Alfa, Säo Paulo 28: 101-111, 1984. VOGAIS NASAIS DO PORTUGUÊS: PRESSUPOSTOS E DISCUSSÃO Onosor FONSECA* RESUMO: Neste artigo, procura-se afastar da discussão a respeito das vogais nasais do português idéias e argumentos que só a tem perturbado. Em seguida, resumem-se as três interpretações que os fo- nólogos lhes têm dado, detendo-se na de Mattoso Câmara Jr., a que se acrescentam alguns exemplos de reforço. UNITERMOS: Vogais nasais; argumentos inaceitáveis; interpretações fonológicas; ponto de vista de M. Câmara Jr.; exemplos de reforço. I . PRESSUPOSTOS 1. Brian Head, com razão, escreveu que as vogais nasais constituem o mais espi­ nhoso problema de interpretação fonoló­ gica do português (7, p. 65). As dificuldades principiam pelo fato de os especialistas discutirem, às vezes, partindo de noções de vogal nasal diver­ gentes. Mas elas não param aí: é comum, como têm assinalado eminentes fonólo- gos, serem trazidos à discussão argumen­ tos que, embora ponderáveis na aparên­ cia, são inaceitáveis numa discussão estri­ tamente lingüística. Na primeira parte deste artigo, va­ mos apontar alguns desses equívocos, que têm suscitado discussões irrelevantes e es­ téreis. Na segunda, passamos em revista as principais interpretações dadas ao pro­ blema das vogais nasais do português. Detemo-nos na de Mattoso Câmara Jr., a qual, pelo que se tem observado, tem sido insuficientemente compreendida, sendo essa, parece-nos, a causa principal de ela não ter sido ainda aceita pacificamente, como reconhece o própr io A . (15, p. 37). A propósito, cumpre lembrar que a acei­ tação de um ponto de vista interpretativo não implica, necessariamente, a exclusão de outro ou outros, pois toda descrição, será aceitável, desde que coerente, isto é, desde que feita de um ponto de vista determinado(12, p. 31). Grifo do A . ) . Ao expor a interpretação de Mattoso Câmara Jr., aduzimos novas ilustrações a um dos pontos fundamentais de sua argu­ mentação, baseado em Jakobson: o pos­ tulado das vogais nasais como fonemas distintos só pode ser proposto para as línguas em que, além da oposição vogal nasal — vogal oral — condição preenchi­ da em português —, haja, igualmente, oposição entre vogal nasal — vogal mais consoante nasal, tal como se dá em fran­ cês, mas que não acontece em português. Em reforço à interpretação de Mattoso C â m a r a Jr., acrescentamos também exemplos referentes ao seguinte ponto: ele observa que, em português, não ocorre contraste**, dentro de uma palavra, entre * Departamento de Lingüística — Instituto de Letras, História e Psicologia — UNESP — 19.800 — Assis — SP. ** Contraste, no sentido praguense, isto é, relações no sintagma. Reservamos o termo oposição para as relações paradig­ máticas, onde se d ã o , propriamente, as oposições fonológicas. 101 FONSECA, O. — Vogais nasais do por tuguês: pressupostos e discussão. Alfa, São Paulo, 28:101-111, 1984. vogal nasal e vogal oral, isto é, aquela não forma hiato com esta; ou a nasalidade de­ saparece (ex. bom, boa) ou a nasalidade (vale dizer o arquifonema nasal) passa à sílaba seguinte (ex: um, uma; nem + um, nenhum,) (Cf. 15, p. 49-50; 17, p. 32). Ora, em francês não só ocorre o referido hiato como tal fato cria condições para oposições fonológicas, como veremos. Examinemos essas dificuldades, para afastá-las desde logo das discussões. 2. Nasalidade fonética e nasalidade fonológica. Há em português uma nasalidade meramente fonética: é a que se observa em palavras como cama, cena, unha, etc, em que a nasalidade das vogais a, e, u de­ corre de uma assimilação regressiva, pro­ duzida pela consoante nasal inicial da síla­ ba seguinte. O rebaixamento do véu pala­ tino, necessário à produção da consoante nasal, é antecipado na sílaba precedente, cuja vogal assim se nasaliza: [Kè-me]. Se pronunciarmos a palavra cama com a des- nasalado, não obtemos outra palavra de significação diferente, isto é, não criamos uma oposição fonológica. É o que aconte­ ce com todas as palavras desse tipo. Não é, evidentemente, esse tipo de vogal, cuja nasalidade se detém no plano fonético, que suscita o problema de inter­ pretação. A nasalidade fonológica, a que de­ manda interpretação, é outra. É a que se observa em palavras como bomba: supri­ mida a nasalidade da vogal de tais pala­ vras, obtém-se outra, de significação di­ versa, boba, que forma um par opositivo com a primeira. É considerável, em por­ tuguês, o número de pares opositivos des­ se tipo: minto ~ mito, campo - capo, sinto - cito, mundo - mudo, etc. Trazer à discussão as vogais do pri­ meiro tipo, que não criam oposição fono­ lógica, é tomar a nuvem por Juno e acres­ centar dificuldades ao problema.* A con­ fusão entre esses dois tipos de nasais é co­ mum em nossas gramáticas, o que provo­ cou um comentário irônico de Mattoso Câmara Jr.** 3. Argumentos a serem evitados na dis­ cussão. Argumento psicológico. Discutindo uma comunicação de Jor­ ge Morais Barbosa, sobre o status fonoló­ gico das vogais nasais do português, Gó- ran Hammars t ròm rejeitou a interpreta­ ção do lingüista português — a mesma de Mattoso Câmara Jr.: vogal mais arquifo­ nema consonantico nasal. Para isso, usou um único argumento: os falantes parecem não ter consciência desse apêndice nasal (4, p. 709). Eurico Back, na ilusão da validade absoluta desse argumento, leva-o ao ex­ tremo: Diante de pausa não existe semivo- cóide nasal, não existe som de transição. Ninguém ouve e o que ninguém ouve não existe na língua (mesmo que existisse em aparelho de Física/Acústica!) (2, p.305). A enfática crença do A . no argumen­ to psicológico faz com que ele o sobrepo­ nha a um outro, que, com certeza, ele su­ põe ser quase decisivo: o argumento fonético-acústico. Acontece que o argu­ mento meramente fonético é também pre­ cário, como verernos logo adiante. Desde Fonêmica, Mattoso Câmara Jr., amparado em sólida base teórica, res­ pondia, antecipadamente, a esse psicolo- gismo, que ele já entendia ultrapassado, mas que se insinua nos testes da consciên­ cia lingüística individual. Observou ele que o próprio Martinet não escapara des­ se escolho; na pesquisa que resultou em La prononciation du francais contem- porain*** (16, p. 43-44). Anos de­ pois, citando Hjelmslev, ele volta a con­ denar o argumento psicológico: a lin­ guística moderna, escreveu ele, põe de la- * Cf. o artigo de Eurico Back (2). Bibliografia in fine, como todos os trabalhos citados em r o d a p é . ** Cf. Estrutura da Língua Portuguesa (15, p. 37). *** 1.ª ed.: Paris, Droz, 1945; 2." ed.: Genebra. Droz, 1971. 102 FONSECA, O. — Vogais nasais do por tuguês: pressupostos e discussão. Alfa, Sâo Paulo, 28:101-111, 1984. do essa espécie de fundamentação, que faz apelo ao ' 'sentimento'' do falante (15, p.49). Também Martinet criticou o que ele chama de psicologismo e foneticismo na descrição fonológica (11, p. 30-33; 13, p. 85 e segs.). Argumento fonético Embora iniciada, necessariamente, no plano fonético, toda descrição fonoló­ gica, para ter cons i s t ênc ia , deve ultrapassá-lo. É o que escreveu um dos maiores teóricos da fonologia, Roman Jakobson: Quanto mais substância fonética a fo­ nologia experimentar e reelaborar, tan­ to melhor. Mas esses dados têm de ser realmente tratados de maneira fonoló­ gica; é preciso não trazer simplesmente para a fonologia o material fonético em seu estado cru, com pele e pelos por assim dizer(9, p. 17). A fonética incumbe-se, propriamen­ te, do levantamento do material sonoro da língua em estudo. Mas cessa aí o seu papel. Cabe então à fonologia a análise e a interpretação desse material fonético bruto, a fim de traçar-lhe a configuração formal. É o trânsito necessário: do plano da susbtância sonora ao plano da forma dessa substância. Portanto, para estear suas afirmações fonológicas, para que elas possam ter validade, o lingüista não pode deixar de apresentar argumentos fo­ nológicos, vale dizer, estruturais. Em dis­ cussões sobre a estrutura fonológica de uma língua, argumentos de ordem fonéti­ ca, como os de ordem psicológica, são de escasso valor, se é que se pode atribuir- lhes algum. Manoel Dias Martins, por exemplo, afirma que pôde comprovar fonológica­ mente a existência de doze vogais silábicas no sistema do português do Brasil (14, p.48). Contudo, sua "comprovação fono­ lógica" restringe-se, de um lado, a uma precária argumentação fonética e, de ou­ tro, ao uso do argumento de autoridade (Cf. 14, p. 48-50). Ele chega a afirmar a impossibilidade de se reconhecer, no português do Brasil, o apêndice consonantico, depois de vogal nasal, baseado no seguinte argumento fo­ nético: Tivemos oportunidade de comprovar, no espectrograma da palavra constante (pronunciada por indivíduo carioca), a ausência absoluta de qualquer traço de consoante nasal implosiva (14, p. 50). Ora, a espectrografía, embora valio­ sa para a fonologia, não passa de recurso fonético, que, por si só, não basta para explicar fatos fonológicos. É o que pôde concluir Martin Jóos , o primeiro lingüista a usar espectrógrafo de som: o espectró­ grafo nos pode ensinar bastante sobre Fo­ nética, mas nada sobre Fonêmica (.. .)(10, P.29). Foi por isso que Mattoso Câmara Jr., consciente do papel decisivo da análi­ se formal, e antes do uso do espectrógrafo ou da radiocinegrafia no estudo fonético dos sons da linguagem, já escrevia em Fonêmica: O ponto de vista fonemicamente amplo ultrapassa (...) até a consideração fo­ nética da existência de uma consoante nasal pós-vocálica. A nasalidade já po­ de ser considerada em si mesma um fo­ nema consonantico, desde que estabe­ lece o travamento da sílaba nos moldes de vogal mais consoante(\6, p.69).* Argumento de autoridade Embora constitua o oposto do espíri­ to científico, há ainda quem o use: Quanto à consideração das vogais na­ sais como fonemas, estamos com José Oiticica, Antônio Houaiss, Antônio J. * Quanto á extrema dificuldade de "1er" os espectrogramas, mesmo por foneticistas experimentados, leia-se B. Malmberg, Les domaines de la phonétique. Paris, P .U.F. , 1971, p. 133-134, 103 FONSECA, O. — Vogais nasais do por tuguês : pressupostos e discussão. Alfa, São Paulo, 28:101-111, 1984. Chediak e outros estudiosos brasileiros e portugueses, que fazem questão de afirmar que se trata unicamente de vo­ gais nasais, sem qualquer consoante nasal implosiva como pode levar a su­ por a ortografia (14, p.49).* Convém notar: esses autores não são fonólogos. Seus trabalhos referem-se à fonética do português. A confusão deve ter sua origem no fato de eles se referirem aos sons físicos com o nome de fonema, como foi freqüente, durante um certo tempo, entre nós. O recurso ao argumen­ to de autoridade pressupõe a crença ingê­ nua de que os mestres — quando mestres são citados — são infalíveis. Argumento fonológico insuficiente A comutação é uma das técnicas mais utilizadas pelos lingüistas para a depreen- são dos fonemas de uma língua. Ela se ba­ seia na oposição de pares mínimos e pro­ duz resultados mais rápidos. Utilizando uma série de comutações relativamente simples, é possível ao lingüista fazer o le­ vantamento da maioria dos fonemas da língua, que queira descrever. Há, porém, sons por assim dizer complexos, para os quais a simples comu­ tação se revela insuficiente para o l in- gar na estrutura da língua. Incluem-se en­ tre esses sons complexos os ditongos, as consoantes africadas, as vogais nasais do português. Com um embasamento teórico seguro, o lingüista não pode limitar a aná­ lise das vogais nasais do português apenas a pares opositivos do tipo: anta — ata; lenda — leda; pinta ~ pita; junta ~ juta. Trata-se, no caso, de um argumento insu­ ficiente, para afirmar que são fonemas distintos. Para a definição fonológica das vo­ gais nasais do português, a comutação permite apenas detectar o problema: há vogais nasais em português, que desempe­ nham função distintiva. É a partir dessa constatação inicial que se formula o pro­ blema a ser discutido: qual o status fono­ lógico das vogais nasais no sistema portu­ guês, quer na variante portuguesa quer na variante brasileira? Como descrevê-las: fonemas distintos ou não? Entretanto, a simples operação da comutação tem servido de argumento pa­ ra " in terpre tá- las" como fonemas distin­ tos**. Os A A . que se valem desse argumen to caem numa petição de princípio: dão como verdadeira a própria afirmação que precisa ser demonstrada, isto é, que as vo­ gais nasais são fonemas distintos em por­ tuguês. Como dissemos, a comutação , nesse caso específico, apenas suscita o problema — as vogais nasais, em portu­ guês, criam oposições fonológicas; mas não o resolve: como interpretá-las fonoló­ gicamente? Argumento da simplicidade Costuma-se, às vezes, argumentar contra a descrição x, pelo fato de ser com­ plexa, e propor y, que é mais simples. Dois dos quatro argumentos apresen­ tados por Brian Head, para recusar a in­ terpretação de Mattoso Câmara Jr., invo­ cam, como veremos mais adiante, a com­ plexidade da descrição: o segundo e o quarto. No segundo, alega-se que a inter­ pretação de Mattoso — vogal mais arqui- fonema consonantico nasal — aumenta o número e a complexidade dos padrões si­ lábicos do sistema português (Cf. 7, p. 72); no quarto argumento, que o A . consi­ dera o decisivo contra essa interpretação, a alegação é que (...) o uso do arquifone- ma parece envolver um excessivo grau de complexidade (loe. cit.). A complexidade agora está, segundo o A . , no aumento ex- * Esse mesmo A . afirma na p. 25: Em português, as consoantes m, n, I, em final de silaba (ou de palavra), bem amiúde ad­ quirem uma estrutura acústica semelhante ou igual à das semivogais, quer dizer, vocalizam-se. Ora, m e n nessas cond ições , funcionam como diacrí t icos. E adiante escreve na p.50, que indicam apenas a nasal ização. **Um exemplo de descr ição assim insuficiente ê a de Maria do Socorro Silva de Aragão , em Análise fonético fonológica do falar paraibano, ( 1 , p.46 e segs.): As vogais nasais não são discutidas, como se a sua definição fonológica fosse por si só evi­ dente, ax iomát ica . E mais: dos pares mín imos apresentados es tão excluídos os que apresentam a opos ição vogal nasal/vogal oral. Esse trabalho foi apresentado como tese de doutoramento na USP. Outro exemplo, cf. Estrutura do verbo no portu­ guês coloquial'de Eunice Pontes (18). 104 FONSECA, O. — Vogais nasais do por tuguês: pressupostos e discussão. Alfa, São Paulo, 28:101-111, 1984. cessivo e desnecessário dos alofones das consoantes nasais neutralizadas. Voltare­ mos ao assunto mais adiante. Foi Hjelmslev quem, ao lançar as ba­ ses de sua teoria, estabeleceu para a des­ crição lingüística o que ele chamou de princípio do empirismo, assim formula­ do: a descrição deve ser não- contraditória, exaustiva e tão simples quanto possível (8, p. 11). Mas nessa mesma formulação ele estabeleceu uma ordem de prioridades: a coerência preva­ lece sobre a exaustividade, e esta, sobre a simplicidade. Seria, de fato, inadmissível que, em nome da simplicidade, viesse o lingüista a sacrificar a exaustividade ou, menos ain­ da, a coerência. Portanto, a invocação do argumento da simplicidade, para se propor uma des­ crição como superior a outra, só é aceitá­ vel quando ambas estejam nas mesmas condições de exaustividade e de coerência. I I . DISCUSSÃO 1. As vogais nasais do português — referimo-nos sobretudo ao português do Brasil — têm recebido, de um modo geral, três interpretações fonológicas: a) A nasalidade é dada como um fo­ nema supra-segmental. É uma in­ te rpre tação que decorre dos princípios teóricos da lingüística estrutural norte-americana, que classifica os fonemas de uma língua em segmentais e, supra- segmentais. Estes são representados por certos fenômenos chamados prosódicos pelos praguenses, isto é, o acento ou icto, os tons, etc, e, no caso, a nasalidade. O primeiro lingüista a propor essa interpretação foi Robert A . Hall , 1943, tendo como informante um falante capixaba (8)* e, posterior­ mente, Cléa A . S. Rameh, numa dissertação de mestrado não publi­ cada (apud B. F. Head, 7, p. 45- 46). Conforme essa interpretação, o subsistema fonológico do portu­ guês, o vocálico, tem 7 fonemas segmentais: /a, e ,e, o ,o , i , u / ; as chamadas vo­ gais nasais são aquelas sobre as quais recai o fonema supra- segmental de nasalidade: / —/. b) As vogais nasais são interpretadas como vogal mais consoante nasal. Essa interpretação foi esboçada por George L . Trager, em 1943, ao criticar, em nota do editor, a pro­ posta de Hall (Cf. 8, p.6). É a posi­ ção sustentada por David W. Reed & Yolanda Leite, em 1947 (20, p.196) e, com ligeiras diferenças, por Mattoso Câmara Jr. que, apoiado nos fundamentos teóricos do Círculo Lingüístico de Praga, analisa a vogal nasal como vogal mais arquifonema consonântico nasal (16). Com relação a Portugal, Julius O. Purczinsky, em 1957, com base em dados extraídos da Gramática Histórica de Edwin B. Wil l iam, deu às vogais nasais a mesma inter­ pretação, numa tese acadêmica inédita (apudB.F. Head, 7, p.89). Em 1961, Jorge Morais Barbosa, sob a orientação de Martinet, des­ crevendo o dialeto lisboeta, defen­ deu o mesmo ponto de vista, reto­ mando e ampliando os argumentos usados por Mattoso Câmara Jr. (3,4). Há uma inegável semelhança entre a interpretação de Trager e Reed- Leite e a de Mattoso Câmara Jr. e *Consultamos apenas o primeiro trabajho de 1943. No segundo, o A . sustenta o mesmo ponto de vista. É o que deixa entre­ ver B. F. Head, que afirma ter sido Hall o primeiro lingüista a descrever o sistema fonológico do por tuguês do Brasil, em termos da moderna teoria lingüística (Cf. 7, p. 35, onde este A . cita o 2.º trabalho de Hal l ) . 105 FONSECA, O. — Vogais nasais do por tuguês: pressupostos e discussão. Alfa, São Paulo, 28:101-111, 1984. Jorge Morais Barbosa. Afora a substanciosa argumentação apre­ sentada pelos segundos (ao contrá­ rio dos primeiros) as diferenças se situam, praticamente no nível ter­ minológico, dada a diversidade de orientação teórica de seus autores — estruturalismo norte-americano ou estruturalismo praguense*. Portanto, de acordo com esse se­ gundo tipo de interpretação, o vo­ calismo português também se resu­ me a 7 vogais: /a, e ,e, D ,o , i ,u /** As vogais na­ sais são, como vimos, interpreta­ das como vogal mais fonema (ou arquifonema) consonantico nasal, segundo a posição teórica assumi­ da pelo autor da proposta, c) As vogais nasais são interpretadas como fonemas distintos. No que respeita à variante brasileira — dialeto carioca — Brian F. Head foi o primeiro lingüista a descrevê- las assim, numa tese de doutora­ mento inédita (1964) (7) que tive­ mos a oportunidade de compulsar. Eunice Pontes também perfilhou essa interpretação, em 1965, numa dissertação de mestrado, publicada em 1972 (18), sem, entretanto, apresentar os argumentos em que apoia a sua posição. Em relação a Portugal, vários autores sustenta­ ram esse ponto de vista, entre os quais, com trabalho publicado, Holger Sten (1944, apto/Head). Dos que pudemos consultar, Brian F. Head (7) é o que procura expli­ citar seus argumentos. De acordo com tal interpretação, às setes vo­ gais do sub-sistema vocálico — va­ riante brasileira —, mencionadas anteriormente, são acrescentadas mais c inco vogais nasais: / ã , è , í , õ , ü / . 2. O ponto de vista de Hall não tem si­ do aceito, porque propõe uma silabação contrária à silabação normal do portu­ guês. Já o assinalaram Mattoso Câmara Jr. (16, p.68) e Head (7, p.66), que, com razão, recusam essa interpretação que propõe deslocar para a sílaba seguinte à vogal nasal o apêndice consonantico ge­ ralmente observado, de forma que m p , mb-, n t , "d, ^k, "g, segundo Hall , seriam va­ riantes dos fonemas / p , b, t, d, k, g / , res­ pectivamente. Quanto à interpretação que propõe as vogais nasais como fonemas distintos e que, conseqüentemente, despreza, por nâo-pertinente, o glide consonantico na­ sal — trata-se de um ponto de vista, sem dúvida atraente, por duas razões princi­ pais: a) esse apêndice consonantico só é detectado por especialistas ou por apare­ lhos; b) essa interpretação apresenta-se como mais simples. Entretanto, ela não nos parece acei­ tável por não levar na devida conta um dado fundamental apresentado por Mat­ toso Câmara Jr. e, posteriormente, por Jorge Morais Barbosa: a sílaba que con­ tém vogal nasal comporta-se como sílaba travada. Abaixo voltamos ao assunto. O próprio Head, que mais cuidado­ samente procurou contra-argumentar em oposição ao ponto de vista de Mattoso Câmara Jr., não discute propriamente o problema do travamento da sílaba. Limita-se a apresentar argumentos com que tenta desqualificar o valor da ocor­ rência de " r f o r t e " depois de vogal nasal, * A esse respeito é ilustrativa a op in ião de H a l l . Na carta ao editor, em que procura refutar o ponto de vista de Reed & Lei­ te, ele sugere que os autores seriam mais coerentes se, adotando os pressupostos do Circulo Lingüíst ico de Praga, postulas­ sem um arquifonema, quando a vogal nasal ocorre em sílaba seguida de pausa. Mas aduz, logo a seguir, que, na sua op in i ão , essa in terpre tação seria t a m b é m inaceitável, pois toda proposta de arquifonema traz em si a indicação de que há algo de erra­ do na análise (19, p.197). (Traduzimos). ** Quanto a Portugal, os-autores, geralmente, acrescentam um oitavo fonema: / e / . 106 FONSECA, O. — Vogais nasais do por tuguês: pressupostos e discussão. Alfa, São Paulo, 28:101-111, 1984. fato apontado pelo lingüista brasileiro pa­ ra sustentar a sua análise. Além disso, parece-nos que sua argumentação se fun­ da numa interpretação incompleta do pensamento de Mattoso Câmara Jr.: O fato de "r forte" ocorrer em sílaba interna, depois de vogal nasal é de pouco valor para sustentar essa análi­ se [isto é, v. nasal = v. + arquifo- nema consonantico nasal] ( . . .) , uma vez que "r forte" também ocorre em posição intervocálica (e assim não se nega a possibilidade de sua ocorrên­ cia entre vogal e nasal e vogal oral, independentemente da consideração de como a primeira seja fonológica­ mente analisada) (...) (7, p.71). Não vemos aí uma refutação convin­ cente da análise de Mattoso Câmara Jr., pois este jamais negou que ambos os r ocorressem em posição intervocálica — excluída, evidentemente, a vogal nasal, de­ pois da qual só ocorre o "r forte" ou vi ­ brante múltiplo*. O que ele afirmou, des­ de Fonêmica, é que após vogal nasal só ocorre o vibrante múltiplo — jamais o vi­ brante simples, —, tal como acontece de­ pois de sílaba travada por / l / ou /S / : paira, Israel. Eis porque nos parece estra­ nha a conclusão que Head põe entre pa­ rênteses, pelas seguintes razões: a) não nos parece provável que tenha havido al­ guém que haja negado tal fato; b) a afir­ mação de Mattoso Câmara Jr. é que não ocorre "r brando", após vogal nasal; c) justamente por não ocorrer o vibrante simples ou "r brando", depois de vogal nasal é que essa posição é neutralizada, razão pela qual não se encontra um único par mínimo que contenha a oposição r / r do tipo: v. nasal + r. + v. oral - v. nasal + r + v. oral. Assim, ao contrár io do que afirma Head, a ocorrência de apenas 7 (vibrante múltiplo), após vogal nasal, é, na verda­ de, um argumento de valor para a susten­ tação da análise proposta por Câmara Jr., uma vez que esse fato caracteriza como travada a sílaba que contém vogal nasal, travamento resultante do apêndice conso­ nantico nasal, ou seja, / N / . Além dessa contestação inconvincen- te do argumento fundamental de Câmara Jr., Head apresenta seus quatro argumen­ tos contra tal interpretação: 1.°) Comentando o exemplo nidu > riio > ninho, citado por Mattoso Câmara Jr., Head diz o seguinte: como vogal an­ tes de consoante nasal geralmente se nasa- liza, há, portanto, duas possibilidades de tratamento d o / N / : [ n in -J ' u je [ ni-Jiu] ; e refuta: o primeiro tratamento é contrá­ rio à fonotática do sistema consonantal do português; o segundo sugere a postula­ ção de um fonema de nasalização. E con­ clui o seguinte: Se as vogais nasais forem analisadas como fonemas vocálicos seguidos de arquifonema nasal pertencente ou não à mesma sílaba, então esse arqui- fonema se torna o único membro do sistema segmentai claramente di­ visível em partes pertencentes a síla - bas separadas(l, p. 72)**. Essa palavra — ninho —, sobre a qual Head apoia a sua argumentação não nos parece apropriada. Mattoso Câmara J r . c i t o u - a , j u n t a m e n t e c o m una>üá>uma, como exemplos de evolu­ ção fonética, em que a nasalidade da vo­ gal f (por influência de ri) acabou por de­ senvolver um apêndice consonantico na­ sal, que, posteriormente, resultou no de­ senvolvimento da consoante [ p ] , na sílaba seguinte; [ p ] , porque a vogal que a precede tem uma articulação palatal: i. * Em Fonêmica, Mattoso C â m a r a I r . interpretou os dois tipos de r como variantes de um mesmo fonema. Mas, posterior­ mente, passou a analisá-los como fonemas distintos (Cf. Problemas de linguistica descritiva, (17, p. 31 e 32; Estrutura da língua portuguesa, (15, p.36e40). ** Traduzimos esta e as demais c i tações . 107 FONSECA, O. — Vogais nasais do por tuguês: pressupostos e discussão. Alfa, São Paulo, 28:101-111, 1984. Mas, é claro, que, sincronicamente, Mat- toso C â m a r a J r . analisa ninho/nif u/, fo­ neticamente: [ n i . r u ] , e m que a nasalida- de do / se dá por assimilação regressiva, influência do [ n ] da sílaba seguinte. En­ tretanto, como vimos, esse não é o tipo de nasal que está em causa, o que invalida ar­ gumentação de Head. 2.°) O segundo argumento de Head é a necessidade de simplificação descritiva. Aceitar a posição de Mattoso Câmara Jr. seria complicar a descrição da estrutura silábica do português e a sua transcrição. Uma das complicações apontadas por Head: haveria a ocorrência de CCC em f i ­ nal de sílaba — por ex. mãos/ mawNs/; mães / majNs/*, ou seja, CVCCC. Esse tipo de sílaba, segundo Head, contrariaria uma regra fonotática do português. Con­ vém notar, entretanto, que o que autori­ zou esse A . a afirmar que em tais palavras ocorreria CCC, em final de sílaba foi o fa­ to de ele ter estabelecido, anteriormente, com o mesmo argumento da simplicidade, que y e wsão fonemas consonanticos: / ] / , / w / . Quanto a Mattoso Câmara Jr., des­ de Fonêmicaele vem afirmando que je w são fonemas vocálicos, assilábicos**. 3.°) O terceiro argumento de Head contra a interpretação de Mattoso Câma­ ra Jr.: nem toda vogal diante de consoan­ te nasal, pertencente ou não à mesma síla­ ba, éacentuadamente nasalizada.Se o fosse, a simplicidade requereria que se levasse em conta tal fato e essa interpretação seria preferível. Mas há muitas palavras no dia­ leto carioca (o descrito pelo A . ) , em que a vogal ou não se nasaliza ou nasaliza-se te- nuamente. O A . cita como exemplos as sílabas pretónicas das palavras camisa, Camões, banana. Em vista disso, conclui, esse fato diminui o atrativo da solução v. -t- /N/, visto que a vogal diante de /m/, /n/, /n/ (que estão compreendidos no /N/, pois esse conceito de arquifonema implica esse tipo de overlapping) nem sempre é foneticamente nasal O, p.73-74). Observe-se que, nessa argumentação, afirmando que, sem contar se a consoante nasal pertence ou não à mesma sílaba (7, p.73), Head envolve, a nosso ver indevi­ damente, os dois tipos de vogais: as que criam oposição fonológica e as que não a criam. E assim procedendo, atribui (sem razão, por não corresponder aos fatos) às verdadeiras vogais nasais a possibilidade de não serem fortemente nasalizadas. Isto só ocorre com as vogais de sílabas aber­ tas, quando seguidas de consoante nasal, na sílaba seguinte. Ora, como estas não suscitam problema de interpretação fono­ lógica, seu argumento perde força e torna-se impróprio para refutar o ponto de vista de Mattoso Câmara Jr. 4.°) Este é o argumento considerado decisivo por Head: o uso do arquifonema parece envolver um grau excessivo de complexidade (7, p.73), no que tange à sua realização fonética. Assim, após pau­ sa, sua realização é condicionada pela vo­ gal que o precede (anterior ou posterior): fim / f i N ) , [ f i Ji ] ; bom / b o N / , [ b o j i ] ; fora dessa posição, é a consoante seguinte que condiciona sua realização: cinco / s iNku/ , [ S i r k u ] ; ponto / p o N t u / , [ pontu ] etc. Como vimos, numa descrição, a coe­ rência com os pressupostos teóricos e com os fatos descritos prepondera sobre a sim­ plicidade. Portanto, neste sentido, a me­ lhor descrição não é necessariamente a mais simples, mas a mais coerente. E a descrição de Mattoso Câmara Jr. respon­ de a essa exigência fundamental. 3. A interpretação de Mattoso Câmara Jr. Numa comunicação apresentada ao XV Congresso Internacional de Lingüísti­ ca e Filologia Românica (5), chamávamos * Respeitamos a transcrição do A. ** Em Fonêmica ele interpretava y'e wcomo vogais assilábicas, e fonemas distintos (Cf. Fonêmica, 2 . u ed. (16, p.55-57). Posteriormente, passou a interpretá-los como variantes de / i / e / u / Cf . Problemas, p. 27, apesar da transcrição contraditória / j / e / w / ; Estrutura, 1.» ed., p. 35 e 46). 108 FONSECA, O. — Vogais nasais do por tuguês : pressupostos e discussão. Alfa, São Paulo, 28:101-111, 1984. a atenção para o fato de Mattoso Câmara Jr. ter feito da sílaba uma espécie de pe­ dra de toque de sua descrição fonológica do português (variante brasileira ou, mais propriamente, dialeto social culto cario­ ca, registro tenso). É a partir da sílaba que ele depreendeu os fonemas (sílaba tônica, para as vogais, e inicial para as consoan­ tes); reviu a sua análise das vogais assilá- bicas; interpretou fonológicamente as vo­ gais nasais. Sua revisão das vogais assilábicas acabou por conferir à sua análise uma ex­ traordinária coerência, uma vez que sua última interpretação funda-se no mesmo tipo de argumento de que se valeu para sustentar sua posição em relação às vogais nasais: sílaba terminada em vogal assilá- bica é livre; logo [j] e [w] são variantes de / i / e / u / * . No que concerne às vogais nasais, sua interpretação dada em Fonêmica (16, p. 67-72) permaneceu inalterada até suas últimas obras: sílaba que contém vogal nasal é travada; há, portanto, uma con­ soante de travamento, que é, fonológica­ mente, / N / . Para justificar seu ponto de vista, ali­ nhou vários argumentos**, dos quais o mais sólido, repitamos, é inegavelmente o seguinte: Os fonemas / r / (vibrante múlti­ plo) e / r / (vibrante não múltiplo) opõem- se apenas na posição intervocálica: forro — foro, murro — muro; corro — coro; mirrado — mirado etc. Excluída essa po­ sição, que é a de pertinência, neutralizam- se e as realizações do / R / daí resultante são as seguintes: a) em sílaba inicial de palavra só ocorre o vibrante múltiplo, va­ riante dorsal ou apical ou outra: rato, rua, rito etc. b) em final de sílaba interna ou de palavra, / f / ou / r / (com diferen­ tes variantes para cada fonema) dependendo do dialeto ou do re­ gistro: partir, cortar etc; c) entre consoante final de sílaba de sílaba — isto ê, depois de sílaba travada por / l / ou / S / — e vogal da sílaba seguinte, só ocorre o v i ­ brante múltiplo, numa das suas realizações possíveis: melro, guel- ra, Israeletc. Ora, como após vogal nasal tam­ bém só ocorre o vibrante múlti­ plo, impõe-se a conclusão de que a sílaba que contém vogal nasal é travada: genro, honra, enriquecer etc. E a consoante de travamento é, pois, / N / . É irrecusável a solidez dessa argu­ mentação, que, entretanto, nem sempre tem sido bem compreendida. O objetivo principal deste artigo, po­ rém, é destacar e reforçar um outro argu­ mento igualmente importante apresenta­ do por Mattoso Câmara Jr. Por falta de maior desenvolvimento por parte do l in­ güista brasileiro, esse argumento não tem merecido a atenção que se lhe deve. Escre­ veu ele desde Fonêmica: (...) como já observou Jakobson, o postulado de vo­ gais nasais só se impõem numa língua em que haja contraste distintivo [oposição fo­ nológica] entre vogal nasal e vogal mais consoante nasal. É o que acontece, por exemplo, em francês, onde temos — /bõ/ (masc. bon) - /bon/ (fem. bonne) (16, p. 69, Cf. também 17, p. 31 e 15, p. 49). Morais Barbosa também se valeu desse argumento de Mattoso Câmara Jr. (mas omite seu autor), sem, contudo aprofundar a discussão, como o fez em relação aos outros (Cf. 3, p. 97-98). B.F. Head o cita, mas afirma que ( . . . ) por si só ele é insuficiente para garantir a postu- * Ele procurou, com isso, contestar a in te rp re tação , segundo a qual y'e w s â o fonemas consonanticos. É óbv io que a afirma­ ção de que sâo variantes de / i / e / u / nao decorre de um raciocinio t âo simplista como se poderia inferir da expos ição simpli­ ficada neste artigo. ' * Entre esses argumentos, citou alguns d iacrônicos , por exemplo, a evolução de palavras como Sa > uma; nlo > mnhcr, ou a aglu t inação de nem + um > nenhum. Posteriormente, abandonou-os para ater-se, exclusivamente, à sincronia. Entretan­ to, para melhor compreensão de seu raciocínio , parece-nos que teria sido conveniente tê-los mantido. 109 FONSECA, O. — Vogais nasais do por tuguês: pressupostos e discussão. Alfa, São Paulo, 28:101-111, 1984. lação de vogais nasais como fonemas dis­ tintos ou do fonema de nasalidade (7, p. 69), embora o utilize também, na discus­ são da variante portuguesa que analisou (Cf. 7, p. 94-95). Aí, ele considera que oposições como vi-vim-vime, citada por Lüdtke, em relação a Portugal, estão bem próximas dos fatos observados na língua francesa — beau-bon-bonneetc. — o que funcionaria como argumento para postu­ lar status de fonemas distintos para as vo­ gais nasais do português. A fim de dar maior nitidez ao argu­ mento de Mattoso Câmara Jr., procure­ mos examinar mais detidamente como os fatos se apresentam em francês, em vista dos quais cabe a postulação de vogais na­ sais como fonemas distintos nessa lingua. Comecemos por citar mais exemplos em francês, que ilustram a oposição t r i - partite — vogal oral -vogal nasal -vogal + consoante nasal: gars ("rapaz") /ga/ - gant (" luva") / g ã / ~ gamme ("gama") /gam/; paix ("paz") /pe/ ~ pain ( " p ã o " ) / p ê / - peine ("pena, dificuldade") /pen/; .w/r ("sabe") /%d-sain (adj. " s ã o " ) / s ê / - saine ou Seine (adj. " s ã " ou "Sena")s £ n/; faux ("falso") / f o / - fond (subst. "fundo") /fõ/ - faune ("fauno") / f o n / ; etc. O que queremos ressaltar, com esses exemplos, não são apenas essas oposições, mas a sua conseqüência na língua: a oposição vogal nasal -vogal mais consoante nasal é que permitiu ao francês o estabelecimento de pares mínimos do tipo amener ("trazer, conduzindo") /amne/ -emmener ("levar, conduzindo") / ã m e n e / ; anoblir ("enobrecer, atribuindo um título de nobreza") /anoblir/ ~ ennoblir ("enobrecer, no sentido mo­ ral") / ãnob l iR /e t c . Em seus últimos trabalhos, Mat­ toso Câmara Jr. esboçou um desen­ volvimento de sua argumentação ini­ cial, ao afirmar que (. . .) em portu­ guês, não há vogal nasal em hiato (17, p. 32) ou, mais explicitamente: assim, não haver vogal "nasal" em hiato, dentro de um vocábulo, equivale a di­ zer que o arquifonema nasal, se subsiste [ele citara exemplos em que se dá o seu desaparecimento], se com­ porta como qualquer consoante nasal intervocálica: pertence à sílaba se­ guinte: um fu-ma e não um-a, como a-sa, a-ço, a-la, a-ra etc.) (15, p. 49- 50). Acrescentemos o seguinte exem­ plo: a palavra mae/ma'N/, quando usada como vocativo pelas crianças brasileiras, resulta em manhê, numa confirmação da assertiva de Mattoso Câmara Jr. Vejamos exemplos que esclare­ cem essa observação. Em francês, ao contrário do português, ocorre, den­ tro de uma palavra, vogal nasal em hiato: enhardir ("tornar ousado, ou­ sar") / ã a r d i R / , enharnacher ("arreiar um animal") / ã a r n a j e/ etc. Tais fatos comprovam que: a) é importante a afirmação de Ja- kobson a respeito do postulado de vogais nasais utilizada como argu­ mento por Mattoso Câmara Jr. para negar a estas, em português, condição de fonemas distintos; b) a língua portuguesa não preenche esse requisito básico; portanto, não possui vogais nasais como fo­ nemas distintos, tal como o fran­ cês; nem a variante brasileira nem a portuguesa, onde Head vê es­ treito paralelismo com as vogais do francês. A semelhança, porém, como deixou claro Lüdtke, é ape­ nas incipiente e fica na dependên­ cia de uma possível evolução do sistema português nesse sentido (Cf. 14, p. 212-213); . c) esse argumento pouco explorado pelo lingüista brasileiro mostra-se como de grande valia para a sus­ tentação de seu ponto de vista. 110 FONSECA, O. — Vogais nasais do por tuguês: presupostos e discussão. Alfa , São Paulo, 2«: 101-111, 1984. FONSECA, O. — Les voyelles nasales du portugais: préssupposés et discussion. Alfa , Sào Paulo, 28: 101-111,1984. RÉSUMÉ: Dans cet article on cherche à écarter de la discussion concernant les voyelles nasales du portugais des idées et des arguments qui ne l'ont que troublée. Ensuite, on résume les trois interpréta­ tions que leur ont données les phonologues, en se détenant sur celle de Mattoso Câtnara Jr., à laquelle on ajoute des exemples qui renforcent le point de vue du linguiste brésilien. UNITERMES: Voyelles nasales; arguments inacceptables; interprétations phonologiques; point de vue de Câmara Jr.; exemples de renforcement. REFERENCIAS B I B L I O G R Á F I C A S 1. A R A G Ã O , M . do S. S. de — Análise fonético- fonológica do falar paraibano. J o ã o Pessoa, Universitária — UFPB, 1977. 2. BACK, E. — São fonemas as vogais nasais do por tuguês? Construtura, 4:291-117, 1973. 3. BARBOSA, J . M . — Etudes dephonologie por* tugaise. Lisboa, Junta de Investigações do Ultramar, 1965. 4. BARBOSA, J . M . — Les voyelles nasales potu- gaises: interpretation phonologigue. In: I N T E R N A T I O N A L CONGRESS OF PHO­ NETICS SCIENCES, 4, Helsinque, 1961. Proceedings. Haia, Mouton, 1962. p. 691- 709. 5. FONSECA, O. — Vocalizou-se o / posvocálico em português? Revista de Letras, 19:163-174, 1977. 6. H A L L , R.A. — The unit phonemes of brazilian Portuguese. Studies in Linguistics. I I15): 1 -6, 1943. 7. H E A D , B. 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