UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JULIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS E CIÊNCIAS EXATAS Trabalho de Conclusão de Curso Curso de Graduação em Física CALOR E TEMPERATURA: UMA REVISÃO DOS CONCEITOS NAS DIFERENTES ABORDAGENS FÍSICAS Douglas Augusto Galbiatti Prof(a).Dr(a). Alzira Cristina de Mello Stein-Barana Rio Claro (SP) 2011 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Instituto de Geociências e Ciências Exatas Câmpus de Rio Claro DOUGLAS AUGUSTO GALBIATTI CALOR E TEMPERATURA: UMA REVISÃO DOS CONCEITOS NAS DIFERENTES ABORDAGENS FÍSICAS Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas - Câmpus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, para obtenção do grau de Licenciado em Física. Rio Claro - SP 2011 Galbiatti, Douglas Augusto Calor e temperatura: uma revisão dos conceitos nas diferentes abordagens físicas / Douglas Augusto Galbiatti. - Rio Claro : [s.n.], 2011 89 f. : il., figs., gráfs., tabs., fots. Trabalho de conclusão de curso (licenciatura - Física) - Universidade Estadual Paulista, Instituto de Geociências e Ciências Exatas Orientador: Alzira Cristina de Mello Stein-Barana 1. Física – Estudo e ensino. 2. Termodinâmica. I. Título. 530.07 G148c Ficha Catalográfica elaborada pela STATI - Biblioteca da UNESP Campus de Rio Claro/SP DOUGLAS AUGUSTO GALBIATTI CALOR E TEMPERATURA: UMA REVISÃO DOS CONCEITOS NAS DIFERENTES ABORDAGENS FÍSICAS Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas - Câmpus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, para obtenção do grau de Licenciado em Física. Comissão Examinadora Prof(a). Dr(a). Alzira Cristina de Mello Stein-Barana (orientador) Prof(a). Dr(a) Deisy Piedade Munhoz Prof(a). Dr(a). Maria Antônia Ramos de Azevedo Rio Claro, 31 de outubro de 2011. Assinatura do(a) aluno(a) assinatura do(a) orientador(a) Resumo Este trabalho pesquisa e analisa formulações e conceitos de calor e temperatura apresentados nos livros didáticos. Considera relevantes essas questões, pois os estudantes em geral têm dificuldade em diferenciar e compreender tais conceitos, o que compromete sua formação. Busca mostrar que relações bem estabelecidas entre grandezas físicas como energia, pressão, calor e a temperatura, mesmo nas diferentes teorias da Física Clássica e Quântica, não são suficientes para definir temperatura ou calor. Apresenta também experimentos simples que complementam o ensino/aprendizagem destes conceitos. palavras chave: Ensino de Física; temperatura e calor; Termodinâmica. Abstract This work research and analyses the formulations and concepts of heat and temperature presented in Physics textbooks. These issues are deemed important because students often have difficulties differentiating and understanding such concepts, which compromises their education. The goal is to show that well-established relationships between Physical quantities such as energy, pressure, heat and temperature, even in different theories of Classical and Quantum Physics are not enough to define either temperature or heat. It also presents simple experiments that complement the teaching and learning of these concepts. keywords: Physics teaching; temperature and heat; Thermodynamics. Sumário 1 INTRODUÇÃO………………………………………………………………04 2 DIFICULDADES INERENTES AO ENTENDIMENTO DOS CONCEITOS DE TEMPERATURA E CALOR……………………………………………...14 2.1 Conceito de calor…………………………………………………………...14 2.2 Conceito de temperatura……………………………………………………21 3 A APRESENTAÇÃO DO CONCEITO DE TEMPERATURA E A POSSÍVEL INDUÇÃO A ERROS……………….……………........................27 3.1 Sugestão de experimentos para introduzir o conceito de temperatura por meio da observação sensorial…………………………………………..........27 3.2 As mesmas sugestões sobre outro ponto de vista…………………………29 3.3 Textos didáticos: apresentação do conceito de temperatura por meio da percepção fisiológica sensorial…………………………………………………31 3.4 Temperatura da cor: objetos irradiando em diferentes cores………………36 3.5 Temperatura e a segunda lei da termodinâmica……………………………41 3.6 Definição de temperatura do ponto de vista molecular – teoria cinética dos gases – relação entre temperatura e energia cinética média……………………50 3.7 A radiação espectral de um corpo negro e a relação com a temperatura…56 3.8 Correção quântica à equação de Clapeyron………………………………58 4 A APRESENTAÇÃO DO CONCEITO DE CALOR E A POSSÍVEL INDUÇÃO A ERROS……………………………………………………........60 4.1 Contato térmico entre corpos com diferentes temperaturas………………60 4.2 Capacidade calorífica………………………………………………………62 4.3 Calor latente………………………………………………………………64 4.4 Calor e energia interna……………………………………………………64 4.5 Calor e energia cinética molecular…………………………………………66 4.6 Conceito de entropia………………………………………………………66 5 EXPERIMENTOS SIMPLES PARA ABORDAGEM DOS CONCEITOS DE CALOR E TEMPERATURA…………………………………………………69 6 CONCLUSÃO………………………………………………………………79 REFERÊNCIAS………………………………………………………………80 6 Introdução Evolução do conceito de calor Séculos antes de Cristo os filósofos gregos já pensavam a respeito do calor considerando-o como algo muito próximo ao elemento fogo. Heráclito que viveu entre os séculos V e VI (540-480 a.C.) foi o primeiro a se manifestar sobre o tema afirmando que os três principais elementos da natureza eram fogo, terra e água. Destes três o fogo era o elemento central tendo a propriedade de modificar os outros dois. Para ele o universo estava em um estado contínuo de fluxo ou condição permanente de mudança como resultado de transformações provocadas pelo fogo. Heráclito resumiu sua filosofia como: "Todas as coisas são uma troca de fogo." Em 460 a.C Hipócrates, conhecido como o pai da medicina, postulou que calor era uma quantidade que servia para animar e que originava de um fogo interno localizado no ventrículo esquerdo. Para Platão (427 – 347 a.C) os elementos fundamentais da natureza eram ar, água, terra e fogo. Aristóteles (384 - 322 a.C.) por sua vez afirmava que o calor era um dos componentes da matéria juntamente com o frio, a secura e a umidade. Volta-se a pensar a respeito do calor somente no século XI d.C. quando Abū Rayhan Biruni pensando nas condições climáticas da Terra, regiões quentes na linha do equador e frias perto dos pólos geográficos, cita movimento e atrito como causa do calor (que produz o elemento fogo) e portanto a ausência deles como a causa do frio. No século XIII d.C. Roger Bacon um dos mais conceituados cientistas da idade média, considerava que a causa do calor era o movimento interno das partes do corpo e nesta linha de pensamento seguiram Francis Bacon, Robert Boyle, Robert Hooke e John Looke nos séculos XVI e XVII. Ainda no século XVI outra corrente considerava o calor como uma espécie de fluido, idéia defendida por Galileu Galilei e Telesius. [...] o fogo pode ser produzido por muitos meios, entre os quais o atrito e a fricção de dois corpos sólidos; e já que este atrito não pode ser produzido por corpos sutis e fluidos, afirmo que os cometas e os relâmpagos, as estrelas cadentes, e também as chamas dos cemitérios, não pegam fogo pelo atrito nem do ar, nem dos ventos, nem das exalações, pelo contrário, cada um destes incêndios é produzido na maioria das vezes nas maiores calmarias. (GALILEU, 1996, p. 214). 7 Afirmo que sou levado a acreditar que o calor seja um fenômeno que não tem existência por si mesmo, não possui outra existência a não ser em nós. Aquelas matérias que produzem e fazem perceber o calor em nós, matérias que nós chamamos com o nome geral de fogo, sejam uma multidão de pequeníssimos corpos, com determinadas figuras, movimentados com velocidade enorme. Estes pequenos corpos encontram nosso corpo e o penetram com sua maior sutileza, o contato deles, realizado na passagem através de nossa substância e percebido por nós, resulta ser aquilo que nós chamamos calor.(GALILEU, 1996, p. 222). Johann Becher no século XVII, afirma que durante a queima de um corpo há liberação de uma substância por ele denominada “terra pinguis”. No mesmo século uma teoria mais depurada desta idéia foi formulada por Georg Stahl que afirmou haver nos corpos uma substância combustível chamada por ele de “flogístico”; corpos ricos em flogístico tinham facilidade de queima enquanto a deficiência dela dificultava a queima. Observando a queima de alguns metais Stahl notou um resíduo na forma de pó, a cal. Afirma então que os metais são compostos deste pó e de flogístico e o processo inverso em que se aquece a cal fornecendo flogístico deve recompor o metal. Lavoisier no século XVIII busca através da queima controlada e confinada de diversos materiais testar a teoria de Stahl e constata que o peso de alguns permanecia constante enquanto outros aumentavam seu valor. Como pode um corpo perder substância (flogístico) e ao mesmo tempo manter e ou aumentar seu peso? Lavoisier defende a existência de um fluido imponderável que denominou matiére du feu que dependendo da sua quantidade em um corpo confere a ele o estado sólido , liquido ou gasoso. Tal matiére de feu recebe alguns anos mais tarde o nome de calórico em uma publicação do próprio Lavoisier com outros quimicos franceses. Para Lavoisier o calórico podia ser transferido de um corpo a outro, mas a sua quantidade total em um sistema nunca seria mudada. Um fato posterior viria a derrubar completamente a teoria do calórico, Benjamin Thomson (conde Rumford) inspecionando a fabricação de canhões de bronze observou que os blocos deste metal tornavam-se incandescentes durante o processo de perfuração, mas que ainda continuavam aquecendo mesmo depois que a broca perdesse o fio. Deste modo, Thomson se convenceu de que o aquecimento era gerado pelo atrito entre o bloco e a broca, atrito que existia independentemente do fato da broca estar afiada ou não. Para ter respaldo de 8 suas convicções Thomson buscou um método diferente para usar as brocas. Mergulhou na água o bloco de metal a ser perfurado, a fim de que o calor produzido pela broca passasse para esse líquido. Atrelou também uma parelha de cavalos ao eixo da broca para fazê-la girar. Depois de mais de duas horas e meia girando a broca, o movimento dos cavalos ferveu a água da mesma maneira que a broca fizera ao perfurar o bloco metálico. Como observação sobre os acontecimentos, Thomson escreveu em 1798: “Foi por acaso que me vi levado a realizar as experiências que vou relatar agora… Estando ocupado, ultimamente em supervisionar a perfuração de canhões nas oficinas do arsenal militar de Munique, chamou- me a atenção o elevado grau de aquecimento de um canhão de bronze, atingindo em tempos muito curtos, durante o processo de perfuração; bem como a temperatura ainda mais alta (acima do ponto de ebulição da água, conforme verifiquei) das aparas metálicas removidas pela perfuração. Meditando sobre os resultados dessas experiências, somos naturalmente levados á grande questão que tem sido objeto de tantas especulações filosóficas, ou seja: Que é o calor? Existe um fluido ígneo? Existe alguma coisa que possamos chamar de calórico? Vimos que uma quantidade muito grande de calor pode ser produzida pelo atrito de duas superfícies metálicas, e emitia num fluxo constante em todas as direções, sem interrupção, e sem qualquer sinal de diminuição ou exaustão… … a fonte de calor gerado por atrito nessas experiências parece ser inesgotável. É desnecessário acrescentar que algo que qualquer corpo ou sistema de corpos isolado pode continuar fornecendo sem limites, não pode ser uma substância material, e me parece extremamente difícil, senão impossível, conceber qualquer coisa capaz de ser produzida ou transmitida da forma como o calor o era nessas experiências, exceto o MOVIMENTO.” Com isso, o conde Rumford concluiu que: “… o calor não passa de um movimento vibratório que tem lugar entre as partículas de um corpo.” Thomson estabelece que o trabalho mecânico é uma fonte inesgotável de geração de calor e torna-se um precursor do futuro conceito de calor como energia. Ainda neste século, em 1756 , Jean Deluc observando a evaporação da água afirmou que neste processo algum calor estava escondido e que este calor era novamente liberado quando “a água vaporizada se decompõe”. Ele e outros cientistas da época acreditavam que a evaporação era produzida pela composição de partículas de água com partículas de fogo (a substancia que contém o calor). Com respeito ao processo de fusão pensava-se que a matéria liquida era produzida por um 9 pequeno acréscimo na quantidade de calor que o corpo já continha quando era aquecido até seu ponto de fusão, ou seja, o corpo sólido quando muda para liquido não recebe maior quantidade de calor dentro dele do que aquilo que é medido pela elevação da sua temperatura. Joseph Black considerou que o calor ou matéria de calor que entra em um bloco de gelo somente produz a fusão deste, sem aumentar seu calor sensível: ele é absorvido pela água sólida e fica escondido na água liquefeita para não ser percebido por um termômetro, assim deu-lhe o nome de calor latente. O pensamento de Deluc e Black eram muito parecidos e Deluc ao tomar conhecimento do termo calor latente felicitou Black pela escolha. Estes dois cientistas se preocuparam com esta quantidade de calor escondida nos processos de fusão e vaporização da água e não no problema se o calor era matéria ou não. Em 1780, um trabalho de JH de Magellan, publicado em Londres mas escrito em francês, apresentava a primeira tabela de calores específicos e o primeiro uso deste termo. Neste artigo Magellan atribuiu a tabela a Richard Kirwan, mas em nenhuma das suas obras publicadas Kirwan se refere a ela, de modo que as circunstâncias de sua elaboração não estão bem esclarecidas. Algumas correspondências trocadas entre Kirwan e James Watt sugerem que havia uma associação entre ele e Magellan, assim como revelam sua preocupação com as teorias sobre o calor. Joseph Black era assistente de Watt e alguns textos atribuem a Black a descoberta e afirmação de que diferentes substâncias têm diferentes calores específicos. Jean B. Fourier em 1822 publica a Théorie analytique de la chaleur com um enfoque diferente daquele que prevalecia até então. Fourier não faz qualquer consideração sobre a natureza física, apenas um estudo do calor baseado na mecânica racional e nas equações diferenciais que descrevem a transmissão de calor sem qualquer hipótese física. Tem-se então uma teoria de difusão do calor e uma equação da continuidade tratando do fluxo de calor e o gradiente de temperatura. Ainda no século XIX, uma vez aceita a idéia de calor como uma forma de movimento inicia-se a busca por um equivalente mecânico de calor. A primeira proposta foi de Nicolas Carnot seguida de duas outras da parte de Carl Friedrich Mohr e Julius Robert Mayer, cada um a seu tempo e independentemente do outro. Mayer em particular dedicou-se á pesquisa de gerar calor mecanicamente e encontrar J, o equivalente mecânico de calor. Detaca-se o trabalho no qual ele calcula a “quantidade de força” de uma massa que cai de uma altura de 365m e compara com a quantidade de calor necessária para elevar de zero a um grau Celsius uma mesma massa de água. Ele determina então o valor de J como 3,65 joules/caloria. Simultaneamente Joule realiza outro experimento para determinar J comparando o calor produzido pela corrente elétrica gerada por indução eletromagnética e o 10 excesso de “força” gasta pela maquina que produzia a corrente. O valor de J mais próximo do atualmente conhecido, foi determinado por Henry Rolwland no mesmo século e era 4,188 joules/caloria. Helmholtz também trabalhou nesta linha de pensamento e juntamente com Mayer e Joule é considerado descobridor da primeira lei da Termodinâmica que fala sobre a conservação de energia, ou seja, “a energia pode ser convertida de uma forma para outra, porém não pode ser criada ou destruída”. Em 1859, ainda sob o efeito da idéia de que calor é movimento, Clausius introduz o conceito de livre caminho médio abrindo as portas para a criação da teoria cinética e da mecânica estatística por Maxwell, Boltzmann e Gibbs e deste modo surgindo a interpretação microscópica da natureza do calor que será posteriormente corrigida com o advento da física quântica e sua afirmação quanto á existência de movimento molecular mesmo no zero absoluto. Evolução do conceito de temperatura Os conceitos de calor e temperatura foram desenvolvidos paralelamente: inicialmente por meio de leis empíricas e de natureza fenomenológica da termodinâmica clássica e depois pelos modelos microscópicos da física estatística. Como o pensamento clássico é fundamentado no estudo de grandezas macroscópicas, o conceito de temperatura dele oriundo trata esta grandeza como um parâmetro físico descritivo de um sistema e que está associado às sensações subjetivas de frio e quente. A sensação fisiológica de quentura ou frieza, conhecida e usada pelo homem desde o descobrimento do fogo para qualificar as manifestações térmicas de um corpo, foi colocada em xeque por John Locke em 1690. Ele tinha como objetivo mostrar que o uso do sentido do tato leva a uma constatação errada da temperatura de um corpo. Para tanto sugere que se mergulhe uma das mãos em água quente e a outra em água fria, depois se mergulha as duas mãos em água morna sendo que esta lhe parecerá mais fria para a primeira mão e mais quente para a outra. Locke argumenta então que as propriedades sensoriais de quente e frio não são propriedades objetivas dos corpos, do contrário, a água morna deveria estar quente e fria ao mesmo tempo. O conceito de equilíbrio térmico juntamente com a lei zero da Termodinâmica leva à afirmação de que deve existir uma grandeza intensiva – a temperatura – que está relacionada 11 com o calor e que pode ser indicada pela variação de certas propriedades termométricas da substância. Temperatura não é uma medida de calor mas a diferença de temperatura entre corpos ou sistemas propicia a transferência de energia térmica na forma de calor. A lei zero da termodinâmica foi estabelecida como tal em 1909 por Constantin Carathéodoty e afirma que “dois sistemas postos em contato térmico alcançam um estado de equilíbrio térmico” e “se cada um deles em separado estiver em equilíbrio térmico com um terceiro corpo, os dois estarão em equilíbrio entre si.” Os instrumentos que quantificam a temperatura sem subjetividade são chamados termômetros e também se fundamentam na lei zero da termodinâmica. Os primeiros destes instrumentos foram inventados no século XVI por Galileu Galilei, mas eram na verdade um termoscópio, pois não possuíam escala para quantificar a temperatura e seu funcionamento baseava-se o fato de que os gases se expandem com a absorção de energia ou aumento de temperatura. No século XVII, o grão duque Ferdinando II de Toscana, apresenta um termômetro com haste, selado e que continha álcool no bulbo calibrado em milhares de partes do volume. Para que se chegasse aos termômetros hoje conhecidos foi necessária a escolha de pontos fixos para as escalas termométricas e a sugestão destes pontos bem como sua escolha foi no mínimo curiosa. Dalence em 1668 trabalha com o ponto de fusão da manteiga e o de congelamento do óleo de anis, escolha pouco exitosa, pois as respectivas temperaturas de fusão não eram bem definidas e dependiam da concentração dos componentes da manteiga e do óleo. Pelo conhecimento de seus valores muito bem definidos e pela facilidade e possibilidade de reprodução, Roemer escolheu em 1700 os pontos de congelamento e ebulição (a uma pressão pré-estabelecida) da água como os pontos fixos para as escalas termométricas a serem desenvolvidas. Algumas mais conhecidas são:  escala Celsius -oficializada em 1742 por Anders Celsius esta escala tem como pontos de referência a temperatura de congelamento da água sob pressão normal (0°C) e a temperatura de ebulição da água sob pressão normal (100°C). Ela é uma escala centígrada, pois existem cem divisões no intervalo de temperatura compreendido entre 0°C e 100°C.  escala Fahrenheit - criada em 1708 por Daniel Gabriel Fahrenheit tendo como referência a temperatura de uma mistura de gelo e cloreto de amônia (0°F) e a temperatura do corpo humano (100°F). A correspondência entre essas escalas é 12 0°C=32°F 100°C=212°F Com a definição de escalas de temperatura, cientistas conjecturavam até onde a temperatura poderia descer, ou seja, até que ponto se poderia arrefecer um determinado corpo. Concentrado nesse desafio Guillaume Amontons imaginou o que aconteceria se arrefecesse uma massa de ar até que esta tivesse sua pressão igual a zero, sendo que o fez sobre um gráfico de pressão x temperatura, onde a escala de temperatura era a escala Celsius. Esta foi a primeira vez em que alguém vislumbrou a possibilidade da existência de um ponto mínimo de temperatura a que pudéssemos arrefecer algo, ponto este que foi designado “zero absoluto”, ou seja, o ponto em que a pressão de algo cai a zero e a temperatura atinge o seu limite inferior.O próprio Amontons não realizou os cálculos necessários para descobrir qual era a mínima temperatura , porém, outros mais tarde estabeleceram este valor como - 273 ºC aproximadamente, temperatura esta que recebe o nome de zero absoluto.  escala absoluta ou Kelvin - foi criada no século XIX por lorde Kelvin tendo como referência a temperatura do menor estado de agitação de qualquer molécula ( zero Kelvin) e calculada a partir da escala Celsius como: -273°C=0K 0°C=273K 100°C=373K O desenvolvimento de termômetros usando gases como substância termométrica aguçou a pesquisa sobre o comportamento dos gases e o desenvolvimento de modelos teóricos que culminaram com a abordagem cinético-molecular de temperatura. Estudos e experimentos bem sucedidos a este respeito são os trabalhos de Boyle, Mariotte Townwley e a lei geral dos gases de Charles (1787 ) publicada em 1802 por Gay-Lussac. Na abordagem cinético-molecular a temperatura é considerada como proporcional a energia cinética média das moléculas, não dependendo das propriedades específicas das substâncias. Vencido o século XVIII e uma vez que a temperatura passou a ser determinada com precisão satisfatória, 13 diferentes grandezas físicas como calor específico, calores latentes de vaporização e de fusão, condutividade térmica e outras já citadas anteriormente foram estabelecidas e ganharam significado na Física. Na metade primeira do século XIX a teoria cinética se afirma por meio das ideias de Maxwell com o calculo da distribuição das velocidades das moléculas de um gás ideal e o conceito de velocidade quadrática média. Ainda neste primeiro quarto de século, trabalhos de Carnot sobre máquinas térmicas e as relações entre calor e temperatura levaram Clausius a introduzir em 1865 o conceito de entropia e por meio dele uma nova definição de temperatura. Finalmente, uma abordagem estatística devida a Boltzmann permite considerar a temperatura em termos dos estados microscópicos possíveis para um sistema a uma dada energia. A entropia aparece então como uma contagem destes estados acessíveis. Calor, temperatura e a Revolução Industrial Na Europa do início do século XIX, pensava-se muito sobre a possibilidade de criar movimento mecânico de máquinas através da geração de calor. Buscou-se entender quanto trabalho útil poderia ser gerado a partir de uma determinada quantidade de calor. Estes estudos aconteceram porque se buscava maior eficiência no processo produtivo, visando um lucro máximo. Carnot imaginou que um motor a vapor funcionaria através da diferença de temperatura existente entre a caldeira (a temperatura elevada) e o condensador (a temperatura baixa) e que o movimento mecânico poderia ser gerado pelo fluxo de calor. Ele comparou esse fluxo de calor ao fluxo de água em um moinho d’água (onde o trabalho gerado dependia da altura da queda d’água) e com esta analogia entendeu que quanto maior fosse a diferença de temperatura entre a caldeira e o condensador de um motor a vapor, maior seria o trabalho mecânico realizado. Sadi Carnot publicou então um livro com as suas descobertas. Porém, durante seu tempo de vida este livro foi ignorado pelos cientistas, até que após a morte de Carnot, Kelvin se interessou pela sua obra. No mesmo período em que Kelvin procurava pelo livro de Carnot, o cervejeiro inglês Joule imaginava que Carnot estava errado. Por meio de um experimento 14 realizado em sua cervejaria Joule mostrou que trabalho mecânico podia gerar calor, que por sua vez, era expresso pela variação de temperatura de uma quantidade de líquido dentro da cervejeira. A partir deste experimento Joule convencionou que não era apenas o fluxo de calor dentro do motor que gerava trabalho mecânico, mas também o calor se transformava em trabalho mecânico. Com isso, este grande expoente da ciência de todos os tempos nos apresentou as várias formas de energia e como elas podem se transformar umas nas outras. Parecia então que as idéias e descobertas de Carnot e Joule se contradiziam. Porém, isso foi resolvido por Kelvin no que chamamos atualmente de leis da termodinâmica. A primeira lei da termodinâmica que foi deduzida do trabalho de Joule diz que: a energia pode ser convertida de uma forma para outra, porém não pode ser criada ou destruída. Um importante nome relacionado à primeira lei da termodinâmica é, Hermann von Helmholtz que formulou o Princípio de Conservação da Energia, mostrando que tal conservação era aplicável a todos os fenômenos até então conhecidos. Já a segunda lei proveniente do trabalho de Carnot expressa que: o calor flui naturalmente apenas em uma direção: de quente para frio. Foi através desses novos conceitos que foram criados motores mais eficientes, bem como outra criação que proporcionou tanto uma grande melhoria na qualidade de vida da população mundial quanto enormes avanços no campo da termodinâmica: o refrigerador (que utilizava o princípio do amoníaco descoberto por Faraday). O refrigerador realiza praticamente o ciclo de Carnot ao inverso, ou seja, retira calor do meio que se deseja esfriar e joga esse calor para o meio externo. A partir desta idéia surgiram outras como o ar condicionado, que viria a melhorar muito a qualidade de vida dos cidadãos. Por volta deste período também houve a invenção do primeiro protótipo de automóvel de que se têm noticia, criado pelo francês Nicolas-Joseph Cugnot que usou um motor a vapor para impulsionar o veículo, que era um fardier de três rodas. O motor a combustão interna, como conhecemos hoje , só foi inventado em 1885 . A figura abaixo é a ilustração de um automóvel com motor de combustão interna (o primeiro movido a gasolina) e três rodas, que atingia velocidade máxima de 13 km/h. 15 Posteriormente, em 1859, Clausius define uma nova função associada ao equilíbrio termodinâmico de um sistema, que passaria a ser designada “entropia”. Com a descoberta desta nova função, um novo campo foi aberto tanto para a teoria cinética dos gases quanto para a mecânica estatística de Maxwell, Boltzmann e Gibbs. Dessa forma, estava elaborada a termodinâmica clássica, a partir da qual explicamos e compreendemos muitos dos eventos ocorrentes em nosso cotidiano. Figura 1: Primeiro automóvel comercial http://invencoes.canalblog.com/ 16 Capítulo 2 Dificuldades inerentes ao entendimento dos conceitos de temperatura e calor. 2. Sobre as formas de apresentação dos conceitos e as dificuldades de entendimento geradas 2.1 Conceito de Calor Neste capítulo apresentaremos uma discussão relativa à dificuldade de assimilação destes conceitos pelos estudantes tratando inicialmente do conceito de calor. Várias pesquisas realizadas na área de Ensino de Física apontam as dificuldades da grande maioria dos estudantes em diferenciar os conceitos de calor e temperatura (NIAZ, 2006; TEIXEIRA, 1992), dificuldades estas que podem persistir mesmo após a realização de cursos superiores em Física ou áreas outras das ciências exatas. a) influência dos meios de comunicação Focando no cotidiano é fácil perceber o quanto a palavra calor é utilizada erroneamente na comunicação entre pessoas e também pelas diferentes mídias hoje existentes e assim inferir que há uma influência até mesmo inconsciente na compreensão deste conceito físico pela maioria das pessoas. Um exemplo bastante corriqueiro é a utilização deste termo nos diversos jornais, revistas, sites e telejornais do nosso país e também do exterior. Nesses programas televisivos é fácil notar que quando há a previsão de baixas temperaturas para uma determinada região, se fala que estará frio naquela região e, por conseguinte, o contrário de frio é quente. Também quando há previsão de temperaturas consideradas elevadas para a média de um determinado intervalo de tempo, se fala que estará “calor” naquela região e não que estará quente. A seguir temos alguns registros escolhidos aleatoriamente apenas para exemplificar as afirmações acima. 17 ODIÁRIO.COM  16/04/2011 às 10:38 - Atualizado em 17/04/2011 às 10:47  Sábado de calor e possibilidade de chuva  Simepar Paraná Sábado de chuvas em grande parte do Paraná. O tempo permanece instável porque a frente fria segue atuando sobre o Sul do Brasil, praticamente de forma estacionária. Isto é, o sistema frontal até apresenta deslocamento, mas bem devagar sobre os estados da região sul. Por isso, são esperadas pancadas de chuvas ao longo do dia em toda a "metade sul" do Estado. Nos demais setores faz calor, as chuvas serão mais isoladas e esperadas a partir da tarde. Terça-feira, 3 de Maio de 2011 Região Sul O sol aparece em todo o Sul do Brasil. No leste de Santa Catarina e do Paraná e na Serra Gaúcha, o céu ainda fica com muitas nuvens e chove fraco a qualquer hora do dia. As demais áreas da região terão tempo firme, com pouca nebulosidade e temperatura em elevação durante a tarde. O dia ainda amanhece frio em todos os estados, principalmente nas áreas de serra. CORREIO DO POVO.COM.BR ANO 116 Nº 52 - PORTO ALEGRE, DOMINGO, 21 DE NOVEMBRO DE 2010 Calor prossegue e voltam os temporais O sol aparece em todo o Rio Grande do Sul neste domingo, entretanto, áreas de instabilidade avançam do Paraguai por sobre Santa Catarina e trazem aumento da nebulosidade para a Metade Norte gaúcha. No decorrer da tarde para a noite há chance de pancadas isoladas de chuva, inclusive, não se descarta temporais localizados com vento e eventual queda de granizo, sobretudo próximo à divisa com o estado catarinense. Apesar da madrugada amena, durante o dia faz calor com máximas na casa dos 30ºC na maioria das localidades. http://www.jb.com.br/pais/noticias/2011/04/29/tempo-carregado-pode-provocar-temporais-entre-salvador-e-recife/ 18 O aquecimento global ■ segunda-feira 16 de janeiro de 2006 ...A Corrente do Atlântico Norte,por exemplo, provocada por diferenças entre a temperatura entre os mares. Aparentemente ela está diminuindo conforme as médias da temperatura global aumentam, isso significa que áreas como a Escandinávia e a Inglaterra que são aquecidas pela corrente devem apresentar climas mais frios a despeito do aumento do calor global. O aquecimento Urbano Mônica Kofler Freitas ...A expansão das áreas urbanas tem despertado o homem para as modificações na qualidade ambiental, dentre as quais as mudanças no clima local. Porém, a questão sobre a distribuição da cobertura vegetal arbórea nos bairros e seus benefícios vêm sendo deixada de lado. Outro fator importante que faz aumentar o calor das cidades, principalmente no interior do Estado de São Paulo são as plantações de cana de açúcar que arrasam com toda a vegetação natural do entorno. A região de Ribeirão Preto que até a década de 1970 tinha 22% de cobertura florestal ativa, sendo que com o estimulo do PROALCOOL essa área foi reduzida para menos de 3% nos dias atuais. Mesmo com essa cobertura florestal irrisória para manter o equilíbrio ecológico da região, o fogo continua invariavelmente atingindo os últimos e pequenos remanescentes de vegetação nativa. Depois das queimadas (que por si só já elevam a temperatura e fumaça contribui na retenção da irradiação do calor), vem a colheita, que deixa a terra nua, uma grande retentora de calor. Por fim, a natureza geográfica da cidade, construída sobre um vale desfavorece a ventilação. Estes poucos exemplos trazem afirmações bastante usuais como: aumentar o calor, retentora de calor como se calor fosse propriedade dos corpos e também faz frio, faz calor confundindo calor e frio (falta de calor) com temperaturas altas e baixas. É raro lermos ou ouvirmos alguém citando a palavra “calor” de modo conceitualmente correto, pois já nos acostumamos a utilizá-lo referindo-nos a temperatura e a sensação térmica, o que revela que o entendimento do verdadeiro significado nos passa despercebido. Fica claro que as concepções de calor e temperatura não correspondem aos conceitos físicos de mesmo nome e que estas palavras não têm o mesmo significado na linguagem popular e na ciência. Em geral, repete-se na fala ou na escrita aquilo que é o senso comum e que neste caso e em tantos outros está errado. 19 b) influência da linguagem Do ponto de vista da lingüística, alguns autores (BROOKES et al., 2005) discorrem sobre a influência que ela pode exercer no entendimento de conceitos físicos, em particular o conceito de calor. Argumentam que a linguagem usada para transmitir conceitos pode não ser uma representação passiva deles e nem da realidade dos sistemas em estudo e que certas locuções comumente usadas pelos físicos podem reforçar idéias incorretas. Williams (1999) coloca que parte das dificuldades no aprendizado de Física pode estar relacionada com a obscuridade de significados especializados associados a certos termos e também que os físicos muitas vezes são descuidados e contraditórios na linguagem. Por exemplo, quando se diz que calor flui o termo calor está funcionando como substantivo dando a idéia de substância que se move de um lugar para outro enquanto que ao dizer energia é adicionada ao sistema pelo aquecimento o termo aquecimento está dando a idéia de um processo pelo qual a energia se move. Discussões desta natureza, ou seja, envolvendo lingüística versus aprendizado de ciências são encontradas em diversas referências e não são o objetivo deste trabalho, de modo que as apresentamos acima apenas para elencá-las entre as possíveis influências no aprendizado correto ou incorreto de conceitos. c) experiências diárias e o modo como se lida com esta grandeza Em geral, nas experiências diárias se lida com “o calor” e com “o frio” como se eles fossem substâncias ou atributos dos corpos. Assim, um “objeto quente” é visto e tratado como possuindo calor e um “objeto frio” como possuindo frio. Essas concepções são externadas quando sugerimos (ou mesmo o fazemos) que se coloque pedras de gelo em um copo com bebida para que esta se esfrie, ou seja, inferimos que o gelo transfere “frio” para o liquido. Do mesmo, colocam-se alimentos e bebidas na geladeira para receberem o seu “frio”. Analogamente, no inverno compramos e usamos roupas e cobertas ”quentes” para que o “calor” deles nos aqueça. 20 d) influência dos livros didáticos e para-didáticos Nível fundamental e médio: Equívocos que ocorrem com certa frequência em livros didáticos ou para-didáticos dirigidos ao estudo das ciências naturais são: a associação de sensações físicas ao conceito de calor e frio (ausência de calor), a substancialização do calor, igualdade entre calor e temperatura. Evitando nominar os textos que assim procedem, exemplificamos a seguir três variantes dessas ocorrências na mesma ordem que as ordenamos acima. ....”Quando você vai dormir, nas noites frias,além de um pijama bem quentinho, você usa um cobertor para se aquecer.” ....“Nós também podemos produzir calor esfregando as mãos umas nas outras, sentimos as mão aquecerem.” “Por outro lado, parte do calor produzido rente ao solo é aprisionado pelas nuvens, que funcionam como uma tampa de panela.”.... “Temperatura é uma medida do calor do corpo” Estes erros podem ter diversas origens: na formação do professor-autor do texto, na dificuldade do autor em exprimir conceitos tão abstratos para pessoas em processo inicial de aprendizagem, na inconveniência ou inadequacidade de se apresentar a primeira da lei da Termodinâmica neste nível de ensino, entre outros. Nível superior: No que concerne àqueles que estão diretamente envolvidos com a questão do ensino/aprendizagem de Física, ou seja, físicos autores de livros didáticos e para- didáticos para nível médio e superior parece não haver mesmo entre eles (TEIXEIRA, 1992, p.71) uma apresentação formal única do significado do termo calor. Trabalha-se com variações em torno de três opções: “um processo de transferência de energia”, “a forma através da qual a energia se manifesta em tal processo”, “a quantidade de energia transferida no processo”. Algumas passagens que mostram formas de se apresentar o conceito de calor de acordo com estas três opções são apresentadas a seguir. “Define-se calor como energia transmitida unicamente por meio de diferença de temperatura”. (WARREN, J. W., 1972, p. 41) 21 “Trabalho e calor se referem à energia somente no processo de transferência… é incorreto falar da quantidade de calor ou da quantidade de trabalho de um corpo”. (ibid). “Calor e trabalho são métodos de transferência de energia e, quando todo o fluxo termina, as palavras calor e trabalho não têm mais nenhum significado útil”. (ZEMANSKI, M. W., 1970, p.297) “Modernamente considera-se que, quando a temperatura de um corpo é aumentada, a energia que ele possui em seu interior, denominada energia interna, também aumenta. Se esse corpo é colocado em contato com outro, de temperatura mais baixa, haverá transferência de energia do primeiro para o segundo, energia esta que é denominada calor. Portanto, o conceito moderno de calor é o seguinte: calor é a energia transferida de um corpo para outro em virtude, unicamente, de uma diferença de temperatura entre eles”. (ALVARENGA; MÁXIMO, 1986, vol. 2, p. 412 e 413) “Calor é a energia que é transferida entre um sistema e seu ambiente, devido a uma diferença de temperatura que existe entre eles”. (HALLIDAY et al., 1993, p.183) “Calor é a energia transferida entre um sistema e sua vizinhança, devido exclusivamente a uma diferença de temperaturas entre o sistema e alguma parte de sua vizinhança”. (KELLER et al., 1999, p. 449) “Calor é a energia transferida graças a diferenças de temperatura”. (TIPLER, 1978, p. 399) “Chama-se fluxo de calor o processo de transferência de energia que ocorre exclusivamente em virtude de diferença de temperaturas”. (SEARS et al., 1984, p. 346) Estas afirmações têm em comum a associação de três termos: calor, troca de energia e diferença de temperatura. Assim o cuidado destes autores em apresentar da forma mais adequada ou correta o conceito de calor, ressalta que calor é uma forma de transferência de energia e não a energia! Outro aspecto importante a ser ressaltado e que pode ser trabalhado (o que acontece em alguns textos) é diferenciar os conceitos de calor e energia interna. O problema clássico 22 que ilustra muito bem esta diferença trata de um gás em um recipiente rígido de paredes adiabáticas e base diatérmica. Pode-se medir o aumento de temperatura sofrido por este gás quando há um fluxo de calor da chama de um bico de Bunsen para a base do recipiente. No processo, o volume do gás se manteve constante. O aumento de temperatura significa que a energia interna do gás no final do processo é maior que no inicio. Quando no mesmo problema troca-se a base diatérmica por outra adiabática, não há como fornecer fluxo de calor para o gás. Assim mais uma modificação é realizada, ou seja, permite-se que a parede superior se mova por meio de uma compressão. Um aumento na temperatura do gás é medido e tem valor igual àquele obtido na situação anterior. Novamente, a energia interna do gás é maior no final do processo, mas neste caso não houve fluxo de calor e sim realização de trabalho durante a compressão. Figura 2: Elevação da Energia Interna através de fluxo de calor 23 Dessa maneira, percebe-se que energia foi fornecida ao sistema de duas formas distintas e, com isso, houve elevação da energia interna do próprio sistema. Assim, a energia interna de um sistema termodinâmico é a soma das energias cinética de translação, rotação e vibração e potencial das partículas constituintes do gás. O conceito de energia interna é o elemento comum destacado neste problema e seu acréscimo no final dos diferentes processos foi causado por fluxo de calor ou realização de trabalho. Assim o conceito de calor fica mais claro e a compreensão de que o corpo contém energia interna e não calor. 2.2 Conceito de temperatura a) a percepção sensorial de temperatura As pessoas frequentemente tocam em diferentes objetos que pertencem a um mesmo ambiente: ao pegar um talher, ao sentar numa cadeira de madeira ou de tecido, ao pisar descalço no chão de cerâmica ou outro material, por exemplo. Estes contatos podem ser agradáveis ou não do ponto de vista de conforto térmico e imediatamente fazemos uma associação direta e incorreta com a temperatura diferente de tais objetos. Assim, considera-se que o talher está a uma temperatura mais baixa que a cadeira e esta a uma temperatura mais alta que o piso, por exemplo. A maioria das pessoas não têm consciência de que a sensação Figura 3: Elevação da Energia Interna sem fluxo de calor 24 térmica gerada nem sempre corresponde a uma diferença real de temperatura entre o objeto tocado e a parte do corpo que o tocou. Também é bastante comum usarmos nosso corpo ou partes dele para avaliar se a comida retirada do fogão está “quente” o desejável ou suportável, se a água da piscina está “muito fria”, se outra pessoa está ou não com febre. Tais percepções sensoriais na forma de sensações térmicas são entendidas e por nós codificadas como “registros” de valores altos ou baixos da temperatura do corpo ou objeto tocado. Nestes casos, pode-se constatar corretamente uma diferença real de temperatura (embora não quantitativa) entre o que foi tocado e nosso corpo. b) ignorando a unidade de medida e sua importância Não é raro lermos ou ouvirmos a seguinte frase: amanhã a média de temperatura será de 28 graus. Cientificamente tal afirmação nada representa, pois quando falamos desta grandeza necessitamos associá-la a uma escala termométrica. Muito embora a maioria das pessoas faça uso de termômetros clínicos populares para avaliar seu estado febril ou a temperatura ambiente, poucos se dão conta da importância da escala termométrica e que em diferentes países estes instrumentos podem usar escalas diferentes. c) temperatura é medida de modo indireto Ainda no que diz respeito à aferição quantitativa da temperatura, uma dificuldade a ela inerente é o fato de este é um processo indireto o que não acontece, por exemplo, com a medida de tempo, comprimento, massa, etc. Estudantes, profissionais ou leigos usam um objeto com graduações (régua, metro, trena) para compará-lo diretamente com o comprimento daquilo que se quer medir. Do mesmo modo, um relógio ou cronômetro é utilizado para medir tempo comparando o ângulo descrito pelos ponteiros ou o correr de números com o tempo entre dois eventos. Uma balança avalia diretamente a massa depositada nela. Com temperatura é diferente. O termômetro “lê” a variação da propriedade termométrica (comprimento, pressão, volume) de uma dada substância que faz parte dele e assim esta propriedade é que é monitorada e não a temperatura diretamente. 25 d) equilíbrio térmico Outra questão que também passa despercebida é que esta grandeza e sua conceituação pressupõem a existência de equilíbrio térmico. Como já comentado, é pratica corriqueira usar o próprio corpo ou partes dele para avaliar a temperatura de objetos, sendo que neste ato basta um rápido contato entre os dois e a interpretação pessoal da sensação térmica experimentada. No entanto, do ponto de vista da ciência, esperar até que seja atingido o equilíbrio térmico entre os corpos é uma condição fundamental ou essencial para se tratar as questões relativas à temperatura. Conceitualmente equilíbrio térmico significa uma condição ou estado térmico alcançado por corpos (com ou sem contacto mútuo) que pertencem a um mesmo ambiente (termicamente isolado), estado este caracterizado pelo mesmo valor da temperatura para todos estes corpos. Esta condição alcançada permite a medir a temperatura por meio de um instrumento apropriado que é o termômetro. Deste modo, mesmo nas medidas cotidianas e sem finalidade científica, esperar que os corpos alcancem o equilíbrio térmico é uma pratica relevante, mas nem sempre observada. e) influência dos livros didáticos e para-didáticos Nível fundamental e médio: Para estes níveis de escolaridade o conceito é bem pouco trabalhado. De modo particular para o nível médio, a temperatura é apresentada através da Lei Zero da Termodinâmica e do conceito de equilíbrio térmico. Explora-se com maior ênfase os processos de medida da temperatura, as escalas termométricas e suas relações. Em alguns textos apresenta-se o estudo do comportamento térmico de gases ideais e então se define temperatura através da teoria cinética. Nível superior: Como se espera, os textos introdutórios discorrem com mais profundidade as inter-relações entre os conceitos de equilíbrio térmico, calor e temperatura. Textos específicos de Termodinâmica e Física Estatística trabalham o tema segundo o rigor conceitual e matemático necessário para o estudo/aprendizado de estudantes de Física. Listamos a seguir algumas maneiras como o conceito de temperatura é apresentado em livros didáticos e para-didáticos de Física: 26 “A quantidade que diz quão quente ou frio um corpo se encontra, com relação a um determinado padrão, é chamada temperatura”. (HEWITT, P. G., 1987, p.300) “… é uma medida da energia cinética média de translação das moléculas de um gás ideal”. (NUSSENZVEIG, H. M., 1983, p.408) “Uma maneira correta de conceituar a temperatura seria dizer que ela é uma medida da maior ou menor agitação de moléculas ou átomos que constituem o corpo. No capítulo seguinte, por exemplo, veremos que, quanto maior for a temperatura de um gás, maior será a energia cinética de suas moléculas. Da mesma forma, quando a temperatura de um gás diminui, a agitação de suas moléculas torna-se menor e o zero absoluto corresponderia a uma situação de energia cinética mínima dos átomos e moléculas do corpo”. (ALVARENGA e MÁXIMO, 1986, Vol. 2, p.356) 2.2 Quanto ao entendimento dos alunos e os erros mais comumente identificados Muitos estudos têm sido realizados no Brasil e demais países mostrando que os estudantes têm idéias sobre calor e temperatura diferentes daquelas apresentadas pelos cientistas. Como mencionamos na seção anterior estas idéias ou conceitos são adquiridos em suas experiências diárias e até mesmo nas exposições erradas ou equivocadas vindas das escolas onde desenvolvem sua formação. A tabela abaixo reproduz informações obtidas de vários autores e compiladas no artigo de Mustafa Sozbilir (2003). Elas identificam erros de acordo com a idade dos alunos e, portanto, de acordo com a sua escolaridade, indicando que as influências anteriormente citadas são válidas. Erros identificados Idade (anos) Existem dois tipos de calor, o quente e o frio. 6-13 Calor é uma substancia material como ar ou vapor d'água. 27 Calor é uma forma de energia. A temperatura de um objeto está relacionada com seu tamanho. Calor é quente, mas temperatura pode ser quente ou fria. 12 Não existe diferença entre calor e temperatura. Temperatura pode mudar durante a vaporização. Calor e temperatura são a mesma coisa. 15 Algumas substâncias são naturalmente mais quentes que outras. Calor e frio são opostos e ambos são fluidos materiais. Calor transferido só pára quando a temperatura se igualar. 15 - 16 O ar apenas resfria outros corpos se eles estiverem rodeados pelo ar. Calor é atraído pelo corpo frio até que calor e frio se neutralizem. Temperatura é a quantidade de calor. Dois corpos à mesma temperatura têm a mesma energia ou calor. Calor entra e sai de diferentes materiais com diferentes facilidades. Diferentes materiais atraem ou retem calor diferentemente. Objetos podem conter uma certa quantidade de calor. 17 - 18 Objetos podem ficar mais quentes que o ambiente onde estão. A temperatura da água pode exceder a do ponto de ebulição. Calor constante significa que não há troca possível. adultos 28 Calor é uma quantidade de estado, alguma coisa do corpo. Metais atraem o que é quente ou absorvem frio Condutores conduzem calor mais devagar que isolantes. Isolantes conduzem calor rápido Isolantes absorvem ou prendem o calor Lã aquece as coisas. 29 Capítulo 3 A apresentação do conceito de temperatura e possível a indução a erros 3.1 Sugestões de experimentos para introduzir o conceito de temperatura por meio da observação sensorial Alguns textos introdutórios de termodinâmica exploram o conceito de temperatura iniciando o tema com a apresentação de situações do cotidiano ou “experimentos” já conhecidos como o sugerido por J. Locke no século 17. I - Primeiro experimento Como citado no capítulo introdutório deste trabalho, o filósofo John Locke foi o primeiro a questionar formalmente o uso das sensações fisiológicas para a determinação de quão quente um corpo se encontra. Locke propôs um experimento em que teríamos três recipientes, um com água morna, um com água fria e o último com água quente. Devemos para a execução deste experimento, colocar uma de nossas mãos no recipiente contendo água quente e a outra naquele contendo água fria, depois de passado certo tempo (suficiente para nossas mãos estarem em equilíbrio com a água contida nos recipientes), retiramos nossas mãos dos recipientes em que estas se encontravam e mergulhamos as duas no recipiente contendo água morna. Como na figura abaixo. 30 Feito isso, temos a sensação de que a água está fria na mão que estava no recipiente contendo água quente (pois a água morna está a temperatura menor do que a água quente) e a de que a água está quente na mão que estava no recipiente contendo água fria (pois a água morna está a temperatura maior do que a água fria). II – Segundo experimento Se tocarmos com a mão objetos metálicos, de madeira e de tecido deixados em um mesmo ambiente por muitas horas (todos os objetos estão em equilíbrio térmico ), diferentes percepções fisiológicas sensoriais de quente e frio nos enganam quanto à temperatura desses corpos. O corpo metálico parece mais frio que os demais, pois é melhor condutor térmico e deste modo a transferência de calor da mão para ele é mais efetiva e rápida enganando-nos quanto á sua verdadeira temperatura. Sendo assim, este experimento como método de avaliar a “quentura” de um corpo também é falho. http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula.html?aula=23440 Figura 4: Experimento de John Locke 31 III – Terceiro experimento Observamos barras de ferro, sendo que uma delas está a temperatura ambiente, outra retirada do fogo com coloração vermelha e última retirada do fogo com coloração azul. Este experimento visual nos apresenta corpos irradiando em diferentes comprimentos de onda e como um método de avaliar a “quentura” de um corpo também é falho. Sabemos apenas que dois deles foram retirados de uma fonte de calor e que, portanto, estarão a temperaturas maiores que o terceiro corpo, mas visualmente estas cores nada nos informam sobre temperatura, muito pelo contrário tendemos a achar que corpos avermelhados estão mais quentes que outros com outra coloração. Por sua vez, a avaliação sensorial destes objetos através do tato não é recomendada, pelos valores de temperatura em que se encontram (vermelho está a 1000K e o azul a 1700K). Figura 5: Objetos de madeira, metal e tecido 32 Figura 6: Representação de barras de Ferro a diferentes temperaturas 3.2 As mesmas sugestões sobre outro ponto de vista I – Primeiro experimento Coloca-se em contato e na respectiva sequência três recipientes, cada um deles contendo: água fervente retirada do fogo, água retirada da torneira e água retirada da geladeira. Após algumas horas mergulha-se a mão na água desses recipientes e o tato nos fornece a sensação de mesma “quentura” em todos eles. II – Segundo experimento Empilhamos na sequência as barras de ferro retiradas do fogo com coloração azul, vermelha e finalmente a barra ao natural. Muitas horas após este contato entre as barras, elas Figura 7: Recipientes em equilíbrio térmico 33 são vistas todas da mesma cor (a do ferro ao natural) e o tato nos fornece a sensação de mesma “quentura” em todas elas. Nestes dois experimentos, energia foi transferida de um corpo a outro na sequência que os discriminamos acima. Portanto, estes corpos foram ordenados segundo a sua “quentura”. Quando cessa a transferência de energia entre eles diz-se que o conjunto de corpos está em equilíbrio térmico. Em cada sistema os três corpos têm a mesma “quentura”, o que implica em igual temperatura. Sendo assim, um quarto objeto (termômetro) colocado em contato térmico com o sistema ou com um dos corpos do sistema revelará o valor da temperatura na escala escolhida. III – Terceiro experimento Os mesmos objetos, metálico, de madeira e de tecido presentes no mesmo ambiente são deixados juntos por muitos dias. Tocamos esses objetos com nossas mãos e as diferentes percepções de quente e frio ainda se fazem sentir, o corpo metálico ainda parece mais frio que os demais. Um quarto objeto (termômetro) colocado em contato térmico com cada um dos corpos do sistema revelará o valor da temperatura deles, que será o mesmo e, portanto, os três estão em equilíbrio térmico. Embora enganados ao usar o tato para avaliar a “quentura”, um Figura 8: Barras de Ferro ao atingir o equilíbrio térmico 34 objeto adequado revela o equilíbrio térmico que já acontecia desde o primeiro experimento com estes corpos. Conclusão sobre as sugestões: A apresentação e a observação (visual ou táctil) de experimentos de formas distintas pode levar a estimativas do valor e apreensões do conceito ou significado de temperatura corretos ou não. A segunda maneira (acima exposta) de observar os mesmos sistemas e apresentar o significado de temperatura é mais adequada, embora possa parecer pouco profunda ou rigorosa para quem gosta de ir além da experimentação e das conclusões dela advindas. Como uma introdução do tema ela tem seu valor. 3.3 Textos didáticos: apresentação do conceito de temperatura por meio da percepção fisiológica sensorial Apesar dos experimentos como estes evidenciarem o fato de que nossas sensações fisiológicas não são bons parâmetros para medida e conceituação da temperatura de um corpo, percebemos que os mesmos auxiliam o estudante no entendimento do conceito de temperatura que é fundamental ao estudo da Termodinâmica. Outro aspecto destes experimentos a ser destacado é que por meio deles pode-se trabalhar o contexto histórico/cronológico do desenvolvimento das teorias termodinâmicas, o que também auxilia os iniciantes no estudo de conceitos científicos (CASTRO e CARVALHO, 1992). Por estes motivos, trataremos a seguir, a forma como se introduz o conceito de temperatura na literatura voltada ao ensino dos níveis médio e superior. Primeiramente é necessário destacar que não é fácil transformar o conceito sensorial de temperatura já apreendido pela maioria dos estudantes em algo correto e mais adequado do ponto de vista científico. Analisamos algumas bibliografias e as relacionamos abaixo, para que tenhamos uma idéia do tipo de material que está sendo exposto aos nossos estudantes. Ensino Médio: 35  “A comparação das temperaturas dos corpos através de nosso tato nos fornece apenas uma idéia qualitativa dessas temperaturas. Para que a temperatura possa ser considerada uma grandeza física, é necessário que saibamos medi-la, de modo que tenhamos um conceito quantitativo desta grandeza. Como você já sabe esta medida é feita com termômetros…” (ALVARENGA e MÁXIMO, 2008)  O livro de Alberto Gaspar (2000) não apresenta nenhuma passagem tratando da questão sensorial.  SAMPAIO e CALÇADA (2005) começam com a exposição do experimento de John Locke, com ilustrações da realização do experimento e coloca: “O filósofo John Locke (1632-1704) propôs um experimento que se tornou famoso. Para executá-lo você deve providenciar três recipientes: um com água fria, outro com água morna e o terceiro com água quente (mas não muito). Coloque uma de suas mãos na água fria e a outra na água quente durante alguns segundos. A seguir, coloque as duas mãos na água morna. Ela parecerá fria para a mão que veio da água quente e parecerá quente para a mão que veio da água fria. O tato é um método de verificação da temperatura muito limitado, pois não podemos tocar em objetos muito quentes ou muito frios (ninguém vai colocar a mão em óleo fervente e depois em água fervente, para decidir qual está mais quente!).” Ensino Superior  “O conceito de temperatura está associado a uma propriedade comum de sistemas em equilíbrio térmico. A sensação subjetiva de temperatura não fornece um método confiável de aferição. Assim, num dia frio, ao tocarmos um objeto metálico, temos a sensação de que está a uma temperatura mais baixa do que um objeto de madeira, embora ambos se encontrem à mesma temperatura: a razão é que, por condução, o objeto metálico remove mais rapidamente calor da ponta de nossos dedos. Para definir de forma objetiva o conceito de temperatura temos de examinar com mais detalhes as propriedades do equilíbrio térmico.” (NUSSENZVEIG, 2004)  “Desde a infância, experimentam-se sensações de quente e frio, que são descritas em termos de adjetivos como frio, quente, tépido, morno etc. Quando se toca num objeto, usa-se a 36 própria sensação de temperatura para atribuir ao objeto uma propriedade chamada temperatura, que determina se é quente ou frio. Quanto mais quente se sente, mais alta é a temperatura. Para determinar-se quantitativamente a temperatura de um objeto, deve-se, primeiro, chegar ao conceito por meio de operações independentes de nossas percepções sensoriais de calor ou frio e que envolvem quantidades mensuráveis…” (SEARS et. al., 1984)  “A temperatura é o conceito bem conhecido de todos como medida do grau de quente ou frio nos corpos... É fácil, pelo sentido do tato, verificar se um corpo está quente ou frio. Desde criança aprendemos que um corpo fica quente se for colocado em contato com outro quente. Também aprendemos que para resfriar um corpo quente basta fazer o contato com outro frio.” (TIPLER, 2000)  “Temperatura é conceito fundamental da termodinâmica. A palavra é tão familiar que muitos de nós – por causa da nossa sensação instintiva de quente e frio – tendemos a achar que se trata de um conceito trivial. Nosso “sentido de temperatura”, no entanto, nem sempre é confiável. Num dia frio de inverno, por exemplo, um trilho de ferro parece muito mais frio quando o tocamos, que um poste de madeira, embora estejam ambos à mesma temperatura. A diferença nas sensações é causada pelo fato do ferro conduzir calor muito melhor do que a madeira e, assim, o calor dos nossos dedos escoa de maneira muito mais fácil pelo ferro. Por ser de importância fundamental, vamos começar o estudo da termodinâmica desenvolvendo o conceito de temperatura, sem levar em conta as nossas sensações térmicas.” (HALLIDAY et al., 2007)  Os livros Zemansky (1978) e Callen (1960) não apresentam nenhuma passagem introdutória sobre o tratamento sensorial do conceito de temperatura. Observando criticamente as bibliografias citadas acima podemos retirar as seguintes conclusões:  Alvarenga e Máximo: O livro apresenta uma visão superficial do conceito de temperatura enquanto sensação fisiológica, apresentando apenas uma citação. Não há nenhuma menção ao experimento de 37 Locke e nenhuma atividade experimental proposta ao estudante que eventualmente venha a ter contato com o trabalho.  Sampaio e Calçada: Apresenta uma abordagem bastante didática da questão fisiológica sensorial, abordando por meio de texto e ilustrações o experimento desenvolvido por Locke. A citação do experimento deixa claro ao estudante o motivo pelo qual as sensações fisiológicas não são bons parâmetros para análise da temperatura de um corpo. Os autores tratam a questão fisiológica sensorial não somente como um fato histórico, mas também como o ponto de partida para um estudo mais embasado da termodinâmica.  Nussenzveig: Este autor aborda o assunto de modo sucinto, não citando nada sobre o experimento de Locke. No livro o tema sensorial é abordado de formal textual de caráter informativo. Talvez por ser um livro destinado ao nível superior de ensino, o texto não aprofunda a questão, nem apresenta/sugere atividades experimentais.  Sears et. al.: Este texto também apresenta o tema com caráter informativo e sucinto. Não propõe nenhuma atividade experimenta. O livro apresenta alguns deslizes que podem levar a concepções erradas, como: “Quanto mais quente se sente, mais alta é temperatura…” Como já descrito aqui, se colocarmos uma de nossas mãos em contato com uma barra metálica e a outra em contato com um pedaço de madeira, como a barra de metal conduz calor muito melhor do que a madeira , tendemos a pensar que a madeira está mais quente que o ferro, apesar de os dois estarem à mesma temperatura.  Tipler: 38 Este autor expõe igualmente o tema fisiológico sensorial apenas como comentário. É fácil também notar uma imprecisão conceitual nesse texto, quando o autor diz que: “Desde criança aprendemos que um corpo fica quente se for colocado em contato com um outro quente. Também aprendemos que para resfriar um corpo quente basta fazer o contato com outro frio.” Este corpo estaria quente em relação a que? E se for em relação ao corpo humano, a percepção de quente e frio depende da temperatura do corpo em questão e de outros fatores como a condutividade de calor e o calor específico deste corpo.  Halliday et. al.: Como os outros autores já tratados, a sensação fisiológica é apresentada com caráter informativo, breve, mas de forma acertada inicialmente. O autor comete um equívoco conceitual quando trata do calor como um fluido (conceituação da teoria do calórico) que escoa dos nossos dedos, quando o calor é uma forma de transferência de energia, só fazendo sentido utilizar o termo calor neste contexto.  Zemansky e Callen: Não apresentam nenhuma referência ao tratamento sensorial do conceito de temperatura. 3.4 Temperatura da cor: Objetos irradiando em diferentes cores Outro fato relevante para o entendimento das leis da termodinâmica, do movimento subatômico e da própria física quântica é o conhecimento de que objetos a diferentes temperaturas irradiam em comprimentos de onda distintos. Por exemplo, quando colocamos neste capítulo que uma barra metálica a 1000K irradia na faixa visível do espectro eletromagnético na cor vermelha e que o mesmo metal irradia na cor azul a 1700K, estamos tratando desta questão. 39 Em contrapartida à importância dessa relação, apenas um dos livros analisados cita tal fenômeno (Zemansky, 1978), o que pode confundir o estudante quanto a alguns aspectos cotidianos. Podemos citar uma terminologia comumente usada por aqueles que trabalham com artes e psicologia, que é frequentemente usada pela mídia e que pode induzir ao erro: cor fria e cor quente. Quem estabeleceu esta divisão de cores em quentes e frias foi o psicólogo alemão Wundt, justificando que as quentes são psicologicamente dinâmicas e estimulantes como a luz do sol, fogo, sangue; sugerem ainda vitalidade, alegria, excitação e movimento. As cores frias são calmantes, tranquilizantes, suaves e estáticas, como o gelo e a distância e parecem que se retraem e que se afastam. Usando esta premissa os artistas exploram em suas criações esta “capacidade” das cores de “transmitir sentimentos” ao observador. A figura abaixo ilustra esta proposição de Wundt por meio do já estabelecido circulo de cores. No caso particular da luz, há uma grande confusão, pois comumente usam-se termos como “luz quente” e “luz fria”, misturando-se três conceitos: a energia térmica emitida (calor) pela lâmpada, o efeito psicológico que a cor da luz provoca e a temperatura da cor (associada Figura 9: Cores quentes e frias http://arnaut.no.sapo.pt/cor/cores_quentes_e_frias.html 40 à frequência ou comprimento de onda da radiação eletromagnética). Abaixo seguem alguns exemplos de classificação da luz segundo os conceitos comentados acima:  Lâmpada incandescente: É designada comercialmente luz quente, pois têm grande dissipação de energia térmica na forma de calor, no entanto trabalham com temperatura do filamento em torno de 3000K o que pode ser considerado baixa temperatura de cor, mas emite uma luz amarelada que equivale na psicologia a uma cor quente.  Lâmpada incandescente com filtro azul: É designada comercialmente luz quente, pois têm grande dissipação de energia térmica (calor), podem trabalhar com temperatura do filamento entre 4000K e 5000K o que pode ser considerado alta temperatura de cor, mas emite uma luz branco azulada(pelo filtro)que equivale na psicologia a uma cor fria .  Lâmpada fluorescente daylight: É designada comercialmente luz fria, pois tem baixa radiação de energia térmica (calor), trabalha a alta temperatura (5500K) o que pode ser considerado alta temperatura de cor, mas emite luz azulada que equivale na psicologia a uma cor fria.  Lâmpada fluorescente XX: É designada comercialmente luz fria, pois tem baixa radiação de energia térmica (calor), trabalha a baixa temperatura (4000K) o que pode ser considerado baixa temperatura de cor, mas emite luz amarelada equivale na psicologia a uma cor quente. Do ponto de vista da ciência, a temperatura da cor, está em uma classificação diferente das classificações ou nomenclaturas comerciais. Pode-se verificar esta afirmação através da Lei de Wien, formulada pelo físico austríaco, contemporâneo de Max Planck, Wilhelm Wien. Ela afirma que o comprimento de onda emitido por determinado corpo é inversamente proporcional à temperatura a que o mesmo se encontra. Sendo assim, de acordo com o espectro eletromagnético um corpo que emite em azul está a uma temperatura maior do que outro que emite em vermelho. 41 Abaixo se reproduz a página de suplemento infantil “Estadinho” do jornal o Estado de São Paulo, sábado 26 de março de 2011, onde a temperatura das cores é apresentada e estes equívocos estão presentes. Concepções erradas sobre temperatura e calor, anteriormente discutidas neste trabalho, também se fazem presentes nesta página. Fig. 11: Temperatura das cores http://techne.cesar.org.br/tag/analise-de-imagens-digitais/ Figura 10: Espectro Eletromagnético http://pt.wikipedia.org/wiki/Radia%C3%A7%C3%A3o_eletromagn%C3%A9tica 42 Outra observação relevante diz respeito à termografia, que é a tecnologia que nos permite enxergar a parte do espectro eletromagnético que nos é invisível, ou seja, infravermelho em particular. Câmeras especiais captam a radiação infravermelho emitida pelo objeto em observação e normalmente decodificam os tons mais claros como os mais aquecidos, ou então usam um código arbitrário de cores que pode ser escolhido para a melhor representação de cada caso. A figura abaixo ilustra como essa decodificação pode ser invertida (temperaturas mais altas são coloridas com amarelo, laranja, vermelho) em relação às verdades físicas sobre temperatura da cor. A foto termográfica do bico do tucano, registrada pelo grupo do pesquisador Augusto Abe, da UNESP de Rio Claro, e divulgada em artigo da revista Science 2009, mostra esta decodificação invertida. O texto afirma que as áreas em amarelo correspondem às mais quentes e as áreas em roxo, as mais frias. Figura 12: Espectro Eletromagnético 2 http://www.thermotronics.com.br/html/termografia_faq_a5.html 43 Esta outra foto revela a temperatura do corpo humano, segundo as mesmas decodificações. Como podemos observar claramente na fig.(14), as regiões mais frias do corpo em questão estão preenchidas com a cor azul, enquanto as mais quentes com a cor vermelha. Dessa forma, é possível notarmos que as regiões tidas como quentes na imagem do Figura 14: Corpo Humano http://www.essaseoutras.com.br/a-temperatura-do-corpo-humano-por-que-ela-gira-em-torno-dos- 37%C2%BA-c Figura 13: Fotografia térmica de tucano http://cienciahoje.uol.com.br/revista-ch/revista-ch-2009/263/.../file 44 corpo humano (destacadas em vermelho) deveriam aparecer em azul e as apresentadas em azul deveriam aparecer em vermelho, pois um corpo irradiando no comprimento de onda relativo à cor vermelha está a uma temperatura menor do que um corpo irradiando na faixa do espectro relativo à cor azul, de acordo com a lei de Wien. Cabe ainda destacar que na questão das cores, propõe-se uma analogia com esta lei, pois o corpo humano não pode atingir temperaturas de 3900 K (vermelho) nem tampouco 6000 K (azul). 3.5 Temperatura e Segunda Lei da Termodinâmica Do trabalho publicado por Carnot sob o título Reflexões sobre a potência motriz do fogo, deduz-se que o rendimento térmico de qualquer máquina é dado pela razão: onde: η é o rendimento térmico, W é o trabalho realizado pela máquina e é o calor fornecido à máquina. Como a Primeira Lei da Termodinâmica, , é válida e no ciclo o gás sempre volta ao seu estado inicial tem-se que ∆U = 0, ou seja, a variação da energia cinética no ciclo é nula. Sendo assim: onde: é o calor cedido pelo gás ao condensador. Substituindo (3.5.2) em (3.5.1) chegamos à relação de que: 45 A figura abaixo mostra o ciclo de Carnot, com as curvas isotermas e adiabáticas (ad; bc). Figura 15: Ciclo de Carnot http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/7/76/Imagemgraficonew.jpg Quando a substância operante na maquina que descreve o ciclo de Carnot é um gás ideal, pode-se escrever para as transformações isotérmicas realizadas a temperaturas, e , que o calor perdido na expansão é, Enquanto, na compressão é, 46 Para as transformações adiabáticas, o valor da razão entre o calor específico a pressão constante e o calor específico a volume constante do gás ideal, é praticamente invariável. Desse modo, é possível escrever: Na transformação adiabática (sistema isolado termicamente do exterior): Assim, pela Primeira Lei da Termodinâmica: No entanto, onde é a capacidade térmica molar a volume constante do gás. Como o gás é ideal, obedece a relação entre pressão, temperatura e volume: 47 Portanto, Porém, como Obtendo-se: Para dois estados caracterizados respectivamente pelas grandezas , e , , a equação (3.5.16) afirma que: 48 Dessa maneira, voltando à máquina que opera com gás ideal, para as transformações adiabáticas podemos escrever para a expansão que Portanto, E para a compressão, Portanto, E por fim: 49 Com isso, podemos escrever o rendimento da maquina térmica em termos das temperaturas das fontes fria e quente e não mais em termos de calor recebido ou cedido por essas fontes: No contexto deste trabalho onde discutimos o significado de temperatura, as concepções errôneas que advêm das concepções espontâneas, das percepções sensoriais bem como da apresentação e leitura equivocada dos livros textos, é relevante uma discussão sobre a equação (3.5.23). Muitos estudantes mesmo depois de estudarem as máquinas térmicas e deduzirem esta expressão, interpretam erroneamente esta igualdade. É bastante comum utilizarem na resolução de exercícios e se expressarem nas discussões em sala de aula utilizando temperatura como calor e vice-versa. Não percebem que esta equação diz que a razão entre a quantidade de calor cedida para a fonte fria e a absorvida da fonte quente é igual à razão entre as temperaturas da fonte quente e da fria. Esta razão é um número adimensional e não afirma que as grandezas físicas calor e temperatura são equivalentes, ou seja, não é verdadeira a afirmação e . Para que fique mais claro o raciocínio é possível que façamos uma brincadeira numérica. Em matemática é possível escrevermos: 50 contudo, e . Definição Termodinâmica de Temperatura Já mostramos que no ciclo de Carnot reversível vale a relação: Porém se lembrarmos que representa a quantidade de calor cedida pelo sistema à fonte fria, ou seja, - , teremos que: Através dessa equação se pode ver claramente que se subdividirmos um ciclo qualquer C em diversos ciclos de Carnot infinitésimos, para os quais vale a equação (3.5.27), chegaremos à seguinte relação: Onde, a fonte quente à temperatura cede ∆ para o sistema que, por sua vez, cede ∆Q para a fonte fria à temperatura T. Ou seja, cada sistema que descreve os infinitésimos ciclos de Carnot, recebe calor de um sistema e cede a outro. 51 Sendo assim, se aumentarmos bastante o número de ciclos de Carnot dentro de C, podemos passar ao limite onde as trocas de calor são infinitesimais, ∆Q d’Q. Onde d’Q é uma diferencial inexata, pois Q não é propriedade do sistema. Logo, o calor total Q’ que a fonte quente troca ao longo de todo o ciclo C é dada por: Onde a integral acima é definida ao longo do ciclo C. Completado o ciclo C, todos os ciclos infinitesimais voltaram aos seus estados iniciais, onde o único efeito foi retirar a quantidade de calor Q’ da fonte quente à temperatura e realizar uma quantidade equivalente de trabalho. Porém pelo enunciado de Kelvin da 2ª Lei da Termodinâmica, isto só é possível se Q’ 0, ou seja: Logo, se C é reversível o mesmo raciocínio é válido com C descrito em sentido inverso: 52 Dessas duas equações chegamos ao teorema de Clausius, que diz: A conseqüência mais importante do teorema de Clausius é a existência de uma nova função de estado associada a um estado de equilíbrio termodinâmico de um sistema, a entropia S. A grandeza entropia mede o grau de desordem de um sistema termodinâmico, ou seja, mede o grau de distribuição de energia entre as partículas constituintes de um sistema. Com o conceito de entropia procura-se medir ou quantificar a parcela de energia que não pode mais ser transformada em trabalho nas transformações termodinâmicas. Podemos escrever então: . Usando a Primeira Lei da Termodinâmica (3.5.8) para um sistema reversível teremos: Dividindo os dois membros da equação por T: 53 Assim, se o volume é constante Portanto, E assim mostramos a relação que culmina na definição de temperatura proveniente do teorema de Clausius, onde temperatura é um parâmetro que relaciona a variação da energia interna com a entropia. 3.6 Definição de temperatura do ponto de vista molecular – Teoria Cinética dos Gases – Relação entre temperatura e energia cinética média Para compreendermos realmente como é definida a grandeza temperatura do ponto de vista da teoria cinética dos gases é preciso que tomemos nota das hipóteses básicas dessa teoria. São elas: 1. O gás é constituído por um número extremamente grande de moléculas idênticas; 2. O tamanho de uma molécula de gás é desprezível em comparação com a distância média entre as moléculas; 3. As moléculas estão em movimento constante em todas as direções; 54 4. As forças de interação entre as moléculas são de curto alcance, atuando somente durante as colisões; 5. Tanto as colisões entre as moléculas como as colisões entre elas e as paredes do recipiente são perfeitamente elásticas. Para tratarmos da definição de temperatura nessa teoria, será necessário nos familiarizarmos primeiro com o conceito de pressão. Segundo a Teoria Cinética dos Gases, a pressão exercida pelo gás sobre a parede de um recipiente, numa dada direção x é escrita em termos da velocidade quadrática media nesta direção. Deste modo, Onde n é o numero de moléculas por unidade de volume, m a massa de cada molécula e o símbolo denota o valor médio da grandeza a. Porém, pela isotropia da distribuição das velocidades moleculares, temos: Por fim, é possível que escrevamos: Dessa forma, se pensarmos agora na energia cinética média de uma molécula do gás, esta pode ser escrita como: 55 Logo, multiplicando a equação (3.6.4) por n (número total de moléculas do gás por unidade de volume), temos que: A partir da equação (3.6.5) obtemos: Portanto, a pressão se expressa em termos da energia cinética média das moléculas do gás: Esse mesmo gás de moléculas monoatômicas (agora tratadas como esferas rígidas) tem energia interna U que é a própria energia cinética de translação das moléculas, ou seja: Onde N é o número total de moléculas do gás. Considerando que há um mol desse gás contido no volume que é o número de Avogadro. A equação (3.6.7) fica pode ser escrita da forma: 56 Onde, , pois o gás é ideal. Se considerarmos agora a expressão da entropia para processos reversíveis: E também escrevermos a equação diferencial para a segunda lei da termodinâmica: Podemos reescrever a equação para a entropia da seguinte forma: No entanto, para um mol de gás ideal temos que: Onde, é a capacidade térmica molar. Portanto, se substituirmos as equações (3.6.13) e (3.6.9) na equação (3.6.12), podemos escrever que: 57 E ainda, como , temos que: De forma que as seguintes relações também são válidas: No entanto, como as derivações parciais em relação a V e T são independentes, podemos aplicá-las em qualquer ordem, de forma que: Porém, pela equação (3.6.16) vemos que não depende de V, ou seja: Logo: 58 Como para uma dada temperatura, U(T) apresenta um mesmo valor para todos os gases, concluímos que há uma constante universal dos gases, ou seja: Logo, da equação (3.6.8) e com , ou ainda, onde, 59 Que é chamada de constante de Boltzmann, sendo a razão de duas constantes universais, portanto, também representa uma constante universal de valor: A verdade expressa na igualdade da equação (3.6.22), não nos permite, no entanto, dizer que ela fornece o significado de temperatura. Não se pode afirmar que a temperatura absoluta significa energia cinética média. Podemos destacar no mínimo uma razão para justificar a afirmação acima: A equação (3.6.22) é obtida de conceituações clássicas, sendo, portanto, um resultado clássico. Quando as hipóteses básicas forma estabelecidas no inicio desse tratamento cinético molecular, uma delas assumia que o gás era suficientemente diluído. No caso em que o gás não atende a estes quesitos, ou seja: não é diluído, o que equivale a dizer que a separação média entre moléculas permite interações entre elas, ou ainda, quando o sistema se encontrar a baixa temperatura , a física quântica torna-se essencial para a sua descrição. As correções à equação clássica são necessárias e vêm da Física Estatística e da Mecânica Quântica. 3.7 A radiação espectral de um corpo negro e a relação com a temperatura No final do século XIX, início do XX, as propriedades universais do espectro radioativo emitido pelos corpos negros eram de grande interesse para os físicos na Europa. O gráfico apresentado abaixo mostra a radiância espectral de um corpo negro em função da freqüência da radiação emitida, para temperaturas de 1000 K a 2000 K. Nele observa-se que a freqüência na qual a radiância máxima ocorre, aumenta linearmente com a temperatura, sendo que, a potência emitida por unidade de área aumenta muito mais rapidamente com a temperatura. 60 Figura 16: Radiância espectral de um corpo negro em função da freqüência. http://www.infoescola.com/fisica/radiacao-do-corpo-negro/ A integral da radiância espectral sobre todas as freqüências é a energia total emitida por unidade de tempo e área por um corpo negro à temperatura T. Assim: Como visto na figura anterior cresce rapidamente com o aumento da temperatura. Esse resultado foi enunciado pela primeira vez em 1879, é conhecido como Lei de Stefan- Boltzmann e estabelece uma relação entre a radiância e a quarta potência da temperatura. 61 onde, A equação acima pode ser ilustrada por uma situação corriqueira em nossas vidas. Quando um forno está acesso em nossa cozinha, ele emite radiação infravermelha que preenche toda a cozinha. A energia (por unidade de volume) desta radiação é proporcional à temperatura em que o forno se encontra elevada á quarta potência. Quanto mais alta a temperatura do forno maior a energia/volume no ambiente. O fato de esta equação fornecer que a temperatura pode ser expressa como a raiz quarta da razão entre a radiância e a constante de Stefan-Boltzmann não nos permite dizer que conhecemos o significado de temperatura. Tal lei é valida e afirma que a temperatura tem um papel fundamental na determinação de propriedades físicas relacionadas com a energia, ou seja, na determinação da radiância. Nada, além disso. 3.8 Correção quântica à equação de Clapeyron A equação de Clapeyron que dá origem à equação (3.6.22) precisa ser modificada quando as moléculas do gás interagem umas com as outras ou o gás se encontra a baixa temperatura. A interação entre moléculas é significativa e as considerações da Física Quântica e das estatísticas de Bose e de Fermi, levam a correções mostradas na equação abaixo: 62 O primeiro termo do lado direito da equação corresponde ao tratamento clássico e é obtido no limite quântico quando , a constante de Planck, tende a zero. Esta equação permite obter uma nova expressão para a energia cinética: Como dissemos acima h é a constante de Planck e C depende do tipo de gás que estamos considerando. Por exemplo, para o , um isótopo de hélio com dois nêutrons, a constante C vale e para o , isótopo raro de hélio com apenas um nêutron, a constante vale C . A energia cinética média ainda contém o termo clássico que depende linearmente da temperatura e a ele acrescenta-se outro termo que depende do número de moléculas N, do volume total V, bem como da temperatura elevada a potência (-1/2). Embora exata, não podemos usar esta equação para dar o significado de temperatura como energia cinética media ou qualquer outro. A uma mesma temperatura, temos diferentes valores da energia cinética media para diferentes gases devido às diferentes constantes C. Certamente temperatura não significa energia cinética média, também nos sistemas quânticos. 63 Capítulo 4 A apresentação do conceito de calor e a possível indução a erros 4.1 Contato térmico entre corpos com diferentes temperaturas Lei Zero - Em geral o estudo da Termodinâmica se inicia com a lei zero, que por sua importância reconhecida somente depois de enunciadas as outras três leis, recebe este nome. Sua simplicidade e aparente obviedade não a exime de comprovação experimental. Sua apresentação e, consequente discussão, necessita de um princípio básico sobre o qual a termodinâmica se assenta e que estabelece: em um sistema isolado de sua vizinhança não há troca de energia ou matéria e passado o tempo suficiente para que as transformações necessárias ocorram, sempre será atingido um estado em que as grandezas termodinâmicas mensuráveis são constantes. Este estado final de equilíbrio do sistema é denominado equilíbrio termodinâmico e quando houver constância apenas da temperatura - equilíbrio térmico. Seja um sistema A que está a uma determinada temperatura em equilíbrio termodinâmico com um sistema B. Assim, se o sistema A também está em equilíbrio termodinâmico com outro sistema C, podemos dizer também que B está em equilíbrio termodinâmico com C. Figura 17: Representação da Lei Zero da Termodinâmica http://www.fisicaevestibular.com.br/termica1.htm 64 Este experimento mostra a que há uma interação térmica entre os três corpos do sistema que resulta em uma mesma temperatura final eles. Nesta interação térmica houve contato entre os corpos. Fig. 18: Equilíbrio térmico. http://www.flickr.com/photos/33343577@N05/3118197176/sizes/m/in/photostream/ Porém, não é necessário que haja contato entre os corpos para que haja troca de energia em forma de calor e um equilíbrio termodinâmico se estabeleça entre os mesmos. Figura 19: Equilíbrio termodinâmico sem contato 65 Na maioria dos textos os corpos são colocados em contato, mas isso não é necessário. O contato pode dar a impressão errada de que calor flui como substância entre os corpos. Quando afastados, como o sistema está isolado, o equilíbrio térmico acontece da mesma maneira, mas pelas trocas de calor por radiação. Talvez assim evite o erro se tratar ou pensar calor como algo trocado entre corpos. 4.2 Capacidade Calorífica Como se discute na literatura científica destinada ao ensino de Física ,um termo melhor do que “quantidade de calor” para medir a quantidade de energia trocada entre corpos seria “quantidade de energia” , isso evitaria pensar em calor como substância ou algo que os corpos contêm. É fato, no entanto, que os livros-texto e também artigos científicos apresentam uma grandeza denominada Capacidade Calorífica ou Capacidade Térmica C de um corpo, que fala sobre a quantidade de calor (∆Q) que é necessário fornecer a ele para causar-lhe uma determinada variação de temperatura (∆T). Assim: É importante lembrar que a Capacidade Térmica caracteriza o corpo, e não a substancia de que ele é feito, ou seja, corpos de massas diferentes e de mesma substância possuem capacidades térmicas diferentes. Grande capacidade calorífica significa o corpo pode ceder ou ganhar grande quantidade de calor sofrendo pequena variação de temperatura. Pequena capacidade calorífica significa que ao absorver ou ceder pequena quantidade de calor, sofre grande variação de temperatura. Gaspar, já menciona que o termo “capacidade” não é o mais adequado, pois não se pode encher um corpo com calor. Por exemplo, quando se fala na capacidade de um vagão de metrô, de um teatro ou de uma caixa, a palavra está relacionada com volume e por isso a mesma relação se faz erroneamente com calor. A equação (4.2.1) pode ainda ser escrita como, 66 o que tende a confundir os estudantes recém apresentados ao estudo da termodinâmica, seguindo um raciocínio superficial como:  Se a capacidade térmica é constante para um dado corpo  Então a quantidade de calor e variação da temperatura são equivalentes e ainda calor é o mesmo que temperatura. Embora a capacidade térmica C seja constante para um dado corpo esta constante não é adimensional e, portanto, a razão que a define não é uma razão de duas grandezas iguais. Calor específico, c, é a grandeza que caracteriza uma substância do ponto vista da termodinâmica, sendo também conhecida como Calor Sensível, Capacidade Calorífica Específica ou Capacidade Térmica Mássica. Para cada substancia em um dado estado físico, o calor específico é constante. Novamente o termo “capacidade” pode ser um dificultador de entendimento. No século 18 esta grandeza era chamada “afinidade pelo calor” ou “facilidade para receber calor” o que do ponto de vista da não indução ao erro talvez fosse mais apropriado. Calor específico de uma substancia é definido como a razão entre a Capacidade Calorífica do corpo composta por ela e a massa desse corpo. Em termos da quantidade de calor cedida ao corpo e da variação de temperatura provocada, temos: 67 A proporcionalidade entre a quantidade de calor ∆Q fornecida e a variação de temperatura ∆T provocada, leva a idéia errada de que temperatura é uma medida da concentração de calor num corpo. 4.3 Calor latente O calor latente L de um material informa a quantidade de calor que uma unidade de massa desse material precisa receber ou perder exclusivamente para mudar de estado físico ou de fase. No processo, embora o material esteja recebendo ou perdendo calor Q, sua temperatura não varia enquanto não se completa a mudança de fase. Os textos didáticos muitas vezes explicam que o termo latente vem do latim e que significa escondido. Aqui embora não apareça explicitamente a temperatura, ainda se corre o perigo de duas interpretações erradas:  falar em calor escondido pode levar ao erro de se considerar como “algo” (substância) que fica guardado no interior de um material. Tal como comentamos no capitulo 2, a linguagem neste caso não é uma representação passiva do conceito e pode reforçar ou induzir a idéias incorretas.  como se afirma que a temperatura do material não muda , pode-se entender que não mudou porque ficou escondido e não é percebido, então novamente os conceitos de calor e temperatura se confundem. 4.4 Calor e Energia interna É postulado que qualquer corpo macroscópico contém uma quantidade de energia interna determinada por sua massa, composição, temperatura, pressão e em certos casos até pelos campos elétricos e magnéticos. Associam-se a ela as energias cinética e potencial das 68 partículas (microscópicas) que constituem o corpo (macroscópico). Mudanças na energia interna de um corpo podem acontecer de duas maneiras: pelo trabalho realizado por ele ou nele ou pelo calor transferido para ele ou dele. Trabalho é definido na mecânica clássica como o produto escalar da força pelo deslocamento do ponto de aplicação da força, estas grandezas são tratadas como observáveis macroscópicas. No entanto, elas não são exclusivas de sistemas mecânicos, pois cargas elétricas também realizam trabalho. Calor, como já vimos, é a energia transmitida como resultado da diferença de temperatura. A variação na energia interna ∆U de um corpo ou sistema quando é realizado trabalho ∆W sobre ele e calor ∆Q é transferido dele, é expressa pela primeira lei da Termodinâmica como: Energia interna é uma função de estado, ou seja, seu valor para uma dada massa de substancia é determinado pela temperatura e pela pressão. Assim ao passar de um estado com valores e de pressão e temperatura para outro com valores P e T, ocorrerá uma variação da energia interna ∆U. Trabalho e calor se referem apenas a energia em processo de transferência, logo se entende a primeira lei como um balanço das energias que concorrem no sistema. Diante das considerações acima sobre calor, trabalho e energia interna, pode-se entender calor como: “…a energia macroscópica transferida por meio não mecânico e não elétrico e igual à diferença entre a energia interna e o trabalho realizado.” Referindo-se à equação da conservação de energia vinda da primeira lei, essa energia transferida é a quantidade de calor suprida ∆Q, 69 e deste modo pode-se distinguir os conceitos de calor e variação de energia interna. Muitos estudantes têm dificuldade de fazer esta distinção porque há uma tendência de simplificar o assunto para apresentá-lo no nível médio de ensino, e neste caso trata-se inicialmente ou tão somente de um sistema onde não há realização de trabalho, ou seja, ∆W é zero. 4.5 Calor e energia cinética molecular É bastante comum tratar calor como sendo a energia cinética das moléculas de um corpo, mas esta é uma afirmação pouco sustentável. Sabe-se que nos sólidos e líquidos, as moléculas estão sob a ação de forças intermoleculares exercidas por suas vizinhas e, portanto, elas têm energia potencial tanto quanto cinética. Nos sólidos, como elas vibram em torno de sua posição de equilíbrio essa energia vibracional é distribuída igualmente em cinética e potencial. Nos gases, a maior contribuição para a energia interna vem dos potenciais inter- atômicos entre moléculas. Pensando no caso do calor latente já discutido acima, quando há mudança de fase de forma isotérmica poderia se pensar que não há qualquer mudança na energia cinética , uma vez que a temperatura e ela têm relação direta. Como nos processos de fusão e evaporação, por exemplo, há grande necessidade de suprimento de calor, essa igualdade entre calor e energia cinética molecular perde todo o sentido: o que ocorre é que o calor é usado para aumentar a energia potencial intermolecular. 4.6 O conceito de entropia Do ponto de vista histórico não se sabe ao certo se a inspiração para o conceito de entropia vem do trabalho de Carnot sobre as máquinas térmicas e seu rendimento. Onde exatamente a entropia entraria na explicação do funcionamento das máquinas térmicas? A 70 segunda lei da Termodinâmica fala da irreversibilidade das trocas de calor ou da impossibilidade de uma máquina térmica transformar todo calor que recebe em trabalho. No caso em que a substancia operante na máquina térmica é um gás ideal, há uma igualdade entre relações envolvendo as temperaturas da fonte quente e fria e o calor retirado e cedido, respectivamente: Carnot pensava que havia conservação de calor, mas depois se entendeu que a conservação é da proporcionalidade . Sob es