JOSÉ BONIFÁCIO MARTINS FILHO MODELAGEM DA DEMANDA HÍDRICA ATUAL E FUTURA DA CULTURA DA SOJA EM GOIÁS UTILIZANDO PRODUTOS DE SENSORIAMENTO REMOTO Botucatu 2025 JOSÉ BONIFÁCIO MARTINS FILHO MODELAGEM DA DEMANDA HÍDRICA ATUAL E FUTURA DO CULTIVO DA SOJA EM GOIÁS UTILIZANDO PRODUTOS DE SENSORIAMENTO REMOTO Tese apresentada à Faculdade de Ciências Agronômicas da Unesp Câmpus de Botucatu, para obtenção do título de Doutor em Engenharia Agrícola. Orientador(a): Dr. Lineu Neiva Rodrigues Botucatu 2025 AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus pela vida e pela sua misericórdia sem fim, a Ele que nos dias turbulentos me deu forças para nunca desistir dos meus objetivos, guiando meus passos e sedimentando o meu caminho. À Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" pela oportunidade e por proporcionar a estrutura necessária para meu crescimento profissional e pessoal. Ao meu orientador, Dr. Lineu Neiva Rodrigues, pela atenção, confiança e orientação ao longo dessa jornada. Foi uma honra tê-lo como orientador. Aos professores que compõem o corpo docente do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Agrícola pelo empenho e dedicação no processo de ensino e aprendizagem. Aos meus familiares por me ensinarem sobre a relevância da perseverança e do valor da união familiar em todos os momentos. Em especial aos meus avós (in memoriam), Artur Muniz e Antônia do Carmo, pelo exemplo que foram em vida de amor, sabedoria e força que seguirá comigo para sempre. A todos os amigos e colegas que tive a honra de conhecer durante essa trajetória em Botucatu, e que se tornaram uma rede de apoio e confiança mútua para vida profissional e pessoal, e que contribuíram direta ou indiretamente para conclusão deste trabalho. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. A todos que me incentivaram, muito obrigado. RESUMO No Brasil, de maneira geral, existe uma carência de dados climáticos, nas escalas adequadas, necessários para o gerenciamento de recursos hídricos. Em regiões como o Cerrado, onde a agricultura é intensiva e fortemente dependente da disponibilidade de água, é importante que se desenvolva um planejamento estratégico, que viabilize o desenvolvimento sustentável da agricultura na região. A escassez de dados, entretanto, limita a adoção de modelos matemáticos e, consequentemente, dificulta a inclusão de cenários nos planos de desenvolvimento, o que, muitas vezes, leva a simplificações nas tomadas de decisão. A carência dessas informações pode ser superada a partir de alternativas abrangendo o sensoriamento remoto, como por exemplo as reanálises de dados climáticos. Diante desse contexto, este estudo teve como propósito estimar a demanda hídrica e a produtividade atual e futura da cultura da soja no estado de Goiás utilizando produtos de sensoriamento remoto e modelos de previsão climática. Foi realizado o download de dados de precipitação e variáveis necessárias para estimativa da evapotranspiração de referência (ETo) oriundas do INMET/ANA e das reanálises Nasa Power (NP) e Era5-Land (EL). Foram utilizados indicadores estatísticos para a análise de desempenho dos dados estimados por reanálises e os vieses corrigidos pelo método de escalonamento linear. A demanda hídrica atual do cultivo da soja foi categorizada em demanda por água azul e verde. A demanda hídrica futura foi estimada a partir de dados de projeções futuras disponibilizados pelo CPTEC/INPE. A modelagem da produtividade da soja foi realizada a partir de modelo de penalização pelo déficit hídrico proposto por Doorenbos e Kassam (1977) e por Monteiro et al (2017). Todas as simulações realizadas consideraram duas datas de semeadura, 15 de outubro e 10 de novembro. Os resultados indicaram maiores valores de erros nas estimativas de ETo e precipitação com dados oriundos da reanálise EL quando comparada ao NP. Os cenários climáticos para os períodos de 2040-2070 e 2070-2099 apontam uma redução expressiva na contribuição da água verde para a demanda hídrica da soja no estado de Goiás, especialmente no cenário SSP5-8.5, que antecipa uma diminuição significativa nas precipitações. Este estudo evidencia o impacto significativo das mudanças climáticas na produtividade da soja em Goiás, com penalizações pelo déficit hídrico crescentes nos cenários futuros, especialmente no SSP5-8.5 (2070-2099), onde perdas superiores a 50% foram observadas em diversos municípios. A análise das datas de plantio revelou que, embora a semeadura em 10 de novembro apresente menores perdas em cenários intermediários, as condições climáticas futuras em cenários pessimistas tornam ambas as datas igualmente vulneráveis. Palavras-chave: agricultura irrigada; reanálises climáticas; mudanças climáticas; quebra de produtividade; água azul; água verde. ABSTRACT In Brazil, there is a general lack of climate data at appropriate scales necessary for water resource management. In regions such as the Cerrado, where agriculture is intensive and highly dependent on water availability, it is crucial to develop strategic planning that enables the sustainable development of agriculture in the region. However, data scarcity limits the adoption of mathematical models and, consequently, hinders the inclusion of scenarios in development plans, often leading to simplified decision-making. This lack of information can be addressed through alternatives involving remote sensing, such as climate data reanalysis. In this context, the objective of this study was to estimate the water demand and the current and future productivity of soybean crops in the state of Goiás using remote sensing products and climate forecasting models. Precipitation data and variables necessary for estimating reference evapotranspiration (ETo) were downloaded from INMET/ANA and the reanalysis datasets NASA Power (NP) and ERA5-Land (EL). Statistical indicators were used to assess the performance of reanalysis-derived data, and biases were corrected using the linear scaling method. The current water demand for soybean cultivation was categorized into blue and green water demand. Future water demand was estimated using future projection data provided by CPTEC/INPE. Soybean yield modeling was performed using the water deficit penalty model proposed by Doorenbos and Kassam (1977) and Monteiro et al. (2017). All simulations considered two sowing dates: October 15 and November 10. The results indicated higher error values in ETo and precipitation estimates using EL reanalysis data compared to NP. Climate scenarios for the periods 2040-2070 and 2070-2099 indicate a significant reduction in green water contribution to soybean water demand in Goiás, particularly under the SSP5-8.5 scenario, which projects a substantial decrease in precipitation. This study highlights the significant impact of climate change on soybean productivity in Goiás, with increasing penalties due to water deficit in future scenarios, especially under SSP5-8.5 (2070- 2099), where losses exceeding 50% were observed in several municipalities. The analysis of planting dates revealed that although sowing on November 10 results in lower losses under intermediate scenarios, future climate conditions in pessimistic scenarios make both dates equally vulnerable. Keywords: irrigated agriculture; climate reanalysis; climate change; yield gap; blue water; green water. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 - Produção de soja no estado de Goiás por município (2023).....................23 Figura 2 - Mapa do Brasil com destaque para o bioma Cerrado (a), Bioma Cerrado com destaque para o estado de Goiás (b) e Estado de Goiás (c)............37 Figura 3 - Capacidade de água disponível (CAD) no estado de Goiás........................38 Figura 4 - Estações pluviométrica (a) e meteorológicas (b).........................................39 Figura 5 - Precipitação média mensal (mm), evapotranspiração de referência (mm), temperatura média máxima e mínima do estado de Goiás a partir dos dados das estações meteorológicas e postos pluviométricos (1988- 2008).........................................................................................................50 Figura 6 - Desempenho estatístico da ETo diária estimada pela reanálise a) NP após correção de viés e ETo estimada pela reanálise b) EL após correção de viés.......................................................................................................52 Figura 7 - Desempenho estatístico da ETo mensal estimada pela reanálise a) NP após correção de viés e ETo estimada pela reanálise b) EL após correção de viés............................................................................................................53 Figura 8 - Desempenho estatístico da precipitação diária estimada pela reanálise a) NP após correção de viés e a precipitação estimada pela reanálise b) EL após correção de viés................................................................................55 Figura 9 - Desempenho estatístico da precipitação mensal estimada pela reanálise a) NP após correção de viés e a precipitação estimada pela reanálise b) EL após correção de viés................................................................................56 Figura 10 - Balaço hídrico climatológico médio para os 20 municípios com maior produção de soja em Goiás a partir dos dados do Nasa Power referência (1988-2022), Figura (a), cenário SSP2-4.5, para período de 2040-2070, Figura (b) e 2070-2099, Figura (c) e cenário SSP5-8.5 para período 2040- 2070, Figura (d) e 2070-2099, Figura (e). As porcentagens apresentadas no interior das figuras representam a fração do excedente ou déficit hídrico relativo correspondente a cada mês em relação ao total anual..........................................................................................................59 Figura 11 - Distribuição temporal dos índices de anomalia de chuva médio para os 20 municípios com maior produção de soja em Goiás para cenário SSP2-4.5, para período de 2040-2099, Figura (a), e cenário SSP5-8.5 para período 2040-2099, Figura (b)................................................................................62 Figura 12 - Necessidade hídrica total da cultura da soja, para uma frequência de excedência igual a 20%, para as semeaduras em 15 de outubro e 10 de novembro, com base nos dados do Nasa Power corrigidos, para o período de 1988-2022. Destacando em verde a fração da demanda suprida com água da chuva e em azul a fração suprida com a irrigação.....................................................................................................65 Figura 13 - Necessidades hídricas médias, para os vinte municípios, considerando as contribuições provenientes da água da chuva, (verde), e da irrigação (azul), para as semeaduras da soja em 15 de outubro, e 10 de novembro, com base nos dados do Nasa Power corrigidos, para o período de 1988- 2022...........................................................................................................67 Figura 14 - Necessidade hídrica total da cultura da soja, para os vinte municípios maiores produtores, para frequência de excedência igual a 20%, para as semeaduras em 15 de outubro e 10 de novembro, para o cenário SSP2-4.5 períodos 2040-2070, Figuras (a) e (b), e 2070-2099, Figuras (c) e (d)..............................................................................................................69 Figura 15 - Necessidade hídrica total da cultura da soja, para os vinte municípios maiores produtores, para frequência de excedência igual a 20%, para as semeaduras em 15 de outubro e 10 de novembro, para o cenário SSP5-8.5 períodos 2040-2070, Figuras (a) e (b), e 2070-2099, Figuras (c) e (d)..............................................................................................................72 Figura 16 - Aumento da demanda hídrica total (DHT) projetada para os diferentes períodos e cenários de semeadura da soja. SSP2-4.5: 2040-2070 em 15 de outubro (a) e 10 de novembro (b); 2070-2099 em 15 de outubro (c) e 10 de novembro (d); SSP5-8.5: 2040-2070 em 15 de outubro (e) e 10 de novembro (f); 2070-2099 em 15 de outubro (g) e 10 de novembro (h)..............................................................................................................75 Figura 17 - Contribuições hídricas médias (%) provenientes da chuva (verde) e da irrigação (azul), para as semeaduras da soja em 15 de outubro e 10 de novembro, com base nos dados do NP para o período de referência (de 1988 a 2022) e para os períodos de 2040-2070 e 2070-2099, nos cenários SSP2-4.5 e SSP5-8.5................................................................................77 Figura 18 - Quebra de produtividade (Qp) da cultura da soja (%) em função do déficit hídrico nos 20 municípios de Goiás, para as semeaduras em 15 de outubro e 10 de novembro, para o período de referência (1988-2022), Figuras (a) e (b); para o cenário SSP2-4.5 períodos 2040-2070, Figuras (c) e (d), e 2070- 2099, Figuras (e) e (f); cenário SSP5-8.5 períodos 2040-2070, Figuras (g) e (h), e 2070-2099, Figuras (i) e (j).............................................................80 Figura 19 - Desempenho do modelo calibrado de estimativa de produtividade média da soja (kg ha-1) nos 20 municípios com maior produtividade de soja em Goiás.........................................................................................................83 Figura 20 - Produtividades potencial tecnológica média, Produtividades médias observadas (IBGE) e produtividades médias estimadas pelo modelo, para o período de 2015 a 2022...........................................................................85 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Municípios com maior quantidade produzida de soja (toneladas) e área total irrigada (hectares) por município......................................................25 Tabela 2 – Coeficientes de cultivo (Kc) para estágio inicial, intermediário e final do ciclo da soja.............................................................................................30 Tabela 3 – Índices médios de eventos extremos de precipitação, para os vinte municípios, para os períodos de semeaduras da soja em 15 de outubro e 10 de novembro, com base nos dados do NP para o período de referência (1988 a 2022) e para os períodos de 2040-2070 e 2070-2099, nos cenários SSP2-4.5 e SSP5- 8.5...........................................................................................................78 Tabela 4 – Desempenho do modelo calibrado de estimativa de produtividade da soja (kg ha-1) em municípios de Goiás.............................................................84 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO............................................................................................ 19 2 REVISÃO DE LITERATURA...................................................................... 23 2.1 Agricultura irrigada em Goiás ................................................................ 23 2.2 Precipitação ............................................................................................. 26 2.3 Evapotranspiração................................................................................... 27 2.4 Produtos de sensoriamento remoto ...................................................... 30 2.5 Água verde e azul na agricultura ............................................................ 31 2.6 Mudanças climáticas ............................................................................... 32 2.7 Quebra de produtividade causada pelo déficit hídrico ........................ 34 3 MATERIAL E MÉTODOS........................................................................... 37 3.1 Área de estudo ......................................................................................... 37 3.2 Base de dados meteorológicos observados ......................................... 38 3.3 Dados de precipitação observados........................................................ 39 3.4 Evapotranspiração de referência (ETo) ................................................. 40 3.5 Bases de dados meteorológicos – Reanálises climáticas ................... 40 3.6 Análise do desempenho das reanálises ................................................ 42 3.7 Correção de viés nos dados de reanálises ........................................... 43 3.8 Demanda de água verde e azul para a soja ........................................... 44 3.9 Estimativa da demanda hídrica futura da soja ...................................... 45 3.10 Balanço hídrico climatológico ................................................................ 46 3.11 Índice de anomalias de chuva ................................................................ 46 3.12 Modelagem da produtividade da cultura da soja .................................. 47 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO................................................................. 50 4.1 Análise dos dados observados .............................................................. 50 4.2 Avaliação da acurácia da evapotranspiração e precipitação . ............. 51 4.3 Balanço hídrico atual e futuro e anomalias de chuva .......................... 58 4.4 Estimativa, atual e futura, das demandas de água verde e azul para a cultura da soja ....................................................................................... 63 4.5 Modelagem da produtividade atual e futura da cultura da soja .......... 79 5 CONCLUSÕES........................................................................................... 87 REFERÊNCIAS.......................................................................................... 88 APÊNDICE A.......................................................................................... 102 APÊNDICE B.......................................................................................... 103 19 1 INTRODUÇÃO No início da década de 1970, com o fortalecimento da pesquisa agropecuária, observou-se uma expansão da fronteira agrícola brasileira, que foi gradualmente subindo do Sul (clima temperado) até o Cerrado (clima tropical). Atualmente, o Brasil exerce um papel fundamental na produção global de alimentos, destacando- se como um dos principais produtores e exportadores de diversas commodities agrícolas (Hosono; Hongo, 2016; Rudorff; Risso, 2015). O Cerrado com cerca de 200 milhões de hectares, equivale a 24% do território brasileiro, essa região engloba total ou parcialmente 13 estados brasileiros (Rodrigues et al., 2023). Desta área total, cerca de 22,4 milhões hectares são de terras consideradas de alta aptidão agrícola, sendo cultivadas com culturas anuais e perenes (PROJETO MAPBIOMAS, 2022). O Cerrado brasileiro apresenta um regime climático caracterizado por uma estação chuvosa e outra seca bem definidas, o que torna a irrigação um componente fundamental para garantir a sustentabilidade da produção agrícola (Rodrigues, 2024). Essa região concentra mais de 4,1 milhões de hectares de áreas irrigadas, com a predominância histórica de sistemas de aspersão por pivô central. Destaca-se, atualmente que 75% dos pivôs centrais instalados no Brasil estão concentrados nesse bioma, evidenciando sua importância no contexto da agricultura irrigada nacional (Sano et al., 2024; Althoff; Rodrigues, 2019). O estado de Goiás, com 98% da sua área fazendo parte do Cerrado (Rodrigues et al., 2023), produz em média 10,9% da produção de grãos do Brasil (IBGE, 2023). Em 2020, foram mais de 5,4 milhões de hectares utilizados para a produção de feijão, milho e soja, totalizando, respectivamente, 351.454; 11.838.775 e 12.837.120 toneladas (IBGE, 2023). A soja (Glycine max) é principal cultura de valor econômico de Goiás, é uma commodity produzida principalmente para fins de alimentação animal. É uma planta de metabolismo C3, que a partir dos programas de melhoramento genético, tem apresentado melhorias na produtividade e adaptabilidade a diferentes condições climáticas. A sojicultura tem impulsionado a economia de Goiás e foi a atividade com um valor bruto de produção de cerca de R$ 41,3 bilhões em 2022 (IBGE, 2023). Goiás possui cerca de 3,9 mil equipamentos de pivôs em operação, irrigando uma área total de 261,4 mil ha (ANA, 2020). Embora Goiás apresente potencial de 20 crescimento da área irrigada de mais 4,3 milhões de hectares (Dourado Neto et al., 2022), já se observa no estado um crescimento nas disputas pelo uso de recursos hídricos, em bacias hidrográficas estratégicas para o desenvolvimento da agricultura irrigada, indicando que o crescimento da irrigação nessa região tem que ser planejado (Rodrigues et al., 2015). Qualquer planejamento que vise o crescimento sustentável da agricultura irrigada nessa região deverá utilizar, entre suas estratégias, cenários de produção agrícola, construídos com base em diferentes estratégias de manejo de irrigação. Para elaboração desses cenários, a aplicação de ferramentas computacionais, fundamentadas em modelos matemáticos, são essenciais. Uma das dificuldades na utilização dessas ferramentas de apoio à decisão é a carência de dados hidroclimáticos para a estimativa da oferta e da demanda hídrica. No Brasil, de maneira geral, existe uma carência de dados climáticos, necessários para o planejamento agrícola e gerenciamento de recursos hídricos. Por exemplo, a maior parte do Cerrado é carente de dados hidrometeorológicos e de informações técnicas que viabilizem estimativas confiáveis de demanda e de oferta hídrica em trechos específicos de cursos de água em bacias hidrográficas da região (Althoff et al., 2020). Essa falta de dados, especialmente para bacias hidrográficas de pequena dimensão, tem prejudicado a gestão de recursos hídricos e tem trazido insegurança aos usuários, em especial em bacias hidrográficas nas quais a agricultura irrigada é predominante. Os produtos originados de sensoriamento remoto têm sido aplicados com êxito na modelagem de diversos eventos hidroclimáticos, principalmente, na modelagem hidrológica com modelos distribuídos aplicados a regiões com escassez de dados (Jiang; Wang, 2019). Esses produtos apresentam potencial de aplicação que estão sendo cada vez mais explorado (Worqlul et al., 2014; Li, 2012), apresentando grande relevância por melhor representar fenômenos de caráter espaço-temporal. Estimativas de precipitação podem ser realizadas a partir de produtos de satélites tais como o CHIRPS v2.0 (Funk et al., 2015) e MSWEP v2.2 (Beck, 2018) e produtos de reanálises de dados climáticos como MERRA-2 (Gelaro, 2017; Reichle, 2017) JRA-55 (Kobayashi, 2015), ERA-20CM (Hersbach et al., 2015), ERA5 (Hersbach et al., 2020) e, ERA5-Land (Muñoz Sabater, 2021). Os produtos de reanálise podem ser complementares aos recursos já existentes, como, por exemplo, sensores de satélites e VANTS, para estimativas 21 de elementos climáticos. Esses produtos correspondem a um conjunto de dados organizados em grade, específicos para um determinado período, derivado do uso de técnicas de assimilação de dados (Blacutt, 2015). Nota-se, no entanto, que existem poucos estudos sobre a qualidade e aplicação de produtos de reanálise para o Cerrado brasileiro. Ademais, tem se tornado comum a obtenção de dados meteorológicos em plataformas globais de monitoramento de tempo e clima, tais como a ERA-Interim do ECMWF (Muñoz Sabater, 2021) e Nasa Power (Stackhouse et al., 2015). Essas plataformas consistem em bancos de dados que têm sido utilizados para preencher falhas em séries temporais de dados de superfície (Giovanella et al., 2021), realizar estimativa da deficiência hídrica no solo (Aparecido et al., 2019), entre outros estudos abrangendo agrometeorologia (Marín et al., 2019) e mudanças climáticas (Yang et al., 2024). A avaliação dos produtos da Nasa Power e ERA5-Land, para a estimativa de temperatura próxima a superfície e humidade relativa do ar para a região norte do Iraque e sul da Itália, foi satisfatória (Tayyeh; Mohammed, 2023; Pelosi, et al., 2020). Essas reanálises foram utilizadas também com êxito na modelagem de produtividade agrícola (Aparecido et al., 2020) e no estudo de eventos climáticos extremos e potencial eólico em regiões para produção de energia renovável (Braga, et al., 2021). A produção agrícola é dependente do clima. O aumento da variabilidade climática, tem aumentado as incertezas na produção de alimentos. Para as próximas décadas, é esperado que diversos setores da economia sejam afetados pelas mudanças climáticas, especialmente a agricultura (Thayer et al., 2020). O aumento tanto da duração da estação seca quanto da concentração das chuvas em períodos curtos, aumentará o estresse hídrico das culturas, podendo aumentar também a demanda por irrigação na região. Tal cenário pode intensificar-se, caso as projeções climáticas para a região do Cerrado se confirmem, as quais sugerem um aumento da temperatura, prolongamento da estação de seca e uma redução na disponibilidade hídrica (Chou et al., 2014a; Rodrigues et al., 2024). Nesse contexto, será cada vez mais necessário que haja um planejamento estratégico de intensificação da irrigação, considerando os possíveis impactos de diferentes estratégias de manejo de irrigação na sustentabilidade dos sistemas de produção da agricultura regional. 22 Um dos principais parâmetros empregados na avaliação dos impactos das condições climáticas e das práticas de manejo sobre a produtividade agrícola é a quebra de produtividade. Esse indicador é definido como a diferença entre o rendimento potencial e a produtividade efetivamente alcançada no campo (FAO; DWFI, 2015). Sua relevância se destaca no âmbito da sustentabilidade dos sistemas de produção agrícola, pois sintetiza e expressa, de maneira integrada, os três pilares fundamentais da sustentabilidade, o ambiental, o econômico e o social. No aspecto ambiental, reduzir a quebra de produtividade é um objetivo crucial ao mitigar a necessidade de expansão e abertura de novas áreas para fins agrícolas, contribuindo para a preservação dos ecossistemas naturais (Zhao et al., 2023). Sob a ótica econômica, esse aumento produtivo possibilita a otimização de recursos financeiros, a redução de custos operacionais dos produtores agrícolas (Setiya et al. 2022). Por fim, no âmbito social, o aumento da eficiência agrícola promove maior disponibilidade de alimentos, reforçando a segurança alimentar, favorecida por safras mais expressivas e com vistas a atender às demandas de uma população global em constante crescimento (Visses et al., 2018). 1.1 Objetivos 1.1.1 Geral Estimar a demanda hídrica e a produtividade atual e futura da cultura da soja no estado de Goiás utilizando produtos de sensoriamento remoto e modelos de previsão climática. 1.1.2 Específicos - Avaliar a acurácia dos dados de precipitação e evapotranspiração de longo prazo obtidos a partir de produtos de sensoriamento remoto; - Estimar a demanda de água total e as contribuições de águas verde e azul, atual e futura, da cultura da soja no estado de Goiás; - Estimar a produtividade atual e futura da cultura da soja a partir do balanço hídrico climatológico. 23 2 REVISÃO DE LITERATURA 2.1 Agricultura irrigada em Goiás O Brasil está entre os maiores produtores mundiais de alimento, detendo cerca 6,4% das exportações agrícolas mundiais (WTO, 2023). Com seus 200 milhões de hectares, o Cerrado é fundamental para a agricultura brasileira, respondendo por mais da metade da produção agrícola brasileira (IBGE, 2023). O êxito da atividade agrícola neste ecossistema decorre primariamente de significativos investimentos em tecnologia, estratégias de manejo e a aplicação de insumos agropecuários. A agropecuária é uma das principais atividades econômicas do estado de Goiás, é responsável por 11,4% do PIB estadual e emprega cerca de 300 mil pessoas (IMB, 2022). Nesse contexto, o principal cultivo de interesse econômico em Goiás é a cultura da soja que ocupa área de cerca de 4,5 milhões de hectares de área plantada (IBGE, 2023). Na Figura 1 é apresentada a produção de soja (em toneladas) por município no território goiano. O sudoeste do estado de Goiás é a microrregião com maior quantidade produzida de grãos. O município de Rio Verde se destaca como o maior produtor de soja (1,6 milhão de toneladas) no estado. Figura 1- Produção de soja no estado de Goiás por município (2023) Fonte: Elaborado a partir de dados do IBGE (2023). O aumento expressivo da demanda global por soja nas últimas duas décadas tem sido impulsionado, em grande parte, pelo crescimento do consumo na China, que se Figura 1. Produção de soja e milho no estado de Goiás por município (2022). 24 consolidou como o principal importador da oleaginosa brasileira. As projeções indicam uma tendência contínua de expansão desse mercado, refletindo a importância estratégica da soja na cadeia produtiva, especialmente na fabricação de farelo e óleo, produtos essenciais para a indústria de alimentos e a nutrição animal (Zhao et al., 2021). Nesse contexto, o Cerrado brasileiro, com destaque para o estado de Goiás, desponta como um agente fundamental na ampliação da oferta de grãos para atender a essa crescente demanda mundial. A disponibilidade de vastas áreas agrícolas aptas para a expansão da produção, aliada ao aumento da adoção de tecnologias de irrigação, torna essa região altamente estratégica para o fortalecimento da produção nacional. A agricultura irrigada, ao mitigar os impactos da variabilidade climática e permitir a intensificação dos cultivos, possibilita um incremento significativo na produtividade, contribuindo para a consolidação do Brasil como um dos principais fornecedores globais de soja. Na tabela 1 são apresentados os 20 municípios com maior quantidade produzida de soja e área irrigada total de cada município. O município de Cristalina é o terceiro maior produtor de soja (1.006.500 ton) e maior com área irrigada total (62.089 ha). 25 Tabela 1- Municípios com maior quantidade produzida de soja (toneladas) e área total irrigada (hectares) por município Latitude Longitude Município Quantidade produzida (ton) Área irrigada (ha) Área irrigada/ área plantada (ha) -17.79 -50.91 Rio Verde 1638000 13337 2% -17.86 -51.40 Jataí 1170000 9909 2% -16.76 -47.60 Cristalina 1006500 62089 11% -17.33 -50.68 Paraúna 596400 15558 7% -17.36 -51.08 Montividiu 553800 2010 1% -18.17 -47.95 Catalão 472000 5769 3% -17.72 -48.17 Ipameri 404000 7271 4% -17.57 -52.54 Mineiros 385000 18058 6% -18.42 -52.55 Chapadão do Céu 342000 10339 5% -16.64 -48.61 Silvânia 310250 3629 13% -17.63 -47.78 Campo Alegre 290000 10479 10% -17.29 -49.03 Piracanjuba 281400 2061 2% -16.23 -47.91 Luziânia 275603 8420 7% -18.21 -49.73 Bom Jesus 254000 10068 7% -15.13 -48.25 Padre Bernardo 252525 3284 3% -17.82 -50.58 Santa Helena de 252000 14731 11% -18.01 -49.41 Goiatuba 222870 26355 15% -17.39 -50.38 Acreúna 188700 6922 5% -14.45 -48.46 Niquelândia 182400 3523 4% -16.95 -51.80 Caiapônia 174000 2777 2% Fonte: IBGE, 2023/ ANA, 2020. Elaborado pelo autor. De acordo com informações do atlas da irrigação (ANA, 2020) Goiás possui 669 mil hectares de área irrigada com diferentes métodos e sistemas de irrigação, sendo a irrigação por pivô predominante no estado. Portanto, considerando a área plantada em 2022 de 7,68 milhões de hectares estima-se que mais de 90% da área agrícola do estado se caracteriza como agricultura de sequeiro. A partir de informações do levantamento “Uso da Água na Agricultura de Sequeiro no Brasil” (ANA; IBGE, 2020), considerando os anos entre 2013 e 2017, o cultivo em sequeiro de soja no estado de Goiás, teve em média déficit hídrico na ordem de 12%. Pesquisas sugerem que a área irrigada no Cerrado pode ser aumentada a partir de uma perspectiva de uso sustentável da água (Althoff et al., 2021). Sendo observada a tendência de expansão da irrigação por pivôs no Cerrado (Althoff; Rodrigues, 2019) e em especial no estado de Goiás (Pereira Júnior, 2017). 26 A expansão da agricultura irrigada no estado, se não for conduzida de maneira planejada e sustentável, pode intensificar os conflitos pelo uso da água, dada a crescente competição entre os diferentes setores usuários desse recurso. Dessa forma, torna-se essencial a adoção de estratégias que promovam a redução da captação hídrica nos mananciais, conciliando as demandas dos múltiplos usuários. Um planejamento integrado das bacias hidrográficas, fundamentado em princípios de gestão eficiente e equitativa, é uma abordagem fundamental para otimizar o uso da água. Nesse contexto, a implementação de tecnologias de irrigação mais eficientes e a adoção de boas práticas agrícolas são medidas estratégicas para minimizar o impacto sobre os recursos hídricos, garantindo a segurança hídrica e a sustentabilidade produtiva. Dessa forma, a gestão eficiente da irrigação em Goiás deve estar alinhada as diretrizes legais, promovendo a harmonização entre o desenvolvimento agrícola e a conservação dos recursos hídricos (Goiás, 2012). 2.2 Precipitação No ciclo hidrológico, a precipitação é o elemento que se traduz como o retorno da água condensada na atmosfera para a superfície terrestre. As chuvas são o componente de entrada do balanço hídrico que mais influenciam na agricultura, nas cidades e no meio ambiente como um todo (Minuzzi; Lopez, 2014). A importância sobre a dinâmica espaço-temporal e intensidade das chuvas é ressaltada em estudos para identificação de épocas adequadas de plantio na agricultura de sequeiro (Rocha, 2021), para compreender o potencial erosivo das chuvas (Oliveira, 2021), riscos de alagamentos (Vestena et al., 2020), entre outras áreas. A precipitação é comumente registrada por pluviômetros e sensores que medem essa variável meteorológica diretamente em superfície. Entretanto devido a baixa densidade de pontos de medições não é possível estabelecer uma uniformidade espacial e temporal das chuvas para grandes extensões (Althoff et al., 2020), essa limitação tem sido superada a partir da utilização de dados de reanálise climáticas. O estado de Goiás, segundo a Rede Hidrometeorológica Nacional possui cerca de 493 pontos de medições entre estações pluviométricas e meteorológicas (ANA, 2020), sendo esse número insuficiente para a compreensão dos eventos hidroclimáticos na totalidade do território (Althoff et al., 2020). Investimentos em novas 27 estações de medição em superfície são dispendiosos e nem todos os países podem arcar com tais despesas (Rivera et al., 2023). A obtenção de estimativas de dados de precipitação a partir de sensoriamento remoto deu-se no início de 1960 com o lançamento do satélite TIROS I (Televion and InfraRed Observation Satélite), a partir de então, com o desenvolvimento de novos recursos como radares, sensores e reanálises climáticas, as informações de eventos pluviométricos puderam ser facilmente adquiridas (Liu, 2015). Os produtos originados do sensoriamento remoto têm sido aplicados com êxito na modelagem de diversos eventos hidroclimáticos, principalmente, para a modelagem hidrológica com modelos distribuídos aplicados a regiões com escassez de dados (Jiang; Wang, 2019). Esses produtos apresentam potencial de aplicação que estão sendo cada vez mais explorado (Worqlul et al., 2014; Li, 2012), apresentando grande relevância por melhor representar fenômenos de caráter espaço-temporal. As informações a respeito das chuvas são especialmente relevantes para agricultura, haja visto que quando a precipitação não é suficiente e adequadamente distribuída ao longo do ciclo fisiológico das culturas é necessário suprir a demanda hídrica das plantas através da irrigação (Hoekstra et al., 2011). Tendo em vista que a precipitação é uma das variáveis meteorológicas mais difíceis de estimar (Tapiador et al., 2012) e que os dados de reanálises, por vezes podem não reproduzir fidedignamente as condições reais observadas em superfície, logo podem apresentar tendenciosidades ou erros nas variáveis obtidas, é necessário que os dados de estimativas de precipitação oriundos de reanálises devam ser submetidos a uma validação adequada (Jiménez-Jiménez et al., 2021; Gruber et al., 2022). 2.3 Evapotranspiração A evapotranspiração é conceituada como a transferência da água do sistema solo- planta para atmosfera em função das condições do tempo. Nesse processo, o componente evaporativo diz respeito a evaporação da água no solo, somado a umidade transpirada pelas superfícies dos vegetais (Reichardt; Timm, 2012). Há métodos diretos e indiretos para a estimativa de evapotranspiração. Os lisímetros são os principais equipamentos para determinação desse parâmetro de forma direta, entretanto é um método de alto custo e demorado (Pereira et al., 1997), 28 como alternativa tem-se métodos indiretos que se utilizam de equações que requerem variáveis atmosféricas (Silva et al., 2018). Há modelos que para a estimativa da evapotranspiração consideram apenas a temperatura do ar, como, por exemplo, os métodos de Thornthwaite (1955) e de Hargreaves (1974). Propostas simplificadas, porém, mais robustas combinam mais de uma variável, a exemplo tem-se os métodos de Priestley e Taylor (1972) e de Makkink (1957) que requerem além de temperatura, dados de radiação solar. Apesar de existir diversas metodologias, a abordagem descrita no Boletim FAO- 56 é considerada o procedimento padrão para obtenção da Evapotranspiração de Referência ETo, descrevendo a ETo como sendo aquela que acontece em condições especificas, representando a demanda hídrica de uma cultura rasteira não submetida a déficit hídrico (Allen et al., 1998). Entretanto, uma das limitações atribuídas a esse método é que ele requer um número maior de variáveis meteorológicas que podem não estar disponíveis para a área ou intervalo de tempo de interesse (Mokhtari et al., 2018). A ETo também pode ser estimada indiretamente através de imagens de satélites, a partir da aplicação de algoritmos como por exemplo o SEBAL (Surface Energy Balance Algorithm for Land) (Bastiaanssen et al., 1998), METRIC (Mapping EvapoTranspiration at high Resolution with Internalized Calibration) (Allen; Tasumi & Trezza, 2007), SAFER (Simple Algorithm for Evapotranspiration Retrieving) (Teixeira, 2010). Andrade et al. (2015) utilizaram imagens MODIS para determinar a ETo a partir do algoritmo SAFER em áreas do Mato Grosso do Sul e concluíram que se trata de ferramentas uteis para o planejamento agrícola. Os produtos do sensor MODIS também podem ser aplicadas para determinação da evapotranspiração atual (ETa), Lima et al. (2014) encontraram valores coerentes de ETa para bacias hidrográficas de Goiás. Uma alternativa de fonte dados que tem sido amplamente utilizada em estudos climáticos é a Prediction of World Wide Energy Resources da National Aeronautics and Space Administration (NASA POWER). Trata-se de uma plataforma que disponibiliza gratuitamente dados em grids, compilados de fontes de superfícies, oceanos e sensoriamento remoto, com resolução espacial de 1° (latitude-longitude) (Maldonado Junior et al., 2019). A potencialidade do uso do sistema Nasa Power para estudos agrometeorológicos tem sido atestada por pesquisas realizadas em regiões 29 indianas (Srivastava et al., 2020), na Itália (Negm et al., 2017) e no Brasil (Aparecido et al., 2020). Para fins agrícolas, tem-se a aplicação do conceito de Evapotranspiração do cultivo (ETc), que diz respeito a evapotranspiração potencial de um cultivo de interesse agronômico. Conforme proposto por Doorenbos e Pruitt (1977) a ETc pode ser estimada a partir do produto da ETo por um coeficiente de cultivo (Kc), sendo ETo referente ao requerimento atmosférico, divergindo entre localidades, enquanto o Kc varia segundo a cultura, o seu estágio de desenvolvimento e com o clima a qual está submetida (Allen et al., 1998). Diversas pesquisas de campo são realizadas com o objetivo de determinar os valores adequados de Kc para cada fase do ciclo de desenvolvimento de uma cultura. O procedimento mais amplamente utilizado consiste na aplicação de lisímetros de pesagem, os quais permitem a medição da evapotranspiração real da cultura e em seguida relacionam com a ETo. Dessa forma, torna-se possível estimar os valores diários de Kc para qualquer espécie vegetal de interesse (Bariviera, 2020). Entretanto, em razão dos elevados custos associados aos equipamentos e às operações de pesquisas em campo, existem alternativas para a estimativa de Kc. Uma dessas alternativas é o uso de sensoriamento remoto, que permite a estimativa da ETc, por exemplo através de índices de vegetação (Marcial-Pablo et al., 2021). Outra abordagem consiste no ajuste de valores de Kc previamente determinados em algumas regiões, os quais podem ser adaptados para novas localidades a partir de dados climáticos específicos, proporcionando uma estimativa prática e de baixo custo (EMBRAPA, 2021). Na Tabela 2 são apresentados os valores de Kc inicial, intermediário e final do cultivo da soja considerando os coeficientes apresentados no Boletim FAO-56 (Allen et al.,1998), e valores obtidos em pesquisas e ajustes para áreas do Cerrado. 30 Tabela 2 - Coeficientes de cultivo (Kc) para estágio inicial, intermediário e final do ciclo da soja Fonte inicial intermediário final Allen et al. (1998) 0,50 1,15 0,50 Bastos et al. (2007) 0,40 1,05 0,80 Silva et al. (2020) 0,56 1,5 0,90 Bariviera et al. (2020) 0,47 1,15 0,89 Kc FAO ajustado para Goiás 0,60 1,1 0,40 Até meados da década de 1960 era desconhecida a influência do teor de água no solo no processo de transpiração das plantas (DENMEAD; SHAW, 1962), após entendido o impacto da umidade do solo para os vegetais, tornou-se comum estudos de estimativa de ETc para diferentes culturas. Atualmente, dados de evapotranspiração são indispensáveis para gestão de recursos hídricos e modelagem da agricultura a partir do clima (Ongaratto; Bortolin, 2020). 2.4 Produtos de sensoriamento remoto O aprimoramento tecnológico dos satélites ao longo dos últimos anos permitiu avanços para além da simples observação de parâmetros atmosféricos, atualmente, esses recursos subsidiam estudos complexos sobre o clima em diversas regiões do mundo (Nascimento; Oliveira, 2018). A aplicação dos métodos de estimativas de variáveis meteorológicas a partir de sensoriamento remoto têm aumentado. O baixo custo e aplicabilidade dessa técnica em diversas áreas de estudo são vantagens frequentemente mencionada em pesquisas científicas (Pinto et al., 2014). Por outro lado, a baixa resolução espacial de alguns produtos e problemas com nebulosidade são comumente relatadas como desvantagens dessa tecnologia (Serrão et al., 2016; Salgado et al., 2019). O monitoramento das variáveis meteorológicas remotamente tem auxiliado no conhecimento da distribuição espaço-temporal da precipitação e evapotranspiração (Diogo, 2020), portanto infere-se que o sensoriamento remoto é uma técnica que pode subsidiar o planejamento agrícola em áreas com ausência de dados de superfície. Nesse contexto, dados meteorológicos de reanálises têm sido amplamente utilizados pois além de serem disponibilizados gratuitamente, apresentam abrangência global e temporal satisfatórias para aplicações e pesquisas na agricultura 31 (Maldonado et al., 2019), construção civil (Stackhouse et al., 2015), aquecimento da terra (Wang et al., 2015) entre outras abordagens. Muitas pesquisas utilizam informações oriundas de reanálises climáticas sem uma avaliação preliminar do nível de acurácia e sem um ajuste de viés. A utilização desses dados sem a análise de desempenho e correção prévia pode resultar em análises que também contém incertezas e podem gerar conclusões equivocadas. Embora, atualmente, haja diversas opções de obtenção de elementos meteorológicos é necessário avaliar o desempenho dessas diferentes fontes de dados afim de compreender o grau de incerteza dessas estimativas e somente depois estabelecer uma aplicação direta dessas informações para aplicações, como por exemplo na agricultura. Os dados estimados por reanálises, por vezes podem não reproduzir fidedignamente as condições reais observadas em superfície, logo podem apresentar tendenciosidades ou erros nas variáveis obtidas, logo os dados de reanálises devem ser submetidos a uma análise de desempenho adequada (Jiménez-Jiménez et al., 2021; Gruber et al., 2022). Existem diversos métodos de correção de viés que podem ser utilizados para superar os vieses em dados de reanálises, dentre eles alguns comumente usados são a abordagem de escala linear (Lenderink et al., 2007) e transformação de energia da precipitação (Leander et al., 2008). De acordo com Rodrigues e Braga (2021) a precisão da ETo diária estimada com o conjunto de dados Nasa Power após correção de viés aumenta quando comparada com os resultados obtidos a partir dos dados brutos da reanálise, os autores registraram a tendência de redução significativa dos erros de estimativa. 2.5 Água verde e azul na agricultura Historicamente, o conceito de água verde e azul foi estabelecido a princípio por Falkenmark (1995) na Conferência da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), entretanto essa abordagem vem sendo discutida por outros pesquisadores ao longo das últimas décadas que aplicaram esses conceitos em diferentes setores. Conceitualmente para o setor da agricultura, tem-se por definição que água verde é aquela oriunda da precipitação natural que está contida em um solo não saturado e 32 está à disposição para ser absorvida pelas plantas, já água azul é àquela armazenada em corpos hídricos (lagos, rios, reservatórios artificiais etc.) e que precisam ser captadas para aplicação nos cultivos agrícolas com uso de irrigação (Hoekstra et al., 2011). A contabilização dos componentes verde e azul na agricultura são essenciais para melhor alocação dos recursos hídricos, como por exemplo indicar em quais regiões podem se desenvolver cultivos anuais com uma menor necessidade de irrigação e como a agricultura de sequeiro pode ser mais bem planejada (Dey; Remesan, 2022; Rodrigues et al., 2023). Diversos modelos e métodos são aplicados para categorizar os recursos hídricos verdes e azuis em diferentes escalas espaciais e temporais. O modelo SWAT (Soil and Water Assessment Tool) foi utilizado na Bacia do Rio Weihe, China por Zhao et al., (2016), para verificar como as mudanças no uso da terra podem interferir na disponibilidade de água verde e azul. Utilizando o modelo FAO- CROPWAT, Surendran et al. (2015) modelaram o requerimento de água verde e azul de cultivos anuais no distrito de Palakkad, Índia. Da totalidade de água utilizado na agricultura, cerca de 80% se trata de água verde (Chiarelli et al, 2020), entretanto a disponibilidade de água verde é limitada, principalmente em regiões de clima tropical como Cerrado que são caracterizadas por duas estações, uma estação chuvosa e outra seca. Essas circunstâncias evidenciam a necessidade de infraestrutura de irrigação, para garantir segurança hidrica e consequentemente segurança alimentar. Embora sejam reconhecidos os custos iniciais e de manutenção para aplicação de água via irrigação na agricultura, é consenso a importância dessa técnica. Siebert e Petra (2010) avaliaram a produtividade global de arroz e cana de açúcar para o período de 1998–2002 e identificaram que caso nesses cultivos não tivessem utilizado água azul haveria quebra de safra em cerca de 39% e 31%, respectivamente. 2.6 Mudanças climáticas O estudo dos impactos das mudanças climáticas na economia mundial tem sido foco nas últimas décadas, pesquisas apontam que os eventos climáticos extremos podem se tornar mais frequentes e afetar ecossistemas agrícolas, urbanos e naturais (Huang et al., 2023). Assim, para que se possa estabelecer estratégias eficazes 33 visando mitigar as consequências das mudanças climáticas é essencial abordar a temática dos cenários climáticos futuros especialmente para o setor agrícola, que será um dos setores mais impactados (Michalak, 2019). Devido à natureza complexa dos sistemas climáticos, que são influenciados por uma variedade de fatores bióticos e abióticos, a previsão do clima futuro a longo prazo não pode alcançar o mesmo nível de precisão e certeza das previsões de curto prazo. Em face dessa limitação, foram desenvolvidos modelos de previsão que projetam cenários futuros, os quais visam proporcionar uma compreensão mais aprofundada sobre o comportamento climático no horizonte temporal futuro (Almagro et al., 2020). Esses cenários são chamados de SSPs (Caminho Socioeconômico Compartilhado) e combinam os aspectos políticos, econômicos e sociais, e suas interferência nas emissões de gases do efeito estufa e como isso pode acarretar maior retenção energia na atmosfera, dessa forma promovendo o aumento da temperatura global (IPCC, 2021). Atualmente, são disponibilizados muitos modelos climáticos como por exemplo modelo HadGEM2-ES (Hadley Center Global Environment Model) (Collins, 2011) MIROC5 (Model for Interdisciplinary Research on Climate 5) (Watanabe, 2011), BESM (Biwako Environmental Simulation Model) (Kawamiya, 2003), CANESM2 (Canadian Earth System Model 2) (Arora, 2012). Dentre os modelos disponíveis, o modelo HadGEM2-ES se destaca por sua ampla utilização em modelagens na agricultura (Srivastava et al., 2016). No que diz respeito aos cenários, eles são propostos com base na projeção de emissão de gases de efeito estufa apresentados pelo IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) (IPCC, 2013). O SSP2-4.5 foi projetado para representar um cenário intermediário, no qual as emissões de gases de efeito estufa seguem uma dinâmica de estabilização, resultando em um forçamento radiativo de aproximadamente 4,5 W/m² até 2100. Esse cenário projeta uma elevação da temperatura global em torno de 1,5°C acima dos níveis pré-industriais, com variações estimadas limitadas a 2°C. Embora apresente riscos climáticos menos severos comparado a outros cenários, o SSP2-4.5 ainda implica mudanças climáticas significativas, incluindo eventos climáticos extremos e impactos na segurança alimentar (IPCC, 2021; Silva et al., 2023). O cenário SSP5-8.5 reproduz condições caracterizadas pelo crescimento contínuo das emissões de gases de efeito estufa ao longo do século XXI, levando a 34 um forçamento radiativo superior a 8,5 W/m² até 2100 e a um aquecimento global médio de 3,6°C acima dos níveis pré-industriais, com variações entre 2,8°C e 4,6°C. Esse cenário está altamente relacionado a impactos climáticos, incluindo eventos extremos mais frequentes e intensos, elevação acelerada do nível do mar, perda significativa da biodiversidade e riscos graves para a segurança alimentar e hídrica, além de desafios socioeconômicos decorrentes da degradação ambiental (IPCC, 2021). Com base nos dados de precipitação gerados pelo HadGEM2-ES, Wen et al (2024) modelaram de maneira consistente a ocorrência de secas em áreas agrícolas de Fujian, China para as décadas de 2050 a 2080 para os cenários SSP2-4.5 e SSP2- 8.5. Aplicando este modelo e os mesmos cenários Sondermann (2022) avaliou que há tendência futura de diminuição de dias frios até 2070 e aumento de dias secos consecutivos bacia do Rio Doce em Minas Gerais. 2.7 Quebra de produtividade causada pelo déficit hídrico Compreender as razões pelas quais as culturas agrícolas não atingem seu rendimento máximo tem sido um objetivo central de diversas pesquisas ao redor do mundo. Estudos indicam que o déficit hídrico é um dos principais fatores responsáveis por essas perdas. Segundo Edreira et al. (2017), a soja cultivada em regime de sequeiro na Carolina do Norte, Estados Unidos, apresentou redução de produtividade de até 28%. No Brasil, Battisti et al. (2018) destacam que essa perda pode chegar a 46% em áreas de cultivo de soja, enquanto na China, Wang et al. (2023) relatam que a quebra de produtividade causada pelo déficit hídrico alcança até 45% nesta cultura. Esses dados apontam para a magnitude dos impactos hídricos sobre a produtividade agrícola, evidenciando a necessidade de intervenções que minimizem esses problemas. O termo quebra de produtividade vem do inglês yield gap, que também pode ser traduzido como lacuna de produtividade, independente da nomenclatura, o sentido é que este indicador expressa a diferença entre a produtividade potencial (PP) e produtividade real (PR) observada no campo (Zhao et al., 2023). Os primeiros estudos sobre quebra de produtividade iniciaram na década de 1960 com a comparação de dados de produtividade potencial comparados aos dados médios de produtividade 35 observados em campo (WIT, 1965). Com o passar dos anos mais pesquisas sobre essa temática se consolidaram nas décadas de 1980 e 1990 (Evans; Fischer, 1999). Para conceituar o termo quebra de produtividade, incialmente é essencial introduzir os conceitos de níveis de produtividade e quais fatores a influenciam. De maneira objetiva, a PP é um parâmetro teórico pois se trata do rendimento da cultura que cresce e se desenvolve em condições ótimas, ou seja, aquele obtido numa situação em que não há déficit hídrico, as doenças, pragas e ervas daninhas são eficazmente controladas e há fornecimento adequado de nutrientes pela solução do solo para o sistema radicular (Dias; Sentelhas, 2018). Os fatores que influenciam a produtividade potencial de uma cultura são comumente denominados determinantes. Esses fatores incluem a concentração atmosférica de dióxido de carbono (CO₂), a radiação solar, a temperatura, além de atributos fisiológicos específicos da cultura, como a eficiência na interceptação da luz solar e a conversão dessa energia em biomassa (Rizzo et al., 2021). Para estimar a produtividade potencial, utilizam-se modelos que simulam os processos fisiológicos e biofísicos da planta, permitindo calcular a produção de matéria seca com base em condições ideais de cultivo (Sentelhas et al., 2016). No que se refere a PR, ela corresponde ao rendimento efetivamente alcançado em campo pelo produtor, sendo possível sua obtenção em diferentes escalas espaciais, desde que haja a coleta e monitoramento desses dados por partes interessadas. Um exemplo disso são os levantamentos oficiais realizados em nível municipal pelo IBGE. Esse indicador reflete, as condições reais enfrentadas pela cultura ao longo de seu ciclo produtivo, abrangendo desde as condições climáticas e de manejo até a incidência de pragas e doenças (FAO; DWFI, 2015; IBGE, 2023). Portanto, a PR obtida é influenciada pelos fatores determinantes, mas também pelos fatores limitantes (déficit nutricional e hídrico) e fatores redutores (controle de plantas daninhas, pragas e doenças), representando uma medida prática da produtividade agrícola em condições reais de cultivo, em contraste com o rendimento potencial obtido em condições ideais simuladas (Visses et al., 2018). Com a evolução dos critérios e o aprofundamento da compreensão acerca dos fatores que influenciam o crescimento e o desenvolvimento das culturas agrícolas, diversos autores propuseram diferentes níveis de rendimento para análise e estudo. Entre esses, um dos mais avaliados é o conceito de produtividade atingível (Videla- Mensegue et al., 2024). Essa é definida como o nível de rendimento alcançado quando 36 são aplicadas as melhores práticas de manejo agrícola, considerando, porém, que a demanda hídrica das culturas seja suprida exclusivamente pela precipitação natural, ou seja sem o uso de irrigação (Battisti et al., 2018). Em um cenário de agricultura de sequeiro, tem-se que o déficit hídrico pode limitar o crescimento e desenvolvimento dos cultivos de forma severa, portanto o rendimento atingível é aquele obtido em que há limitação pelo suprimento hídrico, não exclusivamente pelo próprio fator déficit hídrico que pode ser acarretado por baixa ou má distribuição de precipitação, mas esta limitação pode também estar relacionada com as propriedades físicas do solo, que afetam a profundidade do enraizamento bem como a capacidade do solo em reter água (Zhao et al., 2023). Para fechar a lacuna de produtividade pelo déficit hídrico e tornar o cultivo de alimentos menos vulnerável a variabilidade climática, são estratégias viáveis o ajuste de datas de plantio, implantação de sistemas de irrigação adequados, uso de cultivares tolerantes à seca e melhoria das propriedades físico-hídricas do solo (Visses et al., 2018; Zhao et al., 2023). 37 3. MATERIAL E MÉTODOS 3.1 Área de estudo O estado de Goiás (Figura 2), com área aproximada de 340.242,856 km² (IBGE, 2021), possui cerca de 98% do seu território inserido no bioma Cerrado (Rodrigues, 2023; Bolfe; Sano, 2020). De acordo com a classificação climática de Köppen, no Goiás predomina o clima tropical com estação seca no inverno (Aw), entretanto, há zonas climáticas em microrregiões do estado classificadas como Am, Cwa e Cwb (Cardoso et al., 2014; Novais, 2020). Figura 2 - Mapa do Brasil com destaque para o bioma Cerrado (a), Bioma Cerrado com destaque para o estado de Goiás (b) e Estado de Goiás (c) Há uma diversidade de classes de solo no território goiano, entretanto predomina o Latossolos em aproximadamente 45% da área do estado (Sano et al., 2024). No que concerne à vegetação, a região apresenta diversas formações de vegetação, com predominância de espécies herbáceas e arbustivo-herbáceas, até formações savânicas, que contemplam estratos arbóreos, arbustivo-herbáceo e árvores de pequeno porte dispersas em um substrato gramíneo. Além disso, observam-se formações florestais, onde espécies arbóreas estabelecem um dossel contínuo (Sano et al., 2007; Ribeiro; Walter, 2008). (a) (b) (c) 38 A capacidade de água disponível (%) para os solos do estado de Goiás é apresentado na Figura 3. Mais de 85% dos municípios goianos apresentam CAD superior a 0,100 %. Figura 3 - Capacidade de água disponível (CAD) no estado de Goiás Fonte: Elaborado a partir de dados da Agência Nacional de Águas (2020). 3.2 Base de dados meteorológicos observados Os dados históricos utilizados neste trabalho foram obtidos do banco de dados meteorológicos do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET/BDMEP) (https://bdmep.inmet.gov.br/) e da ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico) (https://www.snirh.gov.br/hidroweb-mobile/mapa). Para a seleção das estações meteorológicas e do período de coleta de dados observacionais, foram seguidas as diretrizes da Organização Meteorológica Mundial (WMO, 2017), que recomenda a obtenção de dados de fontes oficiais e confiáveis, garantindo a integridade e representatividade das informações climáticas, e verificação da existência de erros grosseiros que podem ter ocorrido por falha humana ou de equipamentos. Além disso foram estabelecidos os seguintes critérios: 1) mínimo de 20 anos de dados diários observados; 2) Período com menor incidência de falhas nas medições (< 10%); 3) Período de início de operação e/ou desativação das estações; e 4) período compatível com as séries históricas de dados oriundos de reanálises climáticas. Após análise de consistência dos dados observados, baseado nos critérios de disponibilidade, adequabilidade e qualidade dos dados, foi determinado como período 0,125 0,100 5 0,075 https://bdmep.inmet.gov.br/ https://www.snirh.gov.br/hidroweb-mobile/mapa 39 de dados observados válidos o intervalo entre 1988 e 2008 (1º de janeiro de 1998 até 31 de dezembro de 2008), totalizando 20 anos de dados. Nas simulações, foram utilizados dados de precipitação (mm), temperatura máxima e mínima do ar (ºC), umidade relativa do ar (%), velocidade média do vento a 10 m de altura (m s-1) (posteriormente corrigida para 2 m de altura) e insolação (h). Na Figura 4 estão indicadas as localizações das 81 estações pluviométricas (4a) e 10 estações meteorológicas (4b) utilizadas como base das simulações. Os detalhes relativos ao nome do município e coordenadas geográficas exatas podem ser consultadas nas tabelas 1 e 2 do Apêndice I. 3.3 Dados de precipitação observados Para o estado de Goiás, foram identificadas um total de 490 estações pluviométricas, conforme registros disponíveis no sistema Hidroweb (https://www.snirh.gov.br/hidroweb/apresentacao), mantido pela Agência Nacional de Águas (ANA). Após a aplicação dos critérios de seleção, foram selecionadas 81 estações pluviométricas (Figura 4a). As falhas observadas nas séries de dados de precipitação foram preenchidas pelo método da ponderação regional (Diaz et al., 2018), considerando os três pontos de medição pluviométricos mais próximos com dados disponíveis. Figura 4 - Estações pluviométrica (a) e meteorológicas (b) b) https://www.snirh.gov.br/hidroweb/apresentacao 40 3.4 Evapotranspiração de referência (ETo) Para estimativa da ETo, (Equação 1), utilizou-se o procedimento descrito no documento Boletim FAO 56 (Allen et al.,1998). ETo= 0,408∆(Rn-G)+ γ 900 T+273 U2(es-ea) ∆+γ(1+0,34U2) (1) Em que ETo = evapotranspiração de referência (mm dia-1); Rn = resultado do balanço de radiação solar (MJ m-2 dia-1); = declividade da curva de pressão de vapor com relação à temperatura (kPa ºC-1); U2 = velocidade registrada do vento a 2 m de altura (m s-1); G = fluxo de calor no solo (MJ m-2 dia-1); = valor da constante psicométrica (kPa ºC-1); T = temperatura média do ar (oC); es = pressão de saturação do vapor (kPa). Foram obtidos registros de 14 estações convencionais e 28 estações automáticas no estado de Goiás. Após a aplicação dos critérios de seleção, foram selecionadas dez estações meteorológicas (Figura 4b). Os Códigos, nomes dos municípios e coordenadas geográficas das estações meteorológicas das estações selecionadas podem ser consultadas na tabela 1 do Apêndice I. Os procedimentos para correção de falhas nas séries históricas de dados de insolação, umidade relativa do ar e velocidade do vento foram realizados de acordo com recomendação de Allen et al. (1998). A correção de falhas em séries históricas de temperatura máxima e mínima do ar foi realizada por regressão linear (Bier; Ferraz, 2017; Dias; Soares, 2021). 3.5 Bases de dados meteorológicos – Reanálises climáticas Neste trabalho, foram utilizadas as bases de dados meteorológicos, obtidas de reanálises climáticas, fornecidas pelo Nasa Power (NP) (https://power.larc.nasa.gov/) e pela ERA5-LAND (EL) (https://cds.climate.copernicus.eu/cdsapp#!/dataset/reanalysisera5land?tab=overviw) https://power.larc.nasa.gov/ https://cds.climate.copernicus.eu/cdsapp#!/dataset/reanalysisera5land?tab=overviw 41 . Essas bases foram escolhidas devido à sua aplicação prévia em diversas pesquisas agrometeorológicas, bem como à qualidade e confiabilidade das estimativas que apresentaram em pesquisas já realizadas. Ambas as fontes de dados foram amplamente avaliadas em diferentes regiões do mundo, demonstrando resultados satisfatórios em termos de acurácia e consistência (Yang et al., 2024; Tayyeh; Mohammed, 2023; Giovanella et al., 2021; Aparecido et al., 2020;). Somado a isso, essas reanálises possuem uma ampla cobertura temporal, abrangendo o período de dados observacionais disponíveis, entre 1988 e 2022, o que possibilitou uma comparação entre as estimativas geradas por esses produtos e as séries temporais observadas pelas estações meteorológicas de Goiás. Esse fator é crucial para validar os dados fornecidos pelas reanálises e garantir a consistência dos resultados em relação às condições climáticas reais observadas. O Nasa Power é gerado para todo o globo com uma resolução espacial de 1◦ x 1◦ (latitude/longitude), em escala horária, com cobertura temporal de 1981 até quase o presente (Stackhouse et al., 2015). O conjunto de dados ERA5-Land também é gerado para todo o globo com resolução espacial de 0,1º x 0,1º, em escala horária, com cobertura temporal de 1950 até o presente (Muñoz Sabater, 2021). Os dados foram baixados em arquivo de formato Net.CDF, e extraídos para os municípios indicados na Figura 3 e na Tabela 1 e 2 do Apêndice I, em formato CSV considerando o mesmo intervalo de tempo usados para os dados medidos em superfície pelas estações meteorológicas (1988-2008), os dados foram ajustados para o fuso -3 UTC e SIRGAS2000. Para cálculo da ETo, no caso do conjunto de dados ERA5-Land, a umidade relativa do ar (URA) foi calculada utilizando procedimento descrito por Allen et al. (1998) com base na temperatura do ponto de orvalho (K), Equação 2 a 4. 𝑈𝑅𝐴 = 100 𝑒𝑎 𝑒𝑜(𝑇) (2) 𝑒𝑎 = 0.610 exp ( 17.27∗𝑇𝑜 𝑇𝑜+237.3 ) (3) 𝑒𝑜(𝑇) = 0.6108 exp ( 17.27∗𝑇𝑚 𝑇𝑚+237.3 ) (4) Em que: 42 ea= Pressão real de vapor (kPa); eo= pressão de saturação de vapor a temperatura do ar (kPa); To = Temperatura do ponto de orvalho (ºC); Tm= Temperatura média do ar (ºC). A velocidade média diária do vento a 10 m foi estimada a partir de dados das componentes U10 e V10, disponibilizados do conjunto ERA5-Land (equação 5) (Silva, et al. 2015). Posteriormente, a velocidade média diária a 2 m foi estimada a partir da equação 6. |𝑉10 ⃗⃗ ⃗⃗ ⃗ | = √𝑢10 + 𝑣10 (5) 𝑉2 = 𝑉10 ( 4.87 ln(67.8𝑧−5.42) ) (6) Em que: V10 = Velocidade do vento na altura 10 m (m s-1); V2 = Velocidade do vento na altura 2 m (m s-1); v10 = Componente norte do vento de 10 m (m s-1); u10 = Componente leste do vento de 10 m (m s-1). 3.6 Análise do desempenho das reanálises Para avaliação da acurácia dos valores simulados de ETo e de precipitação diários estimados pelas reanálises Nasa Power e ERA5-Land, foram utilizadas as seguintes estatísticas: erro médio de viés (MBE, equação 7), erro médio absoluto (MAE, equação 8) (Abro, 2020), raiz do erro quadrático médio (RMSE, equação 9), Concordância de Wilmott (d) (equação 10), coeficiente de determinação (R², equação 11), índice de eficiência de Nash – Sutcliffe Efficiency (NSE, equação 12) (Nash; Sutcliffe, 1970) e índice de eficiência de Kling-Gupta (KGE, equação 13) (Gupta, 2009). 𝑀𝐵𝐸 = 1 𝑛 ∑ (𝑆𝑖𝑚𝑖 − 𝑂𝑏𝑠𝑖) 𝑚 𝑖=1 (7) 𝑀𝐴𝐸 = 1 𝑛 ∑ |𝑆𝑖𝑚𝑖 − 𝑂𝑏𝑠𝑖| 𝑚 𝑖=1 (8) 𝑅𝑀𝑆𝐸 = √ 1 𝑛 ∑ (𝑂𝑏𝑠𝑖 − 𝑆𝑖𝑚𝑖 𝑚 𝑖=1 )2 (9) 𝑑 = 1 − ∑ (𝑂𝑏𝑠𝑖−𝑠𝑖𝑚𝑖) 2𝑛 𝑖=1 ∑ (|𝑆𝑖𝑚𝑖−𝑂𝑏𝑠̅̅ ̅̅ ̅̅ |+ |𝑂𝑏𝑠𝑖−𝑂𝑏𝑠̅̅ ̅̅ ̅̅ |𝑛 𝑖=1 (10) 43 𝑅2 = ∑ (𝑂𝑏𝑠𝑖− 𝑂𝑏𝑠𝑖̅̅ ̅̅ ̅̅ ̅ )𝑖(𝑆𝑖𝑚𝑖−Sim𝑖̅̅ ̅̅ ̅̅ ̅)𝑛 𝑖=1 √∑ (𝑂𝑏𝑠𝑖−𝑂𝑏𝑠𝑖 𝑚 𝑖=1 )2 √(∑ 𝑆𝑖𝑚𝑖 𝑛 𝑖=1 −𝑆𝑖𝑚𝑖̅̅ ̅̅ ̅̅ ̅) 2 (11) 𝑁𝑆𝐸 = 1 − ∑ (𝑄𝑜𝑏𝑠𝑖−𝑂𝑠𝑖𝑚𝑖) 2𝑛 𝑖=1 ∑ (𝑂𝑜𝑏𝑠𝑖−𝑄𝑚𝑒𝑎𝑛𝑖) 2𝑛 𝑖=1 (12) KGE = 1-√ (𝑟 − 1)2 + (𝛽 − 1)2 + (𝛾 − 1)2 (13) Sendo: 𝑟 = ∑ (𝑂𝑏𝑠𝑖−𝑂𝑏𝑠𝑖̅̅ ̅̅ ̅̅ ̅)𝑛 𝑖=1 √∑ (𝑂𝑏𝑠𝑖−𝑂𝑏𝑠𝑖̅̅ ̅̅ ̅̅ ̅)√∑ (𝑆𝑖𝑚𝑖−𝑆𝑖𝑚𝑖̅̅ ̅̅ ̅̅ ̅)𝑛 𝑖=1 𝑛 𝑖=1 (14) 𝛽 = 𝜇𝑠 𝜇0 (15) 𝛾 = 𝐶𝑉𝑠 𝐶𝑉0 = 𝜎𝑠 𝜇𝑠 𝜎𝑜 𝜇𝑜 (16) Em que: n = número de observações; Obsi e Simi = valores simulados de ETo e precipitação com base nos dados de reanálise, no dia i; Ō e 𝑆̅ = média aritmética dos observados e simulados de ETo e de precipitação; 𝐶𝑉𝑆 = coeficiente de variação da ETo e da precipitação calculados com base em dados observados; 𝐶𝑉o = coeficiente de variação da ETo e da precipitação calculados com base nos dados de reanálise; 𝜎𝑆 = desvio padrão da ETo e da precipitação calculados com base em dados observados; 𝜎o = desvio padrão da ETo e da precipitação calculados com base nos dados de reanálise. 3.7 Correção de viés nos dados de reanálises Para correção de viés, foi utilizado o método de escalonamento linear (Lenderink et al., 2007). O método consiste na determinação de um coeficiente de correção 44 baseado na razão entre dados observados em superfície e dados de obtidos por reanálises (Equação 17 e 18). 𝐸𝑇𝑜𝑐 = ETo(sim) ( EToobs̅̅ ̅̅ ̅̅ ̅̅ ̅̅ ̅ ETosim̅̅ ̅̅ ̅̅ ̅̅ ̅̅ ̅ ) (17) 𝑃(𝑐) = P(sim) ( Pobs̅̅ ̅̅ ̅̅ ̅ Psim̅̅ ̅̅ ̅̅ ̅ ) (18) Em que: ETo(c) = Evapotranspiração de referência com correção de viés; ETo(sim) = Evapotranspiração de referência obtida a partir de dados de reanálises; EToobs ̅̅ ̅̅ ̅̅ ̅̅ ̅ = média diária da Evapotranspiração de referência obtida com dados observados; ETosim ̅̅ ̅̅ ̅̅ ̅̅ ̅ = média diária da Evapotranspiração de referência obtida com dados oriundos de reanálises. P(c) = Precipitação com correção de correção de viés; P(sim) = Precipitação obtida a partir de dados de reanálises; Pobs ̅̅ ̅̅ ̅ = média diária da precipitação observada; Psim ̅̅ ̅̅ ̅ = média diária da precipitação oriunda de reanálises. 3.8 Demanda de água verde e azul para a soja Para estimativa da demanda hídrica da cultura da soja foi utilizado o conjunto de dados de reanálise Nasa Power com correção de viés, pois esses dados apresentaram melhor acurácia. A evapotranspiração da cultura foi calculada pelo produto da evapotranspiração de referência pelo coeficiente de cultura (Kc), ajustados para o estado de Goiás, considerando três estágios, inicial, intermediário e final, respectivamente de 0,60;1,10 e 0,40 (EMBRAPA, 2021). Para modelagem do conteúdo de água no solo durante o período de cultivo (AD), foi utilizada a equação 19: 𝐴𝐷 = 𝐴𝐷𝑖−1 + 𝑃𝑒𝑓𝑒 + 𝐿𝑖𝑟 − 𝐸𝑇𝑐 (19) Em que: AD i-1 = água disponível no dia i-1 (mm); Pefe = precipitação efetiva (mm); ETc = evapotranspiração da cultura (mm) e Lir= Lâmina de irrigação (mm). Foram estabelecidas as seguintes suposições para a modelagem da demanda hídrica: fator de disponibilidade hídrica (f) igual a 0,5 (SANTOS et al.,2020); a irrigação é realizada com objetivo de evitar que a água disponível atinja o ponto de armazenamento crítico (0,5); profundidade efetiva do sistema radicular igual a 60 cm (Aparecido et al., 2021); foi utilizado um valor de CAD (mm) para cada município (ANA, 2020); a ascensão capilar foi desconsiderada; conteúdo de água superior a 45 capacidade campo é perdido por percolação e escoamento superficial (Rodrigues; Moreira, 2015). Para estimativa do requerimento hídrico da cultura da soja foram considerados os vinte municípios mais produtivos do estado de Goiás (Caiapônia; Niquelândia; Acreúna; Goiatuba; Santa Helena de Goiás; Padre Bernardo; Bom Jesus de Goiás; Luziânia; Piracanjuba; Campo Alegre de Goiás; Silvânia; Chapadão do Céu; Mineiros; Ipameri; Catalão; Montividiu; Paraúna; Cristalina; Jataí; Rio Verde), foram realizadas simulações de plantio de 1988 a 2022 com os dados do Nasa Power com correção de viés, com data de semeadura em 15 de outubro e 10 de novembro, conforme recomendação pelo Calendário de Plantio e Colheita de Grãos no Brasil (CONAB, 2022) e seguindo regulamento sanitário pertinente (MAPA, 2023). Com as demandas hídricas estimadas, foram calculadas as probabilidades de não excedência para o nível de 80% de probabilidade. 3.9 Estimativa da demanda hídrica futura da soja Para estimativa da demanda hídrica futura da cultura da soja foram utilizados os dados climatológicos diários de dois períodos distintos de 2040 a 2070 e 2070 a 2099 gerados pelo CPTEC/INPE e disponibilizados pela Plataforma PROJETA (Projeções de Mudança do Clima para a América do Sul Regionalizadas pelo Modelo ETA) (https://projeta.cptec.inpe.br/). Foram utilizados os dados de ETo, estimados pelo método de Penman-Monteith, e precipitação do modelo HadGEM2-ES, para os cenários SSP5-8.5 e SSP2-4.5. Os dados foram submetidos a um processo de correção de viés, que se baseou na aplicação do mapeamento quantil empírico. Este procedimento permite a comparação das curvas de probabilidade acumulada entre as variáveis observadas e aquelas simuladas pelo modelo climático (Chou et al., 2014a; Chou et al., 2014b). Para avaliar o impacto das mudanças climáticas na variação da demanda hidrica total (DHT) e nas suas contribuições verde e azul, foram utilizados os índices de extremo de precipitação: CDD = Número máximo, durante o ciclo da cultura, de dias consecutivos com menos de 1mm; CWD= Número máximo, durante o ciclo da cultura, de dias consecutivos com mais de 1mm; R25mm= Número de dias durante o ciclo da cultura com mais de 25mm/dia; R50 = Número de dias, durante o ciclo da cultura, com mais de 50mm/dia; Rx1day = Precipitação máxima diária durante o ciclo da durante o https://projeta.cptec.inpe.br/ 46 ciclo da cultura; Rx1day = Precipitação máxima durante cinco dias consecutivos durante o ciclo da cultura. 3.10 Balanço hídrico climatológico O balanço hídrico climatológico normal (BHC) foi calculado utilizando-se a metodologia proposta por Thornthwaite e Mather (1955), (Equações 20 - 25), e a base de dados de reanálise que apresentou o melhor desempenho. 𝑆𝑒 (𝑃 − 𝐸𝑇𝑜)𝑖 < 0 = { 𝑁𝐴𝐶𝑖 = 𝑁𝐴𝐶𝑖−1 + (𝑃 − 𝐸𝑇𝑜) 𝐴𝑅𝑀𝑖 = 𝐶𝐴𝐷 𝑥 𝑒 (𝑁𝐴𝐶𝑖) 𝐶𝐴𝐷 (20) 𝑆𝑒 (𝑃 − 𝐸𝑇𝑜)𝑖 ≥ 0 = { 𝐴𝑅𝑀𝑖 = (𝑃 − 𝐸𝑇𝑜)𝑖 + 𝐴𝑅𝑀𝑖−1 𝑁𝐴𝐶𝑖 = 𝐶𝐴𝐷 𝑥 𝑙𝑛 (𝐴𝑅𝑀𝑖) 𝐶𝐴𝐷 (21) 𝐴𝐿𝑇𝑖 = 𝐴𝑅𝑀𝑖 − 𝐴𝑅𝑀𝑖−1 (22) 𝑆e 𝐸𝑇𝑅𝑖 = { 𝑃 + |𝐴𝐿𝑇𝑖|, 𝑠𝑒 𝐴𝐿𝑇 < 0 𝐸𝑇𝑃𝑖, 𝑠𝑒 𝐴𝐿𝑇 ≥ 0 (23) 𝐷𝐸𝐹𝑖 = 𝐸𝑇𝑜𝑖 − 𝐸𝑇𝑅𝑖 (24) 𝐸𝑋𝐶𝑖 = { 0, 𝑠𝑒 𝐴𝑅𝑀𝑖 < 𝐶𝐴𝐷 (𝑃 − 𝐸𝑇𝑜)𝑖 − 𝐴𝐿𝑇𝑖, 𝑠𝑒 𝐴𝑅𝑀𝑖 = 𝐶𝐴𝐷 (25) Em que: CAD = capacidade de água disponível (mm); P = precipitação (mm); ETP = evapotranspiração potencial (mm); ETR = evapotranspiração real (mm); ARM = armazenamento de água no solo (mm); EXC = excedente hídrico (mm); DEF = deficiência hídrica (mm); NAC = valor de (P-ETo) negativo; ALT = alteração do armazenamento de água no solo do mês atual e do mês anterior (mm) e, i = mês atual. 3.11. Índice de anomalias de chuva 47 Para mensurar a ocorrência de evento extremos de chuva ou de seca, foi utilizado o índice de anomalias de chuva (IAC), com metodologia desenvolvido por Rooy (1965) para classificar as magnitudes de anomalias de precipitação positivas (equação 26) e negativas (equação 27): 𝐼𝐴𝐶 𝑝𝑜𝑠𝑖𝑡𝑖𝑣𝑜 = 3 ⌈ (𝑃−𝑃1) (𝑃𝑚𝑎𝑥ℎ−𝑃1) ⌉ (26) 𝐼𝐴𝐶 𝑛𝑒𝑔𝑎𝑡𝑖𝑣𝑜 = −3 ⌈ (𝑃−𝑃1) (𝑃𝑚𝑖𝑛ℎ−𝑃1) ⌉ (27) Em que: P = precipitação para ano em que foi gerado o IAC (mm); P1 = precipitação média anual da série histórica (mm); Pmaxh = a média das dez maiores chuvas anuais da série histórica (mm); e Pminh = média das dez menores chuvas anuais da série histórica (mm). O IAC é classificado em diferentes categorias conforme os valores obtidos, permitindo uma avaliação quantitativa e qualitativa das condições pluviométricas. Quando o IAC apresenta valores superiores a 4, a condição é classificada como "Extremamente Chuvosa". Para valores compreendidos entre 2 e 4, a classificação atribuída é "Muito Chuvosa". No intervalo de 0 a 2, o IAC é categorizado como "Chuvoso". Por outro lado, quando o índice se situa entre -2 e 0, a condição é definida como "Seca". Valores entre -4 e -2 são classificados como "Muito Seco", e, por fim, quando o IAC é inferior a -4, a condição é considerada "Extremamente Seca". Essa estratificação permite uma análise detalhada e precisa das anomalias de precipitação, contribuindo para a compreensão dos padrões climáticos e suas variações. 3.12 Modelagem da produtividade da cultura da soja A estimativa da quebra de produtividade da soja devido ao déficit hídrico foi realizada com base no modelo proposto por Doorembos e Kassam (1977), no qual a perda de produtividade (%) é expressa pela equação 28: 𝑄𝑝 = 1 − 𝑘𝑦 𝑥 ⌈1 − ( 𝐸𝑇𝑟 𝐸𝑇𝑐 )⌉ (28) 48 Em que: Qp= Quebra de produtividade (%); Ky= Fator de resposta de rendimento; ETr= evapotranspiração real (mm) e ETc= Evapotranspiração máxima da cultura (mm). Os valores de Ky utilizados nas simulações foram de acordo com os estádios fenológicos da soja, conforme recomendado por Farias et al. (2024): Ky1 = 0 (emergência até V2), Ky2 = 0,12 (V2 ao R1), Ky3 = 0,36 (R1 ao R5) e Ky4 = 0,57 (R5 ao R7). A quebra de produtividade foi projetada para o período futuro (2040–2099) com base nos cenários climáticos SSP2-4.5 e SSP5-8.5, gerados pelo modelo HadGEM-ES, e comparada ao período histórico (1988–2022). Para calibração do modelo tradicional, foi utilizada a metodologia de Monteiro et al. (2017), que propôs a utilização da produtividade potencial tecnológica (PPt), que equivale a produtividade potencial máxima teórica obtido pelo modelo de Doorembos e Kassam (1977). A produtividade potencial tecnológica foi calculada a partir da tendência da produtividade observada (Tp) historicamente, que foi obtida por regressão linear da produtividade real (Pr) ao longo do tempo tendo como base os dados do IBGE. As variações observadas nos valores de Tp são resultados de diversos fatores, tais como clima, disponibilidade hídrica no solo e manejo agrícola. A PPt foi calculada pela equação: 𝑃𝑃𝑡 = 𝑇𝑝 𝑥 𝛼𝑝 (29) Em que: αp é o coeficiente de produtividade máxima tecnológica ajustado (adimensional). Uma inovação proposta por Monteiro et al. (2017) na modelagem foi a introdução do fator de resposta ajustado (Ky*), que reflete a sensibilidade da cultura ao déficit hídrico. Quando Ky* > 1, a cultura apresenta maior resposta ao déficit hídrico; quando Ky* < 1, a resposta é reduzida. Assim, a produtividade real (Pr) é estimada pela equação: 𝑃𝑟 𝑃𝑃𝑡 = 𝑄𝑝 = 1 − (𝑘𝑦 𝑥 𝐾𝑦∗) 𝑥 ⌈1 − ( 𝐸𝑇𝑟 𝐸𝑇𝑐 )⌉ (30) Para calibrar o modelo, os valores iniciais de ky∗ e αp foram atribuídos como 1, ajustando-se progressivamente (aumentando ou diminuindo) para elevar o coeficiente de determinação e o índice de concordância, além de minimizar o erro absoluto médio e a raiz do erro quadrático médio. Este estudo utilizou dados de produtividade média dos 20 municípios com maior produção de soja no estado de Goiás, obtidos no portal SIDRA-IBGE 49 (https://sidra.ibge.gov.br/home/lspa/brasil). O modelo foi calibrado com dados de produtividade municipal de 2005 a 2014 e validado com dados de 2015 a 2022. Cada município teve sua calibração específica de αp e Ky*, garantindo uma análise individualizada das condições locais. Considerando que a janela usual de plantio no estado de Goiás se estende por aproximadamente 60 dias, abrangendo o período entre meados de outubro e meados de dezembro, foram identificadas as épocas de semeadura predominantes com base nos levantamentos anuais conduzidos pela CONAB. A partir dessa análise, selecionaram-se três datas representativas para a realização das simulações para a modelagem da produtividade a partir do déficit hídrico: 15 de outubro, 10 de novembro e 15 de dezembro. Essas datas foram definidas considerando que, respectivamente, correspondem a 25%, 50% e 25% da produtividade total registrada no município e intervalo analisado. Dessa forma, a produtividade estimada final foi obtida a partir da média ponderada dos valores simulados para essas três datas específicas, refletindo a distribuição temporal do plantio no estado. Tal abordagem se justifica pelo fato de que, conforme indicado pela CONAB, a janela de plantio na região pode abranger até dois meses, o que demanda a consideração de diferentes momentos de semeadura na modelagem da produtividade (Monteiro et al. 2017). https://sidra.ibge.gov.br/home/lspa/brasil 50 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO 4.1 Análise dos dados observados Os dados médios mensais de precipitação, ETo e temperatura, oriundos das estações meteorológicas do estado de Goiás, para o período de 1988 a 2008, são apresentados na Figura 5. Historicamente o estado apresenta uma sazonalidade marcante no regime de chuvas, caracterizado por uma estação chuvosa que compreende os meses de outubro a março e estação não chuvosa abrangendo de abril a setembro. A média mensal no período chuvoso é de 223 mm enquanto no período seco é de 30 mm. Figura 5 - Precipitação média mensal (mm), evapotranspiração de referência (mm), temperatura média máxima e mínima do estado de Goiás a partir dos dados das estações meteorológicas e postos pluviométricos (1988-2008) A ETo apresentou variação ao longo do ano, refletindo as mudanças sazonais típicas de regiões no Cerrado. Os menores valores médios de ETo mensal, foram registrados em maio (80,1 mm) e junho (74,7 mm), o que reflete a menor demanda evaporativa associada às temperaturas reduzidas e à menor incidência de radiação solar durante o inverno. Em contrapartida, os maiores valores mensais ETo foram registrados em setembro (114,2 mm) e outubro (116,7 mm). Esses meses coincidem com temperaturas máximas elevadas, de 32,5 °C e 33,4 °C, respectivamente. O aumento do valor da ETo decorre da intensificação da radiação solar, comuns do 51 período de transição para a estação chuvosa no Cerrado, quando a atmosfera apresenta alta demanda evaporativa. Observou-se que entre maio e setembro, a precipitação média diária permaneceu abaixo de 5 mm, o que é característico do período de baixa disponibilidade hidrica. Por outro lado, dezembro e janeiro, meses tipicamente mais chuvosos, registraram médias de 9,1 mm e 8,8 mm, respectivamente. A maior variabilidade na precipitação diária (CV = 41,8%) foi observada no mês de abril, que é um mês de transição entre as estações chuvosa e seca. Essa variabilidade reforça a incerteza sobre a definição exata do início e fim da estação chuvosa no Cerrado, frequentemente descrita em vários estudos como composta por seis meses secos e seis meses chuvosos. No entanto, outros estudos indicam que o mais adequado seria considerar cinco meses de chuva (novembro a março) e cinco meses de seca (maio a setembro), com outubro e abril sendo meses de transição. Essa incerteza sobre o início efetivo do período chuvoso pode impactar diretamente a definição da data ideal de plantio, uma vez que a semeadura precoce pode enfrentar déficit hídrico, enquanto o atraso pode comprometer o ciclo da cultura, especialmente em sistemas de sequeiro (Althoff et al., 2024). Os menores valores de ETo foram em média igual a 2,5 mm dia-1, observados no mês junho; já os maiores valores foram em média igual a 4,0 mm dia-1, observados nos meses de setembro e outubro. Durante o período analisado, observou-se que os meses de julho e agosto apresentaram maior dispersão nos valores de ETo diária, com valores de CV de 6 e 6,4 % respectivamente. Em contrapartida, identificou-se uma menor variabilidade (CV = 1,5%) no mês de fevereiro. 4.2 Avaliação da acurácia da evapotranspiração e da precipitação Após a correção de viés, observou-se redução do erro absoluto médio (MAE) de aproximadamente 67%, nas estimativas provenientes do Nasa Power (NP), e de 83%, nas estimativas do ERA5-Land (EL). Avaliando a acurácia da ETo, obtida com os dados após a correção, observou-se que, de maneira geral, as estimativas de ETo calculadas com o conjunto de dados oriundos da reanálise NP apresentou um melhor desempenho quando comparada ao EL. Na Figura 6 apresenta-se regressão linear entre os valores diários de ETo estimados pela reanálise Nasa Power, Figura (a), e EL, Figura (b). Analisando a reta 52 1:1 (linha vermelha), na Figura (a), pode-se observar uma leve tendência do NP em superestimar a ETo. Já, em relação ETo estimada a partir dos dados do EL, não foi possível observar uma tendência muito clara, indicando uma maior dispersão dos dados em torno da reta de regressão. Figura 6 - Desempenho estatístico da ETo diária estimada pela reanálise a) NP após correção de viés e ETo estimada pela reanálise b) EL após correção de viés A análise da acurácia dos dados de reanálise NP, na estimativa da ETo, indicou desempenho satisfatório, com correlação positiva (r = 0,77) com elevada proporção da variância da variável dependente sendo explicada pela variável independente (R2 = 0,84). O erro absoluto médio (MAE = 0,42 mm.dia⁻¹) sugere que, embora as estimativas apresentem um desvio em relação aos valores reais, esse erro pode ser considerado relativamente baixo, reforçando a confiabilidade do modelo para aplicações práticas. O coeficiente de eficiência de Nash-Sutcliffe (NSE = 0,50) indicou que o NP apresenta um desempenho moderado, sendo superior ao uso da média climatológica como preditor, o que demonstra que, apesar das incertezas, esse modelo ainda é uma alternativa viável para estimativas de ETo em locais com escassez de medições diretas. Além disso, o coeficiente de determinação revela que aproximadamente 84% da variabilidade da ETo observada pode ser explicada pelas estimativas do modelo, sugerindo que, embora não seja perfeito, o NP consegue reproduzir, em boa medida, o comportamento da ETo estimada com dados observados. Por outro lado, as estimativas de ETo, obtidas pela reanálise EL, apresentaram desempenho pior, com correlação positiva (r = 0,49) e baixa proporção da variância da variável dependente sendo explicada pela variável independente (R2 = 0,39). O 53 erro absoluto médio (0,78 mm.dia⁻¹) indicou que as discrepâncias entre os valores estimados e os observados são mais expressivas do que no caso da reanálise NP, evidenciando uma menor confiabilidade do EL. O coeficiente de eficiência NSE (-0,62) mostrou que as estimativas desse modelo são menos acuradas do que o uso da média climatológica como preditor, sugerindo baixa acurácia e alta incerteza nas projeções de ETo. O coeficiente de determinação (0,38) indica que apenas 38% da variabilidade da ETo observada foi explicada pelas estimativas do modelo, o que reforça sua limitação na reprodução do comportamento real da ETo. A Figura 7 apresenta o desempenho das estimativas de ETo oriundas do NP e EL na escala mensal. Observou-se uma melhora no R², atingindo 0,88 para o NP e 0,64 para o EL. Além disso, o NSE aumentou para 0,96 (NP) e 0,93 (EL), indicando maior aderência das estimativas aos valores observados. A correlação das estimativas do NP (0,93) foi 15% superior à do EL (0,80), evidenciando maior acurácia do NP na representação da variabilidade da ETo quando houve a agregação dos valores diários para escala mensal. Figura 7- Desempenho estatístico da ETo mensal estimada pela reanálise a) NP após correção de viés e ETo estimada pela reanálise b) EL após correção de viés O aumento do R² e do NSE na escala mensal indicou uma redução dos erros diários, reduzindo a dispersão das estimativas, como é possível observar ao comparar as figuras 7 e 8. Por outro lado, o aumento do MAE na escala mensal indicou que, embora a correlação resultou em uma melhoria, a soma dos erros individuais ao longo do tempo pode elevar as discrepâncias absolutas entre os valores estimados e observados. Na análise diária da ETo, observou-se que erros individuais podem ser menores, mas quando agregados em períodos mais longos (mês), podem se propagar, 54 aumentando o desvio absoluto total. Assim, a menor dispersão na escala mensal melhora o ajuste estatístico das séries, mas a soma dos desvios diários resulta em maiores erros absolutos acumulados. Visto que se verificou MAE de 1,76 mm mês-1 para o NP e 2,95 mm mês-1 para o EL. Isso explica que a agregação temporal influencia diretamente na magnitude dos erros. Os desvios observados na acurácia da ETo, calculadas com o conjunto de dados oriundos da reanálise NP e EL, nos municípios, podem estar associadas a fatores climáticos e ambientais inerentes a cada localidade. Mas essencialmente refletem que as estimativas podem sofrer variações espaciais devida à variabilidade climática mais acentuada em algumas regiões, visto que o estado apresenta diferentes zonas climáticas com variações nos padrões de chuva e também na temperatura ao longo do extenso território de Goiás (Novais, 2020). O desempenho do conjunto de dados do Nasa Power foi avaliado por Srivastava (2020) para a estimativa de ETo em uma estação no Norte da India, que obtiveram boa concordância com os dados observados, reportando viés de 0,154 mm RMSE= 0,34 e r= 0,96. Jiménez-Jiménez et al., (2021) utilizaram os dados do Nasa Power para estimar a ETo diária na região de Lagunera no México e verificaram valores de RMSE 1,15 mm d-1, embora os autores recomendem o uso da reanálise quando não há dados de observados disponíveis, também destacaram que a velocidade do vendo oriunda do Nasa Power não foi confiável para região estudada. Pelosi et al., (2020) avaliaram o desempenho da ETo diária obtida a partir de dados do conjunto ERA5-Land de 38 estações na região Sul da Itália, e encontraram valores de viés percentual entre -17% a 19%, evidenciando subestimativa e superestimava dos valores calculados a partir desta reanálise, Os autores reconhecem que os modelos do ERA5-Land podem resultar em dados com incertezas e vieses significativos, e que estimativas mais precisas podem ser obtidas com a combinação de dados da reanálise ERA5-Land com dados de satélites. As vantagens da correção de viés na precisão nas estimativas de ETo diária foi observada por Paredes et al., (2020) ao avaliar o conjunto de dados ERA-Interim, os autores reportaram diminuição no valor de RSME de 0,78 para 0,57 e aumento de R2 de 0,89 para 0,91. De acordo com Rodrigues & Braga (2021), a acurácia da ETo diária estimada com o conjunto de dados Nasa Power após correção de viés aumenta quando comparada 55 com os resultados obtidos a partir dos dados brutos da reanálise, os autores registraram a tendência de redução significativa dos erros de estimativa (RMSE e BIAS). Após a correção de viés, observou-se redução do erro absoluto médio (MAE) de cerca 5%, nas estimativas provenientes do NP, e de 6%, nas estimativas do EL. Avaliando a acurácia da precipitação, obtida com os dados após a correção de viés, observou-se que, de maneira geral, as estimativas de chuva diária oriundas do conjunto de dados NP apresentaram um melhor desempenho quando comparada ao EL. Os indicadores estatísticos das estimativas de precipitação diária oriundas reanálises NP e EL após a correção de viés, considerando os 81 postos pluviométricos, são apresentados na Figura 8. Com base nas retas 1:1, verificou-se que ambas as reanálises tendem a subestimar levemente a precipitação diária em comparação a precipitação real observada. Figura 8 - Desempenho estatístico da precipitação diária estimada pela reanálise a) NP após correção de viés e a precipitação estimada pela reanálise b) EL após correção de viés As estimativas de precipitação oriundas do NP apresentaram desempenho razoável (R2 = 0,71), sugerindo uma associação moderada entre as chuvas estimadas e observadas. Ao considerar o erro médio absoluto de 4,52 mm.dia⁻¹, observou-se uma discrepância pequena nas estimativas diárias da precipitação. Já o coeficiente de eficiência NSE (0,31) indicou que as estimativas são razoáveis, e que o modelo apresentou uma capacidade preditiva superior ao uso da média. Além disso, o coeficiente de determinação (R² = 0,71) indica que 71% da variação dos dados medidos pode ser explicada pelas estimativas do modelo, evidenciando sua relativa capacidade de representar padrões pluviométricos ocorridos. 56 No que diz respeito as estimativas de precipitação obtidas pela EL, os resultados indicam um pior desempenho quando comparado aos dados da reanálise NP. O coeficiente de correlação de 0,42 é baixo e sugere uma relação fraca entre os valores estimados e os observados. O erro médio absoluto (4,66 mm dia⁻¹) evidencia uma discrepância ainda maior do que aquela observada no NP. No entanto, o coeficiente de eficiência de Nash-Sutcliffe próximo de zero (NSE = 0,10) indica que as estimativas do EL não são mais eficazes do que o uso de uma média climatológica simples, tornando-se, portanto, pouco confiáveis. O coeficiente de determinação (R² = 0,66) revela que apenas 66% da variação da precipitação observada é explicada pelo modelo, reforçando sua menor acurácia em relação ao NP. Estudos anteriores também reportaram que estimativa de precipitação por sensoriamento remoto apresenta maior dispersão em escala diária, tornando sua precisão mais limitada. No entanto, quando foram agregadas na escala mensal, as estimativas se aproximaram mais dos valores medidos em postos pluviométricos. Por exemplo, os dados diários do NP apresentaram R² de 0,71, enquanto o EL obteve um R² de 0,66, ambos com elevada dispersão entre os valores estimados e medidos (Figura 8). Ao considerar a escala mensal (Figura 9), as estimativas do NP apresentaram correlação de 0,98, muito próxima ao EL (0,97), porém ligeiramente maior. O coeficiente NSE também foi maior para o NP (0,96) em comparação ao EL (0,93). Além disso, o MAE do NP foi aproximadamente 30% inferior ao do EL, indicando maior acurácia nas estimativas. Figura 9 - Desempenho estatístico da precipitação mensal estimada pela reanálise a) NP após correção de viés e a precipitação estimada pela reanálise b) EL após correção de viés 57 Observou-se que houve uma melhora expressiva no desempenho das estimativas, com o R² do NP aumentando para 0,97 e o do EL para 0,96. Isso pode ser explicado pelo fato dos erros individuais tenderem a se compensar, equilibrando as discrepâncias diárias e resultando em um valor médio mensal mais representativo da precipitação medida nos postos pluviométricos. Ainda assim, a reanálise NP demonstrou desempenho superior ao EL, explicando melhor a variabilidade dos dados observados por apresentar coeficiente de determinação ligeiramente superior. Ao avaliar as estimativas de precipitação em escala diária para o território da Espanha, Cebolla et al., (2023) observaram que as estimativas da reanálise Era5- Land representaram adequadamente os padrões espaciais e as tendências temporais da precipitação da área estudada, entretanto, segundo os autores o pior desempenho da reanálise é obtido durante os meses de verão, com uma superestimação generalizada. Os dados de precipitação mensal da reanálise Era5-Land foram avaliados por Longo-Minnolo et al., (2022) para bacia do rio Simeto na Itália que obtiveram valores de MAE entre 18,26 e 49,32 mm. Os autores concluíram que muitas incertezas da reanalise Era5-land estão relacion