UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” - FACULDADE DE ARTES, ARQUITETURA, COMUNICAÇÃO E DESIGN DO CAMPUS DE BAURU DESIGN DE CRIATURAS PARA JOGOS DE TERROR: O USO DOMEDO NO PROCESSO CRIATIVO ISABELLA BENEDETTI Bauru 2023 DESIGN DE CRIATURAS PARA JOGOS DE TERROR: O USO DOMEDO NO PROCESSO CRIATIVO Orientador(a): Ana Beatriz Pereira de Andrade Co-orientador(a): Jorge Otávio Zugliani Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Artes, Arquitetura, Comunicação e Design da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - Campus de Bauru, para obtenção do grau de Bacharel em Design. ISABELLA BENEDETTI Bauru 2023 B462d Benedetti, Isabella Design de Criaturas para Jogos de Terror : O Uso do Medo no Processo Criativo / Isabella Benedetti. -- Bauru, 2023 50 p. : il., fotos Trabalho de conclusão de curso (Bacharelado - Design) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design, Bauru Orientadora: Ana Beatriz Pereira de Andrade Coorientador: Jorge Otávio Zugliani 1. Concept Art. 2. Electronic Games. 3. Horror Ficção. 4. Monstros na Arte. 5. Computer Games Design. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca da Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design, Bauru. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. AGRADECIMENTOS Gostaria de agradecer, primeiramente, a minha família, em especial a minha mãe. Obrigada por me incentivar a seguir a carreira artística, apesar de todos os meus receios, a me apoiar nos meus caminhos e me encorajar a buscar meus sonhos que, apesar de tão destoantes de seus próprios interesses, você sempre compreendeu o quanto são importantes para mim. Agradeço também a minha orientadora, professora Ana Beatriz Pereira de Andrade e co-orientador, professor Jorge Otávio Zugliani por se disponibilizarem a me guiar neste projeto, bem como aos demais docentes que me auxiliaram com muita boa vontade quando precisei recorrer a eles. Por fim, aos meus amigos, da faculdade, do colégio e da vida. Obrigada por todos os momentos que vocês me proporcionaram, por terem crescido junto comigo e me transformado na pessoa que sou agora. É um prazer imenso poder compartilhar esse projeto com vocês. RESUMO A presente pesquisa tem como intuito discorrer sobre o processo de criação do Design de criaturas fictícias pensadas para jogos de terror, utilizando como base teórica uma exploração da temática do medo e os diferentes gatilhos que o despertam na mente humana. O objetivo consiste em combinar conceitos diversos de temas como Game Design, Psicologia, Sociologia, Cinema, Biologia, e acerca do próprio gênero do Terror, e aplicá-los ao processo criativo envolvido nas etapas de pré-produção e Concept Art de jogos. O fim da pesquisa é, portanto, propor diferentes formas de conceber ideias para criaturas e monstros que cumpram, sem depender de elementos externos do jogo à parte de sua própria aparência, com seu papel de despertar o medo no jogador. Palavras-chave: Game Design; Criaturas; Terror; Concept Art. ABSTRACT The present research aims to discuss the process of fictional creature Design intended for horror games, using as a theoretical basis the exploration of fear and the different elements that trigger it in the human mind. The purpose is to combine diverse concepts from fields such as game Design, psychology, sociology, cinema, biology, and the horror genre itself, and apply them to the creative process involved in the pre-production and Concept Art stages of game design. The goal of the research, therefore, is to propose different ways of conceiving ideas for creatures and monsters that can achieve their role of evoking fear in the player, without the need to rely on external game elements apart from their own appearance. Keywords: Game Design; Creatures; Horror; Concept Art. LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Dinossauro antagonista de 3D Monster Maze……………………………….7 Figura 2 - Lucifer, gravura por Cornelis, I Galle………………………………………19 Figura 3 -Witches' Sabbath (The Great He-Goat), por Francisco Goya………………20 Figura 4 - Baron of Hell, Concept Art oficial por Alex Palma…………………….…..22 Figura 5 - Icon of Sin, Concept Art oficial por Alex Palma…………………………...22 Figura 6 - Primeiro encontro do jogador com a aranha em LIMBO…………………...26 Figura 7 - Frostbite Spider, Concept Art oficial por Ray Lederer…………………..…28 Figura 8 - Rom, the Vacuous Spider Art. Concept art oficial pela FromSoftware…......29 Figura 9 - Amygdala Body Parts. Concept art oficial pela FromSoftware…………….30 Figura 10 - The Witch of Hemwick Art. Concept art oficial pela FromSoftware………31 Figura 11 - representação de estruturas homólogas nos vertebrados…………………..33 Figura 12 - Estrutura óssea dos morcegos……………………………………………..34 Figura 13 - cena de Bram Stoker´s Dracula (1992).......................................................35 Figura 14 - Recorte dos primeiros Designs do ilustrador Stephan Dupuis, para A Mosca (1986)...............................................................................................................................37 Figura 15 - Um dos storyboards feitos pelo ilustrador Mike Ploog para The Thing, de John Carpenter………………………………………………………………………….37 Figura 16 - Tentacle Swinger, Ground Mode. Concept Art oficial por Ben Wanat. Figura 17 - Leaper, Concept Art oficial por Ben Wanat……………………………….38 Figura 18 - Modelos oficiais dos Mofados, de Resident Evil 7: Biohazard (Capcom, 2017)................................................................................................................................39 Figura 18 - Modelos oficiais dos Mofados, de Resident Evil 7: Biohazard (Capcom, 2017)................................................................................................................................40 Figura 19 - Infectados pelo Cordyceps, Concept Art por Hyoung Taek Nam………....41 Figura 20 - Estágios de infecção, Concept Art por Hyoung Taek Nam……………......41 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO…………………..................................................................6 2 O PAPEL DO CONCEPT ARTIST NA PRODUÇÃO DE GAMES..............8 3 MEDO RECREATIVO NA INDÚSTRIA DE JOGOS…………....……......10 3.1 Por que as pessoas buscam a experiência do Terror?..................................10 3.2 O uso dos Jumpscares…………………………….........................................12 4 O ESTUDO DOMEDO E O DESIGN DE CRIATURAS……….................15 4.1 Medos Históricos e simbolismos…..............................................................16 4.1.1 Divinização do medo na Idade Antiga…………………………………………..16 4.1.2 Representações do Mal no cristianismo e na literatura ocidental…...........……17 4.2 Fobias específicas………………………………………..……………………..23 5 REALISMO E MANIPULAÇÃO DE ANATOMIAS………………...……..32 5.1 Anatomia comparativa e estruturas homólogas………………………..…....32 5.1 Humanóides e a distorção da forma humana……………………...…..…….36 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS……………………………………...…….....…43 REFERÊNCIAS……………………………………………………….…...….45 6 1 INTRODUÇÃO Há 42 anos, nasceu 3D Monster Maze (J. K. Greye Software, 1981), um jogo lançado no mesmo ano que o computador ZX81 da Sinclair, plataforma para a qual foi programado. Relançado em 1982 pelo estúdio de seu criador Malcolm Evans, o jogo é considerado por muitos a primeira introdução do Terror nos videogames e a primeira experiência do gênero que futuramente seria definido como Survival Horror. A ideia do jogo era simples e direta: com perspectiva em primeira pessoa, o protagonista acorda preso em um labirinto na companhia de um tiranossauro. O objetivo é escapar do labirinto evitando o dinossauro e, caso fosse pego, o jogador teria a opção de tentar de novo ou sair do jogo. Nos anos 80, o desenvolvedor de jogos tinha a sua disposição uma quantidade reduzida de recursos, proveniente da limitação tecnológica dos sistemas operacionais da época. Com opções de gráficos que variavam entre os de vetor, de varredura e LCD, cada um com suas especificações e capacidades, a principal ferramenta do criador seria, além do apelo à simplicidade, sua própria criatividade. O tiranossauro de 3D Monster Maze, apesar de ter um Design simples e longe da perfeição, contava com outros fatores que ajudaram a definir o Terror do jogo. Os textos auxiliares indicando a posição do dinossauro, exibindo frases como “CORRA, ele está atrás de você”, somados ao ambiente confuso do labirinto e o silêncio resultante da falta de trilha sonora, são detalhes que provam que um monstro não precisa de gráficos de última geração para ser assustador. Um dinossauro monocromático de poucos pixels foi suficiente, não só para aterrorizar quem jogava, mas para se tornar pioneiro de um gênero que viria a se transformar, décadas depois, nos jogos de Terror que conhecemos hoje. Entretanto, 42 anos é muito tempo, e acompanhando o ritmo de uma tecnologia que evolui tão rapidamente como os videogames, os requisitos que tornavam um inimigo ou criatura cativantes num jogo de Terror também foram mudando, trazendo novos desafios aos artistas e Designers. Era muito mais fácil assustar pessoas nos anos 80, mas será que o tiranossauro de 3D Monster Maze se garantiria hoje? 7 Figura 1 - Dinossauro antagonista de 3D Monster Maze. Fonte: Disponível em: . A chegada de jogos como Sweet Home (Capcom, 1989), Alone in the Dark (Infrogames, 1992), Doom (id Software, 1993), Resident Evil (Capcom, 1996) e Silent Hill (Konami, 1999), junto com a própria chegada do Playstation em 1995 e as portas que ele abriu para uma nova possibilidade de gráficos, mudariam para sempre a forma como criamos criaturas para atender às novas expectativas dos jogadores. Dito isso, este projeto tem como objetivo explorar a temática do medo e os diferentes gatilhos que o despertam na mente humana para propor formas de conceber um Design de criaturas e inimigos que cumpra, da forma mais eficiente possível, com seu papel dentro dos jogos de Terror de garantir ao jogador uma experiência de fato aterrorizante. 8 2 O PAPEL DO CONCEPT ARTIST NA PRODUÇÃO DE GAMES No contexto de produção de videogames, o concept artist (artista conceitual) é quem, junto à equipe de Game Design e ao diretor criativo ou diretor de arte, trabalha para definir a aparência e os aspectos visuais dos elementos no jogo. Personagens, inimigos, NPCs, cenários, itens, veículos, trajes, arquiteturas, ambientação, todos esses elementos são trazidos à vida pela equipe de Concept Art. O artista costuma ter a sua disposição uma variedade de softwares e mídias para desenvolver suas ideias, que podem incluir ferramentas de arte tradicionais ou digitais. Essas ferramentas irão auxiliar o artista a dar vida às suas ideias através de sketches, desenhos, pinturas digitais, modelos 3D e storyboards. Quanto mais precisas forem as representações dos elementos do jogo ilustradas pelo concept artist, mais prático e fluido será o trabalho dos desenvolvedores na produção em si. Entretanto, os softwares e mídias citados são, como dito, apenas ferramentas auxiliares de trabalho. O domínio avançado de um software normalmente não é o suficiente para garantir um bom processo de criação, pois o concept artist deve dominar, antes de tudo, sua capacidade de comunicar ideias através de representações visuais.1 Segundo o ilustrador Marc Taro Holmes, “O concept artist é o motor da imaginação que guia o time de produção.” (HOLMES, 2016, p. 8), e como motor da imaginação, surge ao artista a responsabilidade de saber imaginar. Ouve-se muito na comunidade artística que ideias não surgem do nada, e na maioria das vezes, pensar em um Design pode ser um processo mais trabalhoso que a execução em si. As ideias começam a surgir com mais fluidez conforme se acumula repertório suficiente de referências, não apenas artísticas, mas também aquelas que se adquire observando e estudando elementos da realidade. Além disso, um conhecimento aprofundado por parte do concept artist acerca do assunto ou natureza do elemento que será criado pode ser um auxílio essencial no processo de criação. 1 HOLMES, Marc Taro. Designing Creatures and Characters: how to build an artist's portfolio for video games, film, animation and more. Montreal: Impact, 2016. 9 Um artista que seja encarregado de criar um concept de um personagem, por exemplo, para um jogo de época, pode conceber um Design muito mais preciso e realista se antes ele fizer um estudo sobre o período específico na história ao qual o jogo se refere. Assim, o contexto histórico, aparência e traços físicos de determinado povo, roupas e visuais típicos da época, armas e armaduras utilizadas e como esses artefatos variavam conforme a hierarquia social são conhecimentos necessários. Além de facilitar o processo de criação, podem evitar que sejam cometidas falhas históricas ou erros que podem desagradar os entusiastas do assunto e acabar afastando o público alvo. No gênero do Terror não é diferente. Quando se projeta um Design de inimigo ou criatura, há de se ter em mente o contexto no qual ela está inserida e sua função dentro do jogo, mas não somente. O artista deve saber utilizar essas informações e manipular os elementos do Design para que a criatura seja, antes de tudo, assustadora em seu conceito. Afinal, a característica primária do Terror, em qualquer mídia audiovisual, é a indução do espectador ao medo. 10 3 MEDO RECREATIVO NA INDÚSTRIA DE JOGOS Quando se fala sobre o desenvolvimento de um jogo de terror, é de aceitação geral que o principal sentimento que buscamos desencadear no jogador é o medo. Entretanto, para trabalhar com ele e entender todos os gatilhos que podem despertá-lo na mente humana, é preciso primeiramente entender sua definição segundo a ciência. O assunto não é de fácil discussão e existem diferentes definições propostas por vários nomes da biologia, psicologia e neurociências a respeito do medo. Um dos conceitos universalmente aceitos é de que ele se trata de uma resposta psicológica e emocional diante do perigo ou de elementos que nos remetem a ele, sendo significativo para a adaptação de um organismo ao ambiente.2 Apesar da existência de medos comuns que vieram de perigos ancestrais, como por exemplo a grande quantidade de pessoas com aversão a cobras, insetos, predadores no geral ou quaisquer seres que antes representavam uma ameaça muito maior para nossa espécie, a experiência do medo ainda é um tanto quanto subjetiva. 3.1 Por que as pessoas buscam a experiência do Terror? Num panorama geral, apesar dessa subjetividade, é difícil contestar que ser tomado pela tensão e pelo medo diante de algo não deveria ser uma experiência agradável em situação alguma. No entanto, jogos de terror e Survival Horror continuam entre os gêneros mais populares, principalmente entre o público mais jovem.3 Mas por que isso ocorre? Por que o ser humano, ignorando todos os instintos de sobrevivência que adquiriu durante milênios de evolução, faz questão de se colocar propositalmente em situações nas quais sabe que passará por estresse, ansiedade, medo e todos os sentimentos que constantemente tentamos evitar na vida real? 3 WILLIAMS, James. Computer Horror-Game Demographics: 57 Stats [2023]. Techpenny, 2023. Disponível em: . Acesso em: Abr. de 2023.l 2 STEFANELLI, Antônio. Do que você tem medo? Psicologia Viva, 2020.Disponível em: . Acesso em: Abr. de 2023. https://techpenny.com/horror-game-demographics/ https://blog.psicologiaviva.com.br/de-que-voce-tem-medo/ 11 Jogos no geral possuem uma característica em comum que costuma ser o principal fator atrativo para a maioria dos jogadores, que consiste na imersão em um mundo fictício. Experimentar um cenário totalmente diferente da realidade como conhecemos, ou mesmo um semelhante, porém no corpo de um personagem com uma história diferente da nossa, constitui uma das razões pelas quais os videogames estão entre as mais consumidas ferramentas de escapismo.4 Os jogos de terror não se excluem desse aspecto. Apesar de ainda depender de preferências pessoais (assim como há pessoas que não sentem prazer em assistir filmes de terror, também há jogadores que evitam ao máximo os jogos de terror), muitos dos que consomem esse gênero, o fazem também pelo prazer de imergir no mundo fictício. Um cenário apocalíptico, uma casa assombrada ou uma cidade tomada por zumbis não são ambientes nos quais nos aventuramos no dia a dia, e isso já pode ser convidativo o suficiente para quem procura escapar da rotina. Independentemente da imersão escapista que os jogadores costumam procurar, o gênero do Terror, pela indução ao medo e estresse, continua indo muito além de uma simples experiência fantasiosa que qualquer narrativa fictícia proporcionaria. Um conceito que cabe destacar ao propor um motivo que faz as pessoas procurarem pela experiência desagradável do Terror é o do entretenimento através do medo recreativo. Nesse meio, o indivíduo pode ter contato com todas as emoções provenientes de uma situação de perigo, mas sem estar diante de qualquer ameaça real.5 Isso pode ser melhor compreendido se entendermos o processo bioquímico do medo. O psiquiatra Pedro Arcoverde, do Centro de Psiquiatria do Rio de Janeiro, explica que, em resposta ao medo, o cérebro libera substâncias que preparam o corpo e a mente para lidar com a ameaça em potencial, como a adrenalina, dopamina e endorfina.6 6 GOVERNO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Luta e Fuga: as reações do corpo ao medo. SES-RJ, 2020. Disponível em: . Acesso em: Maio. de 2023. 5 ANDERSEN, M. M. et al. Playing With Fear: A Field Study in Recreational Horror. Psychological Science, v. 31, n. 12, p. 095679762097211, 2 nov. 2020. 4 LENDINO, Brian. Why is Gaming So Great for Those Looking to Escape from Normal Life? Urban Matter. Disponível em: Acesso em: Abr. de 2023. https://www.saude.rj.gov.br/noticias/2020/10/luta-e-fuga-as-reacoes-do-corpo-ao-medo https://urbanmatter.com/why-is-gaming-so-great-for-those-looking-to-escape-from-normal-life/ 12 A adrenalina induz a um estado de euforia e energia, condicionando o corpo a lutar ou fugir, enquanto a dopamina e endorfina servem como anestesia, ajudando a manter a calma para lidar com a situação de forma lúcida. Pedro destaca também que a dopamina, neurotransmissor relacionado ao prazer, pode ser um motivo pelo qual as pessoas tenham o gosto por se envolver em situações de risco controlado e experimentar o medo “por esporte”. Além das sensações que se pode sentir durante o estado de medo, há também aquelas que ocorrem no “pós-medo”. Segundo Bruna Schmitz, mestre em psicologia pela Universidade Federal de Santa Maria, a endorfina também é liberada em nosso cérebro após um grande momento de tensão ou um susto.7 Essa resposta indica que a ameaça já não existe mais e que o “pior já passou”, e esse pode ser um outro fator que motiva a pessoa a buscar narrativas de terror, pelo alívio após um momento aterrorizante. Outra explicação válida, segundo Schmitz, consiste no fato de que, durante o medo, nossa mente tende a entrar em estado de hiperfoco diante da situação, dando espaço apenas para pensamentos e preocupações que contribuam para o instinto de sobrevivência. Esse hiperfoco gerado pelo medo pode ser um fator significativo para a imersão dentro da experiência do jogo de terror. Ele torna o gênero bom, não apenas para jogar casualmente, mas para se concentrar ao máximo nos detalhes e ambientes, o que normalmente configura aspectos de uma boa experiência de jogo. 3.2 O uso dos Jumpscares Presente não apenas na indústria de jogos, mas em todo tipo de mídia audiovisual do Terror desde as origens do gênero, os chamados jumpscares têm sempre sido um elemento controverso conhecido por dividir opiniões entre os espectadores. Nos jogos de terror, o jumpscare nada mais é do que um susto por parte do jogador resultante de uma aparição ou acontecimento repentino, geralmente inesperado e 7 SCHMITZ, Bruna apud KLEIN, Esther. Psicologia do medo. Revista Arco. UFSM, 2020. Disponível em: . Acesso em: Abr. de 2023. https://www.ufsm.br/midias/arco/porque-sentimos-medo 13 muitas vezes acompanhado de um barulho alto ou mudança na trilha sonora. Eles tendem a aparecer após um longo momento de suspense ou em condições próprias para um susto, como um ambiente silencioso, escuro e sem ameaças visíveis. Enquanto algumas pessoas se divertem com os jumpscares e os veem como uma adição sempre interessante em jogos de terror, outras, se não uma grande maioria, consideram seu uso como apenas uma forma fácil de garantir que o jogador se assuste. Essa característica costuma ser associada com frequência ao que pode ser chamado de “roteiro preguiçoso”.8 Quando o jogo não conta com elementos do Terror que cumprem com sua função de despertar o medo, ele acaba por depender dos jumpscares para despertar reações no jogador, e é justamente esse caráter que torna o jumpscare uma ferramenta controversa. Isso ocorre porque, em muitos jogos, esses sustos vêm acompanhados por uma série de equívocos que destacam o mau uso da ferramenta. Entre eles, observa-se com frequência: exagero na ocorrência dos sustos, a falta de contexto para sua inserção, uma ambientação pouco trabalhada ou que não desperta a tensão desejada, quando o único responsável pelo susto é o efeito sonoro utilizado, ou quando a criatura ou imagem mostrada não é assustadora o suficiente. Esses são apenas alguns dos motivos que podem fazer com que o jumpscare seja pouco interessante ou visto como “forçado”. Apesar da má reputação originária do mau uso corriqueiro dessa ferramenta, quando bem planejada dentro dos critérios de uma boa execução, que consiste principalmente nos elementos preliminares, ela se torna uma adição mais que bem vinda a um jogo. O controle que se tem sobre o protagonista e a concentração que ele exige do jogador acaba resultando numa reação mais intensa ao susto do que, por exemplo, em um filme. Além disso, esse susto acaba por depender, não totalmente, mas de alguma forma, da conduta do jogador dentro da história, o que contribui para a imersão no jogo e proporciona um entretenimento maior. 8 READY STEADY CUT, 2018. Jumping The Jump Scare. Disponível em: . Acesso em: Maio. de 2023. https://readysteadycut.com/2018/10/29/jumping-the-jump-scare/ 14 No entanto, como dito antes, não basta incluir o jumpscare no jogo sem contexto ou critério para sua inclusão. Geralmente essa adição só é interessante para o jogador quando o restante do jogo tem o Terror bem trabalhado em seus elementos. A problemática do jumpscare surge quando ele acaba sendo o único aspecto do jogo que irá garantir que o jogador se assuste, o que jamais deveria ser o caso. Dar um susto em alguém que não esteja já em estado de alerta pode até ser eficaz, mas não será interessante. Afinal, uma fatia de pão pulando de uma torradeira tem o poder de nos dar um susto, mas não nos causa medo. O jumpscare resultante de um longo momento de tensão e vulnerabilidade do jogador, já aterrorizado por tudo que ele viu e sentiu ao longo do jogo, pode proporcionar um susto de fato memorável. Dito isso, conclui-se que o jumpscare, apesar de intitulado uma marca registrada dos jogos de terror, não é essencial ao gênero. É muito mais preferível que o investimento maior dos criadores de jogos seja em ambientação, Level Design e, quando presentes, nas criaturas. Conceber um Design de inimigo em um jogo não é uma tarefa simples, e muitas vezes, haverá pessoas dentro da equipe de Concept Art responsáveis pelo conceito das criaturas e monstros do jogo especificamente. 15 4 O ESTUDO DOMEDO E O DESIGN DE CRIATURAS Segundo o neurocientista americano Joseph E. LeDoux (2019), o medo, ao contrário do que se diz com frequência, não é universal, mas pessoal e único de cada indivíduo. O conceito de “medo” que a pessoa adquire vai depender de um repertório de experiências e situações acumuladas ao longo da vida de cada um.9 Não apenas variável e subjetiva de pessoa para pessoa, a natureza do medo também se mostra mutável quando se leva em consideração fatores como época, contexto histórico, camadas e grupos sociais no qual ele é estudado. Pode-se considerar portanto que o medo seja um conceito construído histórica e socialmente ao longo do tempo. Essa subjetividade relacionada ao medo pode ser vista como um obstáculo para os criadores de jogos de terror na hora de conceber uma criatura física cuja função seja desencadear esse sentimento na mente do jogador, afinal, o jogo como um produto comercial raramente irá buscar alcançar apenas pessoas com um medo específico, mas o público mais amplo possível. Para que o trabalho de um artista dessa área seja facilitado, há de se considerar, portanto, uma forma de generalizar elementos que causam o medo para materializá-los em um jogo que cumpra sua função de assustar uma ampla diversidade de pessoas. Uma forma eficiente de propor essa generalização seria identificando e correlacionando padrões entre diferentes tipos de medo que se encontram com mais frequência entre os seres humanos. Serão abordados, desse modo, estudos acerca de diferentes conceitos relacionados ao medo e as formas como ele é despertado na mente humana, aplicado às técnicas e bases teóricas da arte conceitual, a fim de propor diferentes formas de conceber Designs de criaturas memoráveis para jogos de terror. 9 LEDOUX, Joseph et al. Viewpoints: Approaches to defining and investigating fear. Nature Neuroscience, 2019. Disponível em: . Acesso em: Maio. de 2023. https://www.scientificamerican.com/article/on-the-nature-of-fear/ 16 4.1 Medos históricos e simbolismos Acompanhando a humanidade durante sua trajetória e atravessando épocas e contextos históricos diversos, o Terror se mostrou como um conceito de significados variantes. Entre as primeiras civilizações e a sociedade como se conhece hoje, as fontes primárias do medo e os gatilhos que o despertavam foram evoluindo junto às bases filosóficas, antropológicas, crenças e dogmas que regiam o homem e suas condutas em momentos específicos da História. 4.1.1 Divinização do medo na Idade Antiga Em sua obra História do medo no Ocidente, 1300-1800, o historiador francês Jean Delumeau procura explicar de forma mais aprofundada sobre a evolução histórica desse sentimento nas sociedades da Idade Antiga, Média, Moderna e até o início da Contemporânea. Ao abordar em seu livro o temor nas civilizações antigas, Delumeau cita o costume religioso da época que consistia na personificação de fenômenos e emoções através de elementos e personagens mitológicos. Ele cita a Grécia Antiga (compreendida entre os anos 2000 a.C e 146 a.C) e a representação divina do Terror e do Medo, a qual os gregos atribuíram às divindades Deimos e Phobos, respectivamente. Estes descritos como irmãos gêmeos e principais causadores do pânico e temor entre os homens, em especial nos tempos de guerra. Apesar de não ser considerado diretamente um elemento do Design, o nome que se dá a uma criatura pode influenciar na forma como o jogador a vê. É possível observar uma certa quantidade de jogos de terror com inimigos e elementos cujos nomes fazem referência às divindades citadas. Em Resident Evil 3: Nemesis (Capcom, 1999) e seu remake Resident Evil 3 (Capcom, 2020), o jogador se encontra com os denominados Drain Deimos, inimigos secundários de aparência insetóide que recebem o nome da personificação grega do Terror. Na mesma franquia, em Resident Evil Revelations 2 (Capcom, 2015), o irmão de Deimos recebe sua devida homenagem. Tendo a história da saga sempre girado em torno 17 de perigos biológicos, o principal vírus responsável pelas tragédias e transformações das criaturas de Resident Evil Revelations 2 foi chamado por seus criadores de T-Phobos. A guerra, juntamente com as doenças, pragas e a fome, eram na Antiguidade as principais causas do Terror e do medo coletivo. A atribuição dos fenômenos naturais e sociais à ação de deuses e seres mitológicos, que ocorria na grande maioria das religiões politeístas antigas, serviu de contexto para que os povos realizassem oferendas e rituais a essas divindades como forma de combater esses males e afastá-los da comunidade. Delumeau descreve, dessa forma, o medo externo ao homem como característico das sociedades antigas, vindo não da mente das pessoas, mas de uma força maior divina fora do controle humano. 4.1.2 Representações do Mal no cristianismo e na literatura ocidental No contexto do ocidente, esse aspecto externo do medo teria começado a se alterar durante os primórdios do cristianismo, passando por um lento e gradativo processo de internalização. O autor cita o “medo do demônio” apresentado pela Igreja Católica como principal agente desse fenômeno. Em suma, o medo cristão da condenação ao inferno e da Inquisição estava relacionado à suposta influência que a figura do demônio teria sobre os homens, buscando corrompê-los e afastá-los do caminho da salvação. O sujeito foi então obrigado a passar por um processo de introspecção, voltando o olhar para si mesmo e suas ações a fim de se afastar do pecado e da influência dessa figura. Delumeau, portando, descreve como o medo se torna não mais uma personalidade mítica exterior ao homem, mas um sentimento individual proveniente da ideia do mal refletido em si mesmo. A Inquisição [...] orientou suas temíveis investigações para duas grandes direções: de um lado, para bodes expiatórios [...]; de outro, para cada um dos cristãos, atuando Satã, com efeito, sobre os dois quadros, e podendo todo homem, se não tomar cuidado, tornar-se um agente do demônio. Daí a necessidade de um certo medo de si mesmo. (DELUMEAU, 2009, p.32) 18 O autor discorre também sobre o fato de que a própria imagem do Demônio não teria sido fixa, mas sim sofrido alterações conforme o cristianismo progredia entre os contextos políticos e sociais. Segundo ele, a figura, apesar de muito citada nas Escrituras, pouco aparecia visualmente na arte cristã primitiva. Uma das mais antigas representações teria aparecido no século VI, na Igreja de Bauoït, no Egito. Lá, ele teria sido representado "sob os traços de um anjo, decaído, sem dúvida, e com unhas recurvas, mas sem feiura [...]" É a partir do século XI que o demônio começa a tomar a forma de um monstro. (DELUMEAU, 2009, p. 354). O século XIII seria o momento em que as figuras demoníacas e as imagens do inferno estariam gravadas nas paredes das catedrais. Delumeau cita A Divina Comédia de Dante como um marco significativo na construção da figura do demônio e como sua aparência começaria a ser retratada na arte (2009, p. 355). O poeta o retrata como uma figura monstruosa, onde características animais e humanas se encontram em um ser não mais abstrato, mas na forma de uma criatura de fato amedrontadora para os cristãos. quando três caras vi na sua cabeça: toda vermelha era a que tinha à frente, e das duas outras, cada qual egressa do meio do ombro, que em cima se ajeita de cada lado e junta-se com essa, branco-amarelo era a cor da direita e, a da esquerda, a daquela gente estranha que chega de onde o Nilo ao vale deita. (ALIGHIERI, 2008, p.226) Dante descreve também, além de suas múltiplas faces, o corpo alado do demônio. Este sendo coberto de pelos e possuindo três pares de asas, assim como a figura de um Serafim, porém escuras e sem penas, mais semelhantes às de um morcego do que às de um pássaro (ALIGHIERI, 2008, p.227-228). 19 Figura 2 - Lucifer, gravura por Cornelis, I Galle. Fonte: coleção da Biblioteca da Universidade de Leiden. Disponível em: . Apesar da associação feita por Dante entre os morcegos e a imagem do Diabo ainda em meados do século XIV, outro momento que acaba por fortalecer a má reputação destes animais se dá no surgimento do Drácula em 1897. A obra de Bram Stoker é marcada popularmente como a primeira vez em que os morcegos, já antes associados com a bruxaria e o paganismo no ocidente, se tornam diretamente relacionados também com os vampiros.10 10 BELWOOD, Jacqueline J; MORTON, Patricia A. Vampires: the real story. Bat Conservation International: volume 9, issue 1. Disponível em: Acesso em: Abr. de 2023. https://www.leidenspecialcollectionsblog.nl/articles/dantes-inferno-the-three-headed-monster-lucifer https://www.leidenspecialcollectionsblog.nl/articles/dantes-inferno-the-three-headed-monster-lucifer https://www.batcon.org/article/vampires-the-real-story/ 20 O uso da imagem do morcego nas representações do Diabo e, futuramente, dos vampiros, fez com que este se tornasse um símbolo recorrente em filmes e jogos, representando inimigos, criaturas infernais e seres vampirísticos. Quando representados em sua forma animal comum, servem principalmente como elementos de cenário e ambientação, caracterizando locais sombrios e perigosos. Edin Sued Abumanssur, professor do departamento de Teologia e Ciências da Religião da PUC de São Paulo, discorre sobre outro fenômeno que contribuiu para a formação da imagem do demônio como se conhece hoje. O cristianismo, segundo Abumanssur, teria adaptado a imagem do Diabo a fim de fazer com que este remetesse de forma caricata às crenças greco-romanas que a Igreja procurava combater.11 Nesse processo, teria sido desenvolvida a imagem popularmente conhecida do demônio com chifres, tridente e traços de bode."[...] o cristianismo, ao combater a religião grega - e também a romana - coloca chifres no diabo por conta do Deus grego Pã, uma figura representada como meio homem, meio carneiro chifrudo [...]" destaca o professor. "Da mesma forma, usa o tridente, para combater Posseidon, o Deus grego dos mares - Netuno para os romanos [...]" (ABUMANSSUR, 2018). Figura 3 -Witches' Sabbath (The Great He-Goat), por Francisco Goya. Fonte: site da revista virtual Atlas Obscura. Disponível em: . 11 ABUMANSSUR, Edin apud VEIGA, Edison. Como o cristianismo moldou a figura de Satanás para combater outras religiões. BBC NEWS Brasil, 2018. Disponível em: . Acesso em: Maio. de 2023. https://www.bbc.com/portuguese/geral-45108192 21 Carlos Nogueira, doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (1981), ao discorrer sobre a aparência caprina do personagem, aponta a correlação feita no Novo Testamento entre o bode e a representação do Mal.12 No Novo Testamento, os bodes estão firmemente relacionados com o Mal e, na cena do Juízo Final, os bodes e os cordeiros – os maus e os bons – são separados, sendo os primeiros precipitados no Inferno. Por outro lado, o bode, assim como os demônios, era conhecido por sua devassidão e mau cheiro, e na consciência popular, sua belicosidade e os prejuízos que causava a campos e colheitas aumentavam as suas possibilidades de ligação com o furioso e destrutivo Inimigo. (NOGUEIRA, 2000, p.67) Pode-se dizer, portanto, que a imagem dos bodes e cabras acabaram por ficar permanentemente relacionadas com os demônios e o paganismo. Entidades malignas com elementos destes animais em sua aparência se tornaram presentes na cultura popular, sendo representadas em diferentes mídias no gênero do Terror. A famosa franquia de jogos Doom da desenvolvedora id Software, presente desde 1993 na indústria, utiliza com frequência elementos e cenários diretamente relacionados com a imagem do inferno e seus demônios. Consequentemente, a figura satânica do bode aparece em algumas de suas criaturas como elemento de Design. Um dos inimigos presentes na franquia, chamado de Baron of Hell (Barão do Inferno), criado no primeiro jogo de 1993, compartilha algumas características com os animais citados. A criatura dispõe de um par de chifres negros, pernas com anatomia das de um bode, cobertas por uma pelagem marrom e cascos negros, tudo isso combinado com um torso humanóide de pele avermelhada. Apesar de seu Design ter sofrido alterações ao longo dos jogos em que ele aparecia, sua forma básica permaneceu fiel ao original Doom (id Software, 1993). Outro grande inimigo que aparece na franquia, o Icon of Sin (Ícone do Pecado), surge em Doom II (id Software, 1994) como antagonista principal. Ele aparece como uma enorme cabeça biomecânica de demônio, que remete ao crânio de um bode, integrada a uma parede. Em Doom (id Software, 2016) e Doom Eternal (id Software, 2020), a mesma criatura faz sua aparição, agora acompanhada de um corpo humanóide bípede e a imagem de um pentagrama marcada em sua testa. 12 NOGUEIRA, Carlos Roberto F. O Diabo no imaginário Cristão. Bauru: EDUSC, 2000. 22 Figura 4 - Baron of Hell, Concept Art oficial por Alex Palma. Fonte: portfólio virtual de Alex Palma. Disponível em: . Figura 5 - Icon of Sin, Concept Art oficial por Alex Palma. Fonte: portfólio virtual de Alex Palma. Disponível em: . https://www.artstation.com/artwork/8erWY6 23 Os morcegos e os bodes não foram as únicas figuras animais condenadas à ligação com a imagem do personagem cristão. Dentre outros animais que aparecem no cristianismo associados à figura do Diabo, pode-se citar, por exemplo, as serpentes, o cão, o macaco e até mesmo o dragão.13 Conclui-se portanto que, apesar das múltiplas formas que o Mal e o Diabo assumiram durante os diversos contextos do cristianismo, a partir do momento em que sua imagem se materializa na forma de um monstro, vários zoomorfismos são agregados a ela. A relação que a religião cristã fez entre animais específicos e o conceito do Mal e da Heresia acaba por influenciar obras diversas da literatura, cinema e, futuramente, dos jogos. 4.2 Fobias específicas Descritas pela psicologia e psiquiatria como os medos patológicos, as fobias específicas estão presentes em cerca de 20% da população mundial, segundo o Instituto Nacional de Saúde americano.14 Paulo Dalgalarrondo, Professor Titular de Psicopatologia do Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP, as descreve: São medos determinados psicopatologiamente, desproporcionais e incompatíveis com as possibilidades de perigo real oferecidas pelos desencadeantes, chamados de objetos ou situações fobígenas. Assim, o indivíduo tem um medo terrível e desproporcional de entrar em elevador, de gatos ou de contato com pessoas desconhecidas.” (DALGALARRONDO, 2008, p. 171). Segundo o Dr. Luiz Vicente Figueira de Mello, supervisor do programa de ansiedade do IPq (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP), uma das explicações mais aceitas acerca da origem das fobias seria que elas são provenientes de uma resposta evolutiva. “Acredita-se, hoje, que a seleção natural fez com que selecionássemos medos e os transformássemos em memórias que dizem o que devemos e não devemos temer.” (MELLO, 2013).15 15 OLIVEIRA, João V. Entendendo a claustrofobia. Disponível em: . Acesso em: Jun. de 2023. 14 BIERNATH, André. Fobia é doença, sim! Editora Abril, 2017. Disponível em: . Acesso em: Maio. de 2023. 13 FILHO, José O M. O DIABO TEM TRÊS CARAS: as três faces do Diabo apresentadas em cinco contistas brasileiros contemporâneos. Florianópolis, 2012. https://biton.uspnet.usp.br/espaber/?materia=entendendo-a-claustrofobia https://saude.abril.com.br/mente-saudavel/fobia-e-doenca-sim 24 A fobia em si é uma manifestação extrema do medo, onde este acaba se tornando proporcionalmente maior que a própria ameaça, causando transtornos de ansiedade relacionados a ele e atrapalhando em vários aspectos o cotidiano de um indivíduo ao fazê-lo evitar situações sem nenhum perigo real iminente.16 Apesar disso, a frequência com que algumas fobias específicas ocorrem pode nos ajudar a descobrir padrões entre objetos, seres ou situações que têm maior tendência a deixar uma pessoa desconfortável. Tomemos como exemplo uma das fobias mais comuns, a claustrofobia, relacionada ao medo irracional de se encontrar confinado em espaços fechados sem acesso livre ao exterior ou possibilidade de fuga. Salas trancadas ou sem janelas, elevadores, túneis, locais tumultuados com quantidade de pessoas desproporcional ao espaço disponível etc, são exemplos de ambientes que podem ser fortes gatilhos ao claustrofóbico.17 Apesar de ser uma fobia, ou seja, pessoas que dela sofrem desenvolveram um transtorno de ansiedade relacionado ao confinamento, não há como negar que a situação de estar em um espaço fechado, com seus movimentos limitados e sem acesso ao exterior é, de forma natural, um cenário desconfortável para a maioria das pessoas. Outro exemplo de fobia comum é a conhecida como, dentre outros nomes, nictofobia, relacionada ao medo de ambientes escuros quando este progride para além da fase da infância, onde seria natural de se encontrar.18 Mais uma vez, apesar do aspecto da fobia, ela se origina de um desconforto universal de estar em um local mal iluminado, sem ser capaz de perceber se alguém, ou algo, está no mesmo ambiente que você. Esses dois exemplos, dentre tantos outros, configuram aspectos nos quais os jogos de terror costumam, de forma quase unânime, se basear. Ambientação escura, com poucas fontes de luz, e locais apertados onde o protagonista se encontre sem saída ou 18 POLAKIEWICZ, Rafael. Conheça a Nictofobia: o medo do escuro. Portal PEBMED, 2021. Disponível em: . Acesso em: Jun. de 2023. 17 Claustrofobia: o que deve saber sobre esta perturbação. CUF, 2018. Disponível em: Acesso em: Maio. de 2023. 16 CENTER FOR THE TREATMENT AND STUDY OF ANXIETY. Specific Phobias (Symptoms). Perelman School of Medicine at the University of Pennsylvania. Disponível em: . Acesso em: Maio. de 2023. https://pebmed.com.br/conheca-a-nictofobia-o-medo-do-escuro/ https://www.cuf.pt/mais-saude/claustrofobia-o-que-deve-saber-sobre-esta-perturbacao https://www.med.upenn.edu/ctsa/phobias_symptoms.html#symptoms 25 encurralado, são elementos presentes em uma enorme maioria das experiências de terror, seja ocorrendo num campo geral do jogo ou apenas em seções específicas. As duas fobias citadas servem como base principalmente para a questão da criação de cenários e ambientação dentro do jogo, mas e quanto às criaturas? Para usar fobias específicas como inspiração para o Design de uma criatura, é preferível que essa seja relacionada a elementos mais concretos, como objetos ou animais. A aracnofobia, que consiste na aversão extrema a aranhas — juntamente com a ofidiofobia, relacionada a cobras — é considerada a fobia específica relacionada a animais mais presente entre a população,19 aspecto que colocou as aranhas em papéis de antagonismo por décadas nos jogos. Esse antagonismo, apesar de ter sido eficiente na maioria dos jogos em que foi trabalhado, pode se tornar eventualmente um elemento repetitivo e pouco inovador, onde a simples imagem de uma aranha não seria suficiente para causar a tensão desejada no jogador. Em LIMBO (Playdead, 2010), jogo de terror independente, a aracnofobia é trabalhada em um inimigo marcante, uma aranha gigante, com quem o jogador já se encontra dentro dos primeiros 10 minutos de jogo. A aranha de LIMBO, apesar de ter como principal ferramenta do medo o fato de ser uma aranha, possui diferenciais que fazem com que não necessariamente ela dependa de uma suposta aracnofobia por parte do jogador para ser assustadora e cumprir seu papel. Além de contar com a ambientação cruel do jogo, onde todos os elementos são representados como silhuetas envoltas por uma neblina incessante, perfeita para abrigar uma aranha cujo principal detalhe a ser destacado seria suas pernas longas e pontiagudas, a criatura também conta com uma combinação de outros elementos significativos que dialogam, mesmo que de maneira sutil, com outras fobias e os medos que elas representam. 19 Zoophobia (Fear of Animals): Causes, Symptoms & Treatment. Cleveland Clinic, 2022. Disponível em: . Acesso em: Maio. de 2023. https://my.clevelandclinic.org/health/diseases/22727-zoophobia-fear-of-animals 26 Seu modo de ataque, por exemplo, que consiste em empalar o protagonista com um movimento rápido e violento das pernas, desconfortavelmente finas e pontiagudas, dialoga com outra fobia extremamente comum. Relacionada a objetos perfurantes e agulhas, a aicmofobia, como é conhecida, é manifestada principalmente diante de procedimentos médicos onde há a necessidade do uso de seringas e aplicação de injeções.20 Esse medo também é trabalhado explicitamente em outros elementos do jogo, como armadilhas e obstáculos espinhosos que matam instantaneamente o protagonista por empalamento, da mesma forma que a aranha. Figura 6 - Primeiro encontro do jogador com a aranha em LIMBO. Fonte: blog Cheryl-Jean Leo, em Game Design. Disponível em: . Como a aicmofobia costuma, num cenário real, estar mais comumente relacionada a situações que envolvam agulhas ou injeções, uma forma de trabalhar o Design de um objeto pontiagudo para que este seja um gatilho ainda maior para quem possui esse medo seria, por exemplo, afiná-lo em sua forma, principalmente nas extremidades, acentuando a ponta e deixando ele mais parecido com uma agulha. Esse detalhe no Design já poderia ser o suficiente para causar a aflição desejada no jogador, mas por que parar por aí? 20 CLÍNICA, R. P. Aicmofobia: medo de agulhas de injeção e objetos pontudos. Disponível em: . Acesso em: Maio. de 2023. https://cjleo.com/2021/10/11/trial-and-death-in-the-video-game-limbo/ https://www.psicanaliseclinica.com/aicmofobia/ 27 No contexto das fobias, é muito comum encontrar casos onde diferentes tipos de medos tenham uma relação ou semelhança entre si, ou onde uma fobia específica acaba por desencadear outra. Por exemplo, uma pessoa com acrofobia, a aversão irracional a alturas, tem forte tendência a desenvolver aerofobia, relacionada a viajar em aviões, assim como também é provável que uma pessoa com fobia social também sofra com a glossofobia, ansiedade relacionada a falar em público.21 Voltando ao exemplo da aranha de LIMBO e como seu Design dialoga com a aicmofobia, uma forma de agregar mais um diferencial seria, por exemplo, fazendo uma correlação entre a aicmofobia e a iofobia ou toxicofobia, medo intenso de venenos e intoxicações no geral. A pessoa que costuma temer agulhas, injeções e seringas pode muito bem ter esse medo incrementado caso o objeto pontiagudo também seja capaz de injetar nela uma toxina. Como estamos falando de uma aranha, agregar ataques envolvendo toxinas não é algo que fugiria do natural, uma vez que, na vida real, todas as aranhas possuem quelíceras inoculadoras de peçonha, mesmo que a maioria delas tenha essa toxina potente apenas o suficiente para abater sua presa e não apresente um risco real para nós.22 Não é o caso da aranha de LIMBO, cujo ataque reside no aspecto do empalamento com as pernas, mas vários outros jogos que possuem aracnídeos como inimigos utilizam a característica peçonhenta natural deles como um modo de ataque. É um aspecto que intensificaria o medo do artrópode e não fugiria muito de um cenário realista. As Frostbite Spiders de The Elder Scrolls V: Skyrim (Bethesda Game Studios, 2011) e a Black Tiger de Resident Evil (Capcom, 1996), por exemplo, utilizam um ataque que consiste em “cuspir” a toxina no jogador projetando-a a determinada distância, causando dano por envenenamento. Apesar de parecer um ataque um tanto quanto absurdo se pensado num contexto mais realista, existe sim na natureza aranhas capazes de tal ataque, mesmo que uma 22 Instituto Butantan. Jogo Quarteto. Aranhas não peçonhentas. Disponível em:. Acesso em: Maio. de 2023. 21 GALLARDO, Claudia. As 15 fobias mais comuns e sua definição. Disponível em: . Acesso em: Maio. de 2023. https://jogoquarteto.butantan.gov.br/default.php?page=cards&subPage=aranhas-nao-peconhentas.php https://br.psicologia-online.com/as-15-fobias-mais-comuns-e-sua-definicao-418.html 28 minoria. As aranhas do gênero Scytodes, também chamadas de aranhas-cuspideiras, utilizam uma ferramenta de caça que consiste em projetar uma espécie de seda pegajosa embebida em peçonha, que imobiliza a presa e a torna vulnerável ao abate .23 Em The Witcher 3: Wild Hunt (CD PROJEKT RED, 2015), o Arachnomorph, um dos inimigos do jogo, teria uma semelhança mais precisa com as aranhas-cuspideiras citadas. Ao invés de projetar a toxina pura, como as de Resident Evil e Skyrim, o ataque deles consiste em projetar a própria teia, que imobiliza o jogador, o deixando vulnerável a outros ataques. Figura 7 - Frostbite Spider, Concept Art oficial por Ray Lederer. Fonte: portfólio virtual de Ray Lederer. Disponível em : . Saindo agora do contexto da aracnofobia em específico, uma outra “fobia” muito popular e um tanto quanto controversa, da qual o artista pode usar como vantagem ao projetar um Design de criatura, é a chamada popularmente de tripofobia. Apesar do nome, ela não é considerada uma fobia real, muito menos um transtorno ou doença. 23 YONG, Ed. Singaporean spiders spit venomous glue, work together, eat each other. National Geographic, 2019. Disponível em: . Acesso em: Maio. de 2023. https://www.nationalgeographic.com/science/article/singaporean-spiders-spit-venomous-glue-work-together-eat-each-other https://www.nationalgeographic.com/science/article/singaporean-spiders-spit-venomous-glue-work-together-eat-each-other 29 O termo ganhou popularidade na internet como uma necessidade de nomear uma sensação de aflição específica que muitas pessoas compartilhavam, relacionada a padrões de orifícios ou formas geométricas agrupadas de forma irregular, que podem ser observados em esponjas, tecidos, plantas, lesões específicas de pele etc.24 O fato dessa repulsa não ser oficializada por especialistas como uma fobia não nos impede de utilizá-la como base para algum elemento no Design de uma criatura se acharmos que isso seria sim um diferencial no Terror. Alguns insetos, como por exemplo abelhas e vespas, constroem estruturas com esses padrões geométricos que podem ser gatilhos para quem sente essa aflição, e isso pode ser usado como inspiração para algumas criaturas insetóides. Bloodborne (FromSoftware, 2015) faz o uso desta “fobia” na criação de vários elementos do jogo, o que pode ser observado principalmente no visual dos chefes. “Rom, the Vacuous Spider”, que apesar do nome, se assemelha mais a uma lagarta ou verme do que a uma aranha, é um deles. Sua cabeça possui uma espécie de boca circular e, em volta dela, dezenas de pequenos olhos pretos dispostos irregularmente. Figura 8 - Rom, the Vacuous Spider Art. Concept art oficial pela FromSoftware. Fonte: Galeria virtual de artes de Bloodborne, no site Creative Uncut. Disponível em: . 24 SCHIAVON, Fabiana. O que é tripofobia? Repulsa a buracos e lesões na pele não é doença. Editora Abril, 2022. Disponível em: . Acesso em: Jun. de 2023. https://www.creativeuncut.com/gallery-29/bb-rom-the-vacuous-spider.html https://saude.abril.com.br/bem-estar/o-que-e-tripofobia-repulsa-a-buracos-e-lesoes-na-pele-nao-e-doenca/ 30 Dentre outros chefes de Bloodborne também relacionados a esse tipo de aversão, pode-se destacar o Amygdala, cujo nome inclusive faz referência à principal parte da estrutura cerebral responsável pelo circuito do medo.25 A criatura possui sua cabeça constituída por uma grande quantidade de buracos, que comportam olhos que eventualmente se projetam para fora. Além dele, cabe destacar também a denominada The Witch of Hemwick, com uma estrutura formada por um grande aglomerado de olhos humanos, que se espalham por todo seu corpo de maneira irregular. Figura 9 - Amygdala Body Parts. Concept art oficial pela FromSoftware. Fonte: Galeria virtual de artes de Bloodborne, no site Creative Uncut. Disponível em: . 25 PIVETTA, Marcos. Circuitos do Medo. Pesquisa FAPESP: Ed 74. Abr. de 2002. Disponível em: . Acesso em: jun. de 2023. https://www.creativeuncut.com/gallery-29/bb-amygdala-side.html https://saude.abril.com.br/bem-estar/o-que-e-tripofobia-repulsa-a-buracos-e-lesoes-na-pele-nao-e-doenca/ 31 Figura 10 - The Witch of Hemwick Art. Concept art oficial pela FromSoftware. Fonte: Galeria virtual de artes de Bloodborne, no site Creative Uncut. Disponível em: . Pode-se concluir, assim, que o uso cuidadoso das fobias específicas como inspiração para o Design de criaturas confere a essas um diferencial na capacidade de causar aflição no jogador. O uso de elementos relativos a diferentes fobias, bem como a combinação deles em uma única criatura, se feitos de forma coerente, podem resultar em inimigos capazes de despertar múltiplos medos em quem os confronta. 32 5 REALISMO E MANIPULAÇÃO DE ANATOMIAS O medo do desconhecido e daquilo que o homem não pode compreender é um conceito muito explorado nas mídias de terror. Ele de fato existe na mente de todos nós quase unanimemente, no entanto, o medo daquilo que se conhece também está presente em níveis muito semelhantes. A natureza está repleta de criaturas com Designs únicos pensados para contextos e ambientes diferentes, e por isso acaba se tornando também um dos principais painéis de referências para os concept artists. A manipulação de formas animais ou a combinação destas com formas humanas está muito presente, não apenas no gênero do Terror, mas em quaisquer jogos que apresentem cenários e faunas fictícias. Como visto anteriormente na abordagem, por exemplo, das fobias e dos símbolos zoomórficos do Mal, o mundo real por si só e seus elementos já conhecidos pelos seres humanos são suficientes para despertá-los na mente o Terror e o medo. Aproximar um Design ao realismo e àquilo que parece, aos olhos humanos, mais provável de existir, pode ser um fator extra que despertaria no homem esse “medo do conhecido”. 5.1 Anatomia comparativa e estruturas homólogas A concepção do Design de uma criatura fictícia “possível”, ou seja, que traz credibilidade ao jogador como um ser fácil de se imaginar existindo em nossa realidade, pode depender de conhecimentos específicos do artista para se concretizar. Um dos entendimentos que ele deve preferencialmente ter para projetar um ser fictício é o de estruturas homólogas na anatomia comparativa. Basicamente, o termo caracteriza elementos anatômicos semelhantes entre diferentes seres, herdados de um ancestral evolutivo comum e modificados em suas proporções e funcionalidades conforme a adaptação de cada espécie ao seu respectivo habitat.26 26 Britannica, The Editors of Encyclopaedia. comparative anatomy. Encyclopedia Britannica, 2020. Disponível em: . Acesso em: Jun. de 2023. https://www.britannica.com/science/comparative-anatomy 33 Essas semelhanças tendem a ficar nítidas ao se observar, por exemplo, as estruturas ósseas dos membros superiores em certos vertebrados. A representação feita pelo ilustrador e concept artist Sam Santala ilustra o conceito das estruturas homólogas aplicado na arte de forma clara: Figura 11 - representação de estruturas homólogas nos vertebrados. Fonte: arte de Sam Santala no site CGSociety. Disponível em . O estudo dessas estruturas em animais de diferentes espécies e estágios evolutivos pode servir como um painel visual de referências para o artista que pretende combinar criaturas diferentes em uma espécie de quimera ou deformar suas anatomias originais para um outro contexto. A observação de animais específicos que sejam relevantes para o produto final é uma forma de adquirir referência visual para agregar ao Design.27 Voltando aos exemplos de animais relacionados na religião e literatura à imagem do Mal, suponha que um artista pretenda desenvolver, como produto final, um conceito de criatura humanóide com traços de morcego. Uma das características que provavelmente não seriam deixadas de lado nessa representação seria as asas, elemento marcante e talvez mais reconhecível na figura desse animal. 27 SANTALA, Sam. Forelimb Structure. 2020. Digital 2D. Disponível em: . Acesso em: Jun. de 2023. https://cgsociety.org/news/article/3318/4-tips-for-improving-your-mythical-creature-designs-with-sam-santala- https://cgsociety.org/news/article/3318/4-tips-for-improving-your-mythical-creature-designs-with-sam-santala- 34 Como único mamífero capaz de voar por conta própria, o morcego acaba sendo uma das referências mais adequadas quando se imagina como seria um ser humano adaptado ao vôo. Faria mais sentido representar um humanóide alado com asas semelhantes às de um morcego do que às de um pássaro, por exemplo. As asas de um morcego e os braços humanos são órgãos considerados homólogos. A estrutura óssea desses membros compartilha os mesmos componentes, porém uma se adapta ao manuseio e a outra ao vôo. O úmero, rádio, ulna, ossos do carpo, metacarpo e as falanges dos dedos estão presentes nas duas espécies. Nos morcegos, no entanto, o metacarpo e falanges se alongam, formando as estruturas que se conectam pela fina membrana de pele que forma as asas,28 como pode-se observar na figura a seguir. Figura 12 - estrutura óssea dos morcegos. Fonte: UK Safari. Disponível em Pode-se considerar, para referência no processo de Design, que as asas de um morcegos sejam como uma mão aberta. Quando em repouso, esses animais costumam “recolher” suas asas aproximando os dedos do braço, e usando, para a locomoção, o polegar acompanhado de uma garra que facilita a aderência a superfícies texturizadas.29 29 Animals in your Attic. Bats on the ground: do bats walk or even touch the ground? animallaticpest, 2017. Disponível em: . Acesso em: Maio. de 2023. 28 LUCAS, Sam. Homology and Analogy - A lesson in Biology. Sanibel Sea School, Sanibel-Captiva Conservation Foundation Family. Disponível em: . Acesso em: Jun. de 2023. http://www.animalatticpest.com/batwalk.html https://www.sanibelseaschool.org/experience-blog/2020/6/24/homology-and-analogy-a-lesson-in-biology 35 Um exemplo de bom uso de referência anatômica dos morcegos para um Design de criatura pode ser observado no clássico de terror gótico Bram Stoker´s Dracula (1992), de Francis Ford Coppola. Uma das formas que o personagem Drácula, interpretado por Gary Oldman, assume no filme, consiste na de um morcego humanóide. Figura 13 - cena de Bram Stoker´s Dracula (1992). Fonte: resenha de Bram Stoker´s Dracula (1992) no site Mana Pop. Disponível em: . As asas da criatura não se abrem durante suas cenas no filme e foram esculpidas, portanto, da maneira como as asas de um morcego permaneceriam caso fechadas. O polegar é mais saliente, como o de um ser humano, e os outros dedos, longos como os de um morcego, ficam unidos ao braço, chegando até o cotovelo. É possível ver também uma espécie de membrana ligando os braços ao torso, porém com a pele mais grossa e texturizada, semelhante à pele humana. Saber comparar anatomias e combiná-las de forma coerente e “anatomicamente possível” exige, portanto, um estudo por parte do artista. A compreensão das estruturas homólogas permite a criação de criaturas realistas e reconhecíveis, adaptando-as a uma aparência congruente com suas origens e habitats, bem como seu papel e função dentro do jogo. 36 5.2 Humanóides e a distorção da forma humana Enquanto o uso de elementos bestiais e animalescos no Design de uma criatura pode despertar um medo relacionado à falta de identificação por parte das pessoas, o uso de formas mais humanas pode ter o mesmo efeito por um motivo completamente oposto. A ideia de uma criatura com a qual é possível, de alguma forma, se identificar, se mostra aterrorizante não apenas pela ameaça que ela oferece, mas também pela possibilidade de ser transformado naquilo que ela se tornou. 30 O Design humanóide, quando presente no gênero do Terror, comumente se relaciona com o conceito de body horror, caracterizado como uma ferramenta de Design que se baseia na desfiguração extrema do corpo. Imagens grotescas de anomalias, deformações, ferimentos ou sequências de transformações dolorosas, por exemplo, já foram utilizadas em obras diversas do Terror e Ficção Científica.31 Os clássicos Sci-Fi dos anos 80, The Thing de John Carpenter (1982) e A Mosca de David Cronenberg (1986), são exemplos conhecidos de obras que apelaram para o uso do body horror como principal ferramenta do Terror em sua produção. Esse seria representado nos filmes através de trabalhos de efeitos visuais inteiramente práticos. O primeiro filme retrata ataques de um alienígena que derruba os personagens um a um, tomando seus corpos e assimilando suas formas, para depois descartá-los de formas extremas e grotescas ao ser descoberto. O segundo mostra o processo de transformação de um cientista, com sua pele apodrecendo e descolando de seu corpo, unhas e dentes caindo e a mente se deteriorando, enquanto este passa por uma transição lenta e dolorosa da forma de um homem para a de um inseto. 31 NESTAREZ, Oscar; RODRIGUES, Everaldo. “Body horror”: quando o corpo humano vira matéria-prima do medo. Galileu: Editora Globo, 2021. Disponível em:. Acesso em: Jun. de 2023. 30 DARE, William. The Art of Scary Monster Design. KeenGamer, 2021. Disponível em: . Acesso em: Maio. de 2023. https://revistagalileu.globo.com/Cultura/noticia/2021/07/body-horror-quando-o-corpo-humano-vira-materia-prima-do-medo.html https://revistagalileu.globo.com/Cultura/noticia/2021/07/body-horror-quando-o-corpo-humano-vira-materia-prima-do-medo.html https://www.keengamer.com/articles/features/opinion-pieces/the-art-of-scary-monster-design/ 37 Figura 14 - Recorte dos primeiros Designs do ilustrador Stephan Dupuis, para A Mosca (1986). Fonte:. Figura 15 - Um dos storyboards feitos pelo ilustrador Mike Ploog para The Thing, de John Carpenter. Fonte: Blog Monster Legacy. Disponível em: . Exemplos do uso do body horror em jogos também são frequentes, principalmente no gênero do Terror. Dead Space (Electronic Arts, 2008) é um jogo de Survival Horror em terceira pessoa que compartilha aspectos semelhantes com a obra de John Carpenter (1982) no que diz respeito à história e ao tipo de body horror utilizado em suas criaturas. https://monsterlegacy.net/2017/06/25/the-thing-rob-bottin-john-carpenter-pg1/ 38 Os Necromorphs, como são chamados os inimigos principais do jogo, são vítimas de uma infecção alienígena cujos cadáveres foram desfigurados e reanimados na forma de criaturas extremamente agressivas e letais. São apresentados no jogo vários tipos de Necromorphs, cada um com sua aparência baseada no ambiente e contexto de sua origem, ou seja, do ambiente onde a vítima se encontrava quando teve o infortúnio de ser infectada. Figura 16 - Tentacle Swinger, Ground Mode. Concept Art oficial por Ben Wanat. Fonte: portfólio virtual de Ben Wanat. Disponível em: . Apesar das variações, a maioria deles têm um padrão de características que costuma se repetir. Lacerações extremas, apêndices extras, membros remodelados na forma de ferramentas de ataque, como garras e tentáculos, dentes exageradamente grandes e afiados e estruturas ósseas pontiagudas estão presentes na grande maioria dos Designs.32 32 MARTIN, Geoffrey. Every Monster In Dead Space Ranked From Least To Most Scary. TheGamer, 2021. Disponível em: . Acesso em: jun. de 2023. https://www.artstation.com/artwork/EYgm2 https://www.thegamer.com/dead-space-monsters-scariest-enemies 39 Figura 17 - Leaper, Concept Art oficial por Ben Wanat. Fonte: portfólio virtual de Ben Wanat. Disponível em: . Outros jogos, tais como as franquias Resident Evil e The Last of Us, também trabalham com a ideia de criaturas criadas a partir de infecções por diferentes patógenos. Em The Last of Us (Naughty Dog, 2013) e Resident Evil 7: Biohazard (Capcom, 2017), são apresentados inimigos que tiveram suas origens ligadas a uma infecção fúngica. Em Resident Evil 7: Biohazard, as criaturas são vítimas de uma arma biológica denominada no jogo de “The Mold” (o Mofo). As transformações sofridas são diferentes em cada indivíduo, assim como os Necromorphs de Dead Space, formando diferentes “espécies” de monstros. Os inimigos secundários do jogo, chamados “The Molded” (os Mofados), são basicamente uma massa de fungo preto no formato de um ser humano. Suas diferentes variantes incluem características como a liberação de esporos no ar, projeção de vômito ácido, deformações nos braços assumindo a forma de lâminas etc. https://www.artstation.com/artwork/EYgm2 40 Figura 18 - Modelos oficiais dos Mofados, de Resident Evil 7: Biohazard (Capcom, 2017). Fonte: índice de personagens de Resident Evil no site TV Tropes. Disponível em: . Em The Last of Us (Naughty Dog, 2013) e The Last of Us Part II (Naughty Dog, 2020), a infecção fúngica é trabalhada com uma base biológica mais realista e aprofundada. O cenário apocalíptico do jogo, bem como as origens das criaturas nele se dá por uma epidemia baseada no fungo Cordyceps, inspirado diretamente por fungos existentes na natureza, mais especificamente o gênero Ophiocordyceps.33 O fungo do jogo ataca o hospedeiro ainda vivo e o faz passar por diversos estágios de infecção com diferentes alterações em sua aparência. As formas que os infectados assumem são baseadas no quanto o fungo se desenvolveu e tomou o corpo, começando pelo cérebro, que é infectado inicialmente. 33BREAN, Joseph. The real-life zombie fungus that inspired the post-apocalyptic series The Last Of Us. National Post, 2023. Disponível em: . Acesso em: Jun. de 2023. https://nationalpost.com/health/the-last-of-us-real-zombie-fungus-cordyceps 41 Figura 19 - Infectados pelo Cordyceps, Concept Art por Hyoung Taek Nam. Fonte: portfólio virtual de Hyoung Taek Nam. Disponível em: . Figura 20 - Estágios de infecção, Concept Art por Hyoung Taek Nam. Fonte: portfólio virtual de Hyoung Taek Nam. Disponível em: . A evolução do fungo faz com que esse vá crescendo na cabeça até romper o crânio, projetando em seu exterior formas semelhantes a cogumelos, destruindo tanto o nariz quanto os olhos e deixando a boca e os dentes expostos. A pele, coberta por mofo, https://www.artstation.com/artwork/18nAn8 https://www.artstation.com/artwork/18nAn8 42 começa a descamar e inchar, e a criatura desenvolve um sistema de ecolocalização devido à corrupção de seus sentidos. Em estágios mais avançados, o corpo do hospedeiro se torna significativamente inchado e uma blindagem de placas fúngicas se forma em torno do corpo, bem como aglomerações de cápsulas cheias de toxinas. Pode-se concluir, portanto, que o uso de um Design baseado na remodelagem da anatomia humana e a combinação de elementos diversos a ela é uma ferramenta explorada de forma eficiente na indústria do Terror. Enquanto a falta de identificação com a figura animalesca gera medo por divergências na nossa natureza, a possibilidade do jogador se enxergar em uma criatura que antes era humana como ele, faz com que esse sinta na própria pele a brutalidade de sua forma. 43 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS O trabalho do concept artist na produção de jogos de terror envolve uma multiplicidade de habilidades. É necessário que o artista tenha conhecimento de aspectos históricos, geográficos e culturais do ambiente que se propõe a reproduzir e que esse ambiente, por si só, tenha influência nas reações psíquicas do usuário, de forma a proporcionar-lhe uma experiência satisfatória. No que diz respeito à criação do inimigo ou das criaturas que servirão como ponto central dos jogos na experiência do Terror, o artista tem ainda que se aprofundar no estudo do medo, suas origens, quais são os elementos físicos e características fenotípicas de um personagem capazes de despertar o temor e consequentemente as reações de luta ou fuga geradas no usuário. Nesse sentido, o medo recreativo, ou seja, a experiência desse em uma situação fictícia, proporciona ao usuário a oportunidade de lidar com as emoções desencadeadas em situações de perigo, sem estarem diante de ameaças reais. Além disso, as substâncias químicas produzidas pelo corpo durante a experiência do medo e as sensações advindas da ação dessas substâncias, proporcionam aos usuários adeptos aos jogos de terror sensações de prazer, quer seja sob a forma de energia, euforia ou mesmo de alívio que se sente após o cessamento de uma situação de perigo. Mas o que torna uma criatura sinônimo de ameaça? Descobrir aquilo que produz a sensação de medo extremo é necessário para que o trabalho desse artista atinja o êxito almejado. Embora esse sentimento tenha um caráter fortemente subjetivo, alguns aspectos parecem comuns a todos os seres humanos, de forma que faz-se necessário analisar os medos culturais e simbólicos, as origens da figura do Mal, o temor como forma de defesa à própria integridade física, fobias etc, para que o artista possa desenvolver uma criatura com características físicas capazes de despertar a sensação de pavor no jogador. O trabalho do Designer na composição de características físicas do personagem deve compreender não só os componentes físicos propriamente ditos, como olhos, dentes, garras, compleição física, como também aspectos menos objetivos, mas tão relevantes 44 quanto. Seu grau de realismo, ou seja, a capacidade daquele personagem parecer “possível” aos olhos do usuário, um Design que remeta a simbolismos relacionados ao medo, a capacidade ou não de se identificar com a criatura, configuram elementos que devem ser levados em consideração no processo. Em resumo, embora os jogos produzam situações de falsa ameaça, os sentimentos e sensações produzidas durante a experiência são reais e, nesse sentido, o estudo do medo e sua utilização como ferramenta no processo criativo de personagens deve ser considerado como elemento fundamental para o sucesso na produção de jogos de terror. 45 07 REFERÊNCIAS 3D MONSTER MAZE. J. K. Greye Software: Inglaterra 1982. 1 jogo eletrônico, P&B. A MOSCA. Direção: David Cronenberg. Produção de Stuart Cornfeld. Estados Unidos: Brooksfilms, 1986. 1 DVD. ABUMANSSUR, Edin apud VEIGA, Edison. Como o cristianismo moldou a figura de Satanás para combater outras religiões. BBC NEWS Brasil, 2018. Disponível em: . 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