1 Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Centro de Aquicultura da Unesp Campus de Jaboticabal Redução prolongada de estímulos modula respostas neofóbicas em peixes Patricia Tatemoto Orientador: Drº. Gilson Luiz Volpato Mestrado - Jaboticabal, 2014 - 2 Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Centro de Aquicultura da Unesp Campus de Jaboticabal Redução prolongada de estímulos modula respostas neofóbicas em peixes Patricia Tatemoto Orientador: Drº. Gilson Luiz Volpato - Jaboticabal, 2014 - Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Aquicultura do Centro de Aquicultura da Unesp – CAUNESP, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre. 3 Dedico essa dissertação a todos os animais, seres encantadores que inspiram e motivam minha vida desde a infância. Sobretudo àqueles que são explorados e subjulgados; que possuem seus direitos ceifados; que nascem apenas para nosso uso; que são alvos de nossos distorcidos conceitos e da nossa carência de discernimento sobre respeito e compaixão em relação a outras vidas. 4 Agradecimentos Ao meu orientador, no qual possuo imensa admiração pelo professor, cientista, idealizador e, sobretudo, pela pessoa que é. Agradeço todos os momentos compartilhados e à constante oportunidade de aprender mesmo de forma informal. Agradeço também por ser um excelente norteador e um grande impulso para minha vida profissional. Ao Prof. Katsumasa Hoshino, que tanto me apoiou e ensinou, por ser o suporte que precisei em tantos momentos, por me inspirar e também pelos momentos de descontração. Grande mestre, amigo e conselheiro que jamais esquecerei. Aos meus pais, pelo exemplo de garra e resiliência, por me ensinarem valores essenciais para construção de caráter, por me apoiarem, por sempre terem feito por mim além do possível. Aos meus irmãos Fernando e Paula, por serem meus grandes amigos. Obrigada por todo apoio, companheirismo, amizade, respeito. Aprendo muito com vocês e me orgulho imensamente das pessoas que são. Ao meu namorado Julio, pela amizade, companheirismo e apoio ímpar. Obrigada por seu discernimento e clareza que sempre me guiam, pela paciência, compreensão e por estar sempre comigo. Aos cunhados Camila, Enzo e Ivi, pelos laços de amizade que construímos, por fazerem parte da minha vida e pelos momentos que compartilhamos. Aos meus tios Marilice e Pedro e à minha bachan, por me apoiarem infinitamente, por demonstrarem o orgulho que nutrem por mim em cada conquista, por estarem sempre tão presentes apesar da distância. À Jéssica, minha amiga que tanto me ensina, aconselha e ilumina. Obrigada por me fazer ver a vida de forma mais simples, por me ouvir, por ser minha conselheira, minha irmã de coração. Às amigas de república, Ana, Clarissa e Ivi, pela parceria, amizade, risadas e apoio. Obrigada por serem como uma família, ainda que tão peculiar. Essa jornada foi mais divertida por vocês estarem presentes - impossível esquecer vocês. Aos amigos de laboratório, Graziela, Fernanda, Mônica, Caroline e Bruno. Obrigada por todas as conversas, risadas e momentos que passamos juntos, foi maravilhoso conviver e aprender com cada um. Obrigada por fazerem parte dessa etapa e por se eternizarem em minha vida. 5 “Se eu vi mais longe, foi por estar sobre ombros de gigantes.” Isaac Newton http://pensador.uol.com.br/autor/isaac_newton/ 6 Sumário Resumo..................................................................................................................................1 Introdução.............................................................................................................................2 Material e Métodos................................................................................................................4 Resultados..............................................................................................................................7 Discussão..............................................................................................................................12 Referências...........................................................................................................................22 7 RESUMO Ambientes artificiais podem favorecer redução de estímulos. Esta redução produz um quadro de monotonia nos animais, visto que são organismos que evoluíram adaptativamente à imprevisibilidade do ambiente. Avaliamos, então, os efeitos da redução prolongada de estímulos em adultos de tilápia-do-Nilo (Oreochromis niloticus, L.). Para tanto, investigamos esses efeitos na atividade neofóbica de peixes individualmente mantidos em ambiente com redução de estímulos em três tempos de isolamento. Ao final desses intervalos, inserimos um objeto novo na extremidade oposta à que o peixe estava e, em seguida, avaliamos: tempo em freezing, latência para se aproximar do objeto, tempo de aproximação, tempo de inspeção do objeto e tempo total e frequência de eriçamento da nadadeira dorsal. Houve variação do efeito da redução de estímulos em função do tempo: inicialmente, a redução de estímulos promove diminuição da neofobia na tilápia-do-Nilo e, posteriormente, aumenta. A ausência de neofobia em peixes mantidos em ambiente enriquecido permitiu mostrar que ela é gerada pela redução de estímulos, evidenciando a relevância de ambientes mais complexos nas respostas de peixes isolados socialmente. Mais ainda, como a falta de complexidade ambiental pode ser danosa, devemos nos atentar às formas de manejo e manutenção desses animais. Palavras-chave: monotonia, neofobia, ambiente artificial, isolamento social. 8 INTRODUÇÃO Em ambientes artificiais, os animais são frequentemente confrontados com condições não presenciadas em seus ambientes naturais, ou mesmo com condições já vivenciadas, mas agora num contexto muito diferente (por exemplo, interações sociais muito intensas e frequentes devido à alta densidade de estocagem). Em geral, animais em cativeiro precisam lidar com variáveis que podem ser estressantes dependendo da intensidade e horário, como luz, som, odores e temperatura às quais são expostos (Morgan & Tromborg, 2007). Os potenciais estressores referidos acima compartilham a inabilidade do animal para controlá- los (possibilidade de escolher ou mudar a situação). E a percepção dessa inabilidade é, possivelmente, o maior estressor na vida desses animais (Morgan & Tromborg, 2007). Além dessas variáveis, a redução de estímulos ou invariabilidade do ambiente tem sido considerada como forte estressor para animais em cativeiro (Morgan & Tromborg, 2007; van Rooijen, 1991). Um desafio para o animal que lida com ambientes com redução de estímulos pode decorrer da diferença em relação ao ambiente natural, que é o contexto evolutivo de sua espécie. No ambiente natural, os animais são, até certo ponto, adaptados à imprevisibilidade (van Rooijen, 1991), pois novidade, imprevisibilidade e variabilidade são comuns nesse contexto (Morgan & Tromborg, 2007). Estímulos imprevisíveis (positivos, neutros e até negativos) diminuem o tédio dos animais (Morgan & Tromborg, 2007), de forma que podemos esperar que situações de monotonia que levem a estados de tédio não sejam naturais e impactem negativamente no organismo. Além disso, a monotonia impacta a plasticidade e o desenvolvimento neural (van Praag et al., 1999; Jacobs et al., 2000). Na criação de peixes em ambientes artificiais é comum a alta previsibilidade trazida pela pouca variação nas estimulações. Mesmo peixes criados em grandes agrupamentos podem ter um ambiente monótono devido ao pequeno espaço, agravado pelo número de peixes. Esses efeitos do cativeiro são tão pronunciados que simples mudanças nas técnicas tradicionais de manejo apresentam efeito positivo na sobrevivência dos peixes criados para reintrodução e reabilitação de estoques naturais (Braithwaite & Salvanes, 2005). Peixes mantidos em cativeiro precisam de oportunidades para experienciar algum grau de variabilidade ambiental e, assim, promover flexibilidade comportamental (Braithwaite & Salvanes, 2005). Evidências também indicam que peixes criados artificialmente podem ter cérebros menores e baixas habilidades cognitivas, comparados aos de vida livre (Kihslinger & Nevit, 2006). Na truta arco-íris, animais selvagens responderam de forma satisfatória ao estresse, com aumento na taxa de cortisol seguido por rápida recuperação; 9 enquanto que animais de criação responderam de forma inesperada, com aumento mais lento de cortisol e um pico muito tempo após o estresse (Zuberi et al., 2011). Os efeitos da domesticação, ou mesmo da criação artificial, podem ainda ser danosos aos animais por meio da privação sensorial que impõem. Nesse sentido, os animais podem atingir estados de tédio (Morgan & Tromborg, 2007), que podem comprometer sua saúde e estabilidade. No entanto, ainda carecemos muito de informações mais precisas sobre o que ocorre com esses animais em condições de baixa estimulação e excessiva estabilidade ambiental. O sistema nervoso é um sistema plástico, em que mudanças são esperadas e condizentes com situações naturais. A estabilidade, como vimos acima, é o elemento artificial do sistema. Como esses animais reagiriam a essas situações? Poderíamos explicar variações comportamentais de alguns animais em termos de baixa variação de estímulos do cativeiro. Essas questões nos levaram a buscar entender experimentalmente os efeitos da redução prolongada de estímulos na tilápia-do-Nilo (Oreochromis niloticus). Assim, avaliamos esses efeitos na atividade neofóbica desses peixes em ambientes com redução de estímulos. A atividade neofóbica foi escolhida porque imaginamos que a estimulação reduzida poderia produzir estados de menor atividade cerebral, gerando impactos no peixe quando lhe fosse oferecido um objeto novo no ambiente. No entanto, por este estudo vimos que, a redução de estímulos inicialmente aumenta a neofilia de peixes e, posteriormente (de forma prolongada), gera neofobia. Confirmando esse efeito, peixes isolados socialmente, mas em ambientes com itens de enriquecimento, não apresentaram tais respostas. 10 MATERIAL E MÉTODOS 1 - Peixes e condições de manutenção Utilizamos juvenis de tilápia-do-Nilo, Oreochromis niloticus (Linnaeus, 1758), mantidos em sistema de monocultivo por cerca de 30 dias antes do início dos experimentos. Nesse período, os peixes ficaram em tanques com filtros biológicos de ~ 1000 L, densidade máxima de 1 peixe/5 L, com aeração constante, temperatura entre 24 e 26º C, pH em torno de 7, amônia < 0,04 ppm e fotofase das 06:00 h às 18:00 h, sendo alimentados diariamente (3 % da biomassa) com ração extrusada para peixes tropicais (36 % PB). 2 - Delineamento A estratégia básica do estudo foi variar o tempo de permanência em ambiente com redução de estímulos e medir comportamentos neofílicos/neofóbicos (teste do objeto novo - Wilson, et al., 1994; Burns, 2008; Galhardo et al., 2012). Para isso, realizamos dois experimentos. No primeiro, os peixes foram mantidos isolados em aquários sem estimulação por 1, 4 ou 7 semanas e os testes de neofilia/neofobia realizados ao final desses períodos. O segundo experimento consistiu em observar as mesmas variáveis resposta em 4 e 7 semanas de isolamento (baseado nos resultados do experimento anterior) em ambiente enriquecido com itens (substrato e objetos) com os quais os peixes podiam interagir. Esse experimento foi contraposto com peixes isolados sem os itens de enriquecimento. Para avaliar o quanto os estímulos foram efetivos (produziram estimulação), registramos ao longo das semanas se havia ou não escavação, elaboramos um score de escavação (cada dia com escavação contou 1 ponto) e fotografamos cada aquário para analisar a interação com o substrato e demais itens. Nessas análises de interação com o enriquecimento, registramos se o substrato estava diferente em relação ao dia anterior e elaboramos um score (frequência de interação): quando havia alteração na disposição dos itens de enriquecimento, contávamos 1 ponto e isso foi quantificado nas 20 fotografias de todos os aquários. Aplicamos o teste do objeto novo sempre no período da manhã, para evitar possíveis efeitos do ritmo circadiano. Em cada tratamento utilizamos 14 peixes, no entanto, no tratamento com 4 semanas de isolamento do experimento 1, dois peixes morreram. A fim de controlar o tamanho dos peixes entre os experimentos, realizamos a biometria dos animais antes do isolamento nos aquários. O comprimento padrão foi similar entre os tratamentos nos dois experimentos (Anova; F = 0,14; p = 0,96): experimento sem estimulação – 8,7 ± 0,2 cm (1 semana), 8,6 ± 0,4 cm (4 11 semanas), 8,7 ± 0,3 cm (7 semanas) e experimento com estimulação - 8,7 ± 0,4 cm (4 semanas), 8,7 ± 0,4 cm (7 semanas). 3 - Procedimentos específicos O teste do objeto novo foi aplicado ao final dos períodos de isolamento (1, 4 ou 7 semanas), que consiste em inserir um objeto (cilindro de PVC, 7,5 cm de comprimento; Ø = 5 cm; revestido com papel contact vermelho - Fig. 1) na extremidade oposta à que o peixe está. Filmamos os comportamentos dos peixes por 5 min. Das filmagens, quantificamos o tempo para ultrapassar a linha que delimitava o objeto (latência), tempo em imobilização (freezing), tempo em que o peixe ficou próximo ao objeto (aproximação - tempo em que o peixe estava com alguma parte do corpo dentro da região em que estava o objeto), tempo próximo com a cabeça voltada para o objeto (inspeção), frequência e tempo total de eriçamento da nadadeira dorsal. Consideramos a latência e o freezing como parte da tomada de decisão e a inspeção e aproximação, como parte dos comportamentos de exploração do objeto. Nas análises de eriçamento da nadadeira dorsal consideramos apenas quando a nadadeira estava totalmente eriçada, tanto para o tempo total quanto para a frequência de eriçamento. Para acessar quão aclimatados os peixes estavam, medimos semanalmente a latência para ingestão, totalizando 7 registros para cada peixe. Sem estimulação A BCom estimulação Figura 1. Condição teste nos experimentos sem e com estimulação (teste do objeto novo). Isolamos os peixes em aquários de vidro (40 x 22,5 cm de base e 25 cm de altura). Dividimos a parede frontal do aquário por linhas externas verticais em 4 regiões de 10 cm cada. (A) Aquário com redução de estímulos (B) Aquário enriquecido com substrato (cascalho comercial de rio para aquarismo; granulometria aproximadamente 0,5 cm; 2 kg por aquário). Cada aquário continha 3 bolas de vidro (cor verde-clara; Ø = 1,5 cm) e 3 peças coloridas (tubo de PVC de 2,5 cm de comprimento, revestido nas cores azul, branco e amarelo). 12 4 – Análise dos Dados Testamos a normalidade pelo teste de Komogorov-Smirnov; e homocedasticidade pelo teste de Levene’s. Os testes utilizados para análise estão especificados nas respectivas figuras e o nível crítico adotado foi p < 0,05. Os dados da variável freezing analisados no experimento 1 foram balanceados (retirados por sorteio pois faltavam duas réplicas) e para respeitar a normalidade transformamos com √(x + 0,5). Parecer ético Todos os procedimentos foram feitos de acordo com os princípios éticos adotados pelo Colégio Brasileiro de Experimentação Animal - COBEA. Ambos os experimentos foram aprovados pelo Comitê de Ética para Experimentação Animal do Instituto de Biociências de Botucatu-SP, protocolo número 543. 13 RESULTADOS No primeiro experimento, os peixes isolados por 4 semanas exploraram o objeto mais rápido que os peixes com 7 semanas de isolamento e despenderam menos tempo em freezing que os demais tratamentos. Além disso, peixes com 7 semanas de isolamento permaneceram mais tempo com a nadadeira dorsal eriçada. Não houve diferença no tempo de inspeção (Anova, F = 1,68; p = 0,19) e aproximação ao objeto novo (Anova, F = 1,76; p = 0,18) entre os tratamentos (Fig. 2). 0 100 200 300 400 Freezing Latência Inspeção Aproximação Eriçamento da nadadeira dorsal (tempo) T em p o ( s) 1 semana 4 semanas 7 semanas Tomada de decisão Exploração do objeto * * * Figura 2. Reação ao objeto novo em função do tempo de redução de estímulos. Valores médios (± dp) de 14 indivíduos independentes em cada tratamento. * indica diferença entre os tratamentos dentro da mesma variável (freezing: Anova; F = 5,16, p = 0,01 - latência: Anova; F= 2,75, p = 0,04 - eriçamento: Anova; F = 5,05, p = 0,01). A barra horizontal indica diferença apenas entre 4 e 7 semanas. 14 No segundo experimento, vimos que o enriquecimento ambiental contrapôs o efeito da redução prolongada de estímulos, pois não houve diferença no tempo em freezing e latência para aproximação do objeto (Fig. 3). 0 100 200 300 400 Freezing Latência Inspeção Aproximação Eriçamento da nadadeira dorsal (tempo) T em p o ( s) 4 semanas 7 semanas Tomada de decisão Exploração do objeto Figura 3. Reação ao objeto novo de peixes mantidos em ambientes com estímulos. Valores médios (± sd) de 14 réplicas independentes em cada tratamento (4 e 7 semanas de isolamento em ambiente enriquecido). Não houve diferença nas respostas comportamentais entre os tempos de isolamento (tomada de decisão e exploração: teste t independente, p > 0,05 - eriçamento da nadadeira dorsal: Mann-Whitney, p > 0,05). 15 A porcentagem de peixes que realizou inspeção do objeto foi menor em peixes com 7 semanas de isolamento mantidos em ambiente com redução de estímulos (Fig. 4A). Não houve diferença na inspeção e aproximação entre os tratamentos do experimento com estimulação (Fig. 4B). 0 20 40 60 80 100 1 semana 4 semanas 7 semanas % p ei x es Tempo de Isolamento Experimento sem estimulação Inspeção Aproximação * 0 20 40 60 80 100 4 semanas 7 semanas % p ei x es Tempo de Isolamento Experimento com estimulação Inspeção Aproximação Figura 4. Exploração do objeto novo em experimentos sem e com estimulação ambiental. * indica diferença entre a proporção de peixes que inspecionou o objeto nos tratamentos do experimento sem estimulação (teste de Goodman, Gcalc = 3,35; Gcrítico = 2,39). Detectamos correlação positiva apenas entre a latência para explorar o objeto novo e frequência de escavação nos peixes mantidos em ambiente com estimulação (Fig. 5). No entanto, não houve correlação entre as variáveis analisadas no teste do objeto novo e a frequência de interação com os itens de enriquecimento (Fig. 6). A frequência de eriçamento da nadadeira dorsal também não diferiu entre os tratamentos, tanto em peixes mantidos em ambiente sem estimulação [média ± desvio padrão - 1 semana: 0,8 ± 1,5; 4 semanas: 2,0 ± 3,0; 7 semanas: 1,7 ± 2,0 (Anova; F = 0,95, p = 0,39)], quanto em peixes mantidos em ambientes com estimulação [média ± desvio padrão - 4 semanas: 4,0 ± 8,7; 7 semanas: 3,5 ± 4,4 (teste t independente; F = 2,85; p = 0,10). Além disso, não houve diferença na latência para ingestão entre os tratamentos dos dois experimentos (Anova; F = 0,76; p = 0,80). 16 0 200 400 0 10 20 T e m p o ( s) Escavação (frequência) Freezing R = 0,45 p = 0,07 B 0 10 20 30 40 50 0 10 20 T e m p o ( s) Escavação (frequência) Inspeção R = - 0,35 p = 0,18 C 0 200 400 0 10 20 T e m p o ( s) Escavação (frequência) Aproximação R = - 0,14 p = 0,60 D 0 200 400 0 10 20 T e m p o ( s) Escavação (frequência) Latência R = 0,52 p = 0,03 A 0 200 400 0 10 20 T e m p o ( s) Escavação (frequência) Eriçamento da nadadeira dorsal (tempo) R = - 0,28 p = 0,28 E 0 10 20 30 40 50 0 10 20 T e m p o ( s) Escavação (frequência) Eriçamento da nadadeira dorsal (frequência) R = - 0,28 p = 0,28 F R = - 0,28 p = 0,28 F Figura 5. Correlação entre as variáveis analisadas no teste de objeto novo e escavação na tilápia-do-Nilo. N = 28 (peixes de 4 e 7 semanas de isolamento) em ambiente enriquecido (Spearman p > 0,05 para inspeção e eriçamento da nadadeira dorsal (tempo) e Pearson p > 0,05 para as demais variáveis). 17 0 200 400 0 10 20 T e m p o ( s) Interação com itens de enriquecimento (frequência) Freezing B 0 10 20 30 40 50 0 10 20 T e m p o ( s) Interação com itens de enriquecimento (frequência) Inspeção C 0 200 400 0 10 20 T e m p o ( s) Interação com itens de enriquecimento (frequência) Aproximação D 0 200 400 0 10 20 T e m p o ( s) Interação com intens de enriquecimento (frequência) Latência A 0 200 400 0 10 20 T e m p o ( s) Interação com itens de enriquecimento (frequência) Eriçamento da nadadeira dorsal (tempo) E 0 10 20 30 40 50 0 10 20 T e m p o ( s) Interação com itens de enriquecimento (frequência) Eriçamento da nadadeira dorsal (frequência) F Figura 6. Correlação entre as variáveis analisadas no teste do objeto novo e a frequência de interação com os itens de enriquecimento na tilápia-do-Nilo. N = 28 (peixes de 4 e 7 semanas de isolamento) em ambiente enriquecido (Spearman, p > 0,05). 18 DISCUSSÃO Aqui mostramos que a redução de estímulos diminui e, posteriormente, aumenta a neofobia na tilápia-do-Nilo. Essas respostas são abolidas quando os peixes estão em ambiente enriquecido, corroborando que a resposta neofóbica se deve à redução prolongada de estímulos e não necessariamente ao isolamento social. Os efeitos da redução de estímulos parecem decorrentes do efeito da privação sensorial no sistema nervoso desses animais, levando a uma reação inicial do sistema nervoso em busca de estimulação e, posteriormente, à conformação ou depressão pela redução de estímulos mais prolongada. Com 4 semanas de redução de estímulos vimos que o comportamento dos peixes é mais neofílico, provavelmente devido a um mecanismo de defesa cerebral reagindo à necessidade de estímulos. Já em 7 semanas com redução de estímulos (menos provável no ambiente natural), o mecanismo de defesa cerebral se torna antagônico, devido a uma depressão e provável evolução para uma deterioração maior. Esses intervalos de tempo de redução de estímulos são artificiais para o sistema nervoso, que por sua vez não está preparado para tais situações. Tal resposta ocorre porque o ambiente que o peixe experiencia fornece estímulos que formam e influenciam a plasticidade cerebral, cognição e fenótipo comportamental (Ebbeson & Braithwaite, 2012). O efeito mais prolongado se deve, possivelmente, à eliminação de situações que estimulam a neogênese e formação de novas sinapses. Esse efeito ocorre devido à plasticidade ser altamente dependente da atividade – perder e ganhar conexões são dependentes do uso (Cline, 2001; Ito et al., 2007). Além disso, a constatação de duas manifestações decorrentes da redução de estímulos permite formular a hipótese de que existam duas fases distintas para solucionar o problema da monotonia: a primeira, de natureza comportamental que se traduz em neofilia e a segunda de natureza morfo-funcional que se expressa em neofobia. Estas respostas, embora antagônicas nas suas formas de expressão, mostram ser complementares ao menos em nível especulativo por proporcionarem ajustes de defesa à falta de estimulação. Neste estudo vimos que o maior tempo de isolamento aumentou o tempo despendido em freezing e na tomada de decisão pela exploração (latência), mas não afetou o tempo nos comportamentos exploratórios (aproximação e inspeção - Fig. 2). Além disso, embora o isolamento não tenha afetado o percentual de peixes que se aproximaram do objeto novo, ele reduziu a quantidade de peixes que inspecionaram o objeto (menor com 7 semanas de isolamento - Fig. 4A). Considerando a concatenação progressiva entre esses comportamentos (de freezing à inspeção), podemos dizer que o isolamento reduziu a tomada de decisão para explorar (Fig. 2) e a inspeção (Fig. 4), mas não a aproximação. Assim, uma vez decidido pela 19 exploração, o peixe se aproximou do objeto novo, mas com o aumento do isolamento ele não consumou a exploração por meio de inspeção. Isso mostra que as 7 semanas de isolamento reduziram tanto a decisão por explorar quanto a consumação desse comportamento, o que claramente indica que o isolamento aumentou a neofobia nesses animais. A terceira variável que diferiu dos demais tratamentos foi o tempo de eriçamento da nadadeira dorsal. Em alguns peixes, esses displays são considerados uma estratégia de defesa, pois os espinhos ficam estendidos como no caso da tilápia-do-Nilo, e podem machucar o predador. Em um contexto de agressividade por disputas territoriais o eriçamento pode ser um comportamento de intimidação por aumentar o tamanho corpóreo (Freitas & Volpato, 2008). Nesse sentido, é possível que o eriçamento frente a um objeto novo possa estar relacionado ao mecanismo de defesa, pois trata-se de algo inesperado e desconhecido. Além disso, a falta de estímulos faz com que haja hipersensibilidade e aumento na intensidade dos reflexos. O eriçamento da nadadeira é um reflexo de defesa (Freitas & Volpato, 2008), assim é possível que sua emissão esteja elevada na redução prolongada de estímulos. As reações comportamentais que usamos para estudar a neofobia foram o freezing (inibição do movimento), a latência para chegada ao objeto e a exploração do objeto. Esses três comportamentos indicam respostas neofóbicas ou neofílicas em relação à introdução de um objeto novo no ambiente. O freezing ocorreu quando os animais não estavam na região próxima ao objeto, revelando uma resposta à percepção da mudança ambiental. A latência para se aproximar indica o tempo necessário para que uma motivação de exploração supere uma motivação neofóbica. Superada essa motivação, para que ocorresse a exploração, o animal deveria primeiramente se aproximar do objeto. Assim, a exploração revela uma motivação neofílica completa, pois supera o freezing (resposta característica anti-predatória – Ibrahim & Huntingford 1989; Martel & Dill 1995), a latência de decisão para explorar e sucede à aproximação. Essa diferenciação pode nos indicar a extensão da motivação neofílica ou neofóbica. A resposta relatada acima foi corroborada no segundo experimento, quando vimos que o enriquecimento reverteu o efeito da redução prolongada de estímulos sobre a exploração a objeto novo. Esses achados condizem com o fato de papagaios mantidos em condições enriquecidas apresentarem menor latência para interação com os novos objetos em relação àqueles em ambiente pobre (Meehan & Mench, 2002). O enriquecimento de estímulos ambientais promove a possibilidade de expressão de diferentes comportamentos adaptativos, diminuição nos níveis de agressividade, rápida recuperação de eventos 20 estressantes e melhor habilidade social (Overli et al., 1998; Burns et al., 2009). O enriquecimento realizado com itens que podem ser manipulados fornece aos animais uma variedade ainda maior de experiências (Salvanes et al., 2013). Alguns estudos mostram que o enriquecimento altera de forma positiva a maneira dos animais responderem a novas situações (Strand et al., 2010), e a aclimatação dos animais é mais rápida. A ingestão pode ser um meio de avaliar o grau de aclimatação dos animais e, no entanto, em nosso estudo, não houve diferença na latência para ingestão entre os tratamentos. Por outro lado, seria plausível esperar um aumento na motivação para explorar uma novidade com 7 semanas de isolamento, devido à privação prolongada de estímulos. Respostas a novos estímulos podem ser afetadas por sistemas complexos, como medo e exploração. Esses dois sistemas são tão relacionados que é difícil determinar a importância de cada um na resposta à novidade (Meehan & Mench, 2002). Por exemplo, o enriquecimento pode resultar em um aumento na latência para aproximação de novos objetos, em que uma possível explicação é a diminuição do estado motivacional para exploração em relação a animais criados em ambientes pobres (Meehan & Mench, 2002). Assim, animais mantidos em ambientes pobres podem ter uma motivação maior para explorar uma novidade devido à falta desses estímulos que geram tédio e monotonia ambiental. Animais de ambientes enriquecidos geralmente apresentam menores durações de interação, devido à diminuição na motivação para explorar e como resultado da habituação à novidade (Zimmerman et al., 2001). A frequência de escavação no substrato foi correlacionada apenas com a latência para chegada ao objeto novo (Fig. 4). Possivelmente, indivíduos mais neofóbicos escavem mais, investindo em uma forma de se tornar menos evidentes a possíveis ameaças. Já a frequência de interação com o enriquecimento não teve correlação com nenhuma das variáveis analisadas no teste de objeto novo. O substrato foi escolhido por ser altamente relevante para os ciclídeos, devido sua interação para forrageamento e construção de ninhos. A partir disto, sugerimos mais cautela em estudos onde os indivíduos são testados em condições de redução de estímulos em diferentes intervalos de tempo, pois isso pode ser uma variável interferente nos resultados. E, embora coespecíficos representem estímulos aos animais, mostramos que a falta de estímulos é mais danosa que o isolamento social. Dessa forma, o ambiente enriquecido pode ser uma alternativa eficaz de manutenção dos peixes, pois reduz os efeitos do isolamento social em experimentos. Mais ainda, se a falta de complexidade ambiental pode ser danosa na flexibilidade e plasticidade 21 comportamental, devemos nos atentar às formas de manejo e manutenção para melhorar tais condições e logo, o bem-estar desses animais. 22 Referências Braithwaite, V. A., & Salvanes, G. V. (2005). Environmental variability in the early rearing environment generates behaviourally flexible cod: implications for rehabilitating wild populations. Proceedings of the Royal Society, 272, 1107-1113. Broom, D. M. (2010). Cognitive ability and awareness in domestic animals and decisions about obligations to animals. Applied Animal Behaviour Science, 126, 1-11. Burns, J. G. (2008). The validity of three tests of temperament in guppies (Poecilia reticulata). Journal of Comparative Psychology, 122, 344-356. Burns J. G, Saravanan A., & Rodd F. H. (2009). Rearing environment affects the brain size of guppies: lab-reared guppies have smaller brains than wild-caught guppies. Ethology 115, 122-133. 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