todo esse tempo. Agradeço. RESUMO Várzeas são áreas que margeiam o traçado de rios de médio e grande porte, as quais estão sujeitas a inundações nos períodos de cheias. De acordo com o grau de inundação a vegetação tende a ter características florísticas e estruturais específicas. No presente estudo, pretendeu-se levantar e caracterizar a comunidade arbórea de uma floresta de várzea situada à beira do rio Mogi Guaçu, no Parque Estadual de Porto Ferreira, Estado de São Paulo. Objetivou-se avaliar de que maneira os pulsos de inundação influenciam na composição e organização da comunidade arbórea de várzea. Para tanto, foram levantados e avaliados os dados da vegetação e das variáveis ambientais relacionadas à topografia, à inundação, à drenagem e à composição físico-química do solo. Assim, foram alocadas na área 30 parcelas de 400 m2 cada distribuídas ao longo de dois transectos, de acordo com as condições ambientais. Nas parcelas foram mensurados, medidos e identificados os indivíduos com PAP ≥ 10 cm e caracterizados o regime de inundação e drenagem, a topografia e as propriedades físico-químicas dos solos. Para a análise dos descritores fitossociológicos foram utilizados os valores absolutos e relativos de dominância, densidade e frequência, o valor de importância (VI), além dos índices de diversidade de Shannon (H’) e a equabilidade de Pielou (J’), os quais foram obtidos pelo programa FITOPAC II. O efeito das variáveis Dias de inundação, Altitude média e Desnível foram testados em um modelo linear com os parâmetros estruturais e de riqueza entre as unidades amostrais. Essas mesmas variáveis também foram usadas para gerar dois grupos pelo teste de agrupamento k-means, os quais foram usados para uma análise de espécies indicadoras (ISA). A similaridade florística e estrutural foi testada numa UPGMA através do índice de Bray-Curtis. Foram feitos testes de PERMUTAÇÃO para verificar diferenças entre grupos formados nos parâmetros edáficos e estruturais. Foram realizadas três PERMANOVAs, para verificar variação dos descritores de acordo com variáveis ligadas à inundação, outra para mostrar como o solo variou em função da inundação e topografia e mais uma que mostrou a variação dos dados estruturais entre os grupos gerados. As unidades amostrais juntamente com as variáveis ambientais e das espécies com abundância > a 10 indivíduos foram processadas por três análises de redundância (RDA), uma só com variáveis edáficas, outra com variáveis ligadas à inundação e outra com todas as variáveis. A análise dos dados foi processada no software R studio versão 0.98.490. Foram observadas diferenças significativas nos descritores número de espécies, número de indivíduos, diâmetro médio e altura média quando testadas pelo efeito das variáveis Dias de inundação, Altitude média e Desnível. A PEMANOVA também permitiu identificar diferenças significativas para a variável Dias de inundação na estrutura, das variáveis ligadas à inundação na composição físico-química do solo e entre os parâmetros dos grupos. O teste k-means encontrou dois grupos bem definidos (“Úmido” e “Seco”) sendo Inga affinis e Myrciaria tenella consideradas indicadoras do grupo “Úmido” e Guarea macrophylla, Trichilia catigua, Eugenia moraviana, Lonchocarpus cultratus, Miconia collatata, Alibertia gardneriana, Eugenia cf. longipedunculata, Luehea divaricata, Genipa americana, Duguetia lanceolata, Calipthrantes widgreniana para o grupo “Seco”. A RDA feita para as variáveis ligadas à inundação mostrou que I. affinis tem grande influência nas áreas mais inundadas e a outra RDA com as variáveis de solo mostrou maior tendência de distribuição das espécies. Palavras-chave: Mata Ciliar, Mata de Várzea, Inundação, Análise multivariada, Seletividade de espécies arbóreas. ABSTRACT Floodplains are extensions of area that border the tracing of medium and large rivers, which are subject to flooding during periods of river discharge. According with degree of flooding, the vegetation tends to have specific floristic and structural characteristics. In the present study, we intended to investigate and characterize the tree community of a lowland forest situated by the river Mogi Guaçu, at the “Parque Estadual de Porto Ferreira”, São Paulo State. This study aimed to examine how the flood pulses influence the composition and organization of the tree community floodplain. For that, was carried out a survey of a vegetation data and of environmental variables with regard of topography, flooding, drainage and physicochemical properties of soil. Thus, was allocated in the area 30 plots of 400 m2 each one distributed along two transects according with environmental conditions. In the plots were measured and identified all trees with a perimeter greater than 10 cm at breast height (1.3 m) and characterized the flooding regime and drainage, the topography and physicochemical properties of soil. For analyzing the phytosociological descriptors were used the absolute and relative value of dominance, density and frequency, the importance value (IV), the diversity index (H’) and the Pielou equability (J’) which were obtained by FITOPAC program. The effect of variables Days of flooding, Average elevation and Elevation range were tested by a linear mode using structural and richness parameters between the plots. Those same variables also were used to generate two groups according to cluster analyses k-means, which were used for an indicator species analyses (ISA). A floristic and structural analysis was carried out in a UPGMA using the Bray-Curtis index. Permutation tests were performed to verify differences between groups with regard soil properties and structural parameters. Were carried out three PERMANOVAS, the first to verify variation of descriptors according with variables associated with flooding, the second to show how the soil ranged according to flood level and topography and the last one that showed the variation of structural data between the groups. The plots with the environmental variables and species that had abundance greater than ten trees (from ISA) were processed at three redundancy analyses (RDA), the first only with variables associated with flooding, the second with soil properties and the last one with all the environmental variables. The data analyses were processed by software R studio version 0.98.490. Were observed significant differences in species number, trees number, and medium values of height and diameter when the effect of variables Days of flooding, Average elevation and Elevation range were tested. The PERMANOVA testing also identified significant differences to the variables Days of flooding in the structure, in the variables associated with flooding affecting the soil properties and parameters between groups. The k-means test found two well-defined groups (“Dry” and “Wet”) with Inga affinis and Myrciaria tenella considered indicator species of “Wet” group and Guarea macrophylla, Trichilia catigua, Eugenia moraviana, Lonchocarpus cultratus, Miconia collatata, Alibertia gardneriana, Eugenia cf. longipedunculata, Luehea divaricata, Genipa americana, Duguetia lanceolata, Calipthrantes widgreniana to “Dry” group. The RDA done to variables associated with flooding showed that Inga affinis has great influence in the flooding areas and the RDA done with soil properties showed bigger trend of species distribution. Keywords: Riparian forest; Floodplains forests; Flooding; Multivariate analysis; Selectivity of tree species. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 11 2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ............................................................................................. 14 3. MATERIAL E MÉTODOS .................................................................................................. 17 3.1 Área de Estudo ................................................................................................................ 17 3.1.1 Aspectos da Várzea .................................................................................................... 19 3.2 Procedimentos de Campo ............................................................................................... 24 3.2.1 Levantamento da Vegetação ...................................................................................... 24 3.2.2 Levantamento da Topografia ..................................................................................... 25 3.2.3 Avaliação do regime hidrológico ............................................................................... 26 3.2.4 Drenagem das parcelas .............................................................................................. 33 3.2.5 Coleta e análise do solo ............................................................................................. 34 3.3 Análise dos dados ............................................................................................................ 35 4. RESULTADOS ...................................................................................................................... 38 5. DISCUSSÃO .......................................................................................................................... 59 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................ 68 11 1. INTRODUÇÃO As florestas do interior do Estado de São Paulo encontram-se numa condição preocupante de fragmentação, sendo que grande parte do que resta situa-se dentro de áreas protegidas (DURIGAN & LEITÃO FILHO 1995). As matas ciliares, embora protegidas pela lei brasileira (CHIUVITE 2010), também vêm sendo sistematicamente consumidas pelos processos de urbanização e pelos estabelecimentos de monoculturas e pastagens, gerando vários danos ecológicos, ambientais e sociais (ALTIERI 2012). Essa fragmentação tem levado à diminuição da diversidade biológica, a mudanças no regime hidrológico, ao isolamento de populações, à deriva genética e, finalmente, à extinção de espécies antes mesmo de se conhecê-las (DURIGAN & LEITÃO FILHO 1995). Mata ciliar é o nome historicamente e genericamente atribuído aos diversos tipos de florestas que margeiam os cursos d’água (RODRIGUES 2000). Ela é condicionada por diversos fatores de ordem climática, geológica, hidrológica, hidrográfica, geomorfológica, topográfica, edáfica, fitogeográfica, ecológica, os quais, interagindo entre si, definirão as características fisionômicas e florísticas da vegetação (RODRIGUES & SHEPHERD 2000). De maneira geral, a mata ciliar é responsável pela boa qualidade dos recursos hídricos de uma microbacia (KUNKLE 1974; ATTANASIO et al. 2012), além de servir de corredor ecológico, abrigo e prover alimento para a fauna silvestre (MARINHO-FILHO & GASTAL 2000) e para os peixes (BARRELLA et al. 2000). Quanto à variação e a seletividade de espécies da vegetação, Rodrigues e Nave (2000) demonstraram que as matas ciliares brasileiras apresentam-se bem heterogêneas do ponto de vista florístico, apresentando características próprias para cada região. Em rios de médio a grande porte, frequentemente, ocorre o dique marginal que é uma faixa de beira alta que constitui suporte geoecológico para o desenvolvimento das matas ciliares, as quais separam a calha do rio com a planície aluvial ou várzea (Ab’SABER 2000). Sua gênese se dá em decorrência de um processo deposicional de partículas mais grossas que lá se estabelecem, enquanto que as partículas finas (sedimento) chegam até as várzeas, ocorrendo esse fenômeno nos períodos de cheias, quando o leito do rio extravasa a altura do dique e penetra na várzea (Ab’SABER 2000). Nesses casos, pode-se distinguir perfeitamente a mata ciliar como sendo a vegetação que se desenvolve sobre o dique, daquela outra situada por de trás, na cota mais baixa e 12 onde a inundação ocorre de maneira prolongada, a vegetação de várzea (MANTOVANI et al. 1989). Portanto, devido às condições hidrológicas locais, as várzeas são áreas que frequentemente margeiam o traçado de rios de médio e grande porte, as quais são inundadas periodicamente pelo seu transbordamento lateral e/ou precipitação direta, ou ainda afloramento do lençol freático (JUNK et al. 1989). Geralmente, os eventos de inundação ocorrem na época de maior precipitação, a qual vai variar de acordo com o clima da região estudada (INAU 2013). Em rios brasileiros a amplitude média do leito pode variar cerca de 1 metro na região Sul a 15 metros na região Norte (INAU 2013), o que implica na extensão da planície de inundação. No Sudeste, devido ao clima sazonal bem marcado, a cheia ocorre, geralmente, no período que compreende o final de um ano e o começo do subsequente. Dependendo das condições topográficas e de drenagem locais, ela pode se estender por muitos meses, podendo ficar com a água quase estagnada inclusive depois que o rio baixou seu nível, fato esse que impõe um caráter altamente seletivo para a vegetação, uma vez que a presença da água leva a uma condição de hipoxia, ou mesmo de anoxia, no solo (GILL 1970; JOLY & CRAWFORD 1991; LOBO & JOLY 1998 2000). Dessa maneira, as espécies arbóreas colonizadoras desses ambientes podem apresentar mecanismos fisiológicos, anatômicos e metabólicos para suportar essa condição, permitindo que elas apresentem grandes populações (LIEBERG 1990). Junk et al. (1989) postulam que os eventos de inundação não ocorrem na forma de ciclos, mas na forma de pulsos, caracterizando fases de seca e fases de inundação, de acordo com a região de ocorrência e a capacidade de drenagem da bacia. Porém, em rios de pequeno porte quase sempre são imprevisíveis (BUDKE et al. 2008), diferentemente do que ocorre em grandes rios, os quais mantêm pulsos regulares e previsíveis (INAU 2013; PAROLIN et al. 2004). Isso indica que o histórico hidrológico de um rio influencia diretamente no tempo, na frequência e na intensidade do pulso, o qual vai moldando as comunidades vegetais ao longo das planícies inundadas de muitos rios (CAPON 2005; HUGHES 1990). Tais características determinam a distribuição das espécies, tanto em escala regional (CAPON 2005; HUGHES 1990) quanto escala local (TEIXEIRA et al. 2011; PRATA et al. 2011; BUDKE et al. 2008), podendo haver trechos sempre alagados, trechos que alagam com um intervalo um pouco maior e outros ainda que raramente são alagados (BUDKE et al. 2008; BUDKE et al. 2010b). 13 Acredita-se também que, quando há uma pequena mobilidade de água no solo, causada por impedimentos físicos ou alterações na topografia original, a formação vegetal que se instalará tende a ter porte herbáceo e, pelo contrário, no caso de uma maior mobilidade da água, a comunidade passa a ter uma estrutura preferencialmente florestal (IVANAUSKAS et al. 1997). Além disso, longos períodos de inundação podem diminuir a biomassa desses ecossistemas, levando a um aumento de espécies herbáceas (CASANOVA & BROCK 2000; HUGHES 1990; STEVAUX et al. 2013). Nesse contexto, o presente trabalho teve como objetivo principal avaliar de que maneira os pulsos de inundação influenciam na estrutura, florística, riqueza e diversidade de uma comunidade arbórea de várzea. Para tanto, foram levantados e avaliados os dados da vegetação e das variáveis ambientais relacionadas à topografia, à inundação, drenagem e composição físico-química do solo. Assim, buscou-se responder às seguintes questões: (i) Trechos inundados por intervalos de tempo diferentes tendem a apresentar diferenças na composição florística e na estrutura? (ii) Caso isto fosse verificado, haveria formação de grupos de acordo com as variáveis ligadas à inundação e as relações de similaridade florística entre os trechos levantados? (iii) Variações topográficas influenciam na florística, estrutura e riqueza da comunidade arbórea? (iv) Características físico-químicas do solo mostram tendências na distribuição das espécies? Especificamente, buscamos avaliar quais seriam as variáveis ambientais (inundação, drenagem, topografia, propriedades químicas e granulométricas dos solos) mais correlacionadas com a distribuição e abundância das espécies em um contexto local. Esperávamos que, assim como relatado para as matas ciliares “lato sensu” (incluindo as matas paludosas), variações como no regime de inundação, padrão de drenagem dos solos e características físico-químicas do solo estivessem correlacionadas com a distribuição das espécies em uma mesma comunidade florestal. 14 2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA A literatura sobre ecossistemas ribeirinhos, aqueles que evoluíram através da influência direta de inundações, é vasta (ESTEVES 1998). Quanto às fitofisionomias, os enfoques dados vão desde comunidades herbáceas (CAPON 2005) até as arbóreas (NUNES da CUNHA & JUNK 2001). Em geral, é discutido de que maneira os atributos das inundações (p.ex. tempo, frequência) influenciam na estrutura, florística, riqueza e diversidade das comunidades analisadas (BUDKE et al. 2008). Muitos estudos tem explicado a ocorrência das espécies vegetais com o uso de técnicas de análise multivariada (p.ex. OLIVEIRA FILHO et al. 1994a, 1994b, 1994c, 1994d; VAN DEN BERG & OLIVEIRA FILHO 1999), o que tem aumentado muito o conhecimento acumulado da relação das espécies com as variáveis ambientais, principalmente para o estado de Minas Gerais. Em termos globais, as abordagens nas áreas inundadas são diversas, tendo estudos em regiões áridas no centro da Austrália que avaliaram a distribuição das espécies herbáceas sujeitas a diferentes períodos de inundação (CAPON 2005). No Kenya (Sudeste Africano) Hughes (1990) ressaltou a importância das inundações para a manutenção das várzeas, assim como previu que a construção de barragens pode ter um impacto negativo para essas matas sujeitas às inundações. Na região da Península Ibérica (Oeste Europeu), Rodríguez-Gonzáles et al. (2010) avaliaram como a inundação influencia a distribuição de duas espécies típicas de áreas alagadas. Na Holanda foi avaliada a distribuição de seis espécies de áreas sujeitas a alagamentos (VREUGDENHIL et al. 2006) e, na planície aluvial do rio Mississippi (Sul dos Estados Unidos) Robertson et al. (1978) demonstraram, em um gradiente de inundação, que as espécies arbóreas apresentaram diferenças florísticas e estruturais de acordo com o grau de drenagem do solo. Esses estudos mostram a íntima relação entre as inundações e as espécies vegetais que sofrem sua influência em maior ou menor grau. No Brasil os estudos florísticos envolvendo pulsos de inundação são mais comuns nos rios da bacia do rio Amazonas (p. ex FERREIRA & STOHLGREN 1999; PAROLIN et al. 2004) e na bacia do Paraguai (Pantanal) (NUNES da CUNHA & JUNK 2001) devido, principalmente, à grande magnitude dos eventos. Para outras regiões, estudos dessa natureza são mais escassos e geralmente mais recentes (p. ex. BUDKE et al. 2008, para a bacia do Atlântico sul; CASCO & NEIFF 2013, para a bacia do Paraná). O próprio emprego do termo “Floresta/Mata de Várzea” tem se restringido 15 essencialmente para os estudos das formações florestais Amazônicas (mais especificamente aquelas dos rios de águas brancas, ricos em nutrientes), onde elas são muito mais características e ocupam áreas de grande extensão. Para a região Sudeste, os trabalhos relativos às matas ciliares (sensu lato, incluindo florestas paludosas e matas de galeria) são muitos e buscam, em grande parte, descrever a composição florística e estrutura fitossociológica dessas florestas, além de averiguar a distribuição das espécies em função das variáveis ambientais em macro e micro escalas. Muitos são os avanços que esses estudos trouxeram para o entendimento da preferência e distribuição das espécies em ambientes ribeirinhos (p. ex., BUDKE et al. 2007, 2008, 2010a, 2010b; FELFILI 1998; OLIVEIRA FILHO et al. 1994a, 1994b, 1994c, 1994d; PRATA et al. 2011; TEIXEIRA et al. 2011; VAN DEN BERG & OLIVEIRA FILHO 1999). Dentre as principais constatações, verifica-se que há uma forte relação da vegetação com a província fitogeográfica a que pertence e, dentro de uma mesma província, as condições edáficas e a distância geográfica, entre outros fatores, podem ser responsáveis pelas similaridades ou diferenças florísticas entre as florestas (OLIVEIRA FILHO et al. 1994a; IVANAUSKAS et al. 1997; TEIXEIRA et al. 2011). Por outro lado, numa escala mais reduzida, verifica-se que a organização da comunidade arbórea está relacionada às características topográficas e pedológicas, às condições de drenagem do solo e mesmo com a abertura do dossel (TEIXEIRA & ASSIS 2009; TEIXEIRA et al. 2011; VAN DEN BERG & OLIVEIRA FILHO 1999). De modo semelhante, muitos são os estudos das matas ciliares (sensu lato) no interior do Estado de São Paulo (p. ex., DURIGAN & LEITÃO FILHO 1995; RODRIGUES & NAVE 2000). Porém, também nestes casos, verifica-se que, exceto pelo tratamento diferenciado dados às florestas tipicamente paludosas (p.ex., MARQUES et al. 2003), em geral não se tem uma clara distinção entre as florestas de várzea e a mata ciliar (p. ex. na compilação de RODRIGUES & NAVE 2000) como discutido por Rodrigues (2000). Uma rara exceção é feita pelos autores Metzger et al. (1998), que reconheceram prontamente as diferenças entre essas vegetações e analisaram a possibilidade de alguns descritores florístico-estruturais exprimir, em parte, essas diferenças, o que não se concretiza. Segundo esses autores, as florestas de várzea são alagadas anualmente e as matas ciliares apenas esporadicamente nas grandes cheias. Ainda postularam que, uma das dificuldades de se obter valores estruturais que possam caracterizar uma ou outra formação se dá em função de ocorrer faixas de transição entre elas com características estruturais intermediárias. 16 Especificamente na bacia do rio Mogi Guaçu, podem ser encontrados alguns levantamentos nos municípios de Jaboticabal (MARCHIORI 1989; NASSAR JUNIOR 1989 e BOPP 1999), Mogi-Guaçu (GIBBS & LEITÃO FILHO 1978; GIBBS & LEITÃO FILHO 1980; MANTOVANI et al. 1989) e Porto Ferreira (BERTONI 1984; BERTONI et al. 1982; BERTONI & MARTINS 1987). No entanto, nenhum deles levou em consideração aspectos quantitativos dos pulsos de inundação aliados às variáveis do ambiente (p. ex. topografia, solo e drenagem), que possam se relacionar diretamente com a ocorrência e distribuição das espécies arbóreas. Bertoni et al. (1982) e Bertoni & Martins (1987), realizaram uma caracterização florístico-fitossociológica geral em quatro áreas internas ao Parque Estadual de Porto Ferreira, abrangendo diferentes formações da Unidade (Cerradão, Floresta Estacional Semidecidual, Mata Ciliar), incluindo um pequeno trecho da várzea. Dessa forma, o entendimento e as inferências melhor fundamentadas em relação à composição florística, estrutural e distribuição das espécies nas florestas de várzeas necessitam de um maior número de estudos para a região Sudeste. 17 3. MATERIAL E MÉTODOS 3.1 Área de Estudo O Parque Estadual de Porto Ferreira (PEPF), localizado no município de Porto Ferreira-SP, situa-se no polígono formado pelas coordenadas UTM (Universal Transverse Mercator) 7.579.500 a 7.583.500 m S e 245.000 a 251.000 m E da zona 23K e possui uma área de 611,55 ha. Sua face norte limita-se com a Rodovia SP-215 no km 90, a oeste faz divisa com o Ribeirão da Água Parada, a leste com o Ribeirão dos Patos juntamente com a trilha das árvores gigantes e a sul o rio Mogi Guaçu contorna o parque (SÃO PAULO 2003) (Figura 1). O Parque situa-se sobre a província geomorfológica da Depressão Periférica Paulista na Bacia do Paraná. Ele apresenta três formações litológicas básicas: Formação Pirassununga, do período Terciário (arenitos finos a médios); Formação Corumbataí, do período Permiano (argilitos e siltitos) e sedimentos aluvionares, do período Quaternário (com granulação variável) (FREITAS 1981), sendo esta última formação pertencente à área de estudo, a qual apresenta afloramentos de siltito localizados em alguns pontos de maior declividade. De acordo com o mapeamento de solo de Rossi et al. (2005), o Parque apresenta sete diferentes áreas em que se verificam: Latossolos (Latossolo Vermelho Amarelo e Latossolo Vermelho), Argissolos, Gleissolos, Neossolos e Organossolos. Os Latossolos distróficos ocupam 53,5% da área (comum nas áreas de Cerrado), os Argissolos eutróficos 38% (comum na área de floresta), os Neossolos Litólicos eutróficos ocorrem apenas como inclusões na unidade de mapeamento de Argissolos. Os Gleissolos Melânicos e os Organossolos ocupam um pequeno trecho (0,2%) numa área abaciada (lagoa do cerrado) na cabeceira de um tributário do Moji Guaçu, o “Córrego Cachoeirinha”. Os Neossolos Flúvicos distróficos que ocupam 8,1% da área do Parque são os que ocorrem na área de estudo (várzea), sendo classificados por Jacomine (2000) como pouco desenvolvidos, profundos, com drenagem moderada e imperfeita, pH baixo, baixa saturação por bases, podendo ter alta saturação por alumínio. 18 Figura 1. Localização do Parque Estadual de Porto Ferreira, Porto Ferreira, SP. No detalhe em vermelho encontra-se o trecho de várzea amostrado. 19 O clima local é do tipo Cwa, mesotérmico de inverno seco, apresentando temperaturas inferiores a 18 °C no inverno (abril a setembro) e superiores a 22 °C no verão (outubro a março), com uma média anual de 20,4 °C (SÃO PAULO 2003). A precipitação anual média é de 1.416 mm e a evapotranspiração potencial, 975 mm. Na época seca ocorre déficit hídrico de 26 mm e na chuvosa excedente hídrico de 467 mm (ROSSI et al. 2005). O Parque abrange formações naturais de Floresta (Floresta Estacional Semidecidual - FES), Cerrado e Mata Ciliar (uma variante da FES). A vegetação possui um gradiente que varia com a topografia do terreno, assim como com a proximidade do rio Mogi Guaçu (BERTONI 1984). Nas maiores altitudes (cerca de 590-600 m) predomina o Cerrado (principalmente o “cerradão”, sensu COUTINHO 1978) e, descendo em direção ao rio, o Cerrado passa a ser substituído pela floresta (FES). Nas cotas mais baixas, próximo ao rio (a cerca de 530 m) a mata ciliar passa a dominar (SÃO PAULO 2003). A faixa ciliar não é muito conspícua fisionomicamente, uma vez que está subjacente a uma fisionomia de floresta (FES). Em uma altitude um pouco mais baixa ainda, se encontra a várzea (com largura variável), a qual está separada do rio pelo dique marginal (cerca de 10 m de largura). O rio Mogi Guaçu é considerado um rio de oitava ordem (QUEIROZ et al. 2008), sua sub-bacia está inserida na bacia hidrográfica do rio Paraná. Ele apresenta quase 530 km de extensão, tendo suas nascentes no município de Bom Repouso, MG no alto da Serra da Mantiqueira a mais de 1500 m de altitude, desaguando no rio Pardo, noroeste do estado de São Paulo, entre os municípios de Pitangueiras e Pontal a, aproximadamente, 480 m de altitude (ZANCOPÉ 2004). O trecho do rio que passa pelo Parque está, aproximadamente, a 530 m de altitude, apresentando largura de cerca de 90 metros, desnível médio de 0,203 m.km-1 (20,3 cm.km-1) e situa-se em seu curso médio (ZANCOPÉ 2004). 3.1.1 Aspectos da Várzea A várzea situa-se entre a vertente de floresta estacional semidecidual (FES) e o dique marginal, o qual margeia o traçado do rio. Ela apresenta uma situação topográfica nitidamente mais rebaixada que o dique e a floresta, razão pela qual permite que a água dos alagamentos permaneça por um período mais longo, principalmente, naqueles trechos em que a topografia favoreça. Sua fisionomia, assim como a composição 20 florística, visualmente, difere daquela do entorno, variando também nela própria, apresentando heterogeneidade de ambientes como, por exemplo, aqueles que apresentam muitos indivíduos arbóreos com pouca cobertura herbácea, outros com clareiras em que a vegetação herbácea domina, ou ainda, uma grande área aberta com predomínio do estrato herbáceo com poucos indivíduos arbóreos esparsos (Figura 2). Por toda sua extensão, algumas espécies arbóreas destacam-se pela frequência que ocorrem como é o caso, por exemplo, de Inga affinis, Croton urucurana e Genipa americana, consideradas típicas dessa formação florestal no interior do Estado de São Paulo (BERNACCI et al. 1998; METZGER et al. 1997; METZGER et al. 1998), podendo, inclusive exibir traços adaptativos para a condição anóxica em períodos de inundação (Figura 3). Essas e outras espécies arbóreas, podem ser encontradas muitas vezes “imersas” num estrato herbáceo dominado por representantes das famílias Cyperaceae (Scleria sp.), Rubiaceae (Psychotria spp., Palicourea sp.) e Poaceae. As inundações são frequentes e ocorrem, principalmente, no período de dezembro a março (época chuvosa na região Sudeste do Brasil), mas também podem se dar quando ocorrem chuvas torrenciais na área, desde que o solo esteja saturado (anos em que tenha ocorrido inundação proveniente do transbordamento do rio), quando a drenagem está muito lenta (observação pessoal). A água de inundação tem uma vazão/drenagem muito lenta, não favorecendo a difusão de O2, ficando, portanto com déficit de O2 por todo o período de cheia, apresentando valores muito baixos (0,1 - 0,2 mg.L-1) em relação, por exemplo, a água que corre na calha do rio (7,40 mg.L-1) de acordo com medições que realizamos em vários pontos na área de estudo com uso de oxímetro. 21 Figura 2. Aspectos gerais de um trecho de várzea do rio Mogi Guaçu no Parque Estadual de Porto Ferreira, Porto Ferreira, SP. (a) Trecho mais fechado com aspecto florestal no transecto 1; (b) Clareira no transecto 1; (c) transecto 2 seco com indivíduos de Inga affinis; e (d) transecto 2 com inundação e grande concentração de Lemna minuta Kunth. Créditos das fotos: (a) Erick Teixeira; (b) Marco A. Assis; (c) Rafael Konopczyk e (d) Marco A. Assis. Figura 3. Aspecto de dois indivíduos arbóreos apresentando adaptação morfológica quando submetidos à inundação, pertencentes à comunidade arbórea de um trecho de várzea do rio Mogi Guaçu no Parque Estadual de Porto Ferreira, Porto Ferreira, SP. (a) lenticelas no tronco de um indivíduo de Inga affinis e (b) lenticelas e raízes adventícias no tronco de um indivíduo de Croton urucurana. Obs: A foto foi tirada no 45° dia de inundação do ano estudado. Crédito das fotos: Marco A. Assis. 22 A várzea estudada é relativamente pequena e estreita, acompanhando paralelamente o curso do rio. Apesar de ser um trecho curto, o desnível encontrado na área de estudo (quase paralela ao rio) é de 1,4 m de uma extremidade a outra do transecto 1 (Figura 4) o qual tem 500 m (média de 14 cm/ 50 m), sendo maior que aquele encontrado neste trecho do curso do rio (~ 1 cm/ 50 m) (ZANCOPÉ 2004). Esse desnível encontrado na planície de inundação (cota mais alta a montante e cota mais baixa a jusante do rio – sentido SE - NO) faz com que ocorra uma lenta vazão (da parcela 25 para a parcela 1) na área, a qual é imperceptível. Contudo, trechos em que podem ocorrer obstrução da água devido a condições do terreno (p. ex. parcela 26 a 30 – transecto 2) ou mesmo da vegetação, possuem diminuição da vazão e, como consequência, aprisionamento da água, sendo, portanto inundados por mais tempo (informação pessoal, Prof. Dr. Mário Assine) (Figura 2 c, d; Figura 5 - transecto 2). Dessa maneira, mesmo estando em cota mais alta que outros sítios da área estudada, podem apresentar maiores níveis de inundação (p. ex. transecto 2 – Fig 5a). Próximo à primeira parcela (transecto 1) ocorre um “buraco” por baixo do dique (do Inglês, crevasse= fenda) que conecta o rio à várzea (Figura 4). Observou-se uma vazão no sentido várzea para o rio (cada vez menor conforme ocorria esvaziamento da mesma) por intermédio dessa conexão ao longo de quase todo o período em que a várzea ficou inundada, o que mostra que esse trecho está em uma cota mais baixa que os demais pontos a montante do transecto, acompanhando o desnível do rio (Figura 5a). Figura 4. Conexão (do inglês Crevasse) da várzea com o rio Mogi Guaçu no Parque Estadual de Porto Ferreira, Porto Ferreira, SP. A água vai da várzea (a) em direção ao rio (b) passando por baixo do dique marginal, formando uma “mini cachoeira”, uma vez que o nível do rio está bem mais baixo que o da várzea. Crédito das fotos: (a) Erick T. Rodrigues e (b) Marco A. Assis. 23 Figura 5a. Mapa de curvas de nível representando a situação topográfica de um trecho de várzea do rio Mogi Guaçu no Parque Estadual de Porto Ferreira, Porto Ferreira, SP. Parcelas 1-25= Transecto 1; Parcelas 26-30= Transecto 2. Os pontos A – B representam o perfil (Figura 5b) da área, a seta próxima à parcela 1 representa o local (aproximado) da fenda (crevasse) que liga a várzea ao rio por baixo do dique. O dique não está representado por curvas de nível devido à ausência de dados de cota sobre ele. 24 Figura 5b. Perfil esquemático dos pontos A e B (Figura 5a) que compreende o dique e as parcelas 26, 17 e 16. Os números ao longo do perfil indicam a altitude dos pontos considerados (m). 3.2 Procedimentos de Campo 3.2.1 Levantamento da Vegetação Para o levantamento florístico e fitossociológico empregou-se o método de parcelas (MÜLLER-DONBOIS & ELLENBERG 1974). Ao longo de um trecho de 500 m dentro da várzea foi alocado um transecto paralelo ao rio (denominado transecto 1) onde foram montadas 25 parcelas de 20 x 20 m (400 m2 cada parcela; 1,0 ha no total) as quais foram distribuídas alternadamente em relação a linha central do transecto. O tamanho das parcelas buscou incluir no mínimo dez indivíduos por parcela, como sugerido por Matteucci & Colma (1982). Nesse trecho predomina a fisionomia florestal relativamente mais densa com algumas clareiras esparsas. Um segundo transecto com 125 m de comprimento foi estabelecido quase que paralelamente (ca. de 10° de diferença) ao primeiro, denominado transecto 2, o qual foi subdividido em 5 parcelas contíguas de 16 x 25 m (400m2 cada parcela; 0,2 ha no total). As medidas diferenciadas dessas parcelas se deram em função das condições desse trecho da várzea que não permitiram a alocação de parcelas de 20 x 20 m, no entanto pode-se manter a mesma área amostral. Nesse transecto verifica-se uma fisionomia muito mais aberta, que chega a formar uma verdadeira clareira nele todo com amplo predomínio do estrato herbáceo e indivíduos arbóreos esparsos, principalmente de Inga affinis. A área total da amostragem (transecto 1 + transecto 2), portanto, é de 1,2 ha. Entre os dois transectos ocorre uma faixa de terreno mais elevada com cerca de 4 m de largura por 1 m de altura, que apresenta uma fisionomia diferente daquela encontrada na várzea, sendo mais semelhante àquela do dique marginal do rio devido às suas melhores condições de drenagem e topografia mais elevada. Nas parcelas, foram amostrados todos os indivíduos arbustivos e arbóreos com perímetro à altura do peito (PAP) > 10 cm (DAP > 3,18 cm a 1,30 m de altura). Indivíduos com caules perfilhados foram incluídos se pelo menos um deles 25 compreenderam o critério de inclusão, e nesses casos, para evitar sub ou superestimativa, a área basal do indivíduo é tomada como a soma da área basal de cada tronco (DURIGAN 2009). Indivíduos mortos que se encontraram em pé, desde que dentro do critério de inclusão, foram registrados e tratados como um grupo à parte para efeito das análises fitossociológicas, pois estes ocupam um lugar no espaço amostral e também podem dar indícios da dinâmica do fragmento. Para cada indivíduo foram anotados os valores do PAP e da altura (estimada por uma pessoa com base nos segmentos da tesoura de alta poda), além de observações especiais (característica do tronco, presença de látex, deciduidade, floração, frutificação, ocorrência de acúleos ou espinhos, entre outras). Os indivíduos foram numerados por plaquetas de alumínio e coletados, preferencialmente ramos em estado reprodutivo. O material coletado foi levado ao herbário da UNESP de Rio Claro (HRCB), onde foi prensado, seco em estufa e esterilizado em freezer por três dias para, em seguida, ser identificado e incorporado ao acervo quando fértil. A identificação foi feita por meio de literatura especializada, por comparação com materiais do acervo (HRCB), e também por especialistas de alguns grupos de difícil identificação, sendo os táxons listados de acordo com APG III (2009), adaptado por Souza & Lorenzi (2012). 3.2.2 Levantamento da Topografia A altitude da área em relação ao nível do mar foi tomada por um GPS geodésico RTK Kronos 200 L1/L2 de alta precisão. A partir dessa altitude conhecida, todas as outras cotas da área foram alcançadas. Assim, para o levantamento topográfico detalhado utilizou-se teodolito e régua que, por meio de visadas, foram realizadas medições de cotas no terreno em ambos os transectos, obtendo-se as cotas de cada vértice em todas as parcelas, além de outros pontos feitos entre os dois a fim de obter a variação no desnível. O mapa de curvas de nível foi feito pela interpolação dos pontos através do programa ArcGis. O GPS de precisão também foi utilizado para obter um número maior de coordenadas “x”, “y” da área a fim de aumentar a precisão do mapa. Para efeito das análises ambientais das medidas extraídas para cada parcela foram calculadas duas variáveis topográficas de acordo com método utilizado por Oliveira Filho et al. (1994c) e Van Den Berg & Oliveira Filho (1999): (a) desnível, obtido da diferença entre a cota mais alta e a mais baixa de cada parcela, e (b) altitude 26 média, obtida da cota média dos quatro vértices da parcela em relação à cota do rio. No geral as parcelas estão situadas em terreno relativamente plano, com exceção de poucas que apresentam alta declividade, devido à vertente da Floresta estacional semidecidual adjacente. 3.2.3 Avaliação do regime hidrológico Para estimar o tempo de inundação (em dias) para cada parcela do período chuvoso que compreendeu o final do ano de 2012 e início de 2013, foram utilizadas 16 réguas graduadas (Figura 6), cada uma com 1 m de altura, as quais foram instaladas em alguns pontos estratégicos nos dois transectos (12 no transecto 1 e quatro no transecto 2 – Figura 9). As medidas foram realizadas no máximo a cada 15 dias, desde o dia em que a várzea inundou (14/01/2013) e prosseguiram até a segunda metade do mês de julho quando a água baixou completamente seu nível na área (Tabela 1). Figura 6. Medidas da lâmina d’água em três réguas instaladas em um trecho de várzea do rio Mogi Guaçu no Parque Estadual de Porto Ferreira, Porto Ferreira, SP. (a) representa a régua 23-24 (r 23-24); (b) representa régua 9-10 (r 9-10) e (c) representa régua 28-29 (r 28-29). Medidas realizadas no dia 15/mar/2013(ver Tabela 1). Nota-se a nítida variação no nível da água de inundação. Crédito das fotos: Erick T. Rodrigues. 27 Tabela 1. Medidas em cm das réguas instaladas entre as parcelas nos transectos (1 e 2) considerando todas as medições em um trecho de várzea do rio Mogi Guaçu no Parque Estadual de Porto Ferreira, Porto Ferreira, SP. As réguas foram instaladas nos vértices sempre estando ligadas (pelo vértice ou pelo lado) a duas parcelas (P. ex. r 11-12 é a régua que fica no vértice da parcela 11 com o da 12 – ver Figura 4). Réguas (cm) r 1-2 r 3-4 r 5-6 r 7-8 r 9-10 r 11-12 r 13-14 r 15-16 r 17-18 r 19-20 r 21-22 r 23-24 r 26-27 r 27-28 r 28-29 r 29-30 Dia 15/jan/2013 42 41 27 34 30 39 28 14 1 15 21 0 56 55 51 49 16/jan/2013 85 85 73 80 79 85 75 61 48 63 71 16 103 102 100 96 21/jan/2013 44 44 31 39 38 44 34 20 6 21 29 0 62 61 58 56 22/jan/2013 42 42 29 36 35 42 31 18 5 20 26 0 60 59 56 54 07/fev/2013 46 48 34 41 46 36 22 10 25 21 27 0 65 64 61 59 08/fev/2013 45 46 33 40 39 45 34 21 7 23 30 0 64 62 60 56 25/fev/2013 35 35 22 29 27 35 24 10 0 11 19 0 53 51 49 46 26/fev/2013 34 34 20 28 26 33 22 9 0 11 18 0 51 50 48 45 27/fev/2013 33 33 19 26 25 32 21 8 0 10 16 0 50 49 46 44 09/mar/2013 24 24 10 18 16 22 11 0 0 0 8 0 40 39 36 34 15/mar/2013 35 35 21 29 27 34 23 10 0 11 19 0 51 50 47 45 23/mar/2013 32 32 19 26 25 31 20 7 0 9 16 0 49 47 45 43 04/abr/2013 30 31 17 24 23 30 19 5 0 6 14 0 47 45 43 41 18/abr/2013 24 24 11 19 17 24 13 0 0 0 9 0 41 39 37 35 26/abr/2013 16 16 3 11 9 16 5 0 0 0 1 0 33 31 29 27 27/abr/2013 14 14 1 9 7 14 3 0 0 0 0 0 31 29 27 25 28/abr/2013 14 14 1 9 7 14 3 0 0 0 0 0 31 29 27 25 29/abr/2013 13 13 0 8 6 13 2 0 0 0 0 0 30 28 26 24 09/mai/2013 0 0 0 0 0 3 0 0 0 0 0 0 22 20 18 16 17/mai/2013 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 16 14 11 8 18/mai/2013 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 13 11 9 7 28 Tabela 1. (Continuação) Réguas (cm) r 1-2 r 3-4 r 5-6 r 7-8 r 9-10 r 11-12 r 13-14 r 15-16 r 17-18 r 19-20 r 21-22 r 23-24 r 26-27 r 27-28 r 28-29 r 29-30 Dia 25/mai/2013 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 9 7 5 3 06/jun/2013 23 23 9 17 15 21 10 0 0 0 7 0 40 38 36 34 14/jun/2013 17 17 4 12 10 17 6 0 0 0 2 0 35 33 31 29 28/jun/2013 5 5 0 0 0 5 0 0 0 0 0 0 26 25 23 21 04/jul/2013 0 0 0 0 0 3 0 0 0 0 0 0 22 20 18 16 17/jul/2013 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 8 6 4 2 01/ago/2013 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 08/ago/2013 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 29 No período considerado o rio teve o seu nível máximo (ultrapassando o limite mínimo para inundar) (Figura 7 – ver pico de 2013 = 4,68 m em 17/jan) por poucos dias, no entanto, devido à presença do dique marginal, além de características topográficas específicas de alguns trechos, a água ficou “aprisionada” na várzea durante, aproximadamente, seis a sete meses (dependendo do trecho considerado), apresentando fraca drenagem até a inundação se encerrar por completo. Além disso, muitas réguas, principalmente as do transecto 1, ficaram sem água bem antes daquelas do transecto 2, mostrando com isso que dentro da área de estudo ocorre grande variação no tempo de inundação. Cabe ressaltar que no ano analisado o nível da água não ultrapassou o dique, porém ela acaba entrando na várzea por outros meios, como fendas, falhas no dique, assim como outras feições geomorfológicas, demorando bem mais para sair. Em seguida foi estabelecida a variável Dias de inundação, a qual foi calculada de acordo com a Altitude média (extraída da topografia), considerando como parcela inundada o tempo em que a lâmina d’água estava maior ou igual à medida dessa variável para cada parcela considerada, desconsiderando como inundado se a água estava apenas saturada no solo (medida somente considerada para a variável “classe de drenagem”). Assim, para os cálculos fitossociológicos, as análises de inundação foram baseadas nas medidas realizadas no ano de 2013. 30 0 1 2 3 4 5 6 7 N ív el d o R io (m ) Tempo (anos) Figura 7. Níveis do rio Mogi Guaçu com base em uma régua situada no Município de Pirassununga, SP e outra no Município de Porto Ferreira, SP. A linha tracejada representa o nível mínimo (3,76 m) que a régua da Ponte metálica em Porto Ferreira deve apresentar para que a várzea inunde. 31 Para verificar o comportamento hidrológico do rio como um todo, foram consideradas as medidas diárias do nível do rio Mogi Guaçu desde a década de 70 encontradas no site da Secretaria de Recursos Hídricos do Estado de São Paulo. Estas medidas foram extraídas de uma régua (4C-005 – código da área) instalada no município de Pirassununga, 9 km à montante da área de estudo, e de outra régua distando 4 km à jusante, no município de Porto Ferreira (localizada na Ponte metálica), que também foi considerada como complementação dos dados1 (Figura 8). Este método, usado também por Assis (1991), Budke et al. (2008), Nunes da Cunha & Junk (2001) e Stevaux et al. (2013), permite discutir como o comportamento das cheias (p. ex. com relação à frequência de inundação) pode influenciar a vegetação em termos de composição florística, diversidade, e mesmo aspectos fitofisionômicos. Além disso, é possível verificar épocas de cheias ou secas extremas, distúrbios de ordem antrópica, além de outros eventos, e discutir como eles se relacionam com a vegetação (JUNK et al. 1989; NEIFF & POI de NEIFF 2003). Figura 8. Régua da Ponte Metálica no Rio Mogi Guaçu, Porto Ferreira, SP. Seguindo 4 Km em direção ao fundo da figura (à montante) situa-se a área de estudo do presente trabalho. Crédito da foto: Sergio A. Antonini. 1 Os valores do nível do rio na Figura 7 se referem à régua da Ponte Metálica em Porto Ferreira, SP. 32 De acordo com as variações verticais do rio, assim como a altitude da área, pudemos inferir os anos em que a várzea foi inundada no período considerado (32 anos dos 43 analisados – Figura 6). O limite mínimo do nível do rio para que ocorra inundação na área foi estabelecido através da medida da régua de Porto Ferreira do dia 16/jan/2013, para a qual se sabia o valor e aonde alcançava nas réguas instaladas nas parcelas. Assim, encontramos que o valor mínimo da régua para que ocorra inundação deve ser 3,76m (Figura 7). Apesar dos cálculos terem sido realizados apenas para uma época de cheia do rio (último pico – Figura 7), pode-se dizer que nos outros anos que alagaram, o tempo de inundação das parcelas foi proporcional ao ano analisado, ou seja, independente do pico de inundação ter sido maior ou menor, parcelas que inundaram mais no ano do estudo também inundaram mais nos outros anos e vice versa. Várzeas podem estar sujeitas a outros tipos de inundação (p. ex. elevação do lençol freático, precipitação direta), como ocorreu para o ano analisado com um período de chuvas atípico (ver dia 06/jun/2013 – Tabela 1), no entanto, no período analisado a várzea estava com o solo saturado, o que fez com que a água da precipitação também ficasse aprisionada. Anos em que os pulsos de inundação foram mais leves (p. ex. segunda metade da década de 70 – Figura 7), sem ocorrência de descarga fluvial, o solo (mais seco) tende a drenar mais facilmente a água das chuvas, não favorecendo inundações. Como se pretendeu utilizar um longo histórico hidrológico foram utilizadas as medidas das duas réguas (n= 43 anos), porém para um mesmo nível do rio as duas réguas marcavam valores diferentes, portanto os dados de uma régua (a de Pirassununga) sofreram uma correção. Como o histórico da régua de Pirassununga marcava de 1970 a 1994 e a de Porto Ferreira de 1992 a 2013, os dados da primeira tiveram que ser multiplicados por um fator de correção a fim de corrigi-los para a segunda, como se, virtualmente, todo o histórico fosse da régua de Porto Ferreira (Figura 8). Para tanto, foram feitas 12 regressões lineares (uma para cada mês), uma vez que a variação de cada mês é diferente do outro, referentes ao ano de 1993 (ano que as duas tinham em comum). Em seguida tínhamos a equação da reta do conjunto de pontos das duas réguas (y = ax + b) para cada mês do ano de 1993. Assim, para x = 0, quando as duas retas marcam o mesmo nível, obtivemos que o fator de correção (Fc) foi: Fc = bPF/bPi (bPF= termo independente de Porto Ferreira bPi = termo independente de Pirassununga) (Figura 9). 33 y = 0,0135x + 1,703 R² = 0,0807 y = 0,009x + 1,213 R² = 0,0927 0 1 2 3 0 5 10 15 20 25 30 N ív el d o ri o (m et ro s) Tempo (dias) jan/93a y = 0,0126x + 1,7031 R² = 0,0927 y = 0,0135x + 1,703 R² = 0,0807 0 1 2 3 0 5 10 15 20 25 30 N ív el d o ri o (m ) Tempo (dias) jan/93b Figura 9. Regressão linear de acordo com os valores das réguas de Pirassununga (quadrados vazados) e Porto Ferreira (Losangos preenchidos) para o mês de janeiro do ano de 1993. A equação de cima é referente à regua de Porto Ferreira e a de baixo a de Pirassununga. (a) Valores reais das duas réguas e (b) Valores ajustados da régua de Pirassununga com o fator de correção, sendo para esse mês: 1,703/1,213= 1,404. 3.2.4 Drenagem das parcelas Aproximadamente, na metade e no final do período que a várzea ficou inundada, foram feitas duas séries de medições visuais em campo da condição de saturação hídrica do solo. Para tanto, as parcelas de 400 m2 foram divididas em quatro subparcelas iguais de 100 m2, de acordo com a metodologia usada por Prata et al. (2011) e Teixeira et al. (2011). Com essa medição se estabeleceu três padrões de drenagem para cada subparcela: (a) solo seco (ausência de saturação); (b) solo saturado superficialmente (encharcado) e (c) solo inundado (sob lâmina d’água – independente do nível), para os quais se atribuiu, respectivamente, os valores 1, 3 e 5. Em seguida, foi obtida a média desses valores para cada parcela (400 m2), estabelecendo uma classe de drenagem por unidade de amostragem, sendo 4 classes no total, com os seguintes intervalos de valores médios: 1-1,9 (PS); 2-2,9 (PPU); 3-3,9 (PU) e 4-5 (PMU)2 (Figura 10). Com o valor atribuído a cada parcela foi gerada mais uma variável ambiental (Classe de drenagem). 2 (PS) Parcela Seca; (PPU) Parcela Pouco Úmida; (PU) Parcela Úmida; (PMU) Parcela Muito Úmida. 34 Figura 10. Distribuição espacial das 30 unidades amostrais em um trecho de várzea do rio Mogi Guaçu no Parque Estadual de Porto Ferreira, Porto Ferreira, SP. A seta maior representa o sentido do curso do rio, as classes de drenagem estão representadas pelas cores = PS (parcela seca); = PPU (parcela pouco úmida); = PU (parcela úmida) e = PMU (parcela muito úmida); t1= transecto um e t2 = transecto 2 e os círculos brancos (vértices em t1 e lados em t2) representam os locais onde as 16 réguas foram alocadas. 3.2.5 Coleta e análise do solo Para a caracterização das propriedades químicas e granulométricas dos solos foram coletadas amostras de solo em quatro pontos por parcela (no centro de cada subparcela), a uma profundidade de 0 a 20 cm. As quatro amostras de solo foram misturadas para se obter uma amostra composta de, aproximadamente; 0,5 L para cada parcela. Em seguida, as amostras foram encaminhadas ao Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal de São Carlos (Campus Araras) nos laboratórios de “análise química de solo e planta” e de “física de solos” onde se procederam as análises de pH, potássio (K+), Fósforo (P), Cálcio (Ca2+), Magnésio (Mg2+), Alumínio (Al3+), acidez potencial (Al+H), saturação por bases (v), capacidade de troca catiônica (CTC), matéria orgânica (MO) e níveis de argila, areia fina, areia grossa, areia total e silte. As análises seguiram o protocolo proposto por Van Raij et al. (2001). 35 3.3 Análise dos dados Para a análise dos parâmetros fitossociológicos foram utilizados os valores absolutos e relativos de dominância, densidade e freqüência, além do índice de valor de importância (VI). Também foi analisado o índice de diversidade de Shannon (H’) e a equabilidade de Pielou (J’) (BROWER & ZAR 1984). Os cálculos foram realizados pelo programa FITOPAC II (SHEPHERD 2010). Foram feitas análises no programa R studio visando responder às perguntas propostas no trabalho. Os parâmetros florísticos e estruturais utilizados para comparar variáveis e grupos foram: número de espécies, número de indivíduos, número de indivíduos ramificados, número de indivíduos mortos, área basal total, altura média e diâmetro médio. O teste k-means (DUFRENE & LEGENDRE 1997) foi utilizado para verificar a formação de grupos entre as unidades amostrais. Ele foi processado utilizando as variáveis provenientes da topografia (altitude média e desnível) e inundação (Dias de inundação) que passaram por uma padronização dos dados, devido à variação muito grande entre eles. Antes do teste propriamente dito foi utilizado o critério de Calinski- Harabasz (CALINSKI-HARABASZ 1974) que gerou o maior índice para a formação de dois grupos sendo, portanto, aceito. O teste consistiu em 1.000 iterações das variáveis ambientais utilizadas através de 10.000 aleatorização do conjunto de dados. Após a delimitação dos grupos, foi feita uma análise de espécies indicadoras (ISA) (DUFRENE & LEGENDRE 1997), a qual considera somente as espécies com abundância > a 10 indivíduos (n= 20 spp). Essa análise faz um cálculo probabilístico de cada espécie testada estar significativamente associada a uma condição particular de ambiente através de ANOVAs baseadas em teste de permutação com 10.000 aleatorizações. A fim de verificar a variação entre os dois grupos (designados “Seco” e “Úmido” devido às condições de inundação apresentadas) gerados pelo teste k-means, foi realizada uma PERMANOVA (ANDERSON 2001), com os descritores fitossociológicos testados. Essa é uma análise de variância que utiliza permutações para gerar uma distribuição aleatória dos dados, calcular um F e comparar com a distribuição de F. Em seguida, foram realizadas ANOVAs baseadas em teste de permutação, com dez mil aleatorizações dos dados, para comparar as médias dos descritores fitossociológicos (número de indivíduos, número de espécies, número de indivíduos 36 ramificados, número de indivíduos mortos, diâmetro médio, altura média e área basal) entre os grupos. Também foi feito este mesmo teste para cada uma das variáveis de solo, separadamente, a fim de verificar se ocorre variação significativa entre os dois grupos gerados pelo teste k-means. Para uma comparação mais detalhada entre as unidades amostrais, de acordo com a abundância de espécies na comunidade, foi feita uma análise de agrupamento com base no índice de Bray-Curtis. Com essa análise foi possível verificar com maior acurácia as semelhanças entre as amostras, assim como verificar uma tendência à formação de grupos, além de possíveis agrupamentos dentro de um mesmo grupo. Devido ao fato de que muitas espécies apresentaram poucos indivíduos (muitos zeros), a matriz de dados foi reorganizada segundo a padronização de Hellinger (LEGENDRE & GALLAGHER 2001) para, em seguida, ser processada também pelo programa R studio. Foi realizada outra PERMANOVA (ANDERSON 2001) que testou a variação dos dados ambientais Dias de inundação, Altitude média e Desnível em relação à matriz dos parâmetros fitossociológicos. Em seguida, as mesmas variáveis ambientais utilizadas foram testadas em um modelo linear (linear model) que testa a significância da regressão (valor de R2) através de uma análise de variância, no intuito de verificar se as variáveis preditoras (Dias de inundação, Altitude média e Desnível) tinham algum efeito em relação às variáveis resposta (descritores), e se ocorre uma relação linear consistente. A relação dos Dias de inundação com as variáveis topográficas também foram testadas separadamente num teste de modelo linear. Para todas as análises de variância foi adotado um α < 0,05. Também foi feita outra PERMANOVA (ANDERSON 2001) para verificar a variação dos dados ambientais Dias de inundação, Altitude média e Desnível em relação às variáveis físico-químicas do solo. Para verificar se existe correlação espacial entre a abundância de espécies e as variáveis físico-químicas do solo, foi feito um teste de Mantel. A matriz de abundância foi modificada pela padronização de Hellinger (LEGENDRE & GALLAGHER 2001). Por fim, para verificar qual conjunto de variáveis é mais correlacionado à abundância e à distribuição das espécies, foram feitas três análises de redundância (RDA), a qual é uma técnica de análise direta de gradientes que utiliza regressões múltiplas para todas as espécies simultaneamente (FELFILI et al. 2011). A primeira foi apenas com as variáveis ligadas diretamente à inundação (Dias de inundação, Padrão de drenagem, Desnível e Altitude média), a outra com as variáveis físico-químicas de 37 solo e outra com todas as variáveis. A matriz biológica utilizada foi aquela das espécies que apresentaram abundância > 10 indivíduos. A matriz de variáveis de solo e inundação passaram pela padronização standardize e a de abundância de espécies pela padronização de Hellinger, ambas encontradas no pacote Vegan do software R. 38 4. RESULTADOS A amostragem totalizou 1.434 árvores vivas (PAP > 10 cm), além de 52 mortas em pé, distribuídas em 68 espécies e 25 famílias, ficando dez em nível de gênero, quatro em nível de família (Tabela 2). O índice de diversidade de Shannon-Wiener (H’) foi 2,99 nats.ind-1 e a equabilidade (J’) 0,703. A densidade total encontrada foi equivalente a 1.238,33 ind.ha-1 e a área basal total resultou em 27,94 m2.ha-1. O diâmetro médio dos indivíduos foi de 11,70 + 10,13 cm e a altura média foi de 6,85 + 4,37 m; no entanto, alguns indivíduos emergentes apresentaram mais de 20 m como ocorre com representantes de Peltophorum dubium, Luehea divaricata, Genipa americana, Senegalia polyphylla, Lonchocarpus cultratus, Eugenia florida e, principalmente, Inga affinis que apresentou uma grande abundância de indivíduos emergentes e é a principal espécie estruturadora do dossel. As 10 espécies (excluindo categoria “Morta”) de maior VI (%) em ordem decrescente foram: Inga affinis (26,21), Sebastiania commersoniana (12,44), Eugenia florida (10,21), Genipa americana (4,94), Picramnia sellowii (4,34), Guarea macrophylla (4,33), Croton urucurana (3,07), Eugenia moraviana (3,05), Eugenia mansoi (2,53), e Lonchocarpus cultratus (2,17), as quais, juntas somam quase 75% desse descritor (Tabela 2). Do mesmo modo, poucas espécies concentraram muitos indivíduos tendo nas dez mais abundantes o equivalente a quase 75% de toda a amostragem. Por outro lado, mais de dois terços das espécies se apresentaram com menos de dez indivíduos (Tabela 2). A amostragem total resultou em 25 famílias, dentre as quais, aquelas que tiveram maior riqueza em ordem decrescente foram: Fabaceae (13 spp), Myrtaceae (11 spp), Rubiaceae (5 spp), Meliaceae (5 spp), Euphorbiaceae (4 spp), Salicaceae (3 spp), Rutaceae (3 spp), Lauraceae (3 spp), Moraceae (2 spp) e Primulaceae (2 spp), com as 15 restantes apresentando apenas uma única espécie, contribuindo para o aumento da riqueza total. Além disso, as dez famílias mais abundantes somam mais de 90% de toda a amostragem, tendo destaque para Myrtaceae, Fabaceae e Euphorbiaceae, as quais juntas compreenderam mais de 65% de todos os indivíduos vivos amostrados (Figura 11). 39 Tabela 2. Parâmetros estruturais das 68 espécies amostradas em ordem decrescente de VI de um trecho de várzea do rio Mogi Guaçu no Parque Estadual de Porto Ferreira, Porto Ferreira, SP. NInd= número de indivíduos, Np= número de parcelas que a espécie ocorreu; DeR= Densidade Relativa, DoR= Dominância Relativa, VI= Valor de Importância (%). Família Espécie NInd Np DeR DoR VI Fabaceae Inga affinis DC. 257 29 17,92 52,79 26,21 Euphorbiaceae Sebastiania commersoniana (Baill.) L.B. Sm. & Downs 196 27 13,67 16,26 12,44 Myrtaceae Eugenia florida DC. 209 26 14,57 8,95 10,21 Rubiaceae Genipa americana L. 83 22 5,79 3,02 4,94 Meliaceae Picramnia sellowii Planch. 84 23 5,86 0,88 4,34 Picramniaceae Guarea macrophylla Vahl 96 16 6,69 1,93 4,33 Euphorbiaceae Croton urucurana Baill. 47 15 3,28 1,82 3,07 Myrtaceae Eugenia moraviana O. Berg 75 12 5,23 0,65 3,05 Myrtaceae Eugenia mansoi O. Berg 42 16 2,93 0,30 2,53 Fabaceae Lonchocarpus cultratus (Vell.) A.M.G. Azevedo & H.C. Lima 26 8 1,81 2,51 2,17 Meliaceae Trichilia catigua A. Juss. 35 9 2,44 0,54 1,81 Malvaceae Luehea divaricata Mart. 12 7 0,84 2,67 1,81 Myrtaceae Eugenia repanda O. Berg 21 11 1,46 0,63 1,70 Myrtaceae Myrciaria tenella (DC.) O. Berg 19 9 1,32 0,34 1,37 Rubiaceae Alibertia gardneri Standl. 27 7 1,88 0,28 1,36 Lauraceae Nectandra megapotamica (Spreng.) Mez 12 9 0,84 0,55 1,28 Melastomataceae Miconia collatata Wurdack 14 7 0,98 0,47 1,12 Myrtaceae Eugenia cf. longipedunculata Nied. 10 7 0,70 0,11 0,91 Rubiaceae Chomelia sp 1 9 6 0,63 0,45 0,90 Annonaceae Duguetia lanceolata A. St.-Hil. 11 6 0,77 0,28 0,89 Myrtaceae Calyptranthes widgreniana O. Berg 11 6 0,77 0,11 0,84 Meliaceae Trichilia clausseni C. DC. 9 5 0,63 0,07 0,69 40 Tabela 2. (continuação) Família Espécie NInd Np DeR DoR VI Anacardiaceae Astronium graveolens Jacq. 5 4 0,35 0,50 0,65 Salicaceae Casearia silvestris Sw. 6 4 0,42 0,14 0,55 Sapotaceae Chrysophyllum gonocarpum (Mart. & Eichler ex Miq.) Engl. 6 4 0,42 0,07 0,53 Sapindaceae Matayba eleagnoides Radlk. 5 3 0,35 0,33 0,50 Lamiaceae Vitex megapotamica (Spreng.) Moldenke 4 3 0,28 0,33 0,48 Fabaceae Senegalia sp 1 4 4 0,28 0,03 0,47 Myrtaceae Eugenia handroana D. Legrand 7 3 0,49 0,07 0,46 Myrtaceae Myrcianthes pungens (O. Berg) D. Legrand 9 2 0,63 0,20 0,46 Fabaceae Peltophorum dubium (Spreng.) Taub. 4 3 0,28 0,26 0,45 Lacistemataceae Lacistema haslerianum Chodat 9 2 0,63 0,11 0,43 Moraceae Ficus citrifolia Mill. 3 3 0,21 0,08 0,37 Fabaceae Senegalia sp 2 3 3 0,21 0,08 0,37 Euphorbiaceae Actinostemon schomburgkii (Klotzsch) Hochr. 6 2 0,42 0,02 0,33 Salicaceae Casearia gossypiosperma Briq. 3 2 0,21 0,21 0,32 Fabaceae Albizia niopoides (Spruce ex Benth.) Burkart 1 1 0,07 0,46 0,27 Rutaceae Esembeckia febrifuga (A. St.-Hil.) A. Juss. ex Mart. 3 2 0,21 0,02 0,26 Rubiaceae Rubiaceae sp 1 3 2 0,21 0,01 0,26 Fabaceae Senegalia polyphylla (DC.) Britton 2 1 0,14 0,33 0,25 Fabaceae Fabaceae sp 1 4 1 0,28 0,19 0,25 Euphorbiaceae Euphorbiaceae sp 1 2 2 0,14 0,03 0,24 Primulaceae Myrsine coriacea (Ruiz & Pav.) Mez 2 2 0,14 0,03 0,24 Meliaceae Trichilia casaretti C. DC. 2 2 0,14 0,03 0,24 41 Tabela 2. (continuação) Família Espécie NInd Np DeR DoR VI Verbenaceae Duranta sp1 2 2 0,14 0,02 0,24 Moraceae Sorocea bomplandii (Baill.) W.C. Burger, Lanj. & Wess. Boer 2 2 0,14 0,02 0,24 Fabaceae Dahlstedia muehlbergianus (Hassl.) M.J. Silva & A.M.G. Azevedo 2 2 0,14 0,02 0,24 Rutaceae Citrus limon (L.) Osbeck 2 2 0,14 0,01 0,23 Lauraceae Ocotea velutina (Nees) Rohwer 3 1 0,21 0,06 0,18 Rutaceae Galipea jasminiflora (A. St.-Hil.) Engl. 3 1 0,21 0,03 0,17 Erythroxylaceae Erythroxylum sp 1 1 1 0,07 0,16 0,17 Fabaceae Lonchocarpus sp 2 1 1 0,07 0,15 0,17 Rubiaceae Psychotria sp 1 3 1 0,21 0,01 0,17 Piperaceae Piper amalago L. 2 1 0,14 0,04 0,15 Phyllanthaceae Savia sp 1 2 1 0,14 0,03 0,15 Apocynaceae Aspidosperma cylindrocarpum Müll. Arg 1 1 0,07 0,07 0,14 Fabaceae Machaerium hirtum (Vell.) Stellfeld 1 1 0,07 0,06 0,13 Anacardiaceae Tapirira guianensis Aubl. 1 1 0,07 0,05 0,13 Fabaceae Lonchocarpus sp 1 1 1 0,07 0,04 0,13 Primulaceae Myrsine gardneriana A. DC. 1 1 0,07 0,02 0,12 Calophyllaceae Calophyllum brasiliensis Cambess. 1 1 0,07 0,01 0,12 Fabaceae Copaifera langsdorffii Desf. 1 1 0,07 0,01 0,12 Myrtaceae Myrcia splendens (Sw.) DC. 1 1 0,07 0,01 0,12 Meliaceae Trichilia pallida Sw. 1 1 0,07 0,01 0,12 Rubiaceae Rubiaceae sp 2 1 1 0,07 0,01 0,12 Myrtaceae Siphoneugena cf. densiflora O. Berg 1 1 0,07 0,01 0,12 42 Tabela 2. (continuação) Família Espécie NInd Np DeR DoR VI Lauraceae Ocotea cf. indecora (Schott) Mez 1 1 0,07 0,01 0,12 Salicaceae Casearia sp 1 1 1 0,07 0,01 0,12 43 0 100 200 300 400 n de in di ví du os Figura 11. Abundância de indivíduos por família considerando as 10 famílias mais abundantes de um trecho de várzea do rio Mogi Guaçu no Parque Estadual de Porto Ferreira, Porto Ferreira, SP. Com relação à influência da inundação e da topografia (desnível e altitude média) na estrutura e riqueza da comunidade, os resultados da PERMANOVA indicam que a variação maior ocorre com Dias de inundação, que apresentou valores muito significativos da variação dos dados para este teste (Tabela 3). Tabela 3. Resultados da PERMANOVA processada com os dados estruturais e de riqueza de um trecho de várzea do rio Mogi Guaçu no Parque Estadual de Porto Ferreira, Porto Ferreira, SP. Df F R2 p Dias de inundação 1 83,68 0,75 0,001*** Altitude média 1 1,47 0,01 0,23 Desnível 1 0,51 0,004 0,50 Resíduos 26 Após verificar que o conjunto de dados estruturais e a riqueza variam principalmente em função da variável Dias de inundação, testou-se o seu efeito separadamente em cada um dos descritores fitossociológicos analisados. Os resultados mostraram que o número de espécies e o número de indivíduos são descritores que apresentam relação negativa consistente com o tempo de inundação, além do número de indivíduos ramificados e os valores médios de altura e diâmetro, no entanto para esses dois últimos a relação é positiva (Figura 12). 44 Apesar das variáveis Altitude média e Desnível não terem sido significativos para o conjunto de dados estruturais na PERMANOVA (Tabela 3), quando o efeito de cada variável foi testado separadamente para cada descritor no modelo linear, ocorreram resultados significativos para os mesmos descritores que variaram com Dias de inundação, exceto número de indivíduos ramificados que não apresentou variação significativa para a variável desnível (Figura 13 e 14). No entanto, a relação é mais fraca que aquela apresentada para Dias de inundação, além de ser inversa, implicando na resposta dessa variável em função do Desnível e da Altitude média, o que também indica relações inversas das variáveis topográficas com a inundação (Figura 15). 45 Figura 12. Efeito da variável Dias de inundação nos descritores estruturais e de riqueza da comunidade arbórea de uma várzea do rio Mogi Guaçu no Parque Estadual de Porto Ferreira, Porto Ferreira, SP. p < 0,05 indica valores significativos para o teste modelo linear. 46 Figura 13. Efeito da variável Altitude média nos descritores estruturais e de riqueza da comunidade arbórea de uma várzea do rio Mogi Guaçu no Parque Estadual de Porto Ferreira, Porto Ferreira, SP. p < 0,05 indica valores significativos para o teste modelo linear. 47 Figura 14. Efeito da variável Desnível nos descritores estruturais e de riqueza da comunidade arbórea de uma várzea do rio Mogi Guaçu no Parque Estadual de Porto Ferreira, Porto Ferreira, SP. p < 0,05 indica valores significativos para o teste modelo linear. 48 Figura 15. Efeito das variáveis topográficas Altitude média (a) e Desnível (b) em relação aos Dias de inundação em um trecho de várzea do rio Mogi Guaçu no Parque Estadual de Porto Ferreira, Porto Ferreira, SP. Com relação às classes de altura e diâmetro para cada grupo formado, houve maior tendência de contribuição das árvores de grande porte com o aumento dos níveis de inundação (Figura 16). Este fato corrobora o modelo linear realizado com o efeito das variáveis Dias de inundação, Altitude média e Desnível, que mostram diferenças significativas para esses descritores conforme se aumenta os níveis de inundação (Figuras 13 (e; f), 14 (e; f) e 15 (e; f). a 0 10 20 30 40 50 60 < 6 6-8,9 9-11,9 12-14,9 15-17,9 > 18 Fr eq uê nc ia (% ) Classe de altura (m) 0 5 10 15 20 25 30 35 < 5 5 - 9,9 10 - 19,9 20 - 29,9 30 - 39,9 40 - 49,9 > 50 Fr eq uê nc ia (% ) Classe de diâmetro (cm) b Figura 16. Distribuição das classes de altura (a) e de diâmetro (b) por grupo (K-means) em um trecho de várzea do rio Mogi Guaçu no Parque Estadual de Porto Ferreira, Porto Ferreira, SP. ( ) Grupo seco, ( ) Grupo úmido. O teste k-means gerou dois grupos de unidades amostrais (intitulados arbitrariamente como “Seco” e “Úmido” devido às características de inundação apresentadas) com 93,58% de explicação nos dois primeiros componentes (Figura 17), 49 dentre as quais 19 se agrupando na categoria “Úmido” (de 50 a 170 dias de inundação) e 11 na categoria “Seco” (menos de 10 dias de inundação), o que foi um resultado em parte esperado tratando-se de uma várzea. Figura 17. Resultado do teste k-means de acordo com as variáveis topográficas (Altitude média e Desnível) Dias de inundação mostrando dois grupos formados em um trecho de várzea do rio Mogi Guaçu no Parque Estadual de Porto Ferreira, Porto Ferreira, SP. O grupo da esquerda (n= 11) representa as parcelas do grupo “seca” e o da direita (n= 19) “úmida”; o tamanho do grupo representa o intervalo de confiança. Em termos de número de indivíduos por espécie, valor de importância, riqueza e composição florística, de uma forma geral cada grupo se apresentou bem heterogêneo em relação ao outro, tendo nas espécies mais abundantes do estudo ocorrência nas duas áreas, embora com valores diferentes para alguns descritores, além de muitas exclusivas do grupo “Seco”, o qual apresentou quase todas as espécies amostradas (Tabela 4). A primeira divisão da análise de agrupamento (UPGMA) separa parcelas do transecto 2, o qual possui estrutura arbórea bem menos densa comparada às outras áreas e composição mais semelhante às parcelas do grupo “Úmido”, tendo essas se separando perfeitamente do lado esquerdo do dendrograma na segunda divisão, ficando do lado direito todas as parcelas do grupo “Seco” (Figura 18), coincidindo perfeitamente com o teste k-means (Figura 17). Pode ser observado também que no nível de agrupamento mais baixo, muitas parcelas que agrupam são espacialmente próximas na área de estudo. Além 50 disso, a divisão superior que separa o grupo da direita possui uma tendência de ser mais dissimilar que o outro, devido às maiores distâncias dadas pelo índice (Figura 19). Figura 18. Análise de agrupamento (UPGMA) da comunidade arbórea de um trecho de várzea do rio Mogi Guaçu no Parque Estadual de Porto Ferreira, Porto Ferreira, SP. O grupo maior à esquerda coincide com as parcelas do grupo “Úmidio” e o da direita as do grupo “Seco”. Tabela 4. Distribuição das espécies (incluindo categoria “Morta”) nos dois grupos (“Seco” e “Úmido”) gerados pelo teste k-means em um trecho de várzea do rio Mogi Guaçu no Parque Estadual de Porto Ferreira, Porto Ferreira, SP. Ni= número de indivíduos, VI (%)= valor de importância. Espécie Seco (n= 11) Úmido (n= 19) Total Ni VI Ni VI Ni VI Inga affinis 49 10,77 208 31,64 257 25,08 Sebastiania commersoniana 70 9,58 126 10,20 196 11,90 Eugenia florida 94 6,88 115 8,24 209 9,78 Genipa americana 43 3,05 40 2,68 83 4,72 Morta 30 2,95 22 2,40 52 4,37 Picramnia sellowii 26 1,32 58 3,04 84 4,15 Guarea macrophylla 70 4,14 26 1,51 96 4,15 Croton urucurana 14 1,04 33 2,12 47 2,93 Eugenia moraviana 63 3,20 12 0,60 75 2,92 Eugenia mansoi 16 0,80 26 1,30 42 2,41 Lonchocarpus cultratus 26 3,19 --- --- 26 2,07 Trichilia catigua 35 1,95 --- --- 35 1,73 Luehea divaricata 12 2,73 --- --- 12 1,72 Eugenia repanda 11 0,82 10 0,58 21 1,62 Myrciaria tenella 1 0,11 18 0,97 19 1,31 Alibertia gardneri 27 1,39 --- --- 27 1,30 51 Tabela 4. (continuação) Espécie Seco (n= 11) Úmido (n= 19) Total Ni VI Ni VI Ni VI Nectandra megapotamica 6 0,64 6 0,33 12 1,22 Miconia collatata 14 0,99 --- --- 14 1,07 Eugenia cf. longipedunculata 10 0,53 --- --- 10 0,86 Chomelia sp 1 5 0,45 4 0,27 9 0,86 Duguetia lanceolata 11 0,70 --- --- 11 0,85 Calyptranthes widgreniana 11 0,56 --- --- 11 0,80 Trichilia clausseni 9 0,44 --- --- 9 0,65 Astronium graveolens 5 0,63 --- --- 5 0,62 Casearia silvestris 5 0,32 1 0,05 6 0,52 Chrysophyllum gonocarpum 6 0,32 --- --- 6 0,50 Matayba eleagnoides 5 0,49 --- --- 5 0,48 Vitex megapotamica 4 0,44 --- --- 4 0,45 Senegalia sp 1 3 0,15 1 0,05 4 0,44 Eugenia handroana 6 0,30 1 0,06 7 0,44 Myrcianthes pungens 9 0,55 --- --- 9 0,44 Peltophorum dubium 2 0,27 2 0,11 4 0,43 Lacistema haslerianum 9 0,48 --- --- 9 0,41 Ficus citrifolia 3 0,19 --- --- 3 0,35 Senegalia sp 2 3 0,19 --- --- 3 0,35 Actinostemon schomburgkii 6 0,28 --- --- 6 0,31 Casearia gossypiosperma 3 0,31 --- --- 3 0,31 Albizia niopoides 1 0,43 --- --- 1 0,26 Esembeckia febrifuga 3 0,15 --- --- 3 0,25 Rubiaceae sp 1 2 0,10 1 0,05 3 0,24 Senegalia polyphylla 2 0,36 --- --- 2 0,24 Fabaceae sp 1 4 0,33 --- --- 4 0,24 Euphorbiaceae sp 1 2 0,11 --- --- 2 0,23 Myrsine coriacea 2 0,11 --- --- 2 0,23 Trichilia casaretti 2 0,11 --- --- 2 0,23 Duranta sp1 2 0,10 --- --- 2 0,22 Sorocea bomplandii 2 0,10 --- --- 2 0,22 Dahlstedia muehlbergianus 2 0,10 --- --- 2 0,22 Citrus limon 2 0,09 --- --- 2 0,22 Ocotea velutina 3 0,18 --- --- 3 0,17 Galipea jasminiflora 3 0,16 --- --- 3 0,16 Erythroxylum sp 1 --- --- 1 0,13 1 0,16 Lonchocarpus sp 2 --- --- 1 0,13 1 0,16 Psychotria sp 1 3 0,14 --- --- 3 0,16 Piper amalago 2 0,12 --- --- 2 0,14 Aspidosperma cylindrocarpum 1 0,10 --- --- 1 0,13 Machaerium hirtum 1 0,09 --- --- 1 0,13 Tapirira guianensis 1 0,08 --- --- 1 0,12 Lonchocarpus sp 1 1 0,07 --- --- 1 0,12 52 Tabela 4. (continuação) Espécie Seco (n= 11) Úmido (n= 19) Total Ni VI Ni VI Ni VI Myrsine gardneriana 1 0,06 --- --- 1 0,12 Savia sp 1 1 0,11 --- --- 1 0,11 Calophylum brasiliensis --- --- 1 0,05 1 0,11 Copaifera langsdorffii 1 0,05 --- --- 1 0,11 Myrcia splendens --- --- 1 0,05 1 0,11 Trichilia pallida 1 0,05 --- --- 1 0,11 Rubiaceae sp 2 1 0,05 --- --- 1 0,11 Siphoneugena cf. densiflora 1 0,05 --- --- 1 0,11 Ocotea cf. indecora 1 0,05 --- --- 1 0,11 Casearia sp 1 1 0,05 --- --- 1 0,11 A análise geral dos dois grupos mostra que ocorreram muitas diferenças entre os mesmos, dentre estas algumas mais descritivas (sem teste estatístico) como é o caso dos descritores de diversidade, equabilidade, padrão de drenagem que, apesar de não terem sido testadas estatisticamente, indicaram fortes tendências entre as áreas, além de outras que acusaram diferenças significativas que, a princípio, a PERMANOVA acusou para o conjunto de dados, e em seguida o teste de permutação mostrou com mais detalhes para cada variável testada (Tabela 5). 53 Tabela 5. Comparação dos grupos “Seco” e “Úmido” gerados pelo teste k-means em um trecho de várzea do rio Mogi Guaçu, no Parque Estadual de Porto Ferreira, Porto Ferreira, SP. (1) Resultado da PERMANOVA entre os dois grupos; (2) Comparação dos descritores fitossociológicos (os que estão em negrito possuem significância estatística) e (3) quantidade de cada uma das classes de drenagem por grupo. p1= significância estatística da PERMANOVA; p2= significância estatística do teste de permutação. Descritores em negrito indicam diferenças significativas para os dois grupos. 1PERMANOVA Df F R2 p1 Grupos 1 51,15 0,64 < 0,001*** Resíduo 28 2Teste de Permutação Grupos Seco (n= 11) Úmido (n= 19) Descritores Valor Média Valor Média Total p2 Número de espécies 65 22,2 + 3,03 23 7,53 + 4,05 68 < 0,01** Número de indivíduos 772 70,2 + 8,35 714 37,6 + 18,9 1486 < 0,01** N° de indivíduos ramificados 114 10,36 + 2,94 152 8,0 + 4,9 266 n.s. Área basal total (m2.ha-1) 10,76 0,98 + 0,18 17,17 0,9 + 0,24 27,93 n.s. Número de indivíduos mortos 30 2,72 + 2,24 22 1,15 + 1,46 52 < 0,01** Diâmetro médio (cm) --- 10,05 + 8,75 --- 15,97 + 11,17 11,69 < 0,01** Altura média (m) --- 6,06 + 3,52 --- 8,46 + 5,00 6,85 < 0,01** Densidade (ind.m2) 1754,55 --- 939,47 --- 1238,33 --- Diversidade (nats.ind-1) 3,33 --- 2,20 --- 2,99 --- Equabilidade 0,80 --- 0,70 --- 0,70 --- Número de famílias 23 --- 10 --- 25 --- Altitude média (m) --- 529,83 + 0,29 529,16 + 0,25 --- --- Desnível médio (m) --- 1,59 + 1,08 0,25 + 0,18 --- --- Dias de inundação 0 - 10 --- 50 - 170 --- --- --- 3Classes de drenagem PS 4 1 5 PPU 6 2 8 PU 1 3 4 PMU 0 13 13 A análise de espécies indicadoras (Indicator species analises - ISA) (DUFRENE & LEGENDRE 1997) mostrou que para os dois grupos formados pelo teste k-means (p < 0,05) ocorreram duas espécies para áreas com 50 a 170 dias de inundação e 11 para áreas com menos de 10 dias, além de sete sem valor significativo para o teste (Tabela 6). 54 Tabela 6. Análise de espécies indicadoras (ISA) de acordo com os dois grupos (“Seco” e “Úmido”) resultantes do teste k-means em um trecho de várzea do rio Mogi Guaçu no Parque Estadual de Porto Ferreira, Porto Ferreira, SP. Ni= número de indivíduos; VI*= valor indicador do teste; p < 0,05. Espécie Abreviações das espécies Seca (n= 11) Úmida (n= 19) VI* p Ni Ni Áreas mais baixas (maior tempo de inundação) Inga affinis I aff 49 208 0,71 0,001 Myrciaria tenella M ten 1 18 0,38 0,05 Áreas mais elevadas (menor tempo de inundação) Guarea macrophylla G mac 70 26 0,82 0,001 Trichilia catigua T cat 35 --- 0,82 0,001 Eugenia moraviana E mor 63 12 0,74 0,001 Lonchocarpus cultratus L cul 26 --- 0,73 0,001 Miconia collatata M col 14 --- 0,64 0,001 Alibertia gardneriana A gar 27 --- 0,64 0,001 Eugenia cf. longipedunculata E lon 10 --- 0,64 0,001 Luehea divaricata L div 12 --- 0,64 0,001 Genipa americana G ame 43 40 0,60 0,037 Duguetia lanceolata D lan 11 --- 0,55 0,002 Calyptranthes widgreniana C wid 11 --- 0,55 0,002 Espécies sem associação significativa Sebastiania commersoniana S com 70 126 0,49 0,63 Picramnia sellowii P sel 26 58 0,41 0,64 Eugenia florida E flo 94 115 0,58 0,11 Eugenia mansoi E man 16 26 0,33 0,60 Eugenia repanda E rep 11 10 0,42 0,06 Nectandra megapotamica N meg 6 6 0,23 0,54 Croton urucurana C uru 14 33 0,30 0,62 A PERMANOVA realizada para os dados de solo mostrou que para todas as variáveis testadas ocorre variação significativa no conjunto de dados. No entanto, os valores de F e R2 são baixos mostrando que a relação não é muito consistente (Tabela 7). Tabela 7. Resultados da PERMANOVA processada com as variáveis físico-químicas de solo e aquelas de inundação e topografia de um trecho de várzea do rio Mogi Guaçu no Parque Estadual de Porto Ferreira, Porto Ferreira, SP. Df F R2 p Dias de inundação 1 2,85 0,07 0,047* Altitude média 1 2,82 0,07 0,041* Desnível 1 4,34 0,12 0,007** Resíduos 26 O teste de permutação feito com a diferença das médias dos grupos “Seco” e “Úmido” em relação a cada uma das variáveis físico-químicas do solo separadamente foi significativamente diferente para 12 delas, com destaque para P, pH, H+Al, Al, v e argila (Tabela 8). 55 Tabela 8. Valores médios das variáveis do solo (4 amostras compostas de 0-20 cm de profundidade) com respectivo desvio padrão dos grupos de parcelas “seca” (n=11) e “úmida” (n=19) gerados pelo teste k-means em um trecho de várzea do rio Mogi Guaçu no Parque Estadual de Porto Ferreira, Porto Ferreira, SP. As variáveis foram comparadas entre os dois grupos através do teste de permutação (p < 0,05) num total de 10.000 aleatorizações. Variáveis do solo Seco Úmido p P (mg.dm-3) 29,80 + 5,33 52,5 + 21,88 < 0,01 M.O. (g.dm3) 29,64 + 6,31 28,26 + 5,11 n.s. pH (em CaCl2) 4,16 + 0,27 3,88 + 0,16 < 0,001 K+ (mmolc.dm-3) 2,25 + 0,38 1,97 + 0,30 0,03 Ca2+ (mmolc.dm-3) 18,01 + 5,90 13,63 + 4,67 0,03 Mg2+ (mmolc.dm-3) 10,94 + 4,06 6,95 + 3,10 0,05 H+Al (mmolc.dm-3) 90,10 + 25,81 122,53 + 21,33 < 0,001 Al3+ (mmolc.dm-3) 8,56 + 4,26 20,15 + 5,95 < 0,001 CTC (mmolc.dm-3) 121,30 + 22,43 145,1 + 22,82 0,01 V (%) 26,62 + 9,74 15,70 + 4,72 < 0,01 Argila (%) 46,45 + 11,88 62,42 + 15,44 < 0,01 Areia Grossa (%) 5,73 + 3,04 2,84 + 4,55 0,04 Areia Fina (%) 7,10 + 3,08 4,32 + 4,24 n.s. Areia Total (%) 12,90 + 5,39 7,68 + 10,87 n.s. Silte (%) 40,64 + 8,55 30,95 + 9,72 0,02 A RDA (análise de redundância) feita para as variáveis Dias de inundação, Desnível, Altitude média e Classes de drenagem (RDAi) (Figura 20) permitiu obter 32% de explicação total dos eixos, enquanto que para as variáveis fisico-químicas do solo (RDAs) esse valor aumentou para 65% (Figura 21), mostrando que a abundância e distribuição das espécies estão mais fortemente relacionadas ao solo do que à inundação. Isso foi corroborado pela RDA envolvendo todas as variáveis ambientais (RDAt) (Figura 22) que apresentou um padrão de distribuição das espécies mais disperso, semelhante à RDAs. Esse fato também é percebido na observação da distribuição das espécies em RDAi e RDAs. Na primeira elas estão, principalmente, concentradas no centro do gráfico, enquanto que na segunda ocorre maior dispersão (aumento dos scores do eixo 1 do eixo 2) das espécies, mostrando uma tendência maior de algumas delas estarem mais fortemente relacionadas ao solo, além disso, mostra melhor o agrupamento dos três grupos de espécies indicadoras. As indicadoras de áreas secas estão próximas às do grupo “Seco” (figuras quadradas), aquelas sem associação significativa estão concentradas no meio para cima, sendo mais influenciadas pelo eixo 2 e aquelas indicadoras de áreas úmidas estão mais à esquerda, sendo mais influenciadas negativamente pelo eixo 1, principalmente Inga affinis (Figura 20). 56 Com relação à RDA feita para todas as variáveis juntas (RDAt) a proporção de explicação aumenta sensivelmente em relação às outras duas (Tabela 9). Tabela 9. Valores dos eixos das duas análise de RDA feitas para a comunidade arbórea de um trecho de várzea do rio Mogi Guaçu no Parque Estadual de Porto Ferreira, Porto Ferreira, SP. RDAi RDAs RDAt Eixos Eixo 1 Eixo 2 Eixo 1 Eixo 2 Eixo 1 Eixo 2 Autovalor 0,085 0,016 0,096 0,046 0,114 0,047 Proporção explicada 0,234 0,045 0,267 0,128 0,315 0,130 Na RDAi nota-se forte relação negativa dos Dias de inundação e Classe de drenagem com a Altitude média e o Desnível o que vem a corroborar os resultados anteriores que relacionam essas variáveis (Figura 12, 13 e 14). Inga affinis é uma espécie muito relacionada às áreas inundadas (grupo “Úmido”), situando-se contrária àquelas típicas do grupo “Seco”. Myrciaria tenella, do mesmo modo considerada típica das áreas úmidas (Tabela 6), também apresentou alguma relação com a inundação, no entanto essa relação foi bem mais fraca, corroborando a análise de espécies indicadoras para este táxon com um valor de p crítico (Tabela 6). Existe também uma tendência de parcelas inundadas se juntarem, principalmente do lado esquerdo do gráfico, portanto relacionando-se negativamente com o eixo 1, acontecendo o contrário para as parcelas mais secas, as quais se relacionam positivamente com o eixo 1 e negativamente com a inundação. O teste de Mantel mostrou que existe alta correlação espacial da abundância de espécies com as variáveis físico-químicas do solo (R= 0,47; p < 0,001). Apesar dessa correlação, a RDAs (Figura 20) mostra que o solo pode influenciar na abundância e distribuição das espécies mais que a inundação (Figura 19). Além disso, os testes de permutação entre os dois grupos mostraram diferenças significativas (p < 0,05) entre ambos (Tabela 8). Na RDAs parece existir correlação mais forte da distribuição e abundância das espécies com relação às variáveis edáficas. Inga affinis se deslocou próximo às parcelas do transecto 2, as quais ficaram alagadas os maiores períodos. A inundação possuiu uma tendência em influenciar nas altas concentrações de Al, P, CTC, argila, e H+Al encontradas nessas áreas (Figura 20). No sentido contrário das variáveis que apontam para áreas com 50 a 170 dias de inundação, pH, silte, v e Mg possuem maior tendência em ocorrer em áreas com menos de 10 dias de inundação, o que acabou influenciando Picramnia sellowii, Eugenia floria e 57 Sebastiania commersoniana, as quais não foram consideradas de áreas secas, mas como ocorrentes em todo o gradiente. No entanto, Genipa americana e Guarea macrophylla também mostraram tendência de correlação junto às variáveis mencionadas, principalmente pH e Silte, sendo consideradas indicadoras do grupo “Seco”. MO parece se arranjar quase que perpendicularmente às outras variáveis, o que pode ser uma explicação para não ter sido significativo no teste de PERMUTAÇÃO entre grupos (Tabela 8). No entanto, as áreas com as quais essa variável aponta são em sua maioria relacionadas à inundação, além de ocorrerem muitas espécies indicadoras do grupo “Seco” (p. ex. Trichilia catigua, Lonchocarpus cultratus, Alibertia gardnerii) que mostram tendência em se arranjar contrariamente ao vetor MO, assim como a maioria das áreas secas (Figura 20). Figura 19. Análise de Redundância (RDAi) das variáveis ligadas à inundação em relação à abundância (spp > 10 indivíduos) e distribuição da comunidade arbórea de um trecho de várzea do rio Mogi Guaçu, no Parque Estadual de Porto ferreira, Porto Ferreira, SP. Alt= Altitude média, Dnv= Desnível, Ala= Dias de inundação e Cl.dre= Classe de drenagem; Círculos= grupo Úmido; Quadrados= grupo Seco. As abreviações das espécies encontram-se na Tabela 6. Para fins de comparação desta RDA com as outras duas, deve ser levado em consideração que esta apresenta uma escala um pouco diferente. 58 Figura 20. Análise de redundância (RDAs) das variáveis edáficas em relação à abundância (> 10 indivíduos) e distribuição da comunidade arbórea de um trecho de várzea do rio Mogi Guaçu, no Parque Estadual de Porto ferreira, Porto Ferreira, SP. Alt= Altitude média, Dnv= Desnível, Ala= Dias de inundação Slt= Silte; Ar.f= Areia fina; Ar.gr= Areia grossa; Ar.tot= Areia Total; Círculos= grupo Úmido; Quadrados= grupo Seco. As abreviações das espécies encontram-se na Tabela 6. Figura 21. Análise de redundância (RDAt) com todas as variáveis ambientais em relação à abundância (> 10 indivíduos) e distribuição da comunidade arbórea de um trecho de várzea do rio Mogi Guaçu, no Parque Estadual de Porto ferreira, Porto Ferreira, SP. Slt= Silte; Ar.f= Areia fina; Ar.gr= Areia grossa; Ar.tot= Areia Total; Círculos= grupo Úmido; Quadrados= grupo Seco. As abreviações das espécies encontram-se na Tabela 6. 59 5. DISCUSSÃO Através do histórico hidrológico temos a possibilidade de fazermos algumas considerações sobre as perturbações/alterações que a vegetação pode ter sofrido no decorrer dos anos verificados (JUNK et al 1989; NEIFF & POI de NEIFF, 2003; STEVAUX et al. 2013). Por exemplo, existe um longo período de pulso mais fraco na década de 70 onde praticamente houve apenas duas inundações na área de estudo, o que pode ser considerado prejudicial para algumas espécies que necessitam de uma fase de cheia e outra de seca (vazante) para completar seus ciclos de vida (p. ex. espécies hidrocóricas) (NEIFF & POI de NEIFF, 2003). Esse fato pode ter sido crucial na mudança da dinâmica do fragmento, uma vez que pode ter ocorrido maior colonização de espécies menos tolerantes à inundação mesmo em sítios de baixa topografia, assim como pode ter havido germinação e crescimento de espécies arbóreas pioneiras nesses mesmos sítios, antes dominados por espécies herbáceas (p. ex. população de Inga affinis no transecto 2). Pode-se dizer também que o rio segue um padrão de cheia e vazante semelhante àqueles de maior porte, de acordo com a sazonalidade encontrada, uma vez que o período de cheias ocorre no verão, e o de águas baixas no inverno, diferindo daqueles de pequeno porte, os quais podem sofrer grande variação do nível na presença de chuvas torrenciais na região (BUDKE et al. 2008). Em rios de maior sazonalidade e recorrência de eventos hidrológicos as espécies tendem a ser mais adaptadas às variações do pulso de inundação (JUNK et al. 1989; NEIFF & POI de NEIFF 2003), como observado para muitas daquelas das planícies de inundação do rio Amazonas (PAROLIN et al. 2004). A partir da década de 80 as cheias passam a ficar mais frequentes, embora apresentando picos variáveis, sendo seis delas consideradas excepcionais (1983, 1991, 1995, 1997, 1999 e 2000), pois foram capazes de ultrapassar o dique, principalmente a do início de 1983, a maior da série observada, a qual coincide com o relatado por Assis (1991), Casco & Neiff (2013) e Neiff & Poi de Neiff (2003) nos rios Invinhema, Paraná e Paraguai, respectivamente, podendo ser atribuída às oscilações do El Niño do sul (CASCO & NEIFF 2013). Inundações como essas podem acarretar alta taxa de mortalidade da comunidade arbórea, principalmente aquelas espécies menos adaptadas, além dos indivíduos do estrato regenerante. De fato isso foi observado na planície do baixo rio Paraguai para esta mesma época de cheia (anos 1982/1983), sendo atribuído a este evento a morte de 40 a 60% da floresta fluvial (NEIFF et al. 1985). Junk et al. (1989) 60 ressaltaram que inundações de grande magnitude podem manter a comunidade arbórea em estágios iniciais de sucessão (PAGANO & DURIGAN 2000), o que de fato se observa entre grande parte das espécies mais ocorrentes nas parcelas do grupo “Úmido” (p. ex. Inga affinis, Sebastiania commersoniana, Eugenia florida, Croton urucurana, Myrciaria tenella) (BUDKE et al. 2008; DAMASCENO-JUNIOR et al. 2005; OLIVEIRA FILHO et al. 1994d; METZGER et al. 1997), contudo, não classificamos todas as espécies em grupos ecológicos. Nesse contexto também se torna relevante o fato de a área estar protegida há, somente, pouco mais de 50 anos, o que pode influenciar muito na idade das árvores, assim como no grupo ecológico das espécies presentes na área, podendo haver maior contribuição daquelas mais de início de sucessão. Como observado anteriormente em diversos trabalhos de fitossociologia, houve uma tendência de concentração de muitos indivíduos em poucas espécies e muitas espécies com poucos indivíduos, tendo nas dez espécies (15 %) mais abundantes o equivalente a quase 75% de toda a amostragem. Dentre as espécies mais abundantes, destacam-se Inga affinis, Sebastiania commersoniana e Eugenia florida que juntas representam uma abundância de 662 indivíduos (45% do total) e quase 50% do VI total. Metzger et al. (1998) também encontraram duas dessas espécies (I. affinis e E. florida) ocorrendo em fitofisionomias de várzea adjacentes a uma matriz florestal no interior do estado de São Paulo, sendo I. affinis muito mais abundante. Por outro lado, S. commersoniana que não foi registrada nas áreas amostradas por esses autores, foi considerada espécie típica de áreas alagadas por Budke et al. (2008) em uma floresta com grande frequência de inundação do Brasil sulino. De fato, essa espécie é muito comum na região sul, onde geralmente está associada a algum curso d’água (BIANCHINI et al. 2003), inclusive aqueles situados em fitofisionomias da Mata Atlântica sensu stricto (DIAS et al. 2002). Ressalta-se que Sebastiania commersoniana, apesar de ter ocorrido com menor abundância e densidade que Eugenia florida, apresentou maior VI devido ao grande investimento em espessura (dominância) sendo quase o dobro de E. florida. Sabe-se que S. commersoniana é uma espécie bem adaptada em ambientes sujeitos à inundação periódica, podendo apresentar estruturas morfo-anatômicas adaptativas (p. ex. lenticelas, raízes adventícias) (Kolb et al. 1998), assim como acumular álcool nas raízes sem danos às mesmas (JOLY & CRAWFORD 1982) quando inundada por um período considerado. Além disso, pode apresentar em algumas matas ocorrência exclusiva em sítios mal 61 drenados (PRATA et al. 2011), sendo assim considerada preferencial de florestas sazonalmente inundadas (SILVA et al. 2007). Dentre as famílias encontradas, Fabaceae foi a mais rica, apresentando treze espécies, contudo sua riqueza diminui para somente três espécies em áreas no grupo das parcelas inundadas (“Úmido”) (SAMPAIO et al. 2000), tendo grande destaque somente os indivíduos de Inga affinis, sendo a mais abundante do estudo, além da única a apresentar abundância considerável em áreas mais inundadas. Esta espécie, que teve em